UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN
Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação - PROPEG
Centro de Ciências Sociais Aplicadas – CCSA
Departamento de Serviço Social - DESSO
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – PPGSS
Tássia Rejane Monte dos Santos
A ORGANIZAÇÃO SINDICAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS NO BRASIL: dilemas
e desafios contemporâneos
Natal - RN
2010
Tássia Rejane Monte dos Santos
A ORGANIZAÇÃO SINDICAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS NO BRASIL: dilemas
e desafios contemporâneos
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Serviço
Social da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito parcial
para obtenção do título de mestre em
Serviço Social.
Orientadora: Profa Dra Sâmya Rodrigues
Ramos
Natal – RN
2010
Seção de Informação e Referência
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede
Santos, Tássia Rejane Monte dos.
A organização sindical dos assistentes sociais no Brasil: dilemas e desafios
contemporâneos / Tássia Rejane Monte dos Santos. – Natal, RN, 2010.
178 f.
Orientadora: Sâmya Rodrigues Ramos.
Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas – Departamento de Serviço Social.
1. Movimento sindical - Dissertação. 2. Organização política - Dissertação. 3.
Serviço social – Dissertação. 4. Sindicalismo – Dissertação. I. Ramos, Sâmya
Rodrigues. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/UF/BCZM
CDU 331.105.441
AGRADECIMENTOS
Penso que agradecer é uma forma de demonstrar o reconhecimento de outrem em
nossa vida. Nesse momento, não poderia deixar de agradecer as pessoas queridas
que me apoiaram, desde outras jornadas, e as que a vida me presenteou, nessa
caminhada recente. Foi fundamental ter podido contar com vocês nessa empreitada
que me imprimiu marcadas inesquecíveis de aprendizados múltiplos. Apesar dos
momentos e caminhos tortuosos percorridos nesse processo, é bom sentir a alegria
de poder olhar pra trás e ver que por tudo isso, viver, valeu! Com toda a emoção que
me toma nesse momento, quero com carinho agradecer:
Aos meus pais, Marlúcia e Antônio, pelo amor sincero e pelos incentivos constantes;
As minhas manas, queridas, Tati, Ná e Tatá pela nossa amizade gostosa e pela
força que me deram no encaminhamento das questões práticas desta pesquisa.
Foram-me indispensáveis... Tatá, seu apoio e trato afetuoso na nossa convivência,
sobretudo, nesses últimos meses, de tensão, foram fundamentais;
A Sâmya, acima de tudo, pela sua amizade que é um presente em minha vida.
Quero agradecê-la pelo incentivo de sempre, pela paciência que, em respeito ao
meu ritmo indisciplinado, exercitou na trajetória de orientação desta dissertação e,
sobretudo, pelo crédito que me tem concedido na parceria intelectual que
prazerosamente travamos, nesses últimos anos, processo do qual este trabalho é
mais um fruto;
A Tina, pelo companheirismo afetuoso sempre presente e pela sua leveza
espirituosa contagiante. Seu apoio e incentivos constantes me são muito caros;
Ao Juquinha, pela sua doçura e pelos momentos de distração nos passeio pelas
ruas do Capim Macio e nos joguinhos de bola;
As minhas queridas amigas, Li, Tró e Déa, pela amizade carinhosa e acolhedora de
múltiplos e recíprocos incentivos pessoais e profissionais;
A Gláucia Russo, pela delicadeza, sinceridade e generosidade com as quais tem
sempre me tratado no processo de construção de nossa amizade. Sou grata,
também, pelo prazer de contar com a sua participação na composição da banca
examinadora deste trabalho;
A Silvana Mara, pela sua sensibilidade compreensiva e pelo carinho da sua
amizade. Quero agradecê-la, também, pela grande contribuição à reflexão de
questões relacionadas à problemática de estudo, realizada desde o exame de
qualificação do projeto desta pesquisa;
A Ângela Amaral, pela participação na banca examinadora do projeto no exame de
qualificação, pelas pertinentes contribuições que deu à construção deste trabalho e
pela atenção dispensada nesse processo;
A Bruno e Mayara, meus primos e amigos queridos de infância, por terem me
acolhimento em sua casa, quando cheguei a esta cidade do Natal, para cursar o
mestrado e pelo afeto da nossa amizade e tempo de convívio;
A todas as professoras e aos colegas do Programa de Pós-graduação em Serviço
Social da UFRN e a Lucinha, pela atenção e delicadeza com a qual conduziu todos
os encaminhamentos junto à secretaria do Programa, durante essa jornada;
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo
financiamento, tão devido, da bolsa de estudo, que viabilizou objetivamente a
realização desta pesquisa;
Aos representantes dos sindicatos e das entidades nacionais do Serviço Social, pela
grandiosa contribuição que deram a este trabalho, ao me permitirem realizar as
entrevistas e por terem encaminhado com prontidão as repostas do questionário de
pesquisa.
Posso, por falha da memória, esquecer-me aqui do meu débito com algumas
pessoas, por isso quero agradecer a todas as pessoas que permearam esse
processo e lhe conferiram sentido e particularidade.
Apenas quando somos instruídos pela realidade é que podemos mudá-la
(Bertolt Brecht).
RESUMO
Este trabalho discute os dilemas e desafios da organização sindical dos assistentes
sociais no Brasil contemporâneo. O estudo da temática está respaldo em uma
pesquisa bibliográfica, com destaque para as produções que tratam sobre o
movimento sindical dos trabalhadores na realidade brasileira; bem como, numa
pesquisa de campo, que consistiu de entrevistas com dirigentes sindicais nacionais
da CUT e CONLUTAS, como também de representantes nacionais das entidades
representativas da categoria profissional de assistentes sociais, notadamente,
CFESS, ABEPSS e ENESSO e da entidade sindical nacional da categoria, FENAS.
A análise do objeto se orienta na perspectiva de totalidade, considerando os seus
aspectos fundantes e contraditórios na dinâmica sócio-histórica atual. As inflexões
ocorridas no Movimento Sindical brasileiro, no início da década de 1990, período no
qual a ofensiva do capital, caracterizada pela fusão da acumulação flexível e dos
ditames da política neoliberal se instala no país causou um profundo abalo na vida e
organização da classe trabalhadora. Os principais rebatimentos desse processo se
evidenciam atualmente, na forma defensiva da organização das lutas sindicais,
notadamente fragilizada e fragmentada. No caso da categoria dos assistentes
sociais é sintomático o retrocesso político, vivenciado pelo processo de reabertura
dos seus sindicatos e da criação da FENAS. Esta definição, parte da análise que
considera
mais
corporativista
do
estratégica
a
sindicalismo
perspectiva
de
massa
de
dos
organização
anos
classista,
1980,
anti-
incorporada,
majoritariamente, pela categoria e expressa pela extinção dos seus sindicatos e
unificação às lutas mais gerais dos trabalhadores com a transição para a
sindicalização por ramo de atividade. Diante desta realidade, analisamos as
perspectivas políticas de atuação do movimento sindical brasileiro, partindo da
caracterização das modalidades de organização das lutas sindicais e situamos
nesse processo, o movimento de reabertura dos sindicatos de assistentes sociais, a
partir do surgimento da FENAS. Com isso, objetivamos identificar as particularidades
e as perspectivas ideo-políticas que conformam o dilema da organização sindical a
partir deste movimento de reabertura, já que corresponde a uma tendência política,
majoritariamente, superada no interior do Serviço Social brasileiro.
Palavras-chave: Serviço Social. Movimento Sindical. Organização Política.
ABSTRACT
This paper discusses the dilemmas and challenges of the union of social workers in
contemporary Brazil. The study is supported by the theme in a literature search,
especially productions that deal with the trade union movement of workers in the
brazilian reality, as well as on field research, which consisted of interviews with
national trade union leaders of the CUT and CONLUTA as also representatives of
national organizations representing the professional category of social workers,
notably CFESS, ABEPSS ENESSO and a labor union and the national category,
FENAS. The analysis of the object is oriented in the perspective of totality,
considering its founding and contradictory aspects of the current socio-historical
dynamics. The inflections occurred in the razilian Labor Movement in the early
1990s, during which the offensive of capital, characterized by the fusion of flexible
accumulation and the dictates of neoliberal policy is established in the country,
caused a profound shock in life and organization of the class working. The major
repercussions of this process are evident today in the form of defensive organization
of trade union struggles, notably fragile and fragmented. In the case of the category
of social workers is symptomatic of the political backlash, experienced the process of
reopening their unions and the creation of FENAS. This definition, part of the analysis
that considers more strategic perspective of class organization, corporate antiunionism of the mass of the 1980s, built, largely, by category and expressed by the
extinction of their union and unification to the broader struggles of workers with
transition to unionization by industry. Given this reality, we analyze the performance
of
the
political
perspectives
of
the
brazilian
labor
movement,
from
the
characterization of organizational arrangements for trade union struggles and situate
this process, the motion to reopen union of social workers, from the emergence of
FENAS. Therefore, we aimed to identify the particular and the ideological and
political perspectives that make up the dilemma of the trade union movement from
this reopening, as corresponds to a political trend, largely, overcome within the
brazilian social work.
Keywords: Social Work, Trade Union, Political Organization
.
LISTA DE SIGLAS
ABEPSS - Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
ABESS - Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social
ALAETS - Associação Latino-Americana de Escolas de Trabalho Social
ALAIETS - Associação Latino-Americana de Pesquisa e Ensino de Trabalho Social
ANAS - Associação Nacional de Assistentes Sociais
ANAS - Assembléia Nacional de Assistentes sociais
CBAS - Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
CGT - Central Geral dos Trabalhadores
CELATS - Centro latino-americano de Trabalho Social
CENEAS - Comissão Executiva Nacional de Entidades Sindicais de Assistentes
Sociais
CFAS - Conselho Federal de Assistentes Sociais
CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas
CRAS - Conselho Regional de Assistentes Sociais
CFESS - Conselho Federal de Serviço Social
CRESS - Conselho Regional de Serviço Social
CUT - Central Ùnica dos Trabalhadores
DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos
FENAS - Federação Nacional dos Assistentes Sociais
ONG- Organização não-governamental
SINDSAÚDE - Sindicato dos Trabalhadores em Saúde
SMP- Salário Mínimo Profissional
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................
09
2 A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DA CATEGORIA DOS ASISTENTES SOCIAIS NO
BRASIL CONTEMPORÂNEO............................................................................... 21
2.1 Reestruturação produtiva e mundo do trabalho........................................ 22
2.2 Os rebatimentos da dinâmica do capital na organização política da classe
trabalhadora.......................................................................................................... 30
2.3 A organização política profissional dos assistentes sociais e o processo de
construção do projeto ético-político.................................................................. 54
3 TRAJETÓRIA HISTÓRICA E RESPOSTAS ATUAIS PARA A ORGANIZAÇÃO
SINDICAL NO BRASIL........................................................................................
79
3.1 Movimento sindical no Brasil: trajetória histórica e desafios atuais....... 79
3.2 O papel político da CUT na organização da classe trabalhadora
brasileira....................................................................................................................88
3.3 A CONLUTAS como alternativa à organização da classe trabalhadora... 106
4 A ORGANIZAÇÃO SINDICAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS NA REALIDADE
BRASILEIRA: DILEMAS E DESAFIOS ATUAIS..............................................
116
4.1 A trajetória da organização sindical da categoria: da ANAS a FENAS.... 116
4.2 O debate sindical no âmbito das entidades nacionais da categoria........ 134
4.3 Organização sindical por ramo ou categoria? Polêmica nas estratégias de
mobilização da categoria de assistentes sociais............................................. 156
5 CONSIDERAÇÕES
FINAIS................................................................................................................... 167
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 173
9
1. Introdução
Como sabemos a superação capitalista da crise estrutural dos anos 1970 se
processou, a partir de uma complexa combinação entre a reestruturação produtiva e a
política neoliberal. Todas as mudanças que resultaram dessa combinação se
inscreveram na dinâmica macro-social do modo de produção capitalista e de todas as
suas
formações
sociais
contemporâneas.
Trata-se,
em
outros
termos,
da
particularidade histórica que envolve a crise do Estado de Bem-Estar Social; da social
democracia; do socialismo real; o revigoramento dos preceitos liberais e a constituição
ideológica das teorias pós-modernas.
As alterações sócio-econômicas e ideo-políticas que se abrem nesse período
contra-revolucionário, suscitam uma profunda regressão nas lutas sociais. São
amplamente verificáveis os impactos causados pelo processo de desmonte das
proteções legais; e pelo aguçamento das estratégias de racionalização do uso da força
de trabalho, que determinam a concorrência internacional entre os trabalhadores,
causando inflexões ofensivas nas formas mais tradicionais e combativas de
organização dos trabalhadores, das quais o movimento sindical faz parte.
A desagregação política na dimensão organizativa da classe trabalhadora,
provocada pelo reordenamento da acumulação capitalista, vem ganhando, nessas
últimas décadas, amplitudes incomensuráveis, sem precedentes. O movimento dos
trabalhadores em âmbito internacional, sobretudo nos países capitalistas avançados,
passa desde a disposição dos primeiros governos neoliberais - dos quais se destacam
os governos de Tatcher1, na Inglaterra e de Reagan2, nos Estados Unidos – por um
profundo processo de descenso da sua ação política.
1
Margaret Tatcher, Primeira-Ministra Britânica (1979-1990), também conhecida como “Mão de ferro”, foi uma das
precursoras na implantação da Política Neoliberal no país e no mundo. Atraída pelos preceitos liberais, realizou com
austeridade o compromisso de estabilizar a economia e contrapor-se ao comunismo soviético. A política econômica
adotada pelo seu governo garantiu o controle da inflação, mas a custa de um dos maiores índices de desemprego do
século XX; do fechamento de empresas e bancos, resultando numa grande recessão econômica. As medidas sóciopolíticas do Governo Tatcher previam o aniquilamento do movimento sindical, e de todas as formas de resistência
política dos trabalhadores, bem como de grande parte das garantias sociais e trabalhistas. Prova disso foi a forma
truculenta com a qual revidou uma das maiores greves do país, realizada pelos trabalhadores das minas de carvão,
em meados dos anos 1980; a extinção do salário mínimo, e suspensão de programas assistenciais.
2
Ronald Reagan exerceu o cargo de Presidente dos Estados Unidos, por dois mandatos consecutivos (1981-1989).
Sua política de recuperação econômica já em 1981 foi sustentada por medidas orientada para desregulamentação,
cortes de impostos e combate a movimentos de trabalhadores, sobretudo de movimentos grevistas. Do ponto de
vista da política internacional, sobretudo no segundo mandato, suas prioridades foram demarcadas pelo combate ao
10
Entre nós, os rebatimentos da política neoliberal foram, senão maiores, muito
mais perversos, dada as profundas discrepâncias sócio-econômicas entre o centro e a
periferia do sistema capitalista, no que diz respeito, sobretudo aos níveis de
organização política da classe trabalhadora e das suas conquistas históricas, no campo
dos direitos sociais e trabalhistas.
Em se tratando, particularmente, da trajetória histórica de organização
sindical dos trabalhadores brasileiros, suas alterações mais relevantes, do ponto de
vista ideo-político, datam de um período muito recente na história do país.
Na fase de decadência do regime militar, iniciado em 1979, a sociedade
brasileira passou por um processo de revitalização das lutas populares mais
combativas. O campo político foi ampliado e novos sujeitos coletivos ganharam a cena
política, dentre os que conquistaram maior destaque estavam os setores de
trabalhadores sindicalizados. A radicalização de determinadas tendências progressistas
no setor sindical, suscitou um movimento de organização política caracterizado pelo
direcionamento para um sindicalismo de lutas, de massas e de bases, o que assinalava
para uma perspectiva inversa as tendências do sindicalismo internacional. O Novo
Sindicalismo brasileiro intentou romper com a estrutura sindical vertical/oficial e
construir a nova estrutura sindical, a partir da Central Única dos Trabalhadores (CUT),
que, a época, assumiu o compromisso com a defesa dos interesses imediatos e
históricos da classe trabalhadora; a luta por melhores condições de vida e trabalho e
pelo engajamento no processo de transformação da sociedade brasileira em direção a
democracia e ao socialismo (ABRAMIDES e CABRAL, 1995).
A organização político-sindical dos assistentes sociais, nesse período,
arregimenta-se a partir da criação da Comissão Executiva Nacional de Entidades
Sindicais de Assistentes Sociais (CENEAS), em 1979 e, posteriormente, em 1983 com
a Associação Nacional dos Assistentes Sociais (ANAS), extinta em 1994, por
deliberação da categoria, que passa a se organizar sindicalmente, a partir da nova
proposta lançada pela CUT3.
comunismo, a partir de ataques e invasões de tropas militares em territórios de domínio soviético e de apoio aos
movimentos anticomunistas.
3
Desde a sua criação, em 1983, era a primeira vez que se aventava, no interior da Central, a necessidade da filiação
por ramos de atividade, como forma estratégica de organização das bases sindicais. Foi no II Congresso Nacional da
Central Única dos Trabalhadores (CONCUT), em 1986, que a CUT lançou a proposta de organização sindical por
11
A criação da ANAS, em 1983, demarcou, consideravelmente, um salto de
qualidade na organização político-sindical dos assistentes sociais, pois emergiu numa
conjuntura importante para a classe trabalhadora, balizada pelo surgimento da CUT. Já
sua extinção ocorreu num período crítico para o processo de organização política dos
trabalhadores, nesse país.
A particularidade sócio-econômica e ideo-política da conjuntura de transição
democrática, no Brasil, foi o fermento para a eclosão de movimentos tão combativos.
Do ponto de vista econômico, o país atravessava, sob os reflexos da fracassada política
econômica desenvolvimentista e da própria crise estrutural do capital, uma profunda e
generalizada recessão.
Na década de 1990, o Novo Sindicalismo brasileiro, assim como as lutas
sociais de um modo geral, começam a sofrer os abalos causados pela resposta
sistêmica do capital a sua crise de acumulação. As alterações detonadas pelo capital
corporativo e o Estado neoliberal, se refratem de modo bastante atroz na luta do
sindicalismo nacional e de outras instâncias dos movimentos sociais e partidos de
esquerda.
A perspectiva combativa do novo sindicalismo foi, sob a tensão políticoeconômica do contexto neoliberal, cedendo espaço para posturas mais abrandadas e
negociáveis. Até mesmo os setores mais combativos do sindicalismo brasileiro,
organicamente vinculados a CUT e ao Partido dos Trabalhadores (PT), sofreram
inflexões bastante regressivas. No entanto, a dimensão do novo convencimento
instalada nas instâncias não apenas do movimento sindical, mas de outros movimentos
de massa, só se torna plenamente compreensível se não perdermos de vista o contexto
socialmente regressivo no qual foram implantados o desemprego e a perda de direitos
da classe trabalhadora (FONTES, 2008).
Vale salientar que as organizações sindicais foram um dos principais alvos da
ofensiva do capital no contexto neoliberal. O capital percebeu que era importante
desarticular a força dos sindicatos, porque fortalecidos e organizados, eles poderiam
dificultar politicamente a realização das estratégias para a recuperação das taxas de
ramo de atividade. Esta proposta surge, nesse contexto, com a perspectiva de unificação da classe trabalhadora,
bem como da quebra do corporativismo das estruturas sindicais. Voltaremos a discutir essa questão mais adiante.
12
lucro, cujos princípios básicos reivindicam a racionalização do uso e a desvalorização
da força de trabalho e o aviltamento das condições de vida e trabalho de amplos
segmentos da classe trabalhadora.
A despeito da importância que possuem na dimensão da luta políticoeconômica, os sindicatos foram aos poucos se tornando menos atrativos, como
instrumento de luta e representação da classe trabalhadora. Não apenas porque a
atuação política de grande parte dos sindicatos se tornou defensiva, frente as
imposições de flexibilização que passaram a reger as relações de trabalho, mas pelo
grau de despolitização que o capital conseguiu imprimir aos processos nos quais
passaram a transcorrer a luta de classes na contemporaneidade.
Não podemos esquecer que, a priori, as deletérias “reformas” neoliberais
foram implementadas e legitimadas socialmente em função da assimilação pela
ideologia
neoliberal
de
aspirações
progressistas4.
Ainda
que
os
conteúdos
progressistas tenham sido objetivamente dissimulados e pervertidos, sua incorporação
pela ideologia neoliberal consistiu numa estratégia fundamental para os propósitos do
capital.
O abrandamento das lutas sindicais não adveio da falta de consciência
política dos trabalhadores, nem da crença de que a história acabou e que o capitalismo
é intransponível. Antes de qualquer coisa, a descaracterização pela qual o movimento
sindical vem passando, é expressão das mudanças ocorridas nas relações produtivas
do capital em sua fase neoliberal e destrutiva. Portanto, do ponto de vista da classe
trabalhadora, era necessário e estratégico, para o fortalecimento das suas lutas,
articular mobilizações mais aguerridas e unificadas no enfrentamento da onda
neoliberal que emergia, nesse período.
É nessa ambiência que ressurgem, em nível nacional, as entidades sindicais
da categoria dos assistentes sociais brasileiros. Representados, nacionalmente, pela
Federação Nacional de Assistentes Sociais (FENAS), os 5 (cinco) sindicatos que
4
A onda de privatização do patrimônio público, por exemplo, certamente, não enfrentou maior resistência popular,
porque contando com a grande influência das forças conservadoras da sociedade, representadas, nos termos
gramscianos, pelos aparelhos privados de hegemonia, dos quais a grande mídia faz parte, os governos neoliberais,
propalaram a idéia de que as empresas estatais eram deficitárias e resultavam grandes despesas para os cofres
públicos. Por essa razão foi-se firmando a idéia de que a venda do patrimônio estatal se colocava como medida
necessária para viabilizar uma política econômica capaz de reverter os altos índices de inflação e garantir
investimento na área social, com a criação de empregos, viabilização de direitos e implementação de políticas
sociais.
13
resistiram à transição aos ramos de atividade, - conforme deliberação das entidades
sindicais da categoria, no início dos anos 1990 - começam a articular, no início dos
anos 2000, um movimento de reabertura dos sindicatos de assistentes sociais.
A extinção dos sindicatos e transição aos ramos consistiu, na avaliação
majoritária das entidades sindicais da categoria, numa estratégia política de
fortalecimento das lutas da classe trabalhadora, dado o momento de desmobilização e
arrefecimento da ação política, pelo qual vinham passando as organizações sindicais e
os movimentos sociais mais combativos, no início dos anos 1990.
As tendências mais estarrecedoras e despolitizantes, dessa conjuntura
defensiva, afetaram, diretamente, o sindicalismo brasileiro colocando-o numa fase
bastante difícil, de profunda fragmentação, desarticulação e com pouca capacidade
de resistência, frente ao recrudescimento da política neoliberal no país. Na verdade, o
que o movimento sindical brasileiro vive, na atualidade, é também expressão
fidedigna, da crise que assola o campo político da esquerda nacional. Nesse sentido,
algumas considerações precisam ser feitas. A crescente institucionalização do
processo político do país e dos próprios movimentos sociais tem repercutido de
maneira decisiva sobre o campo democrático e popular, valorizando no seu interior
cada vez mais o pólo partidário e, neste, os momentos eleitorais. De outra parte, a
crise do socialismo real, eclodida no final do decênio de 1980, também impactou
diretamente sobre tais segmentos (OLIVEIRA, 2005ª).
O que se sabe é que, apesar de suas perspectivas estarem em aberto no
curso histórico, o direcionamento político predominante, no movimento sindical
brasileiro, anda longe de expressar, ou melhor, nega, em muitos aspectos, as
premissas do novo sindicalismo. Contudo, não é a única perspectiva presente no
movimento. No âmbito das lutas sindicais, posturas políticas dissonantes começam a
despontar na cena política. Entretanto, são bastante incipientes para que se possa
definir qual será sua repercussão na conjuntura sócio-política atual.
Atentamos, nesse sentido, para a necessidade de situar e compreender, no
âmbito dessas tendências atuais, do sindicalismo brasileiro, o sentido e a direção
política do ressurgimento das entidades sindicais da categoria de assistentes sociais.
Na nossa compreensão preliminar configura um dilema desafiador para o amplo
14
conjunto da categoria profissional, dada a realidade da recente extinção dos sindicatos
corporativos da categoria. Nesse sentido, a confluência de diferenciadas formas de
encaminhamento para a organização político-sindical, no âmbito das entidades
representativas da categoria, revela a disputa entre diferentes projetos profissionais e
societários dentro do Serviço Social brasileiro.
A necessidade de compreender essa questão nos conduziu a investigação.
Motivamo-nos pelo interesse de compreender e analisar, a partir das atuais e principais
tendências de organização do movimento sindical brasileiro, o que expressa essa
rearticulação das entidades sindicais da categoria profissional dos assistentes sociais e
as suas principais implicações para o projeto ético-político do Serviço Social.
O interesse pela temática surgiu no período do curso de graduação e se
apresenta como conseqüência do percurso de formação em sua totalidade. Durante
todo esse processo, as discussões acerca dos movimentos sociais e da categoria
Trabalho, sobretudo da particularidade do trabalho na sociedade capitalista, sempre
foram apreciadas numa tônica bastante distinta em relação às demais temáticas. A
aproximação da temática dos movimentos sociais foi estabelecida, inicialmente, por
meio das leituras realizadas na disciplina, Serviço Social e Movimentos Sociais, e foi
sendo aprofundada, a partir da participação, como bolsista do PIBIC/CNPq, na
pesquisa sobre O perfil ético-político dos movimentos sociais e das ONGs em MossoróRN5. As leituras e estudos, mais afunilados sobre a categoria trabalho, se efetivaram
na experiência de monitoria na disciplina Trabalho e Relações Sociais, na Faculdade
de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Outra
experiência que despertou o interesse em pesquisar esta temática foi o estágio
supervisionado, realizado na Seccional do Conselho Regional de Serviço Social
(CRESS 14ª Região), em Mossoró-RN. Nesta vivência pudemos detectar que parte
expressiva da categoria profissional costumava, freqüente e equivocadamente,
identificar as competências e funções do conselho profissional com as particularidades
das entidades sindicais. Parte das demandas apresentadas pelos profissionais era
concernente às condições de trabalho, contrato, e, sobretudo, piso salarial, ou seja,
tinham características mais relativas às atribuições de uma entidade sindical que,
5
Realizada no período de 2005 a 2006, coordenada pela Professora Drª Sâmya Ramos.
15
propriamente, as competências de um Conselho de Fiscalização6. A percepção desta
tendência nos suscitou um especial interesse em pesquisar sobre a organização
sindical da categoria profissional dos assistentes sociais. A nossa motivação foi,
portanto, fruto de um processo de acúmulo de discussões, no qual se condensaram
significativos momentos de aprendizagem, que fundamentaram a construção e o
interesse pela realização desta pesquisa.
Na verdade, este trabalho constitui o desdobramento de uma trajetória de
estudo iniciada no referido processo de formação. Temos a convicção de que a
produção do trabalho de conclusão de curso acerca dessa discussão não passou de
um ensaio, uma tenra aproximação com a problemática de estudo. E foi considerando
os limites contidos na análise e no processo investigativo daquela pesquisa que nos
dispusemos a continuar investigando sobre a realidade da organização político sindical
dos assistentes sociais, no contexto das lutas da classe trabalhadora, no Brasil
contemporâneo. Dar continuidade a esse processo investigativo significou realizar
maiores aproximações do real, como requisito indispensável, não apenas para
compreender suas determinações, mas para contribuir, ou mesmo, influir nos
processos da reflexão e construção histórica da realidade.
Por isso, consideramos que a relevância deste trabalho se expressa, tanto do
ponto de vista acadêmico, quanto social. E aí, é importante perceber, que essas são
dimensões que se interpenetram. Portanto, a pertinência deste estudo se sustenta, sob
o ponto de vista acadêmico, na necessidade de reforçar a importância da análise
teórica acerca da organização política no âmbito do Serviço Social, considerando
também que as produções acerca desta temática são bastante raras7. Desse modo,
6
Ainda que considerando a dimensão ético-política que perpassa a função precípua do Conjunto dos Conselhos
Federal e Regionais de Serviço Social (CFESS/CRESS), - isto é, a fiscalização do exercício profissional, atividade a
qual demanda, dessas entidades, a capacidade de mediar a luta por condições éticas e técnicas de trabalho, dentre
outras questões pertinentes ao exercício da profissão de Serviço Social – compreendemos que, dada a natureza
jurídica dessas entidades, há limites concretos no que diz respeito a uma intervenção política direta nos processos
de contratação da força de trabalho; remuneração e demais aspectos salariais; acordos e convenções coletivos de
trabalho; greve e outras questões que extrapolam as designadas aos conselhos profissionais. Em regra são afetas as
entidades sindicais.
7
Detectamos, no âmbito do Serviço Social brasileiro, as seguintes produções acerca desta temática: O novo
sindicalismo e o Serviço Social (ABRAMIDES E CABRAL, 1995); A transitoriedade inconclusa (ABRAMIDES,
CABRAL e FARIA, 2000); A contribuição do CFESS para o debate sindical (CFESS, 2002); Organização política dos
(as) assistentes sociais brasileiros(as): a construção histórica de um patrimônio coletivo na defesa do projeto
profissional (RAMOS, 2006); Por que FENAS? A história contada por seus protagonistas (DALLARUVERA e
ALVARENGA, 2007); Dilemas e desafios do movimento sindical brasileiro: a particularidade da organização dos (as)
16
ressaltamos sua contribuição para o aprofundamento da reflexão e compreensão sobre
a dimensão teórico-política do Serviço Social na contemporaneidade. Nesse sentido,
trazemos indicativos sobre as perspectivas de afirmação e negação do projeto éticopolítico profissional, no âmbito das concepções políticas que norteiam a organização
sindical da categoria. Do ponto de vista social, a relevância deste trabalho, tem finco na
própria proposta de análise. Há que se considerar que a proposta de análise se
respalda na perspectiva histórico-dialética da totalidade social. Portanto, a análise
teórica das questões referentes a esta investigação traz não apenas aspectos restritos
a uma profissão isoladamente, mas a relação de unidade entre as determinações da
particularidade do objeto de estudo e o movimento genérico-social. Traz uma análise
do processo de luta de classes, da disputa de seus projetos societários, especialmente,
dos rebatimentos desse processo na dinâmica sócio-econômica e político-cultural da
sociedade brasileira, numa fase histórica recente.
Neste sentido, o intento principal deste trabalho é, em primeira instância,
contribuir com a problematização teórica acerca das determinações históricas que
implicaram inflexões na dinâmica da organização sindical dos assistentes sociais,
compreendida pela transição de filiação dos sindicatos profissionais para os sindicatos
por ramo de atividade, o que suscitou, em grande medida, a dissolução desses
primeiros, combinada com o ocaso da ANAS. E, por último, refletir sobre o dilema da
organização sindical da categoria colocado, no contexto dos anos 2000, pelo
surgimento da FENAS e do movimento de reabertura dos sindicatos da categoria
diante das contradições do atual contexto da luta de classes considerando os avanços
da luta política do novo sindicalismo e os grandes e atuais desafios postos para a
dimensão organizativa da classe trabalhadora, frente aos ditames do capitalismo
contemporâneo regido pela ideologia neoliberal.
Do ponto de vista metodológico, esta pesquisa se respalda na perspectiva
do materialismo histórico e dialético, o que nos possibilitou analisar o objeto de estudo
numa dimensão de totalidade, considerando as contradições que permeiam as suas
determinações objetivas e subjetivas. Neste sentido, utilizamos a abordagem
assistentes sociais (RAMOS e SANTOS, 2008) e A Organização político-sindical dos assistentes sociais: trajetória de
lutas e desafios contemporâneos (ABRAMIDES, 2009).
17
qualitativa, pois é, a nosso ver, a que melhor fundamenta os pressupostos desta
investigação.
A partir desse enfoque realizamos pesquisa bibliográfica, através de estudo e
análise de material publicado em livros, artigos científicos, dissertações e teses acerca
da temática, principalmente, no que diz respeito ao novo sindicalismo e à organização
sindical dos assistentes sociais. Realizamos também uma pesquisa de campo que
consistiu de três entrevistas. Uma com um dirigente nacional da Coordenação Nacional
de Lutas (CONLUTAS), entidade sindical; e, duas entrevistas com representantes
nacionais de duas entidades representativas da categoria profissional, quais sejam, o
CFESS e a Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (ENESSO).
Tínhamos a intenção de entrevistar também representantes nacionais da CUT, da
FENAS e da ABEPSS. Mas, não foi possível. Nesse sentido, conseguimos o contato
telefônico e eletrônico de alguns representantes nacionais dessas entidades e
encaminhamos o questionário de pesquisa que havíamos elaborado. Obtivemos êxito
nessa estratégia, conseguindo as respostas dos três representantes contatados.
A escolha pelos sujeitos da pesquisa foi delimitada no percurso da nossa
investigação. Considerando a organização sindical dos assistentes sociais na realidade
brasileira como nosso objeto de pesquisa e reconhecendo a polêmica ideo-política que
lhe é inerente, sentimos a necessidade de fazer uma interlocução com as tendências
presentes no debate sindical do Serviço Social. Para tanto foi necessário realizarmos
entrevistas com representantes das entidades sindicais da categoria e do conjunto das
entidades nacionais do Serviço Social, isto é, CFESS, ABEPSS e ENESSO8. É claro
que a representação das idéias dos sujeitos entrevistados não é condição suficiente
para aclarar o nosso objeto de investigação, contudo não podemos desconsiderar a
sua relevância para este trabalho, já que é parte constituinte da realidade social.
Por entendermos que seria imprescindível fazermos mediações mais amplas
e complexas, na perspectiva de compreender o movimento do nosso objeto de
pesquisa, não hesitamos, do ponto de vista da pesquisa de campo, em elencar outros
sujeitos políticos para o rol das nossas entrevistas. Em outros termos, não poderíamos
compreender a organização político-sindical dos assistentes sociais sem situá-la no
8
Respectivamente Conselho Federal de Serviço Social, Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço
Social e Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social.
18
contexto da organização sindical dos trabalhadores
brasileiros e das suas
determinações históricas. Nesse sentido, identificamos a necessidade de entrevistar
representantes de sindicatos nacionais, mais precisamente, de centrais sindicais de
expressividade e legitimidade políticas, na realidade nacional. Assim, definimos duas
centrais: A CUT e a CONLUTAS. A primeira, pela sua trajetória histórica na construção
das lutas da classe trabalhadora no Brasil, sobretudo, na fase do novo sindicalismo, e
pela tradicional filiação, que as entidades sindicais de assistentes sociais mantêm até
hoje, antes com a ANAS e, atualmente, com a FENAS. A segunda central tem a ver
com a perspectiva ideo-política crítica que assume, no interior do movimento sindical,
nesse contexto sócio-histórico. A Conlutas é constituída pelas dissidências do
movimento sindical de esquerda, inclusive, por segmentos que permearam a própria
CUT. A Conlutas surge num momento, não obstante, extremamente defensivo e
complexo para as lutas do trabalho, caracterizado pelas estratégias ofensivas da
acumulação capitalista e pela debilitação das forças e das programáticas de lutas do
movimento sindical combativo, representado, até o início dos anos 1990, pela própria
CUT. Em outros termos, a Conlutas ganha expressividade no processo de
encaminhamento das lutas do trabalho, num momento em que as teses do novo
sindicalismo deixam de ser referência para o movimento cutista que, por sua vez, sofre
um profundo transformismo convertendo suas práticas políticas para uma perspectiva
de acomodação dentro da ordem do capital e de negociação com os governos
neoliberais, sobretudo, no período do governo do PT9.
As entrevistas que realizamos foram feitas na ocasião de realização do XI
Encontro de Pesquisadores em Serviço Social (ENPESS), em dezembro de 2008, em
São Luís - MA. Consideramos este evento como um momento estratégico para a
realização das entrevistas, pela facilidade que teríamos para entrar, pessoalmente, em
contato com os representantes das entidades nacionais da categoria. Ademais, estava
prevista, na programação do evento, a participação da CONLUTAS numa das mesas
temáticas. Mesmo a realização do evento estando sob a responsabilidade da ABEPSS,
não tivemos como realizar entrevista com nenhum dos seus membros, pois todos os
representantes estavam, eminentemente, envolvidos nas atividades do evento e no
9
Analisaremos esse processo ao longo da nossa exposição, mais precisamente na terceira parte deste trabalho.
19
processo de articulação política para a sucessão da diretoria da entidade, transcorrida
na assembléia nacional da entidade, logo após o encerramento do encontro.
As entrevistas foram transcritas na íntegra, mas trabalhamos apenas com os
aspectos que consideramos mais relevantes nas falas das pessoas entrevistadas.
Devemos ressaltar que os trechos das entrevistas utilizados, neste trabalho, foram
reproduzidos de forma fidedigna a fala dos sujeitos. Assim como os trechos das
repostas enviadas pelos representantes das entidades os quais não conseguimos
entrevistar. Os nomes dos entrevistados estão mantidos sob sigilo, pois não pedimos
permissão para identificá-los. Suas falas estão referenciadas pelos nomes das
entidades que representam, respectivamente.
A discussão da temática que tratamos neste trabalho está estruturada,
essencialmente, em três seções. Na primeira intitulada: A organização política da
categoria dos assistentes sociais no Brasil contemporâneo, fazemos um resgate desse
processo de organização política contextualizando aspectos gerais e macroscópicos
nos quais estão determinadas as condições para a reprodução sócio histórica dos
sujeitos sobre os impactos da dinâmica de acumulação do capital e os desafios das
suas implicações para o projeto político das classes subalternas, com o qual está
sintonizado o projeto ético-político hegemônico do Serviço Social brasileiro. Na segunda
parte, tratamos da Trajetória histórica e respostas atuais para a organização sindical da
classe trabalhadora no Brasil. Destacamos nesta parte do trabalho as principais
inflexões vividas pelo movimento sindical dos trabalhadores brasileiros, neste período
recente, caracterizado pelas mudanças estruturais da acumulação capitalista e
reconfiguração do Estado na perspectiva do neoliberalismo. Discutimos sobre a
degeneração das formas de luta e de organização dos trabalhadores estruturadas pelo
novo sindicalismo e a conversão as práticas reformistas e defensivas das principais
vertentes do sindicalismo brasileiro, com destaque para a CUT. Assinalamos, ainda,
para as tendências do processo de reorganização sindical protagonizado pela
CONLUTAS e por outros segmentos dissidentes da CUT, que referenciado pela
dimensão classista e autônoma, resgatam os princípios do novo sindicalismo e
inauguram práticas de organização renovadas no atual contexto da realidade brasileira.
E, por último, tratamos no contexto dessas determinações gerais a particularidade da
20
organização sindical dos assistentes sociais na realidade brasileira: dilemas e desafios
atuais. Nesta última parte realizamos uma breve análise sobre o significado da trajetória
de construção da ANAS e da FENAS e as perspectivas políticas que fundamentam as
suas trajetórias históricas. Abordamos, nesse sentido, a questão dos dilemas e desafios
colocados pela questão da inconclusa transitoriedade aos ramos e pelo ressurgimento
da FENAS, nesse contexto de desfavorecimento generalizado para as lutas do trabalho.
21
2. A organização política da categoria dos assistentes sociais no Brasil
contemporâneo
A organização política dos assistentes sociais, nos últimos anos, foi a
mediação fundamental para a constituição do que se convencionou chamar, no interior
da categoria profissional, de Projeto Ético-político Profissional do Serviço Social
brasileiro.
Podemos dizer que o percurso dessa organização política no Brasil, teve
início com o movimento de deslocamento da postura conservadora para a perspectiva
crítica10. Este processo se deu a partir de um amplo movimento político-intelectual11
organicamente vinculado à realidade sócio-histórica do país, deflagrado na conjuntura
do final dos anos 1970 e anos 1980.
Não obstante, este processo de organização coletiva dos assistentes sociais
é materializado em um contexto de enorme ofensiva ideológica e prática para destruir
os espaços de organização dos trabalhadores (RAMOS, 2009). Referimos-nos,
sobretudo, ao período de implementação e consolidação da política neoliberal no Brasil.
10
Trata-se da construção ético-política que reflete uma nova direção da categoria profissional, vinda dos
movimentos sociais, da luta sindical e de uma formação marxista nas universidades (FALEIROS, 2005), o que
exprimiu a maturidade de uma trajetória permeada de embate político, erigida entre os sujeitos profissionais que
conformaram essa profissão no Brasil e em toda a América Latina, a partir da constituição do Movimento de
Reconceituação deflagrado, em meados de 1960, concomitante a deflagração de movimentos nacionalistas de
resistência ao imperialismo estadunidense. O Movimento de Reconceituação constituiu-se a partir da “crítica aos
preceitos e princípios tradicionais de cunho liberal- burguês preconizados para a formação profissional na América
Latina, desde a instituição do Serviço Social como profissão no continente na década de 1920” (LOPES, 1999, p.
10), causando inflexões consubstanciadas numa incisiva ruptura à lógica conservadora que conduzira o fazer
profissional dos assistentes sociais. Acontece que o exercício de questionamento do Serviço Social tradicional se
revelou numa corrente crítica de aproximação teórica com o marxismo, no âmbito acadêmico, e isso entrou em
colisão com o poder vigente. Então, a renovação profissional encaminhada pela Reconceituação, se viu engessada
pela repressão que se abateu sobre o pensamento crítico latino-americano. Por isso, somente com a derrocada da
ditadura, é que se fazem sentir no Brasil as ressonâncias das tendências que apontavam, na Reconceituação, a
crítica radical do tradicionalismo (NETTO, 2005).
11
Esse processo materializou-se por meio da indignação sobre o papel da profissão em face de expressões da
questão social, sobre a adequação dos procedimentos profissionais tradicionais, sobre a eficácia das ações
profissionais e sobre a pertinência de seus fundamentos com os novos protagonistas que surgiam na cena política
(NETTO, 2005).
22
Esse contexto representou, ideológica e objetivamente, um grande desafio
para a classe trabalhadora no que diz respeito as suas condições de vida, trabalho e
organização política. E é nessa perspectiva que situamos a análise da trajetória de
organização política dos assistentes sociais brasileiros na realidade contemporânea.
Mas, esta tarefa supõe, preliminarmente, uma problematização crítica das
mudanças
macro-sociais
e
planetárias
do
capitalismo
contemporâneo,
como
pressuposto fundamental para identificação das reais implicações nos processos de
organização e construção política da classe trabalhadora, nos quais comparecem, as
condições objetivas e espirituais para sua realização.
2.1 Reestruturação produtiva e mundo do trabalho
O capitalismo contemporâneo, marcado pela reestruturação produtiva,
neoliberalismo e mundialização da economia, consiste na estrutura totalizadora de
predomínio do capital fetiche12. A este, todas as relações humanas estão
mediadamente submetidas, sem exceção. Vivemos um tempo em que o predomínio da
mercantilização equaliza a vida humana aos produtos de troca mercantil, fazendo com
que o fetiche de mercado falseie as contradições sociais como se os elementos
fundantes das desigualdades sociais estivessem banidos. Em tempos de alienação
generalizada, a totalidade social burguesa nada mais é, senão a síntese das relações
sociais movidas pela reprodução do capital e o mercado mundial a esfera reguladora
das relações sociais, sendo considerado, portanto, como espaço, por excelência, da
“realização humana”.
Nesse sentido, convergimos com Mészáros (2002) quando afirma que o
sistema capitalista mundial é, hoje, a mais poderosa estrutura totalizadora de controle a
qual os seres humanos já tiveram que se ajustar. E complementa:
12
Conceito utilizado por Marx para caracterizar o processo misterioso de autoreprodução do capital, da autocriação
dos juros, do dinheiro que gera dinheiro. As relações que obscurecem as cicatrizes que dão origem ao capital e
assumem a forma coisificada são, para Marx, o próprio capital fetiche.
23
Não se pode imaginar um sistema de controle mais inexoravelmente absorvente
– e, neste importante sentido, “totalitário” – do que o sistema do capital
globalmente dominante, que sujeita cegamente aos mesmos imperativos a
questão da saúde e do comércio, a educação e a agricultura, a arte e a
indústria manufatureira, que implacavelmente sobrepõe a tudo seus próprios
critérios de viabilidade, desde as menores unidades de seu “microcosmo” até as
mais gigantescas empresas transnacionais, desde as mais íntimas relações
pessoais aos mais complexos processos de tomada de decisão dos vários
monopólios industriais, sempre a favor dos fortes e contra os fracos
(MÉSZÁROS, 2002, p. 96).
É nessa perspectiva que o capital - e não os indivíduos com suas carências
humanas - passa a ser a razão do agir dos sujeitos sociais e a representar a essência
da formação social, o que expressa a afirmação humana da não-humanidade: uma
verdadeira alienação (LESSA, 2007).
Segundo este autor, não há esfera da vida social que não esteja submetida a
tensões e em profunda crise. Do casamento à igreja, da economia mundial à ecologia,
dos times de futebol à arte, nenhum dos complexos sociais escapa do peso das
conseqüências da última grande crise do capital, ou seja, dos rebatimentos da sua
lógica reestruturante, cujas reedições em curso versam processos sociais e ecológicos
ainda mais catastróficos.
Como esclarece Mészáros (2007), o capital opera e sempre operou
subvertendo a relação homem/natureza, absolutizando o relativo e relativizando o
absoluto. Nessa inversão reside o risco da extinção do próprio gênero humano. Nos
dizeres do autor:
[...] o capital sempre se definiu como o absoluto e tudo o mais em relação a
essa autodeterminação primordial como o relativo dependente e dispensável.
[...] em um sentido positivo - enquanto era possível fazê-lo sem conseqüências
destrutivas – esse modo de operação sempre foi o segredo de seu
incomparável dinamismo e êxito, eliminando tudo o que encontrasse pelo
caminho” (p. 27).
24
Em síntese, essas análises denunciam a exaustão do padrão civilizatório do
sistema vigente, do qual a deflagração intermitente de crises estruturais do capital, não
passa de um elemento peculiar e permanente.
Ainda não se pode com precisão definir o seu alcance, - por a contradição
desse processo estar aberta na história - mas, a deflagração da crise da especulação e
dos monopólios no centro do sistema capitalista mundial (os Estados Unidos da
América), em 2008, precisamente, sinaliza o prelúdio de tempos ainda mais difíceis. As
análises mais acuradas e sérias apontam que esta é a maior depressão mundial desde
a década de 1930. De acordo com Petras (2009), estamos numa situação em que o
capitalismo, como resultado de suas próprias operações de mercado, está
experimentando o seu pior colapso e sua maior taxa de falências em 70 anos.
Com semelhanças e diferenças esta crise possui particularidades que devem
ser levadas em consideração, sobretudo, por se processar no curso de uma
reestruturação sistêmica, com requintes de degradação das forças de trabalho e
pulverização dos sistemas de proteção social, em escala mundial.
A economia norte-americana desencadeou esta crise financeira, mas a crise
mundial é uma crise de acúmulo excessivo de lucros mediante a exploração
exacerbada, das finanças13, do crédito14 e dos juros15, sobretudo. E na medida em que
a crise se desloca das finanças para a produção e para o comércio, é inevitável a
13
O capital financeiro envolve a fusão do capital bancário e industrial em condições de monopólio capitalista,
redundando na concentração da produção e na fusão de bancos com indústria. A gestão desses monopólios
converte-se em dominação da oligarquia financeira, que tende a crescer com os lucros excepcionais, os empréstimos
estatais, a especulação com terras, dentre outros mecanismos. Desdobra-se na monopolização da renda da terra
pelo monopólio bancário e industrial, espraiando-se o domínio dessa oligarquia financeira para todas as dimensões
da vida social, independente dos regimes políticos (IAMAMOTO, 2008).
14
O crédito apresenta-se como um novo elemento de concentração, da aniquilação de capitais individuais
centralizados. O crédito é a forma na qual o capital procura colocar-se como diferente dos capitais individuais e na
qual o caráter social da produção capitalista encontra sua mais clara expressão. Contraditoriamente, o crédito, ao
mesmo tempo, suprime os obstáculos a valorização e eleva-os a forma mais geral, criando períodos de
superprodução e subprodução que se encontra nas raízes das crises do capital. Impulsiona a ordem capitalista na
direção de sua forma suprema possível, aproximando-a de sua dissolução, para a decepção dos “ilusionistas da
circulação” (IAMAMOTO, 2008).
15
O juro expressa a valorização do capital, a possibilidade de apropriar-se de parcela do lucro médio que a
propriedade do capital propicia ao capitalista monetário. Parte da mais- valia é retirada da circulação sob a forma de
juro, expressando uma distribuição da mais-valia entre pessoas diferentes. Ele aparece de maneira mistificada, como
o “preço” do capital emprestado. Considerando qualitativamente, o juro é mais-valia (trabalho não retribuido) que o
mero título de propriedade sobre o capital proporciona ao seu proprietário, embora apareça separado do processo
real de produção. O juro é determinado pela taxa geral de lucro e suas flutuações. Contudo, a queda da taxa de juros
se torna independente da taxa de lucro em alguns casos, como os dos rentistas que vivem do trabalho de seus
antepassados e do desenvolvimento do sistema de crédito, tal como se verifica na atualidade, o que reforça o seu
fetiche. (IAMAMOTO, 2008)
25
contração de todas as economias (PETRAS, 2009), inclusive, e, de forma mais drástica,
dos países periféricos.
Vale lembrar que esta, assim como todas as crises capitalistas, supõe
reorganização do processo de produção de mercadorias e de realização do lucro. O
retorno a reflexão marxiana sobre o capital portador de juros, cujas transformações
atuais incidem especialmente na mercantilização das atividades humanas e na
apropriação de parcela crescente do valor monetário produzido, nos parece um chave
analítica indispensável para a compreensão das crises contemporâneas do capital.
É preciso, portanto, afirmarmos que a mundialização financeira parece
converter-se na forma social dominante, no plano internacional, assumindo caráter
social. E que isto permite a associação de uma competitividade, cada vez mais,
crescente entre grandes capitais mundializados. Permanentemente competitivos, os
grandes proprietários de capital, sob forma monetária, procuram mantê-lo, a maior parte
possível do tempo sob essas condições e buscam valorizá-lo em altas taxas e
velocidades. Como nos aponta Fontes (2008), este processo permite dar impulso a
expropriações continuadas e eleva as taxas de exploração do sobretrabalho, com
condicionantes e determinações territoriais locais, regionais e nacionais, absolutamente
diversificados e desiguais.
O novo estágio da internacionalização da economia e a correspondente
complexidade das relações dele resultantes redefine, de modo aprofundado, a
convivência entre os grandes capitais e os demais capitais, a classe trabalhadora, os
arranjos estatais construídos, tanto nos países centrais quanto nos países da periferia
que proporcionaram, cada vez mais, a diminuta porção da grande burguesia mundial,
fatias substantivas da riqueza produzidas pelos trabalhadores em todo o planeta
(GRANEMANN, 2008).
O capital especulativo hegemônico determina, atualmente, o controle
acionário da maior parte dos grandes conglomerados industriais. Institucionalmente, a
“predominância financeira do capital se expressa nas orientações e no papel cumprido
pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), pelo Banco Mundial e pela Organização
Mundial do Comércio (OMC)” (MOURA, 2008, p. 53). E as instituições financeiras, como
os bancos, fundos de pensão e companhias de seguro, controlam não só as ações das
26
principais empresas mundiais, como também operam com os títulos das dívidas
externas e internas de vários países nos mercados especulativos, determinando sua
agenda política e social (MOURA, 2008). Não foi por acaso, na crise dos anos 1970, a
convergência de um movimento de administração da superprodução, mediante
expansão do crédito para financiar, tanto os déficits dos países hegemônicos, quanto a
integração funcional dos países periféricos ao processo de internacionalização do
capital (MOTA, 2000).
A reorganização do mercado financeiro global é, segundo Harvey (1996), um
dos elementos centrais no processo de recuperação da crise capitalista dos anos 1970.
Na verdade, o processo de financeirização do capital surge, entre 1979 e 1987, a partir
da adoção de medidas de desregulamentação e liberalização, tomadas, inicialmente,
pelos Estados Unidos e Inglaterra, seguidos, posteriormente, pelos demais países
centrais, significando a abertura externa e interna dos sistemas nacionais, a partir de
interligações entre os sistemas monetários e os mercados financeiros dos países que
propiciaram o surgimento de um espaço financeiro mundial.
Este fenômeno permitiu, inclusive, que boa parte da flexibilidade geográfica e
temporal da acumulação capitalista se efetivasse. E, a partir disso, tem-se dado uma
ênfase, muito grande, à descoberta de maneiras alternativas de obter lucros que não se
restrinjam à produção pura e simples de bens e serviços.
Segundo Teixeira (2000), o capital está vivendo mais uma forma de produção
da mais-valia, denominada cooperação complexa, e os fenômenos do capitalismo
contemporâneo são resultados de um processo de evolução. Para o autor, a fase atual
do capital não apresenta nenhuma ruptura com as formas pretéritas de produção de
mercadorias, mas uma superação das contradições que limitavam a autovalorização do
valor16, ou seja, do processo de financeirização do capital.
De acordo com Chesnais (1998), a esfera financeira alimenta-se da riqueza
criada pelo investimento e pela mobilização de certa força de trabalho de múltiplas
16
Para Marx só se pode chegar ao conceito de capital a partir da definição do valor de troca concretamente
desenvolvido na esfera da circulação. Mesmo sabendo que capital é trabalho acumulado não se pode identificá-lo
enquanto tal, pois sob o capital o trabalho acumulado nada mais é senão criador de valor que busca se valorizar, ou
seja, valor que cria mais valor. “Portanto, o conceito de capital não pode ser derivado diretamente do trabalho, e sim
do valor, visto que este é a forma assumida pelo trabalho na sociedade capitalista. Essa forma social (formal), por
sua vez, exige uma forma material (fenomênica) adequada por meio da qual o valor ganha existência. Essa forma é o
valor de troca ou o dinheiro, expressão necessária de aparição do valor” (TEIXEIRA, 1985, p. 127).
27
qualificações. Os capitais que os operadores financeiros põem para valorizar, através
de suas aplicações financeiras e das arbitragens entre diversos tipos de ativos,
nasceram, invariavelmente, do setor produtivo e começaram assumir a forma de
rendimentos que se constituíram na produção e intercâmbio de bens e serviços.
Atualmente, uma parcela elevada desses rendimentos é captada ou canalizada em
benefício da esfera financeira e transferida para esta. O autor esclarece que só depois
dessa transferência é que podem se gestar, dentro do campo da esfera financeira,
vários processos, em boa parte, fictícios, de valorização, que fazem inchar, ainda mais,
o montante nominal dos ativos financeiros.
Conforme Harvey (1996), a potencialidade de formação de crises financeiras
e monetárias autônomas e independentes é muito maior do que antes, mesmo se
desenvolvendo condições de suavizar os riscos, por meio da diversificação e da rápida
transferência de fundos de empresas, regiões e setores em decadência, para outros
setores lucrativos.
É importante compreender que o fetiche das finanças está cimentado na
divisão da mais-valia em lucro e juro. Esses aparecem como se originassem de fontes
essencialmente diversas, sendo aquele primeiro do processo produtivo e o outro do
próprio capital, sem mediação dos processos de produção e de circulação. De acordo
com Iamamoto (2008), o juro se manifesta como criação de valor peculiar do capital
enquanto tal, que emana dele independente do processo de produção, das relações
sociais que imprimem a propriedade do dinheiro e da mercadoria, sua marca capitalista
enquanto contraposta ao trabalho. Contudo, essa divisão (autonomização) não passa
de uma abstração, na medida em que “não pode alterar a natureza, sua origem e as
condições de sua existência” (MARX, 1985, apud IAMAMOTO, 2008, p. 16).
Assim, o capital ao subordinar toda a sociedade, impõe-se em sua lógica
quantitativa, enquanto riqueza abstrata, que busca incessante crescimento, aprofunda
as desigualdades de toda natureza e torna, paradoxalmente, invisível as mediações
que viabilizam esse processo e, conseqüentemente, o trabalho vivo 17 que cria a riqueza
e os sujeitos que o realizam (IAMAMOTO, 2008).
17
A reificação, como negação histórica das relações sociais de (re)produção, é a base das equivocadas teses que
defendem o fim da sociedade do trabalho. Como nos propõe Tavares (2008), essas concepções acerca do fim da
28
A reificação do capital – sua manifestação como sujeito não humano,
coisificado na forma dinheiro em que parece numa relação consigo próprio,
como motor de seu autocrescimento - ofusca os processos sociais reais de sua
própria produção (IAMAMAOTO, 2008, p. 20).
A recuperação das taxas de lucro do capital, desde a sua última grande crise
do século passado, tem se processado intensivamente. Desse modo, não nos parece
exagero dizer que o capital nunca lucrou tanto quanto nesses últimos trinta ou quarenta
anos. Igualmente, não é absurdo afirmar que a financeirização junto à reestruturação
produtiva e a política neoliberal, têm se configurado “ „achados‟ [do capital] [...], para
novamente impulsionar o dinamismo da extração de sobretrabalho” (GRANEMANN,
2008, p. 61).
Nesse sentido, a reestruturação produtiva e a reconfiguração do Estado
devem ser compreendidas como elementos partícipes de um mesmo processo social
que tem no seu horizonte o aprofundamento da disponibilização do trabalho para o
capital e, ao mesmo tempo, do disciplinamento da força de trabalho nas novas
condições de expropriação e na nova escala da concentração de capitais (FONTES,
2008).
Uma questão preliminar para a compreensão dessa assertiva é a
incontornável permanência dos processos de exploração da força de trabalho como
base da expansão do capital. E as análises acerca da (re)produção da sociabilidade
vigente não podem desconsiderar esta realidade. Pois, estamos diante de um
formidável impulso da acumulação capitalista, profundamente destruidor, e sua
destruição primeira incide sobre as formas de luta da própria classe trabalhadora, a
sociedade do trabalho podem ser interpretadas como o fim do trabalho assalariado ou o fim do emprego, dado que
nenhuma sociedade sobrevive sem trabalho. Contudo, de acordo com a autora, a interpretação carrega sérios
problemas teóricos, pois ao se credenciar o fim do assalariamento no capitalismo presume-se, por conseqüência, o
fim da contradição capital-trabalho, apesar de, na pratica, serem engendradas novas formas de exploração, deixando
evidente a prevalência do trabalho abstrato na base da sociedade capitalista. Concretamente, o que se verifica é a
tentativa de se mascarar a relação capital-trabalho, dentre outras estratégias, atribuindo-lhe novas denominações,
como se, pela semântica, fosse possível eliminar a realidade (TAVARES, 2006). Em suma, essas teses não são
inocentes. Elas se revestem de um aparato ideológico legitimador do projeto capitalista. O tempo presente revela
expressões da predominância das finanças mundializadas, enquanto se aprofunda o fetichismo; a exploração do
trabalho e; a contradição de classes. A despeito do que se possa presumir em relação a tais interpretações, o fato é
que, as próprias mudanças radicadas na realidade as confrontarão.
29
qual o capital precisa converter em mera força de trabalho sempre disponível, para a
garantia da sua perpetuação (FONTES, 2008). Em outros termos, a lei geral da
acumulação possui como premissa básica a reprodução do capital, o que supõe
sobrepor o processo de valorização do capital a todo custo. E, com todas as suas
contradições, isto só é possível e viável numa sociedade desigual, mantenedoras da
propriedade privada e da divisão sócio-técnica do trabalho18.
A
crise
estrutural
do
capital,
nos
últimos
decênios,
implicou
um
reordenamento de amplo e profundo alcance na sistemática de acumulação de capital
no cenário internacional. A recessão generalizada do capitalismo tardio dos anos 1970
deveu-se, além da crise de superprodução, também, a uma profunda exaustão do
modelo de produção e de organização produtiva do capital. De acordo com Antunes
(2002), o conjunto de fatores que contribuíram para a deflagração da depressão
econômica da época, combinava o esgotamento do fordismo/taylorismo19, com o
declínio das taxas de lucro, devido à estagnação da circulação de mercadorias no
mercado, causada pelo subconsumo das massas, pela queda do poder de compra dos
salários reais da classe trabalhadora; hipertrofia da esfera financeira; crise do Estado
do bem-estar-social e seus mecanismos de funcionamento, acarretando a crise fiscal do
Estado capitalista com retração dos gastos públicos e transferência para o capital
privado.
É certo que em contextos de crise, a burguesia sempre se depara com o
desafio de desenvolver novos mecanismos de controle para recuperação das taxas
médias de lucros e busca meios eficientes para tal fim. A saída capitalista para a crise,
cuja
expansão
atingiu
a
totalidade
dos
processos
(re)produtivos,
consistiu
fundamentalmente na racionalização do trabalho vivo, através da inovação tecnológica
dos meios de produção, com o objetivo de aumentar a produtividade e abater o custeio
da produção, para garantir o retorno das taxas de lucro. Sendo a taxa de acumulação
18
. É importante perceber que a acumulação de capital aumenta a divisão do trabalho e a divisão do trabalho
aumenta o número de trabalhadores; mutuamente, o número crescente de trabalhadores aumenta a divisão do
trabalho e a divisão crescente do trabalho intensifica a acumulação do capital. (MARX, 2005). Vale lembrar aqui, que,
capital nada mais é senão a acumulação de sobretrabalho.
19
O modelo taylorista/ fordista de produção foi adaptado como padrão de organização de produção (em massa) das
empresas capitalistas desde o pós-guerra, suas características se condensam na capacidade da expropriação
intensificada do operário-massa, limitando-o de qualquer participação na organização do processo de trabalho,
sendo, a atividade de trabalho, reduzida a uma ação mecânica e repetitiva, suprimindo a dimensão intelectual do
trabalho (ANTUNES, 2002).
30
inferior a taxa de crescimento da produtividade do trabalho, a demanda de força de
trabalho decresce. Por essa razão é que as investidas do capital, do ponto de vista da
produção, se traduziram em aumento da produtividade, mas com maior emprego de
capital constante e menos variável. Ou seja, a taxa de produtividade se manteve nos
patamares desejáveis, mesmo com a redução da mão-de-obra empregada nos
processos produtivos. Ora, o estágio de desenvolvimento das capacidades produtivas
determina a diminuição do tempo necessário para a produção, conseqüentemente,
reduz o custo social da mesma, porque de modo semelhante, o valor do mínimo vital
fisiológico para a reprodução da força de trabalho, decai20. O aperfeiçoamento dos
meios de produção, a partir do desenvolvimento da técnica e tecnologia, é
indispensável para a intensificação do acúmulo de capital. Esse processo, obviamente,
ganha ineditismo em cada tempo histórico, mas os seus fundamentos, essencialmente,
em nada se alteram por concernirem organicamente ao modo de produção capitalista.
Aliás, “todo processo conhecido como reestruturação produtiva nada mais é do que a
permanente necessidade de resposta do capital as suas crises” (DIAS, 1997, p. 14). E é
a respeito dos seus contornos atuais a que nos referimos.
2.2 Os rebatimentos da dinâmica do capital na organização política da classe
trabalhadora
Nesse sentido, as transformações estruturais do capital resultaram na
precarização das relações de trabalho e das condições de vida da classe trabalhadora.
O processo de subproletarização do operariado fabril, a terceirização e a informalidade
de várias atividades e serviços, bem como a desregulamentação das relações de
20
Marx (1983) explica esta contradição a partir da mercadoria, cujo valor é dado pelo tempo necessário à sua
produção. No capitalismo, a própria força de trabalho foi transformada em mercadoria e o seu valor é determinado
pela quantidade de trabalho necessário à sua produção. Quer dizer, dos meios de subsistências necessários à
reprodução física do trabalhador e de suas futuras gerações. Esse valor é mediatizado através do salário que
condensa a exploração e o seu nível/flutuação depende tanto da concorrência entre os próprios operários, do
exército industrial de reserva e do ritmo da acumulação dos capitais. Em período de alta é possível o aumento
temporário dos salários, mas principalmente em períodos de crise e de desemprego muito elevado, há queda do
salário abaixo do mínimo necessário.
31
trabalho, implicaram na desestruturação dos direitos trabalhistas e alteraram
profundamente a configuração da classe trabalhadora.
As formas de expropriação do sobretrabalho, nos dias que correm, ganham
uma diversidade complexa e inédita. O processo de produção associa, na atualidade,
trabalhadores altamente qualificados (com contratos de trabalho capazes de assegurar
temporariamente o pagamento de previdências complementares e fundos de pensão) a
trabalhadores completamente destituídos de direitos (FONTES, 2008, p. 32). Pior ainda,
desprovidos do próprio horizonte de possibilidade de vir a conquistá-los, pela própria
desigualdade interposta entre eles, erigida como separação hierárquica não apenas no
interior das empresas, mas entre empresas e no conjunto da vida social. Não é por
acaso que grande parte das formas de absorção da força de trabalho está pautada na
mais profunda vulnerabilidade e precarização.
[...] a subcontratação organizada abre oportunidades para a formulação de
pequenos negócios e, em alguns casos, permite que sistemas mais antigos de
trabalho doméstico, artesanal, familiar (patriarcal) e paternalista („padrinhos‟,
„patronos‟ e até estruturas semelhantes a da máfia) revivam e floresçam, mas
agora como peças centrais, e não apêndices do sistema produtivo [...]. Em
todos esses casos, o efeito é uma transformação do modo de controle do
trabalho e do emprego [...] umas das grandes vantagens do uso dessas formas
de processo de trabalho e de produção pequeno-capitalista é o solapamento da
organização da classe trabalhadora e a transformação da base objetiva da luta
de classes. Nelas, a consciência de classe já não deriva da clara relação de
classe entre o capital e o trabalho, passando para um terreno muito mais
confuso dos conflitos interfamiliares e das lutas pelo poder num sistema de
parentesco ou semelhante [...] que contenha relações sociais hierarquicamente
ordenadas (HARVEY, 1996, p. 145-146).
Conforme Tavares (2006), embora o emprego formal já não tenha a mesma
centralidade na sociedade capitalista, a matriz Estado-empregadores-assalariados
permanece sendo o paradigma para a reprodução do capital. Se indivíduos da classe
trabalhadora não conseguem vender a sua força de trabalho, só lhes resta a
possibilidade de encontrar os seus meios de subsistência mediante uma atividade por
conta própria, o que não quer dizer que este trabalhador tenha autonomia.
Há, hoje, uma fração moderna do trabalho informal, que longe de ser uma
atividade à margem do núcleo formal da economia, participa diretamente do processo
32
de acumulação do capital, como é o caso de indústrias nacionais e internacionais que
utilizam o trabalho domiciliar como parte do trabalho coletivo (TAVARES, 2006). Tal
relação implica, geralmente, mais sobretrabalho sem os custos sociais correspondentes
para o capital. Em outras palavras:
a acumulação flexível tenta esconder relações que articulam mais-valia
absoluta e mais-valia relativa, mediante uma rearrumação de formas pretéritas
da produção de mercadorias, nas quais se inscrevem cooperativas de trabalho,
trabalho domiciliar, empresas familiares, e tantas outras formas de trabalho
precário, que os liberais conseguem enxergar como espaços de autonomia e de
independência do trabalhador (TAVARES, 2006, p. 2).
Não nos espanta que os agudos contrastes radicados nas atuais relações de
exploração do trabalho, sejam tomados pelos contornos ideológicos das classes
dominantes como potenciais formas de redenção dos trabalhadores.
Vivemos um
tempo em que a reatualização das formas de exploração se consolida a partir da ampla
subsunção real e formal do trabalho ao capital, com o auxílio de práticas consideradas
libertárias do „despotismo de fábricas‟ e vitalizadoras da liberdade do indivíduo que
continua explorado, mas se pensa livre (MOTA e AMARAL, 1998). Ora, é uma
contradição verdadeiramente grotesca a defesa de que numa economia inteiramente
dominada pelo capital, seja possível haver alguma organização autônoma do trabalho.
Portanto, é preciso demonstrar que o papel de dominação social e político da
minoria sobre a maioria, que está ligado a venda e a não-venda da força de trabalho
(ou seja, ao desemprego e ao fantasma permanente do mesmo), tem aumentado como
conseqüência da polarização das riquezas; mas que isto também ocorre em um
momento no qual a tecnologia permitiria dar um salto colossal na libertação dos
homens do trabalho21 (CHESNAIS, SERFATI e UDRY, 2005).
De acordo com esses autores, a origem do atual desemprego das massas
está
21
É uma evidência que o desenvolvimento tecnológico alcançado pela humanidade tornou possível a
disponibilização de maior tempo livre aos indivíduos sociais. Mas o uso social que o capital faz dele não está voltado
para esta perspectiva. Muito pelo contrário, favorece as perversas estratégias de expropriação vital da classe
trabalhadora, no sentido de favorecer mais que nunca a expropriação do trabalho e a maximização dos lucros. E
estes conteúdos regressivos, precisam ser evidenciados e negados na luta dos trabalhadores, vítimas do
desemprego estrutural.
33
na liberalização, na desregulamentação e na privatização características da
presente fase de globalização do capital, bem como na crescente concentração
desta propriedade e na submissão da atividade produtiva a imperativos cada
vez mais estreitos de valorização extrema. Onde não há desemprego em
massa, encontramos “pobres no trabalho” e os inumeráveis mecanismos de
exploração de um trabalho “flexível” e disponível a todo o momento
(CHESNAIS, SERFATI e UDRY, 2005, p. 286).
A internacionalização do capital e o processo de acumulação flexível
intensificaram amplamente o padrão de desenvolvimento desigual. A máxima
rentabilidade para o capital depende, hoje, cada vez menos, do crescimento absoluto
ou da expansão para fora e mais da redistribuição e de uma brecha, cada vez mais,
extensa entre ricos e pobres, tanto no interior das nações-Estado como entre elas
(WOOD, 2005).
Contudo, a mundialização da economia capitalista não poderia ser pensada
sem a redução das fronteiras (heteronomização) das nações-estado, processo
viabilizado pela implantação do neoliberalismo, “cuja essência é o afastamento dos
obstáculos legais e políticos a circulação do fluxo de mercadorias e dinheiro”
(BEHRING, 1998, p. 182). E, em decorrência disso, “o Estado-nação adquiriu novas
funções como um instrumento da competição. Em todo o caso, o Estado-nação é o
principal agente da globalização” (WOOD, 2005, p.110). A descentralização das
economias e dos mercados, assim como a depreciação da força de trabalho e dos
salários, em todas as partes do mundo, dependeu, fundamentalmente, disso.
Notadamente,
a
volatilidade
do
mercado
(característica
central
da
acumulação flexível) em detrimento da organização do trabalho, tem destituído os
espaços
sócio-ocupacionais
(postos
de
trabalho),
e
com
isso
ampliado
a
competitividade entre os sujeitos da classe trabalhadora22, impondo-lhes um padrão de
22
O crescimento das disputas entre os trabalhadores é uma realidade assustadora. Possui proporção similar a
expansão do capital, isto é, não ocorre apenas na circunscrição de cada país, transgride as fronteiras dos mercados
nacionais. A expulsão de gigantescas massas de trabalhadores do mercado de trabalho, parcela constituinte daquilo
que Marx chamou de universo sobrante ou massa supérflua para o capital, revela que o sistema capitalista não
possui a capacidade de integrar todos os indivíduos nos processos coletivos de trabalho. O exercito de reserva é
resultante da acumulação capitalista e, portanto, se torna indispensável a esta, pois é um componente ineliminável
da dinâmica capitalista. Quanto aos trabalhadores, concerne-lhes o desafio de enfrentar as imposições do mercado
de trabalho. E por falar nesse desafio, no decurso histórico da vida social presente, assistimos a mais sorrateira
banalização e naturalização da barbárie, da qual as práticas xenófobas, por exemplo, são mais um indício do
exacerbado nível de competição entre trabalhadores no mercado de trabalho “mundializado”.
34
absorção baseado na precarização e flexibilização. Pois, na medida em que a
propriedade dos títulos se tornou líquida, para os acionistas, o capital físico e,
sobretudo, os assalariados devem ter a mesma “liquidez”, a mesma flexibilidade, com a
possibilidade de serem descartados (CHESNAIS, SERFATI e UDRY, 2005). Essa
liquidez se expressa com maior evidência no mercado de trabalho. Cada vez mais
interessa ao capital
reduzir o número de trabalhadores “centrais” e empregar cada vez mais uma
força de trabalho que entra e é demitida sem custos quando as coisas ficam
ruins [...] os efeitos agregados, quando se consideram a cobertura de seguro,
os direitos de pensão, os níveis salariais e a segurança no emprego, de modo
algum parecem positivos do ponto de vista da população trabalhadora como um
todo (HARVEY, 1996, p. 144).
Essa dinâmica da volatilidade parte da lógica de desregulação ampliada dos
mercados nacionais. Apenas para retomar o que colocamos a pouco, a abertura
generalizada das fronteiras, facilitou a internacionalização do capital (especialmente o
financeiro evidentemente sob o comandado dos países centrais), adentrando,
avassaladoramente, nas economias periféricas.
A desfavorável concorrência com os monopólios internacionais tem levado a
falência grande parte das indústrias nativas dos países periféricos e, junto com elas,
postos de trabalho. Em, ‘Novos ventos de esquerda’ ou ar quente de uma nova direita?,
artigo
publicado
em
James Petras faz um balanço político-econômico dos principais
2006 23,
países latino-
americanos e aponta que:
As exportações do Brasil assumiram cada vez mais ao perfil de um país de
produção primária [insumos, recursos naturais e agrícolas]; as exportações de
ferro, soja, açúcar, sucos cítricos e madeira só fizeram crescer, enquanto seu
setor industrial estancou-se devido às taxas de lucro mais altas do mundo
(18,5%) e à queda das tarifas alfandegárias. Mais de 25 mil operários do
23
Publicado originalmente em espanhol em: http://iarnoticias.com. Acesso em 10 outubro de 2009, as 22:15.
35
calçado perderam seus empregos devido às baratas importações chinesas
(PETRAS, 2006).
Ante essa realidade, Behring (1998), reflete que os Estados nacionais têm
dificuldades em desenvolver políticas industriais, restringindo-se a tornar os territórios
nacionais mais atrativos as inversões estrangeiras, ou seja, convertem-se em ponto de
apoio das empresas, que, por sua vez, se tornam “organizações de governo da
economia mundial” (p.183). Ora, o horizonte dos monopólios é a supressão da
concorrência para o comando da produção e, conseqüentemente, a concentração e
centralização das riquezas sociais, internacionalmente produzidas. A mundialização do
capital forjou as condições propícias para isto. E as catastróficas conseqüências
sociais, políticas e ambientais não parecem ser questões de preocupação do grande
capital.
É importante salientar que a reestruturação do capital só é compreensível, a
partir de condições concretas postas na sociedade capitalista, relacionadas ao estágio
de desenvolvimento das forças produtivas e as estratégias de acumulação
prevalecentes e ao nível das lutas de classes (NETTO, 2004).
Como vimos, o triunfo dos mercados seria inconcebível sem a ativa
intervenção das instâncias dos Estados nacionais, no lastro dos tratados internacionais
(IAMAMOTO, 2008). Não foi por acaso que para contornar a implosão das bases do
Estado de bem-estar e administrar a última grande crise do século passado, a
burguesia internacional organizou-se, a partir de um estratégico ataque às conquistas
da classe trabalhadora, numa contra tendência que articulou a reestruturação produtiva
e a política neoliberal, deslanchando na transnacionalização do poder da economia
capitalista, de um modo intensamente reificado.
Nos processos das duas maiores crises capitalistas do século XX, “o Estado
(burguês) experimentou pelo menos dois processos de reestruturação” (NETTO, 2004,
p. 69). Da primeira crise, no início do século passado (1929), resultaram instrumentos
institucionais com efetivo poder de intervenção macro-econômica nacional e regulação
social dinâmica do capital; e, da recessão generalizada, de 1975-1976, resultaram no
deslocamento daqueles instrumentos de intervenção macro-econômica para os Estados
36
centrais e para instâncias supranacionais por eles controladas e a redução da sua
dimensão reguladora.
Na linha geral da recomposição capitalista desse último período, a
reestruturação do Estado representou uma condição fundamental na medida em que
garantiu:
[...] pesada transferência do patrimônio público estatal para o grande capital
pela via da privatização; drenagem de recursos privados e públicos para o
capital parasitário-financeiro através das políticas de ajuste (financeira tributária)
– o que, especialmente nos Estados periféricos e semi-periféricos, conduz a
uma verdadeira quebra do poder estatal para financiar o enfrentamento da
“questão social” (donde, por exemplo, refilantropização da assistência);
diminuição do poder do Estado como regulador das relações capital-trabalho,
pela via da flexibilização; apequenamento do papel econômico-indutor dos
Estados periféricos e semi-periféricos, seja pela orientação que conduz à sua
redução, seja pelo novo papel desempenhado pelas instâncias supra-nacionais
do grande capital (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial); enfim,
amesquinhamento da função desses Estados de afiadores de padrões de
crescimento decididos “desde dentro”, pela via da desregulamentação (também
sob comando do grande capital, mediante supra-nacionais como a Organização
Mundial do Comércio) (NETTO, 2004, p. 72).
Esta reconfiguração do Estado expressa, em todas as suas premissas, a
contradição e os grandes limites das conquistas históricas da classe trabalhadora, no
contexto pós-segunda guerra. Segundo Netto (2004),
a reestruturação do Estado pode ser sinalizada como hipertrofia da sua função
de garantidor da acumulação capitalista simultaneamente à sua atrofia como
legitimador desta; na medida em que o fundamento dessa reestruturação é a
concepção de que o único regulador societal legítimo e eficiente é o mercado, o
que vem emergindo da reestruturação em curso é um Estado mínimo para os
trabalhadores e máximo para o capital (p.72).
Como sabemos o bode expiatório da premissa neoliberal foi o excesso de
privilégios e poder da classe trabalhadora na forma de direitos sociais que onerava/
sobrecarregava por demais o orçamento público, o que, segundo esta acepção,
determinou a crise fiscal do Estado. A reação burguesa incorporou, portanto, essa
premissa ideológica para efetivar as medidas de desregulação das relações de trabalho
37
e do sistema de proteção social, e implantar um modelo de regulação social baseado
na lógica do mercado, cujos desdobramentos estabelecem a barbarização da vida
social.
A rota econômica adotada pelos governos neoliberais tem acompanhado
parâmetros macroeconômicos baseado nas imposições previstas, em 1989, pelo
Consenso de Washington, cujas tendências reafirmam “a idéia de um desenvolvimento
desigual e combinado do capitalismo” (BERHIHG, 1998, p. 182). Na realidade, as
medidas preconizadas por esse consenso foram adotadas pelo governo norteamericano como imposições na negociação das dívidas externas dos países latinoamericanos. E acabaram se tornando o modelo do FMI e do Banco Mundial para todos
os países do mundo. Nesse sentido, o ajuste proposto pelos organismos internacionais,
como forma por meio da qual as economias nacionais tiveram que se adaptar as
condições da economia mundial, consistiu, basicamente, como já colocamos, na
liberalização financeira e comercial das economias, desregulamentação das relações
de trabalho, privatização de setores e empresas lucrativos pertencentes ao Estado, e
profundo atrofiamento dos gastos sociais.
No Brasil tivemos um retardo de cerca de 10 anos, em relação à realidade do
resto do mundo capitalista, para o início da implementação da agenda neoliberal.
Somente a partir dos anos 1990 é que se inicia de forma mais explícita: privatizações,
redefinição das políticas públicas, reestruturação produtiva e acumulação flexível
(MOURA, 2008).
O receituário neoliberal no Brasil ganhou consistência e amplitude, com os
governos de Fernando Collor de Melo24 e Fernando Henrique Cardoso25 (FHC). Esses
governos, especialmente o governo FHC, garantiram as condições necessárias à
expansão da ofensiva neoliberal no país, a partir da implementação das chamadas
“reformas” estruturais. A execução das medidas contra-reformistas instituiu a
desregulamentação
do
mercado
de
trabalho,
a
partir
do
processo
de
desindustrialização; da privatização dos setores (empresas) estatais lucrativos (venda
24
Candidato pelo Partido da Reconstrução Nacional (PRN), Fernando Collor de Melo foi o primeiro presidente eleito
pelo voto direto no Brasil, Pós-Regime Militar, nas eleições de 1989. Exerceu o cargo pelo período de apenas dois
anos e meio, quando foi afastado devido a escândalos de corrupção. Em seguida renunciou ao mandato e,
posteriormente, foi condenado por um processo de impeachment, em 1992.
25
Fernando Henrique Cardoso do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) foi presidente da República do
Brasil por dois mandatos consecutivos de 1995 a 1998 e, de 1999 a 2002, sendo eleito em 1994 e reeleito em 1998.
38
do patrimônio público estatal); e concessão de isenção fiscal a empresas capitalistas
para assegurarem suas taxas de lucro.
Quanto as políticas sociais, o governo FHC logrou um exitoso controle - na
tentativa de garantir um menor dispêndio no tratamento à questão social - das formas
de atendimento focalizado, com a criação de mecanismos legais de transferência das
responsabilidades sociais do Estado para a sociedade civil26, na implementação das
políticas públicas, o que caracteriza, notadamente, mais uma premissa da política
neoliberal, que, nesta perspectiva, revolve a dimensão privada a responsabilização do
suprimento das necessidades humanas, engrendradas nas complexas relações de
desigualdade social.
Os direitos sociais no Brasil, mal tinham sido reconhecidos quando entraram
na onda de desmontagem, causada pelos impactos da implantação dos ditames do
capital internacional. Do ponto de vista legal a sociedade brasileira só conseguiu
instituí-los, numa fase muito recente (tardia), a partir da Constituição Federal de 1988.
Noutros termos, queremos dizer que, entre nós, a implantação do projeto neoliberal
operou-se em condições particulares:
Não contando com uma proteção social que assegure minimamente os direitos
sociais, apresentando índices de misérias similares aos países mais pobres do
mundo e contando com uma elite historicamente conservadora, o país integra o
“mundo global” reatualizando as velhas estratégias de equacionamento moral
da “questão social”. [...] ocorrendo as privatizações e a desregulamentação do
Estado com as políticas públicas, vão surgindo, gradativamente, propostas e
programas governamentais pautados em apelos ético-morais: trata-se de
envolver a sociedade civil em nome da “solidariedade” e da “responsabilidade
social”, estratégia que permite a modernização de práticas filantrópicas e a
27
desmobilização da sociedade civil, que passa a ser situada num terceiro setor ,
cuja lógica de funcionamento não seria nem a do mercado nem a do Estado,
mas a da solidariedade (BARROCO, 2008, p. 179).
Parece-nos uma grotesca contradição a postulação da solidariedade num
tempo histórico em que a única esfera reguladora da vida social é o mercado; em que o
exacerbado processo de mercantilização se configura como um dos mais violentos
momentos de expropriação social. O mais grave nisso tudo é que, do ponto de vista
26
27
Sobre esta questão ver Montaño, 2002.
Uma análise crítica sobre terceiro setor pode ser encontrada em Montaño (2002).
39
político, a solidariedade acaba assumindo um viés espantosamente ideológico e
funcional. O apelo a solidariedade e a lógica da ajuda ao próximo acabou por redefinir
os conflitos de classes, implicando numa horrenda desarticulação e despolitização das
lutas sociais. Predominantemente, as contradições passaram a ser tratadas e
compreendidas como questões de responsabilidade inteiramente individual. Sobre essa
tendência Fontes (2008) aponta que:
[...] muitos militantes, sinceramente engajados na melhoria das condições
sociais da maioria da população, mas (muitas vezes legitimamente)
decepcionados com os rumos de muitos partidos, abandonariam a prática (e a
reflexão) voltada para o fim das classes sociais, concentrando-se na atividade
local, pontual. Apoiados em formas locais de solidariedade e auto-ajuda,
empreenderam importantes lutas, mas esbarraram na dificuldade de recursos.
O encontro entre intelectuais dispostos a apoiar movimentos que se
mantivessem estreitamente nos limites corporativos e lutas sociais que se
debatiam com escassez de recursos impulsionou a constituição de entidades de
cunho filantrópico, no qual a autonomia reivindicada deixava de ser capaz de
produzir contra-hegemonia, não devendo mais forjar uma visão de mundo
revolucionária, mas a autonomia de cada segmento, organizado em torno de
demandas específicas, de cunho corporativo segundo a conceituação de
28
Gramsci (p. 34).
A autora complementa dizendo que as múltiplas fontes de financiamento
(das agências internacionais do capital e do próprio Estado) apoiaram essa dinâmica,
inclusive para fazer frente ao risco de que a internacionalização em curso
impulsionasse reivindicações localizadas em direção a uma contestação mais
abertamente anticapitalista. E com isso tentam impedir que as lutas específicas, que
agem a partir das condições imediatas e respondem aos efeitos da devastação
capitalista,
convertam-se
em
fulcros
coletivos
e
internacionalizados
de
luta
anticapitalista (FONTES, 2008). Por essa razão, não tenhamos a ingenuidade de
pensar que o enfrentamento – pelo menos, não no sentido da sua erradicação - das
desigualdades é preocupação para o capital, como quer nos fazer crer o Banco Mundial
e o FMI (TAVARES, 2006).
28
Ao referir-se a conformação das relações de força sociais, especialmente das forças políticas, Gramsci (2000) fala
dos graus de consciência política e de organização alcançado pelos vários grupos sociais. Nesse sentido, aponta
que o primeiro grau de consciência e o mais elementar é o econômico-corporativo. Consiste o momento de
manifestação e conformação da unidade homogênea e de organização de um determinado grupo profissional
enquanto tal, mas que não corresponde a unidade do grupo social mais amplo.
40
Devemos enfatizar, porém, que, embora, a alteração das formas de
manifestação da luta de classes tenham se alterado, o conflito social de classes
antagônicas não deixou de existir nem de se expressar, tampouco a sua configuração
atual, representa o produto de uma falha na consciência de classe dos trabalhadores.
Na verdade, o arrefecimento das lutas sociais, corresponde “a uma realidade material, a
forma como o mundo social é realmente organizado pelo capitalismo” (WOOD, 2005, p.
108). Aliás, é preciso chamar a atenção, que, os efeitos mais imediatos do capitalismo
limitaram
o
conflito
de
classes
as
unidades
individuais
de
(re)produção,
descentralizando e localizando a luta de classes.
A mobilidade do capital impulsiona a generalização das relações mercantis as
mais recônditas esferas e dimensões da vida social, que afetam, transversalmente, a
divisão do trabalho, as relações entre as classes e a organização da produção e
distribuição de bens e serviços. E ao espraiar-se na conformação da sociabilidade e da
cultura, reconfigura o Estado e a sociedade civil, redimensionando as lutas sociais
(IAMAMOTO, 2008).
Quanto à redefinição do papel do Estado gostaríamos de nos deter um pouco
nos impactos sobre as dimensões econômica, política e, sobretudo, social. Esta última
é o que nos interessa, em particular, pois consistiu, do ponto de vista da classe
trabalhadora, uma das estratégias mais ofensivas da reestruturação capitalista. Se
pensarmos no papel desempenhado, sobretudo, pelo Estado, na garantia da
reprodução social, veremos que - sem explorar as suas contradições – a luta por
direitos e políticas sociais representa uma questão central na agenda de luta e no
cotidiano das vidas dos sujeitos da classe trabalhadora. Portanto, as políticas sociais,
representam ganhos para os trabalhadores, o que significa, ainda que brandamente, a
imposição de limites a usura do capital. Não é por acaso que a classe capitalista
mundial se empenhou em elidir as conquistas históricas da classe trabalhadora no
campo dos direitos sociais e trabalhistas, verificados na experiência histórica dos países
centrais e de forma muito pífia na realidade dos países periféricos, no período glorioso
da produção e acumulação capitalistas do pós segunda guerra.
Por essa razão não podemos compreender o contexto de perda e
degradação dos direitos e das políticas sociais sem contextualizar sua articulação com
41
a política econômica e a luta de classes, pois elas são processo e resultado de relações
complexas e contraditórias que se estabelecem entre Estado e sociedade civil, no
âmbito dos conflitos e lutas de classes que envolvem o processo de produção e
reprodução do capitalismo (BEHRING e BOSCHETTI, 2006).
Para Boito Júnior,
a burguesia imperialista vislumbrou no neoliberalismo a via para contrariar,
graças à suspensão dos direitos dos trabalhadores e ao retrocesso no
capitalismo periférico, à tendência decrescente da taxa de lucro. Mas, isso não
significa que, apenas por esse fato, o neoliberalismo deveria sair vitorioso.
Foram as condições históricas gerais do período que viabilizaram a ofensiva
burguesa e imperialista, motivada pelo descenso das taxas de lucro (1999, p.
116).
Se as políticas sociais, nos países que vivenciaram o Estado de Bem-Estar
Social, assumiram, por um ângulo econômico, a função de reduzir os custos da
reprodução da força de trabalho e elevar a produtividade, bem como manter elevados
níveis de demanda e consumo, e, pelo ângulo político, serviram como mecanismos de
cooptação e legitimação da ordem capitalista, pela via da adesão dos trabalhadores ao
sistema; no contexto da reestruturação produtiva elas representaram para os interesses
do capital uma grande ameaça. Berhing (2003), afirma que, no contexto de implantação
do ideário neoliberal, as políticas sociais passam a ser caracterizadas por meio de um
discurso nitidamente ideológico. Ou seja, “paternalistas, geradoras de desequilíbrio,
custo excessivo do trabalho, e devem ser acessadas via mercado. Evidentemente,
nessa perspectiva deixam de ser direito social” (idem p. 64). A autora ainda chama
atenção para outra tendência desse processo de degradação dos serviços públicos e
do corte dos gastos sociais. Trata-se do processo de aguda privatização induzido nesse
terreno.
Na verdade, como indica Fontes (2008), o que vem ocorrendo não é apenas
a conversão em mercadoria algo que não o era, mas um efetivo processo social de
expropriação. Em última instância trata-se de assegurar
42
[...] a permanência e expansão das relações sociais que nutrem o capitalismo.
A expropriação permanece, portanto, o fulcro central da exploração capitalista,
à qual corresponde, no extremo oposto da mesma relação, a concentração de
recursos sociais (meios de produção e subsistência) aptos a se converterem em
capital, para serem valorizados, aplicados a própria exploração de
trabalhadores (Idem, p. 28).
Isso tem se evidenciado, na era das finanças, como o processo em que o
capital realiza novos impulsos nas suas formas de expropriação, através da apropriação
privada de atividades que escapavam a mercantilização, a exemplo dos sistemas de
proteção social coletivos.
Por essa via, constata-se uma franca tendência de supercapitalização e de
desmantelamento
das
solidariedades
coletivas
que
foram
construídas
pelos
assalariados, no curso da história. Como nos chama a atenção Chesnais, Serfati e Udry
(2005), o que encontramos, no coração do pensamento neoliberal, é a glorificação,
levada às suas últimas conseqüências, do “individualismo proprietário”, o individualismo
centrado sobre a propriedade privada.
Ao fazerem referência a atuação do Estado, no período pós-segunda Guerra
Mundial, também conhecido como “anos de ouro”, Behring e Boschetti (2006), afirmam
que a contração crescente de déficits públicos configurou uma crise do padrão de
financiamento público, que foi associada, em geral, aos custos com a reprodução do
trabalho, e menos com a presença dos fundos públicos na estruturação de reprodução
do capital, revelando um indisfarçável acento ideológico na crítica a crise. De acordo
com as autoras, essa crise fiscal do Estado acirrou, ainda mais, a “disputa pelo fundo
público, sob acusações neoliberais de estatização, de desperdício e estímulo a
dependência” (Idem, p. 175).
Na realidade, a necessidade de crescimento do fundo público para a garantia
de desenvolvimento das forças produtivas evidencia um esgotamento de uma suposta
auto-reprodução automática do capital, no contexto do capitalismo maduro. Nas
palavras das autoras:
O fundo público não poderia ser considerado um antivalor, uma vez que
participa de forma direta e indireta do ciclo de produção e reprodução do valor.
O fundo público não gera diretamente mais-valia, porém, tenciona pela
contradição entre a socialização da produção e a apropriação privada do
43
produto, atua apropriando-se de parcela da mais-valia, sustentando num
processo dialético a reprodução da força de trabalho e do capital, socializando
custos da produção e agilizando os processos de realização da mais-valia, base
da taxa de lucros que concretiza com a conclusão do ciclo de rotação do capital
(BEHRING E BOSCHETTI, 2006, p. 176).
O orçamento público sempre desempenhou papel fundamental nos
processos da acumulação capitalista, seja em períodos de estabilização ou crise
econômica. Ou seja, como em momento algum o capital prescindiu da estrutura estatal,
hoje, mais que nunca necessita dela para manter as condições de acumulação e de
competitividade em várias formas, incluindo subsídios diretos e operações de resgate
financiadas pelos contribuintes. Precisa do Estado, sobretudo, para preservar a
disciplina do trabalho29 e a ordem social “diante da austeridade e da “flexibilidade” e
para acrescentar a mobilidade de capital, ao mesmo tempo em que bloqueia a
mobilidade dos trabalhadores” (WOOD, 2005, p. 110).
O que se impõe como questão crucial na ordem do dia, do ponto de vista do
capital, são as demandas da crise financeira, ou seja, a recomposição das taxas
médias de lucro. Petras (2009) chama a atenção para o papel essencial que o Estado
desempenhará no atual período de crise financeira dizendo que
o papel do Estado (que estamos assistindo) não é o de canalizar dinheiro para
empresas de propriedade pública visando empregos e salários para os
trabalhadores, mas direcioná-lo para capitalistas que fracassaram no mercado
competitivo (p. 11).
No fundo, não se trata apenas da intervenção do Estado em si, mas da
intervenção do Estado em favor de um projeto econômico. Este, certamente não é o de
defesa do trabalho. Na análise de Petras (2009), há, nesse contexto atual, uma
perspectiva de crescimento da estatização, mas, não será uma estatização
progressista. Nessa prospecção, o autor aponta que haverá um crescimento vasto do
papel do Estado, direcionado para canalizar recursos públicos para salvar o
empreendimento privado em colapso.
29
Essa disciplina se impõe tanto pela violência quanto pelo convencimento, pois coerção e consenso também atuam
no âmbito das relações produtivas (FONTES, 2008).
44
Essencialmente, é o dinheiro público que assume as dívidas privadas de
corporações e a restauração da economia de mercado. Assim, no fim do ciclo
regressivo elas, sempre, voltam para o capital privado. O autor afirma que na atual
conjuntura não será diferente, veremos, portanto, um vasto crescimento da intervenção
econômica pelo Estado, inclusive com a nacionalização e enorme gasto de impostos. É
importante compreendermos este movimento de nacionalização e, sobretudo suas
finalidades, para que não alimentemos falsas esperanças com as medidas tecnocratas
de governos burgueses/neoliberais. Historicamente as nacionalizações têm se
constituído tentativas do Estado, no sentido de colocar um piso no colapso do
capitalismo para que, em algum ponto no futuro, se restaurem as classes dominantes
em sua posição hegemônica (PETRAS, 2009).
A
ofensiva
neoliberal,
segundo
Oliveira
(1998,
apud
BEHRING
e
BOSCHETTI, 2006), abala os fundamentos da democracia moderna, convertendo o
Estado a uma completa subordinação ao capital, num verdadeiro “banquete dos ricos”
(p. 177).
É importante lembrar que a dinâmica da recomposição dos países
beligerantes, no pós-segunda-guerra, por exemplo, teve como condição primordial, a
invocação do Estado para desempenhar o papel de empreendedor, ao patrocinar a
reestruturação da economia e fazer a mediação do pacto social interclasses. Além
disso, o capital corporativo teve de fazer determinadas concessões para que pudesse,
de modo mais velado, seguir a trilha da lucratividade segura; e a classe trabalhadora
organizada teve de assumir novos papéis e funções relativas ao desempenho nos
mercados de trabalho e nos processos de produção (HARVEY, 1996).
O patamar de acumulação estável da economia capitalista, nesse período,
deveu-se, eminentemente, a sustentação de um padrão de produção em massa, com
escoamento para uma demanda de consumo aparentemente equivalente, garantido,
em larga medida, pelo Estado empreendedor. Assim,
A intervenção econômica do Estado avoluma-se também pela obrigação em
que se encontra a burguesia de reativar, com a ajuda do Estado, os setores
industriais tornados cronicamente deficitários; de financiar pelo Estado os
setores de ponta ainda não rentáveis; de assegurar pelo Estado uma garantia
dos lucros dos grandes monopólios, concedendo a estes encomendas do
Estado [...] bem como subvenções, subsídios, etc (MANDEL, 1982, p. 47).
45
Atualmente, assistimos gigantescos gastos do governo com pagamento de
dívidas, sustentados mediante aumento de impostos e cortes de programas sociais nos
orçamentos para subsidiar a recuperação capitalista (PETRAS, 2009).
A ofensiva do império capitalista se consubstancia na realidade dos países
periféricos como o Brasil, através da política econômica adotada pelos governos
neoliberais, cujas premissas prevêem a reunião de recursos para o pagamento das
dívidas interna e externa, que, diga-se de passagem, são impagáveis, dada a sua
funcionalidade para a acumulação capitalista. Como nos aponta Almeida (2009), só no
ano de 2006, o Brasil enviou para os grandes investidores, banqueiros, sobretudo,
cerca de 275 bilhões de reais chegando em torno de 700 bilhões de reais entre juros e
amortizações da dívida, no interstício de 2003 a 2006, período correspondente ao
primeiro mandato do governo de Luís Inácio Lula da Silva 30.
Vale destacar aqui, que, o pagamento da dívida externa de cada país
dependente, tem sido cumprido, pelos seus respectivos governos, a custa, sobretudo,
dos recursos (e em detrimento) das políticas sociais. Conforme esclarece Petras (2006),
no Brasil, por exemplo, os programas sociais de saúde e educação foram agudamente
reduzidos em mais de 5%, entre 2003 e 2006, enquanto que os credores da dívida
externa receberam pontualmente (e, inclusive, de forma antecipada) os pagamentos
dos 150 trilhões de dólares; tornando o Brasil um “modelo” de país devedor.
Nessa mesma perspectiva, Behring (2004) afirma que o aumento da
arrecadação da União31, nesses últimos anos, não se refletiu em investimentos
produtivos ou em políticas sociais. A autora diz que isso se deve ao fato de que no
Brasil seguem intocáveis:
30
Candidato pelo Partido dos Trabalhadores (PT), a presidente da República do Brasil desde 1989, o ex-metalúrgico
e sindicalista, Luis Inácio Lula da Silva, disputou o cargo em três eleições consecutivas (1989, 1994, 1998), antes de
vencer o pleito presidencial de 2002. Candidato a reeleição em 2006, é reconduzido ao poder em 2007 para a
assunção do seu segundo mandato ainda em curso.
31
Quanto a isso, a autora esclarece que esse aumento ocorre mesmo registrando-se a manutenção de uma imensa
renúncia fiscal e maior punção da renda do trabalho (BERHING, 2003). Vale lembrar que, no contexto de vigência da
reestruturação produtiva e da política neoliberal, há uma explícita tendência de baixa arrecadação, devido ao
processo de desintegração industrial, desregulamentação das relações de trabalho e do crescimento da
informalidade. Portanto, a baixa arrecadação significa queda na receita do Estado, ou melhor, implica déficit público.
E as conseqüências determinadas pelas referidas mudanças em curso, são compensadas na intensificação da carga
tributária regressiva (impostos indiretos), ou seja, mais sobre o consumo e menos sobre os rendimentos.
46
o superávit primário, a Desvinculação de Receitas da União, que desvincula
recursos arrecadados de impostos e contribuições – fontes da seguridade social
– para o pagamento de dívida pública e manutenção do superávit [...]; taxas de
juros parametradas pela selic [...]; apostas (e incentivos) na política do „exportar
é o que importa‟, com base no agronegócio, que não é gerador de empregos
nem se volta para o mercado interno de massas; o inesgotável pagamento de
juros, encargos e amortizações da dívida pública, nossa sangria diária de força
produtiva para os credores nacionais e internacionais [...] (BERHING, 2004,
p.63).
Na interpretação de Petras (2009), um governo que assume dívidas enormes,
nas quais o pagamento dos juros compromete altas parcelas do orçamento federal, não
consegue encarar despesas sociais para aumentar ou mesmo manter determinados
programas sociais. Essa questão, em outros termos, expressa nitidamente a
contraditória disputa de interesses sócio-econômicos e políticos que permeia a esfera
do Estado. Pois, conforme assinala o autor
A recuperação capitalista significa que os trabalhadores pagam pelo prejuízo e
desaparecimento do capitalismo, a não ser que se tenha um governo diferente,
com compromissos sociais diferentes e compromissos de classe diferentes, que
procure financiar a recuperação dos padrões de vida dos trabalhadores, que
garanta o emprego dos trabalhadores e que intervenha nas fábricas que vão
contra essa política – intervir no sentido de assumir, assumir o gerenciamento, a
direção, o investimento e a política salarial. Não há dúvida alguma de que irão
falar sobre “sacrifício igual” dos capitalistas e dos trabalhadores. Mas os
capitalistas irão continuar donos das fábricas, sem quaisquer perdas, e os
trabalhadores perderão seus salários (PETRAS, 2009, p. 17).
A crise econômica, já no primeiro momento, criou um enorme excedente de
mão-de-obra, e caso não se encontre um mecanismo para integrar trabalhadores
desempregados num movimento social, estes, certamente, servirão como meio de
pressão para reduzir ainda mais os salários.
Na particularidade brasileira, os impactos da crise financeira mundial se
refletem, sobretudo, no mercado de trabalho. O contingente de desempregados atingiu,
já em março de 2009, cerca de 2 milhões de pessoas. Segundo pesquisa do Instituto
47
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2009), o desemprego avançou no início de
2009, para o patamar mais alto desde setembro de 2007, ficando em 9%. Segundo a
coordenação da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, a pesquisa de emprego
comprova que, em função da turbulência econômica atual, postos de trabalho deixaram
de ser criados e trabalhadores foram dispensados. A pesquisa, ainda, aponta que a
redução de 1,5% do emprego na indústria de fevereiro para março, representa a saída
de 54 mil trabalhadores do mercado. Sendo o setor industrial o que apresenta maior
taxa de dispensa. Já o número de ocupados ficou estável em 21 milhões de pessoas,
com acréscimo de 9 (nove) mil postos, considerados, porém, insignificantes no universo
de desempregados. Em termos relativos corresponde à zero por cento, por ser muito
inferior ao aumento do desemprego.
Porém, como nos lembra Petras (2009), os trabalhadores nunca são
marginalizados, mas reduzidos em sua capacidade de barganha, com perdas absolutas
de renda. Do ponto de vista de reprodução do lucro, o tamanho do excedente de mãode-obra está relacionado com o declínio de renda e de serviços sociais para os
trabalhadores. Mas, a marginalização da renda não significa a dissociação sistêmica
dos trabalhadores em relação às operações do sistema capitalista, como a economia
política vulgar defende e faz acreditar. Quanto maior for o excedente de mão-de-obra,
maior será a competição por empregos entre trabalhadores; quanto maior a
competição, mais baixos ficam os salários, mais opções terá o capital para negociar
contratos.
Os trabalhadores desempregados serão instrumento perfeito para se tentar
impor a recuperação do capitalismo nas costas dos trabalhadores. Cada vez mais,
veremos o desenvolvimento do trabalho temporário, isto é, trabalhadores sem contratos
fixos, ou seja, colocados como flexibilidade da mão-de-obra para facilitar o “emprego”.
Mas em aspecto algum este é um resultado progressista, pois vem revertendo décadas
de organização social.
De acordo com Behring (2008), as desigualdades sociais resultante do
aumento do desemprego foram agudizadas também por mudanças na composição do
financiamento e dos gastos públicos, visto que, como já mencionamos, a maioria dos
países passou a ampliar a arrecadação pela via de impostos indiretos, o que acaba
48
onerando toda a sociedade e penalizando os trabalhadores com rendimentos baixos.
Diante disso, a autora infere que, a política real é a de direcionar o fundo público como
um pressuposto geral das condições de produção e reprodução do capital, diminuindo
sua alocação e impacto junto as demandas do trabalho, ainda que isso implique em
desproteção social, considerando que este é um mundo no qual não há emprego para
todos, donde decorre a perversa associação entre perda de direitos e criminalização da
pobreza (BEHRING, 2008).
Segundo Iamamoto (1998) no Brasil, a argumentação oficial defende que o
empresariado tem um gasto adicional maior com os encargos sociais do que com a
remuneração direta do trabalhador, ou seja, com o que ele recebe. A partir disso,
propala-se que as despesas relativas ao custo social do trabalho são muito elevadas no
país e, assim, elabora-se a justificativa do processo de desregulamentação do trabalho,
o que significa a pulverização dos direitos sociais do trabalho. “Daí [parte] o consenso,
partilhado pelo Estado [burguês] e pelo empresariado, para reduzir os gastos sociais e
flexibilizar o custo do trabalho no país” (p. 45).
Nesse caso, verifica-se, concretamente, um incontornável teor ideológico no
discurso dominante na perspectiva de tentar legitimar a rentabilidade do capital em
detrimento da reprodução do trabalho. Pois na ordem burguesa, as determinações
ideológicas, fundadas no liberalismo, são portadoras de oportunismos capazes de
atribuir sentidos completamente diferentes a um mesmo fenômeno, a depender do
estágio do desenvolvimento econômico (TAVARES, 2006). Vale aqui ressaltar o que
Iamamoto (1998) esclarece sobre a “confusa” identificação que o discurso oficial faz
entre o custo salarial e os custos, de fato, sociais que estão embutidos na folha de
salário. Assim, diferencia-os:
[...] custo salarial [envolve] obrigações trabalhistas, 13º salário, férias, fundo de
garantia, rescisão contratual, descanso semanal remunerado; enfim benefícios
associados ao trabalho já realizado que favorecem diretamente o trabalhador e
representam conquistas sociais trabalhistas já consolidadas [...] custos, de fato
sociais [...] referem-se aos encargos sociais que só favorecem de forma indireta
e não individualizada o trabalhador, envolvendo despesas destinadas ao
financiamento de atividades sociais que transcendem a remuneração
individualizada do trabalhador [...]. Tais encargos sociais são voltados, não só
para o financiamento de gastos sociais do trabalhador, mas para o conjunto dos
empregados e dos desempregados da sociedade (IAMAMOTO,1998, p.46).
49
É óbvio que o objetivo último presente na retórica e nas práticas oficiais, é
garantir a sustentação da maximização (pacífica) dos lucros capitalistas. A efetivação
dos direitos sociais pressupõe (mesmo que parcialmente) a desapropriação de parte da
mais-valia acumulada pelos capitalistas e isso contraria os interesses da classe
detentora de capital.
Por isso, não podemos considerar a reconfiguração do Estado de forma
isolada e autônoma, como específica da arena política. O que está em jogo são
projetos e interesses de classes que se expressam na tessitura das relações sociais
com a complexidade de aspectos inerentes as esferas econômica, política, social,
cultural, moral e ideológica.
É inegável que nesse novo contexto de redefinição ofensiva do capital, a
correlação de forças entre as classes sociais alterou-se profundamente. A força política
e subversiva da unificação das lutas da classe trabalhadora de outrora, encontra-se
atualmente suplantada pela fragmentação dos trabalhadores, determinada pela
imposição do acirramento da disputa (entre trabalhadores) pela condição de cada um
manter as garantias mínimas para a sobrevivência. Além disso, é necessário destacar
aqui que, a classe trabalhadora se divide tanto pela competição entre as empresas, na
qual os trabalhadores são levados a se ver como aliados de seus exploradores contra
seus competidores, tanto capitalistas como trabalhadores; quanto pela não inserção no
mercado de trabalho. E “essa é uma tendência que a ideologia da globalização está
tratando de promover por todos os meios” (WOOD, 2005, p.108).
Vale lembrar que os indivíduos, isoladamente, só formam uma classe na
medida em que têm de empreender uma luta comum contra outra classe; no restante,
eles se defrontam como inimigos na concorrência (MARX e ENGELS, 2005). Por outro
lado,
a classe torna-se autônoma em relação aos indivíduos, de maneira que estes
últimos têm suas condições de vida predeterminadas e têm, assim, sua posição
na vida e seu desenvolvimento pessoal definidos pela sua classe; tornam-se
subordinados a ela. [...] essa subordinação dos indivíduos à sua classe torna-
50
se, ao mesmo tempo, a subordinação a todo tipo de representações. (MARX e
ENGELS, 2005, p. 88).
Se considerarmos as lutas dos trabalhadores, até o início dos anos 1970,
iremos perceber o quão importante foi seu papel no questionamento dos pilares
constitutivos do capital, principalmente no que concerne ao controle social da produção.
As lutas ganharam a forma de uma verdadeira revolta do operariado-massa contra os
métodos taylorista/ fordista de produção, expressões das principais contradições do
processo de massificação (ANTUNES, 2002).
De acordo com Bernardo (2000), os movimentos de trabalhadores, nesse
período, foram fundamentais, pois criticaram tanto o sistema dos países ocidentais,
quanto o “capitalismo de Estado Soviético”, mais ainda, a auto-organização operária
obstou o funcionamento do capitalismo, sendo, talvez o elemento mais importante no
desencadear da grave crise econômica, em 1974.
A despeito da burocracia sindical do acordo fordista, a organização das lutas
dos trabalhadores, nesse período, contava com ampla participação das bases e se
caracterizava pelo controle dos próprios trabalhadores sobre o movimento e pelo
surgimento de organismos independentes como as comissões de trabalhadores e
experiências de controle direto da produção. Isso demonstrava, segundo Bernardo
(2000), que o movimento dos trabalhadores era capaz de levar o processo
revolucionário até o nível mais fundamental, alterando as próprias relações sociais de
trabalho e de produção.
Porém,
as
inflexões
ocorridas
no
modo
de
produção
do
capital,
reconfiguraram o mercado de trabalho e redesenharam a classe trabalhadora, no que
diz respeito a conversão de características inerentes ao operariado massa do período
fordista. O novo modo de organização transnacional da divisão socio-técnica do
trabalho consistiu numa estratégia de desorganização e desmobilização dos
trabalhadores, com incidência em duas dimensões interpenetrantes e indissociáveis,
quais sejam: primeiro a dimensão estrutural que determinou o desemprego estrutural, a
fragmentação dos contingentes de trabalhadores pelo processo da desindustrialização,
liofilização ou desintegração do chão fabril, o que implicou o surgimento de novas
51
formas precarizadas de trabalho e desenvolvimento de estratégias de sobrevivência por
parte dos trabalhadores desempregados ou de trabalho precarizado; segundo, a
dimensão subjetiva da classe trabalhadora, começa a sentir os abalos causados pela
realidade objetiva. Ora, a luta pela sobrevivência tornou-se ainda mais complexa,
acirrada, extenuante e pragmática, traduzindo-se em limitações objetivas que ao se
acentuarem cotidianamente, obstaram o desenvolvimento das capacidades políticoorganizativas dos trabalhadores.
Para os trabalhadores, além dos impactos objetivos da crise, especialmente em
função do desemprego, da precarização do trabalho, dos salários e dos
sistemas de proteção social, observa-se a construção de outras formas de
sociabilidade marcadas por iniciativas pragmáticas de enfrentamento da crise,
fraturando suas formas históricas de organização e esgarçando uma cultura
política que comporta alternativas à ordem do capital. (MOTA e AMARAL, 1998,
p. 30).
Isto se revela, primordialmente, no âmbito da organização da luta política dos
trabalhadores, sendo emblemática a predominância de interesses eminentemente
imediatos e corporativistas, resultando numa condição
fundamental para o capital, na medida em que se retrai o âmbito de luta para
esse universo, no universo da luta meramente imediata e não se vislumbra
nada além da imediaticidade, para além do capital. Isto é o mundo que o capital
sonha, pois quando cada um cuida da sua dimensão meramente imediata, os
interesses para além do capital não são aflorados e, não sendo aflorados, o
questionamento essencial torna-se muito mais difícil (ANTUNES, 1996, p. 82).
Com a hegemonia do novo liberalismo, a classe trabalhadora sofre, em todo o
mundo, os impactos das transformações políticas e econômicas, consubstanciadas
nessa agenda. Trata-se de uma dinâmica de transformações econômicas que atinge,
diretamente, o movimento dos trabalhadores e suas organizações sindicais e políticas
(MOURA, 2008, p. 52). Na avaliação do autor, o avanço do projeto neoliberal, no
cenário internacional, alterou, profundamente, a tendência dos conflitos de classes,
uma vez que, intensificou o refluxo do movimento dos trabalhadores, a diminuição dos
52
segmentos sindicalizados, as derrotas eleitorais dos partidos de esquerda, a
desarticulação de conquistas trabalhistas e o endurecimento de repressão aos
movimentos dos trabalhadores em todo o mundo. Em resumidas contas, poder-se-ia
dizer que os anos 1990 representaram um recuo em relação aos movimentos de
emancipação constituídos pela classe trabalhadora no século XX.
A perspectiva neoliberal e a acumulação flexível empregaram ao projeto
capitalista uma dimensão triunfal, pois na medida em que disseminaram o
individualismo32 e acirraram o nível de competição entre os sujeitos sociais,
pulverizaram a solidariedade de classe entre os(as) trabalhadores(as). Ramos (2005)
argumenta que a difusão dessa lógica condicionou o alardeamento de uma falsa idéia
de que não existe outra alternativa, em termos de projeto societário; o fim da história em
contraposição direta ao projeto da modernidade e o pensamento único são expressões
desse fetiche que convenceu amplos segmentos inclusive no universo do pensamento
de esquerda, em nível mundial.
De acordo com Lessa, uma das principais tendências desse fenômeno
ideológico, é a perda de nitidez da fisionomia político-ideológica das classes sociais33.
Nem a classe operária comparece às lutas sociais como a força social
antagônica ao capital, nem a burguesia exibe a sua verdadeira dimensão
histórica ao se contrapor frontalmente aos trabalhadores (LESSA, 2007, p. 171).
Uma vez veladas as distinções entre as classes sociais, as propostas
centradas numa postura de acomodação dentro da ordem tendem a adquirir maior
visibilidade, em detrimento da priorização da luta pela superação da propriedade
privada e de toda e qualquer forma de exploração.
32
É a expressão da construção do indivíduo a partir de um permanente confronto com a estrutura social global e
com os outros indivíduos, numa dinâmica de disputas pelas quais, cada individualidade, ao se construir enquanto
egoísta e competitiva, constrói também uma sociedade desumana, concorrencial. O individualismo burguês interfere
na constituição da substância de cada individualidade sob a hegemonia do capital. Cada um desdobra a sua
existência como uma infinita luta contra tudo e contra todos. Sob o capital, a existência humana é reduzida à sua
faceta menos humana: ou ser mero cofre para acumular capital ou, então, ser banido da civilização humana
reduzindo-se à disputa por um pedaço de pão (LESSA, 2007).
33
O autor lembra que esse fenômeno ideológico é apenas e tão-somente um fenômeno ideológico. Ou seja, “não
cancela as determinações das classes sociais pelo fundamento ontológico do lugar que as mesmas ocupam na
estrutura produtiva da sociedade” (LESSA, 2007, p. 172).
53
Na medida em que a única classe social historicamente interessada na
superação da propriedade privada, o proletariado, comparece nas lutas políticas
com propostas mais propriamente burguesas ou pequeno-burguesas, centradas
quase sempre na manutenção do emprego (isto é, manutenção da exploração
do trabalho pelo capital) e na elevação dos salários (isto é, manutenção da
extração da mais-valia), a proposta de superação do capital e sua substituição
por uma sociedade comunista parece carecer de toda a base social e, portanto,
revela-se uma mera utopia no sentido literal de não ter lugar na história.
(LESSA, 2007, p. 173).
Neste sentido, não apenas a reestruturação produtiva, mas todo o sistema
sócio metabólico do capital (MÉSZÁROS, 2007), se constitui, hoje, um desafio central a
classe trabalhadora - como único agente histórico capaz de transgredir a sociedade do
capital - e uma ameaça a toda a humanidade dada a sua dimensão destrutiva de
(re)produção social.
O capitalismo tem como imperativo a permanente acumulação de capitais, e
desde o seu surgimento, vem engendrando novas relações sociais de produção que
têm gerado contradições insolúveis (DURANS, 2006). Portanto, a questão contraditória
que, no nosso ponto de vista, precisa ser resgatada aqui, é que “a força do capitalismo
é também sua fraqueza, e que a globalização poderia estar ampliando, e não
restringindo, o espaço para as políticas de oposição” (WOOD, 2005, p. 105).
Contudo, somente a forma de resistência política determinará ou não a
superação dos desafios colocados, hoje, para o amplo conjunto da classe trabalhadora.
E isto não se dissocia da real necessidade de transgressão a sociedade do capital. Vale
lembrar,
porém,
que
a
superação
do
atual
estado
de
coisas
pressupõe,
fundamentalmente, uma política de realismo revolucionário, livre tanto de evasivas
oportunistas como de reservas sectárias, por parte da classe trabalhadora (AGUENA,
2008). Mas, esta classe somente poderá alcançar o nível da sua negação, afirmando-se
enquanto classe revolucionária, a partir dos seus processos organizativos mais
universais e totalizantes. Tudo o mais será menos fundamental e ininteligível as
contradições que devem ser confrontadas, sobretudo nesse contexto. Quanto as
possibilidades, elas estão abertas, assim como a história, e a luta de classes, em suas
múltiplas formas de expressão, é o lugar donde deverão fluir protagonismos e
movimentos para a transgressão.
54
Pois os trabalhadores não apenas sofrem as crises e as determinações desse
sistema, mas, constroem formas de resistência ao capital. Contudo, as contradições
desta sociabilidade só se tornam mediações políticas com perspectivas anticapitalistas
na medida em que a afirmação da consciência revolucionária passar a fazer parte do
cotidiano e da ação política dos trabalhadores organizados. É óbvio que as lutas
cotidianas do que se pode chamar de movimento de resistência a ordem capitalista,
devem ser encampadas com o propósito para além do capitalismo, mas isso perpassa
pela defesa das conquistas da classe trabalhadora nessa sociabilidade.
E é a partir dessa realidade de impactos e resistências que passamos a
refletir a particularidade e os desafios da organização política da categoria profissional
dos assistentes sociais nos marcos da sociedade capitalista contemporânea, que
demarcada pelo envolvimento político com os processos de luta intransigente pelos
interesses do trabalho, se coloca hegemonicamente, num campo de enfrentamento e
contestação a ordem social vigente.
2.3 A organização política dos assistentes sociais e o processo de construção do
projeto ético-político profissional
Como todo processo de organização política, pressupõe a mediação de
elementos histórica e ontologicamente determinados, ou seja, os indivíduos reais, suas
ações e suas condições materiais de vida, tanto aquelas que eles já encontraram
elaboradas quanto aquelas que são o resultado de sua própria ação (MARX e
ENGELS, 2005), podemos dizer, que o movimento de renovação ético-política do
Serviço Social brasileiro, não foi fruto do desejo ou da vontade subjetiva de meia dúzia
de assistentes sociais envolvidos numa militância cívica e/ou política: ele expressou,
processadas numa perspectiva profissional e retratadas no interior da categoria,
demandas e aspirações da massa dos trabalhadores brasileiros (NETTO, 1999).
55
O Brasil do final dos anos 1970 viveu mudanças sócio-políticas importantes34,
com a distensão e conseqüente ocaso da ditadura militar e a eclosão de movimentos
sociais provenientes, sobretudo, dos segmentos da classe trabalhadora. Além do
protesto à repressão do regime, as massas foram movidas pelo auge da recessão e
inflação da época. Grande parte da classe trabalhadora vivia as mazelas do período de
decadência do “milagre econômico”35. A retomada do poder de mobilização dos
trabalhadores disseminou-se como mecanismo de afirmação da luta política da classe,
frente as más condições de vida e trabalho imposta pelos ditames autocráticos
burgueses nacional e internacional, sob a tutela dos governos militares. Nascia, nesse
momento histórico, o arcabouço político que cimentara as bases da redemocratização
do Brasil.36
A força insurgente da organização de novos sujeitos coletivos, na sociedade
brasileira, dinamizou a vida política do país, impactando e revalorizando as práticas
sociais presentes no cotidiano popular.
34
A mobilização dos(as) trabalhadores(as) urbanos(as), com o renascimento combativo do seu movimento sindical; a
tomada de consciência dos trabalhadores rurais e a vitalização da sua organização;o ingresso, também na cena
política, de movimentos de cunho popular (entre os quais o associacionismo de moradores) e democrático (os
estudantes, as mulheres, as minorias etc); a dinamização da vida cultural, com a ativação do protagonismo de
setores intelectuais; a afirmação da opção democrática por segmentos da Igreja católica e a consolidação do papel
progressista desempenhado por instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação
Brasileira de Imprensa (ABI) – tudo isto pôs na agenda da sociedade brasileira a exigência de profundas
transformações políticas e sociais (NETTO, 1999, p. 100).
35
É importante destacar que no período pós-64 o país viveu um processo de modernização conservadora,
certamente o último suspiro nessa modalidade marcante do desenvolvimento nacional: industrialização e
urbanização aceleradas, e modernização do Estado brasileiro, inclusive com expansão de políticas sociais
centralizadas nacionalmente. Esse processo, que representou uma espécie de salto a diante, foi conduzido pela
lógica de “deixar crescer o bolo para depois dividir”, segundo a conhecida frase de Delfim Netto, então responsável
pela política econômica. O que se assistiu, na verdade, foi ao acirramento das contradições sociais no país, com a
radicalização das expressões da questão social (BEHRING e BOSCHETTI, 2006). A expansão econômica verificada
a partir de 1968 se fez dentro de um neocapitalismo periférico com severo controle estatal, concentração de renda
como fator gerador de capital e dependência estrita do capital estrangeiro. O crescimento acelerado impôs severas
condições de vida ao vasto setor assalariado de faixa mais inferior. Os ajustes salariais perderam a antiga
flexibilidade e, inclusive as horas de trabalho aumentaram (LOPEZ, 1988). Este crescimento econômico em função
do milagre, não tinha sido acompanhado por políticas sociais que pudessem melhorar a qualidade de vida da
população. Segundo Lopez (1988), de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), houve um
considerável aumento do índice de mortalidade infantil nas grandes cidades em face de pauperização de amplas
camadas da população menos favorecidas. Em meados da década de 1970, fazia-se sentir, no contexto interno, as
conseqüências da crise mundial de petróleo. O mercado interno se retraíra muito em face da compressão salarial
adotada para propiciar uma produção de artigos industriais a preços vantajosos no mercado externo que se
encontrava em fase recessiva. A concentração da renda ampliara o poder de compra de uma minoria, mas,
pauperizando a maioria, contribuía fortemente para aguçar tensões sociais que a ação repressiva e a máquina
publicitária não podiam controlar indefinidamente.
36
As inflexões deste período determinaram a construção do maior movimento político da história brasileira pelo
sufrágio universal, a campanha das Diretas-já em 1984. No entanto, os intentos democráticos, foram suprimidos pelo
alto, (significando a derrota da luta popular pelo direito ao voto nas eleições para presidente da República),
deslanchando no colégio eleitoral que elegeu Tancredo Neves e José Sarney, no pleito eleitoral, para assunção em
1985.
56
Trata-se, portanto, de uma geração que, tendo conhecido os horrores do
autoritarismo dos regimes militares e tendo sido saqueada dos seus direitos de
expressão, organização e participação, deposita todos os seus esforços no
retorno a institucionalidade democrática [...] Embora atravessados por
diferentes ideologias, projetos e interesses, os movimentos sociais dos anos
[19]70 e [19]80 lutavam não contra o Estado em si, mas contra o Estado
autoritário, clientelista e opressor da sociedade. Não contra a democracia
representativa liberal, mas a favor da criação e da ampliação de espaços de
participação política e da inclusão econômica e social (LÜCHMANN e SOUSA,
2005, p. 96).
O conjunto das lutas travadas por parcelas da classe trabalhadora brasileira,
nessa época, suscitou avanços na perspectiva de construção da consciência de
classe37, com rebatimentos no interior de vários contingentes profissionais, dentre os
quais fazemos destaque para os assistentes sociais. Pois foi no percurso desse
movimento de reorganização das lutas sociais dos anos 1980, que se processou a
interlocução política de setores profissionais do Serviço Social com os segmentos
populares e a incorporação crítica das suas lutas e demandas, na agenda profissional.
Tal processo deve ser considerado, também, como expressão dos
desdobramentos sócio-políticos, provocados pelas mudanças na sistemática de
acumulação capitalista, em nível internacional38, que alteraram a relação capitaltrabalho,
suscitando
o
empobrecimento
das
camadas
médias,
às
quais,
tradicionalmente, incidiam grandes contingentes profissionais do Serviço Social39, bem
37
É importante salientar que a consciência é adquirida através de experiências sucessivas, isto é, quando da
percepção de que nada do que existe é natural, mas porque existem determinadas condições, cujo desaparecimento
não fica sem conseqüências. Quando se tem percepção disso, o movimento se aperfeiçoa, perde os elementos de
arbitrariedade, torna-se independente, no sentido de que, para obter determinadas conseqüências, cria as premissas
necessárias e empenha suas forças na criação dessas premissas (GRAMSCI, 2000). Ao se assumir enquanto
classe, o proletariado nega o capitalismo afirmando-o. Em sua luta revolucionária, não basta o proletariado assumirse enquanto classe (consciência em si), mas é necessário se assumir para além de si mesmo (consciência para si).
Conceber-se não com interesses próprios dentro da ordem capitalista, mas também se colocar diante da tarefa
histórica da superação dessa ordem. A verdadeira consciência de classe é fruto dessa dupla negação: num primeiro
momento, o proletariado nega o capitalismo assumindo sua posição de classe, para depois negar-se a si próprio
enquanto classe, assumindo a luta de toda a sociedade por sua emancipação contra o capital (IASI, 2007).
38
Nesta época, se erigia, concomitantemente, em âmbito internacional, nos países de economias centrais, o
reordenamento do capital, que demonstrava como resposta à sua crise estrutural, deflagrada no início dos anos
1970, o prelúdio de tempos de barbárie social, através da intervenção objetiva na organização da produção e
desregulamentação das relações de trabalho. No entanto, os reflexos desta recomposição, só se fizeram sentir, de
modo mais ofensivo na realidade brasileira, na década de 1990, com a consolidação do projeto neoliberal.
39
Em relação a particularidade do Serviço Social nesse contexto, é notória a mudança do perfil dos profissionais,
que tornaram-se, massivamente, trabalhadores assalariados, oriundos das camadas médias e baixas da classe
trabalhadora. Essa nova situação estrutural exigiu do Serviço Social uma reflexão mais sofisticada sobre a realidade
57
como, aprofundaram o acirramento das contradições sociais presentes na luta de
classes, fazendo ressurgir e ressoar, de forma acentuada, nos âmbitos da organização,
formação e intervenção profissionais, as críticas ao sistema vigente40.
Acontece
que
os
assistentes
sociais,
ao
se
perceberem
como
trabalhadores41, passaram a imprimir uma ressignificação a profissão42, demarcada
pela politização e conscientização da categoria profissional, repercutindo numa
reverberação significativa das entidades profissionais, dado o desempenho que tiveram
no avanço político deslanchado na construção do atual projeto profissional 43. Tal
processo se gestou, a partir da mediação política nos espaços de atuação profissional,
bem como nas ações organizativas de outras categorias, como os movimentos
grevistas, com destaque para as greves dos metalúrgicos do ABC paulista e as
manifestações de movimentos sociais urbanos, dentre outras lutas mais gerais da
classe trabalhadora, que se colocavam no campo político de esquerda e de construção
da crítica a ordem político-econômica do capital nos países periféricos.
Não foi por acaso que a moralidade profissional de ruptura incorporou as
influências objetivas do seu tempo histórico. A construção de uma ética objetivada nos
enfrentamentos de questões políticas transcorridas no período pós-ditadura, fez rebater
fortemente, no interior da categoria profissional, projetos societários distintos daqueles
que atendiam aos interesses das classes e camadas dominantes.
Na entrada dos anos 1980 a militância político profissional alcança a sua
maturidade, evidenciada na organização sindical nacional dos assistentes sociais com a
brasileira e a criação de identidades políticas com “os de baixo”, que assumiam uma nova posição no cenário
político que se erigia no período (BEHRING e BOSCHETTI, 2006).
40
O processo contraditório da ditadura, ao modernizar setores da sociedade, criou as condições para o seu próprio
ocaso: gerou a maior concentração operária do mundo – o ABCD paulista – e assalariou os profissionais do nível
superior (BEHRING e BOSCHETTI, 2006).
41
Uma pesquisa sobre o salário mínimo profissional, elaborada pela Comissão Executiva Nacional de Entidades
Sindicais de Assistentes Social (CENEAS), e realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Sócio-econômicos (DIEESE), em 1982, revelou um perfil da categoria profissional que a identificou como parte
objetivamente integrante da classe trabalhadora. Um melhor detalhamento da pesquisa pode ser encontrado em
Abramides e Cabral (1995).
42
É inclusive, a partir desse período que emerge o veio teórico de inspiração marxista, que considera o Serviço
Social, uma especialização do trabalho coletivo, dentro da divisão social e técnica do trabalho. Nesse sentido, o
Serviço Social passa a ser compreendido como uma profissão voltada para uma intervenção social nas expressões
da questão social, a partir de um conhecimento da realidade na perspectiva de totalidade, o que implica o
rompimento de uma visão endógena da profissão.
43
O novo projeto profissional tem se constituído, fundamentalmente, a partir da conversão teórico-metodológica de
interpretar a realidade social. A perspectiva de totalidade imprimiu uma ressignificação no pensamento profissional
sobre a compreensão das contradições da sociedade capitalista e, conseqüentemente, determinou inflexões do
ponto de vista da atuação política dos sujeitos profissionais.
58
criação da Comissão Executiva Nacional de Entidades Sindicais de Assistentes Sociais
(CENEAS) em 1979 e depois, em 1983, a ANAS - Associação Nacional de Assistentes
Sociais, entidade político-sindical da categoria; com trabalho desenvolvido pela
Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social - ABESS44, na coordenação do
debate sobre o projeto de formação profissional; na mudança de perspectiva éticopolítica no interior do Conjunto dos Conselhos Federal e Regional de Assistentes
Sociais CFAS/CRAS45 -, especialmente, a partir das mudanças na política de
fiscalização do exercício profissional e, por último, com a criação da Subsecretaria de
Serviço Social da União Nacional dos Estudantes SESSUNE46 como entidade
representativa do segmento estudantil de Serviço Social, parceira histórica das lutas
profissionais e da classe trabalhadora.
A atuação dessas entidades representativas imprimiu uma dinâmica de
debates coletivos e democráticos, em torno das diversas dimensões da profissão. O
contorno crítico e politizado que os eventos nacionais da categoria revelaram desde o
III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS)47 consistiu a maior expressão de
44
Encarregada de coordenar e articular o projeto de formação profissional, a partir do final da década de 1970, a
ABESS deixa de ser Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social (criada em 1946) e transforma-se em
Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social. Somente na segunda metade da década de 1990 é que se torna
ABEPSS, em função das demandas potencializadas pelo crescimento de cursos de Pós-graduação e a conseqüente
consolidação da pesquisa no Serviço Social. É nesse período que a afirmação da natureza científica dessa entidade
se explicita com maior veemência.
45
É importante lembrar que “a esfera dos conselhos de fiscalização da profissão era caracterizada por um perfil
conservador, corporativo e burocrático [...] Esses conselhos passaram, a partir da década de 1980, a abrigar
profissionais oriundos do movimento sindical, o que redefinira significativamente suas diretrizes, gerando a
democratização das suas relações internas e sua vinculação com outras instâncias organizativas” (RAMOS, 2006, p.
173). Por essa razão o Conjunto dos Conselhos Federal e Regionais de Serviço Social CFESS/CRESS é hoje a
síntese da redefinição, no interior do antigo conjunto CFAS/CRAS, do papel da fiscalização do exercício profissional,
no sentido do deslocamento da dimensão policialesca para novas acepções democráticas, e anti-corporativistas,
como características fundamentais no desempenho de suas funções em defesa dos direitos sociais e do
compromisso com a qualidade dos serviços prestados aos usuários do Serviço Social. Foi também de grande
importância o trabalho desenvolvido, por essas entidades, na formulação e aprovação do Código de Ética
Profissional de 1986, instrumento normativo que balizou a vinculação ético-política dessa categoria profissional com
as lutas da classe trabalhadora e na construção do Código de Ética vigente, formulado em 1993.
46
Antes da criação da Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (ENESSO), o movimento estudantil de
Serviço Social (MESS) possuía sua direção arregimentada pela Subsecretaria de Serviço Social da União Nacional
dos Estudantes (SESSUNE), criada no início da década de 1980. Somente em 1993 o MESS, suprimiu a SESSUNE
e criou a ENESSO, que é hoje a entidade que organiza a articulação e mobilização dos estudantes. Esta mudança foi
resultado de debates no MESS, onde se evidenciou a necessidade de uma maior autonomia perante a UNE.
47
Realizado em 1979 o III CBAS foi mais que um evento. O “Congresso da Virada”, como ficou amplamente
conhecido, foi um grande marco no processo de enfrentamento da perspectiva conservadora no interior da profissão.
A explicitação do compromisso político e coletivo da categoria profissional com os interesses da classe trabalhadora
e com suas lutas históricas e imediatas, fez desse evento um momento marcante e decisivo para o Serviço Social
brasileiro. Em 2009, o conjunto das entidades representativas do Serviço Social brasileiro (CFESS/ABEPSS e
59
ruptura com o tradicionalismo profissional, explicitando-se, predominantemente, nos
níveis da produção teórico-política e das práticas organizativas e interventivas desde
então.
No entanto, “este rebatimento não foi idílico: acarretou polêmicas e
diferenciações na categoria – o que, aliás, é uma própria e saudável implicação da luta
de idéias” (NETTO, 1999, p. 101). É simplesmente expressão de que categoria
profissional é uma unidade não-identitária, de elementos diversos. Na medida em que a
tomamos como sujeito coletivo heterogêneo, percebemos que por ela perpassam vários
projetos individuais e societários. Assim sendo, constitui-se um espaço plural no qual
podem surgir projetos profissionais diferentes. Negar essa realidade é negar da
processualidade histórica a dinâmica que lhe é inerente, bem como desconsiderar as
contradições fundamentais que a compõem.
Vale lembrar, só a título de ilustração, que a renovação do Serviço Social
brasileiro, em meados da década de 1970, compreendeu três principais tendências de
matrizes teórico-políticas diferenciadas, quais sejam: a modernizadora; a de
reatualização do conservadorismo e a de intenção de ruptura (ABRAMIDES, 2009).
Esta última foi a que ressoou com maior intensidade no interior da categoria
profissional, a partir dos anos 1980. No entanto, não foi de forma imediata. Permeou
tenso debate e disputa pela hegemonia profissional48 com outras tendências existentes
a época e que perduram até hoje.
É importante assinalar que a hegemonia do projeto profissional se funda em
uma perspectiva analítica que a concebe articulada ao pluralismo com direção social.
Nesse sentido, a hegemonia com pluralismo, no âmbito do projeto profissional,
expressa a predominância de uma direção política, construída por meio de uma
vontade coletiva, gestada por um processo não coercitivo e pressupõe a não eliminação
ENESSO) organizaram um evento em comemoração aos 30 anos do congresso da virada, cujo tema “começaria
tudo outra vez se preciso fosse” expressou a reafirmação da tendência teórico-político profissional despontada no
CBAS de 1979.
48
Um dos aspectos referentes a polêmica em torno do debate sobre o Projeto Ético-político do Serviço Social diz
respeito a transposição da concepção gramsciana de hegemonia para o contexto de uma profissão. Ao se transpor
essa categoria teórica para análise no âmbito profissional, a hegemonia é utilizada como direção ético-política e
teórica que sustenta determinada direção social estratégica, representando uma dada compreensão de realidade e
de profissão e de formas de enfrentamento adotadas por segmentos da categoria profissional e suas entidades
representativas, embora possa não ser majoritária na categoria profissional (RAMOS, 2009).
60
ou repressão de interesses particulares contrários a direção predominante (RAMOS,
2009).
No que diz respeito à luta pela quebra do conservadorismo profissional, as
principais mediações teórico-políticas foram sendo gestadas a partir do questionamento
as concepções mecanicistas presentes no código de ética de 198649 e com o
aprofundamento do debate profissional desembocando na formulação, em 1993, do
atual código; no deslocamento da perspectiva corporativista no âmbito dos conselhos
da profissão para acepções totalizantes da profissão que possibilitou a participação do
Conjunto dos conselhos, dentre outras atividades, na articulação e organização de
movimentos da sociedade civil, através do apoio as lutas em favor da democracia e
cidadania e participação em conselhos de política e direitos; e, por último, na
implementação das diretrizes curriculares que consolidou o redimensionamento do
projeto de formação profissional, a partir do amadurecimento de adesão teórica à
perspectiva crítico-dialética de totalidade. É importante frisar essas inflexões como
processo
e
expressão
fundamentais
da
quebra
do
quase
monopólio
do
conservadorismo teórico-metodológico e político da profissão.
Nessa perspectiva, o redimensionamento dos processos interventivos,
especialmente das políticas sociais, começou a ser evidenciado na luta por direitos e na
abertura de espaços de atuação profissional em instituições de formação e organização
política dos trabalhadores, como sindicatos, associações profissionais e movimentos
sociais, bases da construção do projeto ético-político profissional na direção das lutas e
conquistas democráticas e do ideário da emancipação humana. O salto qualitativo
dessas inflexões demarcou a incorporação, ao projeto profissional, de uma perspectiva
ético-política que transcende à dimensão endógena da profissão. Esta perspectiva tem
expressão primordial no modo de compreender o projeto profissional vinculado as lutas
de segmentos trabalhadores, para a construção de uma sociabilidade para além do
capital, o que define nitidamente o ponto de vista de classe desse novo projeto. E a
organização dos assistentes sociais foi, sem dúvidas, a principal mediação para o
avanço de uma reinserção profissional crítica nos espaços institucionais e para o
49
De acordo com Barroco (2001) esta concepção se deve à compreensão imediata de a moral derivar da produção
econômica e dos interesses de classe, sem a apreensão das mediações peculiares à ética. Disso resultou a
vinculação mecânica do compromisso profissional com a classe trabalhadora, sem o estabelecimento da mediação
dos valores próprios à ética.
61
reconhecimento de que a ação política constitui-se o primeiro passo no sentido da autorealização das classes subalternas (GRAMSCI, 2000).
Conforme assinala Netto (1999), a experiência sócio-profissional tem
comprovado que a afirmação social de um projeto profissional pressupõe em sua base
uma categoria fortemente organizada. Isso demanda articulação e respeitabilidade com
e frente a outras profissões, instituições e usuários dos serviços oferecidos pela
profissão. São essas requisições elementares para que um projeto profissional como o
do Serviço Social brasileiro ganhe solidez.
Por essa razão, as conquistas profissionais não podem ser deslocadas do
contexto social no qual se processam. Esse movimento não foi e nem é um processo
somente endógeno a profissão. Mantém uma profunda sintonia com a totalidade das
relações que compõem a vida social. Por isso, não podemos considerar as conquistas
do coletivo profissional somente como frutos da qualificação teórico-política do trabalho
profissional. Elas são, sobretudo, resultantes das conquistas de direitos cívicos e
sociais50 que acompanharam a recente restauração democrática na sociedade
brasileira (NETTO, 1999).
A conquista da hegemonia desse projeto, na conjuntura dos anos 1990, se
deve a contribuição de dois elementos de ordens diversas, que “a vontade políticoorganizativa das vanguardas profissionais soube articular numa definida direção social
estratégica” (NETTO, 1999, p. 106). Isto é, o crescente envolvimento de segmentos
cada vez maiores da categoria nos fóruns de debate, nos espaços de discussão, nos
eventos profissionais – bem como a multiplicação e a descentralização desses fóruns,
espaços e eventos; e, por último, o fato de as linhas fundamentais deste projeto
estarem sintonizadas com a tendência significativa do movimento da sociedade
brasileira do período de redemocratização (Idem).
As lutas que reivindicaram a materialização do novo projeto profissional dos
assistentes sociais, desde a sua construção nos anos 1980, ganharam inspiração e
concretude nos âmbitos da atuação e militância política dos agentes profissionais. O
desdobramento dessas conquistas profissionais aflorou, durante toda a década de
50
A regulamentação dos direitos sociais de segmentos como crianças, adolescentes, idosos, mulheres, entre outros,
viabilizou institucionalmente a intervenção profissional em diversas áreas no processo de execução das políticas
sociais. Essas também se constituem componentes importantes que se conjugaram a tantos outros para propiciar a
construção do projeto ético-político do Serviço Social brasileiro.
62
1990, numa perspectiva ainda mais crítica, revelando a explicitação de uma maior
maturidade teórico-política51 dos sujeitos profissionais, consolidada a partir da ampla
atuação política efetivada por vastos segmentos da categoria profissional, através do
conjunto das entidades representativas, no cenário sócio-político brasileiro. Essas
entidades têm se constituído, portanto, locus de debates teórico-políticos e lutas que
põem em cena os limites e contradições da ordem do capital, contribuindo, dessa
forma, para a construção do projeto ético-político profissional, hegemônico nos anos
1990 (RAMOS, 2006).
Não obstante, essa perspectiva de maturação política e intelectual dos
assistentes sociais, bem como a construção do projeto profissional, não se processou
sem maiores conturbações. Em pleno processo de construção do projeto ético-político
(de consolidação ainda em curso), a categoria profissional teve que se afrontar com os
impactos da flexibilização econômica e da implantação da política neoliberal, cujas
estratégias resultaram na precarização do trabalho; no desemprego; na intensificação
do processo de desmontagem dos parcos direitos sociais e trabalhistas; na dilapidação
do patrimônio público, via privatizações (inclusive das políticas e serviços sociais
públicos); na fragmentação da classe trabalhadora; e, na debilitação de suas formas de
resistência e luta.
As mesmas condições sócio-econômicas e ideo-políticas que atingiram a
classe trabalhadora rebateram profundamente no Serviço Social. Pois, as mudanças
históricas que alteraram a divisão sócio-técnica do trabalho na sociedade,
corporificadas em mudanças nas relações Estado/sociedade e nas formas de
organização e de gestão do trabalho, afetaram diferentes especializações, entre as
quais o Serviço Social (IAMAMOTO, 1999).
Ocorre que as atuais condições de desenvolvimento do capitalismo,
marcadas pela agudização do irracionalismo e do fundamentalismo, (concebida pela
ideologia neoliberal e o imperialismo), complexificaram as contradições e os desafios
51
O grande salto teórico-político conquistado pelo coletivo profissional, nesta época, consubstanciou-se na
formulação do novo Código de Ética Profissional (1993), revisão da Lei de Regulamentação da Profissão (1993) e
implementação das Diretrizes Curriculares (1996). Sendo, estes, os principais instrumentos políticos normativos que
incidem sobre os âmbitos da formação e do exercício profissionais. Estes consistem expressões do projeto éticopolítico do Serviço Social, construídos na perspectiva de direcionar a práxis profissional a construção de uma
sociabilidade humanamente autêntica.
63
para o exercício da prática dos assistentes sociais, em várias dimensões, sobretudo na
formação profissional, organização política, intervenção profissional e produção de
conhecimento (LOPES, 1999). E a vertente profissional que, nos anos 1980, ganhou
legitimidade na direção das entidades de profissionais e estudantes, na organização
sindical, no debate crítico, na produção inserida na tradição marxista, na revisão
curricular de 1982 e na reelaboração do Código de Ética de 1986, defrontou-se com o
desafio de responder a essa conjuntura, sem perder suas conquistas (BARROCO,
2008).
Compreender, portanto, o rebatimento desse contexto ofensivo na profissão,
supõe considerar as transformações societárias52 e suas incidências nos âmbitos do
Estado, das empresas, dos movimentos sociais e de outras organizações da sociedade
civil.
Como vimos, a contra-reforma do Estado brasileiro, nos anos 1990,
representou um grande ataque as conquistas sócio-políticas da classe trabalhadora
desse país. A reconfiguração do Estado tal como foi conduzida entre nós, acabou
alimentando uma forte tendência de desresponsabilização pela política social,
acompanhada do desprezo pelo padrão constitucional de seguridade social (BEHRING
e BOSCHETTI, 2006). Mas, claro, isso não significou inexistência de política social,
estas apenas foram adaptadas aos conflitos e demandas sociais 53 engendrados no
novo contexto de acumulação do capital.
Os governos neoliberais desde Collor de Melo, passando pela era Cardoso e
pelos governos de Lula da Silva, todos sem exceção – a despeito das suas respectivas
particularidades54, que são muitas - incorporaram em demasia as premissas da contra52
Processo já referido e analisado neste trabalho, no item anterior.
Ora, assistimos no contexto de reestruturação produtiva – cujo significado para a classe trabalhadora se traduziu
em aumento do desemprego e dos níveis de pobreza – uma crescente demanda social por políticas sociais públicas,
o que consistiu numa grotesca contradição diante do desmonte do Estado de direito. Seria redundante elencar aqui
as demandas do capital para o Estado nesse contexto, tendo em vista já termos contemplado anteriormente, mas,
vale ressaltar que a contra-reforma consistiu numa exigência do próprio capital, como forma de intensificação da
expropriação social.
54
Poderíamos dizer que essas particularidades são bastante densas. Trata-se de contextos sócio-histórico com
aspectos econômicos e políticos diferenciados, mas que se encontram dentro de uma ordem mundial de
reordenamento da acumulação capitalista. Dentro do plano macroeconômico de expansão combinada e desigual do
capital, esses governos assumiram compromissos, que colocaram em evidência escolhas e conduções políticas
atinentes com as demandas “diplomáticas” do capital internacional. Se é verdade que a condução neoliberal
predominou em cada governo, também é certo que houve uma diferenciação na intensidade da implementação das
premissas neoliberais entre eles. Os governos Collor e, sobretudo, FHC foram governos de maior truculência e
53
64
reforma burguesa no aparelho estatal, cujo princípio fundamental foi e é a
desconstituição do Estado como responsável direto pelo desenvolvimento econômico e
social para tornar-se promotor e regulador desse desenvolvimento, através da
transferência para o setor privado, das atividades que possam ser controladas pelo
mercado (IAMAMOTO, 1999,).
Nessa perspectiva, as políticas sociais, no processo da contra-reforma do
Estado brasileiro, seguiram a via das medidas tecnocráticas dos governos neoliberais.
Não foi por acaso que a implementação da política neoliberal dependeu, em larga
escala, de reformas constitucionais e medidas provisórias a serem aprovadas e
negociadas
num
Congresso
Nacional
nitidamente
balconizado
(BEHRING
e
BOSCHETTI, 2006). Essas táticas, junto a outras ofensivas de cunho ideológico
(funcionais ao projeto burguês), foram capazes de garantir, inclusive, legitimidade ao
processo de desresponsabilização do Estado com as demandas sociais e efetivar
transferência dessa responsabilidade para setores da sociedade civil, através da
criação das agências executivas e das organizações sociais, bem como da
regulamentação do terceiro setor para a execução de políticas públicas 55.
Essa nova lógica institucional acabou desembocando numa profunda
“despolitização da esfera pública, dela expulsando os órgãos de representação política,
como os partidos e sindicatos” (IAMAMOTO, 1999, p. 121). E dessa maneira a
sociedade civil passa a ser interpretada como um conjunto de organizações
conservadorismo na defesa e implementação da política neoliberal na realidade brasileira. Como sabemos as bases
de consolidação da política neoliberal a brasileira foram, em larga medida, providências políticas da era Cardoso. A
contra-reforma gerencial do Estado, a venda do patrimônio público, a precarização e desmonte das políticas e
serviços sociais públicos, a desregulamentação das legislações de proteção trabalhista e social, abertura econômica
e tantas outras medidas foram compromissos do governo FHC com as demandas do capital internacional. O governo
Lula ocorre num estágio de consolidação desse processo. O que não quer dizer que a permanência nessa
perspectiva, por parte desse governo, se tratou de algo inevitável. Foi igualmente uma questão de escolha e acordo
políticos, assim como todos os outros. Contudo, não conduziu de forma tão truculenta quanto o governo FHC. A
prática política dialógica que o governo Lula manteve com os movimentos sociais e setores populares lhe garantiu
uma governança aparentemente tranqüila, com requintes de blindagem política, mesmo diante a contínuas
deflagrações de escândalos de corrupção. Ainda que mantidos intactos, muitos dos compromissos neoliberais - a
exemplo do pagamento da dívida externa; abertura econômica; desregulamentação das proteções trabalhistas e
sociais via reformas da previdência e sindical; privatização dos direitos sociais, como os incentivos a expansão do
setor privado na área da educação, dentre outros – esse governo optou dentre outras prioridades, certamente como
estratégia política, pela expansão de políticas sociais de cunho eminentemente assistencial, numa perspectiva que
não abandonou a combinação de responsabilidades entre o Estado e a sociedade civil. Em cada governo ocorreram
maiores ou menores truculências, conservadorismos ou moderações na forma de condução do processo que deu
viabilidade a política neoliberal e a vida longa que se estende nos dias que correm. São muitos os nuances (não
caberiam nessa breve análise) que conformam as respectivas particularidades desses governos.
55
Ver Montaño (2002).
65
diferenciadas, mas complementares, destituídas de contradições entre interesses de
classes e seus segmentos, encobrindo e esvaziando conflitos sob a invocação da
solidariedade (IAMAMOTO, 1999). Nessa perspectiva é que se definem a privatização,
focalização/seletividade e descentralização das políticas sociais. Como sabemos, nesse
contexto,
[...] a configuração dos padrões universalistas e redistributivos de proteção
social foi fortemente tencionada: pelas estratégias de extração de superlucros,
em que se incluem as tendências de contratação dos encargos sociais e
previdenciários; pela supercapitalização, com a privatização explícita ou
induzida de setores de utilidade pública, em que se incluem saúde, educação e
previdência; e pelo desprezo burguês para com o pacto social dos anos de
crescimento, configurando um ambiente ideológico individualista, consumista e
hedonista ao extremo. Tudo isso num contexto em que as forças de resistência
se encontram fragmentadas, particularmente o movimento dos trabalhadores,
em função do desemprego, da precarização e flexibilização das relações de
trabalho e dos direitos (BEHRING e BOSCHETTI, 2006, p. 155-156).
No âmbito do Estado, verificou-se o esgotamento da estratégia estatizante e
a necessidade de superação de um estilo de administração pública burocrática, a favor
do modelo gerencial. Nesse sentido, os contratos, os serviços e as relações realizadas
pela esfera estatal seguiram o caminho da flexibilidade, conforme as demandas da
reestruturação produtiva.
Behring e Boschetti (2006) chamam a atenção para o surgimento de uma
nova arquitetura institucional na área social, na qual é ignorado o conceito de
seguridade social e a combinação do serviço voluntário desprofissionaliza a intervenção
nessas áreas, remetendo-as ao mundo da solidariedade, da realização do bem comum
pelos indivíduos, através de um trabalho voluntário não-remunerado.
Esse processo tem suscitado rebatimentos diretos e ofensivos na lógica do
direito, bem como na intervenção profissional dos assistentes sociais que atuam na
área das políticas sociais. Sobretudo, pela particularidade de serem profissionais que
trabalham diretamente no planejamento, implementação e execução das políticas e
serviços sociais (em grande escala operacionalizados pelo Estado, mas, que também
abrange empresas privadas, entidades filantrópicas e outras organizações).
66
Conforme nos lembra Iamamoto (1999), ainda que regulamentado como uma
profissão liberal, não é essa a tradição do Serviço Social no Brasil. Segundo esta
autora, o setor público tem sido o maior empregador de assistentes sociais, sendo a
administração direta a que mais emprega, especialmente na esfera estadual, seguida
da municipal. Por essa razão os funcionários públicos, incluindo aí os assistentes
sociais, vêm sofrendo os efeitos deletérios da contra-reforma do Estado na órbita do
emprego e da precarização das relações de trabalho.
O Serviço Social ocupa seu lugar na divisão sócio-técnica do trabalho, ao
lado de outras profissões, participando da tarefa de implementação de condições
necessárias ao processo de reprodução social, a partir, sobretudo da sua inserção no
campo das políticas sociais. Não podemos esquecer que os assistentes sociais são
trabalhadores que vendem sua força de trabalho especializada para entidades
empregadoras, em troca de salário. E, desse modo, participam do processo de
produção ou redistribuição da riqueza social56, isto é, da criação do valor e da maisvalia (IAMAMOTO, 1998). Nesse sentido, a condição de assalariamento a qual os
assistentes sociais, estão submetidos é uma questão bastante relevante para ser
considerada, tanto na análise sobre o pertencimento de classe na sua trajetória de
construção política, quanto na identificação dos seus principais e atuais desafios, que
não se dissociam dos desafios de amplos setores da classe trabalhadora.
Conforme o pensamento de Mota e Amaral (1998), os atuais desafios a
profissão têm se desenvolvido em duas dimensões principais, quais sejam: a mais
evidente e imediata relaciona-se com o exercício profissional, isto é, se expressam nas
alterações do mercado de trabalho57 e nas condições do trabalho profissional, a outra
dimensão é mais ampla e complexa, pois se refere ao surgimento de novas
problemáticas, que podem ser mobilizadoras de competências estratégicas presentes
na capacidade teórico-crítica e ético-política da categoria profissional.
56
De acordo com Iamamoto (1998), a caracterização de ambos processos é definida, a partir da esfera (pública ou
privada) na qual o profissional atua. Se o trabalho do assistente social é realizado no âmbito privado da produção de
capital, numa empresa, por exemplo, ele pode ser partícipe do processo de reprodução produtivo de mais-valia.
Quando o trabalho se efetiva no espaço público, no campo da prestação de serviços sociais, especialmente, na
esfera do Estado via fundo público; é partícipe do processo de redistribuição da mais-valia.
57
Segundo Mota e Amaral (1998) as características do mercado de trabalho profissional podem oferecer um conjunto
de informações, a partir das quais é possível identificar as necessidades sociais que estão subjacentes as demandas
profissionais. Isto é, constitui-se um espaço eminentemente contraditório no qual, também, se revelam os interesses
conflitantes de classes antagônicas.
67
Em resumidas contas, a trilha por onde caminham os desafios profissionais
do Serviço Social, hoje, são as novas modalidades de produção e reprodução social da
força de trabalho. Sendo estas últimas mediadas pelo mercado de trabalho profissional,
passam a exigir a refuncionalização de procedimentos operacionais, também
determinando um rearranjo de competências técnicas e políticas que, no contexto da
divisão social e técnica do trabalho, assumem o estatuto de demandas a profissão.
Mas, é importante compreender que as demandas sociais não se confundem com as
necessidades sociais reais58 (MOTA e AMARAL, 1998). O deciframento dessa questão
é um desafio presente na intervenção profissional dos assistentes sociais, e por essa
razão não deve ser desconsiderado no processo de construção das estratégias de
enfrentamento dos desafios que afligem a classe trabalhadora em sua totalidade,
sobretudo nesse contexto em que predomina e se aprofunda “confusão” de toda ordem.
Por essa razão, o desafio de identificar nas exigências e demandas
profissionais “o conjunto das necessidades (políticas, sociais, materiais e culturais),
quer do capital, quer do trabalho” (MOTA e AMARAL, 1998, p. 26), necessita ser
enfrentado na elaboração de proposições teóricas, políticas, éticas e técnicas que se
apresentem como respostas profissionais qualificadas, na perspectiva de captar, da
processualidade histórica, as condições efetivas para realização daquilo que reivindica
o projeto profissional do Serviço Social, isto é, a superação da sociabilidade capitalista
como condição imprescindível à realização da autenticidade humana.
A necessidade de se desvelar às condições de vida dos indivíduos, grupos e
coletividades com os quais se trabalha é um dos requisitos para que se possa decifrar
as diversas formas de luta, orgânicas ou não, que estão sendo gestadas e alimentadas,
com inventividade, pela população (IAMAMOTO, 1998). O desafio, porém, é a
materialização dos princípios éticos na cotidianidade do trabalho evitando que eles se
tornem meros indicativos abstratos, descolados do processo social. Ao contrário, é
necessário dar-lhe vida por meio dos sujeitos que, internalizando o seu conteúdo,
expressam-no por meio de ações que vão tecendo o novo projeto profissional no
58
As demandas sociais, a rigor, são requisições técnico-operativas que, através do mercado de trabalho, incorporam
as exigências dos sujeitos demandantes. Em outros termos, elas comportam uma verdadeira „teleologia‟ dos
requisitantes a respeito das modalidades de atendimento de suas necessidades. Por isso mesmo, a identificação das
demandas não encerram o desvelamento das reais necessidades que as determinam (MOTA e AMARAL, 1998, p.
25).
68
espaço ocupacional, a fim de se traçar o devir histórico, a partir da concreticidade de
valores humano-genéricos na vida social (Ibdem).
Contudo, não se pode esquecer que as estratégias e formas de
enfrentamento desses desafios consistem, igualmente, desafios na sua relação com a
totalidade social. O enfrentamento positivo dessa problemática exige a análise do
movimento social e o estabelecimento de relações e alianças com outras categorias
profissionais e segmentos sociais, “notadamente aqueles vinculados as classes que
dispõem de potencial para gestar um projeto societário alternativo ao das classes
possuidoras e dominantes” (NETTO, 1999, p. 97). Pois não cabe a uma profissão,
isoladamente, realizar o trabalho de transformação societária na perspectiva aqui
defendida. Negar essa realidade é incorrer equivocadamente a ilusões messiânicas,
cujo contraponto é o fatalismo. Os limites do fazer profissional independem da vontade
política dos sujeitos profissionais. São determinações que se apresentam nas relações
de trabalho e nas condições institucionais do mercado de trabalho. Pois, a intervenção
profissional é mediada pela condição de assalariamento e subordinação as
determinações dos processos mais gerais que a dinâmica da sociedade impõe aos
trabalhadores (AMARAL, 2009).
Nesse sentido, as condições de inserção precárias no mercado de trabalho
profissional, ou mesmo a não inserção, devido aos efeitos da divisão sócio-técnica do
trabalho e da funcional conformação e ampliação do exército de reserva para os
interesses do capital; a tendência de redução dos gastos sociais e extenuação das
condições de implementação das políticas sociais ou efetivação de direitos, combinado
com um processo de refilantropização dos padrões de intervenção na questão social,
que descaracterizam a noção de direito e desqualificam competências e atribuições
profissionais, nas suas dimensões privativas; o enfraquecimento e a desarticulação dos
movimentos sociais de cunho classista, junto ao transformismo e desintegração dos
partidos de esquerda, totalizam, atualmente, um contexto bastante ofensivo que precisa
ser enfrentado com muita inventividade teórico-política pelos sujeitos sociais, pois
constituem, em seus desdobramentos, desafios gigantescos, não apenas profissionais,
mas sociais.
69
A rigor, a reivindicação de outra ordem social como horizonte do projeto
profissional é, sem dúvida, uma questão bastante cara ao Serviço Social brasileiro,
dada a contradição presente nas demandas sociais que legitimam e justificam
socialmente a profissão desde sua origem59.
O fundamento conservador de sustentação e justificação da existência e
permanência do Serviço Social como profissão, remete-se a utilidade do seu papel
interventor no processo de criação de consensos de classes. A despeito dos avanços
teórico-políticos engendrados nas últimas décadas60, os assistentes sociais não
puderam nem poderiam eliminar, por via desses avanços, - em que pese para o
advento dessa supressão, o fim da sociedade de classes – a determinação crucial da
inserção profissional na divisão sócio-técnica do trabalho, o que faz do Serviço Social
uma demanda (contraditória) efetiva das relações sociais burguesas. Ora, se
considerarmos o projeto profissional como o dever ser do Serviço Social, ainda que se
expresse na realidade como uma forma de ser da profissão, ele só se materializa
efetivamente, a partir das várias mediações socioprofissionais e das diversas demandas
contraditórias que determinam o Serviço Social (BRAZ, 2007). É por esta razão que o
Serviço Social é uma profissão que se insere na realidade do fogo cruzado de
interesses de classes antagônicas.
No entanto, a reação a raiz conservadora do Serviço Social resultou em um
movimento que, com avanços e recuos, terminou por estabelecer como um dos
referenciais da profissão a busca por uma sociedade sem classes (Netto, 1990, apud
LESSA, 2007a). Tal referencial teve o enorme mérito de fazer o Serviço Social a única
profissão a conter, no seu código de ética, uma explícita menção à necessidade de
superação da alienada sociabilidade capitalista (ibdem).
59
Como sabemos no contexto de sua implantação, o Serviço Social se constituía um componente funcional na
estratégia de controle social engendrada pela classe dominante. Inscreveu-se numa perspectiva de defesa de uma
lógica profundamente conservadora, de defesa intransigente das relações sociais vigentes. Neste sentido, o fazer
profissional dos(as) assistentes sociais, “se pautava numa prática empirista, reiterativa e burocratizada, orientada por
uma ética liberal-burguesa [...] sempre pressuposta a ordenação capitalista da vida social como um dado factual
ineliminável” (NETTO, 2005, p. 6).
60
Nos referimos ao Serviço Social brasileiro, haja vista a particularidade do avanço teórico-político que o diferencia
de todas as experiências de construção da profissão no mundo. Dentre outros aspectos pontuamos a produção do
conhecimento, os marcos legais e a organização política como expressão desse avanço.
70
É importante salientar que um projeto profissional implica determinadas
condições como, por exemplo, atender a necessidades sociais realizadas de
determinadas formas e produzir um resultado objetivo com implicações sociais e
desdobramentos éticos e políticos. A despeito da consciência dos agentes profissionais,
o fazer profissional conforma um projeto concreto que de alguma forma contribui para a
objetivação de determinadas finalidades e necessidades sociais com direção ética e
política (BARROCO, 2008).
É nessa perspectiva que a construção de uma nova direção social
hegemônica para o projeto profissional integra uma dimensão societária. Isto significa
que não é possível pensar a profissão em si mesma, como se suas demandas não
expressassem, por um conjunto de mediações, as contradições das classes sociais em
disputa na sociedade. O desvelamento dessa questão pressupõe a compreensão da
profissão e de seus desafios, no contexto sócio-histórico das determinações postas
pela sociabilidade do capital. (RAMOS 2009).
O atual projeto ético-político do Serviço Social concebe a atuação
profissional, como espaço dinâmico de mediação em que as contradições sociais
devem ser trabalhadas com direcionamento político para a defesa dos interesses da
classe trabalhadora. É nesse sentido, um projeto convergente com o processo de
construção da contra-hegemonia, por ter como perspectiva última, a realização
humana, ou seja, a concretização de relações sociais emancipadas entre sujeitos
verdadeiramente livres, o que implica a defesa de uma sociedade para além do capital.
Não é por acaso, que esse projeto ético-político profissional tem em seu
núcleo
o reconhecimento da liberdade como valor central – a liberdade concebida
historicamente, como possibilidade de escolher entre alternativas concretas; daí
um compromisso com autonomia, a emancipação e a plena expansão dos
indivíduos sociais. Conseqüentemente, o projeto profissional vincula-se a um
projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem
dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero. A partir destas escolhas
que o fundam, tal projeto afirma a defesa intransigente dos direitos humanos e
a recusa do arbítrio e dos preconceitos, contemplando positivamente o
pluralismo – tanto na sociedade como no exercício profissional (NETTO, 1999,
p. 105).
71
É notório que o desafio ideo-político desse projeto está, em última instância,
associado a sua nítida definição de interesse de classe. Evidente que em seu conjunto
de valores e princípios, o projeto ético-político profissional do Serviço Social brasileiro
se coloca numa perspectiva contrária a tendência hegemônica da reprodução dos
(des)valores inerentes a sociabilidade vigente.
A contestação do projeto societário hegemônico, por parte de projetos
profissionais, é, geralmente, deflagrada em conjunturas nas quais, a sensibilização aos
interesses das classes trabalhadoras, é, em parte, resultado das influências de
afirmação política dessas classes. Como vimos, o processo de renovação do Serviço
Social brasileiro ocorreu numa conjuntura de bastante ebulição política nos processos
de organização dos trabalhadores. Contudo, a história por ser lição, já se encarregou
de mostrar que, os projetos societários atinentes aos interesses das classes
trabalhadoras, dispõem sempre de condições menos favoráveis para enfrentar os
projetos das classes dominantes. Nesse sentido, o que dizer da atual conjuntura?
O tempo em que vivemos é um tempo de profunda regressão social, no qual
as possibilidades históricas de construção de uma práxis universalmente emancipatória,
se mostram cada vez mais nebulosas e esgarçadas. Um tempo de contradições
grotescas, em que os ditames da “liberdade” de mercado fazem da vida real uma
ameaça iminente a vida humana, na medida em que impulsiona a tendência de
homogeneização dos circuitos do capital, dos modos de dominação ideológica e dos
objetos de consumo, apoiada na mais completa heterogeneidade e desigualdade social
(IAMAMOTO, 2008). O conjunto das práticas sociais, atualmente, forma um contexto
no qual as expressões da questão social, não podem ser compreendidas apenas na
manifestação da pobreza, miséria e “exclusão”. Pois o predomínio do capital financeiro,
como nos lembra Iamamoto (2008), conduz a banalização da vida humana, a
descartabilidade e indiferença, intensificando, ao máximo, as formas da alienação
humana.
Nesse sentido, as determinações profissionais (demandas a profissão,
condições de trabalho em todas as áreas de inserção) não passam incólume diante a
realidade do tempo presente. As influências desse contexto regressivo perpassam o
interior da profissão, nas suas mais diversas dimensões. Por essa razão é preciso
72
acertar na análise, para que as respostas profissionais não resultem em subterfúgios
estéreis e equivocados. Contudo, é preciso muita capacidade crítica de análise e
convicção ético-política para não se ater, apenas, as características e demandas do
mercado de trabalho profissional, hoje, postas pela reestruturação produtiva e não
esquecer que as necessidades sociais são mera aparência, que não expressam as
necessidades sociais da classe trabalhadora, e inclusive as transfiguram em seu
contrário (MOTA e AMARAL, 1998).
Embora saibamos que, mesmo hegemônico, o projeto ético-político
profissional não é exclusivo, a tendência que essa conjuntura aponta é para a
deflagração de tensões e disputas ainda maiores entre projetos e interesses no interior
da categoria profissional. Por não estarem imunes aos processos sociais em curso,
certamente expressarão influências e tendências advindas das camadas sociais e de
seus conflitos, o que não que dizer, necessariamente, que serão reforço ao que
reivindica o atual projeto ético-político da profissão, poderão expressar, inclusive, seu
contrário. Contudo, os conflitos nem sempre se despontam, de forma que outros
projetos conquistem a força político-organizativa para disputar hegemonia61. Isso
depende intrinsecamente da defesa de uma vontade coletiva, da análise que os sujeitos
profissionais façam da profissão e da sociedade, dos fundamentos, concepções, formas
e métodos que utilizem na ação política.
É natural que, num contexto em que determinados projetos societários e
profissionais encontrem-se tensionados, os ânimos políticos sejam abatidos, e as
perspectivas reflexivas desprezem otimismos brandos e fartem-se de pessimismos
racionais. Os projetos societários e profissionais expressam as marcas das relações
sociais do seu tempo, não são estáticos nem a-históricos. Destarte, os desafios que lhe
são inerentes só podem ser apreendidos pelas determinações do contexto histórico no
qual são construídos e redimensionados.
Há hoje, no interior do Serviço Social, uma polêmica muito incipiente, mas,
que tem ganhado corpo no âmbito dos fóruns da categoria profissional, sobretudo no
61
Segundo Ramos (2008) a categoria hegemonia é elaborada por Gramsci para refletir a atividades de direção
política e cultural das classes sociais, em um determinado contexto histórico. Na interpretação de Coutinho (1999) a
hegemonia gramsciana se materializa precisamente na criação de uma vontade coletiva, motor de um „bloco
histórico‟ que articula numa totalidade diferentes grupos sociais, todos eles capazes de operar, em maior ou menor
medida, o movimento „catártico‟ de superação de seus interesses meramente „econômico-corporativos‟, no sentido da
criação de uma consciência „ético-política‟ „universalizadora‟.
73
meio
acadêmico,
polarizando
diversos
setores
da
vanguarda
teórico-política
profissional, em torno da discussão sobre a hegemonia do Projeto Ético-político da
profissão. Tal polêmica assimila, de um lado, a compreensão de que há uma crise de
hegemonia do projeto profissional e outra que reconhece os desafios, mas não os
considera constituintes de uma crise. As análises destacam determinados elementos
conjunturais, considerando aspectos econômicos e políticos que remetem, diretamente,
a forma de ser da profissão.
Segundo as acepções de Braz (2007), o que põe o projeto ético-político do
Serviço Social em crise é a articulação de dois problemas centrais. O primeiro deles diz
respeito a ausência de uma proposta alternativa a do capital na sociedade brasileira,
capaz de unificar interesses sociais distintos relativos ao trabalho; o segundo, por sua
vez, está centrado em fatores objetivos que incidem sobre as bases materiais do projeto
profissional, isto é, as condições atuais de efetivação do processo de formação
profissional e do exercício da profissão, na realidade brasileira.
Ao referir-se ao primeiro problema, o autor não o delimita apenas na
sociedade brasileira, mas aponta para a crise do socialismo, mundialmente. Passando
para o Brasil, ele destaca a recente decadência de um projeto societário democráticopopular de corte anticapitalista, que articulou diversos estratos da classe trabalhadora,
a partir da formação dos movimentos e partidos de esquerda, na década de 1980.
Segundo o autor, a exaustão desse projeto começou a despontar em meados da
década de 1990 e consumou-se com a chegada do candidato do Partido dos
Trabalhadores na Presidência da República, nas eleições de 2002. Ocorreu nesse
período, “o empobrecimento de um projeto alternativo ao capital na realidade brasileira”
(BRAZ, 2007, p. 7). Nesse sentido, desfecha dizendo que “a crise de projeto societário
das classes trabalhadoras impõem uma crise ao nosso projeto” (op cit).
Em relação ao segundo problema, o autor pondera que as condições
objetivas da profissão tendem a fragmentar e a tornar corporativistas as demandas
político-profissionais dos assistentes sociais. Pontua, ainda, que, em meio a essas
condições,
outras
expressões
políticas
da
profissão
de
variados
tons
74
neoconservadores62 podem ganhar terreno e isso pode comprometer a direção social
da profissão. Nessa mesma linha de raciocínio Netto (2007) afirma que essas são
tendências que mexem com os objetivos e funções profissionais. Para este autor, o
elenco de objetivos do Serviço Social “tem sido intencional e acintosamente minimizado
a centralização das suas funções no plano assistencial”. (p. 38). Tal centralização teve
início no período de implantação da política neoliberal entre nós, mais precisamente no
governo de FHC e vem sendo afunilado no “Estado lulista” (p. 38). O autor observa que
o fetiche dessa redução possui grande ressonância no interior da profissão, sobretudo,
na conjuntura política do “possibilismo prático” de um governo que se reivindica de
esquerda.
Ainda nesse ponto, Braz (2007) atenta para o grau de aceleração e
massificação desqualificante da formação profissional, - sobretudo em virtude da
expansão do ensino superior, ofertado de forma no mínimo duvidosa, a exemplo da
Educação a distância - e para as suas repercussões futuras no exercício da profissão.
Essa problemática assinala para duas tendências preocupantes relacionadas ao perfil
profissional. Uma aponta para a vulnerabilização da imagem da profissão e sua
desvalorização na sociedade, a outra diz respeito ao desafio da formação de novos
quadros teórico-políticos para o projeto profissional. Para determinados segmentos
profissionais são basicamente esses os elementos determinantes da crise de
hegemonia do Projeto profissional do Serviço Social.
Nossas ponderações em torno dessa questão não serão neutras.
Apontaremos para um posicionamento que reconhece aqueles elementos reais,
(entendidos como determinantes da crise), compreendendo-os como desafios e
ameaças ao projeto profissional, mas não constitutivos de uma crise hegemônica.
Os argumentos que compõem a defesa sobre a existência da crise, são
eminentemente reais e plausíveis, embora haja questões que merecem maiores
problematizações. A começar pela questão da crise do projeto societário da classe
trabalhadora e sua repercussão no projeto profissional. De acordo com Ramos (2009) a
ausência de um pensamento radicalmente crítico no campo da esquerda, não é uma
62
Refere-se aqui aos segmentos mais corporativistas da categoria, evidenciados não apenas em algumas
associações sindicais dos assistentes sócias, mas nas diversas organizações específicas divididas em subáreas de
atuação (BRAZ, 2007).
75
questão recente, tampouco se refere, exclusivamente, as mudanças de rumo político do
PT, sobretudo após o governo Lula. Embora tenha se evidenciado com maior
intensidade desde então, já permeava o debate no interior do projeto ético político
profissional. Essas conversões políticas de setores da esquerda nacional
não têm conseguido silenciar, no âmbito do projeto ético político profissional, o
compromisso dos segmentos que, historicamente, tem se colocado numa
perspectiva anticapitalista e estabelecido inúmeras mediações ao tratar da
agenda da profissão, entendendo seus limites e contradições (RAMOS, 2009, p.
9).
Quanto a questão da precarização da formação e do exercício profissional, é
preciso reconhecer que as suas debilidades têm se intensificado nesse contexto
regressivo e são ameaças reais ao projeto profissional. A privatização e a precarização
do ensino superior têm se aguçado veementemente, a partir da pesada transferência de
recursos públicos de financiamentos diretos, incentivos e isenções fiscais as empresas
privadas envolvidas com a área de educação, em detrimento as universidades públicas.
No entanto, não houve até aqui nenhum momento histórico em que esse projeto
profissional estivesse em plena sintonia com a direção dada a política educacional
(RAMOS, 2009). No processo de implantação da política neoliberal, a proposta dos
cursos seqüenciais, como parte da lógica de desregulamentação e flexibilização da
educação superior, defendida pelo governo federal, através do Ministério da Educação,
contrariou o projeto de formação profissional que estava sendo construído. Muitas
estratégias foram construídas para afirmar a direção da formação profissional, a
exemplo das alianças das entidades representativas da profissão com os segmentos
sociais que lutaram em defesa da educação pública de qualidade e socialmente
referenciada. É nessa mesma perspectiva que as entidades representativas da
profissão vêm, no contexto atual, defendendo esse projeto profissional. Suas lutas
continuam sendo encetadas na perspectiva de resistência e enfrentamento a
inescrupulosa expansão do ensino superior, neste país. Esse processo, inclusive, não
tem acontecido sem tencionamentos no interior da profissão. São ilustrativos os
debates acerca da construção e adoção de estratégias que têm envolvido as polêmicas
76
em torno do Exame de Proficiência, do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes
(ENADE) e de outros processos que integram o Sistema Nacional de Avaliação do
Ensino Superior (SINAES). Vale ressaltar que as polêmicas desse processo são
expressão da pluralidade teórico-política presente nos princípios do próprio Projeto
Ético-político.
É uma realidade que a redução do Serviço Social ao plano assistencial,
lembrada por Netto (2007), consiste um desafio imenso. Isso também não se desloca
da tendência de assistencialização das próprias políticas sociais, presente na política
neoliberal, dos últimos governos. Mesmo essa tendência encontrando esteio em
determinados vetores profissionais, não tem sido fortalecida como perspectiva única no
debate interno da profissão. Como assinala Ramos (2008), segmentos expressivos do
projeto ético-político profissional têm elaborado crítica a essa concepção, a exemplo do
que tem sido defendido pelas agendas de lutas das entidades representativas da
profissão, na articulação política com outros sujeitos coletivos nas lutas em defesa de
direitos, inclusive, nos assentos de representação nos conselhos de direito e controle
das políticas sociais63.
Embora tenhamos a clareza do desfavorecimento que essa conjuntura traz
para os projetos societários e profissionais atinentes com os interesses dos
trabalhadores, não identificamos elementos concretos para defender a existência de
uma crise de hegemonia do projeto ético-político profissional do Serviço Social. É certo
que há, no âmbito da profissão, disputas de projetos societários, individuais e
profissionais que perpassam as suas várias dimensões. Contudo, nesses últimos trinta
anos, não se despontou nenhuma dissidência interna ao projeto ético-político
profissional com expressividade substancialmente capaz de deflagrar uma crise de
hegemonia.
Seria nutrir concepções estéreis, numa perspectiva messiânica, não
reconhecer os limites de exeqüibilidade desse projeto, pois este, não se abstrai das
contradições e determinações que conformam a realidade sócio-histórica do tempo
63
O pensamento crítico do Serviço Social vem, nesses últimos anos, desenvolvendo análises de profunda
consistência teórica acerca das políticas sociais na realidade brasileira. Trabalhos de considerável relevância, na
área, compõem um vasto acervo de produções e publicações sobre a temática. Dentre as discussões mais recentes
e polêmicas, as quais reúnem, também, maior teor de criticidade, destacam-se títulos como: O Mito da Assistência
Social; Política Social: fundamentos e história; Política Social: perspectivas contemporâneas; e muitos outros que
não caberiam mencionar, aqui, para não nos alongarmos nessa ilustração.
77
presente. Contudo, é incontornável que, pelo que reivindica, o projeto profissional do
Serviço Social assinala a imprescindibilidade histórica de uma nova ordem societária,
pois, em última instância esse é o seu horizonte social. Tal constatação só nos
evidencia os desafios que precisam ser enfrentados no contexto atual.
É preciso mais que nunca que fortaleçamos, nesse momento de retrocesso
social, as nossas capacidades críticas de mobilização e articulação das (e com as)
camadas populares e suas demandas sociais imediatas e históricas; que evidenciemos
e denunciemos as profundas contradições desse sistema, na perspectiva de
questionamento da ordem dominante e enfrentamento da barbárie. Pois, se,
contraditoriamente, por um lado esta realidade representa a obstrução dos processos
de construção da consciência política dos sujeitos sociais e ao mesmo tempo a
ratificação do sistema capitalista, por outro, contribui com a tendência de exaustão da
capacidade de reprodução social do capitalismo. O processo de barbarização da vida
social em curso poderá nutrir os germes da destruição do sistema vigente. E é nessa
perspectiva que as contradições devem ser exploradas no movimento da vida real. Pois
o tempo potencialmente emancipatório, não se aparta da ação social e
Somente aqueles que têm um interesse vital na instituição de uma ordem social
positivamente sustentável e, assim, em assegurar a sobrevivência da
humanidade, podem realmente apreciar a importância do tempo histórico nessa
conjuntura crítica do desenvolvimento social. (MÉSZÁROS, 2007, p.23).
A história já demonstrou que a transformação social é obra de forças sociais
vivas, de conflitos expressos nas dimensões objetiva e espiritual. O movimento de
superação dessa sociabilidade demanda, das forças sociais, a formação de uma
vontade coletiva hegemônica capaz de construir, nas relações sociais ainda vigentes,
perspectivas concretas de transição para outra sociedade.
Portanto, pensar a viabilidade do projeto profissional do Serviço Social
brasileiro pressupõe refletir a intensidade da sua vinculação ao conjunto das lutas
anticapitalistas que se processam no atual contexto sócio-histórico da sociedade do
capital. Reconhecendo a importância dos movimentos históricos e conjunturais da
78
classe trabalhadora e priorizando a inserção política nas lutas que se abrem e
evidenciam o caráter da dominação de classe e combatem a exploração e opressão
humanas como características inerentes a totalidade das relações sociais burguesas.
Aliás, a dimensão de classe é um aspecto fundamental que não pode ser relegado na
luta política de nenhum movimento contrário as determinações do capital.
E, neste exato sentido, cabe aos trabalhadores a incumbência de radicar a
luta política pela construção de uma sociedade humanamente emancipada. Vale aqui
lembrar que, para esta tarefa, tem o projeto do trabalho, no atual e hegemônico Projeto
Ético Político Profissional do Serviço Social brasileiro, um aliado político histórico.
Ressaltamos, nesse sentido, que a análise sobre a classe trabalhadora, no
cenário contemporâneo, pressupõe entender fundamentalmente o seu processo de
configuração e organização. Teceremos, na seção seguinte, algumas reflexões acerca
dessas questões, através de uma breve análise sobre a organização do movimento
sindical dos trabalhadores, na particularidade da sociedade brasileira contemporânea.
79
3. Trajetória histórica e respostas atuais para a organização sindical da classe
trabalhadora no Brasil
Nesta seção trataremos da trajetória histórica de organização sindical da
classe trabalhadora no Brasil, contextualizando seu surgimento e os desafios atuais no
contexto de hegemonia neoliberal. Nesse percurso, destacaremos o papel da CUT e da
CONLUTAS no processo de organização dos trabalhadores brasileiros, na conjuntura
recente.
3.1 Movimento sindical no Brasil: trajetória histórica e desafios atuais
Não é possível tratar do sindicalismo no Brasil, sem levar em consideração a
particularidade das condições histórico-culturais que configuraram o modelo de
desenvolvimento capitalista neste país. Sobre esse aspecto, é importante destacar que
a integração do Brasil ao capitalismo internacional ocorreu de forma subordinada e
hiper tardia e que o papel desempenhado pelo Estado brasileiro, nesse processo,
engendrou um modelo de desenvolvimento extremamente concentrador e excludente
(DURANS, 2006).
O desenvolvimento do capitalismo, no Brasil, difere do modelo “clássico”. Já
em sua origem, apresenta a combinação de formas não-capitalistas de produção,
associadas ao grande capital internacional. A passagem da fase mercantil, agroexportadora, para a fase de industrialização nacional traz a marca da “modernização
conservadora” definida por Fernandes (1977), (MOURA, 2008).
Os primeiros passos da organização sindical da classe trabalhadora, neste
país, datam da primeira metade do século XX, sendo influenciados pela tendência
anarco-sindicalista, oriunda da experiência da luta de trabalhadores estrangeiros. O
país só poderia ter um proletariado significativo, influente, se a industrialização
80
avançasse, e isso dependia, fundamentalmente, da abolição do sistema baseado na
exploração do trabalho escravo.
Com o fim da escravidão, em 1888, o caminho para o crescimento gradual de
estabelecimentos industriais estava aberto. Segundo Konder (2003), neste período,
esboçou-se um tímido surto de industrialização e, aos poucos, multiplicaram-se os
grupos de trabalhadores, os embriões das futuras organizações sindicais.
No contexto da Velha República, que teve início em 1889, o movimento
operário nascente se mostrava sensível a idéia do progresso pela via da
industrialização. No entanto, a luta dos trabalhadores, nesse período era tida como
caso de polícia e as organizações da classe operária se formavam na clandestinidade.
Somente, a partir da década de 1930, é que o Estado passa a reconhecer as
organizações dos trabalhadores. No entanto, isso ocorre, a partir de uma intervenção
direta na estrutura dos sindicatos trabalhistas, determinando o atrelamento destes ao
Estado, o que implicou o cerceamento da liberdade e autonomia no processo de
organização política dos trabalhadores. Os sindicatos eram constituídos numa
perspectiva de colaboração e cooperação com o Estado, para manutenção do
equilíbrio e da ordem social dominantes.
Devido às pressões do movimento operário, o governo Vargas 64, para manter
a sua política conciliatória, se viu obrigado a ceder a algumas das reivindicações da luta
dos trabalhadores. No entanto, não hesitou em avançar no plano de intervenção a
organização dos sindicatos. Para as pretensões do Estado brasileiro, nesse momento,
era preciso aniquilar o movimento sindical livre e autônomo existente, influenciado, de
início, pelo anarco-sindicalismo e, posteriormente, pelos comunistas. Objetivando
extinguir a mobilização sindical combativa, determinou a integração destas ao Estado, a
partir da instituição da legalidade de registros, criando uma modalidade de controle e
uma nova estruturação (heteronômica) sindical, que se expressou através de sindicatos
64
Por meio de um golpe militar, realizado em 1930, Getúlio Vargas chegou a Presidência da República do Brasil,
ocupando o cargo por 15 anos ininterruptos (1930-1945). A Era Vargas (denominação dada ao seu governo nesse
período), foi marcada por grandes mudanças sócio-econômicas e políticas na realidade do país, cujos resquícios
perduram até hoje. São casos ilustrativos a instituição da lei de sindicalização; a legislação trabalhista, cujo marco foi
o estabelecimento da Consolidação das leis trabalhistas (CLT) e; a adoção de uma política social de cunho populista,
utilizada em benefício da sua governança ditatorial, iniciada com a criação do Estado Novo, em 1937. Os mesmos
meios, pelos quais, Getúlio conquistou o poder, o perdeu. Sua deposição foi realizada por meio de um golpe militar
no final de 1945. Getúlio voltou a ocupar o cargo de Presidente da República anos mais tarde, mas dessa vez,
através de eleições democráticas, em 1951.
81
de gaveta e carimbo, que não possuíam nenhuma representatividade junto aos
trabalhadores.
Quando o governo Vargas impôs esta estrutura de organização, tinha o
objetivo de reduzir as greves e organizar os trabalhadores de acordo com as
necessidades da produção e da política econômica assumida pelo Estado. Nesse
sentido, o tripé da estrutura oficial consistia, fundamentalmente, na concepção de
colaboração com o Estado e com os patrões; eliminação da independência da
organização sindical em relação ao Estado; construção de representatividades sindicais
baseadas na formação de cúpulas e apartadas dos trabalhadores da base.
Com bastante habilidade, Vargas fortaleceu o Estado não só em sua relação
com os trabalhadores sindicalizados, mas também em sua relação com os
empresários. Fazendo concessões aos primeiros, ele nem por isso contrariava os
interesses fundamentais dos segundos65 (KONDER, 2003).
O Estado brasileiro cumpriu papel crucial no processo de industrialização do
país,
por isso
atendeu
a
reivindicações históricas da
classe
trabalhadora,
estabelecendo uma relação dialógica com alguns setores, inaugurando o que foi
denominado, por vários autores, de “política populista” (DURANS, 2006). Nesse
sentido, o Estado Varguista implementou um conjunto de políticas objetivando
regulamentar a relação capital/trabalho, controlando a luta dos trabalhadores, por meio
da criação de mecanismos de controle (o Ministério do Trabalho, por exemplo), que
visava conter a classe operária, por meio de uma política de conciliação entre o capital
e o trabalho66.
Desta forma, permitia a representação dos trabalhadores, junto ao governo e
ao patronato, apenas aos sindicatos oficiais, credenciados pelos órgãos de controle
65
A intervenção do Estado burguês nas relações entre as classes sociais possui dimensões muito contraditórias. As
políticas sociais realizadas pelo Estado, por exemplo, desempenham um papel eminentemente complexo e
contraditório em relação aos interesses das classes sociais. É evidente que a complexidade dessa questão ganha
novas configurações conforme as particularidades do tempo histórico, no que diz respeito ao estágio de
desenvolvimento do capital e suas estratégias de acumulação; a luta de classes; e ao papel interventivo do Estado.
O ataque ideológico que o pensamento dominante vem dispensando contra os direitos e as políticas sociais, na
atualidade, é empreendido para reverter a formação social capitalista do período de expansão econômica, no pós
segunda guerra. Em síntese, as contradições sociais não podem ser compreendidas apenas do ponto de vista moral,
ou propriamente ideológico, mas fundamentalmente, a partir da economia política.
66
Lopez (1988) destaca que as leis trabalhistas, promulgadas neste período, eram leis de harmonia social, que
expressam a idéia de que a supressão do embate das classes sociais dependia de uma legislação social que
incorporasse o equilíbrio dos interesses da coletividade, eliminando os antagonismos e ajustando os fatores
econômicos.
82
estatal. Esse fato acabou por subverter, na perspectiva dos trabalhadores, o próprio
sentido dos sindicatos como instrumento de luta.
A reação de grande parte da classe operária, frente a esta realidade, foi
subversivamente eclodida, a partir da intensificação do movimento grevista, que,
atingindo importantes conquistas, fazia crescer as mobilizações das massas, frente às
atrocidades imperialistas, que, crescentemente, instauravam-se no país. Mas, a contrareação, por parte do Estado, veio de forma imediata. Emergiu, através da adoção de
medidas repressoras. Todas as manifestações combativas (que geralmente eram
conduzidas pela perspectiva ideológica de esquerda) do movimento de trabalhadores
foram brutalmente reprimidas (ANTUNES, 1981).
[...] os governos dos países atrasados, que consideram inevitável ou mais
proveitoso marchar lado a lado com capital estrangeiro, destroem as
organizações operárias e implantam um regime mais ou menos totalitário. [...] a
debilidade da burguesia nacional, a ausência de uma tradição de governo
próprio, a pressão do capital estrangeiro e o crescimento relativamente rápido
do proletariado cortam pela raiz toda possibilidade de um regime democrático
estável (AGUENA, 2008, p. 202-203).
Dentre outras medidas, o governo passou a proibir o desenvolvimento de
atividades políticas e ideológicas no interior dos sindicatos; vetar a filiação a
organizações sindicais internacionais; impedir a criação de organismos sindicais
horizontais, como centrais sindicais que representam as bases de todos os sindicatos e
negar o direito de sindicalização aos funcionários públicos.
Este modelo de organização sindical perdurou em toda a Era Vargas (19301945), consolidando-se numa poderosa estratégia de manobras políticas das classes
dominantes, no interior dos sindicatos, durante as décadas seguintes. O enfrentamento
e a desestruturação desta lógica, só despontam na conjuntura do fim da década de
1970, a partir da construção do novo sindicalismo no Brasil.
Da segunda metade dos anos 1950 até 1964, o país atravessou uma crise
econômica que gerou dificuldades para a burguesia prosseguir no seu projeto de
83
desenvolvimento autônomo, em função da crise internacional e da pressão do
movimento de massas, por reformas de base no país67, no início dos anos 1960.
Na conjuntura dos anos 1960, o Brasil vivenciou a efervescência da luta de
segmentos de trabalhadores, através de sindicatos (que controlados, principalmente,
por trabalhistas e comunistas, mantinham-se fiéis ao esquema populista, no entanto,
buscavam atuar com relativa independência, sem atrelamento aos velhos pelegos) e
outras expressões de movimento social, que, orientados pelo afã de uma
transformação na sociedade brasileira, lutavam pelas reformas estruturais (a partir da
intervenção) do Estado. Tal movimento se derruiu com o advento do golpe militar, em
1964.
No cenário internacional, predominava, nessa época, a bipolarização do
poder político-econômico, com a guerra fria entre as então, potências mundiais,
Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS),
que
representavam
os
sistemas
sócio-político-econômico-ideológicos,
respectivamente capitalismo e socialismo. Entretanto, essa realidade não impediu que
a internacionalização do capital desse passos largos, de forma contrária a estagnação
das experiências socialistas.
O avanço do processo de internacionalização do capital possibilitara a
expansão das multinacionais e do comércio no mundo capitalista, conseguindo,
inclusive, atingir, a partir da instalação de empresas multinacionais, uma expressiva
liderança industrial no Brasil (BRUM, 1998).
Esta realidade provocou importantes transformações na divisão social do
trabalho, através da ampliação de segmentos de trabalhadores industriais, refletindo
num maior desenvolvimento no país de atividades terciárias e da formação de novos
segmentos de empregados assalariados. “Essas inflexões alteraram a consciência das
classes trabalhadoras, enfraquecendo o domínio ideológico que as classes dominantes
tinham sobre as subordinadas” (BRUM, 1998, p. 262). Como o capital estrangeiro não
importa operários, mas proletariza a população nativa, o proletariado nacional
67
Os setores da esquerda progressista da sociedade brasileira propugnavam, neste contexto, a implementação das
Reformas de Base, como imperativo da consciência nacional para retirar o país do atraso e subdesenvolvimento. Na
verdade, as reformas de base constituiam um conjunto de medidas econômicas e sociais de caráter nacionalista
constituintes do plano econômico do então presidente João Goulart. Embora não intencionassem implantar o
socialismo no Brasil, objetivavam, além da modernização do capitalismo, a redução das desigualdades sociais do
país, a partir da intervenção direta do Estado na economia. Sobre isso confira (BRUM,1998).
84
começou, muito rapidamente, a desempenhar o papel mais importante na vida
nacional. Nesse sentido, a irrupção da luta de classe, no interior dos sindicatos, fez
com que o operariado emergisse como força autônoma, com posição própria e mais
independente, o que levou a maioria do empresariado nacional a abandonar sua
aliança com esse segmento e a aliar-se com o setor multinacional da economia.
A posição nacionalista-estatizante do governo Goulart68 e a emergência
política da luta dos trabalhadores preocupavam o empresariado e os setores
conservadores. A despeito de preconizar as reformas de base no país, o presidente
Goulart não tinha suficiente credibilidade aos olhos da esquerda em geral, e, além
disso, irritava as forças de centro e de direita.
De acordo com Brum (1998), dois aspectos importantes podem ser
destacados, como principais motivos para os acontecimentos, ocorridos neste período
(de radicalização das posições de esquerda e direita), quais sejam: a fraqueza dos
setores de esquerda, da organização popular e a deterioração do quadro políticopartidário. Argumenta que as classes populares encontravam-se num estágio, ainda
embrionário de organização e articulação, que existia muito mais quantidade do que
força orgânica articulada, com pouca consistência e representatividade; emergiam e
buscavam ocupar seu espaço, mas não tinham condições de respaldar um projeto
político global.
Os conflitos entre os interesses de classes contraditórias, explícitos no
contexto dos anos 1960, arrefeceram-se devido ao esquema da contra-revolução
preventiva, culminada pelo golpe militar, em 1964, montado pelo conluio entre
segmentos da classe dominante nacional e o capital estrangeiro, mais precisamente,
norte-americano.
A política industrial, fixada pelos governos militares, aprofundou a
dependência do país ao capital internacional. Nesse período, a classe trabalhadora
cresceu de cerca de 7,7 milhões para um contingente de 14,3 milhões, centrada no sul
e sudeste do país. A ditadura utilizou todos os métodos da era Vargas para controlar a
68
João Goulart foi por duas eleições consecutivas eleito a vice-presidente da República do Brasil, em ambos os
pleitos foi candidato pelo PTB. Nas eleições de 1955, concorreu a vice de Kubitschek na chapa de coligação entre o
Partido Trabalhista Brasileiro e o Partido Social Democrático, respectivamente PTB/PSD. Nas eleições de 1960 foi
candidato pela chapa de oposição ao Presidente eleito Jânio Quadros (Partido Democrata Cristão - PDS). Nessa
época as eleições para presidente e vice aconteciam separadamente. Goulart veio a se tornar Presidente quando da
renúncia de Jânio Quadros em 1961. João Goulart foi deposto do cargo pelo golpe militar de 1964.
85
ação sindical dos trabalhadores, aperfeiçoando-os e combinando com a repressão.
A censura ditatorial dos governos militares repreendeu todas as tentativas de
resistência
-
ao
modelo
sócio-econômico
e
político-ideológico
instaurado
-
manifestadas pela sociedade, através das instituições orgânicas de representação de
classe, como os sindicatos de trabalhadores, (muitos foram fechados, com o direito de
greve suspenso); partidos políticos, ou por meio da organização de outros segmentos
(intelectuais e estudantes, principalmente) progressistas da sociedade. As atuações
políticas dos setores progressistas voltaram, nesse período, para o anonimato e os
sujeitos militantes dos movimentos sociais passaram a agir na clandestinidade, pois
todas as formas de resistência eram tratadas, pelo regime, como caso de polícia.
O revigoramento da organização política da classe trabalhadora brasileira
ocorre somente no contexto de decadência do regime militar, por volta de 1979. As
greves e manifestações, iniciadas nesse período, revitalizaram a ofensiva da classe
trabalhadora, em torno das lutas em defesa da reposição das perdas salariais e das
bandeiras democráticas no Brasil. A deflagração do novo sindicalismo, nessa época,
como movimento político radicalmente subversivo, afirmava a participação de base e a
luta por direitos, iniciando um amplo e vigoroso processo de mobilização de amplos
segmentos de trabalhadores.
O novo sindicalismo transformou-se, ao longo da década de 1980, num
importante processo político de organização dos trabalhadores brasileiros, conseguindo
incorporar nas lutas sindicais e, naquelas de cunho político mais amplo, vastos
contingentes de trabalhadores de todos os ramos de atividades e categorias
profissionais. A mobilização política de vários segmentos de trabalhadores, do campo
de esquerda, foi de fundamental importância no processo de construção da Central
Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983.
Em meio a uma conjuntura de intensas lutas e mobilizações, diante de
debates estratégicos sobre os rumos do país, afirmava-se a necessidade de apoio a
construção de uma ferramenta política dos trabalhadores e essa ferramenta foi o
Partido dos trabalhadores (PT). No início dos anos 1980 a formação do PT, constituiuse como uma nova experiência de partido de massa, com referência socialista. Com
grande participação da intelectualidade de esquerda, e tendo como base social um
86
movimento operário em ascensão, em meio a luta contra a vigorosa intervenção política
nas lutas progressistas da população brasileira, o PT foi determinante na formação da
CUT (MOURA, 2008).
Pode-se dizer que as fronteiras entre os militantes do PT e da CUT, além da
ampla maioria dos movimentos sociais e populares, que retomavam suas ações ou se
constituíam no pós-ditadura, não estavam claramente definidas. Naquele contexto, o PT
expressava o movimento de massa, o conjunto dos trabalhadores, que em geral não
estavam ligados aos partidos comunistas. A formação do PT foi de fundamental
importância, mas ao mesmo tempo insuficiente para consolidar hegemonicamente um
projeto estratégico socialista e revolucionário (MOURA, 2008). A candidatura de Lula
nas eleições de 1989, apoiada pelo PT, representou, naquele momento, um projeto
alternativo e radicalizado. Seu programa político eleitoral expressava, objetivamente, o
vigoroso movimento dos trabalhadores iniciado a dez anos. Mas, a vitória de Fernando
Collor de Mello representou a derrota das forças progressistas dos trabalhadores
organizadas na sociedade civil.
No início dos anos 199069, o projeto neoliberal ganhou fôlego no Brasil e as
conseqüências da nova realidade foram e continuam claras, basta observarmos como a
esquerda, de um modo geral, foi empurrada a um debate marcado pelo compasso da
agenda neoliberal. Cada vez mais, setores do movimento sindical brasileiro
incorporaram as teses gestadas pelos intelectuais orgânicos da burguesia (MOURA,
2008).
Na concepção de Moura (2008), a nova ofensiva capitalista deixou o
movimento dos trabalhadores, partidos de caráter socialista e os sindicatos cutistas a
frente de duas perspectivas: enfrentar-se com as estratégias do capital articulando
novos métodos de luta e reformulando um programa anticapitalista, ou buscar negociar,
pontualmente, na tentativa de defender conquistas e direitos isoladamente.
A rigor seriam essas as perspectivas nas quais as organizações
representativas dos trabalhadores encaminhariam as suas lutas. Aparentemente a
69
Os impactos da globalização, incididos na estrutura sindical brasileira, se deram num momento posterior ao dos
países centrais do capital. Isso se deve, a um conjunto de fatores de ordem sócio-econômico-política, peculiares à
realidade de cada país, sobretudo, ao fato de o sindicalismo nos países periféricos ser oriundo do período da
industrialização tardia. As transformações no mundo do trabalho foram experiências efetivadas, inicialmente, no
contexto das experiências capitalistas avançadas, só depois, entraram num processo de mundialização.
87
primeira perspectiva, seria do ponto de vista político, mais estratégica e compatível com
a defesa dos interesses históricos da classe trabalhadora. Contudo, a experiência
histórica vem nos mostrando um processo de profunda descaracterização dos projetos
anticapitalistas, e nesse aspecto, é importante atentar para o significado do que seria a
reformulação do projeto anticapitalista. É fundamental observar em qual direção esta
“reformulação” é concebida, se numa perspectiva de ruptura com a ordem ou com as
lutas que apontam para a necessidade de superação da ordem capitalista. A segunda
perspectiva apontada é, no final das contas, uma tentativa inócua de preservação de
emprego, salário e direitos, numa sociedade que, pelas suas determinações, é incapaz
de oferecer ou permitir que todas as pessoas tenham acesso a essas condições.
Ambas, as perspectivas apresentadas pelo autor seriam, noutras palavras, formas de
resignação ante as determinações do capital, que gera um arrefecimento concreto na
ação combativa das lutas sociais.
A concepção marxiana, sobre os limites das lutas em da defesa dos salários,
nos ajuda a refletir melhor essa problemática. Conforme Aguena (2008),
Em salário preço e lucro, [Marx] alerta que os operários não podiam cair na
armadilha de superestimá-las [as lutas em defesa do salário], porque elas se
dirigiam contra os efeitos e não contra as causas que levavam à queda dos
salários, ou melhor, o próprio sistema de exploração capitalista baseado na
busca do lucro. Se bem que as lutas em defesa dos salários serviam para
refrear o movimento descendente da baixa salarial, elas não alteravam seu
curso geral. Ou seja, a pressão permanente por rebaixamento salarial era
imposta, em última instância, pela própria necessidade dos capitalistas
manterem seus lucros sobre o fogo cruzado da crescente concorrência entre
eles. [...] Assim, as lutas da classe operária, se ficassem restritas à lógica da
melhoria do sistema assalariado, ou seja, ao sistema sobre o qual se apóia a
exploração capitalista, se encontrariam presas num círculo vicioso. Por isso
defender que os operários, ao invés de lutarem sob a palavra de ordem „um
salário justo por um dia de trabalho justo‟ deviam lutar pela palavra de ordem
revolucionária „abolição do trabalho assalariado‟. Logicamente, isso não
significava desprezar e subestimar a importância da luta econômica, mas alertar
que seria um erro fazer dela um fim em si mesmo (p. 14).
Considerando a materialização dessas perspectivas, do ponto de vista do
movimento sindical, observamos que, grande parte das entidades sindicais, na medida
em que foi se afastando de propósitos universalizantes e radicalmente emancipatórios,
88
se edulcoraram, através das práticas de corrupção e sedução de estratos sindicais
dirigentes; das incorporações subalternas de uma franja de gestores sindicais aos
papéis de gestores de fundo de porte internacional e da adoção de estratégias de
trabalho de cunho “participativo”, “responsável” (FONTES, 2008).
Nesses últimos vinte anos, o sindicalismo brasileiro vem passando por uma
crise política que tem abatido a força subversiva dos seus setores mais progressistas e
radicais. As alterações são bastante complexas e comprometem, sobremaneira, o seu
perfil e as suas estratégias.
As inflexões políticas, ocorridas no interior do movimento sindical brasileiro,
só podem ser compreendidas se não perdermos de vista a totalidade das
determinações sócio-econômicas e ideo-políticas suscitadas pelas mudanças ocorridas
no mundo do trabalho, no contexto social recente. E as mudanças no horizonte político
da maior central sindical do país, (a CUT), são emblemáticas nesse atual processo de
crise política vivenciado pelo movimento das entidades coletivas dos trabalhadores.
3.2 O papel político da CUT na organização da classe trabalhadora brasileira
A fundação da CUT, em 1983, foi um marco na história da organização
sindical deste país. Bem mais que expressão de ruptura com a tendência defendida
pelas confederações e federações sindicais atreladas aos governos militares - uma
herança histórica da ditadura de Vargas, de inspiração fascista - a CUT foi, acima de
tudo, uma organização sindical que imprimiu verdadeiro sentido de classe para as lutas
das diversas categorias que estavam, naquele momento, mobilizadas.
Como vimos, a fase áurea da CUT data do início dos anos 1980. A CUT
nasce e se consolida como a maior central sindical do país, com uma trajetória política
caracterizada pela incorporação das reivindicações dos trabalhadores, combatividade
incisiva na defesa da classe e dos seus projetos imediatos, mediatos e estratégicos,
relativos à construção de outra ordem societária. Nessa época, a CUT era, em síntese,
uma entidade autônoma, classista e democrática (AMARAL 2009).
89
Antes da criação da CUT, os trabalhadores fundaram o PT, em 1980, como
expressão da reorganização político-partidária dos trabalhadores, nesse período.
Ambas as estruturas se constituíram, durante mais de vinte anos, um só pólo de
articulação política de setores progressistas e mais combativos da sociedade brasileira.
Nessa esteira histórica dos anos 1980, várias outras organizações sociais
desencadearam-se nas cidades e no campo, em função das demandas que a crise
econômica colocou para a classe trabalhadora. As lutas pela redemocratização
deixaram o legado de fortes movimentos sociais, que, durante a década de 1990,
adiaram, ou pelo menos, amenizaram a plena realização do neoliberalismo entre nós
(BRAZ, 2007). No entanto, o projeto democrático popular, defendido pela CUT, PT e
demais organizações dos trabalhadores, começou a se exaurir já no início dos anos
1990, demonstrando uma profunda crise no final desta década.
Esse período foi demarcado uma verdadeira conversão nas estratégias de
atuação política dos trabalhadores brasileiros. Notadamente, a luta sindical foi uma das
esferas que sofreu maiores rebatimentos, sobretudo nos setores mais organizados e
ativos, representados, em âmbito nacional, pela CUT. A despeito da importância do seu
legado histórico, o novo sindicalismo apresentou, desde o início dos anos 1990,
insofismáveis sinais de impotência e incapacidade de combater os sucessivos ataques
que a política neoliberal dispensou e continua dispensando ao conjunto da classe
trabalhadora deste país. A força organicamente estruturada em torno das lutas que
compuseram o novo sindicalismo, não se mostrou capaz de sobrepor-se as ofensivas
do capital, e com condições de garantir o direcionamento crítico das suas práticas
políticas anteriores.
Na realidade, o processo de expansão da reestruturação produtiva junto a
ofensiva neoliberal detonou com as formas de organização dos trabalhadores,
assimiladas pelo novo sindicalismo e pelo conjunto das lutas populares, nos anos 1980.
Mas, a redução da capacidade de resistência dos trabalhadores, só pode ser
compreendida se considerarmos os novos mecanismos de reprodução do capital e os
seus rebatimentos sócio-econômicos e ideo-políticos para o processo de reorganização
que a classe trabalhadora brasileira vivia naquele momento.
90
Ora, o período que antecedeu a ofensiva capitalista foi marcado por um
processo de grandes expectativas políticas e sociais, por parte dos setores da esquerda
nacional. Grande parte da classe trabalhadora estava politicamente fortalecida e
organizada em torno de um projeto democrático-popular, materializado nas lutas pelos
direitos sociais e trabalhistas, desembocados no processo da constituinte e nas
disputas eleitorais, em 1989. A despeito da política econômica recessiva e inflacionária,
os índices de desemprego eram relativamente baixos se comparados ao período
posterior.
Do ponto de vista macroeconômico Cardoso (2003, p. 42), afirma que “as
coisas viraram de cabeça para baixo na década de 1990”. Em lugar de inflação
crescente, as taxas caíram de 40% ao mês, em 1994, chegando a ficar abaixo de 2%
em 1998. Em compensação, as taxas médias de desemprego aberto explodiram de 4%
em 1990 para 8% no final da década, enquanto a indústria perdia quase 2 milhões de
empregos formais em virtude da reestruturação econômica com liberalização dos
mercados. Ademais, a privatização de empresas estatais erodiu as bases sociais de
alguns sindicatos mais fortes do país, muitos dos quais filiados a CUT. E o mercado
formal de trabalho encolheu de 56% para 42% no período, reduzindo as bases
estruturais das quais partia a constituição da organização política da classe
trabalhadora. Em resumidas contas, as condições favoráveis de alta inflação e baixo
desemprego foram substituídas por baixa inflação com alto desemprego e
informalidade, introduzindo um componente de insegurança no trabalho, no emprego e
na renda, reduzindo a propensão da classe trabalhadora a ação coletiva.
Nesse processo, os ataques, sofridos pelo projeto da classe trabalhadora
evidenciaram um contexto bastante difícil em todas as dimensões, sobretudo, em nível
de consciência política de classe. É insofismável o recuo e a quietude dos
trabalhadores diante às determinações impostas pelo bloco dominante, principalmente,
se comparamos com outros períodos históricos nos quais o embate da luta de classes
era mais tangível. Observa-se, neste sentido, no âmbito do movimento sindical, bem
como dos movimentos populares como um todo, um grande refluxo das lutas
combativas e reivindicativas, “acionado diante do modelo e da política de
91
desenvolvimento pró-monopolista, pró-imperialista e pró-latifundiário das décadas
passadas” (BOITO JÚNIOR, 1999, p 72).
Diante da crise no mundo do trabalho, os sindicatos (representados pela
CUT, em especial) sentiram-se acuados com a redução dos quadros de filiação e com
as sucessivas derrotas nas empreitadas pelas garantias trabalhistas. Frente a um
contexto de profundos ataques, as direções sindicais não tardaram a buscar
negociações com o segmento empregador e com o governo. Na verdade, o
sindicalismo propositivo tem se intensificado bastante nas dimensões das propostas e
negociações, o que, acabou por desenvolver práticas corporativistas e separatistas,
resultando no profundo insulamento das lutas coletivas mais gerais do conjunto da
classe trabalhadora. Ademais, o declínio de atividades grevistas, a diminuição do
número de filiados e a afirmação, entre as direções sindicais, da tendência a
moderação da luta em contraposição a postura combativa do sindicalismo dos anos
198070 são características incontornáveis da derrocada do novo sindicalismo.
A perspectiva política, adotada por ampla maioria dos sindicatos nos anos
1990, baseada no sindicalismo de resultados tem seu baluarte ancorado na defesa de
maiores chances de consecuções, quando as negociações e acordos relacionados as
condições de trabalho e salarial, são feitos diretamente com o patronato, sem a
interferência do Estado. Assim, os sindicatos filiados a essa tendência predominante
acabam por defender, nas negociações coletivas de trabalho, propostas como: a defesa
do contrato coletivo de trabalho; participação nas câmaras setoriais e negociação dos
bancos de horas (flexibilização da jornada semanal de trabalho, de acordo com as
necessidades da empresa, prejudicando a vida pessoal e familiar do trabalhador)
(BOITO JÚNIOR, 1999).
As recentes mudanças no padrão de relações de trabalho no Brasil foram
introduzidas, a partir da inserção do país no processo de mundialização do capital,
através de intensas políticas de liberalização e privatização da economia, iniciadas no
governo Collor. Mas, o estabelecimento de um debate nacional entre representantes do
70
Segundo Boito Júnior (1999) o marco inicial dessa mudança foi a IV Plenária Nacional da CUT, em agosto de
1990, na qual a CUT lançou e fez aprovar a idéia de um sindicalismo propositivo. Segundo essa proposta a central
deveria ir além da postura exclusivamente reivindicativa e passar a elaborar propostas políticas a serem
apresentadas e negociadas em fóruns que reunissem os sindicatos, o governo e o empresariado.
92
Estado, dos trabalhadores, dos empresários e da sociedade civil, foi, na verdade, uma
iniciativa do Governo Itamar Franco71. Desse debate resultaram tendências que
defendiam a elaboração de um contrato coletivo nacional; a reforma global defendida
pelas centrais sindicais e pelo pensamento das bases empresariais, que referenciadas
nos termos da Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) defendia a
perspectiva da democratização das relações de trabalho; de outro lado na defesa da
desregulamentação reuniam-se o pólo das entidades empresariais, que primando pela
produtividade e competitividade, advogavam pela redução dos custos do trabalho,
através da prevalência do negociado sobre o legislado (OLIVEIRA, 2005a).
Na Era FHC o debate público foi suspenso, prevalecendo medidas unilaterais
em favor da desregulamentação72. A partir de 1994, já no início do governo FHC, as
medidas governamentais adotadas alteraram, pontualmente, a normatização das
relações de trabalho no país. Destacaram-se:
A nova lei de cooperativas, desresponsabilizando-as do cumprimento dos
direitos trabalhistas; a denúncia da convenção 158 da [Organização
Internacional do Trabalho] OIT, facilitando a demissão imotivada, a
possibilidade da suspensão temporária do contato de trabalho; a eliminação da
política de reajuste salarial através do Estado; a instituição do trabalho
temporário, do trabalho por tempo determinado, do trabalho parcial, da
participação nos lucros e resultados (estimulando a remuneração variável e a
73
negociação por empresa ), o Banco de Horas (possibilitando ao empregador
ajustar a jornada de trabalhado às flutuações da produção); a criação das
Comissões de Conciliação Prévia, que tem dificultado o acesso aos
trabalhadores à justiça do trabalho (KREIN, 2001, apud OLIVEIRA, 2005a, p.
48).
Nessa mesma perspectiva, a análise de Gomes et al (1999), sobre o pacote
da reforma sindical e trabalhista do governo FHC, aponta que o profundo retrocesso de
suas premissas, diz respeito ao estabelecimento da pulverização sindical, que tem
71
Tornou-se Presidente da República do Brasil, quando do impeachmentem de Collor em 1992.
Oliveira (2005a) lembra que, no Brasil, além do „estado social‟ instituído na Era Vargas havíamos chegado, na
década de 1990, com uma trajetória de significativas conquistas sociais e políticas, expressas na Constituição de
1988, o que demonstra a profunda contradição desse período.
72
73
Os modelos de sindicalismo de negócio estadunidense e do sindicato por empresa japonês, por serem
supostamente apolíticos, foram amplamente, considerados como exemplos de „bom sindicalismo‟ por parte dos
neoliberais (TRÓPIA, 2009).
93
como objetivo o asfixiamento financeiro dos sindicatos, extinção do papel do Poder
Judiciário Trabalhista de estabelecer melhores condições de trabalho, apesar de tê-lo
mantido para garantir uma função policialesca de reprimir greves. O pacote
determinara, também, o impedimento dos trabalhadores proporem, diretamente,
reclamações contra os patrões. De acordo com os autores, o governo facilitou,
significativamente, o processo de desregulamentação das relações de trabalho e
precarização dos vínculos empregatícios, através de Medidas Provisórias.
Estas imposições do bloco presente no poder, representado pelo governo
federal, acabaram rendendo os trabalhadores. As formas de negociação, previstas
nessas reformas, extinguiram a intervenção estatal na relação contratual de trabalho, e
ampliaram o processo de desregulamentação das garantias protetivas do trabalho,
previstas na legislação trabalhista e Constituição Federal, vigentes.
No quadro inicial dessas mudanças mais gerais, no início do primeiro governo
de FHC, uma das principais resistências do sindicalismo brasileiro teve expressão na
greve dos petroleiros, no ano de 1995, que, a partir da articulação, em âmbito nacional,
junto
a
outras
categorias
(telefônicos/as,
eletricitários/as,
funcionários/as das
universidades federais e funcionários/as públicos/as federais) colocou, pela primeira
vez, em xeque a política neoliberal no Brasil.
Esta greve, sob o ponto de vista econômico, alentava-se pela indignação com
a realidade da imposição de uma política salarial estagnada e decrescente. Apesar de
todas as manifestações e o teor organizativo de resistência que a greve conseguiu
atingir, o governo não tolerou a estratégia de organização e resistência da classe
trabalhadora as imposições da sua política econômica. A intolerância fez evidenciar os
limites da democracia política, a partir da ordenação, pelo governo federal, para
ocupação de refinarias de petróleo, por tropas de militares blindadas, como forma de
coibir as manifestações de greve dos petroleiros (LEUDEMANN, 1995).
O governo utilizou-se de muitas artimanhas, permitidas pelo poder do que
Gramsci chama de pequena política, lançando mão de expedientes os mais diversos,
cortes de salários e articulando a justiça, a imprensa e amplas correntes de opinião
para isolar e desmobilizar os grevistas, caracterizando-se numa grande repressão a
94
manifestação e a luta dos trabalhadores (CARVALHO, 1995). De forma altamente
arbitrária, o governo demonstrou total incapacidade de “negociar”, ao menos, o conflito
e as demandas que se colocaram no período, o que poderia representar, minimamente,
uma atitude democrática. Sua posição, ou melhor, sua tática política, frente a situação,
não poderia ser outra, senão, a de prezar pelo compromisso que assumiu com o capital
internacional e com as classes dominantes do país. Afinal, o processo da
neoliberalização do Estado brasileiro não permitiria a construção democrática de forças
favoráveis ao trabalho, porque o neoliberalismo é incompatível com o senso de
democracia, de direitos sociais e trabalhistas.
Para a ideologia neoliberal, em nome da liberdade individual, da
sobrevivência do mercado e da felicidade humana, as modernas corporações,
notadamente os sindicatos e suas centrais, são inimigos a serem abatidos. Em geral, os
governos neoliberais assumiram o poder combatendo, no plano ideológico e com
políticas concretas, os sindicatos e as centrais sindicais que lhes fizeram oposição.
Procuraram enfrentar a resistência dos trabalhadores quase sempre com a mesma
estratégia: “desqualificação dos sindicatos, implementação de uma legislação
antissindical e utilização da força policial para reprimir greves e protestos sociais”
(TRÓPIA, 2009, p. 23).
Ao lado disso, “a defesa dos direitos sociais passou a ser sistematicamente
desqualificada como „corporativismo‟” (OLIVEIRA, 2005a, p. 48). Sob tais referências,
as experiências das Câmaras Setoriais, assim como o Fórum Nacional sobre Contrato
Coletivo e Relações de Trabalho, foram abortadas, a Reforma Trabalhista foi sendo
implementada através de Medidas Provisórias e o sindicalismo converteu-se em alvo de
ataques do governo federal e da Justiça do Trabalho (idem).
De fato, “as forças de trabalho foram gradativamente erodidas na Era FHC,
em parte como derivação da inserção na globalização e em parte como estratégia
deliberada do grupo dominante” (OLIVEIRA, 2005b, p.98). As combinações entre as
mudanças que foram sendo operadas no plano da produção e as acionadas pelo
governo levaram a um quadro, crescentemente, desfavorável aos trabalhadores.
95
Os trabalhadores se viram encurralados por essa situação caótica, assim
como suas entidades representativas e reivindicações históricas. Os sindicatos de um
modo geral, em especial os setores mais combativos, articulados pela CUT, foram
impelidos a “uma prática hesitante, às vezes contraditória, configurando, no geral, uma
estratégia de conciliação com a política neoliberal [...]” (BOITO JÚNIOR, 1999 p. 142).
As inflexões, nos rumos políticos da CUT, ganham expressão na mudança de
análise da sociedade “posto que parte significativa da direção propõe uma aliança de
classes fundada na ampliação e negociação de temas comuns, o que se traduziu em
uma „agenda cidadã‟ para o movimento sindical” (AMARAL, 2009, p.115). A autora
lembra que esta agenda sinaliza as profundas alterações nas relações produtivas, cujas
evidências
surpreenderam
os
trabalhadores,
devido
ao
despreparo
para
o
enfrentamento dos desafios cruciais. Para ela, as condições objetivas, também, não
permitiram que o debate na Central pudesse ir além da política salarial. Nesse sentido,
O caminho encontrado por suas direções foi o da ordem, o que era possível.
Conseqüentemente, não houve qualquer ampliação das lutas, nem nos
sindicatos nem sob o comando de suas centrais e tampouco no partido que
representava o campo majoritário da entidade: o PT, que logo também se
transformou no partido da ordem (AMARAL, 2009, p.115).
Vale lembrar que a alteração do perfil político da CUT foi, intensivamente,
reiterada, com o advento do governo petista. Embora contraditório, não nos parece
nenhum devaneio, a idéia de que o governo Lula tenha representado uma grande
ameaça a autonomia do movimento sindical brasileiro. A política conciliatória, desse
governo, incidiu no âmbito da luta sindical com forte influência, o que resultou no
fortalecimento de perspectivas capituladoras no sindicalismo, sobretudo no interior da
CUT74.
74
Fazemos referência a CUT, não por ser a única central que esteja nesta situação de assujeitamento, muito pelo
contrário nosso apontamento vem no sentido de identificar o transformismo político desta central (claramente
perceptível a partir da discrepância entre aquilo que foi e o que hoje é, no que diz respeito aos modos de pensar e
atuar) como retrocesso e desestímulo de luta enormes para o projeto do trabalho. Esta consideração se deve,
justamente, ao significado que esta central teve no contexto de seu surgimento, expresso pelo nível de
96
Segundo Galvão (2006), a eleição de Lula modificou, profundamente, o
cenário sindical brasileiro. Nas palavras da autora:
[...] a opção do governo do PT em dar continuidade ao modelo neoliberal
paralisou a capacidade de crítica de seus aliados, na medida em que o partido
que faz oposição às reformas orientadas para o mercado acabou por assumilas (p. 148).
A crescente tendência de ampliação, no PT, de políticas de alianças,
associadas a moderação do conteúdo programático de seus projetos de governo
resultou na coalizão nacional da chapa eleita nas eleições de 2002 75. Aliás, essa
articulação consolidou a ultrapassagem daquela tendência, na medida em que a
composição eleitoral e de governo transbordou do campo democrático e popular,
demarcando uma inflexão sem precedente, na sua trajetória. “O gradativo
deslocamento da originária centralidade da idéia de ruptura consuma-se na sua
substituição por uma referência centrada nas idéias do pacto social 76 e de transição”
(OLIVEIRA, 2005a, p. 50). Mas claro essa transição não ocorreu sem conflitos internos,
tanto no PT quanto na CUT. Voltaremos a tratar sobre essa questão mais adiante.
A eleição de Lula criou um novo campo de possibilidades para o retorno da
perspectiva de democratização das relações de trabalho, que havia sido abortada pelo
governo FHC e transformada em decisões isoladas e negociadas, através de Medidas
Provisórias balconizadas no Congresso Nacional.
Para o governo Lula a tentativa de um pacto social foi colocada como
única maneira viável de enfrentar a enorme dívida social do país. Seria nesse sentido,
“base social indispensável do projeto de um governo de coalizão nacional” (OLIVEIRA,
2005a, p. 51).
representatividade (sustentado até hoje) que tornou legítima toda sua trajetória de lutas na defesa das teses do novo
sindicalismo, especialmente das convicções socialistas.
75
A chapa eleita no pleito para a Presidência da República, de 2002, foi composta por Lula da Silva do PT, para
Presidente e José Alencar do Partido Liberal (PL) para vice-presidente.
76
Segundo Oliveira (2005a), a idéia de pacto social já havia sido colocada na realidade política brasileira, mas sob
outras circunstâncias. Quando da „transição pactuada‟ proposta pela Aliança Democrática que intentava negociação
com os governos autoritários. E também com os governos Sarney e Collor, em situações de agravamento da crise
social e política, mas claro, dessas partes não passou de encenação política. Do ponto de vista do campo
democrático e popular, a noção de pacto representava uma indesejada atitude conciliatória, frente ao capital e ao
governo, tido como ilegítimo.
97
Segundo este autor, para a classe trabalhadora, sob grandes expectativas
diante do governo Lula, a idéia do pacto social constituiu-se numa oportunidade
histórica de influir sobre os rumos do país, de modo a reverter os recentes processos
de profunda ofensiva neoliberal.
Vale lembrar que, no Brasil, a classe trabalhadora, em particular, acalentou,
durante vinte anos, a idéia e a esperança de um dia eleger Lula presidente da
República e, com isso, resolver os problemas da sociedade brasileira. Poderíamos,
numa palavra, afirmar que o projeto político do PT durante esses últimos vinte anos foi
este, eleger Lula Presidente da República (ALMEIDA, 2009).
Nessa ambiência, o governo Lula buscou envolver a sociedade, em
particular seus segmentos mais organizados, na constituição de espaços de
concertação social77, inéditos no país, do tipo: O Conselho de Desenvolvimento Social
e Econômico – CDES78; a Mesa Nacional de Negociação Permanente – MNNP79; e o
Fórum Nacional do Trabalho – FNT80 (OLIVEIRA, 2005a).
E, realmente, as primeiras tentativas do novo governo foram bem sucedidas.
Nesse processo o governo sugeriu de imediato, como exigência contemporânea, a
77
A construção desses espaços de discussão política consistiu numa tentativa, por parte do governo, de
apaziguamento, dos conflitos sociais existentes na sociedade brasileira. Na verdade, esta concertação social não
passa de uma estratégia de cunho “neopopulista” do governo federal, para forjar um pacto social de harmonização/
integralização de interesses contraditórios, no âmbito das relações produtivas. O objetivo principal dessa iniciativa foi
a construção de bases, política e economicamente sólidas para o desenvolvimento combinado e desigual do capital,
na realidade brasileira, conforme as premissas neoliberais presentes na política econômica desse governo.
78
O CDES foi criado no ato de posse do governo Lula, com a função de “assessorar o Presidente da República na
formulação de políticas e diretrizes específicas, voltadas a um novo contrato social” (OLIVEIRA, 2005a, p. 52). Desde
a sua instalação o CDES discutiu e se posicionou sobre as reformas Previdenciária, Tributária, Sindical e Trabalhista,
através da produção de cartas de concertação social. O Conselho foi composto por 11 representantes do Governo
Federal e de 82 membros da sociedade civil com igual número de suplentes representados por segmentos
empresarial, sindical intelectual e religioso.
79
Constituída em 2003 a MNNP foi composta por seis Ministérios e com previsão de até 18 entidades sindicais. O
objetivo desse fórum foi de pautar a necessidade de um canal de negociação com os servidores. Foram adotadas
como referências comuns: a recuperação dos salários; a adoção de uma política salarial permanente; a
democratização das relações de trabalho; a valorização dos servidores públicos; a liberdade sindical. Foram criadas
quatro comissões temáticas: de Política Salarial; de Direitos Sindicais e Negociação Coletiva; de reestruturação do
Serviço Público e Diretrizes Gerais de Planos e Carreiras; e de Seguridade Social. A MNNP sofreu certo desgaste no
debate sobre a Reforma da Previdência Social, sobretudo nos aspectos que atingiam os servidores públicos.
Ademais podem ser observados outros limites, a exemplo do caráter estatutário do regime de trabalho do servidor,
de natureza unilateral; a política do governo de restituição orçamentária que repercute diretamente nas condições
profissionais e salariais dos servidores públicos. E ainda, pelo motivo de as possibilidades da MNNP dependerem
dos desdobramentos do FNT (OLIVEIRA, 2005a).
80
O FNT foi lançado em julho de 2003, com o intuito de tornar-se a grande mesa de concertação nacional entre
trabalhadores, empresários e governo, para atualizar a legislação sindical e trabalhista por via da negociação e não
da imposição. Seus principais objetivos foram: democratizar as relações do trabalho por meio da adoção de um
modelo de organização sindical baseado em liberdade e autonomia; atualizar a legislação do trabalho, tornando-a
mais compatível com as novas exigências do desenvolvimento nacional; estimular o diálogo e o tripartismo e
assegurar a justiça social no âmbito das leis trabalhistas, da solução de conflitos e das garantias sindicais
(OLIVEIRA, 2005a).
98
necessidade de adequação da legislação trabalhista ao momento que vivemos marcado pela crescente informalidade e, associado a isso, pela perda de
representatividade dos sindicatos,- propondo que a melhor solução resultará da
convivência democrática entre trabalhadores e empresários. De acordo com Oliveira
(2005a), o presidente recomendou que o sindicalismo extrapolasse os limites do
corporativismo, passando a encarar o trabalhador como um cidadão que “tem direito a
outras coisas” (grifo nosso), deixando de fazer um discurso apenas contra o
empregador.
A posição do governo situou-se, contraditoriamente, entre compromissos
históricos do seu núcleo petista e sindicalista de um lado, e os compromissos do
programa que instituiu com sua base aliada, de outro. A partir do “seu próprio cacife,
representado pelo PT, Lula tenta a formação de um consenso pela agregação de
interesses do caleidoscópio” (OLIVEIRA, 2005b, p.97). Como estratégia principal de
compatibilização de tendências tão conflitantes elegeu o diálogo social, particularmente
no que se refere a Reforma Trabalhista e Sindical.
Quanto aos empresários, desde o início da década de 1990, tem sido
evidente sua posição amplamente favorável a flexibilização da legislação trabalhista.
Justificam-se, publicamente, com a argumentação de que os encargos trabalhistas são
elevados e favorecem a informalidade do mercado. Com relação as centrais sindicais,
há percepções diferenciadas sobre o tema da flexibilização. A CUT, por exemplo, não
se contrapôs as reformas na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), mas ao projeto
de Lei no 5.48381 que propõe alterações ao artigo 618 da CLT, cuja disposição
regulamenta o processo de contratação e convenção coletivas de trabalho.
De todo esse processo há uma constatação importante: havia no momento
de criação do FNT, mesmo com tantas diferenças e divergências, uma percepção
comum sobre a necessidade permanente de mudanças na legislação trabalhista. O
problema foi a direção na qual essas mudanças se processaram.
No âmbito das discussões sobre a reforma sindical e trabalhista definiram-se
pontos polêmicos e consensuais. No que concerne a organização sindical foram
81
Este Projeto de Lei do governo FHC foi elaborado, a partir da impossibilidade de o governo alterar o artigo 7º da
Constituição Federal, que o governo pretendia emendar com vista a flexibilizar os direitos sociais ali previstos. Este
Projeto chegou a ser aprovado na Câmara Federal e tramitar no Senado no final do mandato de FHC. No governo
Lula o projeto foi arquivado, a pedido do Presidente.
99
aprovadas as seguintes alterações: as organizações sindicais, de ambos os
segmentos, serão reconhecidas, legalmente, através do critério da representação
comprovada ou derivada; as centrais sindicais, assim como as confederações e
federações independentes de trabalhadores e empregadores, terão que ser
estruturadas a partir de sindicatos com representatividade comprovada; quanto aos
sindicatos, só serão reconhecidos com representação comprovada; quanto a
sustentação financeira, prevaleceu uma posição pró-extinção gradativa das formas
compulsórias de contribuição, a partir da contribuição associativa de contribuição de
regulação coletiva; para gerir o novo sistema de relações de trabalho, foi indicada a
criação de um Conselho Nacional de Relações de Trabalho com atribuição de definir os
ramos de atividade econômica e os critérios de enquadramento das organizações
sindicais; as normas estatutárias para os sindicatos com exclusividade de
representação.
Sobre a negociação coletiva o debate convergiu para a proposta do contrato
coletivo de trabalho, com seus instrumentos normativos gozando de reconhecimento
jurídico. Em relação a composição de conflitos, prevaleceu a posição, ao final, de que,
nos conflitos de interesses, a Justiça do Trabalho poderá atuar como árbitro público,
por solicitação de ambas as partes e, nos casos em que não houver solução para o
conflito,entrará em cena arbitragem pública compulsória. E, por último, sobre o direito
de greve, em geral preservou-se o que rege a Constituição Federal, aparecendo
polêmicas no ponto sobre a definição dos chamados serviços essenciais. No fim, a
decisão encaminhada sobre esta questão, baseou-se na definição da OIT, que
estabelece como serviços essenciais aqueles cuja interrupção puser em risco a vida, a
saúde e a segurança da população.
Para Almeida (2009), a reforma sindical e trabalhista possui, pelo menos,
três esteios principais. O autor pontua em primeiro lugar a lógica da colaboração com o
argumento de que a estrutura sindical tem que ser, na perspectiva do capital,
organizada como um sistema de negociação e contratação, que visa simplesmente
flexibilizar os direitos dos trabalhadores. Em segundo lugar, constata-se a necessidade
de engessar a organização sindical, ante o grande problema da quantidade de
sindicatos que se tem no Brasil, visto que Getúlio Vargas fragmentou os trabalhadores
100
para facilitar sua dominação. Mas, hoje, o caminho precisa ser invertido, isto é, do
ponto de vista dos gestores neoliberais, é preciso concentrar o poder de negociação
nas centrais, por exemplo, para facilitar a flexibilização de direitos. E por último, o
terceiro esteio dessa proposta tem a ver com a coerção da luta social e a ação coletiva
dos trabalhadores. Ora, a reforma sindical incide sobre a criação de mecanismos
restringentes das estruturas representativas do trabalho. Assim, a tendência mais clara
nesse processo é o cerceamento da autonomia de organização dos trabalhadores. O
que acontece é que, nas instâncias de negociação, são acordadas, entre os
trabalhadores e seus inimigos de classe, as formas de organização/representação
legítimas daqueles na perspectiva de reconhecimento desses últimos. Em outros
termos, consiste num ataque frontal a liberdade organizativa dos trabalhadores que
descaracteriza o seu sentido mais elementar e imediato, isto é, a luta por melhores
condições de vida e trabalho.
Na análise de Almeida (2009), a reforma da organização sindical no Brasil
era necessária do ponto de vista do governo e dos setores sindicais atrelados a ele,
pela mesma razão defendida pelo governo de Getúlio, no início do século passado. De
acordo com o autor, para sustentar e viabilizar a política econômica neoliberal, o
governo necessitava estabelecer controle sobre a organização sindical. Passo a citá-lo:
O Lula sabe melhor do que ninguém o papel que teve a luta do movimento
sindical brasileiro na década de [1980] [...]. A greve dos servidores federais,
ainda em 2003, demonstrou a ele, inclusive, que, se a política do governo seria
essa, haveria resistência e luta, tal como houve contra o modelo do Getúlio
Vargas em 1930. Por isso, ambos tinham que eliminar as condições dos
trabalhadores lutarem (ALMEIDA, 2009, p. 74).
Uma constatação que decorre desse processo é que, enquanto o
imperialismo estrangeiro dominar o Estado nacional e puder contar com a ajuda de
forças reacionárias internas para derrubar a instável democracia e substituí-la por
imposições autocrático-burguesas, “a legislação sindical pode transformar-se facilmente
numa ferramenta da ditadura imperialista” (AGUENAS, 2008p. 200).
Nesse contexto de extrema ofensiva capitalista, além das reformas trabalhista
e sindical a reforma previdenciária, também, consistiu num ataque frontal aos direitos e
101
interesses da classe trabalhadora, deste país. Para legitimar, socialmente, a defesa da
reforma da previdência em 2003, o Governo Lula elegeu a necessidade de acabar com
as diferenças entre os direitos consignados aos trabalhadores, sobretudo no que diz
respeito à aposentadoria. Na esteira do discurso oficial era necessário acabar com os
privilégios dos marajás, para poder garantir direitos aos trabalhadores mais
vulnerabilizados. De acordo com Almeida (2009), em função disso, o Governo Lula
propôs estabelecer o teto para a aposentadoria dos servidores, e regulamentar o fundo
de aposentadoria complementar. Essencialmente, a reforma previa acabar com parte
dos direitos previdenciários dos servidores públicos, para reduzir os custos que o
Estado tinha com o pagamento das aposentadorias. A partir daí, seria possível “abrir o
processo de privatização da previdência, com a regulamentação dos fundos de
aposentadoria complementar, uma exigência dos bancos” (ALMEIDA, 2009, p. 71).
O apelo presente na proposta do governo, em relação a reforma da
previdência, não surtiu efeito concreto na situação real que a proposta, a priori, tentava
corrigir. Os altos cargos e salários continuam existindo, assim como os trabalhos e
atividades de baixíssimos rendimentos. Consubstancialmente, o que alterou-se, nesse
processo, não foi a discrepância entre os privilégios e a diferenças entre os
rendimentos dos trabalhadores, mas as facilidades de maior rentabilidade para o
capital. E o discurso que, aparentemente, se colocava em favor dos trabalhadores
precarizados, terminou por beneficiar os especuladores de capital. Forçar para baixo o
teto para a aposentadoria e regulamentar o fundo de aposentadoria complementar,
foram mudanças, fundamentalmente, danosas na perspectiva da ampliação de direitos
da classe trabalhadora; e imprescindíveis para a expropriação especulativa. Ora, os
fundos de aposentadoria alimentaram os lucros dos bancos, beneficiando diretamente
os detentores parasitários de capital. Estruturada para atender aos interesses da
regulação do mercado capitalista, esta reforma constituiu-se como uma das mais
perversas alterações, sob o ponto de vista dos segmentos terceirizados, precarizados,
especialmente, os de trabalho informal, que, no quadro do desemprego estrutural, são
os mais vulnerabilizados, na dimensão da renda e, conseqüentemente, dos direitos do
trabalho (BOSCHETTI e SALVADOR, 2006).
102
A resistência dos trabalhadores, frente a estas reformas, foi bastante
fragmentada, sem muito respaldo político por parte da CUT ou de qualquer outra central
sindical. Segundo Almeida (2009), a CUT saiu em defesa das propostas do governo,
assumindo uma luta e um acordo com o governo em defesa do reajuste do salário
mínimo.
O governo preferiu realizar as reformar neoliberais, pela via da negociação,
para que o processo de implementação da política neoliberal não transparecesse
totalitário e, dessa forma, adquirir legitimidade política. Como sabemos o governo fez as
suas escolhas políticas, e o cumprimento dessas medidas reformistas correspondeu,
essencialmente, a garantia das condições político-econômicas atrativas para o
investimento e exploração do capital estrangeiro.
Nesta perspectiva, Galvão (2006) ressalta que, no governo de FHC, com
todas as dificuldades e os abalos sofridos pelos sindicatos, a CUT, ainda, conseguira
fazer críticas veementes ao governo e, de certo modo, resistir aos ataques de
desregulamentação das relações de trabalho e ao processo de implementação das
“reformas”. A CUT sempre foi um campo heterogêneo, mas, nesta época, conseguiu
articular-se muito bem (internamente) no combate ao inimigo comum (neoliberalismo).
No governo Lula, a conjuntura nos apresenta um dilema terrível: um governo
liderado por um ex-líder sindical que dificulta a atuação dos sindicatos. Esse fato incidiu
significativamente sobre o perfil político da CUT que, na nossa concepção retrocedeu
consideravelmente. Como as expectativas de um governo anti-neoliberal foram
fracassadas, a capacidade de resistência, por parte dessa central, também, entrou em
declínio, o que não é novidade, considerando o abandono da perspectiva de confronto
com o modelo econômico e com o conjunto da política neoliberal, desde o início dos
anos 1990, quando se firmou a proposta de participação do sindicalismo cutista na
definição da política governamental. No governo do PT, essa postura da central tem se
intensificado, ainda mais. Pois:
Os laços existentes
tendência petista, de
federal, têm afastado
mesmo quando este
entre a corrente majoritária da central e a principal
onde provém Lula e os principais quadros do governo
a CUT de manifestações e protestos contra o governo,
ameaça direitos dos trabalhadores [...]. Apesar de se
103
declarar independente em relação ao governo, a central abre mão de
conquistas, apresentando dificuldades para conservar-se de fato independente
[...]. Assim, o sindicalismo cutista vem desempenhando, no governo Lula, papel
82
similar ao desempenhado pela FS até o penúltimo ano do governo Cardoso,
pois, ao invés de organizar a resistência dos trabalhadores e mobilizá-los em
defesa de seus direitos, procura conter manifestações contrárias ao governo, a
fim de não prejudicar sua “governabilidade” (GALVÃO, 2006, p. 137).
Não é nenhum exagero dizer que o transformismo da CUT serviu de reforço
a deserção do campo mais abrangente da luta sindical, bem como, o abandono das
lutas políticas mais gerais do movimento dos trabalhadores, junto a outros movimentos
sociais que conformam o quadro democrático e popular brasileiro.
A CUT nasceu defendendo os trabalhadores e lutando contra o imposto
sindical e o atrelamento ao Estado. Hoje, contudo, os dirigentes da CUT têm cargo no
governo, foram nomeados administradores de fundo de pensão e, por essa via,
tornaram-se administradores de empresa. A CUT recebe subsídios financeiros do
Estado, em convênio com o Ministério do Trabalho (graças aos recursos do Fundo de
Amparo ao Trabalhador - FAT). Segundo Almeida (2005), são milhões de reais que a
CUT recebe do Estado, para se domesticar e servir as orientações e interesses
políticos que gerem o Estado hoje. Essa realidade da CUT é ressaltada pelo dirigente
da CONLUTAS que entrevistamos na nossa pesquisa, conforme demonstra sua
reflexão
A CUT tem dirigentes sindicais hoje na direção de mais de 200 empresas, das
grandes empresas do país, porque parte das direções dos principais fundos de
pensão do país a PREVI, do Banco do Brasil, a CONCEF da Caixa Econômica
Federal, a PETROS da PETROBRÁS, é eleita pelos empregados. São eleitos,
são, fundamentalmente, sindicatos dirigidos pela CUT. E outra parte é nomeada
pelo governo, quando entrou o Lula ele nomeou dirigentes sindicais. Então, se
estabelecer um processo de associação e de atrelamento por essa via, não só
política em termo de apoio a política do governo, mas material através de
cargos, de administração do fundo de pensão, dinheiro do FAT, convênios com
bancos, com ministérios. Se estabeleceram relações materiais que fazem com
que a CUT hoje, esteja mais atrelada ao Estado e ao governo do que estavam
82
A Força Sindical é uma das centrais sindicais existentes no Brasil, nascida em 1991. Nas palavras de Antunes
(1995, p. 61): “[...] é uma central que abraça o ideário neoliberal, em clara sintonia com as tendências mais nefastas
do capitalismo das últimas décadas. É a nova direita, fortemente ideologizada [...] além deste ideário, sua origem
sindical tem inteira sustentação na velha estrutura sindical brasileira, que precisa buscar novos caminhos de atuação
que não poderiam mais ser preenchidos pelo velho peleguismo.
104
as confederações e federações com as quais nós rompemos em 83 para fazer
o congresso da fundação da CUT (DIRIGENTE SINDICAL DA CONLUTAS).
O fosso aberto entre a organização que a CUT foi no passado recente e o
que se tornou, nesses últimos tempos, é um desafio bastante concreto para o conjunto
da classe trabalhadora, sobretudo no que diz respeito à autonomia do movimento e a
resistência política frente as determinações capitalistas contemporâneas.
Dentro da Central esse transformismo vem sendo velado ou, pelo menos,
tratado como algo que não existe de fato. E as mudanças na conjuntura atual são
encaradas, na concepção das suas lideranças políticas, de forma bastante otimista na
perspectiva da classe trabalhadora. Como podemos perceber no conteúdo do seguinte
trecho da entrevista do dirigente da CUT:
A CUT percebe hoje, a classe trabalhadora passando por um período de
transição, depois de ser duramente submetida à lógica neoliberal fundamentada
na precarização do trabalho e na desregulamentação da economia. Depois de
anos de arrocho salarial, de desemprego e de informalidade na economia,
vivemos um momento de recuperação do emprego e do salário e de
perspectivas de resgate de direitos (DIRIGENTE SINDICAL DA CUT).
O conteúdo desta análise é demasiadamente ideológico. Parece-nos
completamente sem sustentação, pelo simples fato de não corresponder a realidade
sócio-histórica que vivemos. Desconsidera o contexto, a história, os ataques aos
direitos e as lutas coletivas dos trabalhadores, os retrocessos políticos daí decorrentes
e, claro, não consegue fazer uma crítica a postura política da própria central, tampouco
do PT e do seu governo. Muito pelo contrário, reproduz uma análise meramente
ideológica que é amplamente reiterada pelas entidades governistas.
Dessa forma, a central passa a considerar os limites da organização sindical,
a partir das problemáticas relacionadas à forma como, legal e obrigatoriamente, os
sindicatos devem se estruturar.
105
As principais dificuldades no plano sindical dizem respeito às limitações
impostas pela unicidade e pelo imposto sindical, que determinam graves
conseqüências políticas, e a necessidade de unificar uma pauta trabalhista e
política que possa mobilizar os trabalhadores com maior poder de intervenção
(DIRIGENTE SINDICAL DA CUT).
Na verdade, esta constatação é pouco ou nada coerente com a postura
adotada pela central no apoio as propostas da Reforma Sindical e Trabalhista,
apresentadas ao Congresso Nacional em 2005. Como sabemos as alterações,
adensadas nessa proposta, não romperam com os ranços da estrutura tradicional,
anterior as conquistas de 1988, que os dirigentes da CUT apontam como – realmente
são - desafios. Conforme Almeida (2009), a CUT, hoje, para justificar sua existência,
apega-se ao problema do imposto e da unicidade sindicais, do poder normativo da
justiça do trabalho, deixando de reconhecer que sua prática é igual a dos pelegos que
combatera, na década de 1980, quando do seu nascedouro.
É interessante observar que a despeito da estreita relação entre a central e
os núcleos majoritários do Partido da ordem (o PT), o dirigente cutista assinala para
uma perspectiva de articulação da central que prioriza
[...] alianças com setores da sociedade que possam significar na prática,
mudanças estruturais e institucionais que apontem para a viabilização de uma
sociedade mais justa, igual e democrática [...]. Daí a necessidade de mais do
que nunca fazermos a defesa da democratização do estado, da sua
participação direta no financiamento das políticas públicas, da infra-estrutura,
da regulamentação do sistema financeiro e da criação do emprego e da
qualificação do processo político brasileiro (DIRIGENTE SINDICAL DA CUT).
A reflexão feita por Aguena (2008) nos ajuda a identificar a perspectiva
política presente nessa fala. Para o autor, os sindicatos têm – enquanto se mantenham
numa posição reformista, ou seja, de adaptação à propriedade privada – de adaptar-se
ao Estado capitalista e de lutar pela sua cooperação. Aos olhos da burocracia sindical,
a tarefa principal é “liberar” o Estado de suas amarras capitalistas, de liberar sua
dependência dos monopólios e voltá-la a seu favor. “Esta posição harmoniza-se,
perfeitamente, com a posição social da aristocracia e da burocracia operárias, que
lutam por obter algumas migalhas do sobrelucro do imperialismo capitalista” (p. 200).
106
Como nos lembra Amaral (2009), a opção feita pela CUT, de abandono do
sindicalismo classista, abre mão, do ponto de vista teórico e ideológico, dos elementos
de análise da sociedade com base nos fundamentos marxianos (a teoria do valor, a
exploração e as classes sociais), em nome dos conceitos de democracia e cidadania.
Em síntese, não nos espanta que as alianças políticas realizadas pela CUT sejam feitas
na perspectiva de concretização dessas últimas. A utopia da transgressão histórica do
capitalismo parece ter se perdido no caminho ou ido para alhures. O que se sabe é que
não brilham mais, no horizonte dessa central, os intentos revolucionários socialistas.
Não há, nesse sentido, clareza, no conjunto da classe trabalhadora, sobre do
papel que o governo Lula cumpre. Na realidade, a decepção e a desilusão políticas com
o seu governo geraram uma espécie de confusão ideológica na consciência dos
trabalhadores, obstando, demasiadamente, o avanço da luta política.
Porém, os trabalhadores, na sua grande diversidade coletiva, não apenas
sofrem os rebatimentos dessa crise que, é objetiva, mas, também política, como
resistem as determinações dessa conjuntura. Há parcelas, cada vez maiores, de
trabalhadores que chegam a compreensão de que as expectativas de mudanças,
empenhadas em relação ao governo do PT, foram frustradas e que é preciso
demonstrar resistência, apesar de os instrumentos de luta, assim como foi a CUT,
estarem atualmente, na “trincheira do inimigo” (ALMEIDA, 2009, p. 70). É nessa
perspectiva, que nasce, nos anos 2000, a CONLUTAS, novo espaço de organização
dos trabalhadores, que analisaremos no próximo item.
3.3 A CONLUTAS como alternativa à organização da classe trabalhadora
A Coordenação Nacional de Lutas (CONLUTAS) nasce num contexto
bastante difícil para classe trabalhadora brasileira, profundamente distinto da conjuntura
107
social na qual foi criada a CUT83. Na realidade, o surgimento da CONLUTAS está,
intimamente, associado ao processo de degeneração política da Central Única dos
Trabalhadores.
Como sabemos, a CUT já vinha sofrendo alterações na sua ação política,
desde o início dos anos 1990. Os retrocessos, sinalizados nas mudanças internas na
central, ganharam profundidade com o advento do governo petista. Decorre que, a
despeito da inclinação neoliberal desse governo, a CUT não hesitou em manifestar seu
apoio político irrestrito ao governo do PT. Isto é, ao se aliar ao governo, a CUT acabou
facilitando a ofensiva das políticas neoliberais no campo dos direitos sociais e
trabalhistas.
Ainda que a própria existência de sindicatos fira o princípio liberal da iniciativa
do mercado, no plano concreto, podem se tornar funcionais aos governos neoliberais,
desde que um dos objetivos principais do neoliberalismo – a regressão dos direitos e a
supressão de qualquer barreira legal ou política que inviabilize a intensificação da
exploração da força de trabalho – seja garantido. Nada mais funcional, aos governos
neoliberais, do que negociar com sindicatos governistas, parceiros do capital, que se
limitam a atuar como intermediários na compra e venda da força de trabalho e oferecer
serviços relegados pelo Estado aos trabalhadores, induzindo-os ao individualismo, ao
conformismo e ao abandono de uma perspectiva sindical de classe (TRÓPIA, 2009).
Acontece que esse atrelamento não transcorreu de forma, unanimemente,
tranqüila. Alguns setores do movimento sindical cutista começaram a discordar
incisivamente da posição de apoio que o núcleo majoritário da central dispensara ao
governo. O apoio manifesto dos setores dirigentes da central as reformas sindical,
trabalhista e previdenciária do governo Lula, foi a gota d‟água para o definitivo
rompimento dos vetores sindicais mais combativos da CUT com o modelo preconizado
pela central.
83
O surgimento da CONLUTAS foi impulsionado especialmente pelo Partido Socialista dos Trabalhadores
Unificados (PSTU) e também por correntes que constituíram o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) (partido
recentemente fundado por setores dissidentes do PT) para ajudar na reorganização dos trabalhadores e unificação
das lutas. A entidade foi constituída como desdobramento do Encontro Nacional Sindical, que aconteceu em março
de 2004 em Luziânia (GO) e que reuniu mais de 1.800 dirigentes e ativistas sindicais e de movimentos sociais.
Apesar de ter natureza jurídica de central sindical, a CONLUTAS é composta por entidades sindicais, organizações
populares e movimentos sociais da classe trabalhadora, que têm como objetivo organizar a luta contra as reformas
neoliberais. O primeiro Congresso Nacional da CONLUTAS aconteceu em julho de 2008, em Betim – Minas Gerais.
108
Essa ruptura suscitou uma reorganização no movimento sindical, da qual
emergiram a CONLUTAS e a INTERSINDICAL84 como alternativas de esquerda ao pólo
cutista. Para os setores dissidentes não havia como unir os trabalhadores dentro da
CUT, porque esta não mais representa os interesses da classe trabalhadora pelo nível
de cooptação que se encontra e pelas vantagens e relações materiais que estabelece
com o governo.
Segundo o que consta no Caderno de Teses do 1º Congresso da
CONLUTAS, realizado em 2008, a INTERSINDICAL foi formada por segmentos
heterogêneos dissidentes da CUT, que possuíam alas de projetos internos distintos e
uma política mais moderada. Essas constatações acabaram impedindo o apoio do
PSTU, que posicionou-se de forma sectária, em relação a perspectiva de unificação da
INTERSINDICAL com a CONLUTAS. Contudo, havia resistência a esse processo por
parte da própria INTERSINDICAL.
Sobre a fragmentação dessa dissidência da CUT nos foi apontada a seguinte
questão pelo dirigente, entrevistado, da CONLUTAS:
Depois que a INTERSINDICAL conseguiu uma parte da CUT resolveu
permanecer, depois não conseguiu permanecer na CUT e saiu, mas não veio
ajudar a construir a CONLUTAS, construíram uma assembléia nacional popular
de esquerda, depois transformaram isso na Intersindical que é o que existe
hoje. É um agrupamento ainda pequeno menor do que a CONLUTAS, mas são
companheiros que tem representação em alguns setores do movimento. Nós
ficamos insistindo com eles para que a gente unifique forças. No movimento
popular esse processo é mais intenso, o movimento popular urbano é muito
intenso, houve a formação e divisão de várias organizações nesse período,
primeiro na década de 1980 depois na de 1990 e agora no começo dos anos
2000 tem muita mudança (DIRIGENTE SINDICAL DA CONLUTAS).
Não sabemos ao certo se há possibilidades reais para uma fusão dessas
centrais, dada as resistências que vêm se impondo até aqui, por parte das centrais ou
dos segmentos com os quais mantém estreita parceria política. Mesmo em meio a
essas divergências, essas centrais vêm conseguindo unificar lutas, encontros e pautas
políticas, nos processos de eleições sindicais e, especialmente, no combate as
reformas neoliberais.
84
109
É nessa ambiência de contraposição ao governo Lula e seus mandos
neoliberais, ao conjunto das suas contra-reformas, bem como as imposições do capital
financeiro internacional, que a CONLUTAS vem se definindo como uma central sindical
radicalmente renovada, com nítida perspectiva popular e de classe. A resistência que
esta central vem demonstrando, nesse contexto avassalador de degradação dos
direitos sociais e trabalhistas, tem desdobramentos contundentes, a exemplo da
contraposição que vem fazendo ao processo de atrelamento político-financeiro dos
sindicatos, previsto pela reforma sindical, seja pela forma de financiamento, através do
repasse do imposto sindical para as entidades, seja pela participação nos fóruns de
representação e negociação mediados pelo Estado. Sobre essa questão, assim reflete
o dirigente
Pra nós isso não interessa, porque não vamos participar disso, nós somos a
princípio contra. A legislação, ela tem o artigo primeiro que diz que as centrais,
elas são reconhecidas na medida em que são registradas pelos sindicatos que
a constituíram, então é isso que nos interessa. Nós fizemos e já recebemos, do
ministério do trabalho, a confirmação do cadastramento nosso. Então, a
CONLUTAS já está legalizada, agora vai haver o processo de aferição de
representatividade que é o quê: 100 sindicatos filiados a central de 5 setores da
economia diferentes, com pelo menos 20 sindicatos em três regiões do país
diferentes, 5% de associados dos sindicalizados do país. Temos como atender
esses critérios, a CONLUTAS tem hoje 170, 180 sindicatos filiados no país
inteiro, falta só cadastrar o nosso pessoal. Vai demorar um ano pra fazer isso,
agora pra nós não interfere porque nós já temos o registro e é o que nos
interessa. Por mais que seja feito o cadastro desses sindicatos lá, nós não
vamos participar do CONDEFAT, nem vamos participar do conselho da
previdência, nem vamos receber o dinheiro que eles retribuem. Então, essa
parte é inata, não tem validade. Então, o reconhecimento legal já se deu, nós já
encaminhamos a documentação fizemos o congresso em 2006, depois
resolvemos nesse congresso que houve agora, em julho, pedir o registro da
CONLUTAS, foi pedido e já foi dado. E o que a gente vai fazer com isso, o
dinheiro que vai ser passado para a CONLUTAS, nós vamos devolver para os
sindicatos para eles fazerem o que quiserem dele, devolver para a categoria,
usar nas despesas do sindicato, a maioria dos sindicatos recebem o imposto
sindical e utilizam esse dinheiro; essa é uma luta que fizemos (DIRIGENTE
SINDICAL DA CONLUTAS).
É interessante observar a dimensão contraditória que o elemento burocrático,
aqui apresentado, possui. Por um lado ele assegura a representatividade de um
coletivo, contudo, por outro obsta a luta do ponto de vista da autonomia política.
110
Entretanto, compreendemos que há controvérsias acerca dessa questão. Na
perspectiva dos interesses gerais da classe trabalhadora, esse último aspecto se
sobrepõe aquele primeiro. Pois, a representatividade é algo que só compete atribuição
por parte dos sujeitos que integram um determinado processo. No caso, o
reconhecimento dos sindicatos só cabe aos próprios trabalhadores que o conformam.
Em tese, nem o Estado, nem o capital deveria intervir nesse quesito. Mas, claro,
qualquer forma de inviabilização da autonomia política da classe trabalhadora consiste
dimensão estratégica para a manutenção da ordem.
É nesse sentido que, o atrelamento das estruturas sindicais ao Estado,
representa um dos maiores limites das organizações sindicais dos trabalhadores. A
ultrapassagem desse ranço histórico só poderá se efetivar a partir de organizações
verdadeiramente renovadas e radicalmente autônomas, que prezem, no movimento
político, os verdadeiros interesses e necessidades históricas e conjunturais dos
trabalhadores. Na concepção do dirigente da CONLUTAS
A condição necessária, indispensável para que uma organização possa
representar efetivamente os interesses de um determinado segmento da classe
trabalhadora é que ela seja independente do Estado, que o Estado não é
neutro, o Estado é capitalista, e dos patrões. Por quê? Porque os interesses
são antagônicos, não tem como estabelecer uma relação boa com o lado de cá
e para o lado de lá. Essa relação boa dos dois lados favorece o lado mais forte
e quem é o lado mais forte? Não somos nós, é o Estado, o capitalismo que está
estruturado da forma que está (DIRIGENTE SINDICAL DA CUNLUTAS).
De acordo com Almeida (2009), há, por parte de alguns vetores da esquerda,
certa incompreensão sobre o significado do projeto da CONLUTAS. Talvez essa
incompreensão esteja relacionada à inovação da modalidade de organização proposta
pelo projeto dessa entidade, que pretende ampliar a participação e unificar as lutas dos
trabalhadores sindicalizados, desempregados, dos movimentos sociais populares e
estudantis.
Temos a impressão que a perspectiva organizativa, proposta pela
CONLUTAS, corresponde, em parte, ao movimento que os trabalhadores necessitam
fazer para acompanhar as transformações da própria classe trabalhadora e definir uma
111
política, com perspectivas para a nova realidade, identificando os sujeitos que se
incorporam ao cenário da luta de classes brasileira (MOURA, 2008). Não se trata, a
partir dessa avaliação, de negar os espaços e potencialidades ainda existentes no
movimento sindical organizado e nos partidos referenciados na classe trabalhadora,
tampouco de uma diluição do sentido de classe, no âmbito dos seus espaços
organizativos, mas de difundi-lo no combate direto aos interesses capitalistas na luta
pela sobrevivência, seja referenciada pela terra, pelo emprego ou por moradia.
Ademais, essa nova expressão organizativa que a CONLUTAS vem pautando
se coloca na perspectiva de rompimento da incapacidade de parte dos segmentos
organizados de incorporar os novos sujeitos coletivos que surgem na cena política,
determinados pelos limites impostos pela agenda do neoliberalismo, que acaba criando
novas bases objetivas para a formação de novos movimentos organizados. Vale
salientar que, mesmo fragmentados, esses novos movimentos vêm se caracterizando
como importantes protagonistas das lutas políticas, nos últimos anos no Brasil
(MOURA, 2008) A unificação das lutas desses segmentos pode resultar em maior
qualidade das suas práticas políticas e intensificação das potencialidades combativas.
Ao aventar o rompimento com o corporativismo e o economicismo, presentes
no movimento sindical tradicional, a CONLUTAS inaugura um novo tipo de organização
para a classe trabalhadora brasileira. Em seu programa e em suas ações revela-se a
tentativa de junção da luta imediata com um programa de unificação e ação conjunta
com os movimentos sociais populares, para construção de uma nova sociedade,
valendo-se, também, da disputa institucional mediada pela ação dos partidos de
esquerda, em uma realidade que demanda novas estratégias e ferramentas de luta.
Vale lembrar que a classe trabalhadora brasileira é muito mais ampla que a
fração organizada em sindicatos. De acordo com Almeida (2009), no Brasil, hoje,
apenas 45% da classe trabalhadora ocupa as bases dos sindicatos. Esse contingente
corresponde aos trabalhadores que estão no mercado formal de trabalho, todavia, mais
da metade ainda está fora dele: os desempregados, os trabalhadores da economia
formal, os trabalhadores que militam nos movimentos pelo acesso a moradia, nos
movimentos de luta pela terra, dentre outros. Esses segmentos não podem ser
112
desconsiderados dos processos de luta que visam a construção do projeto político da
classe trabalhadora, pois compõem medularmente esta classe.
Na medida em que organizam apenas as camadas empregadas, os
sindicatos acabam deixando de discutir política para aqueles segmentos, deixam de
organizar setores mais proletarizados da classe trabalhadora e com tendências mais
explosivas. Muitas vezes, os desempregados são demitidos das empresas e dos
sindicatos. Geralmente, o vínculo político entre o trabalhador e o sindicato é firmado
pela condição do contrato de trabalho e é isso que expressa a dimensão economicista
da luta. Os partidos, por sua vez, em prol das táticas eleitorais ou de pactos de
governabilidade, acabam por distanciar-se dos enfrentamentos mais radicalizados
(MOURA, 2008). Ademais:
[...] sem luta de massa não tem mudança na estrutura social e econômica
deste país e os partidos sozinhos com as lutas políticas desvinculadas com a
reivindicação concreta dos trabalhadores não movem massa (DIRIGENTE
SINDICAL DA CONLUTAS).
Segundo os dirigentes da CONLUTAS, a organização da entidade tem como
escopo maior a realização de uma transformação social no país, ou melhor, uma
revolução protagonizada pela classe trabalhadora. O que não é, nem de longe, uma
tarefa fácil. Isso pressupõe um trabalho árduo de formação social de base popular,
fortemente articulado aos diversos setores de esquerda da classe trabalhadora
organizada.
Mas, a entidade parece estar bastante lúcida quanto aos desafios que seus
objetivos implicam, sobretudo, no que diz respeito a inovação do modo de organização,
conforme demonstra a fala de um dos seus dirigentes
a nossa arte vai ser de buscar, ir convencendo, construindo uma massa crítica
no interior da classe trabalhadora e das suas lutas, que não vai ter como ter o
emprego, o salário, o direito que vai ser eliminado com a crise, se não abolir a
propriedade privada e se fizer uma revolução. Então, é essa dinâmica que tem
que ser construída. Esse problema da estratégia socialista da nossa luta não é
um problema menor, porque não tínhamos essa estratégia quando fundamos a
CUT e quando se fundou o PT também [...] (DIRIGENTE SINDICAL DA
CONLUTAS).
113
Quanto ao direcionamento político da CONLUTAS, principalmente no que
concerne a composição da sua diretoria, nos foi sinalizado o seguinte:
Nós estamos construindo uma organização que não tem ninguém com mandato
fixo, tipo um grupo que pode chegar e decidir pela entidade, o que vai ser feito
pela entidade, nós funcionamos como coordenação de lutas. Toda reunião, a
Reunião Nacional da CONLUTAS, ela acontece a cada dois meses, cada
sindicato, que faz parte da CONLUTAS, manda sua representação e essas
pessoas coletivamente discutem e decidem o que é que a CONLUTAS vai
fazer. Então, a cada reunião se quiser mudar a pessoa muda. Dessa forma não
há possibilidade de uma direção da CONLUTAS votar algo que os sindicatos
não queiram, porque vai ser os sindicatos e as entidades que fazem parte da
CONLUTAS que vão decidir (DIRIGENTE SINDICAL DA CUNLUTAS).
.
Parece-nos que a tentativa de descentralização das decisões políticas,
indicada pela CONLUTAS, está pautada numa perspectiva de rompimento com a
prática política da democracia representativa, amplamente reproduzida pelas instâncias
colegiadas de representação político-coletiva. Na verdade, a proposta que a
CONLUTAS traz nesse aspecto, é uma prática eminentemente inovadora no quadro
das experiências sindicais, nas quais as decisões políticas são, na sua grande maioria,
deliberadas pelas cúpulas dirigentes das entidades. O fato é que a concretização dessa
proposta pressupõe das entidades envolvidas condições objetivas e políticas para
viabilizar a participação de militantes nos espaços deliberativos. Apesar da intenção ser
interessante, a fala não esclarece questões práticas, sobre como são realizados os
encaminhamentos e a coordenação dos processos de discussão e deliberação; os
procedimentos de escolha da representação entre os pares; a operacionalização das
definições coletivas, dentre outras questões que a entidade não pode perder de vista,
ainda que pareçam pragmáticas. É bem verdade que, essas inovações em curso,
podem se processar de forma a aperfeiçoar o processo da participação política. No
fundo, a experiência histórica demonstrará os caminhos a serem seguidos.
114
[...] nós definimos as tarefas da CONLUTAS e achamos que essa deve ser a
forma adotada por todas as reorganizações que tenham de fato compromisso
com a emancipação da classe trabalhadora com a tarefa de desenvolver,
impulsionar, potencializar a luta concreta dos trabalhadores, a luta em defesa
das suas reivindicações econômicas, de fato, estreitamente vinculada com a
luta política geral [...]. Isso vai se materializar em políticas concretas a depender
da situação política em que nós vivemos (DIRIGENTE SINDICAL DA
CUNLUTAS).
Com todos os limites postos para uma ação política efetivamente autônoma e
libertária, a CONLUTAS vem enfrentando um dos maiores desafios, postos a classe
trabalhadora, nesse contexto defensivo em que vivemos que é o de efetivar uma ação
sindical que dê respostas as necessidades imediatas do mundo do trabalho,
preservando elementos de uma estratégia anticapitalista e socialista (ANTUNES 1995).
Embora, a resistência encampada pelos segmentos que conformam a
CONLUTAS, ainda, não possua força orgânica suficientemente capaz de revitalizar a
perspectiva revolucionária no conjunto das massas trabalhadoras, vem afirmando, na
dinamicidade histórica da conjuntura presente, a possibilidade de construir um projeto
amplo, que possa referenciar as lutas coletivas dos trabalhadores brasileiros sob outras
bases, com vista ao revigoramento do socialismo enquanto projeto emancipatório.
Mesmo reconhecendo essa possibilidade, não ousamos praticar, nessa
análise, qualquer antecipação a respeito dos seus desdobramentos futuros. A dialética
política está aberta a história, muitas tendências poderão se redefinir nesse tempo
nebuloso que atravessamos. Por outro lado, não podemos esquecer sob quais
circunstâncias nasce essa nova central, que apesar de ter se erguido numa perspectiva
dissonante da ordem, surge, como nos lembra o trecho da entrevista
[...] [de] um processo de reorganização fruto dessa crise que foi aberta,
particularmente, a partir da chegada do Lula ao governo e pela cooptação da
maior parte das reorganizações que nós possuímos no momento anterior. Mas,
ainda é um processo em curso, não é um processo que está fechado, que não
está acabado, nós vamos ver muitos desdobramentos ainda nos próximos dois,
três, quatro anos (DIRIGENTE SINDICAL DA CONLUTAS).
115
Vale salientar que, no fundo, o que está em jogo, nesse momento, não é a
luta política em si, mas “a capacidade das forças anticapitalistas em construir um
projeto político emancipatório frente ao capital e, neste sentido, é uma condição
essencial: discernir as armadilhas liberais para delas se diferenciar” (SANTOS, 2007, p.
29). Assim, a predisposição atual da CONLUTAS é indicativa de um processo
transformador, mas há um longo caminho a percorrer para que seu projeto ganhe
solidez no âmbito das lutas sociais e, nesse momento, são muitos os desafios a serem
enfrentados, oriundos, em boa parte, de frustrações políticas, marcadas por um
contexto social nada favorável para as lutas do trabalho.
A partir dessas considerações, sobre as tendências do movimento sindical e
da luta política da classe trabalhadora, cabe situar, no contexto dessas inflexões e
desafios, a particularidade da organização sindical da categoria dos assistentes sociais
no Brasil, contemporâneo. Esta problemática consiste objeto das reflexões trabalhadas
na seção seguinte.
116
4. A organização sindical dos assistentes sociais na realidade brasileira: dilemas
e desafios atuais
Nessa seção problematizaremos a dinâmica de organização sindical dos
assistentes sociais, no Brasil. Trataremos das polêmicas, existentes no interior dos
debates da categoria profissional, acerca dos principais dilemas e desafios da
organização sindical dos assistentes sociais, no contexto contemporâneo.
Nesse
sentido,
consideramos
ser
necessário,
iniciarmos,
esta
problematização, contextualizando historicamente o percurso político das entidades
sindicais nacionais, notadamente, ANAS85 e FENAS, considerando, nessa dialética
trajetória, as implicações conjunturais adversas que, impulsionaram o surgimento (e
extinção, no caso da ANAS) desses organismos de articulação da luta sindical dos
assistentes sociais.
4.1 A trajetória da organização sindical da categoria: da ANAS a FENAS
O percurso da organização sindical dos assistentes sociais, no Brasil, teve
início antes mesmo do surgimento do novo sindicalismo86.
85
No que diz respeito à trajetória da ANAS, iremos destacar, apenas, aspectos mais gerais do seu percurso. Um
rigoroso detalhamento da trajetória política, dessa entidade, pode ser encontrado no livro O Novo Sindicalismo e o
Serviço Social de autoria de Abramides e Cabral (1995).
86
De acordo com Delgado (1997) as primeiras formas de organização profissional dos assistentes sociais surgiram
no Brasil, antes de 1964, mas, sofreram os reveses advindos do golpe militar que atingiram fortemente todas as
formas de organização da classe trabalhadora, em geral, bem como, os mecanismos de expressão e manifestação
da sociedade. Segundo a autora, algumas entidades pré-sindicais foram criadas e outras reativadas no contexto do
novo sindicalismo, no final dos anos 1970.
117
No entanto, o período de ebulição e de maior expressão das lutas sindicais
da categoria, se insere no contexto de rearticulação das lutas mais gerais da população
brasileira, na conjuntura de erosão do regime militar, entre os anos 1970 e 1980. O
período é balizado pela retomada do poder de mobilização dos trabalhadores,
notadamente, a partir das greves do ABC paulista que, disseminaram-se, como
mecanismos de afirmação da luta política da classe trabalhadora, naquele período.
No processo de reorganização das lutas dos trabalhadores, os assistentes
sociais reiniciaram a sua organização, por meio da articulação de suas entidades
sindicais, em todo o país, a partir de 1977. Esse processo de articulação ocorre de
maneira intensa e dinâmica, devido à efervescência da luta política no campo do novo
sindicalismo. Nesse processo de politização das entidades profissionais da categoria, a
rearticulação das entidades sindicais ganhou uma reverberação mais significativa, dado
o desempenho que tiveram no avanço político deslanchado na construção do atual
projeto profissional, a partir da sua mediação política nos espaços de atuação das
entidades profissionais, com o trato de questões mais específicas do Serviço Social,
bem como dos processos organizativos de outros segmentos de classe, inseridos nas
lutas mais gerais da classe trabalhadora brasileira.
Nos dois primeiros encontros das entidades sindicais da categoria, realizados
em 1978, os profissionais despertaram para a necessidade da criação de um
mecanismo político, para o encaminhamento das suas lutas, em nível nacional. Sendo
criada, logo, no encontro seguinte, no ano de 1979, a Comissão executiva Nacional de
Entidades Sindicais de Assistentes Sociais (CENEAS), que passou a coordenar os
eventos da categoria, a articular e encaminhar as lutas sindicais. A pauta do encontro
de fundação da CENEAS tinha como principais pontos: as lutas nacionais com
destaque para o salário mínimo profissional; questões organizativas com relação à
transformação das Associações Pré-sindicais (APAS) em sindicatos e, por último, o III
Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS).
Sobre este último ponto, as entidades presentes no encontro, fizeram uma
avaliação relativa ao congresso, a partir da qual, deliberou-se uma ação interventiva
sobre alguns aspectos inerentes à programação e a natureza de sua orientação, quais
sejam: a falta de democracia no processo de preparação do evento que, não pressupôs
118
consulta aos assistentes sociais sobre nenhum aspecto; a forma de organização que
impediu a participação maciça dos profissionais, devido a incompatibilidade objetiva
entre os custos da participação e realidade salarial dos assistentes sociais brasileiros;
limitação da participação estudantil; a definição do tema sem que os assistentes sociais
fossem consultados, além da sua incoerência com o momento histórico e, por último; o
repúdio ao convite de honra feito aos representantes do governo militar (ABRAMIDES e
CABRAL, 1995).
Ao rechaçarem essa programação elitista, as entidades realizaram uma
assembléia paralela a esta programação oficial, no interior do evento, contando com a
participação de aproximadamente 600 profissionais, o que contribuiu para impulsionar
um novo rumo ao congresso. Nesse fórum foi discutido o significado social da
profissão, naquela conjuntura e, nesse sentido, os setores da categoria, organizados
nas entidades sindicais avaliaram que as plenárias do congresso deveriam apresentar
propostas de orientação crítica e democrática, o que definiu a ruptura, naquele evento,
com o conservadorismo, até então, advindo do segmento profissional, que estava
sempre à frente do evento e há muito tempo detinha, também, as direções do Conjunto
CFAS/CRAS.
Entre as propostas discutidas e aprovadas destacam-se: a assunção dos
sindicatos e associações de classe, representativos da categoria, da organização dos
próximos CBAS; repúdio à participação limitada de estudantes; cancelamento das
despesas com as atividades sociais do congresso e destinação ao Fundo de Greve dos
trabalhadores brasileiros; discussão de salários e as condições de trabalho dos
assistentes sociais, durante o congresso; participação de representantes das
comunidades e das lideranças sindicais em todas as mesas e painéis do congresso.
Um momento expressivo do evento foi a destituição da comissão de honra, constituída
por autoridades federais, sendo substituída pela homenagem a todos os trabalhadores
que lutaram e morreram pelas liberdades democráticas. Do mesmo modo, a sessão de
encerramento do congresso teve a composição da mesa diversa da proposta oficial,
passando, assim, a participar líderes sindicais e militantes de diversos movimentos
sociais (ABRAMIDES e CABRAL,1995).
119
O “Congresso da Virada” como ficou conhecido, notadamente, pelo conteúdo
crítico e, propositivamente, democrático inserido nesse espaço, a partir da referida
intervenção, demarcou, às entidades sindicais, um notório fortalecimento, o que fez
com que, os eventos posteriores, ficassem sob a direção da CENEAS. Esse fato
conferiu alterações substantivas aos eventos da categoria, devido à evidente
incorporação da luta política e social que eclodia na sociedade brasileira, através da
emersão de novos sujeitos coletivos, na cena nacional, fazendo com que, por meio da
afirmação do seu compromisso com os interesses imediatos e históricos da classe
trabalhadora, se alavancasse um passo muito importante, rumo à construção de um
projeto profissional compatível com um projeto de sociedade justa e igualitária.
De acordo com Abramides e Cabral (1995), o IV CBAS teve um conteúdo
basicamente sindical, o que levou a deliberação pela realização da I Assembléia
Nacional Sindical dos Assistentes Sociais, passando a se constituir como fórum
máximo de deliberação sindical e apontou a criação de uma nova entidade sindical
nacional, já que a CENEAS havia cumprido seu papel articulador. A partir de então, a
categoria começou a preparar as condições necessárias para o surgimento da
Associação Nacional dos Assistentes sociais (ANAS).
A criação dessa entidade demarca, consideravelmente, um salto de
qualidade na organização político-sindical dos assistentes sociais, pois emerge numa
conjuntura importante para a classe trabalhadora, balizada pelo surgimento da CUT.
Nessa direção é que:
Em seus onze anos de existência, a ANAS trilha um caminho de organização e
luta, de democracia interna, de inserção na luta dos trabalhadores em serviço
público e no conjunto da classe trabalhadora e de articulação com o movimento
87
da categoria no continente latino-americano (ABRAMIDES e CABRAL, 1995,
p. 132).
87
Essa articulação é facilitada pelo convênio mantido com o Centro Latino-Americano de Trabalho Social (CELATS),
organismo acadêmico da Associação Latino-Americana de Escolas de Trabalho Social (ALAETS), criada em 1965,
no contexto da Reconceituação profissional. O CELATS jogou um papel político muito importante no continente
latino-americano e caribenho, não apenas, do ponto de vista acadêmico, como também, da organização
gremial/sindical e estudantil. Durante toda década de 1980, a vinculação com o CELATS, foi bastante estreita e
decisiva no processo de construção da organização sindical no nosso país (ABRAMIDES e CABRAL, 1995). No 33º
Congresso Mundial de Escolas de Serviço Social, realizado em 2006 no Chile, foi aprovada na Assembléia da
ALAETS, em 30 de agosto, a criação de uma nova entidade denominada “Articulación Latinoamericana de
Enseñanza y Investigación em Trabajo Social – ALAEITS”.
120
O movimento da categoria segue, através da ANAS, articulando-se com o
conjunto da classe trabalhadora, a partir dos seus sindicatos e dos vários movimentos
sociais do campo da esquerda, na formação e organização das respostas a situação da
exploração e miséria da classe trabalhadora. Esse processo se torna mais
programático, a partir da filiação da ANAS, juntamente com vinte entidades de base (18
sindicatos e 02 associações pró-sindicais) à CUT, em 1985.
Vale salientar, que este número de entidades não totalizava o quadro das
entidades da categoria. Havendo, ainda, dois sindicatos filiados a Central Geral dos
Trabalhadores (CGT); três sindicatos sem filiação, mas com diretorias alinhadas a esta
central; seis entidades sem filiação com diretoria vinculada ao pólo cutista. Numa
avaliação mais criteriosa, levando-se em consideração às correlações de forças no
interior das Assembléias nacionais, Abramides e Cabral (1995) apontam para uma
definição em termos percentuais, sobre o campo de influência das centrais, de 80%
para a CUT contra 20% da CGT, o que demonstra a efetivação do plano político
traçado pela ANAS, na estratégia de vinculação das suas entidades sindicais, a um
campo mais crítico e combativo.
A origem e a trajetória da ANAS são marcadas por um rompimento com a
estrutura oficial que vai desde a sua concepção, que incorpora sindicatos e
associações, à democracia interna refletida nas suas instâncias de representação e
deliberação, ao processo eleitoral decidido pela categoria (ABRAMIDES e CABRAL,
1995). A realidade dessa dinâmica fez com que fosse negada a ANAS a concessão da
carta sindical, quando da tentativa de oficialização da entidade, entre os anos de 1983
e 1987. Através de parecer oficial o Ministério do Trabalho argumentara que, por se
tratar de uma associação profissional constituída fora da Consolidação das Leis
Trabalhistas (CLT), não poderia requerer a carta sindical.
Diante disso, a categoria conseguiu, mais uma vez, demonstrar resistência
às implicações que impeliam o seu retrocesso a estrutura oficial, ao deliberar, por
unanimidade, a legitimação e consolidação da ANAS como federação da categoria, no
decorrer da III Assembléia Nacional de Assistentes sociais - ANAS, em 1987. Os
sindicatos de base a ela filiados legitimaram esse processo por considerarem que os
121
critérios definidos pelo Estado não garantiam a autêntica representatividade dos
trabalhadores. Assim, durante a III ANAS, a categoria profissional decidiu que não
reconheceria nenhum outro fórum de representatividade sindical nacional, senão a
ANAS. Independentemente do reconhecimento oficial, a ANAS não deixou de articular
as lutas sindicais da categoria dos assistentes sociais.
No tocante às lutas específicas da categoria, destacamos, nessa análise, os
desdobramentos e as implicações da luta pela implantação do Plano de Cargos
Carreiras e Salários dos servidores públicos federais, especialmente, a reivindicação
pela justa posição dos assistentes sociais, sendo, “a primeira luta nacional que ocorre
de forma unificada” (ABRAMIDES e CABRAL, 1995, p. 161); as mobilizações pelo
Salário Mínimo Profissional (SMP), por condições de trabalho, salário e carga horária
do assistente social.
A questão salarial sempre consistiu causa de luta dos segmentos sindicais,
desde o período de rearticulação dos sindicatos. Por essa razão, a categoria
profissional procurou construir uma argumentação política contundente, para
desenvolver de forma qualificada a luta por melhorias salariais. Essa decisão política
impulsionou a CENEAS a encomendar uma pesquisa formal, ao DIEESE, em 1981,
sobre as condições salariais e de trabalho dos assistentes sociais, no Brasil. Os
resultados dessa pesquisa revelaram, sobre a categoria de assistentes sociais, a
seguinte
composição
majoritária:
mulheres,
empregadas
no
serviço
público,
assalariadas com jornada de 40 a 45 horas de trabalho, mal remuneradas. “Essas
características
a
identificam
como
parte
integrante
da
classe
trabalhadora”
(ABRAMIDES CABRAL, 1995, p. 163).
Os dados colhidos nessa pesquisa concluída, em 1982, contribuíram no
processo de discussão e elaboração, conjunta dos sindicatos da categoria, do projeto
de lei sobre condições de trabalho, salário e carga horária do assistente social. Este
projeto de lei entra em tramitação, no Congresso Nacional, em 1984. A partir de então,
a ANAS iniciou um processo de mobilização da categoria para o acompanhamento
dessa tramitação, através da formação e ida de caravanas de seus representantes e
entidades filiadas, à Brasília.
122
O projeto chegou a ser aprovado, mas com inúmeras emendas, o que
expressou significativa descaracterização e, um verdadeiro bombardeio às garantias
que a categoria tentava conquistar, através da mediação formal da lei. Concluída a
votação nas duas casas do Congresso, o referido projeto foi lançado à sanção
presidencial e recebeu o veto. Apesar de toda a resistência na continuidade das
mobilizações, a categoria não conseguiu lograr êxito sobre esta questão.
O fracasso dessa luta fez com que se abatesse sobre os sindicatos e a
ANAS, um desestímulo profundo. Ora, a mobilização pela conquista do SMP e de
outras garantias previstas no projeto de lei, consistiu em um processo, sobretudo,
político de luta unificada pelos interesses profissionais, que se conquistados, poderia,
repercutir na melhoria das condições de trabalho e desempenho das atividades
profissionais. Mesmo sem alcançar o fim desejado, esta luta não perdeu o mérito
político, expresso pela força e capacidade de organização, demonstrado pela
categoria, naquela conjuntura.
Na segunda metade dos anos 1980, o sindicalismo brasileiro foi acometido
por uma forte onda de desestímulo político. Tratava-se do prelúdio das refrações da
dinâmica de recomposição do capital, que, começava dispensar ataques aos processos
de luta da classe trabalhadora, na particularidade brasileira, ainda, que se tratando, de
um contexto de redemocratização, no qual emergiam forças políticas combativas,
representadas, em sua grande maioria, pela CUT e pelo PT, como principais
expressões da ascensão e do fortalecimento da classe trabalhadora, nesse país.
Nessa época, os sindicatos dos assistentes sociais, no país inteiro e, em sua
instância nacional, ANAS, como já apontamos, começam a experimentar o desalento
das forças pelo fracasso da luta pela SMP, como, também, pelo desfavorecimento da
correlação de forças, na conjuntura que se traçava no fim desta década. O contexto
sócio-político, não era mais favorável às lutas e reivindicações dos trabalhadores e,
isso, demandava uma nova estratégia de organização sindical, com vistas ao
fortalecimento da união da classe trabalhadora e reversão do quadro de marasmos e
descenso que se instalava, nesse período.
Nesse sentido, a categoria passou a encampar outras lutas conseguindo,
estabelecer, em 1988, junto ao Fórum das Entidades Nacionais de Profissionais
123
Liberais, como referência unitária de luta, três salários mínimos reais para trinta horas
semanais, para os profissionais de nível universitário. Essa experiência conferiu à
categoria “um avanço no sentido de atuar no interior do ramo de atividade, de forma
conjunta com as entidades sindicais, bem como com outras categorias de nível
universitário” (ABRAMIDES e CABRAL, 1995, p. 168).
Contudo, a essa altura, as entidades sindicais de assistentes sociais
começaram a sofrem um esvaziamento expressivo, o que fez se aprofundar, no interior
da ANAS e dos seus sindicatos, a discussão sobre a transição aos ramos, culminando
esse processo, com a extinção da ANAS, em 1994.
Nesse sentido, grande parte dos sindicatos da categoria começou a ser
dissolvida. Não obstante, pouco proporcional foi a transição das suas bases
profissionais filiadas para outras instâncias de representação sindical. Mesmo tendo
sido deliberada coletivamente a transição da filiação para os sindicatos de ramos de
atividade. A inserção se daria segundo a área de inserção de cada profissional. Nesse
sentido, “aspectos comuns e diferenciados das categorias são demarcados,
objetivando concretizar, a partir do movimento de organização e luta a transitoriedade”
(ABRAMIDES e CABRAL, 1995, p. 113).
Em meio a esse processo, surgiram propostas que atentavam para a
necessidade da construção de mecanismos e espaços para as especificidades de cada
profissão. Portanto, a transitoriedade nesse momento significou, de um lado, inserir
sindicalmente a categoria nos diferentes ramos a que se vincula, e de outro, iniciar,
com o conjunto das entidades da categoria, o processo de discussão que possibilitasse
a construção de um espaço unitário que desse conta das questões da profissão, no
caso, a construção de uma “entidade única” 88 (ABRAMIDES e CABRAL, 1995, grifos
nossos).
No período em que foi travada a discussão sobre a proposta da referida
transitoriedade, a categoria se reuniu em diversos momentos, nos quais todas as
entidades organizativas da profissão se fizeram presentes, para amadurecer a idéia e
avançar na construção de uma entidade única para a categoria, capaz de contemplar
as questões próprias da profissão, seguindo deliberação do congresso sindical nacional
88
Na realidade latina americana, Abramides e Cabral (1995), relatam que há uma
124
da categoria, mais especificamente, da IV Assembléia Nacional Sindical dos
Assistentes Sociais (ANAS), em 1989.
Dos vários momentos de articulação, construídos com a finalidade de discutir
esse processo, fazemos destaque, para o seminário sobre a organização Política dos
assistentes sociais, realizado pelo Conselho Regional de Assistentes Sociais 9ª região
e suas delegacias, sindicatos, CFAS, ABESS e SESSUNE, em São Paulo, no início de
1991. O evento envolveu vários profissionais da categoria, em torno dessa discussão e
por unanimidade, os posicionamentos decidiam pelo ingresso dos profissionais nos
ramos de atividades, tendo em vista a situação em que se encontravam os sindicatos
da categoria. Sobre este último aspecto, de modo ilustrativo, segue um trecho da fala
da assistente social, Vanda Aparecida Orenha, do sindicato de assistentes sociais de
São Paulo, no qual, expressa a reflexão do conjunto de sujeitos que conformavam esta
entidade, sobre as limitações para a sua manutenção:
Nossa avaliação é que, desde a não aprovação do salário mínimo profissional,
os sindicatos e a própria ANAS, não conseguiram retomar um trabalho com a
categoria que pudesse encaminhar massivamente as lutas específicas dos
assistentes sociais. Isso explica, pelo menos em parte, o desinteresse da
categoria em se sindicalizar. Temos hoje, também, desde a gestão anterior,
diretorias fragilizadas e esvaziadas que não conseguem desenvolver um
trabalho com o conjunto dos Assistentes Sociais [...] nossa proposta é de
priorizar o engajamento ao Departamento de saúde, Previdência e Assistência
Social da CUT estadual [...] avaliamos que não faz sentido a existência do
sindicato da forma como ele está funcionando. Por isso, nossa proposta a ser
discutida com a categoria em todos os eventos desse ano [...] é da viabilidade
ou não de sua continuidade. (CRAS 9ª região, 1991, fl. 13-14).
Porém, na discussão sobre a criação da entidade única, as opiniões
diferiram-se, o que pressupôs uma polêmica maior sobre a questão. A diversidade de
opinião pode ser conferida, a partir da argumentação feita por Matilde Andery Silva,
representante da ABESS Sul II e, da reflexão exprimida, por Vanda Orenha, a respeito
dessa questão, respectivamente, nos trechos a seguir:
A fusão das três instâncias, neste momento, não corresponde às necessidades
de seu desenvolvimento interno. O processo de construção de uma nova
125
proposta de entidade, só pode ser produto de processos vividos pelas suas
bases e não decisão das vanguardas [...] é frágil à preocupação com a
pulverização de quadros como argumento para a fusão dessas instâncias, não
podemos colocar dificuldades de quadros e precariedade financeira à frente da
questão política e histórica (CRAS 9ª região, 1991, fl. 20).
No nosso entendimento, essa entidade única deveria ser capaz de coordenar
as lutas específicas, ter uma estrutura ágil na tomada de decisões coletivas; ser
mais viável economicamente, menos fragmentada e consiga dar respostas às
questões colocadas para o Serviço Social em nossa sociedade (CRAS 9ª
região, 1991, fl. 14).
Temos clareza de que a divergência de opinião faz parte de todo e qualquer
processo de discussão, sendo, inclusive, um dos componentes, do processo dialético
da construção coletiva. Sempre foi salutar essa dinâmica de confrontação plural de
idéias e opiniões dos sujeitos, para o enriquecimento do aprendizado e para a
legitimação das decisões nos processos coletivos.
Esse debate se deu por mais algum tempo, até se chegar à decisão de que,
seria inviável a criação da entidade única e, conseqüentemente, sua manutenção,
devido à incongruência entre as naturezas específicas de cada entidade. Então,
decidiu-se pela continuidade do processo de fortalecimento da articulação entre as
mesmas, no entanto, sem se fazer à fusão que havia sido sugerida; bem como pelo
prosseguimento da transição dos sindicatos profissionais para os de ramo de atividade,
pois, além de ser uma forma de avançar no rompimento e combate à dinâmica
corporativista (impingida nesse modelo de organização sindical), o contexto sóciopolítico, não era mais favorável às lutas e reivindicações dos trabalhadores e, isso,
demandava uma nova estratégia de organização sindical, com vistas ao fortalecimento
da união da classe trabalhadora e reversão do quadro de descenso que se instalava no
âmbito da ação sindical da categoria, desde o final dos anos 1980.
Deliberada à extinção da entidade nacional, ficaram, os sindicatos de base,
encarregados de conduzir o desafiante processo de transição das suas bases filiadas
(os profissionais) para os sindicatos por ramo de atividade, conforme decisão coletiva
126
da categoria, na última assembléia nacional da ANAS, em 1994. Nesse fórum, ficou
acordado que, o processo de transição, deveria ser efetivado conforme a peculiaridade
dos processos de cada entidade (sindicato de base), para que se pudesse garantir uma
ampla participação da categoria noutros processos da luta sindical.
Abramides (2009) lembra que das 28 entidades sindicais existem no país, 23
se extinguiram e por processos bastante diferenciados: muitas entidades encontravamse bem esvaziadas; outras encerraram temporariamente; outras realizaram seminários
e ou assembléias, como forma de orientar seus filiados a se inserirem ou construírem
os sindicatos por ramo de atividade.
Mesmo em meio a todas as dificuldades de funcionamento que se
apresentavam e a despeito da deliberação coletiva no interior da ANAS, que levou a
categoria deliberar pela dissolução dos seus sindicatos e passar a compor a nova
estrutura sindical proposta pela CUT, alguns sindicatos da categoria mantiveram-se
abertos, em alguns estados89. Permaneceram abertos cerca de cinco sindicatos da
categoria. Alguns desses sindicatos já haviam sido destituídos, mas foram reabertos,
no final da década de 1990 e início dos anos 200090.
A articulação nacional desses sindicatos deu origem, no ano de 2000, a
Federação Nacional dos Assistentes Sociais (FENAS), durante a 1ª Assembléia
Nacional Sindical dos Assistentes Sociais, ocorrida no período de 28 a 29 de novembro
do referido ano, na cidade do Rio de Janeiro. Segundo o artigo 3º do seu estatuto
social, a FENAS se rege pelos seguintes princípios:
I- defender a organização dos Assistentes Sociais, com total
independência frente ao Estado e autonomia em relação aos partidos e
agrupamentos políticos, aos credores e instituições religiosas, devendo
decidir livremente suas formas de organização, filiação e suas
sustentação material; II- garantir o exercício da democracia em todos os
seus organismos e instâncias, assegurando completa liberdade de
expressão aos seus filiados; III- defender a unidade dos Assistentes
Sociais como um dos pilares básicos de sustentação de suas lutas e
conquistas (2000, p.1-2).
89
Nos Estados do Ceará, Alagoas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (dois).
Como sabemos, grande parte dos sindicatos profissionais da categoria foi extinta. Houve resistência de alguns
sindicatos que se mantém até hoje. Atualmente, o quadro remanescente compreende o número de 11 (onze)
sindicatos, filiados a FENAS, localizados nos Estados do Rio de Janeiro, Ceará, Rio Grande do Sul (dois sindicatos,
um em Caxias do Sul), Alagoas, São Paulo, Pará, Maranhão, Paraná, Recife e Amazonas e 5 (cinco) associações
pró-sindicatos nos Estados de Santa Catarina, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Sergipe e na cidade de Brasília.
90
127
Para justificar o seu surgimento, a FENAS difunde a análise de que, desde a
extinção da ANAS, houve uma fragilização da organização sindical da categoria, tendo
em vista que, a sindicalização por ramo não avançou, justamente porque, diferente do
que ocorreram com as entidades sindicais dos assistentes sociais, outras categorias
mantiveram seus sindicatos e federações, o que suscitou um isolamento e
desarticulação das lutas específicas da categoria, além de manter a base sem
representação sindical.
Esses argumentos, apresentados pela FENAS, parecem relegar as
determinações históricas que impeliram a supressão dos sindicatos da categoria.
Nesse sentido, é preciso considerar algumas questões de fundo, para termos um
melhor entendimento do real significado da criação dessa entidade.
A idéia de que a fragilização da organização sindical da categoria se abateu,
devido à extinção da ANAS, inverte o sentido do processo real. Sendo, a extinção dos
sindicatos e da sua entidade nacional, determinada por questões de ordem sócioeconômica e políticas bastante difíceis. Ora, o desfavorecimento conjuntural91 da
época, para as lutas do trabalho, determinou grandes mudanças na organização do
trabalho, desorganizando-o, inclusive92.
Outra questão é que, se é bem verdade que a transição aos sindicatos de
ramo não teve ressonância em outras categorias profissionais, como houve com a
nossa não significa dizer que, a base profissional dos assistentes sociais ficou sem
representação. A orientação da condução dos profissionais aos sindicatos por ramo de
atividade e de contratação foi uma escolha precedida de uma discussão democrática,
transparente e participativa, realizada em vários eventos construídos para tal fim. Esta
tomada pela decisão da categoria refletiu tanto a maturidade política com relação à
ruptura com a modalidade corporativista do encaminhamento das lutas, na perspectiva
91
Desenhava-se a reação conservadora neoliberal, a mundialização do capital e a reestruturação produtiva flexível,
desembocando no fenômeno do desemprego estrutural e da precarização do trabalho, combinada com a derrota do
projeto de radicalização da democracia no Brasil. A derrota do campo da esquerda, nas eleições de 1989, abriu alas
para um profundo regresso político de reformas neoliberais, no nosso país.
92
Não podemos, aqui, dissimular os rebatimentos causados, pela alteração na relação capital-trabalho, na dimensão
organizativa da classe trabalhadora, considerando o processo de dessindicalização e desalento das lutas do
trabalho, em relação a combatividade programática, das décadas passadas. Hoje, o desdobramento das lutas se dá,
cada vez mais, de modo, insulado, focalizado e defensivo.
128
de promover uma articulação unitária da classe trabalhadora; quanto uma saída
estratégica à situação de marasmo, instalada, no interior dos sindicatos profissionais da
categoria, naquele contexto.
Sobre essa realidade Abramides (2009), assinala que o movimento de
dissolução dos sindicatos de assistentes sociais ocorreu de forma concomitante à
criação e ao fortalecimento dos sindicatos gerais e por contratação, o que reforçou,
politicamente, o debate da categoria sobre o fechamento dos sindicatos específicos.
Nesse sentido, a autora chama a atenção para o incentivo, realizado no período da
transição aos ramos, à participação e à filiação dos sindicatos de contratação ou
gerais, cujo resultado pode ser verificado pela taxa de sindicalização dos assistentes
sociais de 30%, enquanto a média de filiação de outras categorias de trabalhadores
atinge apenas 19%, porcentagem considerada elevada em relação aos índices médios
de sindicalização no país (ABRAMIDES, 2009).
O fato de outras categorias manterem seus sindicatos, não é motivo,
substancialmente, convincente para reverter, dentro dos setores majoritários do Serviço
Social, um encaminhamento tão caro, como foi a decisão da extinção das entidades
sindicais da categoria profissional. Os trabalhadores em suas categorias profissionais
devem aprofundar a discussão sobre como se organizarem, assim como foi feito pela
nossa e optar pelas estratégias que considerem mais pertinentes para sua
organização.
O surgimento da FENAS ocorre num contexto profundamente diverso
daquele, no qual a ANAS nasceu. A criação da ANAS se deu num período histórico, no
qual, o país passava por um processo de grandes mobilizações populares e de
ressurgimento
das
organizações
políticas
de
amplos
segmentos
da
classe
trabalhadora. Um contexto de profunda euforia política em defesa das liberdades
democráticas, de retorno das arregimentações partidárias; e da organização dos
diversos movimentos sociais que protagonizaram lutas em defesa do reconhecimento e
regulamentação dos direitos sociais e trabalhistas. Nesse contexto, o favorecimento às
lutas sociais, contribuiu para que os processos organizativos dos trabalhadores
ganhassem grandes repercussões na sociedade brasileira. Não foi por acaso que, as
lutas sindicais da categoria dos assistentes sociais, tornaram-se mediações
129
fundamentais no processo de construção da consciência de classe, no interior da
categoria, bem como consistiram referências na trajetória da construção do novo
projeto profissional. Essas conquistas políticas, construídas pela categoria profissional,
não estão isentas das marcas daquele contexto sócio-histórico.
Como vimos, a decadência política da ANAS, não ocorreu por questões,
exclusivamente, internas a profissão e a sua categoria profissional. É preciso
considerar as determinações objetivas despontadas contra os processos organizativos
da classe trabalhadora, no contexto neoliberal, da realidade brasileira, dos anos 1990.
Nessa década ocorreu um retrocesso no avanço da organização dos trabalhadores,
dada as inflexões colocadas pela hegemonia de orientação neoliberal iniciada com os
governos Collor e FHC. Dentro do contexto da contra-reforma do Estado brasileiro e da
inserção do país na mundialização do capital, ocorreram inúmeras e perversas
mudanças na realidade nacional, que golpearam frontalmente o projeto classista dos
trabalhadores brasileiros. Em decorrência dos processos utilitaristas das privatizações
e da desregulamentação das relações de trabalho, houve um aumento significativo do
desemprego, da desigualdade social e da violência na sociedade (RAMOS, 2006). É
dispensável,
nesse
sentido,
argumentar
por
quais
razões
as
organizações
representativas dos trabalhadores se colocaram numa postura defensiva. Esse
contexto provocou um esgarçamento nas condições de trabalho e no serviço público e,
os assistentes sociais sofreram os mesmos rebatimentos que atingiram a classe
trabalhadora,
na
particularidade
dos
servidores
públicos,
“bem
como
no
desenvolvimento de sua atividade profissional, no âmbito das políticas públicas 93”
(ABRAMIDES, 2009, p. 102).
Com relação à desarticulação das lutas específicas da categoria, referida
pela FENAS, iremos nos respaldar, para a análise do significado político desse
93
Vale lembrar que as conseqüências neoliberais em relação aos trabalhadores em serviço público no processo de
implantação do Estado neoliberal, apontados por Abramides (2009), referem-se à diminuição de postos de trabalho e
de realização de concursos, terceirização, contratos provisórios,por projetos e por intermédio de entidades
conveniadas e com menores salários, flexibilidade das relações de trabalho e dos direitos sociais e trabalhistas
conquistados, mecanismos de polivalência nas funções de trabalho, Programas de Demissões Voluntárias – PDV,
quebra do Regime Jurídico Único, incentivo ao trabalho voluntário em detrimento de postos de trabalho e,
consequentemente , aumento de desemprego.
130
argumento, na coerente reflexão, feita pelo Conselho Federal de Serviço Social, sobre
esta questão94.
Um questionamento central a ser feito sobre esta dimensão, é se existe,
mesmo, e qual seria a agenda sindical específica da categoria hoje, considerando as
mudanças no mundo do trabalho e os desafios postos para os amplos segmentos dos
trabalhadores e suas entidades organizativas.
Sendo, os assistentes sociais, parte da classe trabalhadora, suas demandas
se inserem dentro do quadro mais amplo das demandas gerais de toda a classe
trabalhadora, sendo, portanto, necessário que, os assistentes sociais travem lutas,
junto a outros trabalhadores, a partir do processo de trabalho, ao qual estão vinculados,
superando, assim, a dimensão corporativista na luta por conquistas para o trabalho.
Por último, a concepção de isolamento atribuído, pela direção da FENAS, a
extinção dos sindicatos e transição ao ramo, a nosso ver, também, é polêmica. Até
porque, a extinção das entidades sindicais previa a inserção dos profissionais às lutas
mais gerais, junto aos segmentos de trabalhadores, nos ramos de atividade comum.
Ademais, as categorias profissionais que mantiveram seus sindicatos específicos
pouco avançaram em conquistas, posto que a resposta do Estado de desmonte das
políticas, dos serviços públicos e das relações de trabalho no serviço público esteve,
brutalmente, disseminada, a partir das contra-reformas dos governos FHC e Lula
(ABRAMIDES, 2009). Deduz-se que, mesmo se não tivessem sido extintos os seus
sindicatos, a categoria não passaria incólume pelas imposições macroscópicas da
dinâmica de acumulação capitalista contemporâneas. Os sindicatos não são
mecanismos de luta capazes de efetivar esse tipo de proteção, ou blindagem
fantástica.
A questão do isolamento político pode ser analisada por vários vieses. Nessa
perspectiva, cabe avaliar qual postura de isolamento consiste um verdadeiro retrocesso
político. Isso sim deve ser refletido. Nesse sentido, a postura de adesão à filiação aos
sindicatos por ramos de atividade, considerada pelos segmentos da FENAS como
isolamento, denota, na nossa ótica, um avanço político significativo, pois mesmo a
94
Essa reflexão encontra-se sistematizada no documento “A contribuição do CFESS para o debate sindical”. Brasília,
2002.
131
categoria dos assistentes sociais foi a única (e nesse sentido parece isolado) que, não
apenas, reconheceu a necessidade de realizar articulações, efetivamente, totalizantes,
em nível das lutas sindicais, mas tornou-a uma referência prática e efetiva, quando
abriu mão dos seus sindicatos corporativos. Outra interpretação de isolamento pode
ser definida, a partir das formas de organização corporativistas, nas quais os coletivos
profissionais, geralmente, se fecham nas suas pautas de lutas e relegam outros
processos de organização coletiva.
A FENAS surge com o objetivo de acelerar o debate sindical no interior da
categoria, levar as inquietações para os fóruns nacionais, defender os interesses dos
assistentes sociais nas questões trabalhistas e ampliar o mercado de trabalho, bem
como busca ainda ampliar a participação no controle social e nos fóruns de direito,
assento nas várias esferas, contribuindo para a efetivação das políticas públicas no
âmbito público e para uma ação revolucionária no conjunto dos demais trabalhadores
(DALLARUVERA e ALVARENGA, 2007). “Acima de tudo, a FENAS tem o real
compromisso de, além de defender seus trabalhadores, lutar pela valorização e
respeito à profissão de Serviço Social” (Ibdem: p.197).
Teoricamente, o conteúdo político reivindicado pela FENAS, possui uma
perfeita sintonia com os interesses da classe trabalhadora e, nesse sentido, com os
princípios do projeto ético-político profissional. Contudo, como nos chama atenção
Ramos (2006), é necessário analisar, a partir da definição dos princípios e propostas
apresentados pela FENAS, seu potencial político e sua postura democrática, bem
como em que medida esta entidade influi na construção do projeto ético-político
profissional e nas lutas democráticas populares vigentes no país. De acordo com
Ramos (2006) a falta de legitimidade do processo de criação da FENAS e sua relação
com as demais entidades, particularmente o Conjunto CFESS/CRESS são aspectos
que:
Apontam para o questionamento dessa experiência que parece romper com
um princípio ético-político consolidado na organização política profissional: a
ampla discussão democrática entre a categoria e suas entidades
representativas. A ausência desse debate coletivo, aliada às divergências com
a direção política da FENAS, gerou uma falta de legitimidade entre os
expressivos segmentos profissionais e demais entidades representativas (p.
164).
132
É preciso, porém, levar em consideração que, mesmo não contando com a
legitimidade política pressuposta pela construção democrática entre as entidades
representativas da profissão, a FENAS foi criada de uma forma quase que
inexpressiva, mas se instalou em âmbito nacional e vem crescendo sorrateiramente.
No período de sua criação, a FENAS contava com um contingente de apenas 5 (cinco)
sindicatos, hoje são 11 (onze), além, das entidades que estão em processo de
reabertura em vários estados brasileiros95. A ação política dessa entidade vem
revertendo uma questão, historicamente, vencida nas teses do sindicalismo de massas
e no interior da categoria profissional, isto é, a supressão das categorias profissionais
como referências para a organização das lutas sindicais. Certamente, o adensamento
do apoio político de determinados setores profissionais a FENAS está relacionado às
necessidades concretas que a categoria identifica quanto a defesa de lutas
especificamente sindicais, ou seja, lutas políticas em defesa de salários, jornadas de
trabalho e outras garantias trabalhistas, o que corresponde a uma questão legítima, do
ponto de vista das necessidades imediata da classe trabalhadora. O problema crucial
nessa questão, não é, exatamente, esse, mas a forma como as lutas são organizadas
politicamente. Não podemos esquecer que, nesse contexto, a tendência predominante
no movimento de organização dos trabalhadores é configurada pela focalização das
lutas, imediatismo e corporativismo das práticas.
Ao tratar da complexidade dessa questão, Ramos (2006) lembra outros
fatores que se adensaram nesse processo, quais sejam: a discordância de segmentos
profissionais quanto à decisão assumida em relação à supressão das entidades
sindicais; o desconhecimento das novas gerações de assistentes sociais em relação ao
processo sociopolítico que levou a tal decisão; os impactos da política neoliberal nas
condições salariais e de trabalho da categoria profissional, bem como a situação de
fragilidade da direção da CUT, que pelas inflexões que sofreu, nos anos 1990,
edulcorou-se no campo da colaboração de classe. Estas questões geraram imensos
95
Conforme as informações da diretoria da FENAS os sindicatos reabertos, após criação da FENAS são nos
seguintes Estados: São Paulo, Pará, Maranhão, Paraná, Recife e Amazonas. Em processo de reabertura: Bahia,
Santa Catarina, MG – tem inclusive sede própria em BH, Brasília, Sergipe, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso
do Sul e Rio Grande do Norte.
133
impactos na dificuldade que os assistentes sociais tiveram que enfrentaram para
transitar para a nova estrutura sindical.
A tendência de reabertura de sindicatos profissionais, atualmente, é
bastante preocupante, pois, representa a afirmação de uma perspectiva que
aparentemente se mostra progressista, mas em essência é funcional a ordem, pois
contribui para manter a consciência política da categoria no nível econômicocorporativo, reforçando práticas isoladas do conjunto das lutas das classes
trabalhadoras.
De acordo com Abramides (2009), a FENAS nasce filiada à CUT e à
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Seguridade Social, CNTSS, porém
também não representa conquistas para a categoria profissional. Cabe lembrar que
“parte das direções desses sindicatos e da FENAS se encontra sob a direção da
Corrente Sindical Classista, linha política do PCdoB, no movimento sindical, e da
Articulação Sindical na CUT, posição hegemônica do PT” (ABRAMIDES, 2009, P. 105106).
Aliás, os segmentos que defendem a reabertura das entidades sindicais da
categoria, têm conseguido problematiza questões políticas, no interior da categoria
profissional, que não tangem apenas à dimensão da organização sindical, mas se
estende para outros âmbitos da atuação política profissional, a exemplo da disputa de
espaços de representação política no CNAS, em 2005, e da direção do Conjunto
CFESS/CRESS, no pleito das eleições de 2007, nas quais se inseriram,
protagonizando
posturas
profissionais
comprometidos
com
projetos
políticos
diferenciados da perspectiva política hegemônica no Serviço Social brasileiro (RAMOS
e SANTOS, 2008).
Compreendemos que a implantação da nova estrutura sindical, da qual a
proposta dos sindicatos por ramo faz parte, é um desafio enorme para as centrais
sindicais, bem como para os segmentos das categorias profissionais que concordam
com essa transição, pois, a elas compete à construção de estratégias para a superação
da lógica de serem, as categorias profissionais, a referência para a organização
sindical.
Nessa direção, Abramides e Cabral (1995, p.113), apontam que “essa
134
construção implica um trabalho de base, a partir do mapeamento da categoria e
pressupõe um processo de formação sindical permanente”.
Acreditamos que essa ponderação tão pertinente, das autoras, constitui-se,
ainda hoje, um grande desafio às entidades representativas da profissão. É importante
e necessário reconhecer isso, pois a acertada decisão de extinguir os sindicatos está,
hoje, sendo posta à prova, ou melhor, sendo superada com a realidade de reabertura
de vários sindicatos profissionais da categoria, no Brasil inteiro. Ademais, a
organização dos ramos é uma realidade difícil, sobretudo nesse contexto de
fragmentação. E é nesse exato sentido, que o movimento de reabertura dos sindicatos
profissionais da categoria, explicita o reforço ao corporativismo e fragmentação da
classe trabalhadora. Uma questão central nesse debate, que não pode passar
incólume nessa análise, diz respeito as implicação reais desse retorno da organização
sindical -, que se constitui, hoje, junto a transitoriedade inconclusa para os sindicatos
por ramos de atividade, o dilema da organização sindical dos assistentes sociais - para
a direção hegemônica do projeto ético-político da profissão. Diante desta problemática
seguiremos para as reflexões do próximo item.
4.2 O debate sindical no âmbito das entidades nacionais da categoria
O debate existente no interior da profissão, sobre a questão da organização
sindical, como vimos, é bastante polêmico. O retorno da organização dos sindicatos da
categoria, representados em âmbito nacional pela FENAS, intensificou ainda mais
divergências acerca dessa questão. O confronto de idéias polariza, pelo menos, três
tendências diferentes. A primeira aglutina os setores que, em consonância com o
projeto ético-político profissional, bem como, com a proposta da nova estruturação
sindical, pela ruptura com o corporativismo e unificação das lutas do conjunto dos
trabalhadores, defende a sindicalização por ramo de atividade, A segunda reúne os
segmentos, que não defendem isso, nessa conjuntura, e mantém em funcionamento
uma entidade sindical nacional da categoria que investe na reabertura dos sindicatos
135
de assistentes sociais, sob a alegação de que os ramos não foram estruturas
consolidadas e, portanto, os sindicatos profissionais devem continuar dando
prosseguimento às lutas da categoria. E a terceira tendência, que na verdade, não
possui muita expressividade no âmbito profissional, seria a que defende a disputa
política da direção desses sindicatos. Como dissemos, até hoje, esta tendência, não
ganhou qualquer ressonância nos fóruns da categoria, podendo, até mesmo, não ser
considerada uma tendência dentro desse debate. Vale salientar que a análise realizada
pelos vetores que perfilam esta tendência, considera necessária e estratégica a disputa
da direção dos sindicatos da categoria para garantir, num primeiro momento, direção
política crítica e autônoma ao movimento de reabertura dos sindicatos, e depois uma
transitoriedade efetiva aos sindicatos gerais, de organização por ramo de atividade. Os
vetores que propõem essas estratégias levam em consideração os limites da
vinculação das outras entidades representativas da categoria (CFESS, ABEPSS e
ENESSO), à ação sindical, pela própria natureza que possuem, o que implica as
dificuldades para contribuírem, nessa transitoriedade.
Contudo, vale salientar que, o impedimento diz respeito a uma articulação
orgânica do movimento organizador dos trabalhadores nas instâncias sindicais, mas
não impossibilita uma articulação política para a contribuição das entidades
organizativas da formação e, sobretudo, do exercício profissional ao ramo de atividade,
interpretando inclusive a situação da categoria profissional, diante das suas atribuições
e requisições profissionais nos vários espaços sócio-ocupacionais (ABRAMIDES,
2009).
Nessa perspectiva, torna-se imprescindível elencar, dentro da trajetória de
organização das entidades representativas e da construção do projeto ético-político
profissional do Serviço Social brasileiro, os aspectos que expressam, nitidamente, a
articulação política das lutas da categoria com os processos organizativos da classe
trabalhadora na defesa dos seus interesses imediatos e históricos.
Como vimos, desde os anos 1980, fase de construção do atual projeto
profissional do Serviço Social, o conjunto das entidades representativas da profissão
passou a atuar, politicamente, a partir da conjugação das reivindicações profissionais
com as lutas e interesses da classe trabalhadora.
136
A trajetória de atuação política da categoria profissional, na sociedade
brasileira, tomou um grande fôlego na conjuntura dos anos 1980, atravessando, com
expressiva resistência, as deletérias inflexões sócio-econômicas que se abriram nos
anos 1990 e adentraram sadicamente o novo milênio.
Os desafios que se abriram, nessa conjuntura recente, têm demandado dos
agentes profissionais do Serviço Social, uma enorme capacidade crítico-reflexiva e
resistência política para o enfrentamento das ameaças deflagradas contra o projeto
hegemônico da profissão e suas conquistas históricas. Por essa razão, o fortalecimento
coletivo das alianças políticas entre as entidades nacionais representativas da profissão
e os setores populares de esquerda tem sido estratégico, no sentido de garantir a
direção social crítica a profissão.
A inserção política do projeto profissional do Serviço Social brasileiro, no
campo político de esquerda, acabou influenciando, sobremaneira, a composição da
agenda de lutas das suas entidades nacionais. Contudo, as lutas que compõem a
agenda política das entidades representativas da profissão e reivindicam a
materialização do projeto ético-político do Serviço Social, devem ser entendidas numa
perspectiva sócio-histórica e submetidas às tensões sócio-político-culturais na disputa
entre projetos societários distintos (SANTOS, 2007).
A trajetória de inserção do Serviço Social brasileiro no campo político é
marcada pelo reforço a luta pelos direitos sociais, políticos e humanos e tem se
desenvolvido numa perspectiva de fortalecimento de uma cultura política emancipatória.
Nesse sentido, a condução política das lutas que integram as agendas das entidades
representativas do Serviço Social, hoje, é balizada na compreensão de que a luta
política é a mediação necessária para o fortalecimento dos segmentos do trabalho na
medida em que se torna capaz de “explicitar o estado de degeneração da sociabilidade
vigente” (SANTOS, 2007, p. 29). Esta perspectiva é reforçada pela conselheira do
CFESS entrevistada na nossa pesquisa, conforme demonstra sua seguinte fala:
[...] o Conselho Federal de Serviço Social, ele tem do ponto de vista tanto da
sua direção política de intervenção quanto das estratégias que são construídas,
eu acho que tem uma perspectiva de construção de estratégias de lutar pela
ampliação dos direitos, pela implementação de direitos inexistentes, pela
137
conquista de direitos inexistentes e pela ampliação de direitos. Mas, numa
perspectiva que não se esgota na garantia desses direitos no capitalismo.
Então, eu acho que tem dois, acho que a gente pode falar em dois patamares
ou duas dimensões aí de pautas de luta e de reivindicação. Eu acho que uma:
construir, estabelecer a luta por direito e a defesa de direitos como uma
importante conquista da classe trabalhadora para a garantia de condições de
vida, pra garantia de busca de igualdade de condições, não igualdade de
oportunidade, mas igualdade de condições, mas com a perspectiva de que essa
luta por direitos, ela seja o cimento, seja uma matéria de fortalecimento dos
movimentos sociais, das lutas da classe trabalhadora com a perspectiva de
construção de uma sociedade emancipada, ou de construção de uma
radicalização da democracia. Eu acho que essa é a perspectiva do ponto de
vista de princípios na agenda de lutas do Conselho Federal de Serviço Social.
Agora, é claro que isso passa por construção de estratégias cotidianas de
intervenção, né? E a construção dessas estratégias cotidianas de intervenção,
elas, se você olhar especificamente pra essas estratégias sem ter uma
perspectiva de totalidade, as vezes pode dar a impressão que as estratégias
cotidianas, são estratégias utópicas, ou são estratégias que podem parecer
reformistas, mas na verdade elas são estratégias que estão ancoradas, estão
sustentadas em princípios muito mais amplos (CONSELHEIRA DO CFESS –
Gestão Atitude crítica para avançar na luta).
Os princípios sinalizados nessa fala são valores éticos imprescindíveis na luta
política com direção para transformação social. Tais princípios apontam para uma
perspectiva ético-política que transcende a esfera corporativa profissional e atinge a
dimensão societária. Nesse sentido,
A defesa da liberdade, como valor central da reflexão ética; da democracia não
só política, mas também econômica; da cidadania na perspectiva da
universalização de direitos; da justiça social efetiva; dos direitos humanos como
dimensão inalienável de todos os indivíduos sociais; da luta pela eliminação de
todos os preconceitos e o respeito à diversidade são princípios direcionados
para a sociedade e para o Serviço Social (RAMOS, 2005, p.226).
A materialização desse conjunto de princípios e valores pressupõe,
naturalmente, a construção de estratégias que se direcionem para o enfrentamento
direto das contradições sociais, especialmente no que concerne a desigualdade social,
ao processo de desmonte e precarização dos direitos e a barbárie social em sua
totalidade. Nesse sentido, o papel político que as entidades representativas da
profissão vêm realizando, nesses últimos anos, possui grande relevância no atual
138
contexto sócio-histórico. É de notória expressividade as denúncias e reivindicações
presentes, especialmente, nas campanhas temáticas do conjunto CFESS/CRESS e/ou
nas publicações coletiva de manifestos e moções das entidades entre si e/ou junto a
outras organizações sociais. São nessas empreitadas que se revelam e se concretizam
as possibilidades de resistência a concentração da renda e da riqueza socialmente
produzida96; ao cerceamento da liberdade individual e coletiva; a negação de direitos; a
toda e qualquer forma de opressão, preconceito e violência97.
As lutas em defesa de direitos têm sido consideradas, por amplos setores da
categoria profissional, como uma estratégia importante no enfrentamento a barbárie
social. Nessa conjuntura defensiva de retração e perdas das conquistas históricas dos
trabalhadores, a inserção nos espaços de controle das políticas públicas constitui-se,
uma das principais mediações para a defesa da ampliação e manutenção de direitos
sociais já conquistados. Vejamos, a esse respeito, a seguinte reflexão da conselheira
do CFESS entrevistada
O CFESS, ele tem representação em muitos conselhos de defesa de direitos e
de políticas. É uma estratégia importante que a gente coloca no computo da
democratização dos espaços, de socialização da política. É uma estratégia de
socialização da política. Ora, é estratégia que olhando ela do ponto de vista
isolada, ou especificamente, pode parecer uma estratégia reformista. Atuar em
conselho de políticas públicas, qual é a possibilidade aí de radicalização da
democracia, considerando que os conselhos têm uma natureza, as vezes, muito
corporativa ou de defesa de interesses muito específicos, ou as vezes, até com
representações conservadoras, né? Então, se você olhar só por ali, você pode
chegar a conclusão: o quê que o CFESS está fazendo nesses conselhos? O
que isso tem a ver com uma pauta de luta de interesses da classe
trabalhadora? Mas, a gente trata essas representações como a ocupação de
um espaço que ele permite duas coisas, pelo menos: acho que uma, é acesso
a informação que é fundamental para alimentar uma intervenção crítica, né?
Então, é um espaço de acesso a informação. Acho que isso é uma coisa
importante. A outra coisa importante, é que é um espaço de socialização da
96
Um exemplo concreto de defesa desse princípio é a campanha Lutar por Direitos, Romper com a Desigualdade
lançada em maio de 2009, pela Gestão (2008-2011) do CFESS. Esta campanha tem o objetivo de provocar reflexão
e indignação com a barbárie que se reproduz cotidianamente em nosso país e mobilizar a sociedade para defender a
socialização da política e o fortalecimento das instituições verdadeiramente democráticas, autonomia da classe
trabalhadora e dos movimentos sociais; os valores éticos em defesa da equidade; posicionamento contrário a toda
forma de exploração, opressão e violência; uma política econômica a serviço do crescimento e da distribuição da
riqueza social produzida; ampla reforma agrária; o direito ao trabalho e emprego para todos, sem discriminação; luta
pela ampliação dos salários e rendimentos do trabalho; a luta pela universalização da seguridade social pública; e a
luta pela educação pública, laica, presencial e universal em todos os níveis.
97
O combate ao preconceito e a discriminação, também foi tema de campanhas realizadas pelo CFESS, a exemplo
da campanha O Amor Fala Todas as Línguas, em 2006, que expressou posicionamento em defesa da liberdade de
orientação e expressão sexual; bem como a campanha de Combate ao Racismo, em 2001, que trouxe a tona a luta
pelo respeito as diferenças étnico-raciais.
139
política e de exercício da democracia, ainda que ela não seja uma democracia
participativa radicalizada, mas é um exercício de democracia, onde tem uma
possibilidade de contestação, uma possibilidade de apresentação de propostas,
uma possibilidade de negação de determinados valores, de determinadas
formas de fazer política num espaço que é plural, porque tem representação
governamental, tem representação da sociedade civil e representações com
interesses muito diferenciados, né? Então, a representação não é
representação pela representação, não é representação pra está lá meramente
ocupando um espaço entendendo que isso é o projeto de exercício
democrático, né?, mas é um espaço pra acesso a informação, pro exercício da
socialização política, um espaço para acúmulo de forças, um espaço para a
contestação, um espaço para construir uma mediação pra pautar a
radicalização da democracia (CONSELHEIRA DO CFESS – Gestão Atitude
crítica para avançar na luta).
De acordo com Santos (2007), embora determinado pelas relações de
produção da sociedade capitalista, o direito funciona como força reguladora
fundamental e, em certas conjunturas, é indispensável para garantir ganhos aos
segmentos do trabalho. Nessa perspectiva, a autora ressalta que não foi por acaso que
a „agenda dos direitos‟ ganhou relevância no Serviço Social, no fim dos anos 1970.
Como vimos, este foi um período sócio-histórico de profundas mudanças teóricopolíticas no âmbito da vida social, com significativas repercussões no interior da
profissão. O movimento de renovação profissional passou por uma vinculação orgânica
com a luta por direitos junto a vários segmentos da classe trabalhadora. Atrelada a
defesa de direitos consubstanciou-se, no meio profissional, “o reconhecimento do
usuário como sujeito de direito e a afirmação da democracia como luta estratégica
(SANTOS, 2007, p.27). Para a autora, esse reconhecimento se constituiu um fio
condutor capaz de mobilizar amplos segmentos da categoria profissional.
Não é por acaso que o compromisso ético-político profissional com os
interesses da classe trabalhadora vem sendo, cotidianamente, reafirmado por amplos
segmentos da categoria profissional nos seus espaços de atuação, bem como pelas
entidades representativas da profissão. É inegável que a explicitação da consciência
profissional de que sua ação se insere na tentativa de solução de um conjunto de
problemas que dizem respeito a todos os trabalhadores (PAIVA et al, 1996), tem
contribuído para reforçar a defesa intransigente da democracia política e econômica
como condição indispensável para garantir a “ampliação do nível material e de
140
construção política da classe trabalhadora” (RAMOS, 2007, p.42). Essa perspectiva tem
sido, senão unânime, predominante no interior da categoria profissional e vem sendo
consolidada pelas entidades representativas da profissão a exemplo do trabalho
realizado pelo Conjunto dos conselhos de fiscalização da profissão. Conforme destaca
a conselheira entrevistada.
[...] o CFESS e os CRESS eles têm, nos últimos trinta anos, particularmente,
construído uma agenda de lutas, uma agenda de intervenção que é muito
sintonizada, muito relacionada com os interesses da classe trabalhadora. Eu
acho que isso decorre desse movimento de construção do Projeto Ético-político,
sobretudo, a partir do código de ética, a partir da lei de regulamentação da
profissão de 1993. Os princípios e diretrizes que estão no código de ética, eles
são muito determinados pela luta em defesa dos interesses da classe
trabalhadora e pela articulação com os movimentos sociais que têm essa
perspectiva. Então, por exemplo, os princípios como a socialização da riqueza,
princípio claro do código de ética, que é um princípio sintonizado com os
movimentos da classe trabalhadora mais combativos, porque também não pode
generalizar, né?, Porque tem movimentos sociais que têm outras perspectivas,
né? [...] Então, nesse sentido, o CFESS tem investido nessa perspectiva de
está presente, assegurar a representação como espaço de articulação e de
construção de lutas com movimentos sociais que tenham o mesmo foco, que
sejam equalizados pelos mesmos princípios e diretrizes, né? (CONSELHEIRA
DO CFESS – Gestão Atitude Crítica para Avançar na luta).
Este posicionamento expressa uma postura política atinente com o que
reivindica o projeto profissional, contudo, sabemos que essa consciência política de
pertencimento e posicionamento em favor dos interesses da classe trabalhadora não foi
deflagrada de forma unânime e homogênea no conjunto da categoria profissional. Isto
é, outras perspectivas políticas, teóricas, valorativas convivem no espaço plural da
profissão. Vale lembrar que, de forma semelhante, há, no amplo conjunto da classe
trabalhadora uma multiplicidade de perspectivas políticas que se expressam de
diversas maneiras no campo da luta política98. Essa questão é bastante relevante e
suas implicações e definições ético-valorativas vêm sendo consideradas, no processo
Não podemos esquecer que as idéias dominantes permeiam toda a estrutura social, pois “são nada mais que a
expressão ideal das relações materiais dominantes” (MARX e ENGELS, 2005, p. 78). Então elas estão por toda
parte. Adentram as instâncias aparentemente mais impermeáveis, se instalam sutilmente nos intelectos e ganham
materialidade na práxis social. Mas é preciso lembrar que, embora dominantes, não são exclusivas. O conflito entre
as classes sociais supõe disputas de toda ordem a começar pelas próprias condições de existência de cada classe.
98
141
de conformação das alianças políticas entre as entidades representativas do Serviço
Social e determinados segmentos e lutas da classe trabalhadora.
A projeção de qualquer ação orientada para a objetivação de valores e
finalidades compõe a práxis social, mas tal projeção só se torna ética e política quando
compreendemos que a objetivação de valores supõe a política como espaço de luta
entre projetos diferentes (BARROCO, 2008). Reiteramos que essa dimensão se
expressa tanto nas relações internas da profissão, quanto na sua relação com outros
processos e sujeitos coletivos. Por essa razão, a efetivação do projeto profissional, por
exemplo, necessita de fortes e estratégicas articulações políticas no interior da
profissão e fora dela. Embora possuam particularidades, estas articulações internas e
externas a profissão acabam se imbricando, pois possuem as mesmas determinações
sócio-históricas. No interior do Serviço Social, as articulações ocorrem na perspectiva
de garantir legitimidade ao que se constrói coletivamente, a exemplo dos princípios,
valores e lutas que conformam o projeto profissional. No entanto, mais que legitimidade
perante a categoria profissional, este projeto necessita de repercussão e efetivação
social para além dos muros da profissão. E é isso que tem impulsionado as articulações
políticas, a partir de dentro pra fora do Serviço Social, pois a substância real do projeto
ético-político profissional está presente no movimento vivo da realidade social e sua
consolidação depende fundamentalmente da articulação entre as lutas profissionais e
as lutas políticas dos movimentos sociais mais combativos que se irrompem na
sociedade. Destacamos uma reflexão da conselheira entrevistada sobre a articulação
do CFESS a outros sujeitos coletivos
O CFESS vem investindo muito [...] acho que nós nos aproximamos muito mais
de movimentos que estão naquela perspectiva [...] de movimentos que estão se
rearticulando em torno de defesas de lutas mais classistas. Então, este ano
99
[2008], nos tivemos uma aproximação bem interessante com o MST ,
participamos do congresso, na verdade a participação no congresso do MST foi
ano passado [2007], mas, aí continuamos na articulação com o MST e
apoiando e participando de movimentos de defesa de luta pela terra e tal.
100
Participamos também do congresso do CONLUTAS que foi esse ano, agora
em julho. Então, também nos aproximamos desse movimento na perspectiva de
acompanhar a reorganização da CONLUTAS como espaço de articulação da
sociedade do ponto de vista do movimento sindical mais aguerrido. Apoiamos
agora, recentemente, três importantes movimentos sociais tanto do ponto de
99
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST)
Coordenação Nacional de Lutas (CONLUTAS)
100
142
vista político quanto do ponto de vista material mesmo, que foi o movimento da
reforma urbana que teve agora, recentemente, semana passada, um dia
nacional de ocupação em defesa da democratização do acesso a habitação,
né? Então, apoiamos esse movimento. [...] Na verdade a gente integra o Fórum
Nacional de Reforma Urbana e pelo Fórum Nacional de Reforma Urbana, teve
uma articulação das entidades que integram o Fórum, de um dia nacional de
luta em defesa do acesso a moradia. E aí a estratégia é utilizada por várias
entidades, sobretudo de representações do Movimento dos Sem Teto de
ocupações de espaços desocupados, né? E aí a gente participou desse
movimento, uma representação interessante que o CFESS tem que além dos
conselhos tem representação também nos fóruns. Tem o Fórum Nacional de
Reforma Urbana, tem o Fórum Brasil de Orçamento que é uma outra
representação também dentro dessa discussão, que o Fórum Brasil de
Orçamento, ele é, também bastante diverso, né? Tem entidades que não são
tão radicais. A gente vai no Fórum de Orçamento pra defender radicalmente a
socialização do orçamento público, socialização, ou seja, da redistribuição do
fundo público. Então é claro que a gente encontra aliados que tem a mesma
perspectiva que a gente e outros que não. Mas, é uma espaço de embate, é um
espaço de diálogo, é um espaço de pautar os princípios. Então quando a gente
ta falando lá do princípio do código de ética, da socialização da riqueza, pra
gente está no Fórum Brasil de Orçamento, é uma estratégia pra tentar
materializar esse princípio, por exemplo, pra fazer esse link, então, pra puxar
dentro do Fórum a discussão. Bom, socialização da riqueza do ponto de vista
radical, só pela socialização dos meios de produção, radicalmente. Mas,
enquanto a gente não alcança isso como conquista histórica, então é possível,
também, pelo menos estabelecer, no âmbito do capitalismo, uma política de
redistribuição de renda, né? E aí a via do orçamento é uma via interessante pra
o estabelecimento de políticas de redistribuição de renda, pelo fundo público,
pelo estabelecimento de impostos progressivos, pelo estabelecimento de
impostos que tributem maiores rendimentos e não o rendimento da classe
101
trabalhadora). [...] E aí então tem o ANDES que a gente se alia na discussão
e nas lutas contra a reforma universitária, tem o MST na discussão do acesso a
terra, né? não no sentido de acesso a terra a propriedade, mas no sentido da
socialização da propriedade; aí tem o CONLUTAS, numa perspectiva mais
sindical [...] (CONSELHEIRA DO CFESS – Gestão Atitude crítica para avançar
na luta)
Além da relação estabelecida com os movimentos sociais, existem também,
outras estratégias de defesa dos direitos sociais, como é o caso da luta junto à
população usuária dos serviços prestados, nos espaços de intervenção profissional.
Claro que essa defesa não ocorre de forma espontânea, mas pressupõe, por parte dos
profissionais, compromisso ético-político com as necessidades sociais advindas da
classe trabalhadora. A realização desse compromisso supõe disposição e coragem
para enfrentar a correlação de forças presente no interior das instituições, bem como,
desafios relacionados às condições materiais de trabalho e aos tipos de vínculo e
101
Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior
143
contrato que mediam a inserção profissional. Essas questões, geralmente, dificultam o
avanço da luta política, porque acabam repercutindo diretamente na autonomia relativa
profissional. Contudo, existem, na profissão, instrumentos normativos legais que
funcionam de forma bastante estratégica como mecanismos políticos no reforço a
defesa de direitos, a exemplo do Código de Ética Profissional, da Lei de
Regulamentação da Profissão e, mais especificamente no âmbito do conjunto dos
conselhos, a Política Nacional de Fiscalização (PNF).
[...] no âmbito do Conselho Federal de Serviço Social, a gente estabelece uma
discussão de Política Nacional de Fiscalização, que é muito, muito mais ampla
do que fiscalizar a postura ética do assistente social, mas é uma Política
Nacional de Fiscalização que tem uma sintonia direta com a garantia de direitos
dos assistentes sociais como trabalhadores, portanto integrantes da classe
trabalhadora e, também, com pautas de luta de defesa de condições de
trabalho que assegurem esses direitos e que tem, lá na frente a perspectiva de
garantia de serviços com qualidade para os usuários,ou seja, para a classe
trabalhadora que é com quem mais nós atuamos, do ponto de vista da
intervenção profissional. Eu acho que aí também tem uma relação direta com
os interesses da classe trabalhadora, porque a atuação disso, que é a atividade
precípua do CFESS, que é a fiscalização do exercício profissional, não é uma
fiscalização stricto sensu, na perspectiva fiscalizatória, punitiva da postura ética
corporativa, não é isso, que é o que predomina na maioria dos conselhos
profissionais. A perspectiva do CFESS é uma outra perspectiva, é uma Política
Nacional de Fiscalização extremamente conectada com a defesa dos direitos
da classe trabalhadora, inclusive, na defesa das condições de trabalho e dos
direitos do assistente social visto como trabalhador. Então eu acho que isso
também mostra essa conexão entre a agenda de lutas do CFESS e a agenda
de lutas dos interesses da classe trabalhadora (CONSELHEIRA DO CFESS –
Gestão Atitude crítica para avançar na luta).
A convicção de que a luta pela materialização do projeto profissional
perpassa pela defesa da formação e do exercício profissional, - sobretudo num contexto
de profundas ameaças neoliberais aos direitos sociais e trabalhistas - fez com que o
conjunto das entidades intensificasse, nesses últimos anos, a mobilização da categoria
profissional em torno de duas frentes de lutas: primeiro em defesa da melhoria da
qualidade do ensino superior; e a outra relacionada à defesa da melhoria das condições
do trabalho profissional. Na verdade, essas lutas expressam uma direção política de
contestação à política neoliberal e vêm sendo realizadas junto a vários movimentos
sociais com perspectivas mais aguerridas, nessa conjuntura defensiva. Essa dimensão
da agenda de lutas das entidades é ressaltada pela diretoria da ABEPSS entrevistada.
144
[...] a ABEPSS busca articular-se com entidades profissionais da área do
Serviço Social, Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), Conselhos
Regionais de Serviço Social (CRESS) Executiva Nacional de Estudantes de
Serviço Social (ENESSO), Centros Acadêmicos de Serviço Social (CA) e outras
entidades sindicais e movimentos sociais como Associação Nacional de
Docentes do Ensino Superior (ANDES) Movimento dos Trabalhadores sem
Terra (MST), Coordenação Nacional de Lutas(CONLUTAS), dentre outros, a
partir de um plano de lutas que privilegia as questões da formação e do
exercício profissional (Membro da diretoria da ABEPSS Nacional – Gestão
2007/2008).
Desse modo, a defesa da formação profissional vem se materializando,
através das denúncias e da contraposição política ao processo de sucateamento das
universidades públicas e da precarização das condições de trabalho docente; e ao
inescrupuloso crescimento de cursos de ensino de graduação a distância (EAD) 102. Já
do ponto de vista da defesa do trabalho profissional, as lutas apontam para a defesa
das políticas sociais públicas com reivindicações para o aumento de investimento do
fundo público na área social; do aumento de postos de trabalho através da realização
de concursos públicos; da diminuição da jornada de trabalho e estabelecimento de piso
salarial para a categoria profissional103; e em defesa da melhoria das condições de
trabalho nas instituições públicas.
O detalhamento das estratégias construídas para o enfrentamento da
problemática relacionada ao trabalho e a formação profissional, está disposto no Plano
de Ação104 das entidades nacionais do Serviço Social, construído em novembro de
2008. Estruturado em sete eixos o plano previu: ações relativas à Política Nacional de
Fiscalização, ações de Estudos e Pesquisas, ações de articulação com entidades,
movimentos sociais e conselhos, ações junto ao MEC, ações junto ao Poder
Legislativo, ações jurídicas, ações de comunicação e mobilização. Este plano consistiu
numa das maiores prioridades na agenda de lutas das entidades nacionais do Serviço
102
Esta modalidade de ensino é a expressão mais perversa da precarização da educação superior, na medida em
que acirra e consolida o ensino privado, de baixa qualidade acadêmica, sendo implementado, majoritariamente,
pelas redes privadas de mercantilização da educação.
103
Discutiremos, mais adiante, a particularidade das lutas da categoria profissional pelo piso salarial e a jornada de
trabalho.
104
Este documento foi resultado do trabalho de uma comissão formada por representantes das entidades nacionais
do Serviço Social (CFESS, ABEPSS e ENESSO), para pensar e sistematizar estratégias de enfrentamento a
precarização do ensino superior, conforme objetivo definido no 37º Encontro Nacional do Conjunto CFESS/CRESS, e
em cumprimento as deliberações para o eixo Formação Profissional.
145
Social, durante o ano de 2009. Seu pleno desenvolvimento garantiu grandes avanços
na luta em defesa do trabalho e da formação profissional. Este esforço coletivo
consubstanciou-se na elaboração da Política Nacional de Estágio105; no aprimoramento
e elaboração de novos mecanismos jurídicos (pareceres e resoluções106) para garantir
maiores suportes a Política Nacional de Fiscalização e de Estágio; na realização de
atividades conjuntas com os movimentos sociais que militam em defesa da
universidade pública, a exemplo do ANDES e da Federação de sindicatos de
Trabalhadores em Educação das Universidades Brasileiras (FASUBRA); e numa ampla
divulgação do posicionamento das entidades sobre os cursos de graduação à distância,
através de diversos veículos de comunicação e debates dos eventos realizados pelas
entidades.
A despeito de todos esses avanços, o que está em curso é uma luta política
de muitos desafios no processo de enfrentamento a barbarização que assistimos no
tempo-histórico presente. Trata-se, noutras palavras, de uma luta de contraposição aos
ditames do grande capital, do lucro, das relações mercantilistas que dinamitam a
totalidade da vida, com profundos e inéditos requintes de expropriação social.
Portanto, é preciso reconhecer que, com muita perseverança, coragem e
radicalidade ético-política, amplos segmentos da categoria dos assistentes sociais
estão encampando uma luta de cunho anticapitalista. A agenda de lutas dessas
entidades expressa, com toda nitidez, essa perspectiva. É uma agenda dinâmica e
difusa, que não se restringe somente a defesa de direitos sociais ou políticos, mas
assume dimensões mais amplas. Observemos aqui a luta pelos direitos humanos,
reprodutivos, sexuais, bem como a defesa do respeito às diferenças étnicas, raciais e
de gênero, presentes nas campanhas temáticas realizadas pelo conjunto das
105
A Política Nacional de Estágio está sendo elaborada pela atual gestão da ABEPSS (2009/2010), tendo o
documento base sido lançado em maio de 2009 e sua versão definitiva deverá ser socializada após amplos debates
em todo o país, em março de 2010.
106
A resolução 533/08 que regulamenta a supervisão direta de estágio; a resolução de inscrição profissional; e
parecer jurídico que subsidie e fortaleça a fiscalização nas instituições de ensino superior que não cumprem os
requisitos legais para a formação.
.
146
entidades; no apoio que manifestam em favor dos movimentos sociais que lutam pela
livre expressão das diferenças dos sujeitos, e na mediação que estabelecem entre
esses aspectos e a luta por direitos realizada nas instâncias de controle de direitos e de
políticas públicas.
A mediação dessas lutas, encampadas pelas entidades nacionais da
categoria, são fundamentais no sentido da reafirmação de uma a perspectiva éticopolítica do projeto profissional do Serviço Social brasileiro.
A análise dessa trajetória de lutas da categoria profissional nos ajuda
entender, um pouco, as bases sob as quais se colocam os dilemas da organização
sindical da categoria. Na nossa concepção, aquelas tendências, existentes no interior
da categoria, sobre as estratégias de mobilização e organização sindical, revelam-se,
essencialmente, como resultado da divergência de análises da sociedade e da
profissão, bem como de defesa política de projetos profissionais e societários, no
interior da categoria profissional.
Esta análise se fundamenta na compreensão que define a categoria
profissional como um sujeito coletivo heterogêneo e a profissão como um espaço
dinâmico no qual permeiam projetos profissionais e societários diferenciados e
antagônicos. Ademias, essas constatações seriam evidenciadas neste trabalho, a partir
da problemática trata o conteúdo das entrevistas realizadas com representantes
nacionais da categoria.
A discussão sobre a organização sindical ressurge, no âmbito das entidades
representativas do Serviço Social brasileiro, com a criação da FENAS nos anos 2000.
Essa realidade vem discutida no âmbito das entidades nacionais representativas da
profissão. A despeito da tendência de reabertura, a perspectiva apontada pelas
entidades é de reforço , na atual conjuntura, a deliberação encaminhada pela categoria,
em meados dos anos 1990, quando da extinção da ANAS
Olha a gente fez um debate muito interessante sobre organização sindical,
ano passado [2007], no Encontro Nacional CFESS/CRESS, onde a gente
levou um debate com as três entidades sindicais numa mesa, CUT, a
INTERSINDICAL e a CONLUTAS. Foi muito interessante. Ou seja, a gente
continua discutindo e a gente esta pautando a discussão. Dessa discussão o
que esse debate reafirmou? Reafirmou a completa inviabilidade da
147
organização sindical por categoria de defesas de interesses de classes. O
debate deixa, assim, claramente colocado e isso só reafirma as análises que
já haviam, que já tinham sido feitas por ocasião da extinção da ANAS e dos
sindicatos. Então, nesse sentido, o CFESS e o conjunto continuam firmes na
sua defesa do sindicato por ramo, do fortalecimento dos movimentos sindicais,
ao movimento filiado a defesa de interesses de classe, né? Então, não tem
diferença nisso, nesse debate atual daquele momento (CONSELHEIRA DO
CFESS – Gestão Atitude crítica para avançar na luta).
Nessa perspectiva, a conselheira entrevistada, sinalizou que o CFESS
entidade compreende que o fortalecimento da abertura de sindicatos por ramo, onde,
ainda, não existem ou não funcionam, deve ser a principal estratégia política, nesse
momento histórico. Essa postura política coerente, além de ser compatível com a
defesa de formas mais unificadoras para a organização dos trabalhadores, consiste
numa estratégia efetiva para o processo de transição aos ramos. Nessa perspectiva, a
conselheira entrevistada aponta o seguinte argumento:
[...] porque um dos argumentos da FENAS, por exemplo, é que têm muitos
trabalhadores que estão fora da organização sindical por ramo, então a
organização sindical por categoria ela viria dar conta dessa lacuna. Mas, na
verdade, esse é um falso argumento, por exemplo, eu posso dizer assim: ah, os
trabalhadores da assistência social não são reconhecidos no sindicato dos
trabalhadores da seguridade social, então vamos construir um sindicato dos
trabalhadores da assistência, né? A assistência não está crescendo como
espaço político de construção? Como é que um sindicato de assistentes sociais
vai lá sentar em mesa de negociação, ou vai lá pautar a luta por plano de cargo
carreira, remuneração?... são só assistentes sociais? E não de todos os
trabalhadores? Então, esse argumento, uma vez fortalece então a ação sindical
de todos os assistentes sociais, vão supor que ali fosse o sindicato dos
trabalhadores da assistência, né? Então o princípio permanece, né?
(CONSELHEIRA DO CFESS - Gestão Atitude crítica para avançar na luta)
Ainda dentro dessa argumentação sobre a defesa de uma perspectiva
política mais aguerrida, para a organização sindical dos assistentes sociais, a
entrevistada ponderou questões que concernem a interpretação daquele suposto
isolamento na ação sindical dos assistentes sociais, suscitados pela transitoriedade
como podemos observar na fala que se segue:
A extinção da ANAS leva a extinção dos sindicatos, os que existiam nos
estados. Essa organização dos sindicatos, eu acho que num primeiro
148
momento, ela não significa uma ausência ou uma lacuna de espaço de defesa
de direitos dos assistentes sociais. Não significa por dois motivos: primeiro
porque quem estava sindicalizado nos sindicatos de assistente sociais se
desloca
para
os
sindicatos
por
ramos de atividade. Então não deixa de ser sindicalizado, não deixa de
fortalecer uma entidade sindical ou uma organização sindical,mas passa a
fortalecer uma organização por ramo de trabalho, por ramo de trabalho, né? E
segundo porque muitas das pautas e de agenda de lutas que eram próprias do
movimento sindical foram assumidas por essa nova configuração do
CFESS/CRESS que deixa de ter aquela visão de ação do CFESS só
fiscalizatória e passa a ter esse compromisso com essa agenda de lutas que
eu estava falando a pouco, né? Então, a extinção dos sindicatos ela não
significo uma ausência,uma lacuna de organização sindical. Ela significou, na
verdade, um fortalecimento de uma determinada perspectiva de organização
sindical que é por ramos e não por categoria [...] (CONSELHEIRA DO CFESS
- Gestão Atitude crítica para avançar na luta).
Essa perspectiva de análise sobre a organização sindical possui respaldo
majoritariamente referenciado, no interior das entidades representativas da categoria.
Como podemos observar na análise feita pela representante da ABEPSS, no trecho da
entrevista abaixo:
Como a proposta da sindicalização por ramo de atividade não avançou no
âmbito do Serviço Social, a extinção dos sindicatos significou perda de
importante referência organizativa e resistência da categoria. Atualmente a
criação da FENAS e reativação de sindicatos nos estados retomam a
sindicalização por categoria, o que representa profundo retrocesso, no quadro
atual de flexibilização do trabalho e de direitos, com incidência destrutiva sobre
as condições objetivas das lutas e das organizações de mediação política da
classe trabalhadora em seu conjunto. Cabe ressaltar a importante função
desempenhada pelos CFESS e CRESS para além de suas funções precípuas –
fiscalização do exercício profissional- avançam como referência de organização
e luta dos assistentes sociais ao lado das demais entidades na defesa da
qualidade do exercício profissional e dos serviços prestados como direito
(MEMBRO DA DIRETORIA DA ABEPSS NACIONAL – Gestão 2007/2008).
Nesse sentido, na concepção das conselheiras, entrevistadas, da ABEPSS
e do CFESS, a FENAS não se constitui uma parceria política na defesa do projeto
ético-político profissional. Essa questão é colocada de forma bem clara, na fala que se
segue:
149
Então, eu acho que a situação ou a condição da organização política da
categoria, hoje, ela comporta uma articulação da ABEPSS, CFESS e
ENESSO, ainda dentro da perspectiva construída desde a década de 1980. Eu
acho que ainda tem essa direção, nessa articulação dessas entidades, mas
tem um processo aí de recriação dos sindicatos e de funcionamento da
FENAS que passa a margem dessas outras entidades. Não é que passa a
margem no sentido de não ter relação, mas passa a margem no sentido do
debate e da discussão. Não é uma entidade, a FENAS, que se coloca no
mesmo campo nem de defesa dos mesmos princípios e diretrizes, embora
digam que sim e, nem de estratégia, né? É uma estratégia muito de
judicialização do movimento do social, é uma estratégia de ocupação dos
espaços, a partir da construção de alianças que não tem uma preocupação
muito comprometida com determinados princípios e valores. Como eu te disse
no caso do CNAS, a FENAS ela participa de um processo de articulação com
CUT com FASUBRA com CNTSS e com o Conselho Federal de Contabilidade
pra deixar o CFESS fora por divergências e diferenças de análise, né? Então,
é uma organização que existe, mas uma organização que não está em
sintonia com CFESS, ABEPSS e, eu quero crer, que, também, com a
ENESSO na defesa do Projeto Ético político Profissional (CONSELHEIRA DO
CFESS - Gestão Atitude crítica para avançar na luta).
Na perspectiva da FENAS, esta questão é interpretada como uma prática
reacionária, por parte das diretorias das demais entidades nacionais do Serviço Social.
Conforme argumenta a nossa entrevistada da FENAS
A história da FENAS não se deu conforme a história de ANAS e nem teve essa
pretensão. Como em 1995, com a reabertura do sindicato do Rio de Janeiro
ficaram 5 sindicatos no Brasil. Não tínhamos espaços de discussão e
legitimação junto as demais entidades da categoria. Éramos alijados a todo
tempo. A tese que nos colocavam não era o que líamos nas atas de ANAS e
Sindicatos que se fecharam no Brasil. Os sindicatos fecharam por inanição e
não para seguir a tese do ramo, pois os assistentes sociais não tinham
participação ativa nos sindicatos. Por outro lado, muitos deles tinham sua sigla
partidária, ou éramos PT ou não tínhamos espaços para atuar no nosso
sindicato. Houve o afastamento da categoria nos sindicatos no Brasil. A partir
de grandes debates e reunidos no RJ na sede do Sindicato dos Médicos, com
participação da CUT, CNTSS, criamos a FENAS com cinco sindicatos ( RJ,
Ceará, Alagoas, RGS e Caxias do Sul), vale destacar que todos os CRESS
foram comunicados da Assembléia e solicitados que realizassem debates com
a categoria para comparecerem na I Assembléia Nacional Sindical Pró
Federação Nacional dos Assistentes Sociais. Nenhum Estado enviou delegação
e não compareceram para não legitimarem o movimento. Assim, apesar do
apelo da CNTSS para não criarmos a FENAS e ficássemos num departamento
da CNTSS, entendemos que nosso campo de trabalho não se limita ao ramo da
Seguridade Social; pois nossa prática profissional transcende a saúde,
assistência e previdência (DIRIGENTE SINDICAL DA FENAS).
150
A falta de legitimidade da FENAS não parece ser a preocupação do
conjunto das entidades nacionais, nesse processo de ressurgimento das entidades
sindicais da categoria. A preocupação central diz respeito ao direcionamento político
dado as lutas travadas por essas entidades sindicais. Observemos no texto da
entrevista abaixo, o que, realmente, fundamenta CEFSS:
[...] continuamos o debate, acompanhando a abertura dos sindicatos...Eu acho
que o movimento de filiação sindical, é assim totalmente livre... né? Então eu
acho que os assistentes sociais que se sentem representados e que tem
interesse em construir, se filiar em sindicatos de categoria... Bom, isso é livre
movimento, é o direito político totalmente assegurado, no Estado de
democrático de direito. Agora, o sentido desse sindicato, as suas
possibilidades de luta, a sua agenda... Acho que isso é pauta do nosso debate
e pauta do debate do conjunto. E que também não tá acabado por que a gente
continua discutindo. Até agora o que é que a gente tem no acúmulo deste
debate, a retomada desse debate no encontro CEFSS/CRESS no ano
passado, né? E a necessidade da gente acompanhar a abertura dos
sindicatos e pautar isso. Mas, a gente não tirou ainda como uma estratégia...
ou então vamos fazer isso vamos só acompanhar vamos ver, vamos fazer
manifestações contrárias, isso a gente não colocou ainda, é uma coisa que
ainda está na nossa pauta de discussão[...] Por que, vem nos preocupando
muito. (CONSELHEIRA DO CFESS - Gestão Atitude crítica para avançar na
luta).
Mesmo reconhecendo os limites da intervenção nas questões de natureza
sindical, o CFESS vem, ao longo desses últimos anos, pautando as demandas da
categoria profissional no âmbito do conjunto das entidades representativas. Mais que
pautar o debate, o CFESS vem liderando empreitadas políticas em defesa de
empregos, das condições de trabalho profissionais, jornadas de trabalho e outras
questões relacionadas às relações de trabalho do assistente social, como foi
resgatado pelo trecho da fala da nossa entrevistada:
Por exemplo, os CRESS e o CFESS não têm se furtado a enfrentar essa
discussão dentro do que a gente pode fazer, mas tem limites. Por exemplo, a
resolução de condições técnicas e éticas, foi uma revolução pra tentar garantir
e dá uma resposta de luta a essa demanda por melhores condições de
trabalho, mais é o limite que o CFESS tem. Inserção em debate sobre planos
de cargo, carreira e remuneração. Então, participamos, por exemplo,
ativamente da discussão da NOB RH SUAS e colocamos lá elemento pra o
plano de cargos e remuneração do CCR. Mas, por exemplo, não podemos
sentar em mesa negociações CRESS e CFESS não podem sentar em mesa de
negociação é uma autarquia pública. Neste sentido não tem natureza sindical e
151
não deve ter por que não é o critério. Estamos lá no Congresso lutando pelo PL
que estabelece a jornada de 30 horas, ou seja, tem diversas frentes de luta do
conjunto que são claramente frente que tocam questões que desrespeitam as
condições de trabalho, né? Mais, e que tem natureza até sindical. Bom, redução
de jornada 30 horas, a categoria bate muito na questão piso salarial, a tabela de
honorário que é uma resolução do CEFSS. É o que nós podemos, não
podemos estabelecer pisos, mas podemos estabelecer tabelas de honorários
pra exercício do trabalho, né? Agora em relação ao piso salarial, nós tivemos,
nós já participamos de lutas, dentro do Congresso de defesa de um PL que
estabelecia o peso salarial de 10 salários mínimos. Na tramitação isso foi
baixado pra 3 salários, depois foi julgado inconstitucional, aliás foi arquivado.
Então, nós temos esse movimento de defesa, mais nós podemos estabelecer
piso. Mas, assumimos lutas que tem relação com questões de ações sindicais
do tipo de vista, assim, de demanda. Quem ta lá no Congresso fazendo pressão
nos parlamentares pelo PL 30 horas, agora, com o PL do piso, pela inserção do
Serviço Social na educação é o CEFSS, não é FENAS (CONSELHEIRA DO
CFESS - Gestão Atitude crítica para avançar na luta).
Sobre essa realidade a representante da FENAS coloca a seguinte situação:
Trazer os Assistentes Sociais para o debate referente à luta sindical é nosso
grande desafio. A categoria coloca toda a responsabilidade nos Conselhos e
não entende que são autarquias e órgão de Fiscalização do Exercício
Profissional. São entidades importantes, mas não podem fazer o papel de uma
entidade sindical. O processo de formação profissional não tem abordado essas
questões de forma madura e verdadeira. Aliás, na maioria dos casos, omitem a
existência da organização ou reorganização sindical da categoria. Não se
prepara a categoria para lutar pelos seus direitos de trabalhador, restringem a
formação profissional somente na garantia de direitos dos usuários. O processo
de precarização nas relações de trabalho também é um grande desafio a ser
cumprido (DIRIGENTE SINDICAL DA FENAS).
Consideramos que essas ponderações não contemplam os desafios que
envolvem essa problemática da organização sindical. O desconhecimento sobre a
existência ou não das entidades sindicais não eliminam as determinações objetivas dos
desafios colocados para os assistentes sociais como trabalhadores. Uma outra questão
que deve ser considerada nesse processo é a inclusa transição aos ramos e a pouca
densidade política em torno das experiências dessas organizações, junto ao
ressurgimento de entidades sindicais da categoria com pouca densidade e
expressividade política, ainda, que apontando para uma tendência de crescimento. E
nesse caso é preciso dizer que, aí sim, o desconhecimento, por parte de amplos
segmentos das novas gerações profissionais, sobre o processo sócio-político que
152
determinou o fechamento das entidades sindicais, pode contribuir, em parte, para o
aumento da sindicalização nos sindicatos específicos da categoria. Mas, outras
questões, mais de fundo, devem ser colocadas na reflexão sobre esse processo.
Quanto ao processo de realização das alianças políticas para a articulação
dessas lutas, nos foi sinalizado que, hoje, o CFESS possui assentos em espaços
estratégicos, que garante a pauta e o encaminhamento de lutas mais abrangentes
embora revelem, nessa conjuntura, alterações na correlação de forças, dado o elevado
nível de atrelamento das organizações políticas de esquerda ao poder estatal. A título
de ilustração a nossa entrevistada colocou a seguinte situação:
O Conselho Nacional de Assistência é um conselho que, hoje, o CFESS tem
pouquíssimos aliados lá dentro, pouquíssimos. Entidades que já foram
parceiras históricas do CFESS, no âmbito do Conselho Nacional de
Assistência, hoje, não são mais parceiras e fizeram uma articulação, inclusive
pra deixar o CFESS fora do Conselho Nacional de Assistência. Então, por
exemplo, a CUT, a CUT foi uma entidade que já foi muito parceira do CFESS,
no âmbito da assistência, parceira no sentido da construção da política de
assistência, na defesa de que a assistência fosse direito e numa luta contrária
ao uso da assistência como filantropia e até como favorecimento de entidades
filantrópicas ou de entidades de interesses corporativos, entidades que estão
lá no Conselho Nacional de Assistência. Desde 2005, na verdade desde que o
governo Lula foi para o poder, que alguns parceiros que eram parceiros
históricos do CFESS, aconteceu em alguns casos até ruptura, outros
distanciamento. No caso do CNAS isso ficou muito claro. As posições
contrárias, as posições críticas do CFESS ao governo, a política econômica,
estabeleceram o distanciamento de parceiros históricos como a CUT, que não
tinha a mesma análise crítica da política econômica do governo Lula, por
exemplo, e isso provocou, teve rebatimentos no âmbito da representação. No
caso do Conselho Nacional de Assistência a CUT, a FASUBRA e outras
entidades da sociedade civil e, em nossa análise política, em articulação com
as representações governamental, construíram um cenário de articulação que
deixou o CFESS fora da titularidade do Conselho Nacional de Assistência. Por
exemplo, essas entidades se aliaram CUT, FASUBRA, CNTSS que já era uma
aliada histórica também, que é Confederação Nacional de Trabalhadores da
Seguridade Social, se aliaram para eleger a FENAS (Federação Nacional dos
Assistentes Sociais) e elegeu o Conselho Federal de Contabilidade, deram
voto para o Conselho Federal de Contabilidade e não deram para o CFESS
(CONSELHEIRA DO CFESS).
Quanto à composição das alianças e lutas políticas da FENAS, nos foi
apontado, pela sua representante, a seguinte conformação:
153
A FENAS tem os seguintes assentos: Membro Titular do Conselho Nacional de
Assistência Social, Membro Titular da mesa nacional de Negociação do SUAS e
Membro Suplente do Conselho Nacional de Saúde. Estamos já nos articulando
para entrar nos demais Conselhos de direito. Temos travado lutas pela
valorização da profissão e abertura de mercado de trabalho. Defendemos PL de
Jornada de Trabalho de no máximo 30h semanais numa ótica trabalhista. O
processo de mobilização da base cabe a cada sindicato, se manter como
entidade sindical atuante e com participação ativa da categoria. Participação
nos eventos da Federação é momento fundamental para o fortalecimento das
lutas. Precisamos garantir ainda algumas conquistas tais como: Ter o
profissional de Serviço Social na equipe mínima do PSF, inserção do
profissional como ator fundamental na Política de Assistência Social, inserção
do assistente social nas escolas e nas demais políticas sociais. Outro fator de
luta é no setor privado, pois ainda é tímida a inserção da profissão (MEMBRO
DA DIRETORIA DA FENAS).
Embora esclareça em quais instâncias políticas nas quais militam e em
torno da defesa de determinadas pautas de luta, não fica claro, nessa fala, que tipo de
aliança e articulação se trava com as organizações representativas dos trabalhadores,
no âmbito desses espaços de disputa política. Não aparecem os conflitos, as
contradições, nem análises sobre os desafios para as lutas do trabalho nesses
espaços e nessa conjuntura.
De modo contrário, a fala da conselheira do CFESS entrevistada deixa
essas questões bem claras. Aliás, outros elementos se evidenciam nessa fala, que
dizem respeito à avaliação que o CFESS faz da FENAS, e que tipo de relação
estabelece com esta entidade. Observemos o trecho abaixo:
Não tem nenhuma relação de convivência, nenhuma relação de aliança, nada
[...] Então, pra nós a FENAS é uma entidade que foi criada sem processo de
discussão com a categoria, em nenhum momento foi fundada, a partir de um
debate como as entidades nacionais, como o conjunto CEFSS e ENESSO,
então ela se criou completamente em paralelo, né? É uma entidade que tem
tido posicionamentos divergentes e antagônicos do que o CEFSS tem nos
espaços de representação onde a gente convive, como, por exemplo,
Conselho Nacional de Saúde, Conselho Nacional de Assistência é uma
entidade que disputou a direção do CEFSS e de vários CRESS na eleição
passada, é uma entidade que judicializa os processos. Entrou com um pedido
de eliminar para anular a eleição do Conjunto CFESS/CRESS, entrou na
justiça, agora, recentemente, a um mês atrás. Então, é uma entidade que
existe, é uma entidade que disputa espaço, disputa poder e que tem
posicionamentos com os quais a gente não fecha, então é uma entidade que
nós não temos nenhuma relação com ela (CONSELHEIRA DO CFESS).
154
Na perspectiva da FENAS essa relação com as demais entidades
representativas é vista da seguinte forma, como coloca a dirigente da federação no
trecho da entrevista abaixo:
Para os sindicatos dos assistentes sociais os aliados são os demais sindicatos
de diversas categorias e os sindicatos gerais. Nada seremos se não tivermos
como verdadeiros aliados a própria categoria. Se hoje existe a FENAS e se os
sindicatos estão reabrindo no Brasil, quem nos legitima e são aliados é o
profissional de serviço social. A FENAS procura manter um bom relacionamento
com todas as entidades da categoria, mas a recíproca não é verdadeira. Temos
sido ao longo dos anos alijados do processo de discussão como se não
fôssemos da mesma categoria. Entendemos estarem desrespeitando os
princípios básicos contidos no nosso código de ética profissional. Infelizmente
temos como nossos opositores alguns dirigentes das entidades específicas da
categoria. Começamos a entender existir um grupo que dissemina inverdades
sobre a FENAS e seus dirigentes; pois as relações passam a ser pessoais e
não ideológicos, isso é grave. Passa a existir o discurso fantasioso de que a
FENAS quer ou está em disputa com o projeto ético político da categoria. Isso
não é verdade, acreditamos que o projeto não é de uma minoria da categoria,
mas de toda a categoria já que é um projeto da profissão (DIRIGENTE
SINDICAL DA FENAS).
A interpretação da dirigente entrevistada deixa transparecer de forma
explícita, uma perspectiva que tende a desqualificação as divergências políticas que
envolvem a relação entre as entidades representativas da profissão e a FENAS. Na
análise da dirigente, as questões políticas ganham dimensões pessoais, e os aspectos
valorativos perdem a densidade política presente na questão. Transitam da esfera
política dos aspectos abrangentes para o campo relações estritamente pessoais,
individuais entre lideranças específicas de determinadas entidades. As divergências
políticas envolvem visões de mundo, análises sócio-políticas diferenciadas, estão para
além das divergências pessoais.
De acordo com a entrevista realizada com os representantes do movimento
estudantil de Serviço Social, a repercussão do ressurgimento das entidades sindicais,
ainda, é bastante branda, no interior das entidades nacionais representativas da
categoria e dos estudantes de Serviço Social. Isto ficou bastante claro quando a
entrevistada demonstrou desconhecimento da existência da FENAS, o que expressa
155
àquela questão da legitimidade no âmbito da profissão e sua categoria profissional.
Vejamos um trecho da entrevista com a representante da ENESSO:
[...] na verdade não sei em relação às outras coordenadoras, mas eu
desconhecia, não sei como funciona [...] então eu desconhecia totalmente a
existência da FENAS, eu conheço as outras entidades a ABEPSS, a federação
internacional de trabalhadores de serviço social, os conjuntos CRESS, alguns
sindicatos que foram criados recentemente, por estado ou algo assim, mas a
FENAS eu desconhecia (REPRESENTANTE ESTUDANTIL DA ENESSO –
Região V).
No que diz respeito ao debate existente no Serviço Social, sobre as formas
estratégicas para a organização sindical dos assistentes sociais a entrevistada nos
apontou a seguinte ponderação:
[...] este processo de reabertura de sindicato tem-se percebido, mas, essa
questão, dentro do movimento isso agente entende que não existe uma
discussão apropriada sobre isso. Não apenas no movimento, mas em toda a
categoria, existindo fortes divergências em relação a temática, por isso eu
defendo que exista a necessidade do amadurecimento dessas estratégias,
daquilo que a categoria vai considerar como fundamental (REPRESENTANTE
ESTUDANTIL DA ENESSO – Região V).
A perspectiva de análise presente nessa fala sinaliza, nesse momento
histórico, as bases do dilema da organização sindical dos assistentes sociais. Na nossa
concepção há algo que precisa ser ponderado, no sentido da resolução desse impasse,
qual seja, quais estratégias deverão ser encampadas para a organização sindical da
categoria profissional, de modo atinente com o que reivindica o projeto ético-político
profissional do Serviço Social brasileiro.
Nesse sentido, corroboramos com a análise de que a ruptura com as
diferentes formas de corporativismo e a adesão a uma organização mais unificada dos
trabalhadores que “supere a fragmentação da classe trabalhadora em categorias
profissionais está em consonância com os princípios defendidos pelo projeto éticopolítico profissional, construído na profissão” (RAMOS, 2006, p. 166).
156
A concreticidade dessa concepção é uma realidade que nos desafia
cotidianamente, sobretudo no tempo presente, no qual as formas corporativistas que,
em tese, haviam sido superadas, ressurgem com configurações que pervertem as
programáticas mais combativas de luta e organização dos trabalhadores.
4.3 Organização sindical por ramo ou categoria?: polêmica nas estratégias de
mobilização da categoria de assistentes sociais
Nesse contexto de reorganização das lutas da classe trabalhadora brasileira,
há muitos desafios a serem enfrentados. Do ponto de vista das entidades sindicais,
além dos desafios determinados pelo contexto de ofensiva capitalista, cujas expressões
materializam-se nas profundas formas de degradação e expropriação das condições de
vida e trabalho, há especificamente, na dimensão organizativa, problemáticas que
precisam ser refletidas e enfrentadas com bastante seriedade.
Essa constatação decorre da necessidade de rompimento com as estruturas
tradicionalmente conservadoras e secretórias (nascidas no início do século passado)
que se consolidaram na realidade do movimento sindical brasileiro. Essa necessidade
se coloca como um desafio premente e como pressuposto fundamental para o processo
de afirmação política da classe trabalhadora nos dias que correm. Nessa perspectiva, a
construção de mecanismos de organização abrangentes e capazes de envolver, senão
a totalidade dos trabalhadores, parcelas significativas dessa classe, é uma questão
fundamental e inadiável. Mas, para que não se tornem fragmentárias essas
organizações devem levar em consideração a diversidade econômica, política e cultural
que caracteriza a classe trabalhadora, hoje. Noutras palavras, do ponto de vista do
movimento sindical, as mudanças necessárias para esse contexto dizem respeito, tanto
a capacidade de abrangência da diversidade que caracteriza a classe trabalhadora,
quanto às modalidades de estruturação da organização.
No âmbito do novo sindicalismo, a CUT inaugurou uma proposta bastante
ousada no que concerne a construção de experiências organizativas capazes de
157
superar a tradicional referência para a organização dos sindicatos de trabalhadores no
Brasil. No II Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CONCUT), em
1986, foi deliberada a posição e encaminhamento de que as profissões tidas como
`liberais‟, as quais possuíam categorias com um contingente profissional bastante
expressivo na área pública, se organizassem sindicalmente de acordo com o ramo de
atividade econômica a que pertencessem (ABRAMIDES e CABRAL, 1995). Esta
proposta surge com a perspectiva de unificação da classe trabalhadora, bem como da
quebra do corporativismo.
É bem verdade que este encaminhamento não teve grande repercussão
dentro do movimento sindical brasileiro, embora experiências pontuais já viessem se
desenhando no contexto em que a Central encaminhou essa perspectiva como
referência estratégica para o processo de organização dos trabalhadores, no âmbito do
movimento sindical. Algumas categorias profissionais começaram a incorporar esse
modelo de organização passando a organizar seus processos de sindicalização junto a
outros trabalhadores, referenciados pela atividade econômica desenvolvida nos seus
espaços de trabalho. Nesse sentido, alguns ramos de atividade econômica foram se
consolidando107, mas sem conseguir ganhar expressividade na ampla dimensão dos
sindicatos filiados a CUT. Em relação a essa questão, o dirigente da CONLUTAS
recorda o seguinte processo:
nós discutimos muito sobre isso no final da década de 1980 e na década de
1990 e há várias formas de organização possíveis e a conclusão que foi feita
naquele momento apontava para a necessidade de agrupar os trabalhadores
em sindicatos e, quanto mais amplos, melhor, no sentido de superar a
fragmentação nesse sentido, ou seja, a opção era avançar no setor público
avançar pelos sindicatos por ramo, não só no ramo da seguridade social, mas
no ramo da indústria, da metalúrgica, no setor de alimentação. Isso avançou
muito pouco, houve algumas mudanças no setor público, mesmo assim
limitados na educação federal nós temos três sindicatos grandes, nos temos um
sindicato nacional que é o ANDES, nós temos um sindicato nacional das
escolas técnicas federais, CFETs e as agro-técnicas e nós temos uma
federação nacional que é dos Técnicos Administrativos das Universidades.
Então, em princípio, é tudo educação, mas tem três entidades nacionais só para
pegar um setor (DIRIGENTE SINDICAL DA CONLUTAS).
107
Segundo dados da Secretaria Nacional de Organização da CUT, do ano de 2002, a estimativa aponta para a
existência de 18 ramos no âmbito da Central, que, aglutinam trabalhadores de diversas atividades econômicas
concentradas nos setores da produção e dos serviços.
158
Na concepção dos setores dirigentes da CUT esta questão não perde sua
atualidade, pois ainda aponta para uma perspectiva de organização estratégica para a
unificação da lutas dos trabalhadores.
Estamos convictos da necessidade de ampliarmos e avançarmos na
organização dos trabalhadores na perspectiva da superação da ação
corporativista em nome da verdadeira e solidária unidade. É impossível
conseguirmos uma organização fortalecida e atuante com a atual estrutura
pautada em categorias profissionais fechadas na defesa dos seus interesses
particularizados. Essa fase teve e tem sua importância no contexto histórico,
cumpriu um papel importante, mas precisa avançar para um patamar mais
condizente com o interesse coletivo e com o perfil de classe. Óbvio que
sabemos das dificuldades de viabilizarmos a proposta de atuação por ramo de
atividade. Envolve conceitos culturais arraigados, interesses corporativos
importantes, mas nada que não possamos superar com o debate aprofundado
sobre o que realmente interessa a classe trabalhadora sob uma ótica mais
ideológica e sintonizada com a necessidade do seu fortalecimento (DIRIGENTE
SINDICAL DA CUT).
Os desafios presentes nessa perspectiva organizativa não dizem respeito
apenas ao ranço conservador da organização sindical oficialesca do século passado,
mas, também, possuem determinações sócio-históricas atuais. Não podemos
desconsiderar, na perspectiva dessa problemática, os rebatimentos que as mudanças
no padrão de organização produtiva e de acumulação do capital causaram na vida e
organização do trabalho. A reconfiguração das relações de trabalho acabou alterando
as características da classe trabalhadora, impactando, diretamente, na sua dimensão
político-organizativa. Isto é, deteriorando a sua ação política e seus mecanismos de
representação de classe, tais como as entidades sindicais, partidos políticos e
movimentos sociais de mobilização popular mais aguerrida. Dentro do quadro mais
geral, dessas inflexões contemporâneas, o desemprego estrutural e ou a queda no
padrão das relações de trabalho se colocam como desafios cruciais para o amplo
conjunto
dos
trabalhadores.
É
preciso
reconhecer
que
os
trabalhadores,
independentemente de suas profissões, sofrem sabotagens dos capitalistas e toda
forma de constrangimento faz os trabalhadores aceitarem “as condições mais duras
159
para evitar aos capitalistas o crescimento do desemprego” (AGUENA, 2008, p. 129).
Inclusive, no contexto neoliberal, a flexibilização econômica é vista, no plano ideológico,
como única forma de garantir a ampliação de empregos. Mas, na verdade, configura-se
a forma capitalista de expropriação absoluta e difusa do trabalho. Decorre desse
processo uma tendência concreta de fragmentação das lutas mais gerais dos
segmentos trabalhadores, pois o próprio nível de competição entre os sujeitos é o pior
lado do atual estado de coisas para a classe trabalhadora, “a arma mais afiada contra o
proletariado nas mãos da burguesia” (AGUENA, 2008, p. 45). Ademais, a luta no âmbito
sindical tende, nesse contexto, a restringir sua ação política e priorizar aspectos
relacionados a pautas salariais e manutenção do emprego, conduzindo a classe aos
limites da luta corporativista.
Ainda no que diz respeito à dimensão organizativa das entidades sindicais, a
tendência neocorporativista é, também, conotada pela não-incorporação de estratos de
trabalhadores em situação de trabalho temporário, precarizado e ou desempregado. E
isso consiste um grande limite das entidades sindicais, pois nesse contexto de
degradação dos modelos de formalização e proteção do trabalho, acabam abarcando
parcelas ínfimas da classe trabalhadora. Por essa razão, os sindicatos, teoricamente,
deixam de ser as instâncias políticas mais atrativas para o amplo conjunto das massas
dos trabalhadores, justamente pela cisão concreta que reproduzem na perspectiva
organizativa. Daí parte a necessidade da ampliação sobre a concepção do papel
político dos sindicatos frente a esse contexto ofensivo. O que implica reorganização das
suas formas estruturais e políticas como instrumento de luta de classe.
Reiteramos que iniciativas isoladas não conseguirão reverter o quadro de
descenso da ação política da classe trabalhadora, cujas expressões se revelam no grau
de dispersão e de falência a que chegaram as organizações gerais criadas na
conjuntura política dos anos 1980.
Voltando a questão da perspectiva da luta sindical referenciada nos ramos
de atividade, a CONLUTAS nos aponta os seguintes limites e desafios
[...] o que é que dificulta uma abstração disso numa forma mais adequada de
organização e transformando disso numa forma mais adequada para uma luta
de classes? O interesse que é pequeno. Os sindicatos que na forma que
160
existem estabelece um conjunto de privilégios para os dirigentes. O dirigente
sindical não corre esse risco [referindo-se a perda do emprego]. Segundo tem,
um outro privilégio monumental, pelo menos por parte dos dirigentes, que é ser
liberado, ou seja, nessa sociedade que nós vivemos, alienação que é o trabalho
humano, você não precisar trabalhar, está lá sem ter que agüentar “encheção
de saco” (sic) do patrão, ficar livre pra fazer política, não é um privilégio
pequeno, é grande. Segundo tem o problema financeiro, da maioria dos
sindicatos brasileiros pelas facilidades de arrecadação. Em muitos países não
tem esse negócio de desconto da mensalidade em folha. Tem muitos países
que o dirigente tem que ir à empresa receber todo mês a mensalidade se não,
não recebe. Então o cara tem muito privilégio primeiro tem estabilidade,
segundo pode ficar sem trabalhar, terceiro se trabalhar na empresa, porque tem
cara que trabalha fora da empresa, mas pela categoria, sem ter que cumprir
aquela meta alienante lá, alguns vão ter carro a disposição e celular. Então, se
estabelece um monte de privilégios que é repartido entre milhares de pessoas
das direções dos vários sindicatos. Aí você pára o cara e diz, meu amigo vamos
juntar esses três sindicatos e vamos fazer um só. Aí o cara olha para o lado e
diz tudo bem, mas quem é que vai ficar como diretor do sindicato, liberado com
ajuda de custo, celular e carro? Aí fica só pra uma diretoria, as outras duas
dançam. Essa é a principal dificuldade pra fazer mudança mais profunda e
avançada na construção de sindicatos mais gerais (DIRIGENTE SINDICAL DA
CONLUTAS).
.
Na realidade, as vantagens de natureza política concedidos aos dirigentes
sindicais, nesse país, são conquistas históricas do próprio movimento dos
trabalhadores. O processo de organização da luta dos trabalhadores supõe uma
direção política, que não consegue se efetivar pelo espontaneísmo das bases filiadas.
Nesse sentido, a direção do movimento tem que ser composta por uma menor fração
dos trabalhadores organizados. A qualificação desse processo político é um aspecto
relevante que não pode deixar de ser contemplado, na perspectiva do movimento. Para
dedicarem-se, de forma parcial ou exclusiva, aos processos de instrumentalização e
qualificação da ação política do movimento, os dirigentes sindicais acabam
necessitando ser dispensados das suas atividades laborais. Esse processo se torna
necessário na medida em que, para garantir uma ação política qualificada, no
direcionamento da mobilização e organização dos trabalhadores, as lideranças do
movimento precisam se dedicar ao processo de formação política. O ideal seria que
todos os trabalhadores pudessem qualificar a sua ação política e fossem capazes de
garantir direção aos movimentos políticos da classe. No entanto, no plano imediato, o
vínculo alienante do trabalho e o aviltamento da atividade laborativa, terminam por
161
afastar, grande parcela da classe trabalhadora, das condições de uma prática política
consciente e qualificada.
No caso das vantagens materiais que os dirigentes sindicais desfrutam
podem, por um lado, corresponder a uma necessidade objetiva para viabilização da
ação política a qual se dedicam, o que é legítimo já que representam os interesses de
uma coletividade. Além disso, não teriam como custear de forma independente a sua
ação política. Não podemos esquecer que, a condição de assalariamento, continua
determinando a posição desses sujeitos, na relação de classe. Agora, quando há abuso
desses privilégios, isto é, uso indevido e de forma particularmente apropriada, perde
sua legitimidade e ganha caráter de desvio burocrático ou degeneração burocrática. Os
vícios dessas práticas correspondem diretamente aos limites apontados no trecho da
entrevista. Quando isso acontece, ocorre uma inversão de interesses, por parte das
representações dos trabalhadores, isto é, seus representantes abandonam os
interesses da classe de origem e migram para o campo inimigo. Numa palavra, tornamse, nos termos de Marx, lacaios do capital.
Vejamos outro desafio, apresentado por nosso entrevistado, no que
concerne a organização sindical por ramo.
Segunda dificuldade grande, que tem a ver aí sim, com o processo real com a
dificuldade objetiva de cada setor, ele tende ao senso comum, a cobrar do
dirigente resposta imediata para o problema dele e não dos outros, então, a
pressão maior que os trabalhadores fazem normalmente para organizar o
sindicato mais próximo possível da realidade concreta que ele vive. Também
não é fácil convencer o trabalhador que é melhor ele se juntar com outra
categoria pra fazer um sindicato mais amplo e pra ter mais força para
encaminhar as lutas políticas gerais, porque na cabeça desse cara o quê que
vai passar: que eles vão abandonar meu problema concreto cotidiano da fábrica
vai ter muita coisa pra ver e eles não vão ver nada, então, há uma pressão
objetiva. Essa coisa ficou meio zero a zero, a CUT discutiu muito, em alguns
setores se aplicou esses. Eu acho que alguns que abriram mão desses
sindicatos organizados, foram os assistentes sociais que abriram mão dos
sindicatos e foram atuar no ANDES, no SINDSAÚDE, nos sindicatos onde as
pessoas estavam trabalhando. Mas, mesmo agora, estão fazendo pressão pra
voltar, tem gente aí fazendo sindicato de novo, ainda mais com o imposto
sindical, você vai ver. A implantação do imposto sindical no setor público que
não tinha vai passar a ter no próximo ano, vai alimentar isso ainda mais, porque
tem o setor que já organiza o sindicato pensando no dinheiro que vai receber,
que não é pouca coisa não. O ministério quando baixou a portaria instituindo o
imposto sindical, mês e meio antes ele baixou uma portaria reconhecendo a
personalidade sindical de uma confederação, que é a Confederação dos
Servidores Públicos do Brasil que existe desde minha época, desde [19]70,
162
nunca teve presente em nenhuma luta do servidor, é um negócio fantasma,
mas vai receber 5 % do imposto sindical de 7 mil pessoas, imagine o dinheiro
que é isso (DIRIGENTE SINDICAL DA CONLUTAS).
Esse segundo limite tem relação com aquilo que discutimos a pouco, acerca
das tendências de focalização das pautas políticas das entidades sindicais, que, por
sua vez, são determinadas pelo processo de fragmentação que os trabalhadores vivem,
nesse novo contexto de reestruturação político-econômica. Sem contar é claro, com a
tradicional perspectiva de organização das corporações profissionais, historicamente
consolidadas no país, e reforçadas, nessa conjuntura recente, pelas contra-reformas
neoliberais. É incontornável o estímulo a fragmentação dos processos organizativos
dos trabalhadores, presente na reforma sindical do governo Lula. Aliás, a ampliação da
percepção do imposto sindical, para uma maior quantidade de sindicatos, é um
processo que visa, além do incentivo a fragmentação do movimento, um atrelamento
generalizado das entidades sindicais a estrutura estatal, nos moldes utilizados por
Vargas, no início do século passado. A revitalização dessas práticas implica um
retrocesso inestimável das lutas sociais, em que pese as diferenças e particularidades
dos contextos sócio-históricos nos quais corresponderam (e correspondem) as
estratégias de controle das classes dominantes. Isto é, na Era Vargas, essas medidas
se colocavam num contexto em que, as lutas operárias possuíam uma força política que
forçava a intervenção do Estado, para numa perspectiva de garantia dos direitos
trabalhistas. Hoje, o contexto social é, profundamente, regressivo, tanto do ponto de
vista da organização política da classe trabalhadora, quanto das suas conquistas
históricas, mediadas pela práxis política. É preciso lembrar que, o cerceamento da
fragmentação dos trabalhadores e de suas lutas, pressupõe o rompimento com as
formas de atrelamento ao Estado. Além disso, é necessário imprimir uma direção
classista no movimento de organização dos trabalhadores, principalmente, em um
momento histórico, como o que vivemos, de regressão no âmbito internacional e
nacional e de capitulação ante os governos federal, estaduais e municipais
(ABRAMIDES, 2009). A luta contra este tipo de sabotagem deve unir e não separar a
maioria dos trabalhadores.
163
No âmbito da CONLUTAS esses desafios vêm sendo encarados, do ponto
de vista das suas estratégias políticas, a partir de uma nova definição de organização
do movimento sindical baseada numa perspectiva autônoma e de classe. Sobre essa
questão, o trecho da entrevista, abaixo, nos aponta o seguinte:
[...] nós vivemos no processo de reorganização e veja, pra nós construirmos
uma unidade no conjunto da classe, pra poder lutar na defesa dos interesses
nós tivemos que dividir, [...] que romper com a CUT, o que eu quero dizer com
isso? A forma de organização nunca é mais importante que a política, do que a
circunstancia política. Ela sempre é um instrumento, o objetivo que você quer
atingir é o que determina. Então, se você tem uma organização que é geral,
mas que esta completamente atrelada ao governo, defende interesses que não
são dos trabalhadores, que deveria representar, muita das vezes é mais
produtivo para o trabalhador dividir aquela organização, construir uma mais
específica que seja pra luta e depois tentar aglutinar em torno dela os setores
para ir voltando a uma organização, do que manter uma como aquela
(DIRIGENTE SINDICAL DA CONLUTAS).
Embora concordemos com a defesa de uma luta combativa, autônoma e
referenciada nos ideais da classe trabalhadora, divergimos da concepção que relega a
forma de organização. Certamente, nesse contexto defensivo, as formas de
organização não tenham tanta relevância política na visão dessa central. Mais importa,
na visão dessa central, que os trabalhadores estejam organizados e garantindo direção
autônoma ao movimento. É preciso reconhecer que, uma coisa é o respeito a liberdade
de organização dos trabalhadores e, inclusive, a direção política que queiram dar ao
seu movimento; outra é identificar e apontar que as formas de organização influem
politicamente no desdobramento das pautas reivindicativas dos trabalhadores, pois
podem revelar aspectos obstantes para a luta do movimento mais amplo e combativo
da classe. As modalidades organizativas podem expressar concepções mais
defensivas, neocorporativistas, insuladas e focalização das reivindicações e interesses
que, no final das contas, acabam sendo funcionais ao livre movimento do capital.
Mesmo elegendo os aspectos da direção do movimento, como elemento
prioritário na dimensão organizativa dos sindicatos, a CONLUTAS frisa a seguinte
164
questão, na análise sobre a organização sindical referenciada nas categorias
profissionais
Então, é um movimento que se você olhar abstrair o problema político
envolvido, é um movimento regressivo. Em vez de você unir mais está
dividindo, mas, o problema é que pra se construir uma coisa que seja pra luta,
você tem que construir coisa nova por que esse aqui degenerou de uma forma
que não se consegue reorganizar outra por dentro dela. Então nós estamos
vivendo esse momento que é o momento de aglutinar as organizações mais
gerais. Então, por princípio eu acho melhor sindicato por ramo, os sindicatos
quanto mais gerais, mais ampla for sua base de representação melhor para os
objetivos gerais que nós temos. Agora isso não é uma coisa automática,
depende das circunstâncias (DIRIGENTE SINDICAL DA CONLUTAS).
Se as estruturas de organização mais totalizantes implicam circunstâncias
históricas favoráveis para a organização dos trabalhadores, como garantir, nesse
contexto sócio-histórico, organizações sindicais combativas e autônomas? Ora, se os
trabalhadores não constroem organizações mais ofensivas em meio ao caos, terão
condições de fazê-las em tempos de “bonança”? É preciso perceber que, essas
condições históricas devem ser construídas, pelos próprios trabalhadores, no campo
contraditório das relações de classe. E, do ponto de vista da organização política as
instâncias sindicais mais abrangentes, como as centrais sindicais, possuem um papel
fundamental no que concerne a direção do movimento das massas trabalhadoras,
sobretudo, as experiências que inauguram formas renovadas de organização, como é o
caso da CONLUTAS, na realidade brasileira.
É preciso reconhecer que a implantação da nova estrutura sindical, da qual a
proposta dos sindicatos por ramo faz parte, é um desafio enorme para os
trabalhadores, bem como para os segmentos das categorias profissionais que
concordam com essa transição, pois, a elas competem à construção de estratégias
para a superação da lógica de serem as categorias profissionais, a referência para a
organização sindical. Nessa direção, Abramides e Cabral (1995), apontam que “essa
construção implica um trabalho de base, a partir do mapeamento da categoria e
pressupõe um processo de formação sindical permanente” (p.113).
165
Apesar da inserção significativa dos assistentes sociais em sindicatos de
trabalhadores em serviço público, pelo processo de filiação a esses sindicatos,
é visível a ausência de comissões sindicais que dêem conta das singularidades
das diferentes categorias. Neste sentido,são exemplos: o redesenho de postos
de trabalho, a necessidade da retomada da luta por concursos públicos, os
dados de postos em vacância, a atualização dos planos de carreiras e que fez
com que esses sindicatos deixassem por um grande tempo em segundo plano
as lutas específicas, e os profissionais ficassem atomizados e pulverizados,
apesar de estarem filiados aos sindicatos gerais ou por contratação
(ABRAMIDES, 2009, p. 103).
Por essa razão reafirmar que o caminho é a retomada de sindicatos de
categoria profissional, mas a ação em sindicatos amplos que congreguem o conjunto
da classe trabalhadora significa ainda “depreender que se os mesmos abdicarem do
processo de mobilização e lutas, da autonomia e independência de classes [...] no
limite permanecem na imediaticidade” (ABRAMIDES, 2009), isto é, não reverterá a
regressão presente nas formas de organização vigentes.
Vale ressaltar que as formas clássicas - que priorizam a necessidade da
assunção de um perspectiva de classe que abandone a dimensão econômicocorporativa para a ético-política -, representam, cada vez menos setores das classes
trbalhadoras (AMARAL, 2009).
Na interpretação gramsciana, há indicações sobre os diversos momentos do
processo de elaboração da consciência política coletiva, ou seja, o grau de
autoconsciência e de organização alcançado pelos vários grupos sociais. Da
expressão de uma consciência econômico-corporativa, voltada para uma unidade
homogênea-corporativa de grupos profissionais, estendendo-se, de modo processual,
num movimento complexo e contraditório, é possível projetar essa unidade para um
grupo social mais amplo, que se caracteriza pela solidariedade de interesses entre
todos os membros que o compõem (RAMOS, 2005).
A formação da consciência humano-genérica implica, portanto, „a consciência
de que os próprios interesses corporativos, em seu desenvolvimento atual e
futuro, superam o círculo corporativo, de grupo meramente econômico, e
podem e devem tornar-se os interesses de outros grupos subordinados‟
(Gramsci, 2000, p.41).
166
Do ponto de vista das organizações sindicais, essa questão só pode ser
viabilizada por formas de organização que abranjam amplos segmentos de
trabalhadores, pois as formas de organização fragmentadas desempenham uma
funcionalidade à dinâmica capitalista. E no caso da particularidade de organização dos
assistentes sociais, esse tipo de organização são, essencialmente, negadoras dos
princípios que reivindicam o projeto ético-político da profissão.
Embora não possamos ocultar as questões singulares que os assistentes
sociais têm enfrentado nos espaços sóciocupacionais, na conjuntura de inflexões
estratégicas do capital, de fragmentação da classe trabalhadora, não podemos permitir
que as especificidades sobreponham-se as problemáticas gerais e universalizantes,
pois “as reformas em curso não comportam mais esse tipo de negociação a não ser
como estratégia que individualiza as relações sociais, que flexibiliza o trabalho e
também as formas de negociação” (AMARAL, 2009, p. 120).
Por essa razão, avaliamos que os esforços coletivos no âmbito da profissão
devem ser envidados por dentro do debate e da ação política na perspectiva de garantir
que as demandas específicas sejam articuladas as questões, essencialmente, gerais
que se colocam na realidade contemporânea. Essa questão é de fundamental
importância e por isso, deve ser considerada pela categoria profissional no
enfrentamento ao dilema da sua organização sindical. Qualquer outra questão menos
fundamental do que esta será ininteligível às contradições que devem ser confrontadas.
167
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A criação da FENAS nos anos 2000 trouxe a tona dilemas e desafios
históricos para a categoria profissional dos assistentes sociais. Como vimos as
determinações históricas e a análise política que levaram a categoria profissional
extinguir seus sindicatos e a ANAS, no início dos anos 1990, estavam pautadas num
contexto de ofensiva capitalista e de crise política dos projetos de esquerda nas
realidades brasileira e internacional.
O ocaso da ANAS, como decisão política majoritária da categoria, não pode
ser compreendido sem uma contextualização histórica. Neste sentido, é importante
levar em consideração a conjuntura sócio-econômica e política da realidade brasileira
do início da década de 1990. É preciso observar que, nesse período, o desalento e
refluxo das mobilizações populares e sindicais caracterizaram a mudança na correlação
de forças, no âmbito da sociedade civil, com fortes rebatimentos para o
desfavorecimento da disputa dos interesses da classe trabalhadora, no interior do
aparelho do Estado. Ademais, o campo político da esquerda nacional, ainda, na década
de 1980, precisamente em 1989, perde a chance de avançar no projeto de
radicalização da democracia, com a vitória do candidato das classes dominantes, Collor
de Melo, que permitiu a aceleração da implantação, no país, do receituário da política
neoliberal.
A partir de então, a classe trabalhadora sociedade brasileira, começa a
vivenciar os ataques aos direitos e as garantias que, há muito pouco tempo, haviam
sido conquistados na realidade nacional, através da incorporação, pela Constituição
Federal, em 1988, de muitas das reivindicações populares dos trabalhadores
organizados nos seus espaços de luta.
A classe dominante, junto ao capital internacional, consegue, nesse sentido,
implementar a programática da reordenação do seu projeto, através da contra-reforma
do Estado brasileiro, especialmente, a partir do governo FHC. Junto à implantação do
168
Plano Real - que além de “solução” (a duras penas) econômica para a situação
inflacionária do país, rendeu, estrategicamente, o marketing eleitoral para a campanha
de FHC, - veio a abertura comercial; a desregulamentação das relações de trabalho; a
reestruturação produtiva como adequação moderna e flexível para garantir a
competitividade do país no mercado internacional, o que fez intensificar os índices de
desemprego e da precarização do trabalho; o aprofundamento da contra-reforma
estatal, caracterizado pela privatização de setores e empresas públicas e pelos cortes
no orçamento dos gastos públicos, que trouxe reflexos contundentes no sucateamento
dos serviços das instituições públicas, bem como, a deterioração dos direitos e das
garantias sociais públicas. Esse panorama representou o prelúdio de um tempo de
barbárie, no qual o processo de aprofundamento das contradições sociais deu origem a
modalidades, cada vez mais complexas, de manifestação da questão social.
Diante disso, o sindicalismo combativo de massas cede lugar, nessa
conjuntura de ataques e massacres ao trabalho, para uma posição defensiva, na qual
está embutida a perspectiva da conciliação de classes. Desse modo, a agenda sindical
passa a ser construída dentro dessa lógica, reivindicando questões meramente pontuais
e negociações desarticuladas do conjunto mais amplo da classe trabalhadora,
aceitando, inclusive, discutir, com a classe dominante e seus representantes, formas ou
estratégias de soluções “possíveis” para a contemplação dos interesses do capital e do
trabalho - como se isso fosse possível - dentro da ordem do capital.
A partir de então, a sociedade brasileira, especialmente a classe
trabalhadora, começou a vivenciar os ataques aos direitos e as garantias que, há muito
pouco tempo, haviam sido conquistados na realidade nacional, através da
incorporação, pela Constituição Federal, em 1988, de muitas das reivindicações
populares dos trabalhadores organizados nos seus espaços de luta.
É importante destacar que o movimento sindical da categoria dos assistentes
sociais, nesse contexto, vivenciava os mesmos rebatimentos, que foram se
expressando no descenso da sua ação política, na fragmentação e desarticulação das
suas bases filiadas, que foram sendo desmobilizadas pelos freqüentes ataques e
derrotas políticas que sofreram nos processos de luta em defesa da institucionalização
do piso salarial e da melhoria das condições de trabalho. A categoria profissional sentiu,
169
frontalmente, os impactos dessas mudanças sócio-econômicas e políticas na realidade
brasileira e começou a perceber que era necessário desenvolver formas mais
estratégicas para o encaminhamento das lutas em defesa dos direitos da classe
trabalhadora, isto é, seus próprios direitos. Foi nessa perspectiva que o debate sobre a
transição aos sindicatos mais amplos foi sendo inserida nos fóruns da categoria. E a
deliberação extinção dos sindicatos não ocorreu sem tencionamentos e resistência por
parte de alguns setores da categoria. O ressurgimento da FENAS, na conjuntura
recente, não aconteceu por acaso. Mas, cabe frisar que as determinações da
conjuntura histórica, na qual foi fundada, não apresenta diferenças substanciais em
relação ao período no qual a ANAS foi extinta.
Talvez, a tendência do
desfavorecimento para as lutas do trabalho tenham se afunilado, se considerarmos o
contexto de transformismos políticos da CUT e do PT.
Na concepção do segmento profissional que deu origem a FENAS, a
extinção dos sindicatos da categoria no início dos anos 1990, representou uma postura
de isolamento e desarticulação profissional do campo das lutas sindicais, porque a
transição aos sindicatos por ramo de atividade não se efetivou e a categoria ficou sem
ter como encaminhar as suas lutas.
É preciso reconhecer que a transitoriedade aos ramos consistiu um desafio
que a categoria enfrenta até hoje. Acontece, que a tendência mais geral do movimento
sindical reproduz práticas da herança histórica deixada pelas estruturas oficiais
conservadoras do sindicalismo brasileiro, de valores corporativistas, impingidos nas
categorias e ascendidos nesse contexto defensivo atual, que impulsiona a reprodução
de (des)valores calcados na lógica da competição, da disputa, em detrimento de
valores solidários, fraternos e emancipatórios (RAMOS e SANTOS, 2008). Sob essa
perspectiva é necessário reconhecer a exclusividade política dessa decisão, que
realmente não teve ressonância nas estruturas de organização fragmentárias do
sindicalismo brasileiro. Contudo, não podemos desconsiderar a radicalidade e a
ousadia políticas presentes na decisão política que levou a categoria suprimir seus
sindicatos profissionais.
Vale reforçar, portanto, que a idéia de que a categoria profissional ficou sem
representação sindical ou impossibilitada de encaminhar as suas lutas profissionais
170
estratégicas, não possui lastro real. A supressão dos sindicatos da categoria assinalou
para uma perspectiva de integração as lutas mais gerais, através dos ramos de
atividade. Apesar dos limites da estruturação corporativista do movimento sindical
brasileiro, é preciso frisar aqui, que vários segmentos da categoria passaram a militar
dentro dos sindicatos que organizam os trabalhadores do serviço público, na área da
saúde, educação, e outros setores nos quais a luta sindical desfruta de uma
organização mais abrangente. No que diz respeito ao encaminhamento das lutas
políticas, assistimos, nesses últimos anos, a um processo de aprofundamento da ação
política referenciada nas lutas em defesa do projeto ético-político da profissão e dos
interesses da classe trabalhadora. Vale lembrar, que essas lutas têm consistido as
pautas centrais da agenda política das entidades representativas do Serviço Social
brasileiro.
Portanto, não podemos concordar com a análise de que a categoria ficou
sem representação sindical ou sem a condição de encaminhar suas lutas. Uma coisa é
a categoria deixar de ser referência para a organização da luta sindical, outra bem
diferente é não admitir que a luta sindical possa ser referenciada na identidade de
classe determinada pelo lugar que o sujeito ocupa nas relações de (re)produção social
e no processo da divisão sócio técnica do trabalho.
Nesse sentido é preciso muita capacidade crítica para reconhecer que nos
momentos críticos da luta, a burguesia semeia a discórdia entre as massas
trabalhadoras militantes e opõe as ações isoladas de diferentes categorias à fusão de
uma ação geral de classe; em suas tentativas ela é sustentada pelo trabalho das
antigas organizações sindicais, separando os trabalhadores de um ramo da indústria
em grupos profissionais isolado artificialmente, ainda que saibam ligar uns aos outros
para fazer o mesmo que a exploração capitalista. E que, é desta maneira que, a
fragmentação sindical substitui “a possante corrente do movimento dos trabalhadores
por frágeis riachos e os objetivos revolucionários gerais do movimento por
reivindicações parciais reformistas” (AGUENA, 2008, p. 125).
A perspectiva de uma luta sindical geral junto aos demais trabalhadores,
como defende majoritariamente as entidades representativas da categoria, não se trata,
como nos lembra Amaral (2009), de uma questão de considerar trabalho, salários,
171
carreira como coisas desimportantes, mas de reconhecê-los como parte de uma
realidade mais geral que não pode mais ser negociada nessa conjuntura apenas como
demanda específica de uma categoria. É preciso perceber que as mudanças em curso
“não comportam mais esse tipo de negociação a não ser como estratégia que
individualiza as relações sociais, que flexibiliza o trabalho e também as reformas de
negociação” (AMARAL, 2009, p. 120).
Nessa perspectiva, compreendemos que o tipo de organização sindical
retomado e reforçado pela FENAS é expressão de um novo corporativismo, que se
mostra insuficiente para o enfrentamento dos desafios cruciais que se colocam, nesse
contexto de barbárie. A falta de legitimidade política do seu processo de criação e a
condução prática da sua ação política revelam uma incompatibilidade com a
perspectiva de defesa do projeto ético-político profissional.
Do ponto de vista deste projeto, a luta sindical estratégica deve ter na condição
de classe sua referência determinante. Sem a articulação de um projeto societário
estratégico de contraposição ao capital, que mobilize a classe trabalhadora construindo
novos métodos de luta, politizando os enfrentamentos corporativos e rompendo nos
sindicatos as barreiras entre trabalhadores empregados e desempregados, não será
possível fortalecer a resistência à ofensiva capitalista.
No nosso entendimento, a concepção dos ramos de atividade representa um
avanço político, do ponto de vista da organização sindical. Consideramos que a
organização por ramo explicita maiores expectativas para o fortalecimento e articulação
dos segmentos da classe trabalhadora, em volta de uma luta unificada. Nesse sentido,
a organização sindical por categoria profissional é, indiscutivelmente, uma experiência
regressiva nos marcos do sindicalismo de massa, por corresponder, a uma perspectiva
de luta corporativista. Além disso, a conjuntura atual exige uma organização mais
unificada e menos fragmentada dos trabalhadores, para enfrentar os desafios,
colocados pela hegemonia neoliberal, na correlação de forças, nesta sociabilidade
vigente (RAMOS, 2006).
Neste sentido, os principais desafios postos para conjunto das entidades da
categoria no enfrentamento desse dilema é, em primeiro lugar, a retomada da
discussão sobre a inserção dos profissionais na luta sindical, levando em consideração,
172
não apenas o retrocesso político, representado pelo surgimento, em si, dessa
federação, mas também, a incompatibilidade ideo-política entre a perspectiva de
projeto político defendida por essa entidade e as demais entidades representativas da
profissão. E em segundo lugar construir do ponto de vista prático estratégias políticas
que garantam a retomada do processo de transitoriedade inconcluso, sem, é claro, se
furtar nesse processo, de oferecer um acompanhamento e orientação da inserção das
novas gerações de assistentes sociais na luta sindical, considerando que significativos
segmentos desconhecem o processo sócio-histórico e político que levou a categoria a
extinguir seus sindicatos.
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