Espiritualidade na Dependência Química

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Espiritualidade na Dependência Química
Alessandro Alves
Profissionais da saúde, pesquisadores e a população em geral reconhecem, cada vez
mais, a importância da dimensão religiosa e espiritual para a saúde. Diversos estudos
científicos sobre as relações entre saúde e espiritualidade estão presentes em diversos
centros de pesquisas espalhados pelo mundo (por exemplo, nos Estados Unidos, as
Universidades George Washington e Duke têm centros de pesquisa em espiritualidade e
saúde. Na Harvard Medical School e no Mind/Body Medical Institute of Deaconess Hospital,
em Boston, existem cursos destinados a examinar as relações entre práticas médicas e
religião. Ainda no mesmo país, há o curso oferecido pelo Johns Hopkins Spirituality and
Medicine Institute. Na Europa, The Spirituality and Psychiatry Special Interest Group, do
Royal College of Psychiatrists, que se dedica a pesquisas sobre as interferências espirituais
na saúde mental), e esses estudos apontam que crenças e práticas religiosas estão
associadas a uma melhor saúde física e mental, incluindo melhor qualidade de vida. Há
um consistente e diversificado corpo de evidências indicando a relevância da
religiosidade e da espiritualidade na saúde mental, de tal maneira que discutir ou pesquisar
se essa relação benéfica entre espiritualidade e saúde é válida ou não já está
ultrapassada. Veja abaixo por que:
Em relação à saúde mental, existem milhares de pesquisas. A maior parte sugere uma
associação do envolvimento religioso com maiores níveis de satisfação de vida, tais como:
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Sensação de bem estar
Senso de propósito
Significado da vida
Esperança
Otimismo
Estabilidade nos casamentos
Menores índices de ansiedade e depressão
Menores índices de abuso de substâncias
Outros estudos demonstram que pessoas com envolvimento religioso têm menor
probabilidade de:
 Usar e abusar de álcool, cigarros e drogas,
 Apresentar comportamentos de risco, como o sexo sem proteção, delinqüência e
crime, especialmente os adolescentes.
Ainda entre os adolescentes, o envolvimento religioso também é relacionado a menores
taxas de suicídio e de atividade sexual precoce e conseqüente gravidez prematura.
O que nos cabe hoje, em ciência moderna, como profissionais de saúde mental, é
encontrar as nossas dificuldades em lidar com esses assuntos na prática diária. Essas
dificuldades passam por tópicos desde carência de treinamento em temas dessa natureza
até os sistemas de crenças diversos de cada profissional, que podem gerar dificuldades em
lidar com as crenças religiosas dos pacientes.
Os conceitos de religiosidade e espiritualidade
Espiritualidade e religião parecem a mesma coisa. Mas são?
Antes de iniciar o estudo sobre o tema, é de extrema importância definir os conceitos de
espiritualidade e religiosidade, uma vez que existe um infindável debate epistemológico na
utilização desses conceitos. Há várias definições para esses dois vocábulos, mas
apresentamos aquelas que nos parecem mais simples e mais perto do que consideramos
adequado:


Espiritualidade é uma busca pessoal pela compreensão das questões da vida, de
seu significado e da relação com o sagrado e o transcendente, podendo ou não
conduzir ou originar rituais religiosos e formação de comunidades.
Religião é um sistema organizado de crenças, práticas, rituais e símbolos,
destinados a facilitar a proximidade com o sagrado e o transcendente: Deus ou
uma força superior, nominadas ou não.
Religião desenvolve espiritualidade?
Na literatura em geral, ainda há controvérsia se a religião é benéfica ou prejudicial. O que
se procura avaliar é se a forma como o indivíduo interpreta ou pratica sua religiãoé
funcional ou disfuncional.
A prática religiosa funcional é aquela que facilita o desenvolvimento da personalidade
como um todo, ao mesmo tempo em que encoraja relacionamentos construtivos e interdependentes com outras pessoas. Também ajuda a pessoa a aceitar a realidade, sendo
fonte de inspiração para o uso de recursos disponíveis no ser humano, com o objetivo de
atingir alvos nobres. Ao contrário, a prática religiosa disfuncional é negativa e visa ao
controle social por meio da culpa, do medo e da vergonha. Encoraja os seguidores a
adotarem uma atitude de superioridade, de intolerância e de julgamento perante aqueles
que possuem idéias contrárias. Pequenos temas se transformam em importantes e exigem
a suspensão da razão. Porém, muitas pessoas sentem grande apoio e orientação,
segurança e clareza nesse ambiente, pois não precisam tomar decisões morais,
deixando-se guiar com fé e confiança.
Prática religiosa funcional
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Reduz a ansiedade existencial.
Fonte de esperança e sensação de bem estar emocional.
Promove coesão social.
Fornece identidade ao unir pessoas em torno de um ideal comum.
Orientação moral que diminui estilo de vida autodestrutivo.
Sensação de controle ao se unir com uma força onipotente.
Diminui a ansiedade da morte.
Desperta segurança para enfrentar dor e sofrimento.
Fonte de solução de conflitos emocionais e situacionais.
Prática religiosa disfuncional
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Gera culpa patológica.
Diminui a auto-estima.
Gera ansiedade e medo por meio de crenças punitivas.
Obstáculo para o crescimento pessoal.
Favorece o conformismo e a sugestionabilidade.
Inibe a expressão de sensações sexuais
Fonte de paranóia.
Espiritualidade, religiosidade e recuperação de dependentes
de drogas
Impossível falar de espiritualidade como tratamento de dependência química sem falar de
Alcoólicos Anônimos, bem como de seu posterior desdobramento, a irmandade de
Narcóticos Anônimos. São seguramente os primeiros a falarem em espiritualidade para seus
membros, gente com uma história de sofrimento absurdo em função de sua
toxicodependência/alcoolismo, desvinculando esse conceito de um modelo tradicional de
religião. Isso pode ser verificado no próprio preâmbulo de AA:
“ALCOÓLICOS ANÔNIMOS é uma irmandade de homens e mulheres que compartilham suas experiências, forças e
esperanças a fim de resolver o seu problema comum e ajudarem outros a se recuperarem do alcoolismo.O único
requisito para se tornar membro é o desejo de parar de beber.Para ser membro de A.A. não há necessidade de se
pagar taxas nem mensalidades somos auto-suficientes graças às nossas próprias contribuições. A.A. não esta ligado
a nenhuma seita ou religião, nenhum movimento político, nenhuma organização ou instituição não deseja entrar em
qualquer controvérsia; não apóia nem combate quaisquer causas. Nosso propósito primordial é mantermo-nos sóbrios
e ajudar outros alcoólicos a alcançarem a sobriedade”.
Essas características podem ser responsáveis pela imensa capacidade de agregar em um
mesmo espaço pessoas tão diferentes. Mas outra relação menos conhecida do Programa
de Doze Passos está de fato intimamente ligada ao convívio religioso, visto que algumas
das idéias que perduram até hoje se originaram dos grupos de Oxford. Vejam um pequeno
trecho de um relato histórico entre esse grupo religiosos e os interesses de Bill W., um dos cofundadores de Alcoólicos Anônimos:
"AA no seu início recebeu é idéias de autoconhecimento, reconhecimento de defeitos de caráter,
reparação para dano causado, e trabalhando com outros diretamente dos Grupos de Oxford e
diretamente de Sam Shoemaker, o primeiro líder desse grupo na América, e em nenhum outro lugar." Em
"AA atinge a maioridade”.
Eles praticavam rendição absoluta, direção de suas vidas por um Espírito Santo, compartilhar
experiências, companheirismo, mudança de vida, fé e oração. Apontaram para padrões absolutos de
Amor, Pureza, Honestidade, e eliminação do total do egoísmo, que foram introduzidos nos primeiro
grupos de AA em Akron e Cleveland e Nova Iorque. Acima de tudo no grupo existia um companheirismo:
"O Companheirismo Cristão do Primeiro Século."
Levavam sua mensagem agressivamente aos outros. Reuniam-se em igrejas, universidades, e
lares.
Em 1932 e 1933, um homem chamado Rowland Hazard, filho de um Senador e proprietário bem sucedido
de um engenho da Ilha de Rhode, tinha tornado-se um Alcoólico sem esperança, e foi procurar ajuda com
um psiquiatra de fama mundial, Carl Jung. Jung falou que não havia nenhuma esperança para ele ali, que
voltasse para casa e que talvez encontrasse essa ajuda em algum grupo religioso. Foi o que fez e
ingressou no Grupo de Oxford nos Estados Unidos e tornou-se sóbrio. Ensinaram-lhe certos princípios
que ele aplicou a sua vida. Este relato está documentado por Ed no Livro Azul (O livro texto de Alcoólicos
Anônimos)
Em 1934, Ebby Thatcher, amigo de infância de Bill Wilson, estava para ser preso como um bêbado
crônico em Bennington, Vermont. Foi visitado por três homens de um Grupo de Oxford; Shep Cornell,
Rowland Hazard, e Cebra Graves. Eles posteriormente enviaram sozinho Rowland Hazard para ver Ebby.
Agiu como um tipo de padrinho e contou seu relato. Ensinou os preceitos que ele tinha aprendido para
Ebby no Grupo de Oxford. Mais tarde, como sabemos, em dezembro desse ano, Ebby teve sua
oportunidade de transmitir estes preceitos para Bill Wilson. Aqui estão esses preceitos, transcrito de uma
fita de uma das conversas de Bill sobre A.A.:

Admitimos somos impotentes.

Seremos honestos conosco mesmos.

Falaremos sobre isso com outra pessoa.

Faremos reparação a quem prejudicamos.

Levaremos essa mensagem a outros de graça.

Oramos a um Deus que nós o entendemos.
Percebam portando a semelhança dos princípios espirituais dos grupos Oxford com os
atuais princípios dos Doze Passos de AA e NA.
Como o Profissional de Saúde Mental pode atuar no campo
da Espiritualidade?
1) Colher a história espiritual: O terapeuta deve reunir informações sobre as
experiências espirituais e religiosas de seus pacientes, suas experiências durante a
vida e determinar qual papel desempenha nos seus problemas atuais. Mesmo que
se perceba que o assunto naquele momento não é relevante, o paciente deve ser
perguntado, para que o paciente perceba que pode tocar no assunto caso sinta
necessidade no futuro. Se o paciente sentir dúvidas sobre a razão pela qual o
assunto estar sendo tocado, explique brevemente que a religião e a espiritualidade
influenciam o modo como muitas pessoas cuidam de sua saúde e tratam suas
doenças. Você pode usar como norteadoras as seguintes questões:

Você se considera uma pessoa religiosa ou espiritualizada? Caso afirmativo,
qual a importância da religião/espiritualidade na sua vida?

Você é membro de alguma comunidade religiosa ou espiritual? Qual? Ela
oferece apoio? De que tipo?

Sua Religiosidade ou Espiritualidade influencia o modo como você lida com
seus problemas em geral e com esse (motivo da consulta) em particular?

Sua religiosidade ou espiritualidade oferece conforto ou é fonte de
estresse?
2)Lidar com as crenças: Quando as práticas religiosas e o apoio dos grupos religiosos são
ou foram úteis, o paciente deve ser incentivado e apoiado a manter ou refazer o vínculo.
Podem ser sugeridas leituras, práticas de oração, meditação, buscas de aconselhamento
religioso e participação em atividades assistenciais promovidas pelos grupos religiosos.
Objetivo é estimular o “coping” espiritual.
O que é
“Coping”?
É o modo como um paciente lida com situações de stress. Pode ser
positivo ou negativo.
O Profissional deve ser respeitoso ao conversar sobre as crenças do paciente, pois nesse
momento suas convicções religiosas podem contaminar a entrevista e o princípio da
neutralidade pode ser abandonado. Mesmo que bizarras ou claramente patológicas, as
crenças religiosas devem ser tratadas com respeito e deve-se tentar compreendê-las.
Normalmente as crenças religiosas contribuem para proporcionar sentido à vida e auxílio
às dificuldades encontradas, sendo fonte de consolo e esperança. Quando a crença
religiosa em questão, no entanto, contribui para a manutenção do estado patológico, a
melhor estratégia é uma postura inicial respeitosa e neutra. Em algum ponto, contudo,
essas crenças serão gentilmente desafiadas e o paciente será convidado a analisar outros
pontos de vista.
3) Interação com Líderes religiosos: Por vezes pode ocorrer oposição entre questões
religiosas e o tratamento oferecido. Nestes casos pode ser de grande valia contar
com o Líder religioso, após autorizado pelo paciente, nunca com postura de
confrontamento, mas sempre tentando trabalhar em conjunto. Normalmente ao
perceber postura não hostil e atuação colaborativa, o Líder passa a estimular a
adesão da paciente ao tratamento.
Critérios sugestivos de experiências espirituais saudáveis

Ausência de sofrimento psicológico.

Ausência de prejuízos sociais e ocupacionais.

A experiência tem duração curta e ocorre episodicamente .

Existe uma atitude crítica sobre a realidade objetiva da experiência.

Existe compatibilidade da experiência com algum grupo cultural ou religioso.

Ausência de comorbidades.

A experiência é controlada.

A experiência gera crescimento pessoal.

A experiência é voltada para os outros
Tratamentos com abordagem religiosa e espiritual
A APA Associação Psiquiátrica Americana) recomenda que os psiquiatras respeitem e
considerem com relevância a identidade cultural, espiritual e religiosa dos pacientes ao
decidir por um tratamento. Esclarece que as crenças religiosas e espirituais podem ser
importantes fontes de esperança e significado. Cita o programa de 12 passos, com uma dimensão espiritual, como importante para o tratamento. Considera que as comunidades
religiosas e espirituais facilitem a reintegração social e oferecem estabilidade, inspiração e
apoio prático para os membros mentalmente doentes.
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