UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação - PROPEG Centro de Ciências Sociais Aplicadas – CCSA Departamento de Serviço Social - DESSO Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – PPGSS Tássia Rejane Monte dos Santos A ORGANIZAÇÃO SINDICAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS NO BRASIL: dilemas e desafios contemporâneos Natal - RN 2010 Tássia Rejane Monte dos Santos A ORGANIZAÇÃO SINDICAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS NO BRASIL: dilemas e desafios contemporâneos Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Serviço Social. Orientadora: Profa Dra Sâmya Rodrigues Ramos Natal – RN 2010 Seção de Informação e Referência Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede Santos, Tássia Rejane Monte dos. A organização sindical dos assistentes sociais no Brasil: dilemas e desafios contemporâneos / Tássia Rejane Monte dos Santos. – Natal, RN, 2010. 178 f. Orientadora: Sâmya Rodrigues Ramos. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas – Departamento de Serviço Social. 1. Movimento sindical - Dissertação. 2. Organização política - Dissertação. 3. Serviço social – Dissertação. 4. Sindicalismo – Dissertação. I. Ramos, Sâmya Rodrigues. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/BCZM CDU 331.105.441 AGRADECIMENTOS Penso que agradecer é uma forma de demonstrar o reconhecimento de outrem em nossa vida. Nesse momento, não poderia deixar de agradecer as pessoas queridas que me apoiaram, desde outras jornadas, e as que a vida me presenteou, nessa caminhada recente. Foi fundamental ter podido contar com vocês nessa empreitada que me imprimiu marcadas inesquecíveis de aprendizados múltiplos. Apesar dos momentos e caminhos tortuosos percorridos nesse processo, é bom sentir a alegria de poder olhar pra trás e ver que por tudo isso, viver, valeu! Com toda a emoção que me toma nesse momento, quero com carinho agradecer: Aos meus pais, Marlúcia e Antônio, pelo amor sincero e pelos incentivos constantes; As minhas manas, queridas, Tati, Ná e Tatá pela nossa amizade gostosa e pela força que me deram no encaminhamento das questões práticas desta pesquisa. Foram-me indispensáveis... Tatá, seu apoio e trato afetuoso na nossa convivência, sobretudo, nesses últimos meses, de tensão, foram fundamentais; A Sâmya, acima de tudo, pela sua amizade que é um presente em minha vida. Quero agradecê-la pelo incentivo de sempre, pela paciência que, em respeito ao meu ritmo indisciplinado, exercitou na trajetória de orientação desta dissertação e, sobretudo, pelo crédito que me tem concedido na parceria intelectual que prazerosamente travamos, nesses últimos anos, processo do qual este trabalho é mais um fruto; A Tina, pelo companheirismo afetuoso sempre presente e pela sua leveza espirituosa contagiante. Seu apoio e incentivos constantes me são muito caros; Ao Juquinha, pela sua doçura e pelos momentos de distração nos passeio pelas ruas do Capim Macio e nos joguinhos de bola; As minhas queridas amigas, Li, Tró e Déa, pela amizade carinhosa e acolhedora de múltiplos e recíprocos incentivos pessoais e profissionais; A Gláucia Russo, pela delicadeza, sinceridade e generosidade com as quais tem sempre me tratado no processo de construção de nossa amizade. Sou grata, também, pelo prazer de contar com a sua participação na composição da banca examinadora deste trabalho; A Silvana Mara, pela sua sensibilidade compreensiva e pelo carinho da sua amizade. Quero agradecê-la, também, pela grande contribuição à reflexão de questões relacionadas à problemática de estudo, realizada desde o exame de qualificação do projeto desta pesquisa; A Ângela Amaral, pela participação na banca examinadora do projeto no exame de qualificação, pelas pertinentes contribuições que deu à construção deste trabalho e pela atenção dispensada nesse processo; A Bruno e Mayara, meus primos e amigos queridos de infância, por terem me acolhimento em sua casa, quando cheguei a esta cidade do Natal, para cursar o mestrado e pelo afeto da nossa amizade e tempo de convívio; A todas as professoras e aos colegas do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da UFRN e a Lucinha, pela atenção e delicadeza com a qual conduziu todos os encaminhamentos junto à secretaria do Programa, durante essa jornada; A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo financiamento, tão devido, da bolsa de estudo, que viabilizou objetivamente a realização desta pesquisa; Aos representantes dos sindicatos e das entidades nacionais do Serviço Social, pela grandiosa contribuição que deram a este trabalho, ao me permitirem realizar as entrevistas e por terem encaminhado com prontidão as repostas do questionário de pesquisa. Posso, por falha da memória, esquecer-me aqui do meu débito com algumas pessoas, por isso quero agradecer a todas as pessoas que permearam esse processo e lhe conferiram sentido e particularidade. Apenas quando somos instruídos pela realidade é que podemos mudá-la (Bertolt Brecht). RESUMO Este trabalho discute os dilemas e desafios da organização sindical dos assistentes sociais no Brasil contemporâneo. O estudo da temática está respaldo em uma pesquisa bibliográfica, com destaque para as produções que tratam sobre o movimento sindical dos trabalhadores na realidade brasileira; bem como, numa pesquisa de campo, que consistiu de entrevistas com dirigentes sindicais nacionais da CUT e CONLUTAS, como também de representantes nacionais das entidades representativas da categoria profissional de assistentes sociais, notadamente, CFESS, ABEPSS e ENESSO e da entidade sindical nacional da categoria, FENAS. A análise do objeto se orienta na perspectiva de totalidade, considerando os seus aspectos fundantes e contraditórios na dinâmica sócio-histórica atual. As inflexões ocorridas no Movimento Sindical brasileiro, no início da década de 1990, período no qual a ofensiva do capital, caracterizada pela fusão da acumulação flexível e dos ditames da política neoliberal se instala no país causou um profundo abalo na vida e organização da classe trabalhadora. Os principais rebatimentos desse processo se evidenciam atualmente, na forma defensiva da organização das lutas sindicais, notadamente fragilizada e fragmentada. No caso da categoria dos assistentes sociais é sintomático o retrocesso político, vivenciado pelo processo de reabertura dos seus sindicatos e da criação da FENAS. Esta definição, parte da análise que considera mais corporativista do estratégica a sindicalismo perspectiva de massa de dos organização anos classista, 1980, anti- incorporada, majoritariamente, pela categoria e expressa pela extinção dos seus sindicatos e unificação às lutas mais gerais dos trabalhadores com a transição para a sindicalização por ramo de atividade. Diante desta realidade, analisamos as perspectivas políticas de atuação do movimento sindical brasileiro, partindo da caracterização das modalidades de organização das lutas sindicais e situamos nesse processo, o movimento de reabertura dos sindicatos de assistentes sociais, a partir do surgimento da FENAS. Com isso, objetivamos identificar as particularidades e as perspectivas ideo-políticas que conformam o dilema da organização sindical a partir deste movimento de reabertura, já que corresponde a uma tendência política, majoritariamente, superada no interior do Serviço Social brasileiro. Palavras-chave: Serviço Social. Movimento Sindical. Organização Política. ABSTRACT This paper discusses the dilemmas and challenges of the union of social workers in contemporary Brazil. The study is supported by the theme in a literature search, especially productions that deal with the trade union movement of workers in the brazilian reality, as well as on field research, which consisted of interviews with national trade union leaders of the CUT and CONLUTA as also representatives of national organizations representing the professional category of social workers, notably CFESS, ABEPSS ENESSO and a labor union and the national category, FENAS. The analysis of the object is oriented in the perspective of totality, considering its founding and contradictory aspects of the current socio-historical dynamics. The inflections occurred in the razilian Labor Movement in the early 1990s, during which the offensive of capital, characterized by the fusion of flexible accumulation and the dictates of neoliberal policy is established in the country, caused a profound shock in life and organization of the class working. The major repercussions of this process are evident today in the form of defensive organization of trade union struggles, notably fragile and fragmented. In the case of the category of social workers is symptomatic of the political backlash, experienced the process of reopening their unions and the creation of FENAS. This definition, part of the analysis that considers more strategic perspective of class organization, corporate antiunionism of the mass of the 1980s, built, largely, by category and expressed by the extinction of their union and unification to the broader struggles of workers with transition to unionization by industry. Given this reality, we analyze the performance of the political perspectives of the brazilian labor movement, from the characterization of organizational arrangements for trade union struggles and situate this process, the motion to reopen union of social workers, from the emergence of FENAS. Therefore, we aimed to identify the particular and the ideological and political perspectives that make up the dilemma of the trade union movement from this reopening, as corresponds to a political trend, largely, overcome within the brazilian social work. Keywords: Social Work, Trade Union, Political Organization . LISTA DE SIGLAS ABEPSS - Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social ABESS - Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social ALAETS - Associação Latino-Americana de Escolas de Trabalho Social ALAIETS - Associação Latino-Americana de Pesquisa e Ensino de Trabalho Social ANAS - Associação Nacional de Assistentes Sociais ANAS - Assembléia Nacional de Assistentes sociais CBAS - Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais CGT - Central Geral dos Trabalhadores CELATS - Centro latino-americano de Trabalho Social CENEAS - Comissão Executiva Nacional de Entidades Sindicais de Assistentes Sociais CFAS - Conselho Federal de Assistentes Sociais CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas CRAS - Conselho Regional de Assistentes Sociais CFESS - Conselho Federal de Serviço Social CRESS - Conselho Regional de Serviço Social CUT - Central Ùnica dos Trabalhadores DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos FENAS - Federação Nacional dos Assistentes Sociais ONG- Organização não-governamental SINDSAÚDE - Sindicato dos Trabalhadores em Saúde SMP- Salário Mínimo Profissional SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO................................................................................................. 09 2 A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DA CATEGORIA DOS ASISTENTES SOCIAIS NO BRASIL CONTEMPORÂNEO............................................................................... 21 2.1 Reestruturação produtiva e mundo do trabalho........................................ 22 2.2 Os rebatimentos da dinâmica do capital na organização política da classe trabalhadora.......................................................................................................... 30 2.3 A organização política profissional dos assistentes sociais e o processo de construção do projeto ético-político.................................................................. 54 3 TRAJETÓRIA HISTÓRICA E RESPOSTAS ATUAIS PARA A ORGANIZAÇÃO SINDICAL NO BRASIL........................................................................................ 79 3.1 Movimento sindical no Brasil: trajetória histórica e desafios atuais....... 79 3.2 O papel político da CUT na organização da classe trabalhadora brasileira....................................................................................................................88 3.3 A CONLUTAS como alternativa à organização da classe trabalhadora... 106 4 A ORGANIZAÇÃO SINDICAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS NA REALIDADE BRASILEIRA: DILEMAS E DESAFIOS ATUAIS.............................................. 116 4.1 A trajetória da organização sindical da categoria: da ANAS a FENAS.... 116 4.2 O debate sindical no âmbito das entidades nacionais da categoria........ 134 4.3 Organização sindical por ramo ou categoria? Polêmica nas estratégias de mobilização da categoria de assistentes sociais............................................. 156 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................................... 167 REFERÊNCIAS...................................................................................................... 173 9 1. Introdução Como sabemos a superação capitalista da crise estrutural dos anos 1970 se processou, a partir de uma complexa combinação entre a reestruturação produtiva e a política neoliberal. Todas as mudanças que resultaram dessa combinação se inscreveram na dinâmica macro-social do modo de produção capitalista e de todas as suas formações sociais contemporâneas. Trata-se, em outros termos, da particularidade histórica que envolve a crise do Estado de Bem-Estar Social; da social democracia; do socialismo real; o revigoramento dos preceitos liberais e a constituição ideológica das teorias pós-modernas. As alterações sócio-econômicas e ideo-políticas que se abrem nesse período contra-revolucionário, suscitam uma profunda regressão nas lutas sociais. São amplamente verificáveis os impactos causados pelo processo de desmonte das proteções legais; e pelo aguçamento das estratégias de racionalização do uso da força de trabalho, que determinam a concorrência internacional entre os trabalhadores, causando inflexões ofensivas nas formas mais tradicionais e combativas de organização dos trabalhadores, das quais o movimento sindical faz parte. A desagregação política na dimensão organizativa da classe trabalhadora, provocada pelo reordenamento da acumulação capitalista, vem ganhando, nessas últimas décadas, amplitudes incomensuráveis, sem precedentes. O movimento dos trabalhadores em âmbito internacional, sobretudo nos países capitalistas avançados, passa desde a disposição dos primeiros governos neoliberais - dos quais se destacam os governos de Tatcher1, na Inglaterra e de Reagan2, nos Estados Unidos – por um profundo processo de descenso da sua ação política. 1 Margaret Tatcher, Primeira-Ministra Britânica (1979-1990), também conhecida como “Mão de ferro”, foi uma das precursoras na implantação da Política Neoliberal no país e no mundo. Atraída pelos preceitos liberais, realizou com austeridade o compromisso de estabilizar a economia e contrapor-se ao comunismo soviético. A política econômica adotada pelo seu governo garantiu o controle da inflação, mas a custa de um dos maiores índices de desemprego do século XX; do fechamento de empresas e bancos, resultando numa grande recessão econômica. As medidas sóciopolíticas do Governo Tatcher previam o aniquilamento do movimento sindical, e de todas as formas de resistência política dos trabalhadores, bem como de grande parte das garantias sociais e trabalhistas. Prova disso foi a forma truculenta com a qual revidou uma das maiores greves do país, realizada pelos trabalhadores das minas de carvão, em meados dos anos 1980; a extinção do salário mínimo, e suspensão de programas assistenciais. 2 Ronald Reagan exerceu o cargo de Presidente dos Estados Unidos, por dois mandatos consecutivos (1981-1989). Sua política de recuperação econômica já em 1981 foi sustentada por medidas orientada para desregulamentação, cortes de impostos e combate a movimentos de trabalhadores, sobretudo de movimentos grevistas. Do ponto de vista da política internacional, sobretudo no segundo mandato, suas prioridades foram demarcadas pelo combate ao 10 Entre nós, os rebatimentos da política neoliberal foram, senão maiores, muito mais perversos, dada as profundas discrepâncias sócio-econômicas entre o centro e a periferia do sistema capitalista, no que diz respeito, sobretudo aos níveis de organização política da classe trabalhadora e das suas conquistas históricas, no campo dos direitos sociais e trabalhistas. Em se tratando, particularmente, da trajetória histórica de organização sindical dos trabalhadores brasileiros, suas alterações mais relevantes, do ponto de vista ideo-político, datam de um período muito recente na história do país. Na fase de decadência do regime militar, iniciado em 1979, a sociedade brasileira passou por um processo de revitalização das lutas populares mais combativas. O campo político foi ampliado e novos sujeitos coletivos ganharam a cena política, dentre os que conquistaram maior destaque estavam os setores de trabalhadores sindicalizados. A radicalização de determinadas tendências progressistas no setor sindical, suscitou um movimento de organização política caracterizado pelo direcionamento para um sindicalismo de lutas, de massas e de bases, o que assinalava para uma perspectiva inversa as tendências do sindicalismo internacional. O Novo Sindicalismo brasileiro intentou romper com a estrutura sindical vertical/oficial e construir a nova estrutura sindical, a partir da Central Única dos Trabalhadores (CUT), que, a época, assumiu o compromisso com a defesa dos interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora; a luta por melhores condições de vida e trabalho e pelo engajamento no processo de transformação da sociedade brasileira em direção a democracia e ao socialismo (ABRAMIDES e CABRAL, 1995). A organização político-sindical dos assistentes sociais, nesse período, arregimenta-se a partir da criação da Comissão Executiva Nacional de Entidades Sindicais de Assistentes Sociais (CENEAS), em 1979 e, posteriormente, em 1983 com a Associação Nacional dos Assistentes Sociais (ANAS), extinta em 1994, por deliberação da categoria, que passa a se organizar sindicalmente, a partir da nova proposta lançada pela CUT3. comunismo, a partir de ataques e invasões de tropas militares em territórios de domínio soviético e de apoio aos movimentos anticomunistas. 3 Desde a sua criação, em 1983, era a primeira vez que se aventava, no interior da Central, a necessidade da filiação por ramos de atividade, como forma estratégica de organização das bases sindicais. Foi no II Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CONCUT), em 1986, que a CUT lançou a proposta de organização sindical por 11 A criação da ANAS, em 1983, demarcou, consideravelmente, um salto de qualidade na organização político-sindical dos assistentes sociais, pois emergiu numa conjuntura importante para a classe trabalhadora, balizada pelo surgimento da CUT. Já sua extinção ocorreu num período crítico para o processo de organização política dos trabalhadores, nesse país. A particularidade sócio-econômica e ideo-política da conjuntura de transição democrática, no Brasil, foi o fermento para a eclosão de movimentos tão combativos. Do ponto de vista econômico, o país atravessava, sob os reflexos da fracassada política econômica desenvolvimentista e da própria crise estrutural do capital, uma profunda e generalizada recessão. Na década de 1990, o Novo Sindicalismo brasileiro, assim como as lutas sociais de um modo geral, começam a sofrer os abalos causados pela resposta sistêmica do capital a sua crise de acumulação. As alterações detonadas pelo capital corporativo e o Estado neoliberal, se refratem de modo bastante atroz na luta do sindicalismo nacional e de outras instâncias dos movimentos sociais e partidos de esquerda. A perspectiva combativa do novo sindicalismo foi, sob a tensão políticoeconômica do contexto neoliberal, cedendo espaço para posturas mais abrandadas e negociáveis. Até mesmo os setores mais combativos do sindicalismo brasileiro, organicamente vinculados a CUT e ao Partido dos Trabalhadores (PT), sofreram inflexões bastante regressivas. No entanto, a dimensão do novo convencimento instalada nas instâncias não apenas do movimento sindical, mas de outros movimentos de massa, só se torna plenamente compreensível se não perdermos de vista o contexto socialmente regressivo no qual foram implantados o desemprego e a perda de direitos da classe trabalhadora (FONTES, 2008). Vale salientar que as organizações sindicais foram um dos principais alvos da ofensiva do capital no contexto neoliberal. O capital percebeu que era importante desarticular a força dos sindicatos, porque fortalecidos e organizados, eles poderiam dificultar politicamente a realização das estratégias para a recuperação das taxas de ramo de atividade. Esta proposta surge, nesse contexto, com a perspectiva de unificação da classe trabalhadora, bem como da quebra do corporativismo das estruturas sindicais. Voltaremos a discutir essa questão mais adiante. 12 lucro, cujos princípios básicos reivindicam a racionalização do uso e a desvalorização da força de trabalho e o aviltamento das condições de vida e trabalho de amplos segmentos da classe trabalhadora. A despeito da importância que possuem na dimensão da luta políticoeconômica, os sindicatos foram aos poucos se tornando menos atrativos, como instrumento de luta e representação da classe trabalhadora. Não apenas porque a atuação política de grande parte dos sindicatos se tornou defensiva, frente as imposições de flexibilização que passaram a reger as relações de trabalho, mas pelo grau de despolitização que o capital conseguiu imprimir aos processos nos quais passaram a transcorrer a luta de classes na contemporaneidade. Não podemos esquecer que, a priori, as deletérias “reformas” neoliberais foram implementadas e legitimadas socialmente em função da assimilação pela ideologia neoliberal de aspirações progressistas4. Ainda que os conteúdos progressistas tenham sido objetivamente dissimulados e pervertidos, sua incorporação pela ideologia neoliberal consistiu numa estratégia fundamental para os propósitos do capital. O abrandamento das lutas sindicais não adveio da falta de consciência política dos trabalhadores, nem da crença de que a história acabou e que o capitalismo é intransponível. Antes de qualquer coisa, a descaracterização pela qual o movimento sindical vem passando, é expressão das mudanças ocorridas nas relações produtivas do capital em sua fase neoliberal e destrutiva. Portanto, do ponto de vista da classe trabalhadora, era necessário e estratégico, para o fortalecimento das suas lutas, articular mobilizações mais aguerridas e unificadas no enfrentamento da onda neoliberal que emergia, nesse período. É nessa ambiência que ressurgem, em nível nacional, as entidades sindicais da categoria dos assistentes sociais brasileiros. Representados, nacionalmente, pela Federação Nacional de Assistentes Sociais (FENAS), os 5 (cinco) sindicatos que 4 A onda de privatização do patrimônio público, por exemplo, certamente, não enfrentou maior resistência popular, porque contando com a grande influência das forças conservadoras da sociedade, representadas, nos termos gramscianos, pelos aparelhos privados de hegemonia, dos quais a grande mídia faz parte, os governos neoliberais, propalaram a idéia de que as empresas estatais eram deficitárias e resultavam grandes despesas para os cofres públicos. Por essa razão foi-se firmando a idéia de que a venda do patrimônio estatal se colocava como medida necessária para viabilizar uma política econômica capaz de reverter os altos índices de inflação e garantir investimento na área social, com a criação de empregos, viabilização de direitos e implementação de políticas sociais. 13 resistiram à transição aos ramos de atividade, - conforme deliberação das entidades sindicais da categoria, no início dos anos 1990 - começam a articular, no início dos anos 2000, um movimento de reabertura dos sindicatos de assistentes sociais. A extinção dos sindicatos e transição aos ramos consistiu, na avaliação majoritária das entidades sindicais da categoria, numa estratégia política de fortalecimento das lutas da classe trabalhadora, dado o momento de desmobilização e arrefecimento da ação política, pelo qual vinham passando as organizações sindicais e os movimentos sociais mais combativos, no início dos anos 1990. As tendências mais estarrecedoras e despolitizantes, dessa conjuntura defensiva, afetaram, diretamente, o sindicalismo brasileiro colocando-o numa fase bastante difícil, de profunda fragmentação, desarticulação e com pouca capacidade de resistência, frente ao recrudescimento da política neoliberal no país. Na verdade, o que o movimento sindical brasileiro vive, na atualidade, é também expressão fidedigna, da crise que assola o campo político da esquerda nacional. Nesse sentido, algumas considerações precisam ser feitas. A crescente institucionalização do processo político do país e dos próprios movimentos sociais tem repercutido de maneira decisiva sobre o campo democrático e popular, valorizando no seu interior cada vez mais o pólo partidário e, neste, os momentos eleitorais. De outra parte, a crise do socialismo real, eclodida no final do decênio de 1980, também impactou diretamente sobre tais segmentos (OLIVEIRA, 2005ª). O que se sabe é que, apesar de suas perspectivas estarem em aberto no curso histórico, o direcionamento político predominante, no movimento sindical brasileiro, anda longe de expressar, ou melhor, nega, em muitos aspectos, as premissas do novo sindicalismo. Contudo, não é a única perspectiva presente no movimento. No âmbito das lutas sindicais, posturas políticas dissonantes começam a despontar na cena política. Entretanto, são bastante incipientes para que se possa definir qual será sua repercussão na conjuntura sócio-política atual. Atentamos, nesse sentido, para a necessidade de situar e compreender, no âmbito dessas tendências atuais, do sindicalismo brasileiro, o sentido e a direção política do ressurgimento das entidades sindicais da categoria de assistentes sociais. Na nossa compreensão preliminar configura um dilema desafiador para o amplo 14 conjunto da categoria profissional, dada a realidade da recente extinção dos sindicatos corporativos da categoria. Nesse sentido, a confluência de diferenciadas formas de encaminhamento para a organização político-sindical, no âmbito das entidades representativas da categoria, revela a disputa entre diferentes projetos profissionais e societários dentro do Serviço Social brasileiro. A necessidade de compreender essa questão nos conduziu a investigação. Motivamo-nos pelo interesse de compreender e analisar, a partir das atuais e principais tendências de organização do movimento sindical brasileiro, o que expressa essa rearticulação das entidades sindicais da categoria profissional dos assistentes sociais e as suas principais implicações para o projeto ético-político do Serviço Social. O interesse pela temática surgiu no período do curso de graduação e se apresenta como conseqüência do percurso de formação em sua totalidade. Durante todo esse processo, as discussões acerca dos movimentos sociais e da categoria Trabalho, sobretudo da particularidade do trabalho na sociedade capitalista, sempre foram apreciadas numa tônica bastante distinta em relação às demais temáticas. A aproximação da temática dos movimentos sociais foi estabelecida, inicialmente, por meio das leituras realizadas na disciplina, Serviço Social e Movimentos Sociais, e foi sendo aprofundada, a partir da participação, como bolsista do PIBIC/CNPq, na pesquisa sobre O perfil ético-político dos movimentos sociais e das ONGs em MossoróRN5. As leituras e estudos, mais afunilados sobre a categoria trabalho, se efetivaram na experiência de monitoria na disciplina Trabalho e Relações Sociais, na Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Outra experiência que despertou o interesse em pesquisar esta temática foi o estágio supervisionado, realizado na Seccional do Conselho Regional de Serviço Social (CRESS 14ª Região), em Mossoró-RN. Nesta vivência pudemos detectar que parte expressiva da categoria profissional costumava, freqüente e equivocadamente, identificar as competências e funções do conselho profissional com as particularidades das entidades sindicais. Parte das demandas apresentadas pelos profissionais era concernente às condições de trabalho, contrato, e, sobretudo, piso salarial, ou seja, tinham características mais relativas às atribuições de uma entidade sindical que, 5 Realizada no período de 2005 a 2006, coordenada pela Professora Drª Sâmya Ramos. 15 propriamente, as competências de um Conselho de Fiscalização6. A percepção desta tendência nos suscitou um especial interesse em pesquisar sobre a organização sindical da categoria profissional dos assistentes sociais. A nossa motivação foi, portanto, fruto de um processo de acúmulo de discussões, no qual se condensaram significativos momentos de aprendizagem, que fundamentaram a construção e o interesse pela realização desta pesquisa. Na verdade, este trabalho constitui o desdobramento de uma trajetória de estudo iniciada no referido processo de formação. Temos a convicção de que a produção do trabalho de conclusão de curso acerca dessa discussão não passou de um ensaio, uma tenra aproximação com a problemática de estudo. E foi considerando os limites contidos na análise e no processo investigativo daquela pesquisa que nos dispusemos a continuar investigando sobre a realidade da organização político sindical dos assistentes sociais, no contexto das lutas da classe trabalhadora, no Brasil contemporâneo. Dar continuidade a esse processo investigativo significou realizar maiores aproximações do real, como requisito indispensável, não apenas para compreender suas determinações, mas para contribuir, ou mesmo, influir nos processos da reflexão e construção histórica da realidade. Por isso, consideramos que a relevância deste trabalho se expressa, tanto do ponto de vista acadêmico, quanto social. E aí, é importante perceber, que essas são dimensões que se interpenetram. Portanto, a pertinência deste estudo se sustenta, sob o ponto de vista acadêmico, na necessidade de reforçar a importância da análise teórica acerca da organização política no âmbito do Serviço Social, considerando também que as produções acerca desta temática são bastante raras7. Desse modo, 6 Ainda que considerando a dimensão ético-política que perpassa a função precípua do Conjunto dos Conselhos Federal e Regionais de Serviço Social (CFESS/CRESS), - isto é, a fiscalização do exercício profissional, atividade a qual demanda, dessas entidades, a capacidade de mediar a luta por condições éticas e técnicas de trabalho, dentre outras questões pertinentes ao exercício da profissão de Serviço Social – compreendemos que, dada a natureza jurídica dessas entidades, há limites concretos no que diz respeito a uma intervenção política direta nos processos de contratação da força de trabalho; remuneração e demais aspectos salariais; acordos e convenções coletivos de trabalho; greve e outras questões que extrapolam as designadas aos conselhos profissionais. Em regra são afetas as entidades sindicais. 7 Detectamos, no âmbito do Serviço Social brasileiro, as seguintes produções acerca desta temática: O novo sindicalismo e o Serviço Social (ABRAMIDES E CABRAL, 1995); A transitoriedade inconclusa (ABRAMIDES, CABRAL e FARIA, 2000); A contribuição do CFESS para o debate sindical (CFESS, 2002); Organização política dos (as) assistentes sociais brasileiros(as): a construção histórica de um patrimônio coletivo na defesa do projeto profissional (RAMOS, 2006); Por que FENAS? A história contada por seus protagonistas (DALLARUVERA e ALVARENGA, 2007); Dilemas e desafios do movimento sindical brasileiro: a particularidade da organização dos (as) 16 ressaltamos sua contribuição para o aprofundamento da reflexão e compreensão sobre a dimensão teórico-política do Serviço Social na contemporaneidade. Nesse sentido, trazemos indicativos sobre as perspectivas de afirmação e negação do projeto éticopolítico profissional, no âmbito das concepções políticas que norteiam a organização sindical da categoria. Do ponto de vista social, a relevância deste trabalho, tem finco na própria proposta de análise. Há que se considerar que a proposta de análise se respalda na perspectiva histórico-dialética da totalidade social. Portanto, a análise teórica das questões referentes a esta investigação traz não apenas aspectos restritos a uma profissão isoladamente, mas a relação de unidade entre as determinações da particularidade do objeto de estudo e o movimento genérico-social. Traz uma análise do processo de luta de classes, da disputa de seus projetos societários, especialmente, dos rebatimentos desse processo na dinâmica sócio-econômica e político-cultural da sociedade brasileira, numa fase histórica recente. Neste sentido, o intento principal deste trabalho é, em primeira instância, contribuir com a problematização teórica acerca das determinações históricas que implicaram inflexões na dinâmica da organização sindical dos assistentes sociais, compreendida pela transição de filiação dos sindicatos profissionais para os sindicatos por ramo de atividade, o que suscitou, em grande medida, a dissolução desses primeiros, combinada com o ocaso da ANAS. E, por último, refletir sobre o dilema da organização sindical da categoria colocado, no contexto dos anos 2000, pelo surgimento da FENAS e do movimento de reabertura dos sindicatos da categoria diante das contradições do atual contexto da luta de classes considerando os avanços da luta política do novo sindicalismo e os grandes e atuais desafios postos para a dimensão organizativa da classe trabalhadora, frente aos ditames do capitalismo contemporâneo regido pela ideologia neoliberal. Do ponto de vista metodológico, esta pesquisa se respalda na perspectiva do materialismo histórico e dialético, o que nos possibilitou analisar o objeto de estudo numa dimensão de totalidade, considerando as contradições que permeiam as suas determinações objetivas e subjetivas. Neste sentido, utilizamos a abordagem assistentes sociais (RAMOS e SANTOS, 2008) e A Organização político-sindical dos assistentes sociais: trajetória de lutas e desafios contemporâneos (ABRAMIDES, 2009). 17 qualitativa, pois é, a nosso ver, a que melhor fundamenta os pressupostos desta investigação. A partir desse enfoque realizamos pesquisa bibliográfica, através de estudo e análise de material publicado em livros, artigos científicos, dissertações e teses acerca da temática, principalmente, no que diz respeito ao novo sindicalismo e à organização sindical dos assistentes sociais. Realizamos também uma pesquisa de campo que consistiu de três entrevistas. Uma com um dirigente nacional da Coordenação Nacional de Lutas (CONLUTAS), entidade sindical; e, duas entrevistas com representantes nacionais de duas entidades representativas da categoria profissional, quais sejam, o CFESS e a Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (ENESSO). Tínhamos a intenção de entrevistar também representantes nacionais da CUT, da FENAS e da ABEPSS. Mas, não foi possível. Nesse sentido, conseguimos o contato telefônico e eletrônico de alguns representantes nacionais dessas entidades e encaminhamos o questionário de pesquisa que havíamos elaborado. Obtivemos êxito nessa estratégia, conseguindo as respostas dos três representantes contatados. A escolha pelos sujeitos da pesquisa foi delimitada no percurso da nossa investigação. Considerando a organização sindical dos assistentes sociais na realidade brasileira como nosso objeto de pesquisa e reconhecendo a polêmica ideo-política que lhe é inerente, sentimos a necessidade de fazer uma interlocução com as tendências presentes no debate sindical do Serviço Social. Para tanto foi necessário realizarmos entrevistas com representantes das entidades sindicais da categoria e do conjunto das entidades nacionais do Serviço Social, isto é, CFESS, ABEPSS e ENESSO8. É claro que a representação das idéias dos sujeitos entrevistados não é condição suficiente para aclarar o nosso objeto de investigação, contudo não podemos desconsiderar a sua relevância para este trabalho, já que é parte constituinte da realidade social. Por entendermos que seria imprescindível fazermos mediações mais amplas e complexas, na perspectiva de compreender o movimento do nosso objeto de pesquisa, não hesitamos, do ponto de vista da pesquisa de campo, em elencar outros sujeitos políticos para o rol das nossas entrevistas. Em outros termos, não poderíamos compreender a organização político-sindical dos assistentes sociais sem situá-la no 8 Respectivamente Conselho Federal de Serviço Social, Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social e Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social. 18 contexto da organização sindical dos trabalhadores brasileiros e das suas determinações históricas. Nesse sentido, identificamos a necessidade de entrevistar representantes de sindicatos nacionais, mais precisamente, de centrais sindicais de expressividade e legitimidade políticas, na realidade nacional. Assim, definimos duas centrais: A CUT e a CONLUTAS. A primeira, pela sua trajetória histórica na construção das lutas da classe trabalhadora no Brasil, sobretudo, na fase do novo sindicalismo, e pela tradicional filiação, que as entidades sindicais de assistentes sociais mantêm até hoje, antes com a ANAS e, atualmente, com a FENAS. A segunda central tem a ver com a perspectiva ideo-política crítica que assume, no interior do movimento sindical, nesse contexto sócio-histórico. A Conlutas é constituída pelas dissidências do movimento sindical de esquerda, inclusive, por segmentos que permearam a própria CUT. A Conlutas surge num momento, não obstante, extremamente defensivo e complexo para as lutas do trabalho, caracterizado pelas estratégias ofensivas da acumulação capitalista e pela debilitação das forças e das programáticas de lutas do movimento sindical combativo, representado, até o início dos anos 1990, pela própria CUT. Em outros termos, a Conlutas ganha expressividade no processo de encaminhamento das lutas do trabalho, num momento em que as teses do novo sindicalismo deixam de ser referência para o movimento cutista que, por sua vez, sofre um profundo transformismo convertendo suas práticas políticas para uma perspectiva de acomodação dentro da ordem do capital e de negociação com os governos neoliberais, sobretudo, no período do governo do PT9. As entrevistas que realizamos foram feitas na ocasião de realização do XI Encontro de Pesquisadores em Serviço Social (ENPESS), em dezembro de 2008, em São Luís - MA. Consideramos este evento como um momento estratégico para a realização das entrevistas, pela facilidade que teríamos para entrar, pessoalmente, em contato com os representantes das entidades nacionais da categoria. Ademais, estava prevista, na programação do evento, a participação da CONLUTAS numa das mesas temáticas. Mesmo a realização do evento estando sob a responsabilidade da ABEPSS, não tivemos como realizar entrevista com nenhum dos seus membros, pois todos os representantes estavam, eminentemente, envolvidos nas atividades do evento e no 9 Analisaremos esse processo ao longo da nossa exposição, mais precisamente na terceira parte deste trabalho. 19 processo de articulação política para a sucessão da diretoria da entidade, transcorrida na assembléia nacional da entidade, logo após o encerramento do encontro. As entrevistas foram transcritas na íntegra, mas trabalhamos apenas com os aspectos que consideramos mais relevantes nas falas das pessoas entrevistadas. Devemos ressaltar que os trechos das entrevistas utilizados, neste trabalho, foram reproduzidos de forma fidedigna a fala dos sujeitos. Assim como os trechos das repostas enviadas pelos representantes das entidades os quais não conseguimos entrevistar. Os nomes dos entrevistados estão mantidos sob sigilo, pois não pedimos permissão para identificá-los. Suas falas estão referenciadas pelos nomes das entidades que representam, respectivamente. A discussão da temática que tratamos neste trabalho está estruturada, essencialmente, em três seções. Na primeira intitulada: A organização política da categoria dos assistentes sociais no Brasil contemporâneo, fazemos um resgate desse processo de organização política contextualizando aspectos gerais e macroscópicos nos quais estão determinadas as condições para a reprodução sócio histórica dos sujeitos sobre os impactos da dinâmica de acumulação do capital e os desafios das suas implicações para o projeto político das classes subalternas, com o qual está sintonizado o projeto ético-político hegemônico do Serviço Social brasileiro. Na segunda parte, tratamos da Trajetória histórica e respostas atuais para a organização sindical da classe trabalhadora no Brasil. Destacamos nesta parte do trabalho as principais inflexões vividas pelo movimento sindical dos trabalhadores brasileiros, neste período recente, caracterizado pelas mudanças estruturais da acumulação capitalista e reconfiguração do Estado na perspectiva do neoliberalismo. Discutimos sobre a degeneração das formas de luta e de organização dos trabalhadores estruturadas pelo novo sindicalismo e a conversão as práticas reformistas e defensivas das principais vertentes do sindicalismo brasileiro, com destaque para a CUT. Assinalamos, ainda, para as tendências do processo de reorganização sindical protagonizado pela CONLUTAS e por outros segmentos dissidentes da CUT, que referenciado pela dimensão classista e autônoma, resgatam os princípios do novo sindicalismo e inauguram práticas de organização renovadas no atual contexto da realidade brasileira. E, por último, tratamos no contexto dessas determinações gerais a particularidade da 20 organização sindical dos assistentes sociais na realidade brasileira: dilemas e desafios atuais. Nesta última parte realizamos uma breve análise sobre o significado da trajetória de construção da ANAS e da FENAS e as perspectivas políticas que fundamentam as suas trajetórias históricas. Abordamos, nesse sentido, a questão dos dilemas e desafios colocados pela questão da inconclusa transitoriedade aos ramos e pelo ressurgimento da FENAS, nesse contexto de desfavorecimento generalizado para as lutas do trabalho. 21 2. A organização política da categoria dos assistentes sociais no Brasil contemporâneo A organização política dos assistentes sociais, nos últimos anos, foi a mediação fundamental para a constituição do que se convencionou chamar, no interior da categoria profissional, de Projeto Ético-político Profissional do Serviço Social brasileiro. Podemos dizer que o percurso dessa organização política no Brasil, teve início com o movimento de deslocamento da postura conservadora para a perspectiva crítica10. Este processo se deu a partir de um amplo movimento político-intelectual11 organicamente vinculado à realidade sócio-histórica do país, deflagrado na conjuntura do final dos anos 1970 e anos 1980. Não obstante, este processo de organização coletiva dos assistentes sociais é materializado em um contexto de enorme ofensiva ideológica e prática para destruir os espaços de organização dos trabalhadores (RAMOS, 2009). Referimos-nos, sobretudo, ao período de implementação e consolidação da política neoliberal no Brasil. 10 Trata-se da construção ético-política que reflete uma nova direção da categoria profissional, vinda dos movimentos sociais, da luta sindical e de uma formação marxista nas universidades (FALEIROS, 2005), o que exprimiu a maturidade de uma trajetória permeada de embate político, erigida entre os sujeitos profissionais que conformaram essa profissão no Brasil e em toda a América Latina, a partir da constituição do Movimento de Reconceituação deflagrado, em meados de 1960, concomitante a deflagração de movimentos nacionalistas de resistência ao imperialismo estadunidense. O Movimento de Reconceituação constituiu-se a partir da “crítica aos preceitos e princípios tradicionais de cunho liberal- burguês preconizados para a formação profissional na América Latina, desde a instituição do Serviço Social como profissão no continente na década de 1920” (LOPES, 1999, p. 10), causando inflexões consubstanciadas numa incisiva ruptura à lógica conservadora que conduzira o fazer profissional dos assistentes sociais. Acontece que o exercício de questionamento do Serviço Social tradicional se revelou numa corrente crítica de aproximação teórica com o marxismo, no âmbito acadêmico, e isso entrou em colisão com o poder vigente. Então, a renovação profissional encaminhada pela Reconceituação, se viu engessada pela repressão que se abateu sobre o pensamento crítico latino-americano. Por isso, somente com a derrocada da ditadura, é que se fazem sentir no Brasil as ressonâncias das tendências que apontavam, na Reconceituação, a crítica radical do tradicionalismo (NETTO, 2005). 11 Esse processo materializou-se por meio da indignação sobre o papel da profissão em face de expressões da questão social, sobre a adequação dos procedimentos profissionais tradicionais, sobre a eficácia das ações profissionais e sobre a pertinência de seus fundamentos com os novos protagonistas que surgiam na cena política (NETTO, 2005). 22 Esse contexto representou, ideológica e objetivamente, um grande desafio para a classe trabalhadora no que diz respeito as suas condições de vida, trabalho e organização política. E é nessa perspectiva que situamos a análise da trajetória de organização política dos assistentes sociais brasileiros na realidade contemporânea. Mas, esta tarefa supõe, preliminarmente, uma problematização crítica das mudanças macro-sociais e planetárias do capitalismo contemporâneo, como pressuposto fundamental para identificação das reais implicações nos processos de organização e construção política da classe trabalhadora, nos quais comparecem, as condições objetivas e espirituais para sua realização. 2.1 Reestruturação produtiva e mundo do trabalho O capitalismo contemporâneo, marcado pela reestruturação produtiva, neoliberalismo e mundialização da economia, consiste na estrutura totalizadora de predomínio do capital fetiche12. A este, todas as relações humanas estão mediadamente submetidas, sem exceção. Vivemos um tempo em que o predomínio da mercantilização equaliza a vida humana aos produtos de troca mercantil, fazendo com que o fetiche de mercado falseie as contradições sociais como se os elementos fundantes das desigualdades sociais estivessem banidos. Em tempos de alienação generalizada, a totalidade social burguesa nada mais é, senão a síntese das relações sociais movidas pela reprodução do capital e o mercado mundial a esfera reguladora das relações sociais, sendo considerado, portanto, como espaço, por excelência, da “realização humana”. Nesse sentido, convergimos com Mészáros (2002) quando afirma que o sistema capitalista mundial é, hoje, a mais poderosa estrutura totalizadora de controle a qual os seres humanos já tiveram que se ajustar. E complementa: 12 Conceito utilizado por Marx para caracterizar o processo misterioso de autoreprodução do capital, da autocriação dos juros, do dinheiro que gera dinheiro. As relações que obscurecem as cicatrizes que dão origem ao capital e assumem a forma coisificada são, para Marx, o próprio capital fetiche. 23 Não se pode imaginar um sistema de controle mais inexoravelmente absorvente – e, neste importante sentido, “totalitário” – do que o sistema do capital globalmente dominante, que sujeita cegamente aos mesmos imperativos a questão da saúde e do comércio, a educação e a agricultura, a arte e a indústria manufatureira, que implacavelmente sobrepõe a tudo seus próprios critérios de viabilidade, desde as menores unidades de seu “microcosmo” até as mais gigantescas empresas transnacionais, desde as mais íntimas relações pessoais aos mais complexos processos de tomada de decisão dos vários monopólios industriais, sempre a favor dos fortes e contra os fracos (MÉSZÁROS, 2002, p. 96). É nessa perspectiva que o capital - e não os indivíduos com suas carências humanas - passa a ser a razão do agir dos sujeitos sociais e a representar a essência da formação social, o que expressa a afirmação humana da não-humanidade: uma verdadeira alienação (LESSA, 2007). Segundo este autor, não há esfera da vida social que não esteja submetida a tensões e em profunda crise. Do casamento à igreja, da economia mundial à ecologia, dos times de futebol à arte, nenhum dos complexos sociais escapa do peso das conseqüências da última grande crise do capital, ou seja, dos rebatimentos da sua lógica reestruturante, cujas reedições em curso versam processos sociais e ecológicos ainda mais catastróficos. Como esclarece Mészáros (2007), o capital opera e sempre operou subvertendo a relação homem/natureza, absolutizando o relativo e relativizando o absoluto. Nessa inversão reside o risco da extinção do próprio gênero humano. Nos dizeres do autor: [...] o capital sempre se definiu como o absoluto e tudo o mais em relação a essa autodeterminação primordial como o relativo dependente e dispensável. [...] em um sentido positivo - enquanto era possível fazê-lo sem conseqüências destrutivas – esse modo de operação sempre foi o segredo de seu incomparável dinamismo e êxito, eliminando tudo o que encontrasse pelo caminho” (p. 27). 24 Em síntese, essas análises denunciam a exaustão do padrão civilizatório do sistema vigente, do qual a deflagração intermitente de crises estruturais do capital, não passa de um elemento peculiar e permanente. Ainda não se pode com precisão definir o seu alcance, - por a contradição desse processo estar aberta na história - mas, a deflagração da crise da especulação e dos monopólios no centro do sistema capitalista mundial (os Estados Unidos da América), em 2008, precisamente, sinaliza o prelúdio de tempos ainda mais difíceis. As análises mais acuradas e sérias apontam que esta é a maior depressão mundial desde a década de 1930. De acordo com Petras (2009), estamos numa situação em que o capitalismo, como resultado de suas próprias operações de mercado, está experimentando o seu pior colapso e sua maior taxa de falências em 70 anos. Com semelhanças e diferenças esta crise possui particularidades que devem ser levadas em consideração, sobretudo, por se processar no curso de uma reestruturação sistêmica, com requintes de degradação das forças de trabalho e pulverização dos sistemas de proteção social, em escala mundial. A economia norte-americana desencadeou esta crise financeira, mas a crise mundial é uma crise de acúmulo excessivo de lucros mediante a exploração exacerbada, das finanças13, do crédito14 e dos juros15, sobretudo. E na medida em que a crise se desloca das finanças para a produção e para o comércio, é inevitável a 13 O capital financeiro envolve a fusão do capital bancário e industrial em condições de monopólio capitalista, redundando na concentração da produção e na fusão de bancos com indústria. A gestão desses monopólios converte-se em dominação da oligarquia financeira, que tende a crescer com os lucros excepcionais, os empréstimos estatais, a especulação com terras, dentre outros mecanismos. Desdobra-se na monopolização da renda da terra pelo monopólio bancário e industrial, espraiando-se o domínio dessa oligarquia financeira para todas as dimensões da vida social, independente dos regimes políticos (IAMAMOTO, 2008). 14 O crédito apresenta-se como um novo elemento de concentração, da aniquilação de capitais individuais centralizados. O crédito é a forma na qual o capital procura colocar-se como diferente dos capitais individuais e na qual o caráter social da produção capitalista encontra sua mais clara expressão. Contraditoriamente, o crédito, ao mesmo tempo, suprime os obstáculos a valorização e eleva-os a forma mais geral, criando períodos de superprodução e subprodução que se encontra nas raízes das crises do capital. Impulsiona a ordem capitalista na direção de sua forma suprema possível, aproximando-a de sua dissolução, para a decepção dos “ilusionistas da circulação” (IAMAMOTO, 2008). 15 O juro expressa a valorização do capital, a possibilidade de apropriar-se de parcela do lucro médio que a propriedade do capital propicia ao capitalista monetário. Parte da mais- valia é retirada da circulação sob a forma de juro, expressando uma distribuição da mais-valia entre pessoas diferentes. Ele aparece de maneira mistificada, como o “preço” do capital emprestado. Considerando qualitativamente, o juro é mais-valia (trabalho não retribuido) que o mero título de propriedade sobre o capital proporciona ao seu proprietário, embora apareça separado do processo real de produção. O juro é determinado pela taxa geral de lucro e suas flutuações. Contudo, a queda da taxa de juros se torna independente da taxa de lucro em alguns casos, como os dos rentistas que vivem do trabalho de seus antepassados e do desenvolvimento do sistema de crédito, tal como se verifica na atualidade, o que reforça o seu fetiche. (IAMAMOTO, 2008) 25 contração de todas as economias (PETRAS, 2009), inclusive, e, de forma mais drástica, dos países periféricos. Vale lembrar que esta, assim como todas as crises capitalistas, supõe reorganização do processo de produção de mercadorias e de realização do lucro. O retorno a reflexão marxiana sobre o capital portador de juros, cujas transformações atuais incidem especialmente na mercantilização das atividades humanas e na apropriação de parcela crescente do valor monetário produzido, nos parece um chave analítica indispensável para a compreensão das crises contemporâneas do capital. É preciso, portanto, afirmarmos que a mundialização financeira parece converter-se na forma social dominante, no plano internacional, assumindo caráter social. E que isto permite a associação de uma competitividade, cada vez mais, crescente entre grandes capitais mundializados. Permanentemente competitivos, os grandes proprietários de capital, sob forma monetária, procuram mantê-lo, a maior parte possível do tempo sob essas condições e buscam valorizá-lo em altas taxas e velocidades. Como nos aponta Fontes (2008), este processo permite dar impulso a expropriações continuadas e eleva as taxas de exploração do sobretrabalho, com condicionantes e determinações territoriais locais, regionais e nacionais, absolutamente diversificados e desiguais. O novo estágio da internacionalização da economia e a correspondente complexidade das relações dele resultantes redefine, de modo aprofundado, a convivência entre os grandes capitais e os demais capitais, a classe trabalhadora, os arranjos estatais construídos, tanto nos países centrais quanto nos países da periferia que proporcionaram, cada vez mais, a diminuta porção da grande burguesia mundial, fatias substantivas da riqueza produzidas pelos trabalhadores em todo o planeta (GRANEMANN, 2008). O capital especulativo hegemônico determina, atualmente, o controle acionário da maior parte dos grandes conglomerados industriais. Institucionalmente, a “predominância financeira do capital se expressa nas orientações e no papel cumprido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), pelo Banco Mundial e pela Organização Mundial do Comércio (OMC)” (MOURA, 2008, p. 53). E as instituições financeiras, como os bancos, fundos de pensão e companhias de seguro, controlam não só as ações das 26 principais empresas mundiais, como também operam com os títulos das dívidas externas e internas de vários países nos mercados especulativos, determinando sua agenda política e social (MOURA, 2008). Não foi por acaso, na crise dos anos 1970, a convergência de um movimento de administração da superprodução, mediante expansão do crédito para financiar, tanto os déficits dos países hegemônicos, quanto a integração funcional dos países periféricos ao processo de internacionalização do capital (MOTA, 2000). A reorganização do mercado financeiro global é, segundo Harvey (1996), um dos elementos centrais no processo de recuperação da crise capitalista dos anos 1970. Na verdade, o processo de financeirização do capital surge, entre 1979 e 1987, a partir da adoção de medidas de desregulamentação e liberalização, tomadas, inicialmente, pelos Estados Unidos e Inglaterra, seguidos, posteriormente, pelos demais países centrais, significando a abertura externa e interna dos sistemas nacionais, a partir de interligações entre os sistemas monetários e os mercados financeiros dos países que propiciaram o surgimento de um espaço financeiro mundial. Este fenômeno permitiu, inclusive, que boa parte da flexibilidade geográfica e temporal da acumulação capitalista se efetivasse. E, a partir disso, tem-se dado uma ênfase, muito grande, à descoberta de maneiras alternativas de obter lucros que não se restrinjam à produção pura e simples de bens e serviços. Segundo Teixeira (2000), o capital está vivendo mais uma forma de produção da mais-valia, denominada cooperação complexa, e os fenômenos do capitalismo contemporâneo são resultados de um processo de evolução. Para o autor, a fase atual do capital não apresenta nenhuma ruptura com as formas pretéritas de produção de mercadorias, mas uma superação das contradições que limitavam a autovalorização do valor16, ou seja, do processo de financeirização do capital. De acordo com Chesnais (1998), a esfera financeira alimenta-se da riqueza criada pelo investimento e pela mobilização de certa força de trabalho de múltiplas 16 Para Marx só se pode chegar ao conceito de capital a partir da definição do valor de troca concretamente desenvolvido na esfera da circulação. Mesmo sabendo que capital é trabalho acumulado não se pode identificá-lo enquanto tal, pois sob o capital o trabalho acumulado nada mais é senão criador de valor que busca se valorizar, ou seja, valor que cria mais valor. “Portanto, o conceito de capital não pode ser derivado diretamente do trabalho, e sim do valor, visto que este é a forma assumida pelo trabalho na sociedade capitalista. Essa forma social (formal), por sua vez, exige uma forma material (fenomênica) adequada por meio da qual o valor ganha existência. Essa forma é o valor de troca ou o dinheiro, expressão necessária de aparição do valor” (TEIXEIRA, 1985, p. 127). 27 qualificações. Os capitais que os operadores financeiros põem para valorizar, através de suas aplicações financeiras e das arbitragens entre diversos tipos de ativos, nasceram, invariavelmente, do setor produtivo e começaram assumir a forma de rendimentos que se constituíram na produção e intercâmbio de bens e serviços. Atualmente, uma parcela elevada desses rendimentos é captada ou canalizada em benefício da esfera financeira e transferida para esta. O autor esclarece que só depois dessa transferência é que podem se gestar, dentro do campo da esfera financeira, vários processos, em boa parte, fictícios, de valorização, que fazem inchar, ainda mais, o montante nominal dos ativos financeiros. Conforme Harvey (1996), a potencialidade de formação de crises financeiras e monetárias autônomas e independentes é muito maior do que antes, mesmo se desenvolvendo condições de suavizar os riscos, por meio da diversificação e da rápida transferência de fundos de empresas, regiões e setores em decadência, para outros setores lucrativos. É importante compreender que o fetiche das finanças está cimentado na divisão da mais-valia em lucro e juro. Esses aparecem como se originassem de fontes essencialmente diversas, sendo aquele primeiro do processo produtivo e o outro do próprio capital, sem mediação dos processos de produção e de circulação. De acordo com Iamamoto (2008), o juro se manifesta como criação de valor peculiar do capital enquanto tal, que emana dele independente do processo de produção, das relações sociais que imprimem a propriedade do dinheiro e da mercadoria, sua marca capitalista enquanto contraposta ao trabalho. Contudo, essa divisão (autonomização) não passa de uma abstração, na medida em que “não pode alterar a natureza, sua origem e as condições de sua existência” (MARX, 1985, apud IAMAMOTO, 2008, p. 16). Assim, o capital ao subordinar toda a sociedade, impõe-se em sua lógica quantitativa, enquanto riqueza abstrata, que busca incessante crescimento, aprofunda as desigualdades de toda natureza e torna, paradoxalmente, invisível as mediações que viabilizam esse processo e, conseqüentemente, o trabalho vivo 17 que cria a riqueza e os sujeitos que o realizam (IAMAMOTO, 2008). 17 A reificação, como negação histórica das relações sociais de (re)produção, é a base das equivocadas teses que defendem o fim da sociedade do trabalho. Como nos propõe Tavares (2008), essas concepções acerca do fim da 28 A reificação do capital – sua manifestação como sujeito não humano, coisificado na forma dinheiro em que parece numa relação consigo próprio, como motor de seu autocrescimento - ofusca os processos sociais reais de sua própria produção (IAMAMAOTO, 2008, p. 20). A recuperação das taxas de lucro do capital, desde a sua última grande crise do século passado, tem se processado intensivamente. Desse modo, não nos parece exagero dizer que o capital nunca lucrou tanto quanto nesses últimos trinta ou quarenta anos. Igualmente, não é absurdo afirmar que a financeirização junto à reestruturação produtiva e a política neoliberal, têm se configurado “ „achados‟ [do capital] [...], para novamente impulsionar o dinamismo da extração de sobretrabalho” (GRANEMANN, 2008, p. 61). Nesse sentido, a reestruturação produtiva e a reconfiguração do Estado devem ser compreendidas como elementos partícipes de um mesmo processo social que tem no seu horizonte o aprofundamento da disponibilização do trabalho para o capital e, ao mesmo tempo, do disciplinamento da força de trabalho nas novas condições de expropriação e na nova escala da concentração de capitais (FONTES, 2008). Uma questão preliminar para a compreensão dessa assertiva é a incontornável permanência dos processos de exploração da força de trabalho como base da expansão do capital. E as análises acerca da (re)produção da sociabilidade vigente não podem desconsiderar esta realidade. Pois, estamos diante de um formidável impulso da acumulação capitalista, profundamente destruidor, e sua destruição primeira incide sobre as formas de luta da própria classe trabalhadora, a sociedade do trabalho podem ser interpretadas como o fim do trabalho assalariado ou o fim do emprego, dado que nenhuma sociedade sobrevive sem trabalho. Contudo, de acordo com a autora, a interpretação carrega sérios problemas teóricos, pois ao se credenciar o fim do assalariamento no capitalismo presume-se, por conseqüência, o fim da contradição capital-trabalho, apesar de, na pratica, serem engendradas novas formas de exploração, deixando evidente a prevalência do trabalho abstrato na base da sociedade capitalista. Concretamente, o que se verifica é a tentativa de se mascarar a relação capital-trabalho, dentre outras estratégias, atribuindo-lhe novas denominações, como se, pela semântica, fosse possível eliminar a realidade (TAVARES, 2006). Em suma, essas teses não são inocentes. Elas se revestem de um aparato ideológico legitimador do projeto capitalista. O tempo presente revela expressões da predominância das finanças mundializadas, enquanto se aprofunda o fetichismo; a exploração do trabalho e; a contradição de classes. A despeito do que se possa presumir em relação a tais interpretações, o fato é que, as próprias mudanças radicadas na realidade as confrontarão. 29 qual o capital precisa converter em mera força de trabalho sempre disponível, para a garantia da sua perpetuação (FONTES, 2008). Em outros termos, a lei geral da acumulação possui como premissa básica a reprodução do capital, o que supõe sobrepor o processo de valorização do capital a todo custo. E, com todas as suas contradições, isto só é possível e viável numa sociedade desigual, mantenedoras da propriedade privada e da divisão sócio-técnica do trabalho18. A crise estrutural do capital, nos últimos decênios, implicou um reordenamento de amplo e profundo alcance na sistemática de acumulação de capital no cenário internacional. A recessão generalizada do capitalismo tardio dos anos 1970 deveu-se, além da crise de superprodução, também, a uma profunda exaustão do modelo de produção e de organização produtiva do capital. De acordo com Antunes (2002), o conjunto de fatores que contribuíram para a deflagração da depressão econômica da época, combinava o esgotamento do fordismo/taylorismo19, com o declínio das taxas de lucro, devido à estagnação da circulação de mercadorias no mercado, causada pelo subconsumo das massas, pela queda do poder de compra dos salários reais da classe trabalhadora; hipertrofia da esfera financeira; crise do Estado do bem-estar-social e seus mecanismos de funcionamento, acarretando a crise fiscal do Estado capitalista com retração dos gastos públicos e transferência para o capital privado. É certo que em contextos de crise, a burguesia sempre se depara com o desafio de desenvolver novos mecanismos de controle para recuperação das taxas médias de lucros e busca meios eficientes para tal fim. A saída capitalista para a crise, cuja expansão atingiu a totalidade dos processos (re)produtivos, consistiu fundamentalmente na racionalização do trabalho vivo, através da inovação tecnológica dos meios de produção, com o objetivo de aumentar a produtividade e abater o custeio da produção, para garantir o retorno das taxas de lucro. Sendo a taxa de acumulação 18 . É importante perceber que a acumulação de capital aumenta a divisão do trabalho e a divisão do trabalho aumenta o número de trabalhadores; mutuamente, o número crescente de trabalhadores aumenta a divisão do trabalho e a divisão crescente do trabalho intensifica a acumulação do capital. (MARX, 2005). Vale lembrar aqui, que, capital nada mais é senão a acumulação de sobretrabalho. 19 O modelo taylorista/ fordista de produção foi adaptado como padrão de organização de produção (em massa) das empresas capitalistas desde o pós-guerra, suas características se condensam na capacidade da expropriação intensificada do operário-massa, limitando-o de qualquer participação na organização do processo de trabalho, sendo, a atividade de trabalho, reduzida a uma ação mecânica e repetitiva, suprimindo a dimensão intelectual do trabalho (ANTUNES, 2002). 30 inferior a taxa de crescimento da produtividade do trabalho, a demanda de força de trabalho decresce. Por essa razão é que as investidas do capital, do ponto de vista da produção, se traduziram em aumento da produtividade, mas com maior emprego de capital constante e menos variável. Ou seja, a taxa de produtividade se manteve nos patamares desejáveis, mesmo com a redução da mão-de-obra empregada nos processos produtivos. Ora, o estágio de desenvolvimento das capacidades produtivas determina a diminuição do tempo necessário para a produção, conseqüentemente, reduz o custo social da mesma, porque de modo semelhante, o valor do mínimo vital fisiológico para a reprodução da força de trabalho, decai20. O aperfeiçoamento dos meios de produção, a partir do desenvolvimento da técnica e tecnologia, é indispensável para a intensificação do acúmulo de capital. Esse processo, obviamente, ganha ineditismo em cada tempo histórico, mas os seus fundamentos, essencialmente, em nada se alteram por concernirem organicamente ao modo de produção capitalista. Aliás, “todo processo conhecido como reestruturação produtiva nada mais é do que a permanente necessidade de resposta do capital as suas crises” (DIAS, 1997, p. 14). E é a respeito dos seus contornos atuais a que nos referimos. 2.2 Os rebatimentos da dinâmica do capital na organização política da classe trabalhadora Nesse sentido, as transformações estruturais do capital resultaram na precarização das relações de trabalho e das condições de vida da classe trabalhadora. O processo de subproletarização do operariado fabril, a terceirização e a informalidade de várias atividades e serviços, bem como a desregulamentação das relações de 20 Marx (1983) explica esta contradição a partir da mercadoria, cujo valor é dado pelo tempo necessário à sua produção. No capitalismo, a própria força de trabalho foi transformada em mercadoria e o seu valor é determinado pela quantidade de trabalho necessário à sua produção. Quer dizer, dos meios de subsistências necessários à reprodução física do trabalhador e de suas futuras gerações. Esse valor é mediatizado através do salário que condensa a exploração e o seu nível/flutuação depende tanto da concorrência entre os próprios operários, do exército industrial de reserva e do ritmo da acumulação dos capitais. Em período de alta é possível o aumento temporário dos salários, mas principalmente em períodos de crise e de desemprego muito elevado, há queda do salário abaixo do mínimo necessário. 31 trabalho, implicaram na desestruturação dos direitos trabalhistas e alteraram profundamente a configuração da classe trabalhadora. As formas de expropriação do sobretrabalho, nos dias que correm, ganham uma diversidade complexa e inédita. O processo de produção associa, na atualidade, trabalhadores altamente qualificados (com contratos de trabalho capazes de assegurar temporariamente o pagamento de previdências complementares e fundos de pensão) a trabalhadores completamente destituídos de direitos (FONTES, 2008, p. 32). Pior ainda, desprovidos do próprio horizonte de possibilidade de vir a conquistá-los, pela própria desigualdade interposta entre eles, erigida como separação hierárquica não apenas no interior das empresas, mas entre empresas e no conjunto da vida social. Não é por acaso que grande parte das formas de absorção da força de trabalho está pautada na mais profunda vulnerabilidade e precarização. [...] a subcontratação organizada abre oportunidades para a formulação de pequenos negócios e, em alguns casos, permite que sistemas mais antigos de trabalho doméstico, artesanal, familiar (patriarcal) e paternalista („padrinhos‟, „patronos‟ e até estruturas semelhantes a da máfia) revivam e floresçam, mas agora como peças centrais, e não apêndices do sistema produtivo [...]. Em todos esses casos, o efeito é uma transformação do modo de controle do trabalho e do emprego [...] umas das grandes vantagens do uso dessas formas de processo de trabalho e de produção pequeno-capitalista é o solapamento da organização da classe trabalhadora e a transformação da base objetiva da luta de classes. Nelas, a consciência de classe já não deriva da clara relação de classe entre o capital e o trabalho, passando para um terreno muito mais confuso dos conflitos interfamiliares e das lutas pelo poder num sistema de parentesco ou semelhante [...] que contenha relações sociais hierarquicamente ordenadas (HARVEY, 1996, p. 145-146). Conforme Tavares (2006), embora o emprego formal já não tenha a mesma centralidade na sociedade capitalista, a matriz Estado-empregadores-assalariados permanece sendo o paradigma para a reprodução do capital. Se indivíduos da classe trabalhadora não conseguem vender a sua força de trabalho, só lhes resta a possibilidade de encontrar os seus meios de subsistência mediante uma atividade por conta própria, o que não quer dizer que este trabalhador tenha autonomia. Há, hoje, uma fração moderna do trabalho informal, que longe de ser uma atividade à margem do núcleo formal da economia, participa diretamente do processo 32 de acumulação do capital, como é o caso de indústrias nacionais e internacionais que utilizam o trabalho domiciliar como parte do trabalho coletivo (TAVARES, 2006). Tal relação implica, geralmente, mais sobretrabalho sem os custos sociais correspondentes para o capital. Em outras palavras: a acumulação flexível tenta esconder relações que articulam mais-valia absoluta e mais-valia relativa, mediante uma rearrumação de formas pretéritas da produção de mercadorias, nas quais se inscrevem cooperativas de trabalho, trabalho domiciliar, empresas familiares, e tantas outras formas de trabalho precário, que os liberais conseguem enxergar como espaços de autonomia e de independência do trabalhador (TAVARES, 2006, p. 2). Não nos espanta que os agudos contrastes radicados nas atuais relações de exploração do trabalho, sejam tomados pelos contornos ideológicos das classes dominantes como potenciais formas de redenção dos trabalhadores. Vivemos um tempo em que a reatualização das formas de exploração se consolida a partir da ampla subsunção real e formal do trabalho ao capital, com o auxílio de práticas consideradas libertárias do „despotismo de fábricas‟ e vitalizadoras da liberdade do indivíduo que continua explorado, mas se pensa livre (MOTA e AMARAL, 1998). Ora, é uma contradição verdadeiramente grotesca a defesa de que numa economia inteiramente dominada pelo capital, seja possível haver alguma organização autônoma do trabalho. Portanto, é preciso demonstrar que o papel de dominação social e político da minoria sobre a maioria, que está ligado a venda e a não-venda da força de trabalho (ou seja, ao desemprego e ao fantasma permanente do mesmo), tem aumentado como conseqüência da polarização das riquezas; mas que isto também ocorre em um momento no qual a tecnologia permitiria dar um salto colossal na libertação dos homens do trabalho21 (CHESNAIS, SERFATI e UDRY, 2005). De acordo com esses autores, a origem do atual desemprego das massas está 21 É uma evidência que o desenvolvimento tecnológico alcançado pela humanidade tornou possível a disponibilização de maior tempo livre aos indivíduos sociais. Mas o uso social que o capital faz dele não está voltado para esta perspectiva. Muito pelo contrário, favorece as perversas estratégias de expropriação vital da classe trabalhadora, no sentido de favorecer mais que nunca a expropriação do trabalho e a maximização dos lucros. E estes conteúdos regressivos, precisam ser evidenciados e negados na luta dos trabalhadores, vítimas do desemprego estrutural. 33 na liberalização, na desregulamentação e na privatização características da presente fase de globalização do capital, bem como na crescente concentração desta propriedade e na submissão da atividade produtiva a imperativos cada vez mais estreitos de valorização extrema. Onde não há desemprego em massa, encontramos “pobres no trabalho” e os inumeráveis mecanismos de exploração de um trabalho “flexível” e disponível a todo o momento (CHESNAIS, SERFATI e UDRY, 2005, p. 286). A internacionalização do capital e o processo de acumulação flexível intensificaram amplamente o padrão de desenvolvimento desigual. A máxima rentabilidade para o capital depende, hoje, cada vez menos, do crescimento absoluto ou da expansão para fora e mais da redistribuição e de uma brecha, cada vez mais, extensa entre ricos e pobres, tanto no interior das nações-Estado como entre elas (WOOD, 2005). Contudo, a mundialização da economia capitalista não poderia ser pensada sem a redução das fronteiras (heteronomização) das nações-estado, processo viabilizado pela implantação do neoliberalismo, “cuja essência é o afastamento dos obstáculos legais e políticos a circulação do fluxo de mercadorias e dinheiro” (BEHRING, 1998, p. 182). E, em decorrência disso, “o Estado-nação adquiriu novas funções como um instrumento da competição. Em todo o caso, o Estado-nação é o principal agente da globalização” (WOOD, 2005, p.110). A descentralização das economias e dos mercados, assim como a depreciação da força de trabalho e dos salários, em todas as partes do mundo, dependeu, fundamentalmente, disso. Notadamente, a volatilidade do mercado (característica central da acumulação flexível) em detrimento da organização do trabalho, tem destituído os espaços sócio-ocupacionais (postos de trabalho), e com isso ampliado a competitividade entre os sujeitos da classe trabalhadora22, impondo-lhes um padrão de 22 O crescimento das disputas entre os trabalhadores é uma realidade assustadora. Possui proporção similar a expansão do capital, isto é, não ocorre apenas na circunscrição de cada país, transgride as fronteiras dos mercados nacionais. A expulsão de gigantescas massas de trabalhadores do mercado de trabalho, parcela constituinte daquilo que Marx chamou de universo sobrante ou massa supérflua para o capital, revela que o sistema capitalista não possui a capacidade de integrar todos os indivíduos nos processos coletivos de trabalho. O exercito de reserva é resultante da acumulação capitalista e, portanto, se torna indispensável a esta, pois é um componente ineliminável da dinâmica capitalista. Quanto aos trabalhadores, concerne-lhes o desafio de enfrentar as imposições do mercado de trabalho. E por falar nesse desafio, no decurso histórico da vida social presente, assistimos a mais sorrateira banalização e naturalização da barbárie, da qual as práticas xenófobas, por exemplo, são mais um indício do exacerbado nível de competição entre trabalhadores no mercado de trabalho “mundializado”. 34 absorção baseado na precarização e flexibilização. Pois, na medida em que a propriedade dos títulos se tornou líquida, para os acionistas, o capital físico e, sobretudo, os assalariados devem ter a mesma “liquidez”, a mesma flexibilidade, com a possibilidade de serem descartados (CHESNAIS, SERFATI e UDRY, 2005). Essa liquidez se expressa com maior evidência no mercado de trabalho. Cada vez mais interessa ao capital reduzir o número de trabalhadores “centrais” e empregar cada vez mais uma força de trabalho que entra e é demitida sem custos quando as coisas ficam ruins [...] os efeitos agregados, quando se consideram a cobertura de seguro, os direitos de pensão, os níveis salariais e a segurança no emprego, de modo algum parecem positivos do ponto de vista da população trabalhadora como um todo (HARVEY, 1996, p. 144). Essa dinâmica da volatilidade parte da lógica de desregulação ampliada dos mercados nacionais. Apenas para retomar o que colocamos a pouco, a abertura generalizada das fronteiras, facilitou a internacionalização do capital (especialmente o financeiro evidentemente sob o comandado dos países centrais), adentrando, avassaladoramente, nas economias periféricas. A desfavorável concorrência com os monopólios internacionais tem levado a falência grande parte das indústrias nativas dos países periféricos e, junto com elas, postos de trabalho. Em, ‘Novos ventos de esquerda’ ou ar quente de uma nova direita?, artigo publicado em James Petras faz um balanço político-econômico dos principais 2006 23, países latino- americanos e aponta que: As exportações do Brasil assumiram cada vez mais ao perfil de um país de produção primária [insumos, recursos naturais e agrícolas]; as exportações de ferro, soja, açúcar, sucos cítricos e madeira só fizeram crescer, enquanto seu setor industrial estancou-se devido às taxas de lucro mais altas do mundo (18,5%) e à queda das tarifas alfandegárias. Mais de 25 mil operários do 23 Publicado originalmente em espanhol em: http://iarnoticias.com. Acesso em 10 outubro de 2009, as 22:15. 35 calçado perderam seus empregos devido às baratas importações chinesas (PETRAS, 2006). Ante essa realidade, Behring (1998), reflete que os Estados nacionais têm dificuldades em desenvolver políticas industriais, restringindo-se a tornar os territórios nacionais mais atrativos as inversões estrangeiras, ou seja, convertem-se em ponto de apoio das empresas, que, por sua vez, se tornam “organizações de governo da economia mundial” (p.183). Ora, o horizonte dos monopólios é a supressão da concorrência para o comando da produção e, conseqüentemente, a concentração e centralização das riquezas sociais, internacionalmente produzidas. A mundialização do capital forjou as condições propícias para isto. E as catastróficas conseqüências sociais, políticas e ambientais não parecem ser questões de preocupação do grande capital. É importante salientar que a reestruturação do capital só é compreensível, a partir de condições concretas postas na sociedade capitalista, relacionadas ao estágio de desenvolvimento das forças produtivas e as estratégias de acumulação prevalecentes e ao nível das lutas de classes (NETTO, 2004). Como vimos, o triunfo dos mercados seria inconcebível sem a ativa intervenção das instâncias dos Estados nacionais, no lastro dos tratados internacionais (IAMAMOTO, 2008). Não foi por acaso que para contornar a implosão das bases do Estado de bem-estar e administrar a última grande crise do século passado, a burguesia internacional organizou-se, a partir de um estratégico ataque às conquistas da classe trabalhadora, numa contra tendência que articulou a reestruturação produtiva e a política neoliberal, deslanchando na transnacionalização do poder da economia capitalista, de um modo intensamente reificado. Nos processos das duas maiores crises capitalistas do século XX, “o Estado (burguês) experimentou pelo menos dois processos de reestruturação” (NETTO, 2004, p. 69). Da primeira crise, no início do século passado (1929), resultaram instrumentos institucionais com efetivo poder de intervenção macro-econômica nacional e regulação social dinâmica do capital; e, da recessão generalizada, de 1975-1976, resultaram no deslocamento daqueles instrumentos de intervenção macro-econômica para os Estados 36 centrais e para instâncias supranacionais por eles controladas e a redução da sua dimensão reguladora. Na linha geral da recomposição capitalista desse último período, a reestruturação do Estado representou uma condição fundamental na medida em que garantiu: [...] pesada transferência do patrimônio público estatal para o grande capital pela via da privatização; drenagem de recursos privados e públicos para o capital parasitário-financeiro através das políticas de ajuste (financeira tributária) – o que, especialmente nos Estados periféricos e semi-periféricos, conduz a uma verdadeira quebra do poder estatal para financiar o enfrentamento da “questão social” (donde, por exemplo, refilantropização da assistência); diminuição do poder do Estado como regulador das relações capital-trabalho, pela via da flexibilização; apequenamento do papel econômico-indutor dos Estados periféricos e semi-periféricos, seja pela orientação que conduz à sua redução, seja pelo novo papel desempenhado pelas instâncias supra-nacionais do grande capital (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial); enfim, amesquinhamento da função desses Estados de afiadores de padrões de crescimento decididos “desde dentro”, pela via da desregulamentação (também sob comando do grande capital, mediante supra-nacionais como a Organização Mundial do Comércio) (NETTO, 2004, p. 72). Esta reconfiguração do Estado expressa, em todas as suas premissas, a contradição e os grandes limites das conquistas históricas da classe trabalhadora, no contexto pós-segunda guerra. Segundo Netto (2004), a reestruturação do Estado pode ser sinalizada como hipertrofia da sua função de garantidor da acumulação capitalista simultaneamente à sua atrofia como legitimador desta; na medida em que o fundamento dessa reestruturação é a concepção de que o único regulador societal legítimo e eficiente é o mercado, o que vem emergindo da reestruturação em curso é um Estado mínimo para os trabalhadores e máximo para o capital (p.72). Como sabemos o bode expiatório da premissa neoliberal foi o excesso de privilégios e poder da classe trabalhadora na forma de direitos sociais que onerava/ sobrecarregava por demais o orçamento público, o que, segundo esta acepção, determinou a crise fiscal do Estado. A reação burguesa incorporou, portanto, essa premissa ideológica para efetivar as medidas de desregulação das relações de trabalho 37 e do sistema de proteção social, e implantar um modelo de regulação social baseado na lógica do mercado, cujos desdobramentos estabelecem a barbarização da vida social. A rota econômica adotada pelos governos neoliberais tem acompanhado parâmetros macroeconômicos baseado nas imposições previstas, em 1989, pelo Consenso de Washington, cujas tendências reafirmam “a idéia de um desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo” (BERHIHG, 1998, p. 182). Na realidade, as medidas preconizadas por esse consenso foram adotadas pelo governo norteamericano como imposições na negociação das dívidas externas dos países latinoamericanos. E acabaram se tornando o modelo do FMI e do Banco Mundial para todos os países do mundo. Nesse sentido, o ajuste proposto pelos organismos internacionais, como forma por meio da qual as economias nacionais tiveram que se adaptar as condições da economia mundial, consistiu, basicamente, como já colocamos, na liberalização financeira e comercial das economias, desregulamentação das relações de trabalho, privatização de setores e empresas lucrativos pertencentes ao Estado, e profundo atrofiamento dos gastos sociais. No Brasil tivemos um retardo de cerca de 10 anos, em relação à realidade do resto do mundo capitalista, para o início da implementação da agenda neoliberal. Somente a partir dos anos 1990 é que se inicia de forma mais explícita: privatizações, redefinição das políticas públicas, reestruturação produtiva e acumulação flexível (MOURA, 2008). O receituário neoliberal no Brasil ganhou consistência e amplitude, com os governos de Fernando Collor de Melo24 e Fernando Henrique Cardoso25 (FHC). Esses governos, especialmente o governo FHC, garantiram as condições necessárias à expansão da ofensiva neoliberal no país, a partir da implementação das chamadas “reformas” estruturais. A execução das medidas contra-reformistas instituiu a desregulamentação do mercado de trabalho, a partir do processo de desindustrialização; da privatização dos setores (empresas) estatais lucrativos (venda 24 Candidato pelo Partido da Reconstrução Nacional (PRN), Fernando Collor de Melo foi o primeiro presidente eleito pelo voto direto no Brasil, Pós-Regime Militar, nas eleições de 1989. Exerceu o cargo pelo período de apenas dois anos e meio, quando foi afastado devido a escândalos de corrupção. Em seguida renunciou ao mandato e, posteriormente, foi condenado por um processo de impeachment, em 1992. 25 Fernando Henrique Cardoso do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) foi presidente da República do Brasil por dois mandatos consecutivos de 1995 a 1998 e, de 1999 a 2002, sendo eleito em 1994 e reeleito em 1998. 38 do patrimônio público estatal); e concessão de isenção fiscal a empresas capitalistas para assegurarem suas taxas de lucro. Quanto as políticas sociais, o governo FHC logrou um exitoso controle - na tentativa de garantir um menor dispêndio no tratamento à questão social - das formas de atendimento focalizado, com a criação de mecanismos legais de transferência das responsabilidades sociais do Estado para a sociedade civil26, na implementação das políticas públicas, o que caracteriza, notadamente, mais uma premissa da política neoliberal, que, nesta perspectiva, revolve a dimensão privada a responsabilização do suprimento das necessidades humanas, engrendradas nas complexas relações de desigualdade social. Os direitos sociais no Brasil, mal tinham sido reconhecidos quando entraram na onda de desmontagem, causada pelos impactos da implantação dos ditames do capital internacional. Do ponto de vista legal a sociedade brasileira só conseguiu instituí-los, numa fase muito recente (tardia), a partir da Constituição Federal de 1988. Noutros termos, queremos dizer que, entre nós, a implantação do projeto neoliberal operou-se em condições particulares: Não contando com uma proteção social que assegure minimamente os direitos sociais, apresentando índices de misérias similares aos países mais pobres do mundo e contando com uma elite historicamente conservadora, o país integra o “mundo global” reatualizando as velhas estratégias de equacionamento moral da “questão social”. [...] ocorrendo as privatizações e a desregulamentação do Estado com as políticas públicas, vão surgindo, gradativamente, propostas e programas governamentais pautados em apelos ético-morais: trata-se de envolver a sociedade civil em nome da “solidariedade” e da “responsabilidade social”, estratégia que permite a modernização de práticas filantrópicas e a 27 desmobilização da sociedade civil, que passa a ser situada num terceiro setor , cuja lógica de funcionamento não seria nem a do mercado nem a do Estado, mas a da solidariedade (BARROCO, 2008, p. 179). Parece-nos uma grotesca contradição a postulação da solidariedade num tempo histórico em que a única esfera reguladora da vida social é o mercado; em que o exacerbado processo de mercantilização se configura como um dos mais violentos momentos de expropriação social. O mais grave nisso tudo é que, do ponto de vista 26 27 Sobre esta questão ver Montaño, 2002. Uma análise crítica sobre terceiro setor pode ser encontrada em Montaño (2002). 39 político, a solidariedade acaba assumindo um viés espantosamente ideológico e funcional. O apelo a solidariedade e a lógica da ajuda ao próximo acabou por redefinir os conflitos de classes, implicando numa horrenda desarticulação e despolitização das lutas sociais. Predominantemente, as contradições passaram a ser tratadas e compreendidas como questões de responsabilidade inteiramente individual. Sobre essa tendência Fontes (2008) aponta que: [...] muitos militantes, sinceramente engajados na melhoria das condições sociais da maioria da população, mas (muitas vezes legitimamente) decepcionados com os rumos de muitos partidos, abandonariam a prática (e a reflexão) voltada para o fim das classes sociais, concentrando-se na atividade local, pontual. Apoiados em formas locais de solidariedade e auto-ajuda, empreenderam importantes lutas, mas esbarraram na dificuldade de recursos. O encontro entre intelectuais dispostos a apoiar movimentos que se mantivessem estreitamente nos limites corporativos e lutas sociais que se debatiam com escassez de recursos impulsionou a constituição de entidades de cunho filantrópico, no qual a autonomia reivindicada deixava de ser capaz de produzir contra-hegemonia, não devendo mais forjar uma visão de mundo revolucionária, mas a autonomia de cada segmento, organizado em torno de demandas específicas, de cunho corporativo segundo a conceituação de 28 Gramsci (p. 34). A autora complementa dizendo que as múltiplas fontes de financiamento (das agências internacionais do capital e do próprio Estado) apoiaram essa dinâmica, inclusive para fazer frente ao risco de que a internacionalização em curso impulsionasse reivindicações localizadas em direção a uma contestação mais abertamente anticapitalista. E com isso tentam impedir que as lutas específicas, que agem a partir das condições imediatas e respondem aos efeitos da devastação capitalista, convertam-se em fulcros coletivos e internacionalizados de luta anticapitalista (FONTES, 2008). Por essa razão, não tenhamos a ingenuidade de pensar que o enfrentamento – pelo menos, não no sentido da sua erradicação - das desigualdades é preocupação para o capital, como quer nos fazer crer o Banco Mundial e o FMI (TAVARES, 2006). 28 Ao referir-se a conformação das relações de força sociais, especialmente das forças políticas, Gramsci (2000) fala dos graus de consciência política e de organização alcançado pelos vários grupos sociais. Nesse sentido, aponta que o primeiro grau de consciência e o mais elementar é o econômico-corporativo. Consiste o momento de manifestação e conformação da unidade homogênea e de organização de um determinado grupo profissional enquanto tal, mas que não corresponde a unidade do grupo social mais amplo. 40 Devemos enfatizar, porém, que, embora, a alteração das formas de manifestação da luta de classes tenham se alterado, o conflito social de classes antagônicas não deixou de existir nem de se expressar, tampouco a sua configuração atual, representa o produto de uma falha na consciência de classe dos trabalhadores. Na verdade, o arrefecimento das lutas sociais, corresponde “a uma realidade material, a forma como o mundo social é realmente organizado pelo capitalismo” (WOOD, 2005, p. 108). Aliás, é preciso chamar a atenção, que, os efeitos mais imediatos do capitalismo limitaram o conflito de classes as unidades individuais de (re)produção, descentralizando e localizando a luta de classes. A mobilidade do capital impulsiona a generalização das relações mercantis as mais recônditas esferas e dimensões da vida social, que afetam, transversalmente, a divisão do trabalho, as relações entre as classes e a organização da produção e distribuição de bens e serviços. E ao espraiar-se na conformação da sociabilidade e da cultura, reconfigura o Estado e a sociedade civil, redimensionando as lutas sociais (IAMAMOTO, 2008). Quanto à redefinição do papel do Estado gostaríamos de nos deter um pouco nos impactos sobre as dimensões econômica, política e, sobretudo, social. Esta última é o que nos interessa, em particular, pois consistiu, do ponto de vista da classe trabalhadora, uma das estratégias mais ofensivas da reestruturação capitalista. Se pensarmos no papel desempenhado, sobretudo, pelo Estado, na garantia da reprodução social, veremos que - sem explorar as suas contradições – a luta por direitos e políticas sociais representa uma questão central na agenda de luta e no cotidiano das vidas dos sujeitos da classe trabalhadora. Portanto, as políticas sociais, representam ganhos para os trabalhadores, o que significa, ainda que brandamente, a imposição de limites a usura do capital. Não é por acaso que a classe capitalista mundial se empenhou em elidir as conquistas históricas da classe trabalhadora no campo dos direitos sociais e trabalhistas, verificados na experiência histórica dos países centrais e de forma muito pífia na realidade dos países periféricos, no período glorioso da produção e acumulação capitalistas do pós segunda guerra. Por essa razão não podemos compreender o contexto de perda e degradação dos direitos e das políticas sociais sem contextualizar sua articulação com 41 a política econômica e a luta de classes, pois elas são processo e resultado de relações complexas e contraditórias que se estabelecem entre Estado e sociedade civil, no âmbito dos conflitos e lutas de classes que envolvem o processo de produção e reprodução do capitalismo (BEHRING e BOSCHETTI, 2006). Para Boito Júnior, a burguesia imperialista vislumbrou no neoliberalismo a via para contrariar, graças à suspensão dos direitos dos trabalhadores e ao retrocesso no capitalismo periférico, à tendência decrescente da taxa de lucro. Mas, isso não significa que, apenas por esse fato, o neoliberalismo deveria sair vitorioso. Foram as condições históricas gerais do período que viabilizaram a ofensiva burguesa e imperialista, motivada pelo descenso das taxas de lucro (1999, p. 116). Se as políticas sociais, nos países que vivenciaram o Estado de Bem-Estar Social, assumiram, por um ângulo econômico, a função de reduzir os custos da reprodução da força de trabalho e elevar a produtividade, bem como manter elevados níveis de demanda e consumo, e, pelo ângulo político, serviram como mecanismos de cooptação e legitimação da ordem capitalista, pela via da adesão dos trabalhadores ao sistema; no contexto da reestruturação produtiva elas representaram para os interesses do capital uma grande ameaça. Berhing (2003), afirma que, no contexto de implantação do ideário neoliberal, as políticas sociais passam a ser caracterizadas por meio de um discurso nitidamente ideológico. Ou seja, “paternalistas, geradoras de desequilíbrio, custo excessivo do trabalho, e devem ser acessadas via mercado. Evidentemente, nessa perspectiva deixam de ser direito social” (idem p. 64). A autora ainda chama atenção para outra tendência desse processo de degradação dos serviços públicos e do corte dos gastos sociais. Trata-se do processo de aguda privatização induzido nesse terreno. Na verdade, como indica Fontes (2008), o que vem ocorrendo não é apenas a conversão em mercadoria algo que não o era, mas um efetivo processo social de expropriação. Em última instância trata-se de assegurar 42 [...] a permanência e expansão das relações sociais que nutrem o capitalismo. A expropriação permanece, portanto, o fulcro central da exploração capitalista, à qual corresponde, no extremo oposto da mesma relação, a concentração de recursos sociais (meios de produção e subsistência) aptos a se converterem em capital, para serem valorizados, aplicados a própria exploração de trabalhadores (Idem, p. 28). Isso tem se evidenciado, na era das finanças, como o processo em que o capital realiza novos impulsos nas suas formas de expropriação, através da apropriação privada de atividades que escapavam a mercantilização, a exemplo dos sistemas de proteção social coletivos. Por essa via, constata-se uma franca tendência de supercapitalização e de desmantelamento das solidariedades coletivas que foram construídas pelos assalariados, no curso da história. Como nos chama a atenção Chesnais, Serfati e Udry (2005), o que encontramos, no coração do pensamento neoliberal, é a glorificação, levada às suas últimas conseqüências, do “individualismo proprietário”, o individualismo centrado sobre a propriedade privada. Ao fazerem referência a atuação do Estado, no período pós-segunda Guerra Mundial, também conhecido como “anos de ouro”, Behring e Boschetti (2006), afirmam que a contração crescente de déficits públicos configurou uma crise do padrão de financiamento público, que foi associada, em geral, aos custos com a reprodução do trabalho, e menos com a presença dos fundos públicos na estruturação de reprodução do capital, revelando um indisfarçável acento ideológico na crítica a crise. De acordo com as autoras, essa crise fiscal do Estado acirrou, ainda mais, a “disputa pelo fundo público, sob acusações neoliberais de estatização, de desperdício e estímulo a dependência” (Idem, p. 175). Na realidade, a necessidade de crescimento do fundo público para a garantia de desenvolvimento das forças produtivas evidencia um esgotamento de uma suposta auto-reprodução automática do capital, no contexto do capitalismo maduro. Nas palavras das autoras: O fundo público não poderia ser considerado um antivalor, uma vez que participa de forma direta e indireta do ciclo de produção e reprodução do valor. O fundo público não gera diretamente mais-valia, porém, tenciona pela contradição entre a socialização da produção e a apropriação privada do 43 produto, atua apropriando-se de parcela da mais-valia, sustentando num processo dialético a reprodução da força de trabalho e do capital, socializando custos da produção e agilizando os processos de realização da mais-valia, base da taxa de lucros que concretiza com a conclusão do ciclo de rotação do capital (BEHRING E BOSCHETTI, 2006, p. 176). O orçamento público sempre desempenhou papel fundamental nos processos da acumulação capitalista, seja em períodos de estabilização ou crise econômica. Ou seja, como em momento algum o capital prescindiu da estrutura estatal, hoje, mais que nunca necessita dela para manter as condições de acumulação e de competitividade em várias formas, incluindo subsídios diretos e operações de resgate financiadas pelos contribuintes. Precisa do Estado, sobretudo, para preservar a disciplina do trabalho29 e a ordem social “diante da austeridade e da “flexibilidade” e para acrescentar a mobilidade de capital, ao mesmo tempo em que bloqueia a mobilidade dos trabalhadores” (WOOD, 2005, p. 110). O que se impõe como questão crucial na ordem do dia, do ponto de vista do capital, são as demandas da crise financeira, ou seja, a recomposição das taxas médias de lucro. Petras (2009) chama a atenção para o papel essencial que o Estado desempenhará no atual período de crise financeira dizendo que o papel do Estado (que estamos assistindo) não é o de canalizar dinheiro para empresas de propriedade pública visando empregos e salários para os trabalhadores, mas direcioná-lo para capitalistas que fracassaram no mercado competitivo (p. 11). No fundo, não se trata apenas da intervenção do Estado em si, mas da intervenção do Estado em favor de um projeto econômico. Este, certamente não é o de defesa do trabalho. Na análise de Petras (2009), há, nesse contexto atual, uma perspectiva de crescimento da estatização, mas, não será uma estatização progressista. Nessa prospecção, o autor aponta que haverá um crescimento vasto do papel do Estado, direcionado para canalizar recursos públicos para salvar o empreendimento privado em colapso. 29 Essa disciplina se impõe tanto pela violência quanto pelo convencimento, pois coerção e consenso também atuam no âmbito das relações produtivas (FONTES, 2008). 44 Essencialmente, é o dinheiro público que assume as dívidas privadas de corporações e a restauração da economia de mercado. Assim, no fim do ciclo regressivo elas, sempre, voltam para o capital privado. O autor afirma que na atual conjuntura não será diferente, veremos, portanto, um vasto crescimento da intervenção econômica pelo Estado, inclusive com a nacionalização e enorme gasto de impostos. É importante compreendermos este movimento de nacionalização e, sobretudo suas finalidades, para que não alimentemos falsas esperanças com as medidas tecnocratas de governos burgueses/neoliberais. Historicamente as nacionalizações têm se constituído tentativas do Estado, no sentido de colocar um piso no colapso do capitalismo para que, em algum ponto no futuro, se restaurem as classes dominantes em sua posição hegemônica (PETRAS, 2009). A ofensiva neoliberal, segundo Oliveira (1998, apud BEHRING e BOSCHETTI, 2006), abala os fundamentos da democracia moderna, convertendo o Estado a uma completa subordinação ao capital, num verdadeiro “banquete dos ricos” (p. 177). É importante lembrar que a dinâmica da recomposição dos países beligerantes, no pós-segunda-guerra, por exemplo, teve como condição primordial, a invocação do Estado para desempenhar o papel de empreendedor, ao patrocinar a reestruturação da economia e fazer a mediação do pacto social interclasses. Além disso, o capital corporativo teve de fazer determinadas concessões para que pudesse, de modo mais velado, seguir a trilha da lucratividade segura; e a classe trabalhadora organizada teve de assumir novos papéis e funções relativas ao desempenho nos mercados de trabalho e nos processos de produção (HARVEY, 1996). O patamar de acumulação estável da economia capitalista, nesse período, deveu-se, eminentemente, a sustentação de um padrão de produção em massa, com escoamento para uma demanda de consumo aparentemente equivalente, garantido, em larga medida, pelo Estado empreendedor. Assim, A intervenção econômica do Estado avoluma-se também pela obrigação em que se encontra a burguesia de reativar, com a ajuda do Estado, os setores industriais tornados cronicamente deficitários; de financiar pelo Estado os setores de ponta ainda não rentáveis; de assegurar pelo Estado uma garantia dos lucros dos grandes monopólios, concedendo a estes encomendas do Estado [...] bem como subvenções, subsídios, etc (MANDEL, 1982, p. 47). 45 Atualmente, assistimos gigantescos gastos do governo com pagamento de dívidas, sustentados mediante aumento de impostos e cortes de programas sociais nos orçamentos para subsidiar a recuperação capitalista (PETRAS, 2009). A ofensiva do império capitalista se consubstancia na realidade dos países periféricos como o Brasil, através da política econômica adotada pelos governos neoliberais, cujas premissas prevêem a reunião de recursos para o pagamento das dívidas interna e externa, que, diga-se de passagem, são impagáveis, dada a sua funcionalidade para a acumulação capitalista. Como nos aponta Almeida (2009), só no ano de 2006, o Brasil enviou para os grandes investidores, banqueiros, sobretudo, cerca de 275 bilhões de reais chegando em torno de 700 bilhões de reais entre juros e amortizações da dívida, no interstício de 2003 a 2006, período correspondente ao primeiro mandato do governo de Luís Inácio Lula da Silva 30. Vale destacar aqui, que, o pagamento da dívida externa de cada país dependente, tem sido cumprido, pelos seus respectivos governos, a custa, sobretudo, dos recursos (e em detrimento) das políticas sociais. Conforme esclarece Petras (2006), no Brasil, por exemplo, os programas sociais de saúde e educação foram agudamente reduzidos em mais de 5%, entre 2003 e 2006, enquanto que os credores da dívida externa receberam pontualmente (e, inclusive, de forma antecipada) os pagamentos dos 150 trilhões de dólares; tornando o Brasil um “modelo” de país devedor. Nessa mesma perspectiva, Behring (2004) afirma que o aumento da arrecadação da União31, nesses últimos anos, não se refletiu em investimentos produtivos ou em políticas sociais. A autora diz que isso se deve ao fato de que no Brasil seguem intocáveis: 30 Candidato pelo Partido dos Trabalhadores (PT), a presidente da República do Brasil desde 1989, o ex-metalúrgico e sindicalista, Luis Inácio Lula da Silva, disputou o cargo em três eleições consecutivas (1989, 1994, 1998), antes de vencer o pleito presidencial de 2002. Candidato a reeleição em 2006, é reconduzido ao poder em 2007 para a assunção do seu segundo mandato ainda em curso. 31 Quanto a isso, a autora esclarece que esse aumento ocorre mesmo registrando-se a manutenção de uma imensa renúncia fiscal e maior punção da renda do trabalho (BERHING, 2003). Vale lembrar que, no contexto de vigência da reestruturação produtiva e da política neoliberal, há uma explícita tendência de baixa arrecadação, devido ao processo de desintegração industrial, desregulamentação das relações de trabalho e do crescimento da informalidade. Portanto, a baixa arrecadação significa queda na receita do Estado, ou melhor, implica déficit público. E as conseqüências determinadas pelas referidas mudanças em curso, são compensadas na intensificação da carga tributária regressiva (impostos indiretos), ou seja, mais sobre o consumo e menos sobre os rendimentos. 46 o superávit primário, a Desvinculação de Receitas da União, que desvincula recursos arrecadados de impostos e contribuições – fontes da seguridade social – para o pagamento de dívida pública e manutenção do superávit [...]; taxas de juros parametradas pela selic [...]; apostas (e incentivos) na política do „exportar é o que importa‟, com base no agronegócio, que não é gerador de empregos nem se volta para o mercado interno de massas; o inesgotável pagamento de juros, encargos e amortizações da dívida pública, nossa sangria diária de força produtiva para os credores nacionais e internacionais [...] (BERHING, 2004, p.63). Na interpretação de Petras (2009), um governo que assume dívidas enormes, nas quais o pagamento dos juros compromete altas parcelas do orçamento federal, não consegue encarar despesas sociais para aumentar ou mesmo manter determinados programas sociais. Essa questão, em outros termos, expressa nitidamente a contraditória disputa de interesses sócio-econômicos e políticos que permeia a esfera do Estado. Pois, conforme assinala o autor A recuperação capitalista significa que os trabalhadores pagam pelo prejuízo e desaparecimento do capitalismo, a não ser que se tenha um governo diferente, com compromissos sociais diferentes e compromissos de classe diferentes, que procure financiar a recuperação dos padrões de vida dos trabalhadores, que garanta o emprego dos trabalhadores e que intervenha nas fábricas que vão contra essa política – intervir no sentido de assumir, assumir o gerenciamento, a direção, o investimento e a política salarial. Não há dúvida alguma de que irão falar sobre “sacrifício igual” dos capitalistas e dos trabalhadores. Mas os capitalistas irão continuar donos das fábricas, sem quaisquer perdas, e os trabalhadores perderão seus salários (PETRAS, 2009, p. 17). A crise econômica, já no primeiro momento, criou um enorme excedente de mão-de-obra, e caso não se encontre um mecanismo para integrar trabalhadores desempregados num movimento social, estes, certamente, servirão como meio de pressão para reduzir ainda mais os salários. Na particularidade brasileira, os impactos da crise financeira mundial se refletem, sobretudo, no mercado de trabalho. O contingente de desempregados atingiu, já em março de 2009, cerca de 2 milhões de pessoas. Segundo pesquisa do Instituto 47 Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2009), o desemprego avançou no início de 2009, para o patamar mais alto desde setembro de 2007, ficando em 9%. Segundo a coordenação da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, a pesquisa de emprego comprova que, em função da turbulência econômica atual, postos de trabalho deixaram de ser criados e trabalhadores foram dispensados. A pesquisa, ainda, aponta que a redução de 1,5% do emprego na indústria de fevereiro para março, representa a saída de 54 mil trabalhadores do mercado. Sendo o setor industrial o que apresenta maior taxa de dispensa. Já o número de ocupados ficou estável em 21 milhões de pessoas, com acréscimo de 9 (nove) mil postos, considerados, porém, insignificantes no universo de desempregados. Em termos relativos corresponde à zero por cento, por ser muito inferior ao aumento do desemprego. Porém, como nos lembra Petras (2009), os trabalhadores nunca são marginalizados, mas reduzidos em sua capacidade de barganha, com perdas absolutas de renda. Do ponto de vista de reprodução do lucro, o tamanho do excedente de mãode-obra está relacionado com o declínio de renda e de serviços sociais para os trabalhadores. Mas, a marginalização da renda não significa a dissociação sistêmica dos trabalhadores em relação às operações do sistema capitalista, como a economia política vulgar defende e faz acreditar. Quanto maior for o excedente de mão-de-obra, maior será a competição por empregos entre trabalhadores; quanto maior a competição, mais baixos ficam os salários, mais opções terá o capital para negociar contratos. Os trabalhadores desempregados serão instrumento perfeito para se tentar impor a recuperação do capitalismo nas costas dos trabalhadores. Cada vez mais, veremos o desenvolvimento do trabalho temporário, isto é, trabalhadores sem contratos fixos, ou seja, colocados como flexibilidade da mão-de-obra para facilitar o “emprego”. Mas em aspecto algum este é um resultado progressista, pois vem revertendo décadas de organização social. De acordo com Behring (2008), as desigualdades sociais resultante do aumento do desemprego foram agudizadas também por mudanças na composição do financiamento e dos gastos públicos, visto que, como já mencionamos, a maioria dos países passou a ampliar a arrecadação pela via de impostos indiretos, o que acaba 48 onerando toda a sociedade e penalizando os trabalhadores com rendimentos baixos. Diante disso, a autora infere que, a política real é a de direcionar o fundo público como um pressuposto geral das condições de produção e reprodução do capital, diminuindo sua alocação e impacto junto as demandas do trabalho, ainda que isso implique em desproteção social, considerando que este é um mundo no qual não há emprego para todos, donde decorre a perversa associação entre perda de direitos e criminalização da pobreza (BEHRING, 2008). Segundo Iamamoto (1998) no Brasil, a argumentação oficial defende que o empresariado tem um gasto adicional maior com os encargos sociais do que com a remuneração direta do trabalhador, ou seja, com o que ele recebe. A partir disso, propala-se que as despesas relativas ao custo social do trabalho são muito elevadas no país e, assim, elabora-se a justificativa do processo de desregulamentação do trabalho, o que significa a pulverização dos direitos sociais do trabalho. “Daí [parte] o consenso, partilhado pelo Estado [burguês] e pelo empresariado, para reduzir os gastos sociais e flexibilizar o custo do trabalho no país” (p. 45). Nesse caso, verifica-se, concretamente, um incontornável teor ideológico no discurso dominante na perspectiva de tentar legitimar a rentabilidade do capital em detrimento da reprodução do trabalho. Pois na ordem burguesa, as determinações ideológicas, fundadas no liberalismo, são portadoras de oportunismos capazes de atribuir sentidos completamente diferentes a um mesmo fenômeno, a depender do estágio do desenvolvimento econômico (TAVARES, 2006). Vale aqui ressaltar o que Iamamoto (1998) esclarece sobre a “confusa” identificação que o discurso oficial faz entre o custo salarial e os custos, de fato, sociais que estão embutidos na folha de salário. Assim, diferencia-os: [...] custo salarial [envolve] obrigações trabalhistas, 13º salário, férias, fundo de garantia, rescisão contratual, descanso semanal remunerado; enfim benefícios associados ao trabalho já realizado que favorecem diretamente o trabalhador e representam conquistas sociais trabalhistas já consolidadas [...] custos, de fato sociais [...] referem-se aos encargos sociais que só favorecem de forma indireta e não individualizada o trabalhador, envolvendo despesas destinadas ao financiamento de atividades sociais que transcendem a remuneração individualizada do trabalhador [...]. Tais encargos sociais são voltados, não só para o financiamento de gastos sociais do trabalhador, mas para o conjunto dos empregados e dos desempregados da sociedade (IAMAMOTO,1998, p.46). 49 É óbvio que o objetivo último presente na retórica e nas práticas oficiais, é garantir a sustentação da maximização (pacífica) dos lucros capitalistas. A efetivação dos direitos sociais pressupõe (mesmo que parcialmente) a desapropriação de parte da mais-valia acumulada pelos capitalistas e isso contraria os interesses da classe detentora de capital. Por isso, não podemos considerar a reconfiguração do Estado de forma isolada e autônoma, como específica da arena política. O que está em jogo são projetos e interesses de classes que se expressam na tessitura das relações sociais com a complexidade de aspectos inerentes as esferas econômica, política, social, cultural, moral e ideológica. É inegável que nesse novo contexto de redefinição ofensiva do capital, a correlação de forças entre as classes sociais alterou-se profundamente. A força política e subversiva da unificação das lutas da classe trabalhadora de outrora, encontra-se atualmente suplantada pela fragmentação dos trabalhadores, determinada pela imposição do acirramento da disputa (entre trabalhadores) pela condição de cada um manter as garantias mínimas para a sobrevivência. Além disso, é necessário destacar aqui que, a classe trabalhadora se divide tanto pela competição entre as empresas, na qual os trabalhadores são levados a se ver como aliados de seus exploradores contra seus competidores, tanto capitalistas como trabalhadores; quanto pela não inserção no mercado de trabalho. E “essa é uma tendência que a ideologia da globalização está tratando de promover por todos os meios” (WOOD, 2005, p.108). Vale lembrar que os indivíduos, isoladamente, só formam uma classe na medida em que têm de empreender uma luta comum contra outra classe; no restante, eles se defrontam como inimigos na concorrência (MARX e ENGELS, 2005). Por outro lado, a classe torna-se autônoma em relação aos indivíduos, de maneira que estes últimos têm suas condições de vida predeterminadas e têm, assim, sua posição na vida e seu desenvolvimento pessoal definidos pela sua classe; tornam-se subordinados a ela. [...] essa subordinação dos indivíduos à sua classe torna- 50 se, ao mesmo tempo, a subordinação a todo tipo de representações. (MARX e ENGELS, 2005, p. 88). Se considerarmos as lutas dos trabalhadores, até o início dos anos 1970, iremos perceber o quão importante foi seu papel no questionamento dos pilares constitutivos do capital, principalmente no que concerne ao controle social da produção. As lutas ganharam a forma de uma verdadeira revolta do operariado-massa contra os métodos taylorista/ fordista de produção, expressões das principais contradições do processo de massificação (ANTUNES, 2002). De acordo com Bernardo (2000), os movimentos de trabalhadores, nesse período, foram fundamentais, pois criticaram tanto o sistema dos países ocidentais, quanto o “capitalismo de Estado Soviético”, mais ainda, a auto-organização operária obstou o funcionamento do capitalismo, sendo, talvez o elemento mais importante no desencadear da grave crise econômica, em 1974. A despeito da burocracia sindical do acordo fordista, a organização das lutas dos trabalhadores, nesse período, contava com ampla participação das bases e se caracterizava pelo controle dos próprios trabalhadores sobre o movimento e pelo surgimento de organismos independentes como as comissões de trabalhadores e experiências de controle direto da produção. Isso demonstrava, segundo Bernardo (2000), que o movimento dos trabalhadores era capaz de levar o processo revolucionário até o nível mais fundamental, alterando as próprias relações sociais de trabalho e de produção. Porém, as inflexões ocorridas no modo de produção do capital, reconfiguraram o mercado de trabalho e redesenharam a classe trabalhadora, no que diz respeito a conversão de características inerentes ao operariado massa do período fordista. O novo modo de organização transnacional da divisão socio-técnica do trabalho consistiu numa estratégia de desorganização e desmobilização dos trabalhadores, com incidência em duas dimensões interpenetrantes e indissociáveis, quais sejam: primeiro a dimensão estrutural que determinou o desemprego estrutural, a fragmentação dos contingentes de trabalhadores pelo processo da desindustrialização, liofilização ou desintegração do chão fabril, o que implicou o surgimento de novas 51 formas precarizadas de trabalho e desenvolvimento de estratégias de sobrevivência por parte dos trabalhadores desempregados ou de trabalho precarizado; segundo, a dimensão subjetiva da classe trabalhadora, começa a sentir os abalos causados pela realidade objetiva. Ora, a luta pela sobrevivência tornou-se ainda mais complexa, acirrada, extenuante e pragmática, traduzindo-se em limitações objetivas que ao se acentuarem cotidianamente, obstaram o desenvolvimento das capacidades políticoorganizativas dos trabalhadores. Para os trabalhadores, além dos impactos objetivos da crise, especialmente em função do desemprego, da precarização do trabalho, dos salários e dos sistemas de proteção social, observa-se a construção de outras formas de sociabilidade marcadas por iniciativas pragmáticas de enfrentamento da crise, fraturando suas formas históricas de organização e esgarçando uma cultura política que comporta alternativas à ordem do capital. (MOTA e AMARAL, 1998, p. 30). Isto se revela, primordialmente, no âmbito da organização da luta política dos trabalhadores, sendo emblemática a predominância de interesses eminentemente imediatos e corporativistas, resultando numa condição fundamental para o capital, na medida em que se retrai o âmbito de luta para esse universo, no universo da luta meramente imediata e não se vislumbra nada além da imediaticidade, para além do capital. Isto é o mundo que o capital sonha, pois quando cada um cuida da sua dimensão meramente imediata, os interesses para além do capital não são aflorados e, não sendo aflorados, o questionamento essencial torna-se muito mais difícil (ANTUNES, 1996, p. 82). Com a hegemonia do novo liberalismo, a classe trabalhadora sofre, em todo o mundo, os impactos das transformações políticas e econômicas, consubstanciadas nessa agenda. Trata-se de uma dinâmica de transformações econômicas que atinge, diretamente, o movimento dos trabalhadores e suas organizações sindicais e políticas (MOURA, 2008, p. 52). Na avaliação do autor, o avanço do projeto neoliberal, no cenário internacional, alterou, profundamente, a tendência dos conflitos de classes, uma vez que, intensificou o refluxo do movimento dos trabalhadores, a diminuição dos 52 segmentos sindicalizados, as derrotas eleitorais dos partidos de esquerda, a desarticulação de conquistas trabalhistas e o endurecimento de repressão aos movimentos dos trabalhadores em todo o mundo. Em resumidas contas, poder-se-ia dizer que os anos 1990 representaram um recuo em relação aos movimentos de emancipação constituídos pela classe trabalhadora no século XX. A perspectiva neoliberal e a acumulação flexível empregaram ao projeto capitalista uma dimensão triunfal, pois na medida em que disseminaram o individualismo32 e acirraram o nível de competição entre os sujeitos sociais, pulverizaram a solidariedade de classe entre os(as) trabalhadores(as). Ramos (2005) argumenta que a difusão dessa lógica condicionou o alardeamento de uma falsa idéia de que não existe outra alternativa, em termos de projeto societário; o fim da história em contraposição direta ao projeto da modernidade e o pensamento único são expressões desse fetiche que convenceu amplos segmentos inclusive no universo do pensamento de esquerda, em nível mundial. De acordo com Lessa, uma das principais tendências desse fenômeno ideológico, é a perda de nitidez da fisionomia político-ideológica das classes sociais33. Nem a classe operária comparece às lutas sociais como a força social antagônica ao capital, nem a burguesia exibe a sua verdadeira dimensão histórica ao se contrapor frontalmente aos trabalhadores (LESSA, 2007, p. 171). Uma vez veladas as distinções entre as classes sociais, as propostas centradas numa postura de acomodação dentro da ordem tendem a adquirir maior visibilidade, em detrimento da priorização da luta pela superação da propriedade privada e de toda e qualquer forma de exploração. 32 É a expressão da construção do indivíduo a partir de um permanente confronto com a estrutura social global e com os outros indivíduos, numa dinâmica de disputas pelas quais, cada individualidade, ao se construir enquanto egoísta e competitiva, constrói também uma sociedade desumana, concorrencial. O individualismo burguês interfere na constituição da substância de cada individualidade sob a hegemonia do capital. Cada um desdobra a sua existência como uma infinita luta contra tudo e contra todos. Sob o capital, a existência humana é reduzida à sua faceta menos humana: ou ser mero cofre para acumular capital ou, então, ser banido da civilização humana reduzindo-se à disputa por um pedaço de pão (LESSA, 2007). 33 O autor lembra que esse fenômeno ideológico é apenas e tão-somente um fenômeno ideológico. Ou seja, “não cancela as determinações das classes sociais pelo fundamento ontológico do lugar que as mesmas ocupam na estrutura produtiva da sociedade” (LESSA, 2007, p. 172). 53 Na medida em que a única classe social historicamente interessada na superação da propriedade privada, o proletariado, comparece nas lutas políticas com propostas mais propriamente burguesas ou pequeno-burguesas, centradas quase sempre na manutenção do emprego (isto é, manutenção da exploração do trabalho pelo capital) e na elevação dos salários (isto é, manutenção da extração da mais-valia), a proposta de superação do capital e sua substituição por uma sociedade comunista parece carecer de toda a base social e, portanto, revela-se uma mera utopia no sentido literal de não ter lugar na história. (LESSA, 2007, p. 173). Neste sentido, não apenas a reestruturação produtiva, mas todo o sistema sócio metabólico do capital (MÉSZÁROS, 2007), se constitui, hoje, um desafio central a classe trabalhadora - como único agente histórico capaz de transgredir a sociedade do capital - e uma ameaça a toda a humanidade dada a sua dimensão destrutiva de (re)produção social. O capitalismo tem como imperativo a permanente acumulação de capitais, e desde o seu surgimento, vem engendrando novas relações sociais de produção que têm gerado contradições insolúveis (DURANS, 2006). Portanto, a questão contraditória que, no nosso ponto de vista, precisa ser resgatada aqui, é que “a força do capitalismo é também sua fraqueza, e que a globalização poderia estar ampliando, e não restringindo, o espaço para as políticas de oposição” (WOOD, 2005, p. 105). Contudo, somente a forma de resistência política determinará ou não a superação dos desafios colocados, hoje, para o amplo conjunto da classe trabalhadora. E isto não se dissocia da real necessidade de transgressão a sociedade do capital. Vale lembrar, porém, que a superação do atual estado de coisas pressupõe, fundamentalmente, uma política de realismo revolucionário, livre tanto de evasivas oportunistas como de reservas sectárias, por parte da classe trabalhadora (AGUENA, 2008). Mas, esta classe somente poderá alcançar o nível da sua negação, afirmando-se enquanto classe revolucionária, a partir dos seus processos organizativos mais universais e totalizantes. Tudo o mais será menos fundamental e ininteligível as contradições que devem ser confrontadas, sobretudo nesse contexto. Quanto as possibilidades, elas estão abertas, assim como a história, e a luta de classes, em suas múltiplas formas de expressão, é o lugar donde deverão fluir protagonismos e movimentos para a transgressão. 54 Pois os trabalhadores não apenas sofrem as crises e as determinações desse sistema, mas, constroem formas de resistência ao capital. Contudo, as contradições desta sociabilidade só se tornam mediações políticas com perspectivas anticapitalistas na medida em que a afirmação da consciência revolucionária passar a fazer parte do cotidiano e da ação política dos trabalhadores organizados. É óbvio que as lutas cotidianas do que se pode chamar de movimento de resistência a ordem capitalista, devem ser encampadas com o propósito para além do capitalismo, mas isso perpassa pela defesa das conquistas da classe trabalhadora nessa sociabilidade. E é a partir dessa realidade de impactos e resistências que passamos a refletir a particularidade e os desafios da organização política da categoria profissional dos assistentes sociais nos marcos da sociedade capitalista contemporânea, que demarcada pelo envolvimento político com os processos de luta intransigente pelos interesses do trabalho, se coloca hegemonicamente, num campo de enfrentamento e contestação a ordem social vigente. 2.3 A organização política dos assistentes sociais e o processo de construção do projeto ético-político profissional Como todo processo de organização política, pressupõe a mediação de elementos histórica e ontologicamente determinados, ou seja, os indivíduos reais, suas ações e suas condições materiais de vida, tanto aquelas que eles já encontraram elaboradas quanto aquelas que são o resultado de sua própria ação (MARX e ENGELS, 2005), podemos dizer, que o movimento de renovação ético-política do Serviço Social brasileiro, não foi fruto do desejo ou da vontade subjetiva de meia dúzia de assistentes sociais envolvidos numa militância cívica e/ou política: ele expressou, processadas numa perspectiva profissional e retratadas no interior da categoria, demandas e aspirações da massa dos trabalhadores brasileiros (NETTO, 1999). 55 O Brasil do final dos anos 1970 viveu mudanças sócio-políticas importantes34, com a distensão e conseqüente ocaso da ditadura militar e a eclosão de movimentos sociais provenientes, sobretudo, dos segmentos da classe trabalhadora. Além do protesto à repressão do regime, as massas foram movidas pelo auge da recessão e inflação da época. Grande parte da classe trabalhadora vivia as mazelas do período de decadência do “milagre econômico”35. A retomada do poder de mobilização dos trabalhadores disseminou-se como mecanismo de afirmação da luta política da classe, frente as más condições de vida e trabalho imposta pelos ditames autocráticos burgueses nacional e internacional, sob a tutela dos governos militares. Nascia, nesse momento histórico, o arcabouço político que cimentara as bases da redemocratização do Brasil.36 A força insurgente da organização de novos sujeitos coletivos, na sociedade brasileira, dinamizou a vida política do país, impactando e revalorizando as práticas sociais presentes no cotidiano popular. 34 A mobilização dos(as) trabalhadores(as) urbanos(as), com o renascimento combativo do seu movimento sindical; a tomada de consciência dos trabalhadores rurais e a vitalização da sua organização;o ingresso, também na cena política, de movimentos de cunho popular (entre os quais o associacionismo de moradores) e democrático (os estudantes, as mulheres, as minorias etc); a dinamização da vida cultural, com a ativação do protagonismo de setores intelectuais; a afirmação da opção democrática por segmentos da Igreja católica e a consolidação do papel progressista desempenhado por instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) – tudo isto pôs na agenda da sociedade brasileira a exigência de profundas transformações políticas e sociais (NETTO, 1999, p. 100). 35 É importante destacar que no período pós-64 o país viveu um processo de modernização conservadora, certamente o último suspiro nessa modalidade marcante do desenvolvimento nacional: industrialização e urbanização aceleradas, e modernização do Estado brasileiro, inclusive com expansão de políticas sociais centralizadas nacionalmente. Esse processo, que representou uma espécie de salto a diante, foi conduzido pela lógica de “deixar crescer o bolo para depois dividir”, segundo a conhecida frase de Delfim Netto, então responsável pela política econômica. O que se assistiu, na verdade, foi ao acirramento das contradições sociais no país, com a radicalização das expressões da questão social (BEHRING e BOSCHETTI, 2006). A expansão econômica verificada a partir de 1968 se fez dentro de um neocapitalismo periférico com severo controle estatal, concentração de renda como fator gerador de capital e dependência estrita do capital estrangeiro. O crescimento acelerado impôs severas condições de vida ao vasto setor assalariado de faixa mais inferior. Os ajustes salariais perderam a antiga flexibilidade e, inclusive as horas de trabalho aumentaram (LOPEZ, 1988). Este crescimento econômico em função do milagre, não tinha sido acompanhado por políticas sociais que pudessem melhorar a qualidade de vida da população. Segundo Lopez (1988), de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), houve um considerável aumento do índice de mortalidade infantil nas grandes cidades em face de pauperização de amplas camadas da população menos favorecidas. Em meados da década de 1970, fazia-se sentir, no contexto interno, as conseqüências da crise mundial de petróleo. O mercado interno se retraíra muito em face da compressão salarial adotada para propiciar uma produção de artigos industriais a preços vantajosos no mercado externo que se encontrava em fase recessiva. A concentração da renda ampliara o poder de compra de uma minoria, mas, pauperizando a maioria, contribuía fortemente para aguçar tensões sociais que a ação repressiva e a máquina publicitária não podiam controlar indefinidamente. 36 As inflexões deste período determinaram a construção do maior movimento político da história brasileira pelo sufrágio universal, a campanha das Diretas-já em 1984. No entanto, os intentos democráticos, foram suprimidos pelo alto, (significando a derrota da luta popular pelo direito ao voto nas eleições para presidente da República), deslanchando no colégio eleitoral que elegeu Tancredo Neves e José Sarney, no pleito eleitoral, para assunção em 1985. 56 Trata-se, portanto, de uma geração que, tendo conhecido os horrores do autoritarismo dos regimes militares e tendo sido saqueada dos seus direitos de expressão, organização e participação, deposita todos os seus esforços no retorno a institucionalidade democrática [...] Embora atravessados por diferentes ideologias, projetos e interesses, os movimentos sociais dos anos [19]70 e [19]80 lutavam não contra o Estado em si, mas contra o Estado autoritário, clientelista e opressor da sociedade. Não contra a democracia representativa liberal, mas a favor da criação e da ampliação de espaços de participação política e da inclusão econômica e social (LÜCHMANN e SOUSA, 2005, p. 96). O conjunto das lutas travadas por parcelas da classe trabalhadora brasileira, nessa época, suscitou avanços na perspectiva de construção da consciência de classe37, com rebatimentos no interior de vários contingentes profissionais, dentre os quais fazemos destaque para os assistentes sociais. Pois foi no percurso desse movimento de reorganização das lutas sociais dos anos 1980, que se processou a interlocução política de setores profissionais do Serviço Social com os segmentos populares e a incorporação crítica das suas lutas e demandas, na agenda profissional. Tal processo deve ser considerado, também, como expressão dos desdobramentos sócio-políticos, provocados pelas mudanças na sistemática de acumulação capitalista, em nível internacional38, que alteraram a relação capitaltrabalho, suscitando o empobrecimento das camadas médias, às quais, tradicionalmente, incidiam grandes contingentes profissionais do Serviço Social39, bem 37 É importante salientar que a consciência é adquirida através de experiências sucessivas, isto é, quando da percepção de que nada do que existe é natural, mas porque existem determinadas condições, cujo desaparecimento não fica sem conseqüências. Quando se tem percepção disso, o movimento se aperfeiçoa, perde os elementos de arbitrariedade, torna-se independente, no sentido de que, para obter determinadas conseqüências, cria as premissas necessárias e empenha suas forças na criação dessas premissas (GRAMSCI, 2000). Ao se assumir enquanto classe, o proletariado nega o capitalismo afirmando-o. Em sua luta revolucionária, não basta o proletariado assumirse enquanto classe (consciência em si), mas é necessário se assumir para além de si mesmo (consciência para si). Conceber-se não com interesses próprios dentro da ordem capitalista, mas também se colocar diante da tarefa histórica da superação dessa ordem. A verdadeira consciência de classe é fruto dessa dupla negação: num primeiro momento, o proletariado nega o capitalismo assumindo sua posição de classe, para depois negar-se a si próprio enquanto classe, assumindo a luta de toda a sociedade por sua emancipação contra o capital (IASI, 2007). 38 Nesta época, se erigia, concomitantemente, em âmbito internacional, nos países de economias centrais, o reordenamento do capital, que demonstrava como resposta à sua crise estrutural, deflagrada no início dos anos 1970, o prelúdio de tempos de barbárie social, através da intervenção objetiva na organização da produção e desregulamentação das relações de trabalho. No entanto, os reflexos desta recomposição, só se fizeram sentir, de modo mais ofensivo na realidade brasileira, na década de 1990, com a consolidação do projeto neoliberal. 39 Em relação a particularidade do Serviço Social nesse contexto, é notória a mudança do perfil dos profissionais, que tornaram-se, massivamente, trabalhadores assalariados, oriundos das camadas médias e baixas da classe trabalhadora. Essa nova situação estrutural exigiu do Serviço Social uma reflexão mais sofisticada sobre a realidade 57 como, aprofundaram o acirramento das contradições sociais presentes na luta de classes, fazendo ressurgir e ressoar, de forma acentuada, nos âmbitos da organização, formação e intervenção profissionais, as críticas ao sistema vigente40. Acontece que os assistentes sociais, ao se perceberem como trabalhadores41, passaram a imprimir uma ressignificação a profissão42, demarcada pela politização e conscientização da categoria profissional, repercutindo numa reverberação significativa das entidades profissionais, dado o desempenho que tiveram no avanço político deslanchado na construção do atual projeto profissional 43. Tal processo se gestou, a partir da mediação política nos espaços de atuação profissional, bem como nas ações organizativas de outras categorias, como os movimentos grevistas, com destaque para as greves dos metalúrgicos do ABC paulista e as manifestações de movimentos sociais urbanos, dentre outras lutas mais gerais da classe trabalhadora, que se colocavam no campo político de esquerda e de construção da crítica a ordem político-econômica do capital nos países periféricos. Não foi por acaso que a moralidade profissional de ruptura incorporou as influências objetivas do seu tempo histórico. A construção de uma ética objetivada nos enfrentamentos de questões políticas transcorridas no período pós-ditadura, fez rebater fortemente, no interior da categoria profissional, projetos societários distintos daqueles que atendiam aos interesses das classes e camadas dominantes. Na entrada dos anos 1980 a militância político profissional alcança a sua maturidade, evidenciada na organização sindical nacional dos assistentes sociais com a brasileira e a criação de identidades políticas com “os de baixo”, que assumiam uma nova posição no cenário político que se erigia no período (BEHRING e BOSCHETTI, 2006). 40 O processo contraditório da ditadura, ao modernizar setores da sociedade, criou as condições para o seu próprio ocaso: gerou a maior concentração operária do mundo – o ABCD paulista – e assalariou os profissionais do nível superior (BEHRING e BOSCHETTI, 2006). 41 Uma pesquisa sobre o salário mínimo profissional, elaborada pela Comissão Executiva Nacional de Entidades Sindicais de Assistentes Social (CENEAS), e realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-econômicos (DIEESE), em 1982, revelou um perfil da categoria profissional que a identificou como parte objetivamente integrante da classe trabalhadora. Um melhor detalhamento da pesquisa pode ser encontrado em Abramides e Cabral (1995). 42 É inclusive, a partir desse período que emerge o veio teórico de inspiração marxista, que considera o Serviço Social, uma especialização do trabalho coletivo, dentro da divisão social e técnica do trabalho. Nesse sentido, o Serviço Social passa a ser compreendido como uma profissão voltada para uma intervenção social nas expressões da questão social, a partir de um conhecimento da realidade na perspectiva de totalidade, o que implica o rompimento de uma visão endógena da profissão. 43 O novo projeto profissional tem se constituído, fundamentalmente, a partir da conversão teórico-metodológica de interpretar a realidade social. A perspectiva de totalidade imprimiu uma ressignificação no pensamento profissional sobre a compreensão das contradições da sociedade capitalista e, conseqüentemente, determinou inflexões do ponto de vista da atuação política dos sujeitos profissionais. 58 criação da Comissão Executiva Nacional de Entidades Sindicais de Assistentes Sociais (CENEAS) em 1979 e depois, em 1983, a ANAS - Associação Nacional de Assistentes Sociais, entidade político-sindical da categoria; com trabalho desenvolvido pela Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social - ABESS44, na coordenação do debate sobre o projeto de formação profissional; na mudança de perspectiva éticopolítica no interior do Conjunto dos Conselhos Federal e Regional de Assistentes Sociais CFAS/CRAS45 -, especialmente, a partir das mudanças na política de fiscalização do exercício profissional e, por último, com a criação da Subsecretaria de Serviço Social da União Nacional dos Estudantes SESSUNE46 como entidade representativa do segmento estudantil de Serviço Social, parceira histórica das lutas profissionais e da classe trabalhadora. A atuação dessas entidades representativas imprimiu uma dinâmica de debates coletivos e democráticos, em torno das diversas dimensões da profissão. O contorno crítico e politizado que os eventos nacionais da categoria revelaram desde o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS)47 consistiu a maior expressão de 44 Encarregada de coordenar e articular o projeto de formação profissional, a partir do final da década de 1970, a ABESS deixa de ser Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social (criada em 1946) e transforma-se em Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social. Somente na segunda metade da década de 1990 é que se torna ABEPSS, em função das demandas potencializadas pelo crescimento de cursos de Pós-graduação e a conseqüente consolidação da pesquisa no Serviço Social. É nesse período que a afirmação da natureza científica dessa entidade se explicita com maior veemência. 45 É importante lembrar que “a esfera dos conselhos de fiscalização da profissão era caracterizada por um perfil conservador, corporativo e burocrático [...] Esses conselhos passaram, a partir da década de 1980, a abrigar profissionais oriundos do movimento sindical, o que redefinira significativamente suas diretrizes, gerando a democratização das suas relações internas e sua vinculação com outras instâncias organizativas” (RAMOS, 2006, p. 173). Por essa razão o Conjunto dos Conselhos Federal e Regionais de Serviço Social CFESS/CRESS é hoje a síntese da redefinição, no interior do antigo conjunto CFAS/CRAS, do papel da fiscalização do exercício profissional, no sentido do deslocamento da dimensão policialesca para novas acepções democráticas, e anti-corporativistas, como características fundamentais no desempenho de suas funções em defesa dos direitos sociais e do compromisso com a qualidade dos serviços prestados aos usuários do Serviço Social. Foi também de grande importância o trabalho desenvolvido, por essas entidades, na formulação e aprovação do Código de Ética Profissional de 1986, instrumento normativo que balizou a vinculação ético-política dessa categoria profissional com as lutas da classe trabalhadora e na construção do Código de Ética vigente, formulado em 1993. 46 Antes da criação da Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (ENESSO), o movimento estudantil de Serviço Social (MESS) possuía sua direção arregimentada pela Subsecretaria de Serviço Social da União Nacional dos Estudantes (SESSUNE), criada no início da década de 1980. Somente em 1993 o MESS, suprimiu a SESSUNE e criou a ENESSO, que é hoje a entidade que organiza a articulação e mobilização dos estudantes. Esta mudança foi resultado de debates no MESS, onde se evidenciou a necessidade de uma maior autonomia perante a UNE. 47 Realizado em 1979 o III CBAS foi mais que um evento. O “Congresso da Virada”, como ficou amplamente conhecido, foi um grande marco no processo de enfrentamento da perspectiva conservadora no interior da profissão. A explicitação do compromisso político e coletivo da categoria profissional com os interesses da classe trabalhadora e com suas lutas históricas e imediatas, fez desse evento um momento marcante e decisivo para o Serviço Social brasileiro. Em 2009, o conjunto das entidades representativas do Serviço Social brasileiro (CFESS/ABEPSS e 59 ruptura com o tradicionalismo profissional, explicitando-se, predominantemente, nos níveis da produção teórico-política e das práticas organizativas e interventivas desde então. No entanto, “este rebatimento não foi idílico: acarretou polêmicas e diferenciações na categoria – o que, aliás, é uma própria e saudável implicação da luta de idéias” (NETTO, 1999, p. 101). É simplesmente expressão de que categoria profissional é uma unidade não-identitária, de elementos diversos. Na medida em que a tomamos como sujeito coletivo heterogêneo, percebemos que por ela perpassam vários projetos individuais e societários. Assim sendo, constitui-se um espaço plural no qual podem surgir projetos profissionais diferentes. Negar essa realidade é negar da processualidade histórica a dinâmica que lhe é inerente, bem como desconsiderar as contradições fundamentais que a compõem. Vale lembrar, só a título de ilustração, que a renovação do Serviço Social brasileiro, em meados da década de 1970, compreendeu três principais tendências de matrizes teórico-políticas diferenciadas, quais sejam: a modernizadora; a de reatualização do conservadorismo e a de intenção de ruptura (ABRAMIDES, 2009). Esta última foi a que ressoou com maior intensidade no interior da categoria profissional, a partir dos anos 1980. No entanto, não foi de forma imediata. Permeou tenso debate e disputa pela hegemonia profissional48 com outras tendências existentes a época e que perduram até hoje. É importante assinalar que a hegemonia do projeto profissional se funda em uma perspectiva analítica que a concebe articulada ao pluralismo com direção social. Nesse sentido, a hegemonia com pluralismo, no âmbito do projeto profissional, expressa a predominância de uma direção política, construída por meio de uma vontade coletiva, gestada por um processo não coercitivo e pressupõe a não eliminação ENESSO) organizaram um evento em comemoração aos 30 anos do congresso da virada, cujo tema “começaria tudo outra vez se preciso fosse” expressou a reafirmação da tendência teórico-político profissional despontada no CBAS de 1979. 48 Um dos aspectos referentes a polêmica em torno do debate sobre o Projeto Ético-político do Serviço Social diz respeito a transposição da concepção gramsciana de hegemonia para o contexto de uma profissão. Ao se transpor essa categoria teórica para análise no âmbito profissional, a hegemonia é utilizada como direção ético-política e teórica que sustenta determinada direção social estratégica, representando uma dada compreensão de realidade e de profissão e de formas de enfrentamento adotadas por segmentos da categoria profissional e suas entidades representativas, embora possa não ser majoritária na categoria profissional (RAMOS, 2009). 60 ou repressão de interesses particulares contrários a direção predominante (RAMOS, 2009). No que diz respeito à luta pela quebra do conservadorismo profissional, as principais mediações teórico-políticas foram sendo gestadas a partir do questionamento as concepções mecanicistas presentes no código de ética de 198649 e com o aprofundamento do debate profissional desembocando na formulação, em 1993, do atual código; no deslocamento da perspectiva corporativista no âmbito dos conselhos da profissão para acepções totalizantes da profissão que possibilitou a participação do Conjunto dos conselhos, dentre outras atividades, na articulação e organização de movimentos da sociedade civil, através do apoio as lutas em favor da democracia e cidadania e participação em conselhos de política e direitos; e, por último, na implementação das diretrizes curriculares que consolidou o redimensionamento do projeto de formação profissional, a partir do amadurecimento de adesão teórica à perspectiva crítico-dialética de totalidade. É importante frisar essas inflexões como processo e expressão fundamentais da quebra do quase monopólio do conservadorismo teórico-metodológico e político da profissão. Nessa perspectiva, o redimensionamento dos processos interventivos, especialmente das políticas sociais, começou a ser evidenciado na luta por direitos e na abertura de espaços de atuação profissional em instituições de formação e organização política dos trabalhadores, como sindicatos, associações profissionais e movimentos sociais, bases da construção do projeto ético-político profissional na direção das lutas e conquistas democráticas e do ideário da emancipação humana. O salto qualitativo dessas inflexões demarcou a incorporação, ao projeto profissional, de uma perspectiva ético-política que transcende à dimensão endógena da profissão. Esta perspectiva tem expressão primordial no modo de compreender o projeto profissional vinculado as lutas de segmentos trabalhadores, para a construção de uma sociabilidade para além do capital, o que define nitidamente o ponto de vista de classe desse novo projeto. E a organização dos assistentes sociais foi, sem dúvidas, a principal mediação para o avanço de uma reinserção profissional crítica nos espaços institucionais e para o 49 De acordo com Barroco (2001) esta concepção se deve à compreensão imediata de a moral derivar da produção econômica e dos interesses de classe, sem a apreensão das mediações peculiares à ética. Disso resultou a vinculação mecânica do compromisso profissional com a classe trabalhadora, sem o estabelecimento da mediação dos valores próprios à ética. 61 reconhecimento de que a ação política constitui-se o primeiro passo no sentido da autorealização das classes subalternas (GRAMSCI, 2000). Conforme assinala Netto (1999), a experiência sócio-profissional tem comprovado que a afirmação social de um projeto profissional pressupõe em sua base uma categoria fortemente organizada. Isso demanda articulação e respeitabilidade com e frente a outras profissões, instituições e usuários dos serviços oferecidos pela profissão. São essas requisições elementares para que um projeto profissional como o do Serviço Social brasileiro ganhe solidez. Por essa razão, as conquistas profissionais não podem ser deslocadas do contexto social no qual se processam. Esse movimento não foi e nem é um processo somente endógeno a profissão. Mantém uma profunda sintonia com a totalidade das relações que compõem a vida social. Por isso, não podemos considerar as conquistas do coletivo profissional somente como frutos da qualificação teórico-política do trabalho profissional. Elas são, sobretudo, resultantes das conquistas de direitos cívicos e sociais50 que acompanharam a recente restauração democrática na sociedade brasileira (NETTO, 1999). A conquista da hegemonia desse projeto, na conjuntura dos anos 1990, se deve a contribuição de dois elementos de ordens diversas, que “a vontade políticoorganizativa das vanguardas profissionais soube articular numa definida direção social estratégica” (NETTO, 1999, p. 106). Isto é, o crescente envolvimento de segmentos cada vez maiores da categoria nos fóruns de debate, nos espaços de discussão, nos eventos profissionais – bem como a multiplicação e a descentralização desses fóruns, espaços e eventos; e, por último, o fato de as linhas fundamentais deste projeto estarem sintonizadas com a tendência significativa do movimento da sociedade brasileira do período de redemocratização (Idem). As lutas que reivindicaram a materialização do novo projeto profissional dos assistentes sociais, desde a sua construção nos anos 1980, ganharam inspiração e concretude nos âmbitos da atuação e militância política dos agentes profissionais. O desdobramento dessas conquistas profissionais aflorou, durante toda a década de 50 A regulamentação dos direitos sociais de segmentos como crianças, adolescentes, idosos, mulheres, entre outros, viabilizou institucionalmente a intervenção profissional em diversas áreas no processo de execução das políticas sociais. Essas também se constituem componentes importantes que se conjugaram a tantos outros para propiciar a construção do projeto ético-político do Serviço Social brasileiro. 62 1990, numa perspectiva ainda mais crítica, revelando a explicitação de uma maior maturidade teórico-política51 dos sujeitos profissionais, consolidada a partir da ampla atuação política efetivada por vastos segmentos da categoria profissional, através do conjunto das entidades representativas, no cenário sócio-político brasileiro. Essas entidades têm se constituído, portanto, locus de debates teórico-políticos e lutas que põem em cena os limites e contradições da ordem do capital, contribuindo, dessa forma, para a construção do projeto ético-político profissional, hegemônico nos anos 1990 (RAMOS, 2006). Não obstante, essa perspectiva de maturação política e intelectual dos assistentes sociais, bem como a construção do projeto profissional, não se processou sem maiores conturbações. Em pleno processo de construção do projeto ético-político (de consolidação ainda em curso), a categoria profissional teve que se afrontar com os impactos da flexibilização econômica e da implantação da política neoliberal, cujas estratégias resultaram na precarização do trabalho; no desemprego; na intensificação do processo de desmontagem dos parcos direitos sociais e trabalhistas; na dilapidação do patrimônio público, via privatizações (inclusive das políticas e serviços sociais públicos); na fragmentação da classe trabalhadora; e, na debilitação de suas formas de resistência e luta. As mesmas condições sócio-econômicas e ideo-políticas que atingiram a classe trabalhadora rebateram profundamente no Serviço Social. Pois, as mudanças históricas que alteraram a divisão sócio-técnica do trabalho na sociedade, corporificadas em mudanças nas relações Estado/sociedade e nas formas de organização e de gestão do trabalho, afetaram diferentes especializações, entre as quais o Serviço Social (IAMAMOTO, 1999). Ocorre que as atuais condições de desenvolvimento do capitalismo, marcadas pela agudização do irracionalismo e do fundamentalismo, (concebida pela ideologia neoliberal e o imperialismo), complexificaram as contradições e os desafios 51 O grande salto teórico-político conquistado pelo coletivo profissional, nesta época, consubstanciou-se na formulação do novo Código de Ética Profissional (1993), revisão da Lei de Regulamentação da Profissão (1993) e implementação das Diretrizes Curriculares (1996). Sendo, estes, os principais instrumentos políticos normativos que incidem sobre os âmbitos da formação e do exercício profissionais. Estes consistem expressões do projeto éticopolítico do Serviço Social, construídos na perspectiva de direcionar a práxis profissional a construção de uma sociabilidade humanamente autêntica. 63 para o exercício da prática dos assistentes sociais, em várias dimensões, sobretudo na formação profissional, organização política, intervenção profissional e produção de conhecimento (LOPES, 1999). E a vertente profissional que, nos anos 1980, ganhou legitimidade na direção das entidades de profissionais e estudantes, na organização sindical, no debate crítico, na produção inserida na tradição marxista, na revisão curricular de 1982 e na reelaboração do Código de Ética de 1986, defrontou-se com o desafio de responder a essa conjuntura, sem perder suas conquistas (BARROCO, 2008). Compreender, portanto, o rebatimento desse contexto ofensivo na profissão, supõe considerar as transformações societárias52 e suas incidências nos âmbitos do Estado, das empresas, dos movimentos sociais e de outras organizações da sociedade civil. Como vimos, a contra-reforma do Estado brasileiro, nos anos 1990, representou um grande ataque as conquistas sócio-políticas da classe trabalhadora desse país. A reconfiguração do Estado tal como foi conduzida entre nós, acabou alimentando uma forte tendência de desresponsabilização pela política social, acompanhada do desprezo pelo padrão constitucional de seguridade social (BEHRING e BOSCHETTI, 2006). Mas, claro, isso não significou inexistência de política social, estas apenas foram adaptadas aos conflitos e demandas sociais 53 engendrados no novo contexto de acumulação do capital. Os governos neoliberais desde Collor de Melo, passando pela era Cardoso e pelos governos de Lula da Silva, todos sem exceção – a despeito das suas respectivas particularidades54, que são muitas - incorporaram em demasia as premissas da contra52 Processo já referido e analisado neste trabalho, no item anterior. Ora, assistimos no contexto de reestruturação produtiva – cujo significado para a classe trabalhadora se traduziu em aumento do desemprego e dos níveis de pobreza – uma crescente demanda social por políticas sociais públicas, o que consistiu numa grotesca contradição diante do desmonte do Estado de direito. Seria redundante elencar aqui as demandas do capital para o Estado nesse contexto, tendo em vista já termos contemplado anteriormente, mas, vale ressaltar que a contra-reforma consistiu numa exigência do próprio capital, como forma de intensificação da expropriação social. 54 Poderíamos dizer que essas particularidades são bastante densas. Trata-se de contextos sócio-histórico com aspectos econômicos e políticos diferenciados, mas que se encontram dentro de uma ordem mundial de reordenamento da acumulação capitalista. Dentro do plano macroeconômico de expansão combinada e desigual do capital, esses governos assumiram compromissos, que colocaram em evidência escolhas e conduções políticas atinentes com as demandas “diplomáticas” do capital internacional. Se é verdade que a condução neoliberal predominou em cada governo, também é certo que houve uma diferenciação na intensidade da implementação das premissas neoliberais entre eles. Os governos Collor e, sobretudo, FHC foram governos de maior truculência e 53 64 reforma burguesa no aparelho estatal, cujo princípio fundamental foi e é a desconstituição do Estado como responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social para tornar-se promotor e regulador desse desenvolvimento, através da transferência para o setor privado, das atividades que possam ser controladas pelo mercado (IAMAMOTO, 1999,). Nessa perspectiva, as políticas sociais, no processo da contra-reforma do Estado brasileiro, seguiram a via das medidas tecnocráticas dos governos neoliberais. Não foi por acaso que a implementação da política neoliberal dependeu, em larga escala, de reformas constitucionais e medidas provisórias a serem aprovadas e negociadas num Congresso Nacional nitidamente balconizado (BEHRING e BOSCHETTI, 2006). Essas táticas, junto a outras ofensivas de cunho ideológico (funcionais ao projeto burguês), foram capazes de garantir, inclusive, legitimidade ao processo de desresponsabilização do Estado com as demandas sociais e efetivar transferência dessa responsabilidade para setores da sociedade civil, através da criação das agências executivas e das organizações sociais, bem como da regulamentação do terceiro setor para a execução de políticas públicas 55. Essa nova lógica institucional acabou desembocando numa profunda “despolitização da esfera pública, dela expulsando os órgãos de representação política, como os partidos e sindicatos” (IAMAMOTO, 1999, p. 121). E dessa maneira a sociedade civil passa a ser interpretada como um conjunto de organizações conservadorismo na defesa e implementação da política neoliberal na realidade brasileira. Como sabemos as bases de consolidação da política neoliberal a brasileira foram, em larga medida, providências políticas da era Cardoso. A contra-reforma gerencial do Estado, a venda do patrimônio público, a precarização e desmonte das políticas e serviços sociais públicos, a desregulamentação das legislações de proteção trabalhista e social, abertura econômica e tantas outras medidas foram compromissos do governo FHC com as demandas do capital internacional. O governo Lula ocorre num estágio de consolidação desse processo. O que não quer dizer que a permanência nessa perspectiva, por parte desse governo, se tratou de algo inevitável. Foi igualmente uma questão de escolha e acordo políticos, assim como todos os outros. Contudo, não conduziu de forma tão truculenta quanto o governo FHC. A prática política dialógica que o governo Lula manteve com os movimentos sociais e setores populares lhe garantiu uma governança aparentemente tranqüila, com requintes de blindagem política, mesmo diante a contínuas deflagrações de escândalos de corrupção. Ainda que mantidos intactos, muitos dos compromissos neoliberais - a exemplo do pagamento da dívida externa; abertura econômica; desregulamentação das proteções trabalhistas e sociais via reformas da previdência e sindical; privatização dos direitos sociais, como os incentivos a expansão do setor privado na área da educação, dentre outros – esse governo optou dentre outras prioridades, certamente como estratégia política, pela expansão de políticas sociais de cunho eminentemente assistencial, numa perspectiva que não abandonou a combinação de responsabilidades entre o Estado e a sociedade civil. Em cada governo ocorreram maiores ou menores truculências, conservadorismos ou moderações na forma de condução do processo que deu viabilidade a política neoliberal e a vida longa que se estende nos dias que correm. São muitos os nuances (não caberiam nessa breve análise) que conformam as respectivas particularidades desses governos. 55 Ver Montaño (2002). 65 diferenciadas, mas complementares, destituídas de contradições entre interesses de classes e seus segmentos, encobrindo e esvaziando conflitos sob a invocação da solidariedade (IAMAMOTO, 1999). Nessa perspectiva é que se definem a privatização, focalização/seletividade e descentralização das políticas sociais. Como sabemos, nesse contexto, [...] a configuração dos padrões universalistas e redistributivos de proteção social foi fortemente tencionada: pelas estratégias de extração de superlucros, em que se incluem as tendências de contratação dos encargos sociais e previdenciários; pela supercapitalização, com a privatização explícita ou induzida de setores de utilidade pública, em que se incluem saúde, educação e previdência; e pelo desprezo burguês para com o pacto social dos anos de crescimento, configurando um ambiente ideológico individualista, consumista e hedonista ao extremo. Tudo isso num contexto em que as forças de resistência se encontram fragmentadas, particularmente o movimento dos trabalhadores, em função do desemprego, da precarização e flexibilização das relações de trabalho e dos direitos (BEHRING e BOSCHETTI, 2006, p. 155-156). No âmbito do Estado, verificou-se o esgotamento da estratégia estatizante e a necessidade de superação de um estilo de administração pública burocrática, a favor do modelo gerencial. Nesse sentido, os contratos, os serviços e as relações realizadas pela esfera estatal seguiram o caminho da flexibilidade, conforme as demandas da reestruturação produtiva. Behring e Boschetti (2006) chamam a atenção para o surgimento de uma nova arquitetura institucional na área social, na qual é ignorado o conceito de seguridade social e a combinação do serviço voluntário desprofissionaliza a intervenção nessas áreas, remetendo-as ao mundo da solidariedade, da realização do bem comum pelos indivíduos, através de um trabalho voluntário não-remunerado. Esse processo tem suscitado rebatimentos diretos e ofensivos na lógica do direito, bem como na intervenção profissional dos assistentes sociais que atuam na área das políticas sociais. Sobretudo, pela particularidade de serem profissionais que trabalham diretamente no planejamento, implementação e execução das políticas e serviços sociais (em grande escala operacionalizados pelo Estado, mas, que também abrange empresas privadas, entidades filantrópicas e outras organizações). 66 Conforme nos lembra Iamamoto (1999), ainda que regulamentado como uma profissão liberal, não é essa a tradição do Serviço Social no Brasil. Segundo esta autora, o setor público tem sido o maior empregador de assistentes sociais, sendo a administração direta a que mais emprega, especialmente na esfera estadual, seguida da municipal. Por essa razão os funcionários públicos, incluindo aí os assistentes sociais, vêm sofrendo os efeitos deletérios da contra-reforma do Estado na órbita do emprego e da precarização das relações de trabalho. O Serviço Social ocupa seu lugar na divisão sócio-técnica do trabalho, ao lado de outras profissões, participando da tarefa de implementação de condições necessárias ao processo de reprodução social, a partir, sobretudo da sua inserção no campo das políticas sociais. Não podemos esquecer que os assistentes sociais são trabalhadores que vendem sua força de trabalho especializada para entidades empregadoras, em troca de salário. E, desse modo, participam do processo de produção ou redistribuição da riqueza social56, isto é, da criação do valor e da maisvalia (IAMAMOTO, 1998). Nesse sentido, a condição de assalariamento a qual os assistentes sociais, estão submetidos é uma questão bastante relevante para ser considerada, tanto na análise sobre o pertencimento de classe na sua trajetória de construção política, quanto na identificação dos seus principais e atuais desafios, que não se dissociam dos desafios de amplos setores da classe trabalhadora. Conforme o pensamento de Mota e Amaral (1998), os atuais desafios a profissão têm se desenvolvido em duas dimensões principais, quais sejam: a mais evidente e imediata relaciona-se com o exercício profissional, isto é, se expressam nas alterações do mercado de trabalho57 e nas condições do trabalho profissional, a outra dimensão é mais ampla e complexa, pois se refere ao surgimento de novas problemáticas, que podem ser mobilizadoras de competências estratégicas presentes na capacidade teórico-crítica e ético-política da categoria profissional. 56 De acordo com Iamamoto (1998), a caracterização de ambos processos é definida, a partir da esfera (pública ou privada) na qual o profissional atua. Se o trabalho do assistente social é realizado no âmbito privado da produção de capital, numa empresa, por exemplo, ele pode ser partícipe do processo de reprodução produtivo de mais-valia. Quando o trabalho se efetiva no espaço público, no campo da prestação de serviços sociais, especialmente, na esfera do Estado via fundo público; é partícipe do processo de redistribuição da mais-valia. 57 Segundo Mota e Amaral (1998) as características do mercado de trabalho profissional podem oferecer um conjunto de informações, a partir das quais é possível identificar as necessidades sociais que estão subjacentes as demandas profissionais. Isto é, constitui-se um espaço eminentemente contraditório no qual, também, se revelam os interesses conflitantes de classes antagônicas. 67 Em resumidas contas, a trilha por onde caminham os desafios profissionais do Serviço Social, hoje, são as novas modalidades de produção e reprodução social da força de trabalho. Sendo estas últimas mediadas pelo mercado de trabalho profissional, passam a exigir a refuncionalização de procedimentos operacionais, também determinando um rearranjo de competências técnicas e políticas que, no contexto da divisão social e técnica do trabalho, assumem o estatuto de demandas a profissão. Mas, é importante compreender que as demandas sociais não se confundem com as necessidades sociais reais58 (MOTA e AMARAL, 1998). O deciframento dessa questão é um desafio presente na intervenção profissional dos assistentes sociais, e por essa razão não deve ser desconsiderado no processo de construção das estratégias de enfrentamento dos desafios que afligem a classe trabalhadora em sua totalidade, sobretudo nesse contexto em que predomina e se aprofunda “confusão” de toda ordem. Por essa razão, o desafio de identificar nas exigências e demandas profissionais “o conjunto das necessidades (políticas, sociais, materiais e culturais), quer do capital, quer do trabalho” (MOTA e AMARAL, 1998, p. 26), necessita ser enfrentado na elaboração de proposições teóricas, políticas, éticas e técnicas que se apresentem como respostas profissionais qualificadas, na perspectiva de captar, da processualidade histórica, as condições efetivas para realização daquilo que reivindica o projeto profissional do Serviço Social, isto é, a superação da sociabilidade capitalista como condição imprescindível à realização da autenticidade humana. A necessidade de se desvelar às condições de vida dos indivíduos, grupos e coletividades com os quais se trabalha é um dos requisitos para que se possa decifrar as diversas formas de luta, orgânicas ou não, que estão sendo gestadas e alimentadas, com inventividade, pela população (IAMAMOTO, 1998). O desafio, porém, é a materialização dos princípios éticos na cotidianidade do trabalho evitando que eles se tornem meros indicativos abstratos, descolados do processo social. Ao contrário, é necessário dar-lhe vida por meio dos sujeitos que, internalizando o seu conteúdo, expressam-no por meio de ações que vão tecendo o novo projeto profissional no 58 As demandas sociais, a rigor, são requisições técnico-operativas que, através do mercado de trabalho, incorporam as exigências dos sujeitos demandantes. Em outros termos, elas comportam uma verdadeira „teleologia‟ dos requisitantes a respeito das modalidades de atendimento de suas necessidades. Por isso mesmo, a identificação das demandas não encerram o desvelamento das reais necessidades que as determinam (MOTA e AMARAL, 1998, p. 25). 68 espaço ocupacional, a fim de se traçar o devir histórico, a partir da concreticidade de valores humano-genéricos na vida social (Ibdem). Contudo, não se pode esquecer que as estratégias e formas de enfrentamento desses desafios consistem, igualmente, desafios na sua relação com a totalidade social. O enfrentamento positivo dessa problemática exige a análise do movimento social e o estabelecimento de relações e alianças com outras categorias profissionais e segmentos sociais, “notadamente aqueles vinculados as classes que dispõem de potencial para gestar um projeto societário alternativo ao das classes possuidoras e dominantes” (NETTO, 1999, p. 97). Pois não cabe a uma profissão, isoladamente, realizar o trabalho de transformação societária na perspectiva aqui defendida. Negar essa realidade é incorrer equivocadamente a ilusões messiânicas, cujo contraponto é o fatalismo. Os limites do fazer profissional independem da vontade política dos sujeitos profissionais. São determinações que se apresentam nas relações de trabalho e nas condições institucionais do mercado de trabalho. Pois, a intervenção profissional é mediada pela condição de assalariamento e subordinação as determinações dos processos mais gerais que a dinâmica da sociedade impõe aos trabalhadores (AMARAL, 2009). Nesse sentido, as condições de inserção precárias no mercado de trabalho profissional, ou mesmo a não inserção, devido aos efeitos da divisão sócio-técnica do trabalho e da funcional conformação e ampliação do exército de reserva para os interesses do capital; a tendência de redução dos gastos sociais e extenuação das condições de implementação das políticas sociais ou efetivação de direitos, combinado com um processo de refilantropização dos padrões de intervenção na questão social, que descaracterizam a noção de direito e desqualificam competências e atribuições profissionais, nas suas dimensões privativas; o enfraquecimento e a desarticulação dos movimentos sociais de cunho classista, junto ao transformismo e desintegração dos partidos de esquerda, totalizam, atualmente, um contexto bastante ofensivo que precisa ser enfrentado com muita inventividade teórico-política pelos sujeitos sociais, pois constituem, em seus desdobramentos, desafios gigantescos, não apenas profissionais, mas sociais. 69 A rigor, a reivindicação de outra ordem social como horizonte do projeto profissional é, sem dúvida, uma questão bastante cara ao Serviço Social brasileiro, dada a contradição presente nas demandas sociais que legitimam e justificam socialmente a profissão desde sua origem59. O fundamento conservador de sustentação e justificação da existência e permanência do Serviço Social como profissão, remete-se a utilidade do seu papel interventor no processo de criação de consensos de classes. A despeito dos avanços teórico-políticos engendrados nas últimas décadas60, os assistentes sociais não puderam nem poderiam eliminar, por via desses avanços, - em que pese para o advento dessa supressão, o fim da sociedade de classes – a determinação crucial da inserção profissional na divisão sócio-técnica do trabalho, o que faz do Serviço Social uma demanda (contraditória) efetiva das relações sociais burguesas. Ora, se considerarmos o projeto profissional como o dever ser do Serviço Social, ainda que se expresse na realidade como uma forma de ser da profissão, ele só se materializa efetivamente, a partir das várias mediações socioprofissionais e das diversas demandas contraditórias que determinam o Serviço Social (BRAZ, 2007). É por esta razão que o Serviço Social é uma profissão que se insere na realidade do fogo cruzado de interesses de classes antagônicas. No entanto, a reação a raiz conservadora do Serviço Social resultou em um movimento que, com avanços e recuos, terminou por estabelecer como um dos referenciais da profissão a busca por uma sociedade sem classes (Netto, 1990, apud LESSA, 2007a). Tal referencial teve o enorme mérito de fazer o Serviço Social a única profissão a conter, no seu código de ética, uma explícita menção à necessidade de superação da alienada sociabilidade capitalista (ibdem). 59 Como sabemos no contexto de sua implantação, o Serviço Social se constituía um componente funcional na estratégia de controle social engendrada pela classe dominante. Inscreveu-se numa perspectiva de defesa de uma lógica profundamente conservadora, de defesa intransigente das relações sociais vigentes. Neste sentido, o fazer profissional dos(as) assistentes sociais, “se pautava numa prática empirista, reiterativa e burocratizada, orientada por uma ética liberal-burguesa [...] sempre pressuposta a ordenação capitalista da vida social como um dado factual ineliminável” (NETTO, 2005, p. 6). 60 Nos referimos ao Serviço Social brasileiro, haja vista a particularidade do avanço teórico-político que o diferencia de todas as experiências de construção da profissão no mundo. Dentre outros aspectos pontuamos a produção do conhecimento, os marcos legais e a organização política como expressão desse avanço. 70 É importante salientar que um projeto profissional implica determinadas condições como, por exemplo, atender a necessidades sociais realizadas de determinadas formas e produzir um resultado objetivo com implicações sociais e desdobramentos éticos e políticos. A despeito da consciência dos agentes profissionais, o fazer profissional conforma um projeto concreto que de alguma forma contribui para a objetivação de determinadas finalidades e necessidades sociais com direção ética e política (BARROCO, 2008). É nessa perspectiva que a construção de uma nova direção social hegemônica para o projeto profissional integra uma dimensão societária. Isto significa que não é possível pensar a profissão em si mesma, como se suas demandas não expressassem, por um conjunto de mediações, as contradições das classes sociais em disputa na sociedade. O desvelamento dessa questão pressupõe a compreensão da profissão e de seus desafios, no contexto sócio-histórico das determinações postas pela sociabilidade do capital. (RAMOS 2009). O atual projeto ético-político do Serviço Social concebe a atuação profissional, como espaço dinâmico de mediação em que as contradições sociais devem ser trabalhadas com direcionamento político para a defesa dos interesses da classe trabalhadora. É nesse sentido, um projeto convergente com o processo de construção da contra-hegemonia, por ter como perspectiva última, a realização humana, ou seja, a concretização de relações sociais emancipadas entre sujeitos verdadeiramente livres, o que implica a defesa de uma sociedade para além do capital. Não é por acaso, que esse projeto ético-político profissional tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor central – a liberdade concebida historicamente, como possibilidade de escolher entre alternativas concretas; daí um compromisso com autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais. Conseqüentemente, o projeto profissional vincula-se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero. A partir destas escolhas que o fundam, tal projeto afirma a defesa intransigente dos direitos humanos e a recusa do arbítrio e dos preconceitos, contemplando positivamente o pluralismo – tanto na sociedade como no exercício profissional (NETTO, 1999, p. 105). 71 É notório que o desafio ideo-político desse projeto está, em última instância, associado a sua nítida definição de interesse de classe. Evidente que em seu conjunto de valores e princípios, o projeto ético-político profissional do Serviço Social brasileiro se coloca numa perspectiva contrária a tendência hegemônica da reprodução dos (des)valores inerentes a sociabilidade vigente. A contestação do projeto societário hegemônico, por parte de projetos profissionais, é, geralmente, deflagrada em conjunturas nas quais, a sensibilização aos interesses das classes trabalhadoras, é, em parte, resultado das influências de afirmação política dessas classes. Como vimos, o processo de renovação do Serviço Social brasileiro ocorreu numa conjuntura de bastante ebulição política nos processos de organização dos trabalhadores. Contudo, a história por ser lição, já se encarregou de mostrar que, os projetos societários atinentes aos interesses das classes trabalhadoras, dispõem sempre de condições menos favoráveis para enfrentar os projetos das classes dominantes. Nesse sentido, o que dizer da atual conjuntura? O tempo em que vivemos é um tempo de profunda regressão social, no qual as possibilidades históricas de construção de uma práxis universalmente emancipatória, se mostram cada vez mais nebulosas e esgarçadas. Um tempo de contradições grotescas, em que os ditames da “liberdade” de mercado fazem da vida real uma ameaça iminente a vida humana, na medida em que impulsiona a tendência de homogeneização dos circuitos do capital, dos modos de dominação ideológica e dos objetos de consumo, apoiada na mais completa heterogeneidade e desigualdade social (IAMAMOTO, 2008). O conjunto das práticas sociais, atualmente, forma um contexto no qual as expressões da questão social, não podem ser compreendidas apenas na manifestação da pobreza, miséria e “exclusão”. Pois o predomínio do capital financeiro, como nos lembra Iamamoto (2008), conduz a banalização da vida humana, a descartabilidade e indiferença, intensificando, ao máximo, as formas da alienação humana. Nesse sentido, as determinações profissionais (demandas a profissão, condições de trabalho em todas as áreas de inserção) não passam incólume diante a realidade do tempo presente. As influências desse contexto regressivo perpassam o interior da profissão, nas suas mais diversas dimensões. Por essa razão é preciso 72 acertar na análise, para que as respostas profissionais não resultem em subterfúgios estéreis e equivocados. Contudo, é preciso muita capacidade crítica de análise e convicção ético-política para não se ater, apenas, as características e demandas do mercado de trabalho profissional, hoje, postas pela reestruturação produtiva e não esquecer que as necessidades sociais são mera aparência, que não expressam as necessidades sociais da classe trabalhadora, e inclusive as transfiguram em seu contrário (MOTA e AMARAL, 1998). Embora saibamos que, mesmo hegemônico, o projeto ético-político profissional não é exclusivo, a tendência que essa conjuntura aponta é para a deflagração de tensões e disputas ainda maiores entre projetos e interesses no interior da categoria profissional. Por não estarem imunes aos processos sociais em curso, certamente expressarão influências e tendências advindas das camadas sociais e de seus conflitos, o que não que dizer, necessariamente, que serão reforço ao que reivindica o atual projeto ético-político da profissão, poderão expressar, inclusive, seu contrário. Contudo, os conflitos nem sempre se despontam, de forma que outros projetos conquistem a força político-organizativa para disputar hegemonia61. Isso depende intrinsecamente da defesa de uma vontade coletiva, da análise que os sujeitos profissionais façam da profissão e da sociedade, dos fundamentos, concepções, formas e métodos que utilizem na ação política. É natural que, num contexto em que determinados projetos societários e profissionais encontrem-se tensionados, os ânimos políticos sejam abatidos, e as perspectivas reflexivas desprezem otimismos brandos e fartem-se de pessimismos racionais. Os projetos societários e profissionais expressam as marcas das relações sociais do seu tempo, não são estáticos nem a-históricos. Destarte, os desafios que lhe são inerentes só podem ser apreendidos pelas determinações do contexto histórico no qual são construídos e redimensionados. Há hoje, no interior do Serviço Social, uma polêmica muito incipiente, mas, que tem ganhado corpo no âmbito dos fóruns da categoria profissional, sobretudo no 61 Segundo Ramos (2008) a categoria hegemonia é elaborada por Gramsci para refletir a atividades de direção política e cultural das classes sociais, em um determinado contexto histórico. Na interpretação de Coutinho (1999) a hegemonia gramsciana se materializa precisamente na criação de uma vontade coletiva, motor de um „bloco histórico‟ que articula numa totalidade diferentes grupos sociais, todos eles capazes de operar, em maior ou menor medida, o movimento „catártico‟ de superação de seus interesses meramente „econômico-corporativos‟, no sentido da criação de uma consciência „ético-política‟ „universalizadora‟. 73 meio acadêmico, polarizando diversos setores da vanguarda teórico-política profissional, em torno da discussão sobre a hegemonia do Projeto Ético-político da profissão. Tal polêmica assimila, de um lado, a compreensão de que há uma crise de hegemonia do projeto profissional e outra que reconhece os desafios, mas não os considera constituintes de uma crise. As análises destacam determinados elementos conjunturais, considerando aspectos econômicos e políticos que remetem, diretamente, a forma de ser da profissão. Segundo as acepções de Braz (2007), o que põe o projeto ético-político do Serviço Social em crise é a articulação de dois problemas centrais. O primeiro deles diz respeito a ausência de uma proposta alternativa a do capital na sociedade brasileira, capaz de unificar interesses sociais distintos relativos ao trabalho; o segundo, por sua vez, está centrado em fatores objetivos que incidem sobre as bases materiais do projeto profissional, isto é, as condições atuais de efetivação do processo de formação profissional e do exercício da profissão, na realidade brasileira. Ao referir-se ao primeiro problema, o autor não o delimita apenas na sociedade brasileira, mas aponta para a crise do socialismo, mundialmente. Passando para o Brasil, ele destaca a recente decadência de um projeto societário democráticopopular de corte anticapitalista, que articulou diversos estratos da classe trabalhadora, a partir da formação dos movimentos e partidos de esquerda, na década de 1980. Segundo o autor, a exaustão desse projeto começou a despontar em meados da década de 1990 e consumou-se com a chegada do candidato do Partido dos Trabalhadores na Presidência da República, nas eleições de 2002. Ocorreu nesse período, “o empobrecimento de um projeto alternativo ao capital na realidade brasileira” (BRAZ, 2007, p. 7). Nesse sentido, desfecha dizendo que “a crise de projeto societário das classes trabalhadoras impõem uma crise ao nosso projeto” (op cit). Em relação ao segundo problema, o autor pondera que as condições objetivas da profissão tendem a fragmentar e a tornar corporativistas as demandas político-profissionais dos assistentes sociais. Pontua, ainda, que, em meio a essas condições, outras expressões políticas da profissão de variados tons 74 neoconservadores62 podem ganhar terreno e isso pode comprometer a direção social da profissão. Nessa mesma linha de raciocínio Netto (2007) afirma que essas são tendências que mexem com os objetivos e funções profissionais. Para este autor, o elenco de objetivos do Serviço Social “tem sido intencional e acintosamente minimizado a centralização das suas funções no plano assistencial”. (p. 38). Tal centralização teve início no período de implantação da política neoliberal entre nós, mais precisamente no governo de FHC e vem sendo afunilado no “Estado lulista” (p. 38). O autor observa que o fetiche dessa redução possui grande ressonância no interior da profissão, sobretudo, na conjuntura política do “possibilismo prático” de um governo que se reivindica de esquerda. Ainda nesse ponto, Braz (2007) atenta para o grau de aceleração e massificação desqualificante da formação profissional, - sobretudo em virtude da expansão do ensino superior, ofertado de forma no mínimo duvidosa, a exemplo da Educação a distância - e para as suas repercussões futuras no exercício da profissão. Essa problemática assinala para duas tendências preocupantes relacionadas ao perfil profissional. Uma aponta para a vulnerabilização da imagem da profissão e sua desvalorização na sociedade, a outra diz respeito ao desafio da formação de novos quadros teórico-políticos para o projeto profissional. Para determinados segmentos profissionais são basicamente esses os elementos determinantes da crise de hegemonia do Projeto profissional do Serviço Social. Nossas ponderações em torno dessa questão não serão neutras. Apontaremos para um posicionamento que reconhece aqueles elementos reais, (entendidos como determinantes da crise), compreendendo-os como desafios e ameaças ao projeto profissional, mas não constitutivos de uma crise hegemônica. Os argumentos que compõem a defesa sobre a existência da crise, são eminentemente reais e plausíveis, embora haja questões que merecem maiores problematizações. A começar pela questão da crise do projeto societário da classe trabalhadora e sua repercussão no projeto profissional. De acordo com Ramos (2009) a ausência de um pensamento radicalmente crítico no campo da esquerda, não é uma 62 Refere-se aqui aos segmentos mais corporativistas da categoria, evidenciados não apenas em algumas associações sindicais dos assistentes sócias, mas nas diversas organizações específicas divididas em subáreas de atuação (BRAZ, 2007). 75 questão recente, tampouco se refere, exclusivamente, as mudanças de rumo político do PT, sobretudo após o governo Lula. Embora tenha se evidenciado com maior intensidade desde então, já permeava o debate no interior do projeto ético político profissional. Essas conversões políticas de setores da esquerda nacional não têm conseguido silenciar, no âmbito do projeto ético político profissional, o compromisso dos segmentos que, historicamente, tem se colocado numa perspectiva anticapitalista e estabelecido inúmeras mediações ao tratar da agenda da profissão, entendendo seus limites e contradições (RAMOS, 2009, p. 9). Quanto a questão da precarização da formação e do exercício profissional, é preciso reconhecer que as suas debilidades têm se intensificado nesse contexto regressivo e são ameaças reais ao projeto profissional. A privatização e a precarização do ensino superior têm se aguçado veementemente, a partir da pesada transferência de recursos públicos de financiamentos diretos, incentivos e isenções fiscais as empresas privadas envolvidas com a área de educação, em detrimento as universidades públicas. No entanto, não houve até aqui nenhum momento histórico em que esse projeto profissional estivesse em plena sintonia com a direção dada a política educacional (RAMOS, 2009). No processo de implantação da política neoliberal, a proposta dos cursos seqüenciais, como parte da lógica de desregulamentação e flexibilização da educação superior, defendida pelo governo federal, através do Ministério da Educação, contrariou o projeto de formação profissional que estava sendo construído. Muitas estratégias foram construídas para afirmar a direção da formação profissional, a exemplo das alianças das entidades representativas da profissão com os segmentos sociais que lutaram em defesa da educação pública de qualidade e socialmente referenciada. É nessa mesma perspectiva que as entidades representativas da profissão vêm, no contexto atual, defendendo esse projeto profissional. Suas lutas continuam sendo encetadas na perspectiva de resistência e enfrentamento a inescrupulosa expansão do ensino superior, neste país. Esse processo, inclusive, não tem acontecido sem tencionamentos no interior da profissão. São ilustrativos os debates acerca da construção e adoção de estratégias que têm envolvido as polêmicas 76 em torno do Exame de Proficiência, do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) e de outros processos que integram o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES). Vale ressaltar que as polêmicas desse processo são expressão da pluralidade teórico-política presente nos princípios do próprio Projeto Ético-político. É uma realidade que a redução do Serviço Social ao plano assistencial, lembrada por Netto (2007), consiste um desafio imenso. Isso também não se desloca da tendência de assistencialização das próprias políticas sociais, presente na política neoliberal, dos últimos governos. Mesmo essa tendência encontrando esteio em determinados vetores profissionais, não tem sido fortalecida como perspectiva única no debate interno da profissão. Como assinala Ramos (2008), segmentos expressivos do projeto ético-político profissional têm elaborado crítica a essa concepção, a exemplo do que tem sido defendido pelas agendas de lutas das entidades representativas da profissão, na articulação política com outros sujeitos coletivos nas lutas em defesa de direitos, inclusive, nos assentos de representação nos conselhos de direito e controle das políticas sociais63. Embora tenhamos a clareza do desfavorecimento que essa conjuntura traz para os projetos societários e profissionais atinentes com os interesses dos trabalhadores, não identificamos elementos concretos para defender a existência de uma crise de hegemonia do projeto ético-político profissional do Serviço Social. É certo que há, no âmbito da profissão, disputas de projetos societários, individuais e profissionais que perpassam as suas várias dimensões. Contudo, nesses últimos trinta anos, não se despontou nenhuma dissidência interna ao projeto ético-político profissional com expressividade substancialmente capaz de deflagrar uma crise de hegemonia. Seria nutrir concepções estéreis, numa perspectiva messiânica, não reconhecer os limites de exeqüibilidade desse projeto, pois este, não se abstrai das contradições e determinações que conformam a realidade sócio-histórica do tempo 63 O pensamento crítico do Serviço Social vem, nesses últimos anos, desenvolvendo análises de profunda consistência teórica acerca das políticas sociais na realidade brasileira. Trabalhos de considerável relevância, na área, compõem um vasto acervo de produções e publicações sobre a temática. Dentre as discussões mais recentes e polêmicas, as quais reúnem, também, maior teor de criticidade, destacam-se títulos como: O Mito da Assistência Social; Política Social: fundamentos e história; Política Social: perspectivas contemporâneas; e muitos outros que não caberiam mencionar, aqui, para não nos alongarmos nessa ilustração. 77 presente. Contudo, é incontornável que, pelo que reivindica, o projeto profissional do Serviço Social assinala a imprescindibilidade histórica de uma nova ordem societária, pois, em última instância esse é o seu horizonte social. Tal constatação só nos evidencia os desafios que precisam ser enfrentados no contexto atual. É preciso mais que nunca que fortaleçamos, nesse momento de retrocesso social, as nossas capacidades críticas de mobilização e articulação das (e com as) camadas populares e suas demandas sociais imediatas e históricas; que evidenciemos e denunciemos as profundas contradições desse sistema, na perspectiva de questionamento da ordem dominante e enfrentamento da barbárie. Pois, se, contraditoriamente, por um lado esta realidade representa a obstrução dos processos de construção da consciência política dos sujeitos sociais e ao mesmo tempo a ratificação do sistema capitalista, por outro, contribui com a tendência de exaustão da capacidade de reprodução social do capitalismo. O processo de barbarização da vida social em curso poderá nutrir os germes da destruição do sistema vigente. E é nessa perspectiva que as contradições devem ser exploradas no movimento da vida real. Pois o tempo potencialmente emancipatório, não se aparta da ação social e Somente aqueles que têm um interesse vital na instituição de uma ordem social positivamente sustentável e, assim, em assegurar a sobrevivência da humanidade, podem realmente apreciar a importância do tempo histórico nessa conjuntura crítica do desenvolvimento social. (MÉSZÁROS, 2007, p.23). A história já demonstrou que a transformação social é obra de forças sociais vivas, de conflitos expressos nas dimensões objetiva e espiritual. O movimento de superação dessa sociabilidade demanda, das forças sociais, a formação de uma vontade coletiva hegemônica capaz de construir, nas relações sociais ainda vigentes, perspectivas concretas de transição para outra sociedade. Portanto, pensar a viabilidade do projeto profissional do Serviço Social brasileiro pressupõe refletir a intensidade da sua vinculação ao conjunto das lutas anticapitalistas que se processam no atual contexto sócio-histórico da sociedade do capital. Reconhecendo a importância dos movimentos históricos e conjunturais da 78 classe trabalhadora e priorizando a inserção política nas lutas que se abrem e evidenciam o caráter da dominação de classe e combatem a exploração e opressão humanas como características inerentes a totalidade das relações sociais burguesas. Aliás, a dimensão de classe é um aspecto fundamental que não pode ser relegado na luta política de nenhum movimento contrário as determinações do capital. E, neste exato sentido, cabe aos trabalhadores a incumbência de radicar a luta política pela construção de uma sociedade humanamente emancipada. Vale aqui lembrar que, para esta tarefa, tem o projeto do trabalho, no atual e hegemônico Projeto Ético Político Profissional do Serviço Social brasileiro, um aliado político histórico. Ressaltamos, nesse sentido, que a análise sobre a classe trabalhadora, no cenário contemporâneo, pressupõe entender fundamentalmente o seu processo de configuração e organização. Teceremos, na seção seguinte, algumas reflexões acerca dessas questões, através de uma breve análise sobre a organização do movimento sindical dos trabalhadores, na particularidade da sociedade brasileira contemporânea. 79 3. Trajetória histórica e respostas atuais para a organização sindical da classe trabalhadora no Brasil Nesta seção trataremos da trajetória histórica de organização sindical da classe trabalhadora no Brasil, contextualizando seu surgimento e os desafios atuais no contexto de hegemonia neoliberal. Nesse percurso, destacaremos o papel da CUT e da CONLUTAS no processo de organização dos trabalhadores brasileiros, na conjuntura recente. 3.1 Movimento sindical no Brasil: trajetória histórica e desafios atuais Não é possível tratar do sindicalismo no Brasil, sem levar em consideração a particularidade das condições histórico-culturais que configuraram o modelo de desenvolvimento capitalista neste país. Sobre esse aspecto, é importante destacar que a integração do Brasil ao capitalismo internacional ocorreu de forma subordinada e hiper tardia e que o papel desempenhado pelo Estado brasileiro, nesse processo, engendrou um modelo de desenvolvimento extremamente concentrador e excludente (DURANS, 2006). O desenvolvimento do capitalismo, no Brasil, difere do modelo “clássico”. Já em sua origem, apresenta a combinação de formas não-capitalistas de produção, associadas ao grande capital internacional. A passagem da fase mercantil, agroexportadora, para a fase de industrialização nacional traz a marca da “modernização conservadora” definida por Fernandes (1977), (MOURA, 2008). Os primeiros passos da organização sindical da classe trabalhadora, neste país, datam da primeira metade do século XX, sendo influenciados pela tendência anarco-sindicalista, oriunda da experiência da luta de trabalhadores estrangeiros. O país só poderia ter um proletariado significativo, influente, se a industrialização 80 avançasse, e isso dependia, fundamentalmente, da abolição do sistema baseado na exploração do trabalho escravo. Com o fim da escravidão, em 1888, o caminho para o crescimento gradual de estabelecimentos industriais estava aberto. Segundo Konder (2003), neste período, esboçou-se um tímido surto de industrialização e, aos poucos, multiplicaram-se os grupos de trabalhadores, os embriões das futuras organizações sindicais. No contexto da Velha República, que teve início em 1889, o movimento operário nascente se mostrava sensível a idéia do progresso pela via da industrialização. No entanto, a luta dos trabalhadores, nesse período era tida como caso de polícia e as organizações da classe operária se formavam na clandestinidade. Somente, a partir da década de 1930, é que o Estado passa a reconhecer as organizações dos trabalhadores. No entanto, isso ocorre, a partir de uma intervenção direta na estrutura dos sindicatos trabalhistas, determinando o atrelamento destes ao Estado, o que implicou o cerceamento da liberdade e autonomia no processo de organização política dos trabalhadores. Os sindicatos eram constituídos numa perspectiva de colaboração e cooperação com o Estado, para manutenção do equilíbrio e da ordem social dominantes. Devido às pressões do movimento operário, o governo Vargas 64, para manter a sua política conciliatória, se viu obrigado a ceder a algumas das reivindicações da luta dos trabalhadores. No entanto, não hesitou em avançar no plano de intervenção a organização dos sindicatos. Para as pretensões do Estado brasileiro, nesse momento, era preciso aniquilar o movimento sindical livre e autônomo existente, influenciado, de início, pelo anarco-sindicalismo e, posteriormente, pelos comunistas. Objetivando extinguir a mobilização sindical combativa, determinou a integração destas ao Estado, a partir da instituição da legalidade de registros, criando uma modalidade de controle e uma nova estruturação (heteronômica) sindical, que se expressou através de sindicatos 64 Por meio de um golpe militar, realizado em 1930, Getúlio Vargas chegou a Presidência da República do Brasil, ocupando o cargo por 15 anos ininterruptos (1930-1945). A Era Vargas (denominação dada ao seu governo nesse período), foi marcada por grandes mudanças sócio-econômicas e políticas na realidade do país, cujos resquícios perduram até hoje. São casos ilustrativos a instituição da lei de sindicalização; a legislação trabalhista, cujo marco foi o estabelecimento da Consolidação das leis trabalhistas (CLT) e; a adoção de uma política social de cunho populista, utilizada em benefício da sua governança ditatorial, iniciada com a criação do Estado Novo, em 1937. Os mesmos meios, pelos quais, Getúlio conquistou o poder, o perdeu. Sua deposição foi realizada por meio de um golpe militar no final de 1945. Getúlio voltou a ocupar o cargo de Presidente da República anos mais tarde, mas dessa vez, através de eleições democráticas, em 1951. 81 de gaveta e carimbo, que não possuíam nenhuma representatividade junto aos trabalhadores. Quando o governo Vargas impôs esta estrutura de organização, tinha o objetivo de reduzir as greves e organizar os trabalhadores de acordo com as necessidades da produção e da política econômica assumida pelo Estado. Nesse sentido, o tripé da estrutura oficial consistia, fundamentalmente, na concepção de colaboração com o Estado e com os patrões; eliminação da independência da organização sindical em relação ao Estado; construção de representatividades sindicais baseadas na formação de cúpulas e apartadas dos trabalhadores da base. Com bastante habilidade, Vargas fortaleceu o Estado não só em sua relação com os trabalhadores sindicalizados, mas também em sua relação com os empresários. Fazendo concessões aos primeiros, ele nem por isso contrariava os interesses fundamentais dos segundos65 (KONDER, 2003). O Estado brasileiro cumpriu papel crucial no processo de industrialização do país, por isso atendeu a reivindicações históricas da classe trabalhadora, estabelecendo uma relação dialógica com alguns setores, inaugurando o que foi denominado, por vários autores, de “política populista” (DURANS, 2006). Nesse sentido, o Estado Varguista implementou um conjunto de políticas objetivando regulamentar a relação capital/trabalho, controlando a luta dos trabalhadores, por meio da criação de mecanismos de controle (o Ministério do Trabalho, por exemplo), que visava conter a classe operária, por meio de uma política de conciliação entre o capital e o trabalho66. Desta forma, permitia a representação dos trabalhadores, junto ao governo e ao patronato, apenas aos sindicatos oficiais, credenciados pelos órgãos de controle 65 A intervenção do Estado burguês nas relações entre as classes sociais possui dimensões muito contraditórias. As políticas sociais realizadas pelo Estado, por exemplo, desempenham um papel eminentemente complexo e contraditório em relação aos interesses das classes sociais. É evidente que a complexidade dessa questão ganha novas configurações conforme as particularidades do tempo histórico, no que diz respeito ao estágio de desenvolvimento do capital e suas estratégias de acumulação; a luta de classes; e ao papel interventivo do Estado. O ataque ideológico que o pensamento dominante vem dispensando contra os direitos e as políticas sociais, na atualidade, é empreendido para reverter a formação social capitalista do período de expansão econômica, no pós segunda guerra. Em síntese, as contradições sociais não podem ser compreendidas apenas do ponto de vista moral, ou propriamente ideológico, mas fundamentalmente, a partir da economia política. 66 Lopez (1988) destaca que as leis trabalhistas, promulgadas neste período, eram leis de harmonia social, que expressam a idéia de que a supressão do embate das classes sociais dependia de uma legislação social que incorporasse o equilíbrio dos interesses da coletividade, eliminando os antagonismos e ajustando os fatores econômicos. 82 estatal. Esse fato acabou por subverter, na perspectiva dos trabalhadores, o próprio sentido dos sindicatos como instrumento de luta. A reação de grande parte da classe operária, frente a esta realidade, foi subversivamente eclodida, a partir da intensificação do movimento grevista, que, atingindo importantes conquistas, fazia crescer as mobilizações das massas, frente às atrocidades imperialistas, que, crescentemente, instauravam-se no país. Mas, a contrareação, por parte do Estado, veio de forma imediata. Emergiu, através da adoção de medidas repressoras. Todas as manifestações combativas (que geralmente eram conduzidas pela perspectiva ideológica de esquerda) do movimento de trabalhadores foram brutalmente reprimidas (ANTUNES, 1981). [...] os governos dos países atrasados, que consideram inevitável ou mais proveitoso marchar lado a lado com capital estrangeiro, destroem as organizações operárias e implantam um regime mais ou menos totalitário. [...] a debilidade da burguesia nacional, a ausência de uma tradição de governo próprio, a pressão do capital estrangeiro e o crescimento relativamente rápido do proletariado cortam pela raiz toda possibilidade de um regime democrático estável (AGUENA, 2008, p. 202-203). Dentre outras medidas, o governo passou a proibir o desenvolvimento de atividades políticas e ideológicas no interior dos sindicatos; vetar a filiação a organizações sindicais internacionais; impedir a criação de organismos sindicais horizontais, como centrais sindicais que representam as bases de todos os sindicatos e negar o direito de sindicalização aos funcionários públicos. Este modelo de organização sindical perdurou em toda a Era Vargas (19301945), consolidando-se numa poderosa estratégia de manobras políticas das classes dominantes, no interior dos sindicatos, durante as décadas seguintes. O enfrentamento e a desestruturação desta lógica, só despontam na conjuntura do fim da década de 1970, a partir da construção do novo sindicalismo no Brasil. Da segunda metade dos anos 1950 até 1964, o país atravessou uma crise econômica que gerou dificuldades para a burguesia prosseguir no seu projeto de 83 desenvolvimento autônomo, em função da crise internacional e da pressão do movimento de massas, por reformas de base no país67, no início dos anos 1960. Na conjuntura dos anos 1960, o Brasil vivenciou a efervescência da luta de segmentos de trabalhadores, através de sindicatos (que controlados, principalmente, por trabalhistas e comunistas, mantinham-se fiéis ao esquema populista, no entanto, buscavam atuar com relativa independência, sem atrelamento aos velhos pelegos) e outras expressões de movimento social, que, orientados pelo afã de uma transformação na sociedade brasileira, lutavam pelas reformas estruturais (a partir da intervenção) do Estado. Tal movimento se derruiu com o advento do golpe militar, em 1964. No cenário internacional, predominava, nessa época, a bipolarização do poder político-econômico, com a guerra fria entre as então, potências mundiais, Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que representavam os sistemas sócio-político-econômico-ideológicos, respectivamente capitalismo e socialismo. Entretanto, essa realidade não impediu que a internacionalização do capital desse passos largos, de forma contrária a estagnação das experiências socialistas. O avanço do processo de internacionalização do capital possibilitara a expansão das multinacionais e do comércio no mundo capitalista, conseguindo, inclusive, atingir, a partir da instalação de empresas multinacionais, uma expressiva liderança industrial no Brasil (BRUM, 1998). Esta realidade provocou importantes transformações na divisão social do trabalho, através da ampliação de segmentos de trabalhadores industriais, refletindo num maior desenvolvimento no país de atividades terciárias e da formação de novos segmentos de empregados assalariados. “Essas inflexões alteraram a consciência das classes trabalhadoras, enfraquecendo o domínio ideológico que as classes dominantes tinham sobre as subordinadas” (BRUM, 1998, p. 262). Como o capital estrangeiro não importa operários, mas proletariza a população nativa, o proletariado nacional 67 Os setores da esquerda progressista da sociedade brasileira propugnavam, neste contexto, a implementação das Reformas de Base, como imperativo da consciência nacional para retirar o país do atraso e subdesenvolvimento. Na verdade, as reformas de base constituiam um conjunto de medidas econômicas e sociais de caráter nacionalista constituintes do plano econômico do então presidente João Goulart. Embora não intencionassem implantar o socialismo no Brasil, objetivavam, além da modernização do capitalismo, a redução das desigualdades sociais do país, a partir da intervenção direta do Estado na economia. Sobre isso confira (BRUM,1998). 84 começou, muito rapidamente, a desempenhar o papel mais importante na vida nacional. Nesse sentido, a irrupção da luta de classe, no interior dos sindicatos, fez com que o operariado emergisse como força autônoma, com posição própria e mais independente, o que levou a maioria do empresariado nacional a abandonar sua aliança com esse segmento e a aliar-se com o setor multinacional da economia. A posição nacionalista-estatizante do governo Goulart68 e a emergência política da luta dos trabalhadores preocupavam o empresariado e os setores conservadores. A despeito de preconizar as reformas de base no país, o presidente Goulart não tinha suficiente credibilidade aos olhos da esquerda em geral, e, além disso, irritava as forças de centro e de direita. De acordo com Brum (1998), dois aspectos importantes podem ser destacados, como principais motivos para os acontecimentos, ocorridos neste período (de radicalização das posições de esquerda e direita), quais sejam: a fraqueza dos setores de esquerda, da organização popular e a deterioração do quadro políticopartidário. Argumenta que as classes populares encontravam-se num estágio, ainda embrionário de organização e articulação, que existia muito mais quantidade do que força orgânica articulada, com pouca consistência e representatividade; emergiam e buscavam ocupar seu espaço, mas não tinham condições de respaldar um projeto político global. Os conflitos entre os interesses de classes contraditórias, explícitos no contexto dos anos 1960, arrefeceram-se devido ao esquema da contra-revolução preventiva, culminada pelo golpe militar, em 1964, montado pelo conluio entre segmentos da classe dominante nacional e o capital estrangeiro, mais precisamente, norte-americano. A política industrial, fixada pelos governos militares, aprofundou a dependência do país ao capital internacional. Nesse período, a classe trabalhadora cresceu de cerca de 7,7 milhões para um contingente de 14,3 milhões, centrada no sul e sudeste do país. A ditadura utilizou todos os métodos da era Vargas para controlar a 68 João Goulart foi por duas eleições consecutivas eleito a vice-presidente da República do Brasil, em ambos os pleitos foi candidato pelo PTB. Nas eleições de 1955, concorreu a vice de Kubitschek na chapa de coligação entre o Partido Trabalhista Brasileiro e o Partido Social Democrático, respectivamente PTB/PSD. Nas eleições de 1960 foi candidato pela chapa de oposição ao Presidente eleito Jânio Quadros (Partido Democrata Cristão - PDS). Nessa época as eleições para presidente e vice aconteciam separadamente. Goulart veio a se tornar Presidente quando da renúncia de Jânio Quadros em 1961. João Goulart foi deposto do cargo pelo golpe militar de 1964. 85 ação sindical dos trabalhadores, aperfeiçoando-os e combinando com a repressão. A censura ditatorial dos governos militares repreendeu todas as tentativas de resistência - ao modelo sócio-econômico e político-ideológico instaurado - manifestadas pela sociedade, através das instituições orgânicas de representação de classe, como os sindicatos de trabalhadores, (muitos foram fechados, com o direito de greve suspenso); partidos políticos, ou por meio da organização de outros segmentos (intelectuais e estudantes, principalmente) progressistas da sociedade. As atuações políticas dos setores progressistas voltaram, nesse período, para o anonimato e os sujeitos militantes dos movimentos sociais passaram a agir na clandestinidade, pois todas as formas de resistência eram tratadas, pelo regime, como caso de polícia. O revigoramento da organização política da classe trabalhadora brasileira ocorre somente no contexto de decadência do regime militar, por volta de 1979. As greves e manifestações, iniciadas nesse período, revitalizaram a ofensiva da classe trabalhadora, em torno das lutas em defesa da reposição das perdas salariais e das bandeiras democráticas no Brasil. A deflagração do novo sindicalismo, nessa época, como movimento político radicalmente subversivo, afirmava a participação de base e a luta por direitos, iniciando um amplo e vigoroso processo de mobilização de amplos segmentos de trabalhadores. O novo sindicalismo transformou-se, ao longo da década de 1980, num importante processo político de organização dos trabalhadores brasileiros, conseguindo incorporar nas lutas sindicais e, naquelas de cunho político mais amplo, vastos contingentes de trabalhadores de todos os ramos de atividades e categorias profissionais. A mobilização política de vários segmentos de trabalhadores, do campo de esquerda, foi de fundamental importância no processo de construção da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983. Em meio a uma conjuntura de intensas lutas e mobilizações, diante de debates estratégicos sobre os rumos do país, afirmava-se a necessidade de apoio a construção de uma ferramenta política dos trabalhadores e essa ferramenta foi o Partido dos trabalhadores (PT). No início dos anos 1980 a formação do PT, constituiuse como uma nova experiência de partido de massa, com referência socialista. Com grande participação da intelectualidade de esquerda, e tendo como base social um 86 movimento operário em ascensão, em meio a luta contra a vigorosa intervenção política nas lutas progressistas da população brasileira, o PT foi determinante na formação da CUT (MOURA, 2008). Pode-se dizer que as fronteiras entre os militantes do PT e da CUT, além da ampla maioria dos movimentos sociais e populares, que retomavam suas ações ou se constituíam no pós-ditadura, não estavam claramente definidas. Naquele contexto, o PT expressava o movimento de massa, o conjunto dos trabalhadores, que em geral não estavam ligados aos partidos comunistas. A formação do PT foi de fundamental importância, mas ao mesmo tempo insuficiente para consolidar hegemonicamente um projeto estratégico socialista e revolucionário (MOURA, 2008). A candidatura de Lula nas eleições de 1989, apoiada pelo PT, representou, naquele momento, um projeto alternativo e radicalizado. Seu programa político eleitoral expressava, objetivamente, o vigoroso movimento dos trabalhadores iniciado a dez anos. Mas, a vitória de Fernando Collor de Mello representou a derrota das forças progressistas dos trabalhadores organizadas na sociedade civil. No início dos anos 199069, o projeto neoliberal ganhou fôlego no Brasil e as conseqüências da nova realidade foram e continuam claras, basta observarmos como a esquerda, de um modo geral, foi empurrada a um debate marcado pelo compasso da agenda neoliberal. Cada vez mais, setores do movimento sindical brasileiro incorporaram as teses gestadas pelos intelectuais orgânicos da burguesia (MOURA, 2008). Na concepção de Moura (2008), a nova ofensiva capitalista deixou o movimento dos trabalhadores, partidos de caráter socialista e os sindicatos cutistas a frente de duas perspectivas: enfrentar-se com as estratégias do capital articulando novos métodos de luta e reformulando um programa anticapitalista, ou buscar negociar, pontualmente, na tentativa de defender conquistas e direitos isoladamente. A rigor seriam essas as perspectivas nas quais as organizações representativas dos trabalhadores encaminhariam as suas lutas. Aparentemente a 69 Os impactos da globalização, incididos na estrutura sindical brasileira, se deram num momento posterior ao dos países centrais do capital. Isso se deve, a um conjunto de fatores de ordem sócio-econômico-política, peculiares à realidade de cada país, sobretudo, ao fato de o sindicalismo nos países periféricos ser oriundo do período da industrialização tardia. As transformações no mundo do trabalho foram experiências efetivadas, inicialmente, no contexto das experiências capitalistas avançadas, só depois, entraram num processo de mundialização. 87 primeira perspectiva, seria do ponto de vista político, mais estratégica e compatível com a defesa dos interesses históricos da classe trabalhadora. Contudo, a experiência histórica vem nos mostrando um processo de profunda descaracterização dos projetos anticapitalistas, e nesse aspecto, é importante atentar para o significado do que seria a reformulação do projeto anticapitalista. É fundamental observar em qual direção esta “reformulação” é concebida, se numa perspectiva de ruptura com a ordem ou com as lutas que apontam para a necessidade de superação da ordem capitalista. A segunda perspectiva apontada é, no final das contas, uma tentativa inócua de preservação de emprego, salário e direitos, numa sociedade que, pelas suas determinações, é incapaz de oferecer ou permitir que todas as pessoas tenham acesso a essas condições. Ambas, as perspectivas apresentadas pelo autor seriam, noutras palavras, formas de resignação ante as determinações do capital, que gera um arrefecimento concreto na ação combativa das lutas sociais. A concepção marxiana, sobre os limites das lutas em da defesa dos salários, nos ajuda a refletir melhor essa problemática. Conforme Aguena (2008), Em salário preço e lucro, [Marx] alerta que os operários não podiam cair na armadilha de superestimá-las [as lutas em defesa do salário], porque elas se dirigiam contra os efeitos e não contra as causas que levavam à queda dos salários, ou melhor, o próprio sistema de exploração capitalista baseado na busca do lucro. Se bem que as lutas em defesa dos salários serviam para refrear o movimento descendente da baixa salarial, elas não alteravam seu curso geral. Ou seja, a pressão permanente por rebaixamento salarial era imposta, em última instância, pela própria necessidade dos capitalistas manterem seus lucros sobre o fogo cruzado da crescente concorrência entre eles. [...] Assim, as lutas da classe operária, se ficassem restritas à lógica da melhoria do sistema assalariado, ou seja, ao sistema sobre o qual se apóia a exploração capitalista, se encontrariam presas num círculo vicioso. Por isso defender que os operários, ao invés de lutarem sob a palavra de ordem „um salário justo por um dia de trabalho justo‟ deviam lutar pela palavra de ordem revolucionária „abolição do trabalho assalariado‟. Logicamente, isso não significava desprezar e subestimar a importância da luta econômica, mas alertar que seria um erro fazer dela um fim em si mesmo (p. 14). Considerando a materialização dessas perspectivas, do ponto de vista do movimento sindical, observamos que, grande parte das entidades sindicais, na medida em que foi se afastando de propósitos universalizantes e radicalmente emancipatórios, 88 se edulcoraram, através das práticas de corrupção e sedução de estratos sindicais dirigentes; das incorporações subalternas de uma franja de gestores sindicais aos papéis de gestores de fundo de porte internacional e da adoção de estratégias de trabalho de cunho “participativo”, “responsável” (FONTES, 2008). Nesses últimos vinte anos, o sindicalismo brasileiro vem passando por uma crise política que tem abatido a força subversiva dos seus setores mais progressistas e radicais. As alterações são bastante complexas e comprometem, sobremaneira, o seu perfil e as suas estratégias. As inflexões políticas, ocorridas no interior do movimento sindical brasileiro, só podem ser compreendidas se não perdermos de vista a totalidade das determinações sócio-econômicas e ideo-políticas suscitadas pelas mudanças ocorridas no mundo do trabalho, no contexto social recente. E as mudanças no horizonte político da maior central sindical do país, (a CUT), são emblemáticas nesse atual processo de crise política vivenciado pelo movimento das entidades coletivas dos trabalhadores. 3.2 O papel político da CUT na organização da classe trabalhadora brasileira A fundação da CUT, em 1983, foi um marco na história da organização sindical deste país. Bem mais que expressão de ruptura com a tendência defendida pelas confederações e federações sindicais atreladas aos governos militares - uma herança histórica da ditadura de Vargas, de inspiração fascista - a CUT foi, acima de tudo, uma organização sindical que imprimiu verdadeiro sentido de classe para as lutas das diversas categorias que estavam, naquele momento, mobilizadas. Como vimos, a fase áurea da CUT data do início dos anos 1980. A CUT nasce e se consolida como a maior central sindical do país, com uma trajetória política caracterizada pela incorporação das reivindicações dos trabalhadores, combatividade incisiva na defesa da classe e dos seus projetos imediatos, mediatos e estratégicos, relativos à construção de outra ordem societária. Nessa época, a CUT era, em síntese, uma entidade autônoma, classista e democrática (AMARAL 2009). 89 Antes da criação da CUT, os trabalhadores fundaram o PT, em 1980, como expressão da reorganização político-partidária dos trabalhadores, nesse período. Ambas as estruturas se constituíram, durante mais de vinte anos, um só pólo de articulação política de setores progressistas e mais combativos da sociedade brasileira. Nessa esteira histórica dos anos 1980, várias outras organizações sociais desencadearam-se nas cidades e no campo, em função das demandas que a crise econômica colocou para a classe trabalhadora. As lutas pela redemocratização deixaram o legado de fortes movimentos sociais, que, durante a década de 1990, adiaram, ou pelo menos, amenizaram a plena realização do neoliberalismo entre nós (BRAZ, 2007). No entanto, o projeto democrático popular, defendido pela CUT, PT e demais organizações dos trabalhadores, começou a se exaurir já no início dos anos 1990, demonstrando uma profunda crise no final desta década. Esse período foi demarcado uma verdadeira conversão nas estratégias de atuação política dos trabalhadores brasileiros. Notadamente, a luta sindical foi uma das esferas que sofreu maiores rebatimentos, sobretudo nos setores mais organizados e ativos, representados, em âmbito nacional, pela CUT. A despeito da importância do seu legado histórico, o novo sindicalismo apresentou, desde o início dos anos 1990, insofismáveis sinais de impotência e incapacidade de combater os sucessivos ataques que a política neoliberal dispensou e continua dispensando ao conjunto da classe trabalhadora deste país. A força organicamente estruturada em torno das lutas que compuseram o novo sindicalismo, não se mostrou capaz de sobrepor-se as ofensivas do capital, e com condições de garantir o direcionamento crítico das suas práticas políticas anteriores. Na realidade, o processo de expansão da reestruturação produtiva junto a ofensiva neoliberal detonou com as formas de organização dos trabalhadores, assimiladas pelo novo sindicalismo e pelo conjunto das lutas populares, nos anos 1980. Mas, a redução da capacidade de resistência dos trabalhadores, só pode ser compreendida se considerarmos os novos mecanismos de reprodução do capital e os seus rebatimentos sócio-econômicos e ideo-políticos para o processo de reorganização que a classe trabalhadora brasileira vivia naquele momento. 90 Ora, o período que antecedeu a ofensiva capitalista foi marcado por um processo de grandes expectativas políticas e sociais, por parte dos setores da esquerda nacional. Grande parte da classe trabalhadora estava politicamente fortalecida e organizada em torno de um projeto democrático-popular, materializado nas lutas pelos direitos sociais e trabalhistas, desembocados no processo da constituinte e nas disputas eleitorais, em 1989. A despeito da política econômica recessiva e inflacionária, os índices de desemprego eram relativamente baixos se comparados ao período posterior. Do ponto de vista macroeconômico Cardoso (2003, p. 42), afirma que “as coisas viraram de cabeça para baixo na década de 1990”. Em lugar de inflação crescente, as taxas caíram de 40% ao mês, em 1994, chegando a ficar abaixo de 2% em 1998. Em compensação, as taxas médias de desemprego aberto explodiram de 4% em 1990 para 8% no final da década, enquanto a indústria perdia quase 2 milhões de empregos formais em virtude da reestruturação econômica com liberalização dos mercados. Ademais, a privatização de empresas estatais erodiu as bases sociais de alguns sindicatos mais fortes do país, muitos dos quais filiados a CUT. E o mercado formal de trabalho encolheu de 56% para 42% no período, reduzindo as bases estruturais das quais partia a constituição da organização política da classe trabalhadora. Em resumidas contas, as condições favoráveis de alta inflação e baixo desemprego foram substituídas por baixa inflação com alto desemprego e informalidade, introduzindo um componente de insegurança no trabalho, no emprego e na renda, reduzindo a propensão da classe trabalhadora a ação coletiva. Nesse processo, os ataques, sofridos pelo projeto da classe trabalhadora evidenciaram um contexto bastante difícil em todas as dimensões, sobretudo, em nível de consciência política de classe. É insofismável o recuo e a quietude dos trabalhadores diante às determinações impostas pelo bloco dominante, principalmente, se comparamos com outros períodos históricos nos quais o embate da luta de classes era mais tangível. Observa-se, neste sentido, no âmbito do movimento sindical, bem como dos movimentos populares como um todo, um grande refluxo das lutas combativas e reivindicativas, “acionado diante do modelo e da política de 91 desenvolvimento pró-monopolista, pró-imperialista e pró-latifundiário das décadas passadas” (BOITO JÚNIOR, 1999, p 72). Diante da crise no mundo do trabalho, os sindicatos (representados pela CUT, em especial) sentiram-se acuados com a redução dos quadros de filiação e com as sucessivas derrotas nas empreitadas pelas garantias trabalhistas. Frente a um contexto de profundos ataques, as direções sindicais não tardaram a buscar negociações com o segmento empregador e com o governo. Na verdade, o sindicalismo propositivo tem se intensificado bastante nas dimensões das propostas e negociações, o que, acabou por desenvolver práticas corporativistas e separatistas, resultando no profundo insulamento das lutas coletivas mais gerais do conjunto da classe trabalhadora. Ademais, o declínio de atividades grevistas, a diminuição do número de filiados e a afirmação, entre as direções sindicais, da tendência a moderação da luta em contraposição a postura combativa do sindicalismo dos anos 198070 são características incontornáveis da derrocada do novo sindicalismo. A perspectiva política, adotada por ampla maioria dos sindicatos nos anos 1990, baseada no sindicalismo de resultados tem seu baluarte ancorado na defesa de maiores chances de consecuções, quando as negociações e acordos relacionados as condições de trabalho e salarial, são feitos diretamente com o patronato, sem a interferência do Estado. Assim, os sindicatos filiados a essa tendência predominante acabam por defender, nas negociações coletivas de trabalho, propostas como: a defesa do contrato coletivo de trabalho; participação nas câmaras setoriais e negociação dos bancos de horas (flexibilização da jornada semanal de trabalho, de acordo com as necessidades da empresa, prejudicando a vida pessoal e familiar do trabalhador) (BOITO JÚNIOR, 1999). As recentes mudanças no padrão de relações de trabalho no Brasil foram introduzidas, a partir da inserção do país no processo de mundialização do capital, através de intensas políticas de liberalização e privatização da economia, iniciadas no governo Collor. Mas, o estabelecimento de um debate nacional entre representantes do 70 Segundo Boito Júnior (1999) o marco inicial dessa mudança foi a IV Plenária Nacional da CUT, em agosto de 1990, na qual a CUT lançou e fez aprovar a idéia de um sindicalismo propositivo. Segundo essa proposta a central deveria ir além da postura exclusivamente reivindicativa e passar a elaborar propostas políticas a serem apresentadas e negociadas em fóruns que reunissem os sindicatos, o governo e o empresariado. 92 Estado, dos trabalhadores, dos empresários e da sociedade civil, foi, na verdade, uma iniciativa do Governo Itamar Franco71. Desse debate resultaram tendências que defendiam a elaboração de um contrato coletivo nacional; a reforma global defendida pelas centrais sindicais e pelo pensamento das bases empresariais, que referenciadas nos termos da Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) defendia a perspectiva da democratização das relações de trabalho; de outro lado na defesa da desregulamentação reuniam-se o pólo das entidades empresariais, que primando pela produtividade e competitividade, advogavam pela redução dos custos do trabalho, através da prevalência do negociado sobre o legislado (OLIVEIRA, 2005a). Na Era FHC o debate público foi suspenso, prevalecendo medidas unilaterais em favor da desregulamentação72. A partir de 1994, já no início do governo FHC, as medidas governamentais adotadas alteraram, pontualmente, a normatização das relações de trabalho no país. Destacaram-se: A nova lei de cooperativas, desresponsabilizando-as do cumprimento dos direitos trabalhistas; a denúncia da convenção 158 da [Organização Internacional do Trabalho] OIT, facilitando a demissão imotivada, a possibilidade da suspensão temporária do contato de trabalho; a eliminação da política de reajuste salarial através do Estado; a instituição do trabalho temporário, do trabalho por tempo determinado, do trabalho parcial, da participação nos lucros e resultados (estimulando a remuneração variável e a 73 negociação por empresa ), o Banco de Horas (possibilitando ao empregador ajustar a jornada de trabalhado às flutuações da produção); a criação das Comissões de Conciliação Prévia, que tem dificultado o acesso aos trabalhadores à justiça do trabalho (KREIN, 2001, apud OLIVEIRA, 2005a, p. 48). Nessa mesma perspectiva, a análise de Gomes et al (1999), sobre o pacote da reforma sindical e trabalhista do governo FHC, aponta que o profundo retrocesso de suas premissas, diz respeito ao estabelecimento da pulverização sindical, que tem 71 Tornou-se Presidente da República do Brasil, quando do impeachmentem de Collor em 1992. Oliveira (2005a) lembra que, no Brasil, além do „estado social‟ instituído na Era Vargas havíamos chegado, na década de 1990, com uma trajetória de significativas conquistas sociais e políticas, expressas na Constituição de 1988, o que demonstra a profunda contradição desse período. 72 73 Os modelos de sindicalismo de negócio estadunidense e do sindicato por empresa japonês, por serem supostamente apolíticos, foram amplamente, considerados como exemplos de „bom sindicalismo‟ por parte dos neoliberais (TRÓPIA, 2009). 93 como objetivo o asfixiamento financeiro dos sindicatos, extinção do papel do Poder Judiciário Trabalhista de estabelecer melhores condições de trabalho, apesar de tê-lo mantido para garantir uma função policialesca de reprimir greves. O pacote determinara, também, o impedimento dos trabalhadores proporem, diretamente, reclamações contra os patrões. De acordo com os autores, o governo facilitou, significativamente, o processo de desregulamentação das relações de trabalho e precarização dos vínculos empregatícios, através de Medidas Provisórias. Estas imposições do bloco presente no poder, representado pelo governo federal, acabaram rendendo os trabalhadores. As formas de negociação, previstas nessas reformas, extinguiram a intervenção estatal na relação contratual de trabalho, e ampliaram o processo de desregulamentação das garantias protetivas do trabalho, previstas na legislação trabalhista e Constituição Federal, vigentes. No quadro inicial dessas mudanças mais gerais, no início do primeiro governo de FHC, uma das principais resistências do sindicalismo brasileiro teve expressão na greve dos petroleiros, no ano de 1995, que, a partir da articulação, em âmbito nacional, junto a outras categorias (telefônicos/as, eletricitários/as, funcionários/as das universidades federais e funcionários/as públicos/as federais) colocou, pela primeira vez, em xeque a política neoliberal no Brasil. Esta greve, sob o ponto de vista econômico, alentava-se pela indignação com a realidade da imposição de uma política salarial estagnada e decrescente. Apesar de todas as manifestações e o teor organizativo de resistência que a greve conseguiu atingir, o governo não tolerou a estratégia de organização e resistência da classe trabalhadora as imposições da sua política econômica. A intolerância fez evidenciar os limites da democracia política, a partir da ordenação, pelo governo federal, para ocupação de refinarias de petróleo, por tropas de militares blindadas, como forma de coibir as manifestações de greve dos petroleiros (LEUDEMANN, 1995). O governo utilizou-se de muitas artimanhas, permitidas pelo poder do que Gramsci chama de pequena política, lançando mão de expedientes os mais diversos, cortes de salários e articulando a justiça, a imprensa e amplas correntes de opinião para isolar e desmobilizar os grevistas, caracterizando-se numa grande repressão a 94 manifestação e a luta dos trabalhadores (CARVALHO, 1995). De forma altamente arbitrária, o governo demonstrou total incapacidade de “negociar”, ao menos, o conflito e as demandas que se colocaram no período, o que poderia representar, minimamente, uma atitude democrática. Sua posição, ou melhor, sua tática política, frente a situação, não poderia ser outra, senão, a de prezar pelo compromisso que assumiu com o capital internacional e com as classes dominantes do país. Afinal, o processo da neoliberalização do Estado brasileiro não permitiria a construção democrática de forças favoráveis ao trabalho, porque o neoliberalismo é incompatível com o senso de democracia, de direitos sociais e trabalhistas. Para a ideologia neoliberal, em nome da liberdade individual, da sobrevivência do mercado e da felicidade humana, as modernas corporações, notadamente os sindicatos e suas centrais, são inimigos a serem abatidos. Em geral, os governos neoliberais assumiram o poder combatendo, no plano ideológico e com políticas concretas, os sindicatos e as centrais sindicais que lhes fizeram oposição. Procuraram enfrentar a resistência dos trabalhadores quase sempre com a mesma estratégia: “desqualificação dos sindicatos, implementação de uma legislação antissindical e utilização da força policial para reprimir greves e protestos sociais” (TRÓPIA, 2009, p. 23). Ao lado disso, “a defesa dos direitos sociais passou a ser sistematicamente desqualificada como „corporativismo‟” (OLIVEIRA, 2005a, p. 48). Sob tais referências, as experiências das Câmaras Setoriais, assim como o Fórum Nacional sobre Contrato Coletivo e Relações de Trabalho, foram abortadas, a Reforma Trabalhista foi sendo implementada através de Medidas Provisórias e o sindicalismo converteu-se em alvo de ataques do governo federal e da Justiça do Trabalho (idem). De fato, “as forças de trabalho foram gradativamente erodidas na Era FHC, em parte como derivação da inserção na globalização e em parte como estratégia deliberada do grupo dominante” (OLIVEIRA, 2005b, p.98). As combinações entre as mudanças que foram sendo operadas no plano da produção e as acionadas pelo governo levaram a um quadro, crescentemente, desfavorável aos trabalhadores. 95 Os trabalhadores se viram encurralados por essa situação caótica, assim como suas entidades representativas e reivindicações históricas. Os sindicatos de um modo geral, em especial os setores mais combativos, articulados pela CUT, foram impelidos a “uma prática hesitante, às vezes contraditória, configurando, no geral, uma estratégia de conciliação com a política neoliberal [...]” (BOITO JÚNIOR, 1999 p. 142). As inflexões, nos rumos políticos da CUT, ganham expressão na mudança de análise da sociedade “posto que parte significativa da direção propõe uma aliança de classes fundada na ampliação e negociação de temas comuns, o que se traduziu em uma „agenda cidadã‟ para o movimento sindical” (AMARAL, 2009, p.115). A autora lembra que esta agenda sinaliza as profundas alterações nas relações produtivas, cujas evidências surpreenderam os trabalhadores, devido ao despreparo para o enfrentamento dos desafios cruciais. Para ela, as condições objetivas, também, não permitiram que o debate na Central pudesse ir além da política salarial. Nesse sentido, O caminho encontrado por suas direções foi o da ordem, o que era possível. Conseqüentemente, não houve qualquer ampliação das lutas, nem nos sindicatos nem sob o comando de suas centrais e tampouco no partido que representava o campo majoritário da entidade: o PT, que logo também se transformou no partido da ordem (AMARAL, 2009, p.115). Vale lembrar que a alteração do perfil político da CUT foi, intensivamente, reiterada, com o advento do governo petista. Embora contraditório, não nos parece nenhum devaneio, a idéia de que o governo Lula tenha representado uma grande ameaça a autonomia do movimento sindical brasileiro. A política conciliatória, desse governo, incidiu no âmbito da luta sindical com forte influência, o que resultou no fortalecimento de perspectivas capituladoras no sindicalismo, sobretudo no interior da CUT74. 74 Fazemos referência a CUT, não por ser a única central que esteja nesta situação de assujeitamento, muito pelo contrário nosso apontamento vem no sentido de identificar o transformismo político desta central (claramente perceptível a partir da discrepância entre aquilo que foi e o que hoje é, no que diz respeito aos modos de pensar e atuar) como retrocesso e desestímulo de luta enormes para o projeto do trabalho. Esta consideração se deve, justamente, ao significado que esta central teve no contexto de seu surgimento, expresso pelo nível de 96 Segundo Galvão (2006), a eleição de Lula modificou, profundamente, o cenário sindical brasileiro. Nas palavras da autora: [...] a opção do governo do PT em dar continuidade ao modelo neoliberal paralisou a capacidade de crítica de seus aliados, na medida em que o partido que faz oposição às reformas orientadas para o mercado acabou por assumilas (p. 148). A crescente tendência de ampliação, no PT, de políticas de alianças, associadas a moderação do conteúdo programático de seus projetos de governo resultou na coalizão nacional da chapa eleita nas eleições de 2002 75. Aliás, essa articulação consolidou a ultrapassagem daquela tendência, na medida em que a composição eleitoral e de governo transbordou do campo democrático e popular, demarcando uma inflexão sem precedente, na sua trajetória. “O gradativo deslocamento da originária centralidade da idéia de ruptura consuma-se na sua substituição por uma referência centrada nas idéias do pacto social 76 e de transição” (OLIVEIRA, 2005a, p. 50). Mas claro essa transição não ocorreu sem conflitos internos, tanto no PT quanto na CUT. Voltaremos a tratar sobre essa questão mais adiante. A eleição de Lula criou um novo campo de possibilidades para o retorno da perspectiva de democratização das relações de trabalho, que havia sido abortada pelo governo FHC e transformada em decisões isoladas e negociadas, através de Medidas Provisórias balconizadas no Congresso Nacional. Para o governo Lula a tentativa de um pacto social foi colocada como única maneira viável de enfrentar a enorme dívida social do país. Seria nesse sentido, “base social indispensável do projeto de um governo de coalizão nacional” (OLIVEIRA, 2005a, p. 51). representatividade (sustentado até hoje) que tornou legítima toda sua trajetória de lutas na defesa das teses do novo sindicalismo, especialmente das convicções socialistas. 75 A chapa eleita no pleito para a Presidência da República, de 2002, foi composta por Lula da Silva do PT, para Presidente e José Alencar do Partido Liberal (PL) para vice-presidente. 76 Segundo Oliveira (2005a), a idéia de pacto social já havia sido colocada na realidade política brasileira, mas sob outras circunstâncias. Quando da „transição pactuada‟ proposta pela Aliança Democrática que intentava negociação com os governos autoritários. E também com os governos Sarney e Collor, em situações de agravamento da crise social e política, mas claro, dessas partes não passou de encenação política. Do ponto de vista do campo democrático e popular, a noção de pacto representava uma indesejada atitude conciliatória, frente ao capital e ao governo, tido como ilegítimo. 97 Segundo este autor, para a classe trabalhadora, sob grandes expectativas diante do governo Lula, a idéia do pacto social constituiu-se numa oportunidade histórica de influir sobre os rumos do país, de modo a reverter os recentes processos de profunda ofensiva neoliberal. Vale lembrar que, no Brasil, a classe trabalhadora, em particular, acalentou, durante vinte anos, a idéia e a esperança de um dia eleger Lula presidente da República e, com isso, resolver os problemas da sociedade brasileira. Poderíamos, numa palavra, afirmar que o projeto político do PT durante esses últimos vinte anos foi este, eleger Lula Presidente da República (ALMEIDA, 2009). Nessa ambiência, o governo Lula buscou envolver a sociedade, em particular seus segmentos mais organizados, na constituição de espaços de concertação social77, inéditos no país, do tipo: O Conselho de Desenvolvimento Social e Econômico – CDES78; a Mesa Nacional de Negociação Permanente – MNNP79; e o Fórum Nacional do Trabalho – FNT80 (OLIVEIRA, 2005a). E, realmente, as primeiras tentativas do novo governo foram bem sucedidas. Nesse processo o governo sugeriu de imediato, como exigência contemporânea, a 77 A construção desses espaços de discussão política consistiu numa tentativa, por parte do governo, de apaziguamento, dos conflitos sociais existentes na sociedade brasileira. Na verdade, esta concertação social não passa de uma estratégia de cunho “neopopulista” do governo federal, para forjar um pacto social de harmonização/ integralização de interesses contraditórios, no âmbito das relações produtivas. O objetivo principal dessa iniciativa foi a construção de bases, política e economicamente sólidas para o desenvolvimento combinado e desigual do capital, na realidade brasileira, conforme as premissas neoliberais presentes na política econômica desse governo. 78 O CDES foi criado no ato de posse do governo Lula, com a função de “assessorar o Presidente da República na formulação de políticas e diretrizes específicas, voltadas a um novo contrato social” (OLIVEIRA, 2005a, p. 52). Desde a sua instalação o CDES discutiu e se posicionou sobre as reformas Previdenciária, Tributária, Sindical e Trabalhista, através da produção de cartas de concertação social. O Conselho foi composto por 11 representantes do Governo Federal e de 82 membros da sociedade civil com igual número de suplentes representados por segmentos empresarial, sindical intelectual e religioso. 79 Constituída em 2003 a MNNP foi composta por seis Ministérios e com previsão de até 18 entidades sindicais. O objetivo desse fórum foi de pautar a necessidade de um canal de negociação com os servidores. Foram adotadas como referências comuns: a recuperação dos salários; a adoção de uma política salarial permanente; a democratização das relações de trabalho; a valorização dos servidores públicos; a liberdade sindical. Foram criadas quatro comissões temáticas: de Política Salarial; de Direitos Sindicais e Negociação Coletiva; de reestruturação do Serviço Público e Diretrizes Gerais de Planos e Carreiras; e de Seguridade Social. A MNNP sofreu certo desgaste no debate sobre a Reforma da Previdência Social, sobretudo nos aspectos que atingiam os servidores públicos. Ademais podem ser observados outros limites, a exemplo do caráter estatutário do regime de trabalho do servidor, de natureza unilateral; a política do governo de restituição orçamentária que repercute diretamente nas condições profissionais e salariais dos servidores públicos. E ainda, pelo motivo de as possibilidades da MNNP dependerem dos desdobramentos do FNT (OLIVEIRA, 2005a). 80 O FNT foi lançado em julho de 2003, com o intuito de tornar-se a grande mesa de concertação nacional entre trabalhadores, empresários e governo, para atualizar a legislação sindical e trabalhista por via da negociação e não da imposição. Seus principais objetivos foram: democratizar as relações do trabalho por meio da adoção de um modelo de organização sindical baseado em liberdade e autonomia; atualizar a legislação do trabalho, tornando-a mais compatível com as novas exigências do desenvolvimento nacional; estimular o diálogo e o tripartismo e assegurar a justiça social no âmbito das leis trabalhistas, da solução de conflitos e das garantias sindicais (OLIVEIRA, 2005a). 98 necessidade de adequação da legislação trabalhista ao momento que vivemos marcado pela crescente informalidade e, associado a isso, pela perda de representatividade dos sindicatos,- propondo que a melhor solução resultará da convivência democrática entre trabalhadores e empresários. De acordo com Oliveira (2005a), o presidente recomendou que o sindicalismo extrapolasse os limites do corporativismo, passando a encarar o trabalhador como um cidadão que “tem direito a outras coisas” (grifo nosso), deixando de fazer um discurso apenas contra o empregador. A posição do governo situou-se, contraditoriamente, entre compromissos históricos do seu núcleo petista e sindicalista de um lado, e os compromissos do programa que instituiu com sua base aliada, de outro. A partir do “seu próprio cacife, representado pelo PT, Lula tenta a formação de um consenso pela agregação de interesses do caleidoscópio” (OLIVEIRA, 2005b, p.97). Como estratégia principal de compatibilização de tendências tão conflitantes elegeu o diálogo social, particularmente no que se refere a Reforma Trabalhista e Sindical. Quanto aos empresários, desde o início da década de 1990, tem sido evidente sua posição amplamente favorável a flexibilização da legislação trabalhista. Justificam-se, publicamente, com a argumentação de que os encargos trabalhistas são elevados e favorecem a informalidade do mercado. Com relação as centrais sindicais, há percepções diferenciadas sobre o tema da flexibilização. A CUT, por exemplo, não se contrapôs as reformas na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), mas ao projeto de Lei no 5.48381 que propõe alterações ao artigo 618 da CLT, cuja disposição regulamenta o processo de contratação e convenção coletivas de trabalho. De todo esse processo há uma constatação importante: havia no momento de criação do FNT, mesmo com tantas diferenças e divergências, uma percepção comum sobre a necessidade permanente de mudanças na legislação trabalhista. O problema foi a direção na qual essas mudanças se processaram. No âmbito das discussões sobre a reforma sindical e trabalhista definiram-se pontos polêmicos e consensuais. No que concerne a organização sindical foram 81 Este Projeto de Lei do governo FHC foi elaborado, a partir da impossibilidade de o governo alterar o artigo 7º da Constituição Federal, que o governo pretendia emendar com vista a flexibilizar os direitos sociais ali previstos. Este Projeto chegou a ser aprovado na Câmara Federal e tramitar no Senado no final do mandato de FHC. No governo Lula o projeto foi arquivado, a pedido do Presidente. 99 aprovadas as seguintes alterações: as organizações sindicais, de ambos os segmentos, serão reconhecidas, legalmente, através do critério da representação comprovada ou derivada; as centrais sindicais, assim como as confederações e federações independentes de trabalhadores e empregadores, terão que ser estruturadas a partir de sindicatos com representatividade comprovada; quanto aos sindicatos, só serão reconhecidos com representação comprovada; quanto a sustentação financeira, prevaleceu uma posição pró-extinção gradativa das formas compulsórias de contribuição, a partir da contribuição associativa de contribuição de regulação coletiva; para gerir o novo sistema de relações de trabalho, foi indicada a criação de um Conselho Nacional de Relações de Trabalho com atribuição de definir os ramos de atividade econômica e os critérios de enquadramento das organizações sindicais; as normas estatutárias para os sindicatos com exclusividade de representação. Sobre a negociação coletiva o debate convergiu para a proposta do contrato coletivo de trabalho, com seus instrumentos normativos gozando de reconhecimento jurídico. Em relação a composição de conflitos, prevaleceu a posição, ao final, de que, nos conflitos de interesses, a Justiça do Trabalho poderá atuar como árbitro público, por solicitação de ambas as partes e, nos casos em que não houver solução para o conflito,entrará em cena arbitragem pública compulsória. E, por último, sobre o direito de greve, em geral preservou-se o que rege a Constituição Federal, aparecendo polêmicas no ponto sobre a definição dos chamados serviços essenciais. No fim, a decisão encaminhada sobre esta questão, baseou-se na definição da OIT, que estabelece como serviços essenciais aqueles cuja interrupção puser em risco a vida, a saúde e a segurança da população. Para Almeida (2009), a reforma sindical e trabalhista possui, pelo menos, três esteios principais. O autor pontua em primeiro lugar a lógica da colaboração com o argumento de que a estrutura sindical tem que ser, na perspectiva do capital, organizada como um sistema de negociação e contratação, que visa simplesmente flexibilizar os direitos dos trabalhadores. Em segundo lugar, constata-se a necessidade de engessar a organização sindical, ante o grande problema da quantidade de sindicatos que se tem no Brasil, visto que Getúlio Vargas fragmentou os trabalhadores 100 para facilitar sua dominação. Mas, hoje, o caminho precisa ser invertido, isto é, do ponto de vista dos gestores neoliberais, é preciso concentrar o poder de negociação nas centrais, por exemplo, para facilitar a flexibilização de direitos. E por último, o terceiro esteio dessa proposta tem a ver com a coerção da luta social e a ação coletiva dos trabalhadores. Ora, a reforma sindical incide sobre a criação de mecanismos restringentes das estruturas representativas do trabalho. Assim, a tendência mais clara nesse processo é o cerceamento da autonomia de organização dos trabalhadores. O que acontece é que, nas instâncias de negociação, são acordadas, entre os trabalhadores e seus inimigos de classe, as formas de organização/representação legítimas daqueles na perspectiva de reconhecimento desses últimos. Em outros termos, consiste num ataque frontal a liberdade organizativa dos trabalhadores que descaracteriza o seu sentido mais elementar e imediato, isto é, a luta por melhores condições de vida e trabalho. Na análise de Almeida (2009), a reforma da organização sindical no Brasil era necessária do ponto de vista do governo e dos setores sindicais atrelados a ele, pela mesma razão defendida pelo governo de Getúlio, no início do século passado. De acordo com o autor, para sustentar e viabilizar a política econômica neoliberal, o governo necessitava estabelecer controle sobre a organização sindical. Passo a citá-lo: O Lula sabe melhor do que ninguém o papel que teve a luta do movimento sindical brasileiro na década de [1980] [...]. A greve dos servidores federais, ainda em 2003, demonstrou a ele, inclusive, que, se a política do governo seria essa, haveria resistência e luta, tal como houve contra o modelo do Getúlio Vargas em 1930. Por isso, ambos tinham que eliminar as condições dos trabalhadores lutarem (ALMEIDA, 2009, p. 74). Uma constatação que decorre desse processo é que, enquanto o imperialismo estrangeiro dominar o Estado nacional e puder contar com a ajuda de forças reacionárias internas para derrubar a instável democracia e substituí-la por imposições autocrático-burguesas, “a legislação sindical pode transformar-se facilmente numa ferramenta da ditadura imperialista” (AGUENAS, 2008p. 200). Nesse contexto de extrema ofensiva capitalista, além das reformas trabalhista e sindical a reforma previdenciária, também, consistiu num ataque frontal aos direitos e 101 interesses da classe trabalhadora, deste país. Para legitimar, socialmente, a defesa da reforma da previdência em 2003, o Governo Lula elegeu a necessidade de acabar com as diferenças entre os direitos consignados aos trabalhadores, sobretudo no que diz respeito à aposentadoria. Na esteira do discurso oficial era necessário acabar com os privilégios dos marajás, para poder garantir direitos aos trabalhadores mais vulnerabilizados. De acordo com Almeida (2009), em função disso, o Governo Lula propôs estabelecer o teto para a aposentadoria dos servidores, e regulamentar o fundo de aposentadoria complementar. Essencialmente, a reforma previa acabar com parte dos direitos previdenciários dos servidores públicos, para reduzir os custos que o Estado tinha com o pagamento das aposentadorias. A partir daí, seria possível “abrir o processo de privatização da previdência, com a regulamentação dos fundos de aposentadoria complementar, uma exigência dos bancos” (ALMEIDA, 2009, p. 71). O apelo presente na proposta do governo, em relação a reforma da previdência, não surtiu efeito concreto na situação real que a proposta, a priori, tentava corrigir. Os altos cargos e salários continuam existindo, assim como os trabalhos e atividades de baixíssimos rendimentos. Consubstancialmente, o que alterou-se, nesse processo, não foi a discrepância entre os privilégios e a diferenças entre os rendimentos dos trabalhadores, mas as facilidades de maior rentabilidade para o capital. E o discurso que, aparentemente, se colocava em favor dos trabalhadores precarizados, terminou por beneficiar os especuladores de capital. Forçar para baixo o teto para a aposentadoria e regulamentar o fundo de aposentadoria complementar, foram mudanças, fundamentalmente, danosas na perspectiva da ampliação de direitos da classe trabalhadora; e imprescindíveis para a expropriação especulativa. Ora, os fundos de aposentadoria alimentaram os lucros dos bancos, beneficiando diretamente os detentores parasitários de capital. Estruturada para atender aos interesses da regulação do mercado capitalista, esta reforma constituiu-se como uma das mais perversas alterações, sob o ponto de vista dos segmentos terceirizados, precarizados, especialmente, os de trabalho informal, que, no quadro do desemprego estrutural, são os mais vulnerabilizados, na dimensão da renda e, conseqüentemente, dos direitos do trabalho (BOSCHETTI e SALVADOR, 2006). 102 A resistência dos trabalhadores, frente a estas reformas, foi bastante fragmentada, sem muito respaldo político por parte da CUT ou de qualquer outra central sindical. Segundo Almeida (2009), a CUT saiu em defesa das propostas do governo, assumindo uma luta e um acordo com o governo em defesa do reajuste do salário mínimo. O governo preferiu realizar as reformar neoliberais, pela via da negociação, para que o processo de implementação da política neoliberal não transparecesse totalitário e, dessa forma, adquirir legitimidade política. Como sabemos o governo fez as suas escolhas políticas, e o cumprimento dessas medidas reformistas correspondeu, essencialmente, a garantia das condições político-econômicas atrativas para o investimento e exploração do capital estrangeiro. Nesta perspectiva, Galvão (2006) ressalta que, no governo de FHC, com todas as dificuldades e os abalos sofridos pelos sindicatos, a CUT, ainda, conseguira fazer críticas veementes ao governo e, de certo modo, resistir aos ataques de desregulamentação das relações de trabalho e ao processo de implementação das “reformas”. A CUT sempre foi um campo heterogêneo, mas, nesta época, conseguiu articular-se muito bem (internamente) no combate ao inimigo comum (neoliberalismo). No governo Lula, a conjuntura nos apresenta um dilema terrível: um governo liderado por um ex-líder sindical que dificulta a atuação dos sindicatos. Esse fato incidiu significativamente sobre o perfil político da CUT que, na nossa concepção retrocedeu consideravelmente. Como as expectativas de um governo anti-neoliberal foram fracassadas, a capacidade de resistência, por parte dessa central, também, entrou em declínio, o que não é novidade, considerando o abandono da perspectiva de confronto com o modelo econômico e com o conjunto da política neoliberal, desde o início dos anos 1990, quando se firmou a proposta de participação do sindicalismo cutista na definição da política governamental. No governo do PT, essa postura da central tem se intensificado, ainda mais. Pois: Os laços existentes tendência petista, de federal, têm afastado mesmo quando este entre a corrente majoritária da central e a principal onde provém Lula e os principais quadros do governo a CUT de manifestações e protestos contra o governo, ameaça direitos dos trabalhadores [...]. Apesar de se 103 declarar independente em relação ao governo, a central abre mão de conquistas, apresentando dificuldades para conservar-se de fato independente [...]. Assim, o sindicalismo cutista vem desempenhando, no governo Lula, papel 82 similar ao desempenhado pela FS até o penúltimo ano do governo Cardoso, pois, ao invés de organizar a resistência dos trabalhadores e mobilizá-los em defesa de seus direitos, procura conter manifestações contrárias ao governo, a fim de não prejudicar sua “governabilidade” (GALVÃO, 2006, p. 137). Não é nenhum exagero dizer que o transformismo da CUT serviu de reforço a deserção do campo mais abrangente da luta sindical, bem como, o abandono das lutas políticas mais gerais do movimento dos trabalhadores, junto a outros movimentos sociais que conformam o quadro democrático e popular brasileiro. A CUT nasceu defendendo os trabalhadores e lutando contra o imposto sindical e o atrelamento ao Estado. Hoje, contudo, os dirigentes da CUT têm cargo no governo, foram nomeados administradores de fundo de pensão e, por essa via, tornaram-se administradores de empresa. A CUT recebe subsídios financeiros do Estado, em convênio com o Ministério do Trabalho (graças aos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT). Segundo Almeida (2005), são milhões de reais que a CUT recebe do Estado, para se domesticar e servir as orientações e interesses políticos que gerem o Estado hoje. Essa realidade da CUT é ressaltada pelo dirigente da CONLUTAS que entrevistamos na nossa pesquisa, conforme demonstra sua reflexão A CUT tem dirigentes sindicais hoje na direção de mais de 200 empresas, das grandes empresas do país, porque parte das direções dos principais fundos de pensão do país a PREVI, do Banco do Brasil, a CONCEF da Caixa Econômica Federal, a PETROS da PETROBRÁS, é eleita pelos empregados. São eleitos, são, fundamentalmente, sindicatos dirigidos pela CUT. E outra parte é nomeada pelo governo, quando entrou o Lula ele nomeou dirigentes sindicais. Então, se estabelecer um processo de associação e de atrelamento por essa via, não só política em termo de apoio a política do governo, mas material através de cargos, de administração do fundo de pensão, dinheiro do FAT, convênios com bancos, com ministérios. Se estabeleceram relações materiais que fazem com que a CUT hoje, esteja mais atrelada ao Estado e ao governo do que estavam 82 A Força Sindical é uma das centrais sindicais existentes no Brasil, nascida em 1991. Nas palavras de Antunes (1995, p. 61): “[...] é uma central que abraça o ideário neoliberal, em clara sintonia com as tendências mais nefastas do capitalismo das últimas décadas. É a nova direita, fortemente ideologizada [...] além deste ideário, sua origem sindical tem inteira sustentação na velha estrutura sindical brasileira, que precisa buscar novos caminhos de atuação que não poderiam mais ser preenchidos pelo velho peleguismo. 104 as confederações e federações com as quais nós rompemos em 83 para fazer o congresso da fundação da CUT (DIRIGENTE SINDICAL DA CONLUTAS). O fosso aberto entre a organização que a CUT foi no passado recente e o que se tornou, nesses últimos tempos, é um desafio bastante concreto para o conjunto da classe trabalhadora, sobretudo no que diz respeito à autonomia do movimento e a resistência política frente as determinações capitalistas contemporâneas. Dentro da Central esse transformismo vem sendo velado ou, pelo menos, tratado como algo que não existe de fato. E as mudanças na conjuntura atual são encaradas, na concepção das suas lideranças políticas, de forma bastante otimista na perspectiva da classe trabalhadora. Como podemos perceber no conteúdo do seguinte trecho da entrevista do dirigente da CUT: A CUT percebe hoje, a classe trabalhadora passando por um período de transição, depois de ser duramente submetida à lógica neoliberal fundamentada na precarização do trabalho e na desregulamentação da economia. Depois de anos de arrocho salarial, de desemprego e de informalidade na economia, vivemos um momento de recuperação do emprego e do salário e de perspectivas de resgate de direitos (DIRIGENTE SINDICAL DA CUT). O conteúdo desta análise é demasiadamente ideológico. Parece-nos completamente sem sustentação, pelo simples fato de não corresponder a realidade sócio-histórica que vivemos. Desconsidera o contexto, a história, os ataques aos direitos e as lutas coletivas dos trabalhadores, os retrocessos políticos daí decorrentes e, claro, não consegue fazer uma crítica a postura política da própria central, tampouco do PT e do seu governo. Muito pelo contrário, reproduz uma análise meramente ideológica que é amplamente reiterada pelas entidades governistas. Dessa forma, a central passa a considerar os limites da organização sindical, a partir das problemáticas relacionadas à forma como, legal e obrigatoriamente, os sindicatos devem se estruturar. 105 As principais dificuldades no plano sindical dizem respeito às limitações impostas pela unicidade e pelo imposto sindical, que determinam graves conseqüências políticas, e a necessidade de unificar uma pauta trabalhista e política que possa mobilizar os trabalhadores com maior poder de intervenção (DIRIGENTE SINDICAL DA CUT). Na verdade, esta constatação é pouco ou nada coerente com a postura adotada pela central no apoio as propostas da Reforma Sindical e Trabalhista, apresentadas ao Congresso Nacional em 2005. Como sabemos as alterações, adensadas nessa proposta, não romperam com os ranços da estrutura tradicional, anterior as conquistas de 1988, que os dirigentes da CUT apontam como – realmente são - desafios. Conforme Almeida (2009), a CUT, hoje, para justificar sua existência, apega-se ao problema do imposto e da unicidade sindicais, do poder normativo da justiça do trabalho, deixando de reconhecer que sua prática é igual a dos pelegos que combatera, na década de 1980, quando do seu nascedouro. É interessante observar que a despeito da estreita relação entre a central e os núcleos majoritários do Partido da ordem (o PT), o dirigente cutista assinala para uma perspectiva de articulação da central que prioriza [...] alianças com setores da sociedade que possam significar na prática, mudanças estruturais e institucionais que apontem para a viabilização de uma sociedade mais justa, igual e democrática [...]. Daí a necessidade de mais do que nunca fazermos a defesa da democratização do estado, da sua participação direta no financiamento das políticas públicas, da infra-estrutura, da regulamentação do sistema financeiro e da criação do emprego e da qualificação do processo político brasileiro (DIRIGENTE SINDICAL DA CUT). A reflexão feita por Aguena (2008) nos ajuda a identificar a perspectiva política presente nessa fala. Para o autor, os sindicatos têm – enquanto se mantenham numa posição reformista, ou seja, de adaptação à propriedade privada – de adaptar-se ao Estado capitalista e de lutar pela sua cooperação. Aos olhos da burocracia sindical, a tarefa principal é “liberar” o Estado de suas amarras capitalistas, de liberar sua dependência dos monopólios e voltá-la a seu favor. “Esta posição harmoniza-se, perfeitamente, com a posição social da aristocracia e da burocracia operárias, que lutam por obter algumas migalhas do sobrelucro do imperialismo capitalista” (p. 200). 106 Como nos lembra Amaral (2009), a opção feita pela CUT, de abandono do sindicalismo classista, abre mão, do ponto de vista teórico e ideológico, dos elementos de análise da sociedade com base nos fundamentos marxianos (a teoria do valor, a exploração e as classes sociais), em nome dos conceitos de democracia e cidadania. Em síntese, não nos espanta que as alianças políticas realizadas pela CUT sejam feitas na perspectiva de concretização dessas últimas. A utopia da transgressão histórica do capitalismo parece ter se perdido no caminho ou ido para alhures. O que se sabe é que não brilham mais, no horizonte dessa central, os intentos revolucionários socialistas. Não há, nesse sentido, clareza, no conjunto da classe trabalhadora, sobre do papel que o governo Lula cumpre. Na realidade, a decepção e a desilusão políticas com o seu governo geraram uma espécie de confusão ideológica na consciência dos trabalhadores, obstando, demasiadamente, o avanço da luta política. Porém, os trabalhadores, na sua grande diversidade coletiva, não apenas sofrem os rebatimentos dessa crise que, é objetiva, mas, também política, como resistem as determinações dessa conjuntura. Há parcelas, cada vez maiores, de trabalhadores que chegam a compreensão de que as expectativas de mudanças, empenhadas em relação ao governo do PT, foram frustradas e que é preciso demonstrar resistência, apesar de os instrumentos de luta, assim como foi a CUT, estarem atualmente, na “trincheira do inimigo” (ALMEIDA, 2009, p. 70). É nessa perspectiva, que nasce, nos anos 2000, a CONLUTAS, novo espaço de organização dos trabalhadores, que analisaremos no próximo item. 3.3 A CONLUTAS como alternativa à organização da classe trabalhadora A Coordenação Nacional de Lutas (CONLUTAS) nasce num contexto bastante difícil para classe trabalhadora brasileira, profundamente distinto da conjuntura 107 social na qual foi criada a CUT83. Na realidade, o surgimento da CONLUTAS está, intimamente, associado ao processo de degeneração política da Central Única dos Trabalhadores. Como sabemos, a CUT já vinha sofrendo alterações na sua ação política, desde o início dos anos 1990. Os retrocessos, sinalizados nas mudanças internas na central, ganharam profundidade com o advento do governo petista. Decorre que, a despeito da inclinação neoliberal desse governo, a CUT não hesitou em manifestar seu apoio político irrestrito ao governo do PT. Isto é, ao se aliar ao governo, a CUT acabou facilitando a ofensiva das políticas neoliberais no campo dos direitos sociais e trabalhistas. Ainda que a própria existência de sindicatos fira o princípio liberal da iniciativa do mercado, no plano concreto, podem se tornar funcionais aos governos neoliberais, desde que um dos objetivos principais do neoliberalismo – a regressão dos direitos e a supressão de qualquer barreira legal ou política que inviabilize a intensificação da exploração da força de trabalho – seja garantido. Nada mais funcional, aos governos neoliberais, do que negociar com sindicatos governistas, parceiros do capital, que se limitam a atuar como intermediários na compra e venda da força de trabalho e oferecer serviços relegados pelo Estado aos trabalhadores, induzindo-os ao individualismo, ao conformismo e ao abandono de uma perspectiva sindical de classe (TRÓPIA, 2009). Acontece que esse atrelamento não transcorreu de forma, unanimemente, tranqüila. Alguns setores do movimento sindical cutista começaram a discordar incisivamente da posição de apoio que o núcleo majoritário da central dispensara ao governo. O apoio manifesto dos setores dirigentes da central as reformas sindical, trabalhista e previdenciária do governo Lula, foi a gota d‟água para o definitivo rompimento dos vetores sindicais mais combativos da CUT com o modelo preconizado pela central. 83 O surgimento da CONLUTAS foi impulsionado especialmente pelo Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU) e também por correntes que constituíram o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) (partido recentemente fundado por setores dissidentes do PT) para ajudar na reorganização dos trabalhadores e unificação das lutas. A entidade foi constituída como desdobramento do Encontro Nacional Sindical, que aconteceu em março de 2004 em Luziânia (GO) e que reuniu mais de 1.800 dirigentes e ativistas sindicais e de movimentos sociais. Apesar de ter natureza jurídica de central sindical, a CONLUTAS é composta por entidades sindicais, organizações populares e movimentos sociais da classe trabalhadora, que têm como objetivo organizar a luta contra as reformas neoliberais. O primeiro Congresso Nacional da CONLUTAS aconteceu em julho de 2008, em Betim – Minas Gerais. 108 Essa ruptura suscitou uma reorganização no movimento sindical, da qual emergiram a CONLUTAS e a INTERSINDICAL84 como alternativas de esquerda ao pólo cutista. Para os setores dissidentes não havia como unir os trabalhadores dentro da CUT, porque esta não mais representa os interesses da classe trabalhadora pelo nível de cooptação que se encontra e pelas vantagens e relações materiais que estabelece com o governo. Segundo o que consta no Caderno de Teses do 1º Congresso da CONLUTAS, realizado em 2008, a INTERSINDICAL foi formada por segmentos heterogêneos dissidentes da CUT, que possuíam alas de projetos internos distintos e uma política mais moderada. Essas constatações acabaram impedindo o apoio do PSTU, que posicionou-se de forma sectária, em relação a perspectiva de unificação da INTERSINDICAL com a CONLUTAS. Contudo, havia resistência a esse processo por parte da própria INTERSINDICAL. Sobre a fragmentação dessa dissidência da CUT nos foi apontada a seguinte questão pelo dirigente, entrevistado, da CONLUTAS: Depois que a INTERSINDICAL conseguiu uma parte da CUT resolveu permanecer, depois não conseguiu permanecer na CUT e saiu, mas não veio ajudar a construir a CONLUTAS, construíram uma assembléia nacional popular de esquerda, depois transformaram isso na Intersindical que é o que existe hoje. É um agrupamento ainda pequeno menor do que a CONLUTAS, mas são companheiros que tem representação em alguns setores do movimento. Nós ficamos insistindo com eles para que a gente unifique forças. No movimento popular esse processo é mais intenso, o movimento popular urbano é muito intenso, houve a formação e divisão de várias organizações nesse período, primeiro na década de 1980 depois na de 1990 e agora no começo dos anos 2000 tem muita mudança (DIRIGENTE SINDICAL DA CONLUTAS). Não sabemos ao certo se há possibilidades reais para uma fusão dessas centrais, dada as resistências que vêm se impondo até aqui, por parte das centrais ou dos segmentos com os quais mantém estreita parceria política. Mesmo em meio a essas divergências, essas centrais vêm conseguindo unificar lutas, encontros e pautas políticas, nos processos de eleições sindicais e, especialmente, no combate as reformas neoliberais. 84 109 É nessa ambiência de contraposição ao governo Lula e seus mandos neoliberais, ao conjunto das suas contra-reformas, bem como as imposições do capital financeiro internacional, que a CONLUTAS vem se definindo como uma central sindical radicalmente renovada, com nítida perspectiva popular e de classe. A resistência que esta central vem demonstrando, nesse contexto avassalador de degradação dos direitos sociais e trabalhistas, tem desdobramentos contundentes, a exemplo da contraposição que vem fazendo ao processo de atrelamento político-financeiro dos sindicatos, previsto pela reforma sindical, seja pela forma de financiamento, através do repasse do imposto sindical para as entidades, seja pela participação nos fóruns de representação e negociação mediados pelo Estado. Sobre essa questão, assim reflete o dirigente Pra nós isso não interessa, porque não vamos participar disso, nós somos a princípio contra. A legislação, ela tem o artigo primeiro que diz que as centrais, elas são reconhecidas na medida em que são registradas pelos sindicatos que a constituíram, então é isso que nos interessa. Nós fizemos e já recebemos, do ministério do trabalho, a confirmação do cadastramento nosso. Então, a CONLUTAS já está legalizada, agora vai haver o processo de aferição de representatividade que é o quê: 100 sindicatos filiados a central de 5 setores da economia diferentes, com pelo menos 20 sindicatos em três regiões do país diferentes, 5% de associados dos sindicalizados do país. Temos como atender esses critérios, a CONLUTAS tem hoje 170, 180 sindicatos filiados no país inteiro, falta só cadastrar o nosso pessoal. Vai demorar um ano pra fazer isso, agora pra nós não interfere porque nós já temos o registro e é o que nos interessa. Por mais que seja feito o cadastro desses sindicatos lá, nós não vamos participar do CONDEFAT, nem vamos participar do conselho da previdência, nem vamos receber o dinheiro que eles retribuem. Então, essa parte é inata, não tem validade. Então, o reconhecimento legal já se deu, nós já encaminhamos a documentação fizemos o congresso em 2006, depois resolvemos nesse congresso que houve agora, em julho, pedir o registro da CONLUTAS, foi pedido e já foi dado. E o que a gente vai fazer com isso, o dinheiro que vai ser passado para a CONLUTAS, nós vamos devolver para os sindicatos para eles fazerem o que quiserem dele, devolver para a categoria, usar nas despesas do sindicato, a maioria dos sindicatos recebem o imposto sindical e utilizam esse dinheiro; essa é uma luta que fizemos (DIRIGENTE SINDICAL DA CONLUTAS). É interessante observar a dimensão contraditória que o elemento burocrático, aqui apresentado, possui. Por um lado ele assegura a representatividade de um coletivo, contudo, por outro obsta a luta do ponto de vista da autonomia política. 110 Entretanto, compreendemos que há controvérsias acerca dessa questão. Na perspectiva dos interesses gerais da classe trabalhadora, esse último aspecto se sobrepõe aquele primeiro. Pois, a representatividade é algo que só compete atribuição por parte dos sujeitos que integram um determinado processo. No caso, o reconhecimento dos sindicatos só cabe aos próprios trabalhadores que o conformam. Em tese, nem o Estado, nem o capital deveria intervir nesse quesito. Mas, claro, qualquer forma de inviabilização da autonomia política da classe trabalhadora consiste dimensão estratégica para a manutenção da ordem. É nesse sentido que, o atrelamento das estruturas sindicais ao Estado, representa um dos maiores limites das organizações sindicais dos trabalhadores. A ultrapassagem desse ranço histórico só poderá se efetivar a partir de organizações verdadeiramente renovadas e radicalmente autônomas, que prezem, no movimento político, os verdadeiros interesses e necessidades históricas e conjunturais dos trabalhadores. Na concepção do dirigente da CONLUTAS A condição necessária, indispensável para que uma organização possa representar efetivamente os interesses de um determinado segmento da classe trabalhadora é que ela seja independente do Estado, que o Estado não é neutro, o Estado é capitalista, e dos patrões. Por quê? Porque os interesses são antagônicos, não tem como estabelecer uma relação boa com o lado de cá e para o lado de lá. Essa relação boa dos dois lados favorece o lado mais forte e quem é o lado mais forte? Não somos nós, é o Estado, o capitalismo que está estruturado da forma que está (DIRIGENTE SINDICAL DA CUNLUTAS). De acordo com Almeida (2009), há, por parte de alguns vetores da esquerda, certa incompreensão sobre o significado do projeto da CONLUTAS. Talvez essa incompreensão esteja relacionada à inovação da modalidade de organização proposta pelo projeto dessa entidade, que pretende ampliar a participação e unificar as lutas dos trabalhadores sindicalizados, desempregados, dos movimentos sociais populares e estudantis. Temos a impressão que a perspectiva organizativa, proposta pela CONLUTAS, corresponde, em parte, ao movimento que os trabalhadores necessitam fazer para acompanhar as transformações da própria classe trabalhadora e definir uma 111 política, com perspectivas para a nova realidade, identificando os sujeitos que se incorporam ao cenário da luta de classes brasileira (MOURA, 2008). Não se trata, a partir dessa avaliação, de negar os espaços e potencialidades ainda existentes no movimento sindical organizado e nos partidos referenciados na classe trabalhadora, tampouco de uma diluição do sentido de classe, no âmbito dos seus espaços organizativos, mas de difundi-lo no combate direto aos interesses capitalistas na luta pela sobrevivência, seja referenciada pela terra, pelo emprego ou por moradia. Ademais, essa nova expressão organizativa que a CONLUTAS vem pautando se coloca na perspectiva de rompimento da incapacidade de parte dos segmentos organizados de incorporar os novos sujeitos coletivos que surgem na cena política, determinados pelos limites impostos pela agenda do neoliberalismo, que acaba criando novas bases objetivas para a formação de novos movimentos organizados. Vale salientar que, mesmo fragmentados, esses novos movimentos vêm se caracterizando como importantes protagonistas das lutas políticas, nos últimos anos no Brasil (MOURA, 2008) A unificação das lutas desses segmentos pode resultar em maior qualidade das suas práticas políticas e intensificação das potencialidades combativas. Ao aventar o rompimento com o corporativismo e o economicismo, presentes no movimento sindical tradicional, a CONLUTAS inaugura um novo tipo de organização para a classe trabalhadora brasileira. Em seu programa e em suas ações revela-se a tentativa de junção da luta imediata com um programa de unificação e ação conjunta com os movimentos sociais populares, para construção de uma nova sociedade, valendo-se, também, da disputa institucional mediada pela ação dos partidos de esquerda, em uma realidade que demanda novas estratégias e ferramentas de luta. Vale lembrar que a classe trabalhadora brasileira é muito mais ampla que a fração organizada em sindicatos. De acordo com Almeida (2009), no Brasil, hoje, apenas 45% da classe trabalhadora ocupa as bases dos sindicatos. Esse contingente corresponde aos trabalhadores que estão no mercado formal de trabalho, todavia, mais da metade ainda está fora dele: os desempregados, os trabalhadores da economia formal, os trabalhadores que militam nos movimentos pelo acesso a moradia, nos movimentos de luta pela terra, dentre outros. Esses segmentos não podem ser 112 desconsiderados dos processos de luta que visam a construção do projeto político da classe trabalhadora, pois compõem medularmente esta classe. Na medida em que organizam apenas as camadas empregadas, os sindicatos acabam deixando de discutir política para aqueles segmentos, deixam de organizar setores mais proletarizados da classe trabalhadora e com tendências mais explosivas. Muitas vezes, os desempregados são demitidos das empresas e dos sindicatos. Geralmente, o vínculo político entre o trabalhador e o sindicato é firmado pela condição do contrato de trabalho e é isso que expressa a dimensão economicista da luta. Os partidos, por sua vez, em prol das táticas eleitorais ou de pactos de governabilidade, acabam por distanciar-se dos enfrentamentos mais radicalizados (MOURA, 2008). Ademais: [...] sem luta de massa não tem mudança na estrutura social e econômica deste país e os partidos sozinhos com as lutas políticas desvinculadas com a reivindicação concreta dos trabalhadores não movem massa (DIRIGENTE SINDICAL DA CONLUTAS). Segundo os dirigentes da CONLUTAS, a organização da entidade tem como escopo maior a realização de uma transformação social no país, ou melhor, uma revolução protagonizada pela classe trabalhadora. O que não é, nem de longe, uma tarefa fácil. Isso pressupõe um trabalho árduo de formação social de base popular, fortemente articulado aos diversos setores de esquerda da classe trabalhadora organizada. Mas, a entidade parece estar bastante lúcida quanto aos desafios que seus objetivos implicam, sobretudo, no que diz respeito a inovação do modo de organização, conforme demonstra a fala de um dos seus dirigentes a nossa arte vai ser de buscar, ir convencendo, construindo uma massa crítica no interior da classe trabalhadora e das suas lutas, que não vai ter como ter o emprego, o salário, o direito que vai ser eliminado com a crise, se não abolir a propriedade privada e se fizer uma revolução. Então, é essa dinâmica que tem que ser construída. Esse problema da estratégia socialista da nossa luta não é um problema menor, porque não tínhamos essa estratégia quando fundamos a CUT e quando se fundou o PT também [...] (DIRIGENTE SINDICAL DA CONLUTAS). 113 Quanto ao direcionamento político da CONLUTAS, principalmente no que concerne a composição da sua diretoria, nos foi sinalizado o seguinte: Nós estamos construindo uma organização que não tem ninguém com mandato fixo, tipo um grupo que pode chegar e decidir pela entidade, o que vai ser feito pela entidade, nós funcionamos como coordenação de lutas. Toda reunião, a Reunião Nacional da CONLUTAS, ela acontece a cada dois meses, cada sindicato, que faz parte da CONLUTAS, manda sua representação e essas pessoas coletivamente discutem e decidem o que é que a CONLUTAS vai fazer. Então, a cada reunião se quiser mudar a pessoa muda. Dessa forma não há possibilidade de uma direção da CONLUTAS votar algo que os sindicatos não queiram, porque vai ser os sindicatos e as entidades que fazem parte da CONLUTAS que vão decidir (DIRIGENTE SINDICAL DA CUNLUTAS). . Parece-nos que a tentativa de descentralização das decisões políticas, indicada pela CONLUTAS, está pautada numa perspectiva de rompimento com a prática política da democracia representativa, amplamente reproduzida pelas instâncias colegiadas de representação político-coletiva. Na verdade, a proposta que a CONLUTAS traz nesse aspecto, é uma prática eminentemente inovadora no quadro das experiências sindicais, nas quais as decisões políticas são, na sua grande maioria, deliberadas pelas cúpulas dirigentes das entidades. O fato é que a concretização dessa proposta pressupõe das entidades envolvidas condições objetivas e políticas para viabilizar a participação de militantes nos espaços deliberativos. Apesar da intenção ser interessante, a fala não esclarece questões práticas, sobre como são realizados os encaminhamentos e a coordenação dos processos de discussão e deliberação; os procedimentos de escolha da representação entre os pares; a operacionalização das definições coletivas, dentre outras questões que a entidade não pode perder de vista, ainda que pareçam pragmáticas. É bem verdade que, essas inovações em curso, podem se processar de forma a aperfeiçoar o processo da participação política. No fundo, a experiência histórica demonstrará os caminhos a serem seguidos. 114 [...] nós definimos as tarefas da CONLUTAS e achamos que essa deve ser a forma adotada por todas as reorganizações que tenham de fato compromisso com a emancipação da classe trabalhadora com a tarefa de desenvolver, impulsionar, potencializar a luta concreta dos trabalhadores, a luta em defesa das suas reivindicações econômicas, de fato, estreitamente vinculada com a luta política geral [...]. Isso vai se materializar em políticas concretas a depender da situação política em que nós vivemos (DIRIGENTE SINDICAL DA CUNLUTAS). Com todos os limites postos para uma ação política efetivamente autônoma e libertária, a CONLUTAS vem enfrentando um dos maiores desafios, postos a classe trabalhadora, nesse contexto defensivo em que vivemos que é o de efetivar uma ação sindical que dê respostas as necessidades imediatas do mundo do trabalho, preservando elementos de uma estratégia anticapitalista e socialista (ANTUNES 1995). Embora, a resistência encampada pelos segmentos que conformam a CONLUTAS, ainda, não possua força orgânica suficientemente capaz de revitalizar a perspectiva revolucionária no conjunto das massas trabalhadoras, vem afirmando, na dinamicidade histórica da conjuntura presente, a possibilidade de construir um projeto amplo, que possa referenciar as lutas coletivas dos trabalhadores brasileiros sob outras bases, com vista ao revigoramento do socialismo enquanto projeto emancipatório. Mesmo reconhecendo essa possibilidade, não ousamos praticar, nessa análise, qualquer antecipação a respeito dos seus desdobramentos futuros. A dialética política está aberta a história, muitas tendências poderão se redefinir nesse tempo nebuloso que atravessamos. Por outro lado, não podemos esquecer sob quais circunstâncias nasce essa nova central, que apesar de ter se erguido numa perspectiva dissonante da ordem, surge, como nos lembra o trecho da entrevista [...] [de] um processo de reorganização fruto dessa crise que foi aberta, particularmente, a partir da chegada do Lula ao governo e pela cooptação da maior parte das reorganizações que nós possuímos no momento anterior. Mas, ainda é um processo em curso, não é um processo que está fechado, que não está acabado, nós vamos ver muitos desdobramentos ainda nos próximos dois, três, quatro anos (DIRIGENTE SINDICAL DA CONLUTAS). 115 Vale salientar que, no fundo, o que está em jogo, nesse momento, não é a luta política em si, mas “a capacidade das forças anticapitalistas em construir um projeto político emancipatório frente ao capital e, neste sentido, é uma condição essencial: discernir as armadilhas liberais para delas se diferenciar” (SANTOS, 2007, p. 29). Assim, a predisposição atual da CONLUTAS é indicativa de um processo transformador, mas há um longo caminho a percorrer para que seu projeto ganhe solidez no âmbito das lutas sociais e, nesse momento, são muitos os desafios a serem enfrentados, oriundos, em boa parte, de frustrações políticas, marcadas por um contexto social nada favorável para as lutas do trabalho. A partir dessas considerações, sobre as tendências do movimento sindical e da luta política da classe trabalhadora, cabe situar, no contexto dessas inflexões e desafios, a particularidade da organização sindical da categoria dos assistentes sociais no Brasil, contemporâneo. Esta problemática consiste objeto das reflexões trabalhadas na seção seguinte. 116 4. A organização sindical dos assistentes sociais na realidade brasileira: dilemas e desafios atuais Nessa seção problematizaremos a dinâmica de organização sindical dos assistentes sociais, no Brasil. Trataremos das polêmicas, existentes no interior dos debates da categoria profissional, acerca dos principais dilemas e desafios da organização sindical dos assistentes sociais, no contexto contemporâneo. Nesse sentido, consideramos ser necessário, iniciarmos, esta problematização, contextualizando historicamente o percurso político das entidades sindicais nacionais, notadamente, ANAS85 e FENAS, considerando, nessa dialética trajetória, as implicações conjunturais adversas que, impulsionaram o surgimento (e extinção, no caso da ANAS) desses organismos de articulação da luta sindical dos assistentes sociais. 4.1 A trajetória da organização sindical da categoria: da ANAS a FENAS O percurso da organização sindical dos assistentes sociais, no Brasil, teve início antes mesmo do surgimento do novo sindicalismo86. 85 No que diz respeito à trajetória da ANAS, iremos destacar, apenas, aspectos mais gerais do seu percurso. Um rigoroso detalhamento da trajetória política, dessa entidade, pode ser encontrado no livro O Novo Sindicalismo e o Serviço Social de autoria de Abramides e Cabral (1995). 86 De acordo com Delgado (1997) as primeiras formas de organização profissional dos assistentes sociais surgiram no Brasil, antes de 1964, mas, sofreram os reveses advindos do golpe militar que atingiram fortemente todas as formas de organização da classe trabalhadora, em geral, bem como, os mecanismos de expressão e manifestação da sociedade. Segundo a autora, algumas entidades pré-sindicais foram criadas e outras reativadas no contexto do novo sindicalismo, no final dos anos 1970. 117 No entanto, o período de ebulição e de maior expressão das lutas sindicais da categoria, se insere no contexto de rearticulação das lutas mais gerais da população brasileira, na conjuntura de erosão do regime militar, entre os anos 1970 e 1980. O período é balizado pela retomada do poder de mobilização dos trabalhadores, notadamente, a partir das greves do ABC paulista que, disseminaram-se, como mecanismos de afirmação da luta política da classe trabalhadora, naquele período. No processo de reorganização das lutas dos trabalhadores, os assistentes sociais reiniciaram a sua organização, por meio da articulação de suas entidades sindicais, em todo o país, a partir de 1977. Esse processo de articulação ocorre de maneira intensa e dinâmica, devido à efervescência da luta política no campo do novo sindicalismo. Nesse processo de politização das entidades profissionais da categoria, a rearticulação das entidades sindicais ganhou uma reverberação mais significativa, dado o desempenho que tiveram no avanço político deslanchado na construção do atual projeto profissional, a partir da sua mediação política nos espaços de atuação das entidades profissionais, com o trato de questões mais específicas do Serviço Social, bem como dos processos organizativos de outros segmentos de classe, inseridos nas lutas mais gerais da classe trabalhadora brasileira. Nos dois primeiros encontros das entidades sindicais da categoria, realizados em 1978, os profissionais despertaram para a necessidade da criação de um mecanismo político, para o encaminhamento das suas lutas, em nível nacional. Sendo criada, logo, no encontro seguinte, no ano de 1979, a Comissão executiva Nacional de Entidades Sindicais de Assistentes Sociais (CENEAS), que passou a coordenar os eventos da categoria, a articular e encaminhar as lutas sindicais. A pauta do encontro de fundação da CENEAS tinha como principais pontos: as lutas nacionais com destaque para o salário mínimo profissional; questões organizativas com relação à transformação das Associações Pré-sindicais (APAS) em sindicatos e, por último, o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS). Sobre este último ponto, as entidades presentes no encontro, fizeram uma avaliação relativa ao congresso, a partir da qual, deliberou-se uma ação interventiva sobre alguns aspectos inerentes à programação e a natureza de sua orientação, quais sejam: a falta de democracia no processo de preparação do evento que, não pressupôs 118 consulta aos assistentes sociais sobre nenhum aspecto; a forma de organização que impediu a participação maciça dos profissionais, devido a incompatibilidade objetiva entre os custos da participação e realidade salarial dos assistentes sociais brasileiros; limitação da participação estudantil; a definição do tema sem que os assistentes sociais fossem consultados, além da sua incoerência com o momento histórico e, por último; o repúdio ao convite de honra feito aos representantes do governo militar (ABRAMIDES e CABRAL, 1995). Ao rechaçarem essa programação elitista, as entidades realizaram uma assembléia paralela a esta programação oficial, no interior do evento, contando com a participação de aproximadamente 600 profissionais, o que contribuiu para impulsionar um novo rumo ao congresso. Nesse fórum foi discutido o significado social da profissão, naquela conjuntura e, nesse sentido, os setores da categoria, organizados nas entidades sindicais avaliaram que as plenárias do congresso deveriam apresentar propostas de orientação crítica e democrática, o que definiu a ruptura, naquele evento, com o conservadorismo, até então, advindo do segmento profissional, que estava sempre à frente do evento e há muito tempo detinha, também, as direções do Conjunto CFAS/CRAS. Entre as propostas discutidas e aprovadas destacam-se: a assunção dos sindicatos e associações de classe, representativos da categoria, da organização dos próximos CBAS; repúdio à participação limitada de estudantes; cancelamento das despesas com as atividades sociais do congresso e destinação ao Fundo de Greve dos trabalhadores brasileiros; discussão de salários e as condições de trabalho dos assistentes sociais, durante o congresso; participação de representantes das comunidades e das lideranças sindicais em todas as mesas e painéis do congresso. Um momento expressivo do evento foi a destituição da comissão de honra, constituída por autoridades federais, sendo substituída pela homenagem a todos os trabalhadores que lutaram e morreram pelas liberdades democráticas. Do mesmo modo, a sessão de encerramento do congresso teve a composição da mesa diversa da proposta oficial, passando, assim, a participar líderes sindicais e militantes de diversos movimentos sociais (ABRAMIDES e CABRAL,1995). 119 O “Congresso da Virada” como ficou conhecido, notadamente, pelo conteúdo crítico e, propositivamente, democrático inserido nesse espaço, a partir da referida intervenção, demarcou, às entidades sindicais, um notório fortalecimento, o que fez com que, os eventos posteriores, ficassem sob a direção da CENEAS. Esse fato conferiu alterações substantivas aos eventos da categoria, devido à evidente incorporação da luta política e social que eclodia na sociedade brasileira, através da emersão de novos sujeitos coletivos, na cena nacional, fazendo com que, por meio da afirmação do seu compromisso com os interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora, se alavancasse um passo muito importante, rumo à construção de um projeto profissional compatível com um projeto de sociedade justa e igualitária. De acordo com Abramides e Cabral (1995), o IV CBAS teve um conteúdo basicamente sindical, o que levou a deliberação pela realização da I Assembléia Nacional Sindical dos Assistentes Sociais, passando a se constituir como fórum máximo de deliberação sindical e apontou a criação de uma nova entidade sindical nacional, já que a CENEAS havia cumprido seu papel articulador. A partir de então, a categoria começou a preparar as condições necessárias para o surgimento da Associação Nacional dos Assistentes sociais (ANAS). A criação dessa entidade demarca, consideravelmente, um salto de qualidade na organização político-sindical dos assistentes sociais, pois emerge numa conjuntura importante para a classe trabalhadora, balizada pelo surgimento da CUT. Nessa direção é que: Em seus onze anos de existência, a ANAS trilha um caminho de organização e luta, de democracia interna, de inserção na luta dos trabalhadores em serviço público e no conjunto da classe trabalhadora e de articulação com o movimento 87 da categoria no continente latino-americano (ABRAMIDES e CABRAL, 1995, p. 132). 87 Essa articulação é facilitada pelo convênio mantido com o Centro Latino-Americano de Trabalho Social (CELATS), organismo acadêmico da Associação Latino-Americana de Escolas de Trabalho Social (ALAETS), criada em 1965, no contexto da Reconceituação profissional. O CELATS jogou um papel político muito importante no continente latino-americano e caribenho, não apenas, do ponto de vista acadêmico, como também, da organização gremial/sindical e estudantil. Durante toda década de 1980, a vinculação com o CELATS, foi bastante estreita e decisiva no processo de construção da organização sindical no nosso país (ABRAMIDES e CABRAL, 1995). No 33º Congresso Mundial de Escolas de Serviço Social, realizado em 2006 no Chile, foi aprovada na Assembléia da ALAETS, em 30 de agosto, a criação de uma nova entidade denominada “Articulación Latinoamericana de Enseñanza y Investigación em Trabajo Social – ALAEITS”. 120 O movimento da categoria segue, através da ANAS, articulando-se com o conjunto da classe trabalhadora, a partir dos seus sindicatos e dos vários movimentos sociais do campo da esquerda, na formação e organização das respostas a situação da exploração e miséria da classe trabalhadora. Esse processo se torna mais programático, a partir da filiação da ANAS, juntamente com vinte entidades de base (18 sindicatos e 02 associações pró-sindicais) à CUT, em 1985. Vale salientar, que este número de entidades não totalizava o quadro das entidades da categoria. Havendo, ainda, dois sindicatos filiados a Central Geral dos Trabalhadores (CGT); três sindicatos sem filiação, mas com diretorias alinhadas a esta central; seis entidades sem filiação com diretoria vinculada ao pólo cutista. Numa avaliação mais criteriosa, levando-se em consideração às correlações de forças no interior das Assembléias nacionais, Abramides e Cabral (1995) apontam para uma definição em termos percentuais, sobre o campo de influência das centrais, de 80% para a CUT contra 20% da CGT, o que demonstra a efetivação do plano político traçado pela ANAS, na estratégia de vinculação das suas entidades sindicais, a um campo mais crítico e combativo. A origem e a trajetória da ANAS são marcadas por um rompimento com a estrutura oficial que vai desde a sua concepção, que incorpora sindicatos e associações, à democracia interna refletida nas suas instâncias de representação e deliberação, ao processo eleitoral decidido pela categoria (ABRAMIDES e CABRAL, 1995). A realidade dessa dinâmica fez com que fosse negada a ANAS a concessão da carta sindical, quando da tentativa de oficialização da entidade, entre os anos de 1983 e 1987. Através de parecer oficial o Ministério do Trabalho argumentara que, por se tratar de uma associação profissional constituída fora da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), não poderia requerer a carta sindical. Diante disso, a categoria conseguiu, mais uma vez, demonstrar resistência às implicações que impeliam o seu retrocesso a estrutura oficial, ao deliberar, por unanimidade, a legitimação e consolidação da ANAS como federação da categoria, no decorrer da III Assembléia Nacional de Assistentes sociais - ANAS, em 1987. Os sindicatos de base a ela filiados legitimaram esse processo por considerarem que os 121 critérios definidos pelo Estado não garantiam a autêntica representatividade dos trabalhadores. Assim, durante a III ANAS, a categoria profissional decidiu que não reconheceria nenhum outro fórum de representatividade sindical nacional, senão a ANAS. Independentemente do reconhecimento oficial, a ANAS não deixou de articular as lutas sindicais da categoria dos assistentes sociais. No tocante às lutas específicas da categoria, destacamos, nessa análise, os desdobramentos e as implicações da luta pela implantação do Plano de Cargos Carreiras e Salários dos servidores públicos federais, especialmente, a reivindicação pela justa posição dos assistentes sociais, sendo, “a primeira luta nacional que ocorre de forma unificada” (ABRAMIDES e CABRAL, 1995, p. 161); as mobilizações pelo Salário Mínimo Profissional (SMP), por condições de trabalho, salário e carga horária do assistente social. A questão salarial sempre consistiu causa de luta dos segmentos sindicais, desde o período de rearticulação dos sindicatos. Por essa razão, a categoria profissional procurou construir uma argumentação política contundente, para desenvolver de forma qualificada a luta por melhorias salariais. Essa decisão política impulsionou a CENEAS a encomendar uma pesquisa formal, ao DIEESE, em 1981, sobre as condições salariais e de trabalho dos assistentes sociais, no Brasil. Os resultados dessa pesquisa revelaram, sobre a categoria de assistentes sociais, a seguinte composição majoritária: mulheres, empregadas no serviço público, assalariadas com jornada de 40 a 45 horas de trabalho, mal remuneradas. “Essas características a identificam como parte integrante da classe trabalhadora” (ABRAMIDES CABRAL, 1995, p. 163). Os dados colhidos nessa pesquisa concluída, em 1982, contribuíram no processo de discussão e elaboração, conjunta dos sindicatos da categoria, do projeto de lei sobre condições de trabalho, salário e carga horária do assistente social. Este projeto de lei entra em tramitação, no Congresso Nacional, em 1984. A partir de então, a ANAS iniciou um processo de mobilização da categoria para o acompanhamento dessa tramitação, através da formação e ida de caravanas de seus representantes e entidades filiadas, à Brasília. 122 O projeto chegou a ser aprovado, mas com inúmeras emendas, o que expressou significativa descaracterização e, um verdadeiro bombardeio às garantias que a categoria tentava conquistar, através da mediação formal da lei. Concluída a votação nas duas casas do Congresso, o referido projeto foi lançado à sanção presidencial e recebeu o veto. Apesar de toda a resistência na continuidade das mobilizações, a categoria não conseguiu lograr êxito sobre esta questão. O fracasso dessa luta fez com que se abatesse sobre os sindicatos e a ANAS, um desestímulo profundo. Ora, a mobilização pela conquista do SMP e de outras garantias previstas no projeto de lei, consistiu em um processo, sobretudo, político de luta unificada pelos interesses profissionais, que se conquistados, poderia, repercutir na melhoria das condições de trabalho e desempenho das atividades profissionais. Mesmo sem alcançar o fim desejado, esta luta não perdeu o mérito político, expresso pela força e capacidade de organização, demonstrado pela categoria, naquela conjuntura. Na segunda metade dos anos 1980, o sindicalismo brasileiro foi acometido por uma forte onda de desestímulo político. Tratava-se do prelúdio das refrações da dinâmica de recomposição do capital, que, começava dispensar ataques aos processos de luta da classe trabalhadora, na particularidade brasileira, ainda, que se tratando, de um contexto de redemocratização, no qual emergiam forças políticas combativas, representadas, em sua grande maioria, pela CUT e pelo PT, como principais expressões da ascensão e do fortalecimento da classe trabalhadora, nesse país. Nessa época, os sindicatos dos assistentes sociais, no país inteiro e, em sua instância nacional, ANAS, como já apontamos, começam a experimentar o desalento das forças pelo fracasso da luta pela SMP, como, também, pelo desfavorecimento da correlação de forças, na conjuntura que se traçava no fim desta década. O contexto sócio-político, não era mais favorável às lutas e reivindicações dos trabalhadores e, isso, demandava uma nova estratégia de organização sindical, com vistas ao fortalecimento da união da classe trabalhadora e reversão do quadro de marasmos e descenso que se instalava, nesse período. Nesse sentido, a categoria passou a encampar outras lutas conseguindo, estabelecer, em 1988, junto ao Fórum das Entidades Nacionais de Profissionais 123 Liberais, como referência unitária de luta, três salários mínimos reais para trinta horas semanais, para os profissionais de nível universitário. Essa experiência conferiu à categoria “um avanço no sentido de atuar no interior do ramo de atividade, de forma conjunta com as entidades sindicais, bem como com outras categorias de nível universitário” (ABRAMIDES e CABRAL, 1995, p. 168). Contudo, a essa altura, as entidades sindicais de assistentes sociais começaram a sofrem um esvaziamento expressivo, o que fez se aprofundar, no interior da ANAS e dos seus sindicatos, a discussão sobre a transição aos ramos, culminando esse processo, com a extinção da ANAS, em 1994. Nesse sentido, grande parte dos sindicatos da categoria começou a ser dissolvida. Não obstante, pouco proporcional foi a transição das suas bases profissionais filiadas para outras instâncias de representação sindical. Mesmo tendo sido deliberada coletivamente a transição da filiação para os sindicatos de ramos de atividade. A inserção se daria segundo a área de inserção de cada profissional. Nesse sentido, “aspectos comuns e diferenciados das categorias são demarcados, objetivando concretizar, a partir do movimento de organização e luta a transitoriedade” (ABRAMIDES e CABRAL, 1995, p. 113). Em meio a esse processo, surgiram propostas que atentavam para a necessidade da construção de mecanismos e espaços para as especificidades de cada profissão. Portanto, a transitoriedade nesse momento significou, de um lado, inserir sindicalmente a categoria nos diferentes ramos a que se vincula, e de outro, iniciar, com o conjunto das entidades da categoria, o processo de discussão que possibilitasse a construção de um espaço unitário que desse conta das questões da profissão, no caso, a construção de uma “entidade única” 88 (ABRAMIDES e CABRAL, 1995, grifos nossos). No período em que foi travada a discussão sobre a proposta da referida transitoriedade, a categoria se reuniu em diversos momentos, nos quais todas as entidades organizativas da profissão se fizeram presentes, para amadurecer a idéia e avançar na construção de uma entidade única para a categoria, capaz de contemplar as questões próprias da profissão, seguindo deliberação do congresso sindical nacional 88 Na realidade latina americana, Abramides e Cabral (1995), relatam que há uma 124 da categoria, mais especificamente, da IV Assembléia Nacional Sindical dos Assistentes Sociais (ANAS), em 1989. Dos vários momentos de articulação, construídos com a finalidade de discutir esse processo, fazemos destaque, para o seminário sobre a organização Política dos assistentes sociais, realizado pelo Conselho Regional de Assistentes Sociais 9ª região e suas delegacias, sindicatos, CFAS, ABESS e SESSUNE, em São Paulo, no início de 1991. O evento envolveu vários profissionais da categoria, em torno dessa discussão e por unanimidade, os posicionamentos decidiam pelo ingresso dos profissionais nos ramos de atividades, tendo em vista a situação em que se encontravam os sindicatos da categoria. Sobre este último aspecto, de modo ilustrativo, segue um trecho da fala da assistente social, Vanda Aparecida Orenha, do sindicato de assistentes sociais de São Paulo, no qual, expressa a reflexão do conjunto de sujeitos que conformavam esta entidade, sobre as limitações para a sua manutenção: Nossa avaliação é que, desde a não aprovação do salário mínimo profissional, os sindicatos e a própria ANAS, não conseguiram retomar um trabalho com a categoria que pudesse encaminhar massivamente as lutas específicas dos assistentes sociais. Isso explica, pelo menos em parte, o desinteresse da categoria em se sindicalizar. Temos hoje, também, desde a gestão anterior, diretorias fragilizadas e esvaziadas que não conseguem desenvolver um trabalho com o conjunto dos Assistentes Sociais [...] nossa proposta é de priorizar o engajamento ao Departamento de saúde, Previdência e Assistência Social da CUT estadual [...] avaliamos que não faz sentido a existência do sindicato da forma como ele está funcionando. Por isso, nossa proposta a ser discutida com a categoria em todos os eventos desse ano [...] é da viabilidade ou não de sua continuidade. (CRAS 9ª região, 1991, fl. 13-14). Porém, na discussão sobre a criação da entidade única, as opiniões diferiram-se, o que pressupôs uma polêmica maior sobre a questão. A diversidade de opinião pode ser conferida, a partir da argumentação feita por Matilde Andery Silva, representante da ABESS Sul II e, da reflexão exprimida, por Vanda Orenha, a respeito dessa questão, respectivamente, nos trechos a seguir: A fusão das três instâncias, neste momento, não corresponde às necessidades de seu desenvolvimento interno. O processo de construção de uma nova 125 proposta de entidade, só pode ser produto de processos vividos pelas suas bases e não decisão das vanguardas [...] é frágil à preocupação com a pulverização de quadros como argumento para a fusão dessas instâncias, não podemos colocar dificuldades de quadros e precariedade financeira à frente da questão política e histórica (CRAS 9ª região, 1991, fl. 20). No nosso entendimento, essa entidade única deveria ser capaz de coordenar as lutas específicas, ter uma estrutura ágil na tomada de decisões coletivas; ser mais viável economicamente, menos fragmentada e consiga dar respostas às questões colocadas para o Serviço Social em nossa sociedade (CRAS 9ª região, 1991, fl. 14). Temos clareza de que a divergência de opinião faz parte de todo e qualquer processo de discussão, sendo, inclusive, um dos componentes, do processo dialético da construção coletiva. Sempre foi salutar essa dinâmica de confrontação plural de idéias e opiniões dos sujeitos, para o enriquecimento do aprendizado e para a legitimação das decisões nos processos coletivos. Esse debate se deu por mais algum tempo, até se chegar à decisão de que, seria inviável a criação da entidade única e, conseqüentemente, sua manutenção, devido à incongruência entre as naturezas específicas de cada entidade. Então, decidiu-se pela continuidade do processo de fortalecimento da articulação entre as mesmas, no entanto, sem se fazer à fusão que havia sido sugerida; bem como pelo prosseguimento da transição dos sindicatos profissionais para os de ramo de atividade, pois, além de ser uma forma de avançar no rompimento e combate à dinâmica corporativista (impingida nesse modelo de organização sindical), o contexto sóciopolítico, não era mais favorável às lutas e reivindicações dos trabalhadores e, isso, demandava uma nova estratégia de organização sindical, com vistas ao fortalecimento da união da classe trabalhadora e reversão do quadro de descenso que se instalava no âmbito da ação sindical da categoria, desde o final dos anos 1980. Deliberada à extinção da entidade nacional, ficaram, os sindicatos de base, encarregados de conduzir o desafiante processo de transição das suas bases filiadas (os profissionais) para os sindicatos por ramo de atividade, conforme decisão coletiva 126 da categoria, na última assembléia nacional da ANAS, em 1994. Nesse fórum, ficou acordado que, o processo de transição, deveria ser efetivado conforme a peculiaridade dos processos de cada entidade (sindicato de base), para que se pudesse garantir uma ampla participação da categoria noutros processos da luta sindical. Abramides (2009) lembra que das 28 entidades sindicais existem no país, 23 se extinguiram e por processos bastante diferenciados: muitas entidades encontravamse bem esvaziadas; outras encerraram temporariamente; outras realizaram seminários e ou assembléias, como forma de orientar seus filiados a se inserirem ou construírem os sindicatos por ramo de atividade. Mesmo em meio a todas as dificuldades de funcionamento que se apresentavam e a despeito da deliberação coletiva no interior da ANAS, que levou a categoria deliberar pela dissolução dos seus sindicatos e passar a compor a nova estrutura sindical proposta pela CUT, alguns sindicatos da categoria mantiveram-se abertos, em alguns estados89. Permaneceram abertos cerca de cinco sindicatos da categoria. Alguns desses sindicatos já haviam sido destituídos, mas foram reabertos, no final da década de 1990 e início dos anos 200090. A articulação nacional desses sindicatos deu origem, no ano de 2000, a Federação Nacional dos Assistentes Sociais (FENAS), durante a 1ª Assembléia Nacional Sindical dos Assistentes Sociais, ocorrida no período de 28 a 29 de novembro do referido ano, na cidade do Rio de Janeiro. Segundo o artigo 3º do seu estatuto social, a FENAS se rege pelos seguintes princípios: I- defender a organização dos Assistentes Sociais, com total independência frente ao Estado e autonomia em relação aos partidos e agrupamentos políticos, aos credores e instituições religiosas, devendo decidir livremente suas formas de organização, filiação e suas sustentação material; II- garantir o exercício da democracia em todos os seus organismos e instâncias, assegurando completa liberdade de expressão aos seus filiados; III- defender a unidade dos Assistentes Sociais como um dos pilares básicos de sustentação de suas lutas e conquistas (2000, p.1-2). 89 Nos Estados do Ceará, Alagoas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (dois). Como sabemos, grande parte dos sindicatos profissionais da categoria foi extinta. Houve resistência de alguns sindicatos que se mantém até hoje. Atualmente, o quadro remanescente compreende o número de 11 (onze) sindicatos, filiados a FENAS, localizados nos Estados do Rio de Janeiro, Ceará, Rio Grande do Sul (dois sindicatos, um em Caxias do Sul), Alagoas, São Paulo, Pará, Maranhão, Paraná, Recife e Amazonas e 5 (cinco) associações pró-sindicatos nos Estados de Santa Catarina, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Sergipe e na cidade de Brasília. 90 127 Para justificar o seu surgimento, a FENAS difunde a análise de que, desde a extinção da ANAS, houve uma fragilização da organização sindical da categoria, tendo em vista que, a sindicalização por ramo não avançou, justamente porque, diferente do que ocorreram com as entidades sindicais dos assistentes sociais, outras categorias mantiveram seus sindicatos e federações, o que suscitou um isolamento e desarticulação das lutas específicas da categoria, além de manter a base sem representação sindical. Esses argumentos, apresentados pela FENAS, parecem relegar as determinações históricas que impeliram a supressão dos sindicatos da categoria. Nesse sentido, é preciso considerar algumas questões de fundo, para termos um melhor entendimento do real significado da criação dessa entidade. A idéia de que a fragilização da organização sindical da categoria se abateu, devido à extinção da ANAS, inverte o sentido do processo real. Sendo, a extinção dos sindicatos e da sua entidade nacional, determinada por questões de ordem sócioeconômica e políticas bastante difíceis. Ora, o desfavorecimento conjuntural91 da época, para as lutas do trabalho, determinou grandes mudanças na organização do trabalho, desorganizando-o, inclusive92. Outra questão é que, se é bem verdade que a transição aos sindicatos de ramo não teve ressonância em outras categorias profissionais, como houve com a nossa não significa dizer que, a base profissional dos assistentes sociais ficou sem representação. A orientação da condução dos profissionais aos sindicatos por ramo de atividade e de contratação foi uma escolha precedida de uma discussão democrática, transparente e participativa, realizada em vários eventos construídos para tal fim. Esta tomada pela decisão da categoria refletiu tanto a maturidade política com relação à ruptura com a modalidade corporativista do encaminhamento das lutas, na perspectiva 91 Desenhava-se a reação conservadora neoliberal, a mundialização do capital e a reestruturação produtiva flexível, desembocando no fenômeno do desemprego estrutural e da precarização do trabalho, combinada com a derrota do projeto de radicalização da democracia no Brasil. A derrota do campo da esquerda, nas eleições de 1989, abriu alas para um profundo regresso político de reformas neoliberais, no nosso país. 92 Não podemos, aqui, dissimular os rebatimentos causados, pela alteração na relação capital-trabalho, na dimensão organizativa da classe trabalhadora, considerando o processo de dessindicalização e desalento das lutas do trabalho, em relação a combatividade programática, das décadas passadas. Hoje, o desdobramento das lutas se dá, cada vez mais, de modo, insulado, focalizado e defensivo. 128 de promover uma articulação unitária da classe trabalhadora; quanto uma saída estratégica à situação de marasmo, instalada, no interior dos sindicatos profissionais da categoria, naquele contexto. Sobre essa realidade Abramides (2009), assinala que o movimento de dissolução dos sindicatos de assistentes sociais ocorreu de forma concomitante à criação e ao fortalecimento dos sindicatos gerais e por contratação, o que reforçou, politicamente, o debate da categoria sobre o fechamento dos sindicatos específicos. Nesse sentido, a autora chama a atenção para o incentivo, realizado no período da transição aos ramos, à participação e à filiação dos sindicatos de contratação ou gerais, cujo resultado pode ser verificado pela taxa de sindicalização dos assistentes sociais de 30%, enquanto a média de filiação de outras categorias de trabalhadores atinge apenas 19%, porcentagem considerada elevada em relação aos índices médios de sindicalização no país (ABRAMIDES, 2009). O fato de outras categorias manterem seus sindicatos, não é motivo, substancialmente, convincente para reverter, dentro dos setores majoritários do Serviço Social, um encaminhamento tão caro, como foi a decisão da extinção das entidades sindicais da categoria profissional. Os trabalhadores em suas categorias profissionais devem aprofundar a discussão sobre como se organizarem, assim como foi feito pela nossa e optar pelas estratégias que considerem mais pertinentes para sua organização. O surgimento da FENAS ocorre num contexto profundamente diverso daquele, no qual a ANAS nasceu. A criação da ANAS se deu num período histórico, no qual, o país passava por um processo de grandes mobilizações populares e de ressurgimento das organizações políticas de amplos segmentos da classe trabalhadora. Um contexto de profunda euforia política em defesa das liberdades democráticas, de retorno das arregimentações partidárias; e da organização dos diversos movimentos sociais que protagonizaram lutas em defesa do reconhecimento e regulamentação dos direitos sociais e trabalhistas. Nesse contexto, o favorecimento às lutas sociais, contribuiu para que os processos organizativos dos trabalhadores ganhassem grandes repercussões na sociedade brasileira. Não foi por acaso que, as lutas sindicais da categoria dos assistentes sociais, tornaram-se mediações 129 fundamentais no processo de construção da consciência de classe, no interior da categoria, bem como consistiram referências na trajetória da construção do novo projeto profissional. Essas conquistas políticas, construídas pela categoria profissional, não estão isentas das marcas daquele contexto sócio-histórico. Como vimos, a decadência política da ANAS, não ocorreu por questões, exclusivamente, internas a profissão e a sua categoria profissional. É preciso considerar as determinações objetivas despontadas contra os processos organizativos da classe trabalhadora, no contexto neoliberal, da realidade brasileira, dos anos 1990. Nessa década ocorreu um retrocesso no avanço da organização dos trabalhadores, dada as inflexões colocadas pela hegemonia de orientação neoliberal iniciada com os governos Collor e FHC. Dentro do contexto da contra-reforma do Estado brasileiro e da inserção do país na mundialização do capital, ocorreram inúmeras e perversas mudanças na realidade nacional, que golpearam frontalmente o projeto classista dos trabalhadores brasileiros. Em decorrência dos processos utilitaristas das privatizações e da desregulamentação das relações de trabalho, houve um aumento significativo do desemprego, da desigualdade social e da violência na sociedade (RAMOS, 2006). É dispensável, nesse sentido, argumentar por quais razões as organizações representativas dos trabalhadores se colocaram numa postura defensiva. Esse contexto provocou um esgarçamento nas condições de trabalho e no serviço público e, os assistentes sociais sofreram os mesmos rebatimentos que atingiram a classe trabalhadora, na particularidade dos servidores públicos, “bem como no desenvolvimento de sua atividade profissional, no âmbito das políticas públicas 93” (ABRAMIDES, 2009, p. 102). Com relação à desarticulação das lutas específicas da categoria, referida pela FENAS, iremos nos respaldar, para a análise do significado político desse 93 Vale lembrar que as conseqüências neoliberais em relação aos trabalhadores em serviço público no processo de implantação do Estado neoliberal, apontados por Abramides (2009), referem-se à diminuição de postos de trabalho e de realização de concursos, terceirização, contratos provisórios,por projetos e por intermédio de entidades conveniadas e com menores salários, flexibilidade das relações de trabalho e dos direitos sociais e trabalhistas conquistados, mecanismos de polivalência nas funções de trabalho, Programas de Demissões Voluntárias – PDV, quebra do Regime Jurídico Único, incentivo ao trabalho voluntário em detrimento de postos de trabalho e, consequentemente , aumento de desemprego. 130 argumento, na coerente reflexão, feita pelo Conselho Federal de Serviço Social, sobre esta questão94. Um questionamento central a ser feito sobre esta dimensão, é se existe, mesmo, e qual seria a agenda sindical específica da categoria hoje, considerando as mudanças no mundo do trabalho e os desafios postos para os amplos segmentos dos trabalhadores e suas entidades organizativas. Sendo, os assistentes sociais, parte da classe trabalhadora, suas demandas se inserem dentro do quadro mais amplo das demandas gerais de toda a classe trabalhadora, sendo, portanto, necessário que, os assistentes sociais travem lutas, junto a outros trabalhadores, a partir do processo de trabalho, ao qual estão vinculados, superando, assim, a dimensão corporativista na luta por conquistas para o trabalho. Por último, a concepção de isolamento atribuído, pela direção da FENAS, a extinção dos sindicatos e transição ao ramo, a nosso ver, também, é polêmica. Até porque, a extinção das entidades sindicais previa a inserção dos profissionais às lutas mais gerais, junto aos segmentos de trabalhadores, nos ramos de atividade comum. Ademais, as categorias profissionais que mantiveram seus sindicatos específicos pouco avançaram em conquistas, posto que a resposta do Estado de desmonte das políticas, dos serviços públicos e das relações de trabalho no serviço público esteve, brutalmente, disseminada, a partir das contra-reformas dos governos FHC e Lula (ABRAMIDES, 2009). Deduz-se que, mesmo se não tivessem sido extintos os seus sindicatos, a categoria não passaria incólume pelas imposições macroscópicas da dinâmica de acumulação capitalista contemporâneas. Os sindicatos não são mecanismos de luta capazes de efetivar esse tipo de proteção, ou blindagem fantástica. A questão do isolamento político pode ser analisada por vários vieses. Nessa perspectiva, cabe avaliar qual postura de isolamento consiste um verdadeiro retrocesso político. Isso sim deve ser refletido. Nesse sentido, a postura de adesão à filiação aos sindicatos por ramos de atividade, considerada pelos segmentos da FENAS como isolamento, denota, na nossa ótica, um avanço político significativo, pois mesmo a 94 Essa reflexão encontra-se sistematizada no documento “A contribuição do CFESS para o debate sindical”. Brasília, 2002. 131 categoria dos assistentes sociais foi a única (e nesse sentido parece isolado) que, não apenas, reconheceu a necessidade de realizar articulações, efetivamente, totalizantes, em nível das lutas sindicais, mas tornou-a uma referência prática e efetiva, quando abriu mão dos seus sindicatos corporativos. Outra interpretação de isolamento pode ser definida, a partir das formas de organização corporativistas, nas quais os coletivos profissionais, geralmente, se fecham nas suas pautas de lutas e relegam outros processos de organização coletiva. A FENAS surge com o objetivo de acelerar o debate sindical no interior da categoria, levar as inquietações para os fóruns nacionais, defender os interesses dos assistentes sociais nas questões trabalhistas e ampliar o mercado de trabalho, bem como busca ainda ampliar a participação no controle social e nos fóruns de direito, assento nas várias esferas, contribuindo para a efetivação das políticas públicas no âmbito público e para uma ação revolucionária no conjunto dos demais trabalhadores (DALLARUVERA e ALVARENGA, 2007). “Acima de tudo, a FENAS tem o real compromisso de, além de defender seus trabalhadores, lutar pela valorização e respeito à profissão de Serviço Social” (Ibdem: p.197). Teoricamente, o conteúdo político reivindicado pela FENAS, possui uma perfeita sintonia com os interesses da classe trabalhadora e, nesse sentido, com os princípios do projeto ético-político profissional. Contudo, como nos chama atenção Ramos (2006), é necessário analisar, a partir da definição dos princípios e propostas apresentados pela FENAS, seu potencial político e sua postura democrática, bem como em que medida esta entidade influi na construção do projeto ético-político profissional e nas lutas democráticas populares vigentes no país. De acordo com Ramos (2006) a falta de legitimidade do processo de criação da FENAS e sua relação com as demais entidades, particularmente o Conjunto CFESS/CRESS são aspectos que: Apontam para o questionamento dessa experiência que parece romper com um princípio ético-político consolidado na organização política profissional: a ampla discussão democrática entre a categoria e suas entidades representativas. A ausência desse debate coletivo, aliada às divergências com a direção política da FENAS, gerou uma falta de legitimidade entre os expressivos segmentos profissionais e demais entidades representativas (p. 164). 132 É preciso, porém, levar em consideração que, mesmo não contando com a legitimidade política pressuposta pela construção democrática entre as entidades representativas da profissão, a FENAS foi criada de uma forma quase que inexpressiva, mas se instalou em âmbito nacional e vem crescendo sorrateiramente. No período de sua criação, a FENAS contava com um contingente de apenas 5 (cinco) sindicatos, hoje são 11 (onze), além, das entidades que estão em processo de reabertura em vários estados brasileiros95. A ação política dessa entidade vem revertendo uma questão, historicamente, vencida nas teses do sindicalismo de massas e no interior da categoria profissional, isto é, a supressão das categorias profissionais como referências para a organização das lutas sindicais. Certamente, o adensamento do apoio político de determinados setores profissionais a FENAS está relacionado às necessidades concretas que a categoria identifica quanto a defesa de lutas especificamente sindicais, ou seja, lutas políticas em defesa de salários, jornadas de trabalho e outras garantias trabalhistas, o que corresponde a uma questão legítima, do ponto de vista das necessidades imediata da classe trabalhadora. O problema crucial nessa questão, não é, exatamente, esse, mas a forma como as lutas são organizadas politicamente. Não podemos esquecer que, nesse contexto, a tendência predominante no movimento de organização dos trabalhadores é configurada pela focalização das lutas, imediatismo e corporativismo das práticas. Ao tratar da complexidade dessa questão, Ramos (2006) lembra outros fatores que se adensaram nesse processo, quais sejam: a discordância de segmentos profissionais quanto à decisão assumida em relação à supressão das entidades sindicais; o desconhecimento das novas gerações de assistentes sociais em relação ao processo sociopolítico que levou a tal decisão; os impactos da política neoliberal nas condições salariais e de trabalho da categoria profissional, bem como a situação de fragilidade da direção da CUT, que pelas inflexões que sofreu, nos anos 1990, edulcorou-se no campo da colaboração de classe. Estas questões geraram imensos 95 Conforme as informações da diretoria da FENAS os sindicatos reabertos, após criação da FENAS são nos seguintes Estados: São Paulo, Pará, Maranhão, Paraná, Recife e Amazonas. Em processo de reabertura: Bahia, Santa Catarina, MG – tem inclusive sede própria em BH, Brasília, Sergipe, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Norte. 133 impactos na dificuldade que os assistentes sociais tiveram que enfrentaram para transitar para a nova estrutura sindical. A tendência de reabertura de sindicatos profissionais, atualmente, é bastante preocupante, pois, representa a afirmação de uma perspectiva que aparentemente se mostra progressista, mas em essência é funcional a ordem, pois contribui para manter a consciência política da categoria no nível econômicocorporativo, reforçando práticas isoladas do conjunto das lutas das classes trabalhadoras. De acordo com Abramides (2009), a FENAS nasce filiada à CUT e à Confederação Nacional dos Trabalhadores da Seguridade Social, CNTSS, porém também não representa conquistas para a categoria profissional. Cabe lembrar que “parte das direções desses sindicatos e da FENAS se encontra sob a direção da Corrente Sindical Classista, linha política do PCdoB, no movimento sindical, e da Articulação Sindical na CUT, posição hegemônica do PT” (ABRAMIDES, 2009, P. 105106). Aliás, os segmentos que defendem a reabertura das entidades sindicais da categoria, têm conseguido problematiza questões políticas, no interior da categoria profissional, que não tangem apenas à dimensão da organização sindical, mas se estende para outros âmbitos da atuação política profissional, a exemplo da disputa de espaços de representação política no CNAS, em 2005, e da direção do Conjunto CFESS/CRESS, no pleito das eleições de 2007, nas quais se inseriram, protagonizando posturas profissionais comprometidos com projetos políticos diferenciados da perspectiva política hegemônica no Serviço Social brasileiro (RAMOS e SANTOS, 2008). Compreendemos que a implantação da nova estrutura sindical, da qual a proposta dos sindicatos por ramo faz parte, é um desafio enorme para as centrais sindicais, bem como para os segmentos das categorias profissionais que concordam com essa transição, pois, a elas compete à construção de estratégias para a superação da lógica de serem, as categorias profissionais, a referência para a organização sindical. Nessa direção, Abramides e Cabral (1995, p.113), apontam que “essa 134 construção implica um trabalho de base, a partir do mapeamento da categoria e pressupõe um processo de formação sindical permanente”. Acreditamos que essa ponderação tão pertinente, das autoras, constitui-se, ainda hoje, um grande desafio às entidades representativas da profissão. É importante e necessário reconhecer isso, pois a acertada decisão de extinguir os sindicatos está, hoje, sendo posta à prova, ou melhor, sendo superada com a realidade de reabertura de vários sindicatos profissionais da categoria, no Brasil inteiro. Ademais, a organização dos ramos é uma realidade difícil, sobretudo nesse contexto de fragmentação. E é nesse exato sentido, que o movimento de reabertura dos sindicatos profissionais da categoria, explicita o reforço ao corporativismo e fragmentação da classe trabalhadora. Uma questão central nesse debate, que não pode passar incólume nessa análise, diz respeito as implicação reais desse retorno da organização sindical -, que se constitui, hoje, junto a transitoriedade inconclusa para os sindicatos por ramos de atividade, o dilema da organização sindical dos assistentes sociais - para a direção hegemônica do projeto ético-político da profissão. Diante desta problemática seguiremos para as reflexões do próximo item. 4.2 O debate sindical no âmbito das entidades nacionais da categoria O debate existente no interior da profissão, sobre a questão da organização sindical, como vimos, é bastante polêmico. O retorno da organização dos sindicatos da categoria, representados em âmbito nacional pela FENAS, intensificou ainda mais divergências acerca dessa questão. O confronto de idéias polariza, pelo menos, três tendências diferentes. A primeira aglutina os setores que, em consonância com o projeto ético-político profissional, bem como, com a proposta da nova estruturação sindical, pela ruptura com o corporativismo e unificação das lutas do conjunto dos trabalhadores, defende a sindicalização por ramo de atividade, A segunda reúne os segmentos, que não defendem isso, nessa conjuntura, e mantém em funcionamento uma entidade sindical nacional da categoria que investe na reabertura dos sindicatos 135 de assistentes sociais, sob a alegação de que os ramos não foram estruturas consolidadas e, portanto, os sindicatos profissionais devem continuar dando prosseguimento às lutas da categoria. E a terceira tendência, que na verdade, não possui muita expressividade no âmbito profissional, seria a que defende a disputa política da direção desses sindicatos. Como dissemos, até hoje, esta tendência, não ganhou qualquer ressonância nos fóruns da categoria, podendo, até mesmo, não ser considerada uma tendência dentro desse debate. Vale salientar que a análise realizada pelos vetores que perfilam esta tendência, considera necessária e estratégica a disputa da direção dos sindicatos da categoria para garantir, num primeiro momento, direção política crítica e autônoma ao movimento de reabertura dos sindicatos, e depois uma transitoriedade efetiva aos sindicatos gerais, de organização por ramo de atividade. Os vetores que propõem essas estratégias levam em consideração os limites da vinculação das outras entidades representativas da categoria (CFESS, ABEPSS e ENESSO), à ação sindical, pela própria natureza que possuem, o que implica as dificuldades para contribuírem, nessa transitoriedade. Contudo, vale salientar que, o impedimento diz respeito a uma articulação orgânica do movimento organizador dos trabalhadores nas instâncias sindicais, mas não impossibilita uma articulação política para a contribuição das entidades organizativas da formação e, sobretudo, do exercício profissional ao ramo de atividade, interpretando inclusive a situação da categoria profissional, diante das suas atribuições e requisições profissionais nos vários espaços sócio-ocupacionais (ABRAMIDES, 2009). Nessa perspectiva, torna-se imprescindível elencar, dentro da trajetória de organização das entidades representativas e da construção do projeto ético-político profissional do Serviço Social brasileiro, os aspectos que expressam, nitidamente, a articulação política das lutas da categoria com os processos organizativos da classe trabalhadora na defesa dos seus interesses imediatos e históricos. Como vimos, desde os anos 1980, fase de construção do atual projeto profissional do Serviço Social, o conjunto das entidades representativas da profissão passou a atuar, politicamente, a partir da conjugação das reivindicações profissionais com as lutas e interesses da classe trabalhadora. 136 A trajetória de atuação política da categoria profissional, na sociedade brasileira, tomou um grande fôlego na conjuntura dos anos 1980, atravessando, com expressiva resistência, as deletérias inflexões sócio-econômicas que se abriram nos anos 1990 e adentraram sadicamente o novo milênio. Os desafios que se abriram, nessa conjuntura recente, têm demandado dos agentes profissionais do Serviço Social, uma enorme capacidade crítico-reflexiva e resistência política para o enfrentamento das ameaças deflagradas contra o projeto hegemônico da profissão e suas conquistas históricas. Por essa razão, o fortalecimento coletivo das alianças políticas entre as entidades nacionais representativas da profissão e os setores populares de esquerda tem sido estratégico, no sentido de garantir a direção social crítica a profissão. A inserção política do projeto profissional do Serviço Social brasileiro, no campo político de esquerda, acabou influenciando, sobremaneira, a composição da agenda de lutas das suas entidades nacionais. Contudo, as lutas que compõem a agenda política das entidades representativas da profissão e reivindicam a materialização do projeto ético-político do Serviço Social, devem ser entendidas numa perspectiva sócio-histórica e submetidas às tensões sócio-político-culturais na disputa entre projetos societários distintos (SANTOS, 2007). A trajetória de inserção do Serviço Social brasileiro no campo político é marcada pelo reforço a luta pelos direitos sociais, políticos e humanos e tem se desenvolvido numa perspectiva de fortalecimento de uma cultura política emancipatória. Nesse sentido, a condução política das lutas que integram as agendas das entidades representativas do Serviço Social, hoje, é balizada na compreensão de que a luta política é a mediação necessária para o fortalecimento dos segmentos do trabalho na medida em que se torna capaz de “explicitar o estado de degeneração da sociabilidade vigente” (SANTOS, 2007, p. 29). Esta perspectiva é reforçada pela conselheira do CFESS entrevistada na nossa pesquisa, conforme demonstra sua seguinte fala: [...] o Conselho Federal de Serviço Social, ele tem do ponto de vista tanto da sua direção política de intervenção quanto das estratégias que são construídas, eu acho que tem uma perspectiva de construção de estratégias de lutar pela ampliação dos direitos, pela implementação de direitos inexistentes, pela 137 conquista de direitos inexistentes e pela ampliação de direitos. Mas, numa perspectiva que não se esgota na garantia desses direitos no capitalismo. Então, eu acho que tem dois, acho que a gente pode falar em dois patamares ou duas dimensões aí de pautas de luta e de reivindicação. Eu acho que uma: construir, estabelecer a luta por direito e a defesa de direitos como uma importante conquista da classe trabalhadora para a garantia de condições de vida, pra garantia de busca de igualdade de condições, não igualdade de oportunidade, mas igualdade de condições, mas com a perspectiva de que essa luta por direitos, ela seja o cimento, seja uma matéria de fortalecimento dos movimentos sociais, das lutas da classe trabalhadora com a perspectiva de construção de uma sociedade emancipada, ou de construção de uma radicalização da democracia. Eu acho que essa é a perspectiva do ponto de vista de princípios na agenda de lutas do Conselho Federal de Serviço Social. Agora, é claro que isso passa por construção de estratégias cotidianas de intervenção, né? E a construção dessas estratégias cotidianas de intervenção, elas, se você olhar especificamente pra essas estratégias sem ter uma perspectiva de totalidade, as vezes pode dar a impressão que as estratégias cotidianas, são estratégias utópicas, ou são estratégias que podem parecer reformistas, mas na verdade elas são estratégias que estão ancoradas, estão sustentadas em princípios muito mais amplos (CONSELHEIRA DO CFESS – Gestão Atitude crítica para avançar na luta). Os princípios sinalizados nessa fala são valores éticos imprescindíveis na luta política com direção para transformação social. Tais princípios apontam para uma perspectiva ético-política que transcende a esfera corporativa profissional e atinge a dimensão societária. Nesse sentido, A defesa da liberdade, como valor central da reflexão ética; da democracia não só política, mas também econômica; da cidadania na perspectiva da universalização de direitos; da justiça social efetiva; dos direitos humanos como dimensão inalienável de todos os indivíduos sociais; da luta pela eliminação de todos os preconceitos e o respeito à diversidade são princípios direcionados para a sociedade e para o Serviço Social (RAMOS, 2005, p.226). A materialização desse conjunto de princípios e valores pressupõe, naturalmente, a construção de estratégias que se direcionem para o enfrentamento direto das contradições sociais, especialmente no que concerne a desigualdade social, ao processo de desmonte e precarização dos direitos e a barbárie social em sua totalidade. Nesse sentido, o papel político que as entidades representativas da profissão vêm realizando, nesses últimos anos, possui grande relevância no atual 138 contexto sócio-histórico. É de notória expressividade as denúncias e reivindicações presentes, especialmente, nas campanhas temáticas do conjunto CFESS/CRESS e/ou nas publicações coletiva de manifestos e moções das entidades entre si e/ou junto a outras organizações sociais. São nessas empreitadas que se revelam e se concretizam as possibilidades de resistência a concentração da renda e da riqueza socialmente produzida96; ao cerceamento da liberdade individual e coletiva; a negação de direitos; a toda e qualquer forma de opressão, preconceito e violência97. As lutas em defesa de direitos têm sido consideradas, por amplos setores da categoria profissional, como uma estratégia importante no enfrentamento a barbárie social. Nessa conjuntura defensiva de retração e perdas das conquistas históricas dos trabalhadores, a inserção nos espaços de controle das políticas públicas constitui-se, uma das principais mediações para a defesa da ampliação e manutenção de direitos sociais já conquistados. Vejamos, a esse respeito, a seguinte reflexão da conselheira do CFESS entrevistada O CFESS, ele tem representação em muitos conselhos de defesa de direitos e de políticas. É uma estratégia importante que a gente coloca no computo da democratização dos espaços, de socialização da política. É uma estratégia de socialização da política. Ora, é estratégia que olhando ela do ponto de vista isolada, ou especificamente, pode parecer uma estratégia reformista. Atuar em conselho de políticas públicas, qual é a possibilidade aí de radicalização da democracia, considerando que os conselhos têm uma natureza, as vezes, muito corporativa ou de defesa de interesses muito específicos, ou as vezes, até com representações conservadoras, né? Então, se você olhar só por ali, você pode chegar a conclusão: o quê que o CFESS está fazendo nesses conselhos? O que isso tem a ver com uma pauta de luta de interesses da classe trabalhadora? Mas, a gente trata essas representações como a ocupação de um espaço que ele permite duas coisas, pelo menos: acho que uma, é acesso a informação que é fundamental para alimentar uma intervenção crítica, né? Então, é um espaço de acesso a informação. Acho que isso é uma coisa importante. A outra coisa importante, é que é um espaço de socialização da 96 Um exemplo concreto de defesa desse princípio é a campanha Lutar por Direitos, Romper com a Desigualdade lançada em maio de 2009, pela Gestão (2008-2011) do CFESS. Esta campanha tem o objetivo de provocar reflexão e indignação com a barbárie que se reproduz cotidianamente em nosso país e mobilizar a sociedade para defender a socialização da política e o fortalecimento das instituições verdadeiramente democráticas, autonomia da classe trabalhadora e dos movimentos sociais; os valores éticos em defesa da equidade; posicionamento contrário a toda forma de exploração, opressão e violência; uma política econômica a serviço do crescimento e da distribuição da riqueza social produzida; ampla reforma agrária; o direito ao trabalho e emprego para todos, sem discriminação; luta pela ampliação dos salários e rendimentos do trabalho; a luta pela universalização da seguridade social pública; e a luta pela educação pública, laica, presencial e universal em todos os níveis. 97 O combate ao preconceito e a discriminação, também foi tema de campanhas realizadas pelo CFESS, a exemplo da campanha O Amor Fala Todas as Línguas, em 2006, que expressou posicionamento em defesa da liberdade de orientação e expressão sexual; bem como a campanha de Combate ao Racismo, em 2001, que trouxe a tona a luta pelo respeito as diferenças étnico-raciais. 139 política e de exercício da democracia, ainda que ela não seja uma democracia participativa radicalizada, mas é um exercício de democracia, onde tem uma possibilidade de contestação, uma possibilidade de apresentação de propostas, uma possibilidade de negação de determinados valores, de determinadas formas de fazer política num espaço que é plural, porque tem representação governamental, tem representação da sociedade civil e representações com interesses muito diferenciados, né? Então, a representação não é representação pela representação, não é representação pra está lá meramente ocupando um espaço entendendo que isso é o projeto de exercício democrático, né?, mas é um espaço pra acesso a informação, pro exercício da socialização política, um espaço para acúmulo de forças, um espaço para a contestação, um espaço para construir uma mediação pra pautar a radicalização da democracia (CONSELHEIRA DO CFESS – Gestão Atitude crítica para avançar na luta). De acordo com Santos (2007), embora determinado pelas relações de produção da sociedade capitalista, o direito funciona como força reguladora fundamental e, em certas conjunturas, é indispensável para garantir ganhos aos segmentos do trabalho. Nessa perspectiva, a autora ressalta que não foi por acaso que a „agenda dos direitos‟ ganhou relevância no Serviço Social, no fim dos anos 1970. Como vimos, este foi um período sócio-histórico de profundas mudanças teóricopolíticas no âmbito da vida social, com significativas repercussões no interior da profissão. O movimento de renovação profissional passou por uma vinculação orgânica com a luta por direitos junto a vários segmentos da classe trabalhadora. Atrelada a defesa de direitos consubstanciou-se, no meio profissional, “o reconhecimento do usuário como sujeito de direito e a afirmação da democracia como luta estratégica (SANTOS, 2007, p.27). Para a autora, esse reconhecimento se constituiu um fio condutor capaz de mobilizar amplos segmentos da categoria profissional. Não é por acaso que o compromisso ético-político profissional com os interesses da classe trabalhadora vem sendo, cotidianamente, reafirmado por amplos segmentos da categoria profissional nos seus espaços de atuação, bem como pelas entidades representativas da profissão. É inegável que a explicitação da consciência profissional de que sua ação se insere na tentativa de solução de um conjunto de problemas que dizem respeito a todos os trabalhadores (PAIVA et al, 1996), tem contribuído para reforçar a defesa intransigente da democracia política e econômica como condição indispensável para garantir a “ampliação do nível material e de 140 construção política da classe trabalhadora” (RAMOS, 2007, p.42). Essa perspectiva tem sido, senão unânime, predominante no interior da categoria profissional e vem sendo consolidada pelas entidades representativas da profissão a exemplo do trabalho realizado pelo Conjunto dos conselhos de fiscalização da profissão. Conforme destaca a conselheira entrevistada. [...] o CFESS e os CRESS eles têm, nos últimos trinta anos, particularmente, construído uma agenda de lutas, uma agenda de intervenção que é muito sintonizada, muito relacionada com os interesses da classe trabalhadora. Eu acho que isso decorre desse movimento de construção do Projeto Ético-político, sobretudo, a partir do código de ética, a partir da lei de regulamentação da profissão de 1993. Os princípios e diretrizes que estão no código de ética, eles são muito determinados pela luta em defesa dos interesses da classe trabalhadora e pela articulação com os movimentos sociais que têm essa perspectiva. Então, por exemplo, os princípios como a socialização da riqueza, princípio claro do código de ética, que é um princípio sintonizado com os movimentos da classe trabalhadora mais combativos, porque também não pode generalizar, né?, Porque tem movimentos sociais que têm outras perspectivas, né? [...] Então, nesse sentido, o CFESS tem investido nessa perspectiva de está presente, assegurar a representação como espaço de articulação e de construção de lutas com movimentos sociais que tenham o mesmo foco, que sejam equalizados pelos mesmos princípios e diretrizes, né? (CONSELHEIRA DO CFESS – Gestão Atitude Crítica para Avançar na luta). Este posicionamento expressa uma postura política atinente com o que reivindica o projeto profissional, contudo, sabemos que essa consciência política de pertencimento e posicionamento em favor dos interesses da classe trabalhadora não foi deflagrada de forma unânime e homogênea no conjunto da categoria profissional. Isto é, outras perspectivas políticas, teóricas, valorativas convivem no espaço plural da profissão. Vale lembrar que, de forma semelhante, há, no amplo conjunto da classe trabalhadora uma multiplicidade de perspectivas políticas que se expressam de diversas maneiras no campo da luta política98. Essa questão é bastante relevante e suas implicações e definições ético-valorativas vêm sendo consideradas, no processo Não podemos esquecer que as idéias dominantes permeiam toda a estrutura social, pois “são nada mais que a expressão ideal das relações materiais dominantes” (MARX e ENGELS, 2005, p. 78). Então elas estão por toda parte. Adentram as instâncias aparentemente mais impermeáveis, se instalam sutilmente nos intelectos e ganham materialidade na práxis social. Mas é preciso lembrar que, embora dominantes, não são exclusivas. O conflito entre as classes sociais supõe disputas de toda ordem a começar pelas próprias condições de existência de cada classe. 98 141 de conformação das alianças políticas entre as entidades representativas do Serviço Social e determinados segmentos e lutas da classe trabalhadora. A projeção de qualquer ação orientada para a objetivação de valores e finalidades compõe a práxis social, mas tal projeção só se torna ética e política quando compreendemos que a objetivação de valores supõe a política como espaço de luta entre projetos diferentes (BARROCO, 2008). Reiteramos que essa dimensão se expressa tanto nas relações internas da profissão, quanto na sua relação com outros processos e sujeitos coletivos. Por essa razão, a efetivação do projeto profissional, por exemplo, necessita de fortes e estratégicas articulações políticas no interior da profissão e fora dela. Embora possuam particularidades, estas articulações internas e externas a profissão acabam se imbricando, pois possuem as mesmas determinações sócio-históricas. No interior do Serviço Social, as articulações ocorrem na perspectiva de garantir legitimidade ao que se constrói coletivamente, a exemplo dos princípios, valores e lutas que conformam o projeto profissional. No entanto, mais que legitimidade perante a categoria profissional, este projeto necessita de repercussão e efetivação social para além dos muros da profissão. E é isso que tem impulsionado as articulações políticas, a partir de dentro pra fora do Serviço Social, pois a substância real do projeto ético-político profissional está presente no movimento vivo da realidade social e sua consolidação depende fundamentalmente da articulação entre as lutas profissionais e as lutas políticas dos movimentos sociais mais combativos que se irrompem na sociedade. Destacamos uma reflexão da conselheira entrevistada sobre a articulação do CFESS a outros sujeitos coletivos O CFESS vem investindo muito [...] acho que nós nos aproximamos muito mais de movimentos que estão naquela perspectiva [...] de movimentos que estão se rearticulando em torno de defesas de lutas mais classistas. Então, este ano 99 [2008], nos tivemos uma aproximação bem interessante com o MST , participamos do congresso, na verdade a participação no congresso do MST foi ano passado [2007], mas, aí continuamos na articulação com o MST e apoiando e participando de movimentos de defesa de luta pela terra e tal. 100 Participamos também do congresso do CONLUTAS que foi esse ano, agora em julho. Então, também nos aproximamos desse movimento na perspectiva de acompanhar a reorganização da CONLUTAS como espaço de articulação da sociedade do ponto de vista do movimento sindical mais aguerrido. Apoiamos agora, recentemente, três importantes movimentos sociais tanto do ponto de 99 Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) Coordenação Nacional de Lutas (CONLUTAS) 100 142 vista político quanto do ponto de vista material mesmo, que foi o movimento da reforma urbana que teve agora, recentemente, semana passada, um dia nacional de ocupação em defesa da democratização do acesso a habitação, né? Então, apoiamos esse movimento. [...] Na verdade a gente integra o Fórum Nacional de Reforma Urbana e pelo Fórum Nacional de Reforma Urbana, teve uma articulação das entidades que integram o Fórum, de um dia nacional de luta em defesa do acesso a moradia. E aí a estratégia é utilizada por várias entidades, sobretudo de representações do Movimento dos Sem Teto de ocupações de espaços desocupados, né? E aí a gente participou desse movimento, uma representação interessante que o CFESS tem que além dos conselhos tem representação também nos fóruns. Tem o Fórum Nacional de Reforma Urbana, tem o Fórum Brasil de Orçamento que é uma outra representação também dentro dessa discussão, que o Fórum Brasil de Orçamento, ele é, também bastante diverso, né? Tem entidades que não são tão radicais. A gente vai no Fórum de Orçamento pra defender radicalmente a socialização do orçamento público, socialização, ou seja, da redistribuição do fundo público. Então é claro que a gente encontra aliados que tem a mesma perspectiva que a gente e outros que não. Mas, é uma espaço de embate, é um espaço de diálogo, é um espaço de pautar os princípios. Então quando a gente ta falando lá do princípio do código de ética, da socialização da riqueza, pra gente está no Fórum Brasil de Orçamento, é uma estratégia pra tentar materializar esse princípio, por exemplo, pra fazer esse link, então, pra puxar dentro do Fórum a discussão. Bom, socialização da riqueza do ponto de vista radical, só pela socialização dos meios de produção, radicalmente. Mas, enquanto a gente não alcança isso como conquista histórica, então é possível, também, pelo menos estabelecer, no âmbito do capitalismo, uma política de redistribuição de renda, né? E aí a via do orçamento é uma via interessante pra o estabelecimento de políticas de redistribuição de renda, pelo fundo público, pelo estabelecimento de impostos progressivos, pelo estabelecimento de impostos que tributem maiores rendimentos e não o rendimento da classe 101 trabalhadora). [...] E aí então tem o ANDES que a gente se alia na discussão e nas lutas contra a reforma universitária, tem o MST na discussão do acesso a terra, né? não no sentido de acesso a terra a propriedade, mas no sentido da socialização da propriedade; aí tem o CONLUTAS, numa perspectiva mais sindical [...] (CONSELHEIRA DO CFESS – Gestão Atitude crítica para avançar na luta) Além da relação estabelecida com os movimentos sociais, existem também, outras estratégias de defesa dos direitos sociais, como é o caso da luta junto à população usuária dos serviços prestados, nos espaços de intervenção profissional. Claro que essa defesa não ocorre de forma espontânea, mas pressupõe, por parte dos profissionais, compromisso ético-político com as necessidades sociais advindas da classe trabalhadora. A realização desse compromisso supõe disposição e coragem para enfrentar a correlação de forças presente no interior das instituições, bem como, desafios relacionados às condições materiais de trabalho e aos tipos de vínculo e 101 Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior 143 contrato que mediam a inserção profissional. Essas questões, geralmente, dificultam o avanço da luta política, porque acabam repercutindo diretamente na autonomia relativa profissional. Contudo, existem, na profissão, instrumentos normativos legais que funcionam de forma bastante estratégica como mecanismos políticos no reforço a defesa de direitos, a exemplo do Código de Ética Profissional, da Lei de Regulamentação da Profissão e, mais especificamente no âmbito do conjunto dos conselhos, a Política Nacional de Fiscalização (PNF). [...] no âmbito do Conselho Federal de Serviço Social, a gente estabelece uma discussão de Política Nacional de Fiscalização, que é muito, muito mais ampla do que fiscalizar a postura ética do assistente social, mas é uma Política Nacional de Fiscalização que tem uma sintonia direta com a garantia de direitos dos assistentes sociais como trabalhadores, portanto integrantes da classe trabalhadora e, também, com pautas de luta de defesa de condições de trabalho que assegurem esses direitos e que tem, lá na frente a perspectiva de garantia de serviços com qualidade para os usuários,ou seja, para a classe trabalhadora que é com quem mais nós atuamos, do ponto de vista da intervenção profissional. Eu acho que aí também tem uma relação direta com os interesses da classe trabalhadora, porque a atuação disso, que é a atividade precípua do CFESS, que é a fiscalização do exercício profissional, não é uma fiscalização stricto sensu, na perspectiva fiscalizatória, punitiva da postura ética corporativa, não é isso, que é o que predomina na maioria dos conselhos profissionais. A perspectiva do CFESS é uma outra perspectiva, é uma Política Nacional de Fiscalização extremamente conectada com a defesa dos direitos da classe trabalhadora, inclusive, na defesa das condições de trabalho e dos direitos do assistente social visto como trabalhador. Então eu acho que isso também mostra essa conexão entre a agenda de lutas do CFESS e a agenda de lutas dos interesses da classe trabalhadora (CONSELHEIRA DO CFESS – Gestão Atitude crítica para avançar na luta). A convicção de que a luta pela materialização do projeto profissional perpassa pela defesa da formação e do exercício profissional, - sobretudo num contexto de profundas ameaças neoliberais aos direitos sociais e trabalhistas - fez com que o conjunto das entidades intensificasse, nesses últimos anos, a mobilização da categoria profissional em torno de duas frentes de lutas: primeiro em defesa da melhoria da qualidade do ensino superior; e a outra relacionada à defesa da melhoria das condições do trabalho profissional. Na verdade, essas lutas expressam uma direção política de contestação à política neoliberal e vêm sendo realizadas junto a vários movimentos sociais com perspectivas mais aguerridas, nessa conjuntura defensiva. Essa dimensão da agenda de lutas das entidades é ressaltada pela diretoria da ABEPSS entrevistada. 144 [...] a ABEPSS busca articular-se com entidades profissionais da área do Serviço Social, Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS) Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social (ENESSO), Centros Acadêmicos de Serviço Social (CA) e outras entidades sindicais e movimentos sociais como Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior (ANDES) Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), Coordenação Nacional de Lutas(CONLUTAS), dentre outros, a partir de um plano de lutas que privilegia as questões da formação e do exercício profissional (Membro da diretoria da ABEPSS Nacional – Gestão 2007/2008). Desse modo, a defesa da formação profissional vem se materializando, através das denúncias e da contraposição política ao processo de sucateamento das universidades públicas e da precarização das condições de trabalho docente; e ao inescrupuloso crescimento de cursos de ensino de graduação a distância (EAD) 102. Já do ponto de vista da defesa do trabalho profissional, as lutas apontam para a defesa das políticas sociais públicas com reivindicações para o aumento de investimento do fundo público na área social; do aumento de postos de trabalho através da realização de concursos públicos; da diminuição da jornada de trabalho e estabelecimento de piso salarial para a categoria profissional103; e em defesa da melhoria das condições de trabalho nas instituições públicas. O detalhamento das estratégias construídas para o enfrentamento da problemática relacionada ao trabalho e a formação profissional, está disposto no Plano de Ação104 das entidades nacionais do Serviço Social, construído em novembro de 2008. Estruturado em sete eixos o plano previu: ações relativas à Política Nacional de Fiscalização, ações de Estudos e Pesquisas, ações de articulação com entidades, movimentos sociais e conselhos, ações junto ao MEC, ações junto ao Poder Legislativo, ações jurídicas, ações de comunicação e mobilização. Este plano consistiu numa das maiores prioridades na agenda de lutas das entidades nacionais do Serviço 102 Esta modalidade de ensino é a expressão mais perversa da precarização da educação superior, na medida em que acirra e consolida o ensino privado, de baixa qualidade acadêmica, sendo implementado, majoritariamente, pelas redes privadas de mercantilização da educação. 103 Discutiremos, mais adiante, a particularidade das lutas da categoria profissional pelo piso salarial e a jornada de trabalho. 104 Este documento foi resultado do trabalho de uma comissão formada por representantes das entidades nacionais do Serviço Social (CFESS, ABEPSS e ENESSO), para pensar e sistematizar estratégias de enfrentamento a precarização do ensino superior, conforme objetivo definido no 37º Encontro Nacional do Conjunto CFESS/CRESS, e em cumprimento as deliberações para o eixo Formação Profissional. 145 Social, durante o ano de 2009. Seu pleno desenvolvimento garantiu grandes avanços na luta em defesa do trabalho e da formação profissional. Este esforço coletivo consubstanciou-se na elaboração da Política Nacional de Estágio105; no aprimoramento e elaboração de novos mecanismos jurídicos (pareceres e resoluções106) para garantir maiores suportes a Política Nacional de Fiscalização e de Estágio; na realização de atividades conjuntas com os movimentos sociais que militam em defesa da universidade pública, a exemplo do ANDES e da Federação de sindicatos de Trabalhadores em Educação das Universidades Brasileiras (FASUBRA); e numa ampla divulgação do posicionamento das entidades sobre os cursos de graduação à distância, através de diversos veículos de comunicação e debates dos eventos realizados pelas entidades. A despeito de todos esses avanços, o que está em curso é uma luta política de muitos desafios no processo de enfrentamento a barbarização que assistimos no tempo-histórico presente. Trata-se, noutras palavras, de uma luta de contraposição aos ditames do grande capital, do lucro, das relações mercantilistas que dinamitam a totalidade da vida, com profundos e inéditos requintes de expropriação social. Portanto, é preciso reconhecer que, com muita perseverança, coragem e radicalidade ético-política, amplos segmentos da categoria dos assistentes sociais estão encampando uma luta de cunho anticapitalista. A agenda de lutas dessas entidades expressa, com toda nitidez, essa perspectiva. É uma agenda dinâmica e difusa, que não se restringe somente a defesa de direitos sociais ou políticos, mas assume dimensões mais amplas. Observemos aqui a luta pelos direitos humanos, reprodutivos, sexuais, bem como a defesa do respeito às diferenças étnicas, raciais e de gênero, presentes nas campanhas temáticas realizadas pelo conjunto das 105 A Política Nacional de Estágio está sendo elaborada pela atual gestão da ABEPSS (2009/2010), tendo o documento base sido lançado em maio de 2009 e sua versão definitiva deverá ser socializada após amplos debates em todo o país, em março de 2010. 106 A resolução 533/08 que regulamenta a supervisão direta de estágio; a resolução de inscrição profissional; e parecer jurídico que subsidie e fortaleça a fiscalização nas instituições de ensino superior que não cumprem os requisitos legais para a formação. . 146 entidades; no apoio que manifestam em favor dos movimentos sociais que lutam pela livre expressão das diferenças dos sujeitos, e na mediação que estabelecem entre esses aspectos e a luta por direitos realizada nas instâncias de controle de direitos e de políticas públicas. A mediação dessas lutas, encampadas pelas entidades nacionais da categoria, são fundamentais no sentido da reafirmação de uma a perspectiva éticopolítica do projeto profissional do Serviço Social brasileiro. A análise dessa trajetória de lutas da categoria profissional nos ajuda entender, um pouco, as bases sob as quais se colocam os dilemas da organização sindical da categoria. Na nossa concepção, aquelas tendências, existentes no interior da categoria, sobre as estratégias de mobilização e organização sindical, revelam-se, essencialmente, como resultado da divergência de análises da sociedade e da profissão, bem como de defesa política de projetos profissionais e societários, no interior da categoria profissional. Esta análise se fundamenta na compreensão que define a categoria profissional como um sujeito coletivo heterogêneo e a profissão como um espaço dinâmico no qual permeiam projetos profissionais e societários diferenciados e antagônicos. Ademias, essas constatações seriam evidenciadas neste trabalho, a partir da problemática trata o conteúdo das entrevistas realizadas com representantes nacionais da categoria. A discussão sobre a organização sindical ressurge, no âmbito das entidades representativas do Serviço Social brasileiro, com a criação da FENAS nos anos 2000. Essa realidade vem discutida no âmbito das entidades nacionais representativas da profissão. A despeito da tendência de reabertura, a perspectiva apontada pelas entidades é de reforço , na atual conjuntura, a deliberação encaminhada pela categoria, em meados dos anos 1990, quando da extinção da ANAS Olha a gente fez um debate muito interessante sobre organização sindical, ano passado [2007], no Encontro Nacional CFESS/CRESS, onde a gente levou um debate com as três entidades sindicais numa mesa, CUT, a INTERSINDICAL e a CONLUTAS. Foi muito interessante. Ou seja, a gente continua discutindo e a gente esta pautando a discussão. Dessa discussão o que esse debate reafirmou? Reafirmou a completa inviabilidade da 147 organização sindical por categoria de defesas de interesses de classes. O debate deixa, assim, claramente colocado e isso só reafirma as análises que já haviam, que já tinham sido feitas por ocasião da extinção da ANAS e dos sindicatos. Então, nesse sentido, o CFESS e o conjunto continuam firmes na sua defesa do sindicato por ramo, do fortalecimento dos movimentos sindicais, ao movimento filiado a defesa de interesses de classe, né? Então, não tem diferença nisso, nesse debate atual daquele momento (CONSELHEIRA DO CFESS – Gestão Atitude crítica para avançar na luta). Nessa perspectiva, a conselheira entrevistada, sinalizou que o CFESS entidade compreende que o fortalecimento da abertura de sindicatos por ramo, onde, ainda, não existem ou não funcionam, deve ser a principal estratégia política, nesse momento histórico. Essa postura política coerente, além de ser compatível com a defesa de formas mais unificadoras para a organização dos trabalhadores, consiste numa estratégia efetiva para o processo de transição aos ramos. Nessa perspectiva, a conselheira entrevistada aponta o seguinte argumento: [...] porque um dos argumentos da FENAS, por exemplo, é que têm muitos trabalhadores que estão fora da organização sindical por ramo, então a organização sindical por categoria ela viria dar conta dessa lacuna. Mas, na verdade, esse é um falso argumento, por exemplo, eu posso dizer assim: ah, os trabalhadores da assistência social não são reconhecidos no sindicato dos trabalhadores da seguridade social, então vamos construir um sindicato dos trabalhadores da assistência, né? A assistência não está crescendo como espaço político de construção? Como é que um sindicato de assistentes sociais vai lá sentar em mesa de negociação, ou vai lá pautar a luta por plano de cargo carreira, remuneração?... são só assistentes sociais? E não de todos os trabalhadores? Então, esse argumento, uma vez fortalece então a ação sindical de todos os assistentes sociais, vão supor que ali fosse o sindicato dos trabalhadores da assistência, né? Então o princípio permanece, né? (CONSELHEIRA DO CFESS - Gestão Atitude crítica para avançar na luta) Ainda dentro dessa argumentação sobre a defesa de uma perspectiva política mais aguerrida, para a organização sindical dos assistentes sociais, a entrevistada ponderou questões que concernem a interpretação daquele suposto isolamento na ação sindical dos assistentes sociais, suscitados pela transitoriedade como podemos observar na fala que se segue: A extinção da ANAS leva a extinção dos sindicatos, os que existiam nos estados. Essa organização dos sindicatos, eu acho que num primeiro 148 momento, ela não significa uma ausência ou uma lacuna de espaço de defesa de direitos dos assistentes sociais. Não significa por dois motivos: primeiro porque quem estava sindicalizado nos sindicatos de assistente sociais se desloca para os sindicatos por ramos de atividade. Então não deixa de ser sindicalizado, não deixa de fortalecer uma entidade sindical ou uma organização sindical,mas passa a fortalecer uma organização por ramo de trabalho, por ramo de trabalho, né? E segundo porque muitas das pautas e de agenda de lutas que eram próprias do movimento sindical foram assumidas por essa nova configuração do CFESS/CRESS que deixa de ter aquela visão de ação do CFESS só fiscalizatória e passa a ter esse compromisso com essa agenda de lutas que eu estava falando a pouco, né? Então, a extinção dos sindicatos ela não significo uma ausência,uma lacuna de organização sindical. Ela significou, na verdade, um fortalecimento de uma determinada perspectiva de organização sindical que é por ramos e não por categoria [...] (CONSELHEIRA DO CFESS - Gestão Atitude crítica para avançar na luta). Essa perspectiva de análise sobre a organização sindical possui respaldo majoritariamente referenciado, no interior das entidades representativas da categoria. Como podemos observar na análise feita pela representante da ABEPSS, no trecho da entrevista abaixo: Como a proposta da sindicalização por ramo de atividade não avançou no âmbito do Serviço Social, a extinção dos sindicatos significou perda de importante referência organizativa e resistência da categoria. Atualmente a criação da FENAS e reativação de sindicatos nos estados retomam a sindicalização por categoria, o que representa profundo retrocesso, no quadro atual de flexibilização do trabalho e de direitos, com incidência destrutiva sobre as condições objetivas das lutas e das organizações de mediação política da classe trabalhadora em seu conjunto. Cabe ressaltar a importante função desempenhada pelos CFESS e CRESS para além de suas funções precípuas – fiscalização do exercício profissional- avançam como referência de organização e luta dos assistentes sociais ao lado das demais entidades na defesa da qualidade do exercício profissional e dos serviços prestados como direito (MEMBRO DA DIRETORIA DA ABEPSS NACIONAL – Gestão 2007/2008). Nesse sentido, na concepção das conselheiras, entrevistadas, da ABEPSS e do CFESS, a FENAS não se constitui uma parceria política na defesa do projeto ético-político profissional. Essa questão é colocada de forma bem clara, na fala que se segue: 149 Então, eu acho que a situação ou a condição da organização política da categoria, hoje, ela comporta uma articulação da ABEPSS, CFESS e ENESSO, ainda dentro da perspectiva construída desde a década de 1980. Eu acho que ainda tem essa direção, nessa articulação dessas entidades, mas tem um processo aí de recriação dos sindicatos e de funcionamento da FENAS que passa a margem dessas outras entidades. Não é que passa a margem no sentido de não ter relação, mas passa a margem no sentido do debate e da discussão. Não é uma entidade, a FENAS, que se coloca no mesmo campo nem de defesa dos mesmos princípios e diretrizes, embora digam que sim e, nem de estratégia, né? É uma estratégia muito de judicialização do movimento do social, é uma estratégia de ocupação dos espaços, a partir da construção de alianças que não tem uma preocupação muito comprometida com determinados princípios e valores. Como eu te disse no caso do CNAS, a FENAS ela participa de um processo de articulação com CUT com FASUBRA com CNTSS e com o Conselho Federal de Contabilidade pra deixar o CFESS fora por divergências e diferenças de análise, né? Então, é uma organização que existe, mas uma organização que não está em sintonia com CFESS, ABEPSS e, eu quero crer, que, também, com a ENESSO na defesa do Projeto Ético político Profissional (CONSELHEIRA DO CFESS - Gestão Atitude crítica para avançar na luta). Na perspectiva da FENAS, esta questão é interpretada como uma prática reacionária, por parte das diretorias das demais entidades nacionais do Serviço Social. Conforme argumenta a nossa entrevistada da FENAS A história da FENAS não se deu conforme a história de ANAS e nem teve essa pretensão. Como em 1995, com a reabertura do sindicato do Rio de Janeiro ficaram 5 sindicatos no Brasil. Não tínhamos espaços de discussão e legitimação junto as demais entidades da categoria. Éramos alijados a todo tempo. A tese que nos colocavam não era o que líamos nas atas de ANAS e Sindicatos que se fecharam no Brasil. Os sindicatos fecharam por inanição e não para seguir a tese do ramo, pois os assistentes sociais não tinham participação ativa nos sindicatos. Por outro lado, muitos deles tinham sua sigla partidária, ou éramos PT ou não tínhamos espaços para atuar no nosso sindicato. Houve o afastamento da categoria nos sindicatos no Brasil. A partir de grandes debates e reunidos no RJ na sede do Sindicato dos Médicos, com participação da CUT, CNTSS, criamos a FENAS com cinco sindicatos ( RJ, Ceará, Alagoas, RGS e Caxias do Sul), vale destacar que todos os CRESS foram comunicados da Assembléia e solicitados que realizassem debates com a categoria para comparecerem na I Assembléia Nacional Sindical Pró Federação Nacional dos Assistentes Sociais. Nenhum Estado enviou delegação e não compareceram para não legitimarem o movimento. Assim, apesar do apelo da CNTSS para não criarmos a FENAS e ficássemos num departamento da CNTSS, entendemos que nosso campo de trabalho não se limita ao ramo da Seguridade Social; pois nossa prática profissional transcende a saúde, assistência e previdência (DIRIGENTE SINDICAL DA FENAS). 150 A falta de legitimidade da FENAS não parece ser a preocupação do conjunto das entidades nacionais, nesse processo de ressurgimento das entidades sindicais da categoria. A preocupação central diz respeito ao direcionamento político dado as lutas travadas por essas entidades sindicais. Observemos no texto da entrevista abaixo, o que, realmente, fundamenta CEFSS: [...] continuamos o debate, acompanhando a abertura dos sindicatos...Eu acho que o movimento de filiação sindical, é assim totalmente livre... né? Então eu acho que os assistentes sociais que se sentem representados e que tem interesse em construir, se filiar em sindicatos de categoria... Bom, isso é livre movimento, é o direito político totalmente assegurado, no Estado de democrático de direito. Agora, o sentido desse sindicato, as suas possibilidades de luta, a sua agenda... Acho que isso é pauta do nosso debate e pauta do debate do conjunto. E que também não tá acabado por que a gente continua discutindo. Até agora o que é que a gente tem no acúmulo deste debate, a retomada desse debate no encontro CEFSS/CRESS no ano passado, né? E a necessidade da gente acompanhar a abertura dos sindicatos e pautar isso. Mas, a gente não tirou ainda como uma estratégia... ou então vamos fazer isso vamos só acompanhar vamos ver, vamos fazer manifestações contrárias, isso a gente não colocou ainda, é uma coisa que ainda está na nossa pauta de discussão[...] Por que, vem nos preocupando muito. (CONSELHEIRA DO CFESS - Gestão Atitude crítica para avançar na luta). Mesmo reconhecendo os limites da intervenção nas questões de natureza sindical, o CFESS vem, ao longo desses últimos anos, pautando as demandas da categoria profissional no âmbito do conjunto das entidades representativas. Mais que pautar o debate, o CFESS vem liderando empreitadas políticas em defesa de empregos, das condições de trabalho profissionais, jornadas de trabalho e outras questões relacionadas às relações de trabalho do assistente social, como foi resgatado pelo trecho da fala da nossa entrevistada: Por exemplo, os CRESS e o CFESS não têm se furtado a enfrentar essa discussão dentro do que a gente pode fazer, mas tem limites. Por exemplo, a resolução de condições técnicas e éticas, foi uma revolução pra tentar garantir e dá uma resposta de luta a essa demanda por melhores condições de trabalho, mais é o limite que o CFESS tem. Inserção em debate sobre planos de cargo, carreira e remuneração. Então, participamos, por exemplo, ativamente da discussão da NOB RH SUAS e colocamos lá elemento pra o plano de cargos e remuneração do CCR. Mas, por exemplo, não podemos sentar em mesa negociações CRESS e CFESS não podem sentar em mesa de negociação é uma autarquia pública. Neste sentido não tem natureza sindical e 151 não deve ter por que não é o critério. Estamos lá no Congresso lutando pelo PL que estabelece a jornada de 30 horas, ou seja, tem diversas frentes de luta do conjunto que são claramente frente que tocam questões que desrespeitam as condições de trabalho, né? Mais, e que tem natureza até sindical. Bom, redução de jornada 30 horas, a categoria bate muito na questão piso salarial, a tabela de honorário que é uma resolução do CEFSS. É o que nós podemos, não podemos estabelecer pisos, mas podemos estabelecer tabelas de honorários pra exercício do trabalho, né? Agora em relação ao piso salarial, nós tivemos, nós já participamos de lutas, dentro do Congresso de defesa de um PL que estabelecia o peso salarial de 10 salários mínimos. Na tramitação isso foi baixado pra 3 salários, depois foi julgado inconstitucional, aliás foi arquivado. Então, nós temos esse movimento de defesa, mais nós podemos estabelecer piso. Mas, assumimos lutas que tem relação com questões de ações sindicais do tipo de vista, assim, de demanda. Quem ta lá no Congresso fazendo pressão nos parlamentares pelo PL 30 horas, agora, com o PL do piso, pela inserção do Serviço Social na educação é o CEFSS, não é FENAS (CONSELHEIRA DO CFESS - Gestão Atitude crítica para avançar na luta). Sobre essa realidade a representante da FENAS coloca a seguinte situação: Trazer os Assistentes Sociais para o debate referente à luta sindical é nosso grande desafio. A categoria coloca toda a responsabilidade nos Conselhos e não entende que são autarquias e órgão de Fiscalização do Exercício Profissional. São entidades importantes, mas não podem fazer o papel de uma entidade sindical. O processo de formação profissional não tem abordado essas questões de forma madura e verdadeira. Aliás, na maioria dos casos, omitem a existência da organização ou reorganização sindical da categoria. Não se prepara a categoria para lutar pelos seus direitos de trabalhador, restringem a formação profissional somente na garantia de direitos dos usuários. O processo de precarização nas relações de trabalho também é um grande desafio a ser cumprido (DIRIGENTE SINDICAL DA FENAS). Consideramos que essas ponderações não contemplam os desafios que envolvem essa problemática da organização sindical. O desconhecimento sobre a existência ou não das entidades sindicais não eliminam as determinações objetivas dos desafios colocados para os assistentes sociais como trabalhadores. Uma outra questão que deve ser considerada nesse processo é a inclusa transição aos ramos e a pouca densidade política em torno das experiências dessas organizações, junto ao ressurgimento de entidades sindicais da categoria com pouca densidade e expressividade política, ainda, que apontando para uma tendência de crescimento. E nesse caso é preciso dizer que, aí sim, o desconhecimento, por parte de amplos segmentos das novas gerações profissionais, sobre o processo sócio-político que 152 determinou o fechamento das entidades sindicais, pode contribuir, em parte, para o aumento da sindicalização nos sindicatos específicos da categoria. Mas, outras questões, mais de fundo, devem ser colocadas na reflexão sobre esse processo. Quanto ao processo de realização das alianças políticas para a articulação dessas lutas, nos foi sinalizado que, hoje, o CFESS possui assentos em espaços estratégicos, que garante a pauta e o encaminhamento de lutas mais abrangentes embora revelem, nessa conjuntura, alterações na correlação de forças, dado o elevado nível de atrelamento das organizações políticas de esquerda ao poder estatal. A título de ilustração a nossa entrevistada colocou a seguinte situação: O Conselho Nacional de Assistência é um conselho que, hoje, o CFESS tem pouquíssimos aliados lá dentro, pouquíssimos. Entidades que já foram parceiras históricas do CFESS, no âmbito do Conselho Nacional de Assistência, hoje, não são mais parceiras e fizeram uma articulação, inclusive pra deixar o CFESS fora do Conselho Nacional de Assistência. Então, por exemplo, a CUT, a CUT foi uma entidade que já foi muito parceira do CFESS, no âmbito da assistência, parceira no sentido da construção da política de assistência, na defesa de que a assistência fosse direito e numa luta contrária ao uso da assistência como filantropia e até como favorecimento de entidades filantrópicas ou de entidades de interesses corporativos, entidades que estão lá no Conselho Nacional de Assistência. Desde 2005, na verdade desde que o governo Lula foi para o poder, que alguns parceiros que eram parceiros históricos do CFESS, aconteceu em alguns casos até ruptura, outros distanciamento. No caso do CNAS isso ficou muito claro. As posições contrárias, as posições críticas do CFESS ao governo, a política econômica, estabeleceram o distanciamento de parceiros históricos como a CUT, que não tinha a mesma análise crítica da política econômica do governo Lula, por exemplo, e isso provocou, teve rebatimentos no âmbito da representação. No caso do Conselho Nacional de Assistência a CUT, a FASUBRA e outras entidades da sociedade civil e, em nossa análise política, em articulação com as representações governamental, construíram um cenário de articulação que deixou o CFESS fora da titularidade do Conselho Nacional de Assistência. Por exemplo, essas entidades se aliaram CUT, FASUBRA, CNTSS que já era uma aliada histórica também, que é Confederação Nacional de Trabalhadores da Seguridade Social, se aliaram para eleger a FENAS (Federação Nacional dos Assistentes Sociais) e elegeu o Conselho Federal de Contabilidade, deram voto para o Conselho Federal de Contabilidade e não deram para o CFESS (CONSELHEIRA DO CFESS). Quanto à composição das alianças e lutas políticas da FENAS, nos foi apontado, pela sua representante, a seguinte conformação: 153 A FENAS tem os seguintes assentos: Membro Titular do Conselho Nacional de Assistência Social, Membro Titular da mesa nacional de Negociação do SUAS e Membro Suplente do Conselho Nacional de Saúde. Estamos já nos articulando para entrar nos demais Conselhos de direito. Temos travado lutas pela valorização da profissão e abertura de mercado de trabalho. Defendemos PL de Jornada de Trabalho de no máximo 30h semanais numa ótica trabalhista. O processo de mobilização da base cabe a cada sindicato, se manter como entidade sindical atuante e com participação ativa da categoria. Participação nos eventos da Federação é momento fundamental para o fortalecimento das lutas. Precisamos garantir ainda algumas conquistas tais como: Ter o profissional de Serviço Social na equipe mínima do PSF, inserção do profissional como ator fundamental na Política de Assistência Social, inserção do assistente social nas escolas e nas demais políticas sociais. Outro fator de luta é no setor privado, pois ainda é tímida a inserção da profissão (MEMBRO DA DIRETORIA DA FENAS). Embora esclareça em quais instâncias políticas nas quais militam e em torno da defesa de determinadas pautas de luta, não fica claro, nessa fala, que tipo de aliança e articulação se trava com as organizações representativas dos trabalhadores, no âmbito desses espaços de disputa política. Não aparecem os conflitos, as contradições, nem análises sobre os desafios para as lutas do trabalho nesses espaços e nessa conjuntura. De modo contrário, a fala da conselheira do CFESS entrevistada deixa essas questões bem claras. Aliás, outros elementos se evidenciam nessa fala, que dizem respeito à avaliação que o CFESS faz da FENAS, e que tipo de relação estabelece com esta entidade. Observemos o trecho abaixo: Não tem nenhuma relação de convivência, nenhuma relação de aliança, nada [...] Então, pra nós a FENAS é uma entidade que foi criada sem processo de discussão com a categoria, em nenhum momento foi fundada, a partir de um debate como as entidades nacionais, como o conjunto CEFSS e ENESSO, então ela se criou completamente em paralelo, né? É uma entidade que tem tido posicionamentos divergentes e antagônicos do que o CEFSS tem nos espaços de representação onde a gente convive, como, por exemplo, Conselho Nacional de Saúde, Conselho Nacional de Assistência é uma entidade que disputou a direção do CEFSS e de vários CRESS na eleição passada, é uma entidade que judicializa os processos. Entrou com um pedido de eliminar para anular a eleição do Conjunto CFESS/CRESS, entrou na justiça, agora, recentemente, a um mês atrás. Então, é uma entidade que existe, é uma entidade que disputa espaço, disputa poder e que tem posicionamentos com os quais a gente não fecha, então é uma entidade que nós não temos nenhuma relação com ela (CONSELHEIRA DO CFESS). 154 Na perspectiva da FENAS essa relação com as demais entidades representativas é vista da seguinte forma, como coloca a dirigente da federação no trecho da entrevista abaixo: Para os sindicatos dos assistentes sociais os aliados são os demais sindicatos de diversas categorias e os sindicatos gerais. Nada seremos se não tivermos como verdadeiros aliados a própria categoria. Se hoje existe a FENAS e se os sindicatos estão reabrindo no Brasil, quem nos legitima e são aliados é o profissional de serviço social. A FENAS procura manter um bom relacionamento com todas as entidades da categoria, mas a recíproca não é verdadeira. Temos sido ao longo dos anos alijados do processo de discussão como se não fôssemos da mesma categoria. Entendemos estarem desrespeitando os princípios básicos contidos no nosso código de ética profissional. Infelizmente temos como nossos opositores alguns dirigentes das entidades específicas da categoria. Começamos a entender existir um grupo que dissemina inverdades sobre a FENAS e seus dirigentes; pois as relações passam a ser pessoais e não ideológicos, isso é grave. Passa a existir o discurso fantasioso de que a FENAS quer ou está em disputa com o projeto ético político da categoria. Isso não é verdade, acreditamos que o projeto não é de uma minoria da categoria, mas de toda a categoria já que é um projeto da profissão (DIRIGENTE SINDICAL DA FENAS). A interpretação da dirigente entrevistada deixa transparecer de forma explícita, uma perspectiva que tende a desqualificação as divergências políticas que envolvem a relação entre as entidades representativas da profissão e a FENAS. Na análise da dirigente, as questões políticas ganham dimensões pessoais, e os aspectos valorativos perdem a densidade política presente na questão. Transitam da esfera política dos aspectos abrangentes para o campo relações estritamente pessoais, individuais entre lideranças específicas de determinadas entidades. As divergências políticas envolvem visões de mundo, análises sócio-políticas diferenciadas, estão para além das divergências pessoais. De acordo com a entrevista realizada com os representantes do movimento estudantil de Serviço Social, a repercussão do ressurgimento das entidades sindicais, ainda, é bastante branda, no interior das entidades nacionais representativas da categoria e dos estudantes de Serviço Social. Isto ficou bastante claro quando a entrevistada demonstrou desconhecimento da existência da FENAS, o que expressa 155 àquela questão da legitimidade no âmbito da profissão e sua categoria profissional. Vejamos um trecho da entrevista com a representante da ENESSO: [...] na verdade não sei em relação às outras coordenadoras, mas eu desconhecia, não sei como funciona [...] então eu desconhecia totalmente a existência da FENAS, eu conheço as outras entidades a ABEPSS, a federação internacional de trabalhadores de serviço social, os conjuntos CRESS, alguns sindicatos que foram criados recentemente, por estado ou algo assim, mas a FENAS eu desconhecia (REPRESENTANTE ESTUDANTIL DA ENESSO – Região V). No que diz respeito ao debate existente no Serviço Social, sobre as formas estratégicas para a organização sindical dos assistentes sociais a entrevistada nos apontou a seguinte ponderação: [...] este processo de reabertura de sindicato tem-se percebido, mas, essa questão, dentro do movimento isso agente entende que não existe uma discussão apropriada sobre isso. Não apenas no movimento, mas em toda a categoria, existindo fortes divergências em relação a temática, por isso eu defendo que exista a necessidade do amadurecimento dessas estratégias, daquilo que a categoria vai considerar como fundamental (REPRESENTANTE ESTUDANTIL DA ENESSO – Região V). A perspectiva de análise presente nessa fala sinaliza, nesse momento histórico, as bases do dilema da organização sindical dos assistentes sociais. Na nossa concepção há algo que precisa ser ponderado, no sentido da resolução desse impasse, qual seja, quais estratégias deverão ser encampadas para a organização sindical da categoria profissional, de modo atinente com o que reivindica o projeto ético-político profissional do Serviço Social brasileiro. Nesse sentido, corroboramos com a análise de que a ruptura com as diferentes formas de corporativismo e a adesão a uma organização mais unificada dos trabalhadores que “supere a fragmentação da classe trabalhadora em categorias profissionais está em consonância com os princípios defendidos pelo projeto éticopolítico profissional, construído na profissão” (RAMOS, 2006, p. 166). 156 A concreticidade dessa concepção é uma realidade que nos desafia cotidianamente, sobretudo no tempo presente, no qual as formas corporativistas que, em tese, haviam sido superadas, ressurgem com configurações que pervertem as programáticas mais combativas de luta e organização dos trabalhadores. 4.3 Organização sindical por ramo ou categoria?: polêmica nas estratégias de mobilização da categoria de assistentes sociais Nesse contexto de reorganização das lutas da classe trabalhadora brasileira, há muitos desafios a serem enfrentados. Do ponto de vista das entidades sindicais, além dos desafios determinados pelo contexto de ofensiva capitalista, cujas expressões materializam-se nas profundas formas de degradação e expropriação das condições de vida e trabalho, há especificamente, na dimensão organizativa, problemáticas que precisam ser refletidas e enfrentadas com bastante seriedade. Essa constatação decorre da necessidade de rompimento com as estruturas tradicionalmente conservadoras e secretórias (nascidas no início do século passado) que se consolidaram na realidade do movimento sindical brasileiro. Essa necessidade se coloca como um desafio premente e como pressuposto fundamental para o processo de afirmação política da classe trabalhadora nos dias que correm. Nessa perspectiva, a construção de mecanismos de organização abrangentes e capazes de envolver, senão a totalidade dos trabalhadores, parcelas significativas dessa classe, é uma questão fundamental e inadiável. Mas, para que não se tornem fragmentárias essas organizações devem levar em consideração a diversidade econômica, política e cultural que caracteriza a classe trabalhadora, hoje. Noutras palavras, do ponto de vista do movimento sindical, as mudanças necessárias para esse contexto dizem respeito, tanto a capacidade de abrangência da diversidade que caracteriza a classe trabalhadora, quanto às modalidades de estruturação da organização. No âmbito do novo sindicalismo, a CUT inaugurou uma proposta bastante ousada no que concerne a construção de experiências organizativas capazes de 157 superar a tradicional referência para a organização dos sindicatos de trabalhadores no Brasil. No II Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CONCUT), em 1986, foi deliberada a posição e encaminhamento de que as profissões tidas como `liberais‟, as quais possuíam categorias com um contingente profissional bastante expressivo na área pública, se organizassem sindicalmente de acordo com o ramo de atividade econômica a que pertencessem (ABRAMIDES e CABRAL, 1995). Esta proposta surge com a perspectiva de unificação da classe trabalhadora, bem como da quebra do corporativismo. É bem verdade que este encaminhamento não teve grande repercussão dentro do movimento sindical brasileiro, embora experiências pontuais já viessem se desenhando no contexto em que a Central encaminhou essa perspectiva como referência estratégica para o processo de organização dos trabalhadores, no âmbito do movimento sindical. Algumas categorias profissionais começaram a incorporar esse modelo de organização passando a organizar seus processos de sindicalização junto a outros trabalhadores, referenciados pela atividade econômica desenvolvida nos seus espaços de trabalho. Nesse sentido, alguns ramos de atividade econômica foram se consolidando107, mas sem conseguir ganhar expressividade na ampla dimensão dos sindicatos filiados a CUT. Em relação a essa questão, o dirigente da CONLUTAS recorda o seguinte processo: nós discutimos muito sobre isso no final da década de 1980 e na década de 1990 e há várias formas de organização possíveis e a conclusão que foi feita naquele momento apontava para a necessidade de agrupar os trabalhadores em sindicatos e, quanto mais amplos, melhor, no sentido de superar a fragmentação nesse sentido, ou seja, a opção era avançar no setor público avançar pelos sindicatos por ramo, não só no ramo da seguridade social, mas no ramo da indústria, da metalúrgica, no setor de alimentação. Isso avançou muito pouco, houve algumas mudanças no setor público, mesmo assim limitados na educação federal nós temos três sindicatos grandes, nos temos um sindicato nacional que é o ANDES, nós temos um sindicato nacional das escolas técnicas federais, CFETs e as agro-técnicas e nós temos uma federação nacional que é dos Técnicos Administrativos das Universidades. Então, em princípio, é tudo educação, mas tem três entidades nacionais só para pegar um setor (DIRIGENTE SINDICAL DA CONLUTAS). 107 Segundo dados da Secretaria Nacional de Organização da CUT, do ano de 2002, a estimativa aponta para a existência de 18 ramos no âmbito da Central, que, aglutinam trabalhadores de diversas atividades econômicas concentradas nos setores da produção e dos serviços. 158 Na concepção dos setores dirigentes da CUT esta questão não perde sua atualidade, pois ainda aponta para uma perspectiva de organização estratégica para a unificação da lutas dos trabalhadores. Estamos convictos da necessidade de ampliarmos e avançarmos na organização dos trabalhadores na perspectiva da superação da ação corporativista em nome da verdadeira e solidária unidade. É impossível conseguirmos uma organização fortalecida e atuante com a atual estrutura pautada em categorias profissionais fechadas na defesa dos seus interesses particularizados. Essa fase teve e tem sua importância no contexto histórico, cumpriu um papel importante, mas precisa avançar para um patamar mais condizente com o interesse coletivo e com o perfil de classe. Óbvio que sabemos das dificuldades de viabilizarmos a proposta de atuação por ramo de atividade. Envolve conceitos culturais arraigados, interesses corporativos importantes, mas nada que não possamos superar com o debate aprofundado sobre o que realmente interessa a classe trabalhadora sob uma ótica mais ideológica e sintonizada com a necessidade do seu fortalecimento (DIRIGENTE SINDICAL DA CUT). Os desafios presentes nessa perspectiva organizativa não dizem respeito apenas ao ranço conservador da organização sindical oficialesca do século passado, mas, também, possuem determinações sócio-históricas atuais. Não podemos desconsiderar, na perspectiva dessa problemática, os rebatimentos que as mudanças no padrão de organização produtiva e de acumulação do capital causaram na vida e organização do trabalho. A reconfiguração das relações de trabalho acabou alterando as características da classe trabalhadora, impactando, diretamente, na sua dimensão político-organizativa. Isto é, deteriorando a sua ação política e seus mecanismos de representação de classe, tais como as entidades sindicais, partidos políticos e movimentos sociais de mobilização popular mais aguerrida. Dentro do quadro mais geral, dessas inflexões contemporâneas, o desemprego estrutural e ou a queda no padrão das relações de trabalho se colocam como desafios cruciais para o amplo conjunto dos trabalhadores. É preciso reconhecer que os trabalhadores, independentemente de suas profissões, sofrem sabotagens dos capitalistas e toda forma de constrangimento faz os trabalhadores aceitarem “as condições mais duras 159 para evitar aos capitalistas o crescimento do desemprego” (AGUENA, 2008, p. 129). Inclusive, no contexto neoliberal, a flexibilização econômica é vista, no plano ideológico, como única forma de garantir a ampliação de empregos. Mas, na verdade, configura-se a forma capitalista de expropriação absoluta e difusa do trabalho. Decorre desse processo uma tendência concreta de fragmentação das lutas mais gerais dos segmentos trabalhadores, pois o próprio nível de competição entre os sujeitos é o pior lado do atual estado de coisas para a classe trabalhadora, “a arma mais afiada contra o proletariado nas mãos da burguesia” (AGUENA, 2008, p. 45). Ademais, a luta no âmbito sindical tende, nesse contexto, a restringir sua ação política e priorizar aspectos relacionados a pautas salariais e manutenção do emprego, conduzindo a classe aos limites da luta corporativista. Ainda no que diz respeito à dimensão organizativa das entidades sindicais, a tendência neocorporativista é, também, conotada pela não-incorporação de estratos de trabalhadores em situação de trabalho temporário, precarizado e ou desempregado. E isso consiste um grande limite das entidades sindicais, pois nesse contexto de degradação dos modelos de formalização e proteção do trabalho, acabam abarcando parcelas ínfimas da classe trabalhadora. Por essa razão, os sindicatos, teoricamente, deixam de ser as instâncias políticas mais atrativas para o amplo conjunto das massas dos trabalhadores, justamente pela cisão concreta que reproduzem na perspectiva organizativa. Daí parte a necessidade da ampliação sobre a concepção do papel político dos sindicatos frente a esse contexto ofensivo. O que implica reorganização das suas formas estruturais e políticas como instrumento de luta de classe. Reiteramos que iniciativas isoladas não conseguirão reverter o quadro de descenso da ação política da classe trabalhadora, cujas expressões se revelam no grau de dispersão e de falência a que chegaram as organizações gerais criadas na conjuntura política dos anos 1980. Voltando a questão da perspectiva da luta sindical referenciada nos ramos de atividade, a CONLUTAS nos aponta os seguintes limites e desafios [...] o que é que dificulta uma abstração disso numa forma mais adequada de organização e transformando disso numa forma mais adequada para uma luta de classes? O interesse que é pequeno. Os sindicatos que na forma que 160 existem estabelece um conjunto de privilégios para os dirigentes. O dirigente sindical não corre esse risco [referindo-se a perda do emprego]. Segundo tem, um outro privilégio monumental, pelo menos por parte dos dirigentes, que é ser liberado, ou seja, nessa sociedade que nós vivemos, alienação que é o trabalho humano, você não precisar trabalhar, está lá sem ter que agüentar “encheção de saco” (sic) do patrão, ficar livre pra fazer política, não é um privilégio pequeno, é grande. Segundo tem o problema financeiro, da maioria dos sindicatos brasileiros pelas facilidades de arrecadação. Em muitos países não tem esse negócio de desconto da mensalidade em folha. Tem muitos países que o dirigente tem que ir à empresa receber todo mês a mensalidade se não, não recebe. Então o cara tem muito privilégio primeiro tem estabilidade, segundo pode ficar sem trabalhar, terceiro se trabalhar na empresa, porque tem cara que trabalha fora da empresa, mas pela categoria, sem ter que cumprir aquela meta alienante lá, alguns vão ter carro a disposição e celular. Então, se estabelece um monte de privilégios que é repartido entre milhares de pessoas das direções dos vários sindicatos. Aí você pára o cara e diz, meu amigo vamos juntar esses três sindicatos e vamos fazer um só. Aí o cara olha para o lado e diz tudo bem, mas quem é que vai ficar como diretor do sindicato, liberado com ajuda de custo, celular e carro? Aí fica só pra uma diretoria, as outras duas dançam. Essa é a principal dificuldade pra fazer mudança mais profunda e avançada na construção de sindicatos mais gerais (DIRIGENTE SINDICAL DA CONLUTAS). . Na realidade, as vantagens de natureza política concedidos aos dirigentes sindicais, nesse país, são conquistas históricas do próprio movimento dos trabalhadores. O processo de organização da luta dos trabalhadores supõe uma direção política, que não consegue se efetivar pelo espontaneísmo das bases filiadas. Nesse sentido, a direção do movimento tem que ser composta por uma menor fração dos trabalhadores organizados. A qualificação desse processo político é um aspecto relevante que não pode deixar de ser contemplado, na perspectiva do movimento. Para dedicarem-se, de forma parcial ou exclusiva, aos processos de instrumentalização e qualificação da ação política do movimento, os dirigentes sindicais acabam necessitando ser dispensados das suas atividades laborais. Esse processo se torna necessário na medida em que, para garantir uma ação política qualificada, no direcionamento da mobilização e organização dos trabalhadores, as lideranças do movimento precisam se dedicar ao processo de formação política. O ideal seria que todos os trabalhadores pudessem qualificar a sua ação política e fossem capazes de garantir direção aos movimentos políticos da classe. No entanto, no plano imediato, o vínculo alienante do trabalho e o aviltamento da atividade laborativa, terminam por 161 afastar, grande parcela da classe trabalhadora, das condições de uma prática política consciente e qualificada. No caso das vantagens materiais que os dirigentes sindicais desfrutam podem, por um lado, corresponder a uma necessidade objetiva para viabilização da ação política a qual se dedicam, o que é legítimo já que representam os interesses de uma coletividade. Além disso, não teriam como custear de forma independente a sua ação política. Não podemos esquecer que, a condição de assalariamento, continua determinando a posição desses sujeitos, na relação de classe. Agora, quando há abuso desses privilégios, isto é, uso indevido e de forma particularmente apropriada, perde sua legitimidade e ganha caráter de desvio burocrático ou degeneração burocrática. Os vícios dessas práticas correspondem diretamente aos limites apontados no trecho da entrevista. Quando isso acontece, ocorre uma inversão de interesses, por parte das representações dos trabalhadores, isto é, seus representantes abandonam os interesses da classe de origem e migram para o campo inimigo. Numa palavra, tornamse, nos termos de Marx, lacaios do capital. Vejamos outro desafio, apresentado por nosso entrevistado, no que concerne a organização sindical por ramo. Segunda dificuldade grande, que tem a ver aí sim, com o processo real com a dificuldade objetiva de cada setor, ele tende ao senso comum, a cobrar do dirigente resposta imediata para o problema dele e não dos outros, então, a pressão maior que os trabalhadores fazem normalmente para organizar o sindicato mais próximo possível da realidade concreta que ele vive. Também não é fácil convencer o trabalhador que é melhor ele se juntar com outra categoria pra fazer um sindicato mais amplo e pra ter mais força para encaminhar as lutas políticas gerais, porque na cabeça desse cara o quê que vai passar: que eles vão abandonar meu problema concreto cotidiano da fábrica vai ter muita coisa pra ver e eles não vão ver nada, então, há uma pressão objetiva. Essa coisa ficou meio zero a zero, a CUT discutiu muito, em alguns setores se aplicou esses. Eu acho que alguns que abriram mão desses sindicatos organizados, foram os assistentes sociais que abriram mão dos sindicatos e foram atuar no ANDES, no SINDSAÚDE, nos sindicatos onde as pessoas estavam trabalhando. Mas, mesmo agora, estão fazendo pressão pra voltar, tem gente aí fazendo sindicato de novo, ainda mais com o imposto sindical, você vai ver. A implantação do imposto sindical no setor público que não tinha vai passar a ter no próximo ano, vai alimentar isso ainda mais, porque tem o setor que já organiza o sindicato pensando no dinheiro que vai receber, que não é pouca coisa não. O ministério quando baixou a portaria instituindo o imposto sindical, mês e meio antes ele baixou uma portaria reconhecendo a personalidade sindical de uma confederação, que é a Confederação dos Servidores Públicos do Brasil que existe desde minha época, desde [19]70, 162 nunca teve presente em nenhuma luta do servidor, é um negócio fantasma, mas vai receber 5 % do imposto sindical de 7 mil pessoas, imagine o dinheiro que é isso (DIRIGENTE SINDICAL DA CONLUTAS). Esse segundo limite tem relação com aquilo que discutimos a pouco, acerca das tendências de focalização das pautas políticas das entidades sindicais, que, por sua vez, são determinadas pelo processo de fragmentação que os trabalhadores vivem, nesse novo contexto de reestruturação político-econômica. Sem contar é claro, com a tradicional perspectiva de organização das corporações profissionais, historicamente consolidadas no país, e reforçadas, nessa conjuntura recente, pelas contra-reformas neoliberais. É incontornável o estímulo a fragmentação dos processos organizativos dos trabalhadores, presente na reforma sindical do governo Lula. Aliás, a ampliação da percepção do imposto sindical, para uma maior quantidade de sindicatos, é um processo que visa, além do incentivo a fragmentação do movimento, um atrelamento generalizado das entidades sindicais a estrutura estatal, nos moldes utilizados por Vargas, no início do século passado. A revitalização dessas práticas implica um retrocesso inestimável das lutas sociais, em que pese as diferenças e particularidades dos contextos sócio-históricos nos quais corresponderam (e correspondem) as estratégias de controle das classes dominantes. Isto é, na Era Vargas, essas medidas se colocavam num contexto em que, as lutas operárias possuíam uma força política que forçava a intervenção do Estado, para numa perspectiva de garantia dos direitos trabalhistas. Hoje, o contexto social é, profundamente, regressivo, tanto do ponto de vista da organização política da classe trabalhadora, quanto das suas conquistas históricas, mediadas pela práxis política. É preciso lembrar que, o cerceamento da fragmentação dos trabalhadores e de suas lutas, pressupõe o rompimento com as formas de atrelamento ao Estado. Além disso, é necessário imprimir uma direção classista no movimento de organização dos trabalhadores, principalmente, em um momento histórico, como o que vivemos, de regressão no âmbito internacional e nacional e de capitulação ante os governos federal, estaduais e municipais (ABRAMIDES, 2009). A luta contra este tipo de sabotagem deve unir e não separar a maioria dos trabalhadores. 163 No âmbito da CONLUTAS esses desafios vêm sendo encarados, do ponto de vista das suas estratégias políticas, a partir de uma nova definição de organização do movimento sindical baseada numa perspectiva autônoma e de classe. Sobre essa questão, o trecho da entrevista, abaixo, nos aponta o seguinte: [...] nós vivemos no processo de reorganização e veja, pra nós construirmos uma unidade no conjunto da classe, pra poder lutar na defesa dos interesses nós tivemos que dividir, [...] que romper com a CUT, o que eu quero dizer com isso? A forma de organização nunca é mais importante que a política, do que a circunstancia política. Ela sempre é um instrumento, o objetivo que você quer atingir é o que determina. Então, se você tem uma organização que é geral, mas que esta completamente atrelada ao governo, defende interesses que não são dos trabalhadores, que deveria representar, muita das vezes é mais produtivo para o trabalhador dividir aquela organização, construir uma mais específica que seja pra luta e depois tentar aglutinar em torno dela os setores para ir voltando a uma organização, do que manter uma como aquela (DIRIGENTE SINDICAL DA CONLUTAS). Embora concordemos com a defesa de uma luta combativa, autônoma e referenciada nos ideais da classe trabalhadora, divergimos da concepção que relega a forma de organização. Certamente, nesse contexto defensivo, as formas de organização não tenham tanta relevância política na visão dessa central. Mais importa, na visão dessa central, que os trabalhadores estejam organizados e garantindo direção autônoma ao movimento. É preciso reconhecer que, uma coisa é o respeito a liberdade de organização dos trabalhadores e, inclusive, a direção política que queiram dar ao seu movimento; outra é identificar e apontar que as formas de organização influem politicamente no desdobramento das pautas reivindicativas dos trabalhadores, pois podem revelar aspectos obstantes para a luta do movimento mais amplo e combativo da classe. As modalidades organizativas podem expressar concepções mais defensivas, neocorporativistas, insuladas e focalização das reivindicações e interesses que, no final das contas, acabam sendo funcionais ao livre movimento do capital. Mesmo elegendo os aspectos da direção do movimento, como elemento prioritário na dimensão organizativa dos sindicatos, a CONLUTAS frisa a seguinte 164 questão, na análise sobre a organização sindical referenciada nas categorias profissionais Então, é um movimento que se você olhar abstrair o problema político envolvido, é um movimento regressivo. Em vez de você unir mais está dividindo, mas, o problema é que pra se construir uma coisa que seja pra luta, você tem que construir coisa nova por que esse aqui degenerou de uma forma que não se consegue reorganizar outra por dentro dela. Então nós estamos vivendo esse momento que é o momento de aglutinar as organizações mais gerais. Então, por princípio eu acho melhor sindicato por ramo, os sindicatos quanto mais gerais, mais ampla for sua base de representação melhor para os objetivos gerais que nós temos. Agora isso não é uma coisa automática, depende das circunstâncias (DIRIGENTE SINDICAL DA CONLUTAS). Se as estruturas de organização mais totalizantes implicam circunstâncias históricas favoráveis para a organização dos trabalhadores, como garantir, nesse contexto sócio-histórico, organizações sindicais combativas e autônomas? Ora, se os trabalhadores não constroem organizações mais ofensivas em meio ao caos, terão condições de fazê-las em tempos de “bonança”? É preciso perceber que, essas condições históricas devem ser construídas, pelos próprios trabalhadores, no campo contraditório das relações de classe. E, do ponto de vista da organização política as instâncias sindicais mais abrangentes, como as centrais sindicais, possuem um papel fundamental no que concerne a direção do movimento das massas trabalhadoras, sobretudo, as experiências que inauguram formas renovadas de organização, como é o caso da CONLUTAS, na realidade brasileira. É preciso reconhecer que a implantação da nova estrutura sindical, da qual a proposta dos sindicatos por ramo faz parte, é um desafio enorme para os trabalhadores, bem como para os segmentos das categorias profissionais que concordam com essa transição, pois, a elas competem à construção de estratégias para a superação da lógica de serem as categorias profissionais, a referência para a organização sindical. Nessa direção, Abramides e Cabral (1995), apontam que “essa construção implica um trabalho de base, a partir do mapeamento da categoria e pressupõe um processo de formação sindical permanente” (p.113). 165 Apesar da inserção significativa dos assistentes sociais em sindicatos de trabalhadores em serviço público, pelo processo de filiação a esses sindicatos, é visível a ausência de comissões sindicais que dêem conta das singularidades das diferentes categorias. Neste sentido,são exemplos: o redesenho de postos de trabalho, a necessidade da retomada da luta por concursos públicos, os dados de postos em vacância, a atualização dos planos de carreiras e que fez com que esses sindicatos deixassem por um grande tempo em segundo plano as lutas específicas, e os profissionais ficassem atomizados e pulverizados, apesar de estarem filiados aos sindicatos gerais ou por contratação (ABRAMIDES, 2009, p. 103). Por essa razão reafirmar que o caminho é a retomada de sindicatos de categoria profissional, mas a ação em sindicatos amplos que congreguem o conjunto da classe trabalhadora significa ainda “depreender que se os mesmos abdicarem do processo de mobilização e lutas, da autonomia e independência de classes [...] no limite permanecem na imediaticidade” (ABRAMIDES, 2009), isto é, não reverterá a regressão presente nas formas de organização vigentes. Vale ressaltar que as formas clássicas - que priorizam a necessidade da assunção de um perspectiva de classe que abandone a dimensão econômicocorporativa para a ético-política -, representam, cada vez menos setores das classes trbalhadoras (AMARAL, 2009). Na interpretação gramsciana, há indicações sobre os diversos momentos do processo de elaboração da consciência política coletiva, ou seja, o grau de autoconsciência e de organização alcançado pelos vários grupos sociais. Da expressão de uma consciência econômico-corporativa, voltada para uma unidade homogênea-corporativa de grupos profissionais, estendendo-se, de modo processual, num movimento complexo e contraditório, é possível projetar essa unidade para um grupo social mais amplo, que se caracteriza pela solidariedade de interesses entre todos os membros que o compõem (RAMOS, 2005). A formação da consciência humano-genérica implica, portanto, „a consciência de que os próprios interesses corporativos, em seu desenvolvimento atual e futuro, superam o círculo corporativo, de grupo meramente econômico, e podem e devem tornar-se os interesses de outros grupos subordinados‟ (Gramsci, 2000, p.41). 166 Do ponto de vista das organizações sindicais, essa questão só pode ser viabilizada por formas de organização que abranjam amplos segmentos de trabalhadores, pois as formas de organização fragmentadas desempenham uma funcionalidade à dinâmica capitalista. E no caso da particularidade de organização dos assistentes sociais, esse tipo de organização são, essencialmente, negadoras dos princípios que reivindicam o projeto ético-político da profissão. Embora não possamos ocultar as questões singulares que os assistentes sociais têm enfrentado nos espaços sóciocupacionais, na conjuntura de inflexões estratégicas do capital, de fragmentação da classe trabalhadora, não podemos permitir que as especificidades sobreponham-se as problemáticas gerais e universalizantes, pois “as reformas em curso não comportam mais esse tipo de negociação a não ser como estratégia que individualiza as relações sociais, que flexibiliza o trabalho e também as formas de negociação” (AMARAL, 2009, p. 120). Por essa razão, avaliamos que os esforços coletivos no âmbito da profissão devem ser envidados por dentro do debate e da ação política na perspectiva de garantir que as demandas específicas sejam articuladas as questões, essencialmente, gerais que se colocam na realidade contemporânea. Essa questão é de fundamental importância e por isso, deve ser considerada pela categoria profissional no enfrentamento ao dilema da sua organização sindical. Qualquer outra questão menos fundamental do que esta será ininteligível às contradições que devem ser confrontadas. 167 CONSIDERAÇÕES FINAIS A criação da FENAS nos anos 2000 trouxe a tona dilemas e desafios históricos para a categoria profissional dos assistentes sociais. Como vimos as determinações históricas e a análise política que levaram a categoria profissional extinguir seus sindicatos e a ANAS, no início dos anos 1990, estavam pautadas num contexto de ofensiva capitalista e de crise política dos projetos de esquerda nas realidades brasileira e internacional. O ocaso da ANAS, como decisão política majoritária da categoria, não pode ser compreendido sem uma contextualização histórica. Neste sentido, é importante levar em consideração a conjuntura sócio-econômica e política da realidade brasileira do início da década de 1990. É preciso observar que, nesse período, o desalento e refluxo das mobilizações populares e sindicais caracterizaram a mudança na correlação de forças, no âmbito da sociedade civil, com fortes rebatimentos para o desfavorecimento da disputa dos interesses da classe trabalhadora, no interior do aparelho do Estado. Ademais, o campo político da esquerda nacional, ainda, na década de 1980, precisamente em 1989, perde a chance de avançar no projeto de radicalização da democracia, com a vitória do candidato das classes dominantes, Collor de Melo, que permitiu a aceleração da implantação, no país, do receituário da política neoliberal. A partir de então, a classe trabalhadora sociedade brasileira, começa a vivenciar os ataques aos direitos e as garantias que, há muito pouco tempo, haviam sido conquistados na realidade nacional, através da incorporação, pela Constituição Federal, em 1988, de muitas das reivindicações populares dos trabalhadores organizados nos seus espaços de luta. A classe dominante, junto ao capital internacional, consegue, nesse sentido, implementar a programática da reordenação do seu projeto, através da contra-reforma do Estado brasileiro, especialmente, a partir do governo FHC. Junto à implantação do 168 Plano Real - que além de “solução” (a duras penas) econômica para a situação inflacionária do país, rendeu, estrategicamente, o marketing eleitoral para a campanha de FHC, - veio a abertura comercial; a desregulamentação das relações de trabalho; a reestruturação produtiva como adequação moderna e flexível para garantir a competitividade do país no mercado internacional, o que fez intensificar os índices de desemprego e da precarização do trabalho; o aprofundamento da contra-reforma estatal, caracterizado pela privatização de setores e empresas públicas e pelos cortes no orçamento dos gastos públicos, que trouxe reflexos contundentes no sucateamento dos serviços das instituições públicas, bem como, a deterioração dos direitos e das garantias sociais públicas. Esse panorama representou o prelúdio de um tempo de barbárie, no qual o processo de aprofundamento das contradições sociais deu origem a modalidades, cada vez mais complexas, de manifestação da questão social. Diante disso, o sindicalismo combativo de massas cede lugar, nessa conjuntura de ataques e massacres ao trabalho, para uma posição defensiva, na qual está embutida a perspectiva da conciliação de classes. Desse modo, a agenda sindical passa a ser construída dentro dessa lógica, reivindicando questões meramente pontuais e negociações desarticuladas do conjunto mais amplo da classe trabalhadora, aceitando, inclusive, discutir, com a classe dominante e seus representantes, formas ou estratégias de soluções “possíveis” para a contemplação dos interesses do capital e do trabalho - como se isso fosse possível - dentro da ordem do capital. A partir de então, a sociedade brasileira, especialmente a classe trabalhadora, começou a vivenciar os ataques aos direitos e as garantias que, há muito pouco tempo, haviam sido conquistados na realidade nacional, através da incorporação, pela Constituição Federal, em 1988, de muitas das reivindicações populares dos trabalhadores organizados nos seus espaços de luta. É importante destacar que o movimento sindical da categoria dos assistentes sociais, nesse contexto, vivenciava os mesmos rebatimentos, que foram se expressando no descenso da sua ação política, na fragmentação e desarticulação das suas bases filiadas, que foram sendo desmobilizadas pelos freqüentes ataques e derrotas políticas que sofreram nos processos de luta em defesa da institucionalização do piso salarial e da melhoria das condições de trabalho. A categoria profissional sentiu, 169 frontalmente, os impactos dessas mudanças sócio-econômicas e políticas na realidade brasileira e começou a perceber que era necessário desenvolver formas mais estratégicas para o encaminhamento das lutas em defesa dos direitos da classe trabalhadora, isto é, seus próprios direitos. Foi nessa perspectiva que o debate sobre a transição aos sindicatos mais amplos foi sendo inserida nos fóruns da categoria. E a deliberação extinção dos sindicatos não ocorreu sem tencionamentos e resistência por parte de alguns setores da categoria. O ressurgimento da FENAS, na conjuntura recente, não aconteceu por acaso. Mas, cabe frisar que as determinações da conjuntura histórica, na qual foi fundada, não apresenta diferenças substanciais em relação ao período no qual a ANAS foi extinta. Talvez, a tendência do desfavorecimento para as lutas do trabalho tenham se afunilado, se considerarmos o contexto de transformismos políticos da CUT e do PT. Na concepção do segmento profissional que deu origem a FENAS, a extinção dos sindicatos da categoria no início dos anos 1990, representou uma postura de isolamento e desarticulação profissional do campo das lutas sindicais, porque a transição aos sindicatos por ramo de atividade não se efetivou e a categoria ficou sem ter como encaminhar as suas lutas. É preciso reconhecer que a transitoriedade aos ramos consistiu um desafio que a categoria enfrenta até hoje. Acontece, que a tendência mais geral do movimento sindical reproduz práticas da herança histórica deixada pelas estruturas oficiais conservadoras do sindicalismo brasileiro, de valores corporativistas, impingidos nas categorias e ascendidos nesse contexto defensivo atual, que impulsiona a reprodução de (des)valores calcados na lógica da competição, da disputa, em detrimento de valores solidários, fraternos e emancipatórios (RAMOS e SANTOS, 2008). Sob essa perspectiva é necessário reconhecer a exclusividade política dessa decisão, que realmente não teve ressonância nas estruturas de organização fragmentárias do sindicalismo brasileiro. Contudo, não podemos desconsiderar a radicalidade e a ousadia políticas presentes na decisão política que levou a categoria suprimir seus sindicatos profissionais. Vale reforçar, portanto, que a idéia de que a categoria profissional ficou sem representação sindical ou impossibilitada de encaminhar as suas lutas profissionais 170 estratégicas, não possui lastro real. A supressão dos sindicatos da categoria assinalou para uma perspectiva de integração as lutas mais gerais, através dos ramos de atividade. Apesar dos limites da estruturação corporativista do movimento sindical brasileiro, é preciso frisar aqui, que vários segmentos da categoria passaram a militar dentro dos sindicatos que organizam os trabalhadores do serviço público, na área da saúde, educação, e outros setores nos quais a luta sindical desfruta de uma organização mais abrangente. No que diz respeito ao encaminhamento das lutas políticas, assistimos, nesses últimos anos, a um processo de aprofundamento da ação política referenciada nas lutas em defesa do projeto ético-político da profissão e dos interesses da classe trabalhadora. Vale lembrar, que essas lutas têm consistido as pautas centrais da agenda política das entidades representativas do Serviço Social brasileiro. Portanto, não podemos concordar com a análise de que a categoria ficou sem representação sindical ou sem a condição de encaminhar suas lutas. Uma coisa é a categoria deixar de ser referência para a organização da luta sindical, outra bem diferente é não admitir que a luta sindical possa ser referenciada na identidade de classe determinada pelo lugar que o sujeito ocupa nas relações de (re)produção social e no processo da divisão sócio técnica do trabalho. Nesse sentido é preciso muita capacidade crítica para reconhecer que nos momentos críticos da luta, a burguesia semeia a discórdia entre as massas trabalhadoras militantes e opõe as ações isoladas de diferentes categorias à fusão de uma ação geral de classe; em suas tentativas ela é sustentada pelo trabalho das antigas organizações sindicais, separando os trabalhadores de um ramo da indústria em grupos profissionais isolado artificialmente, ainda que saibam ligar uns aos outros para fazer o mesmo que a exploração capitalista. E que, é desta maneira que, a fragmentação sindical substitui “a possante corrente do movimento dos trabalhadores por frágeis riachos e os objetivos revolucionários gerais do movimento por reivindicações parciais reformistas” (AGUENA, 2008, p. 125). A perspectiva de uma luta sindical geral junto aos demais trabalhadores, como defende majoritariamente as entidades representativas da categoria, não se trata, como nos lembra Amaral (2009), de uma questão de considerar trabalho, salários, 171 carreira como coisas desimportantes, mas de reconhecê-los como parte de uma realidade mais geral que não pode mais ser negociada nessa conjuntura apenas como demanda específica de uma categoria. É preciso perceber que as mudanças em curso “não comportam mais esse tipo de negociação a não ser como estratégia que individualiza as relações sociais, que flexibiliza o trabalho e também as reformas de negociação” (AMARAL, 2009, p. 120). Nessa perspectiva, compreendemos que o tipo de organização sindical retomado e reforçado pela FENAS é expressão de um novo corporativismo, que se mostra insuficiente para o enfrentamento dos desafios cruciais que se colocam, nesse contexto de barbárie. A falta de legitimidade política do seu processo de criação e a condução prática da sua ação política revelam uma incompatibilidade com a perspectiva de defesa do projeto ético-político profissional. Do ponto de vista deste projeto, a luta sindical estratégica deve ter na condição de classe sua referência determinante. Sem a articulação de um projeto societário estratégico de contraposição ao capital, que mobilize a classe trabalhadora construindo novos métodos de luta, politizando os enfrentamentos corporativos e rompendo nos sindicatos as barreiras entre trabalhadores empregados e desempregados, não será possível fortalecer a resistência à ofensiva capitalista. No nosso entendimento, a concepção dos ramos de atividade representa um avanço político, do ponto de vista da organização sindical. Consideramos que a organização por ramo explicita maiores expectativas para o fortalecimento e articulação dos segmentos da classe trabalhadora, em volta de uma luta unificada. Nesse sentido, a organização sindical por categoria profissional é, indiscutivelmente, uma experiência regressiva nos marcos do sindicalismo de massa, por corresponder, a uma perspectiva de luta corporativista. Além disso, a conjuntura atual exige uma organização mais unificada e menos fragmentada dos trabalhadores, para enfrentar os desafios, colocados pela hegemonia neoliberal, na correlação de forças, nesta sociabilidade vigente (RAMOS, 2006). Neste sentido, os principais desafios postos para conjunto das entidades da categoria no enfrentamento desse dilema é, em primeiro lugar, a retomada da discussão sobre a inserção dos profissionais na luta sindical, levando em consideração, 172 não apenas o retrocesso político, representado pelo surgimento, em si, dessa federação, mas também, a incompatibilidade ideo-política entre a perspectiva de projeto político defendida por essa entidade e as demais entidades representativas da profissão. E em segundo lugar construir do ponto de vista prático estratégias políticas que garantam a retomada do processo de transitoriedade inconcluso, sem, é claro, se furtar nesse processo, de oferecer um acompanhamento e orientação da inserção das novas gerações de assistentes sociais na luta sindical, considerando que significativos segmentos desconhecem o processo sócio-histórico e político que levou a categoria a extinguir seus sindicatos. 173 REFERÊNCIAS ABRAMIDES, M. B. C. e CABRAL, M. do S. R. 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