Trabalho 312 OS SIGNIFICADOS DE ESPIRITUALIDADE E RELIGIOSIDADE EMERGENTES DE PROFISSIONAIS DA ÁREA DE SAÚDE SOB A ÓTICA DO DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO* José Vitor da Silva1 Irineu Tadeu Velasco2 Franklin Santana Santos3 Alexander Moreira-Almeida4 Harold Koenig5 Daniel Rodrigues Machado6 A religiosidade e a espiritualidade sempre foram consideradas importantes aliadas das pessoas que sofrem e/ou estão doentes, entretanto a enfermagem e a medicina ainda estão se despertando para as necessidades religiosas e espirituais dos pacientes. Na literatura, de maneira geral, espiritualidade, religião e religiosidade são usadas como sinônimos, porém estes termos não têm as mesmas características. A espiritualidade, entre outras diversas definições, pode ser entendida como uma força unificadora que não tem como propósito aumentar a vida de uma pessoa, mas facilitar o seu desenvolvimento, dar orientação à realidade na vida diária e um significado para a sua existência. É a transcendência entre o homem e Deus, o que se realiza dentro de um processo contínuo de confiança e interações entre o homem e Deus. A religião, por sua vez, é uma crença no sobrenatural ou numa força divina que tem o poder sobre o universo e que como tal deve ser adorada e obedecida. Religiosidade é a extensão no qual uma pessoa acredita, segue e pratica uma religião. O objetivo do presente estudo foi: identificar os significados de espiritualidade e religiosidade emergentes de médicos e enfermeiros residentes em cidades sul mineiras. A abordagem foi qualitativa e do tipo descritivo-exploratório. Para conhecer e descrever os significados de espiritualidade e religiosidade pelos profissionais da área da saúde sob o referencial das representações sociais a opção pela abordagem qualitativa foi o melhor caminho e o Discurso do Sujeito Coletivo se constituiu no método escolhido para a construção dos significados, permitindo a aproximação com o fenômeno de estudo. A amostra constitui-se de 40 profissionais da área da saúde, sendo 20 enfermeiros e os demais médicos das cidades de Itajubá e Pouso Alegre-MG. A amostragem foi do tipo intencional ou teórica. Foram adotados os seguintes critérios de elegibilidade: que fossem médico ou enfermeiro; sem distinção de gênero; atuassem com pessoas enfermas hospitalizadas ou no domicílio; concordassem em participar do estudo e residissem em Itajubá ou Pouso Alegre-MG. Os critérios de exclusão consistiram 1369 Trabalho 312 nas situações contrárias às de inclusão. Para a coleta de dados, utilizou-se o roteiro de entrevista semi estruturada, formado por duas perguntas abrangendo uma o significado de espiritualidade e a outra sobre religiosidade. As entrevistas foram gravadas e transcritas literalmente. As diretrizes metodológicas do Discurso do Sujeito Coletivo foram utilizadas para a seleção das expressões-chave e das ideias centrais correspondentes, a partir das quais foram extraídos os discursos dos enfermeiros e dos médicos. O presente trabalho foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa da Diretoria Clínica do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, sob número de protocolo 0182/08. Os enfermeiros identificaram as seguintes representações sociais sobre o evento “significados de espiritualidade”: “acreditar em um ser superior”; “algo que vem de dentro da pessoa”; “ligação com Deus, universo e religiosidade” e “necessidade de acreditar e adorar”. Os médicos caracterizaram este fenômeno pelas seguintes ideias: “algo além do corpo”; “acreditar em algo”; “conjunto de sentimentos”; “relacionamento com Deus” e “seguir Cristo”. “Os significados de religiosidade” foram evidenciados pelos enfermeiros por meio das seguintes conotações: “acreditar em Deus”; “prática da religião”; “acreditar na religião”; “ter uma crença e ser uma pessoa religiosa” “religião” e “caminho e maneira de se chegar a Deus”. Os médicos estabeleceram “os significados de religiosidade” por meio das seguintes expressões: “crença em uma religião”; “algo em que se acredita”; “situação cultural”; “seguir uma doutrina” e “conotações diversificadas”. Confirma-se neste estudo um caráter multidimensional dos construtos religiosidade e espiritualidade, assim como revela-se o quanto a espiritualidade e a religiosidade ainda não são conceitos devidamente identificados e compreendidos pelos participantes do estudo. Ao tentar entender a incompreensão que existe entre religiosidade e espiritualidade, o presente estudo contribuirá para o processo de conhecimento adequado e suficiente sobre esses fenômenos, o que repercutirá no processo cuidativo e no sistema de diagnóstico e tratamento realizado com os pacientes. A partir do conhecimento verticalizado sobre estes conceitos o profissional médico e o enfermeiro poderão utilizá-los como estratégias no atendimento ao paciente. A realização do estudo desses dois conceitos poderá resultar futuramente em: 1) despertar a equipe da área de saúde para a necessidade e importância de se aprofundarem nesse tema, o que resultará numa assistência mais completa e com qualidade aos pacientes; 2) possibilidade de se inserir, na formação do médico e do enfermeiro, conteúdos sobre esses assuntos 3) desenvolver um trabalho inter-profissional e interdisciplinar entre médicos e enfermeiros; e 4) acrescentar ao Histórico de Enfermagem, na seção referente à entrevista, a coleta de dados (anamnese), informações sobre a parte religiosa e espiritual dos nossos pacientes, como um recurso terapêutico de assistência de enfermagem, autonomia e respeito a eles. Esta anamnese ou coleta de dados espirituais e de religiosidade identificará as crenças básicas; se a 1370 Trabalho 312 espiritualidade dá conforto ou causa estresse; se há crenças que entram em conflito com prescrições médicas; se há uma comunidade religiosa de apoio; se a possibilidade de compartilhar uma prece com o paciente aumenta a confiança no tratamento; encaminhamento para um atendimento religioso e espiritual específico; identificação de necessidades que requerem maior apoio, principalmente em casos mais graves, nos quais são comuns os medos, a busca pela transcendência, presença de sentimentos de culpa, remorsos e outros. Tais informações auxiliarão a assistência espiritual e religiosa de forma concreta e objetiva, oferecendo subsídios que auxiliarão e integrarão a sistematização da assistência de enfermagem. Cabe ao profissional da área de saúde estar atento às dimensões religiosa e espiritual do ser humano, tendo conhecimento adequado e suficiente sobre elas, pois os mistérios envoltos nesses fenômenos sempre foram expressão de uma necessidade fundamental do homem. A pessoa externa suas condições psicológicas fundamentais nos mais diferentes ritos, crenças ou qualquer nome que se lhes possa dar. Por tudo isso, os dogmas, crenças e fé pessoais nunca podem e devem ser submetidos a qualquer tipo de crítica. Torna-se necessário respeitar e atender às suas necessidades da melhor maneira possível. Ao profissional compete, ainda, saber utilizar as verdades da religiosidade e espiritualidade de cada paciente para motivá-lo no tratamento e, principalmente, para dar suporte na hora da morte, em razão da complexidade da situação vivida. Também compete a ele respeitar e aceitar toda manifestação religiosa, independentemente do próprio credo e de seus valores. É vital dizer sim a qualquer manifestação espiritual da pessoa e poder entender os símbolos que o paciente produz. O cuidado de enfermagem implica também ajudar a pessoa a encontrar e desenvolver um projeto de sentido de sua existência, mesmo que não encontre respostas plenas e claras. Porém, o mais importante no atendimento aos pacientes e, de modo especial, aos que estão na proximidade da morte, é a acolhida, a qualidade da presença e do calor humano, e não a qualidade das respostas ou doutrinas. Descritores: Religião, Espiritualidade, Profissional de saúde. Área temática do trabalho: Processo de Cuidar em Saúde e Enfermagem. Eixo Temático do evento: A pesquisa de Enfermagem no processo de cuidar e educar: interdisciplinaridade, transculturalidade e difusão do conhecimento. 1371 Trabalho 312 * Parte da tese de pós-doutorado da disciplina de Emergências Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo REFERÊNCIAS Facure NO. Ciência e espiritualidade. Rev. Filosofia 2003; 6(6): 353-356. Koenig HG, Larson DB, Matthews DA. Religion and psychotherapy with older adults. Journal of Geriatric Psychiatry 1996; 2(29): 155-184. Lefèvre F, Lefèvre AM. Depoimentos e Discursos: uma proposta de análise em pesquisa social. Brasília: Líber Livro; 2005. 1 - Enfermeiro. Pós-doutorando pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Docente da Escola de Enfermagem Wenceslau Braz (EEWB), Itajubá-MG e da Universidade do Vale do Sapucaí, Pouso Alegre-MG. E-mail: [email protected] 2 – Médico. Doutor em Medicina. Supervisor de pós-doutorado e docente da FMUSP. 3 – Médico, especialista em geriatria e gerontologia. Doutor em Medicina. Supervisor de pós-doutorado e docente de pósgraduação da FMUSP. 4- Médico, especialista em psiquiatria. Doutor em medicina. Docente da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). 5 – Médico, psiquiatra e geriatra. Doutor em medicina. Docente da DUKE University (EUA) e diretor do Centro de DUKE de Espiritualidade, Teologia e Saúde. 6 – Acadêmico do 7° período do curso de graduação em enfermagem da EEWB. 1372