a eficácia dos direitos sociais garantidos pela constituição de 1988

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A EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS GARANTIDOS
PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988
THE EFFECTIVENESS OF SOCIAL RIGHTS GUARANTEED
BY THE CONSTITUTION OF 1988
Silvana Fleury Curado
silvanafl[email protected]
Estudante do curso de Graduação em Direito na Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Integrante do grupo de pesquisas do Programa
de Pós-Graduação stricto sensu em Direito Político e Econômico da
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Monitora da disciplina de Teoria do Estado e da Constituição.
Estagiária do Ministério Público do Estado de São Paulo.
A EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS GARANTIDOS PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988
RESUMO
No presente trabalho, desenvolveu-se uma análise dos limites do tratamento dispensado aos direitos sociais, tanto no seu reconhecimento internacional como
direitos humanos, a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem,
de 1948, e do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,
de 1966, quanto na sua constitucionalização no âmbito nacional, a partir de
1934. Esses limites foram considerados como fatores que incidem sobre a eficácia das normas constitucionais brasileiras que tratam dos direitos sociais, uma
vez que se verifica considerável dificuldade de aplicação dos avanços sociais
previstos pela Constituição de 1988. Desenvolveu-se, assim, uma análise sobre
o processo de internacionalização dos direitos humanos, com foco nos direitos econômicos, sociais e culturais, e seus reflexos na realidade constitucional
pátria. Foram apresentadas as ações constitucionais voltadas à concretização
dos direitos previstos na Lei Maior e aferidos os desafios a serem enfrentados
pelo Estado brasileiro para tornar efetivas as conquistas sociais decorrentes do
processo de superação do regime autoritário implantado no país em 1964 e que
perdurou por mais de duas décadas.
PALAVRAS-CHAVE
Direitos sociais, eficácia, Constituição de 1988.
ABSTRACT
This study developed an analysis of the limits of the treatment given to social
rights, both in its international recognition as human rights, from the Universal
Declaration of Human Rights, 1948, and the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights of 1966, as in its constitution at the national
level, from 1934. These limits are considered as factors that relate to the effectiveness of constitutional norms brazilian about social right, in that there is
considerable difficulty of applying the social advances provided by the Constitution of 1988. Developed, thus, an analysis on the process of internationalization
of human rights, focusing on economic, social and cultural rights, and their
reflections in fact constitutional country. Were presented constitutional actions
aimed at achieving the rights guaranteed under the Constitution and be assessed
the challenges faced by the Brazilian government to make effective the social
benefits from the process of overcoming the authoritarian regime established in
the country in 1964 and lasted for more than two decades.
KEYWORDS
Social rights, effectiveness, Constitution of 1988.
SUMÁRIO
Introdução. 1. O processo de internacionalização dos direitos humanos. 2. Os
reflexos da internacionalização dos direitos humanos no direito brasileiro. 2.1
Ações constitucionais que procuram garantir o exercício dos direitos previstos constitucionalmente. 2.1.1. Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por
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Omissão. 2.1.2. Mandado de Injunção. 2.1.3 Arguição de descumprimento de
preceito fundamental. 3. Classificação das normas constitucionais para aferição
da sua efetividade. 4. Os desafios à efetividade dos direitos sociais. 5. A questão
da efetividade das normas constitucionais programáticas. 6. O papel imprescindível do Ministério Público na atual conjuntura social.
INTRODUÇÃO
O tema deste estudo – A Eficácia dos Direitos Sociais garantidos pela Constituição de 1988 – reveste-se da maior importância, tendo em vista que o Brasil é uma
República Democrática (e Social) de Direito, nos termos do que dispõe o próprio
texto constitucional.
Este estabelece, em seu art. 3o, como objetivos do Estado brasileiro, constituir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais, além promover o bem de todos. Nada disso, contudo, será possível,
se inexistirem mecanismos garantidores da eficácia social dos dispositivos constitucionais.
Os direitos sociais constituem uma “categoria-chave” de direitos, uma vez
que, a partir da sua implementação, é possível transformar a realidade social brasileira. A problemática consiste na dificuldade de aplicação dos avanços sociais
resultantes da Constituição de 1988.
O foco central deste trabalho esteve na compreensão dos limites do tratamento dispensado a esses direitos, tanto no seu reconhecimento internacional como
direitos humanos, quanto na sua constitucionalização no âmbito nacional, observando aqueles limites como fatores que incidem sobre a eficácia das normas constitucionais acerca dos direitos sociais.
A proteção internacional dos direitos humanos e, mais especificamente, dos
direitos sociais, representa indiscutível limitação jurídica aos excessos do poder econômico, em um país capitalista como o Brasil.
O presente estudo é dividido em três partes: inicialmente será analisado o
processo de internacionalização dos direitos humanos, em que realizar-se-á estudo
sobre Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, da ONU,
de 1966. A seguir, serão estudados os reflexos da internacionalização dos direitos
sociais sobre a realidade constitucional pátria, para, posteriormente, serem examinados os remédios constitucionais criados pelo constituinte de 1988 e as espécies
normativas presentes no texto constitucional. Enfim, serão examinados os desafios
enfrentados pelo Estado brasileiro para concretizar as conquistas sociais previstas
pela Constituição de 1988 e o possível papel do Ministério Público como agente de
transformação da realidade social.
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1. O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, editada pela Assembleia Geral da ONU, em 1948, se reveste de indiscutível relevância internacional, uma vez
que antes de seu advento entendia-se que o tratamento dispensado pelo Estado a
seus cidadãos era uma questão de competência interna, sem grande importância em
termos internacionais.
Tal pensamento começou a ser modificado com o surgimento do Direito Humanitário, da Liga das Nações e da Organização Internacional do Trabalho. Os Estados que a esses organismos aderissem deveriam obedecer a regras que estabeleciam
maior dignidade no tratamento dispensado à pessoa humana. Dessa forma, começaram a ser aplicados, ainda que de maneira tímida, limites à atuação desses Estados-membros, que “passaram a incorporar, (...), compromissos e obrigações de alcance
internacional, no que diz respeito aos direitos humanos”. (PIOVESAN, 2006, p.111)
Esse fenômeno, hoje consolidado, redefiniu o conceito de soberania, pois
uma maior consciência social começou a surgir, restringindo o poder arbitrário dos
governantes.
O advento da Segunda Guerra Mundial evidenciou o legítimo interesse na
proteção internacional dos direitos humanos, ultrapassando os propósitos de cada
Estado, a fim de impedir que se repetissem as atrocidades cometidas naquele período.
Assim, tornou-se de suma importância a imediata construção de um sistema normativo internacional para a efetiva proteção dos direitos humanos, que direcionasse os
Estados em suas condutas.
Dessa forma, em 1945, a Carta das Nações Unidas, segundo a qual a manutenção da paz era uma prioridade, foi apresentada ao mundo, tendo como metas
garantir a cooperação internacional diante dos problemas econômicos, sociais, culturais ou humanitários e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais para todos.
A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos tornou-se impossível
desvincular as ações estatais de um comportamento pautado em valores e princípios
rígidos sobre condições dignas de tratamento ao ser humano.
Visando criar uma ordem mundial apoiada no respeito à dignidade humana,
a Declaração de 1948 garantiu a universalidade desses direitos. Assim, todas as pessoas, não importando sua etnia, religião, língua, sexo ou nacionalidade, tornaram-se
seus titulares. Assim, são direitos fundamentais aqueles a que todos devem ter acesso, pelo simples fato de sua condição humana, devendo toda sociedade garanti-los
a seus membros.
Juntamente com o critério da universalidade, foi também reconhecida a indivisibilidade desses direitos, já que houve a preocupação em tratá-los de maneira
una e indivisível. Destarte, os direitos civis e políticos foram conjugados aos direitos
econômicos, sociais e culturais e assim assimilados pela comunidade internacional.
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José Augusto Lindgren Alves (1997, p. 4) sustenta que: “Todas as Constituições nacionais redigidas após a adoção da Declaração pela Assembleia Geral da
ONU nela se inspiram ao tratar dos direitos e liberdades fundamentais, pondo em
evidência, assim, o caráter hoje universal de seus valores”.
Em decorrência desse pensamento inovador, criou-se uma forte interdependência entre os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais,
conforme explica Flávia Piovesan (2006, p. 136):
Vale dizer, sem a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, os
direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias formais, enquanto que,
sem a realização dos direitos civis e políticos, ou seja, sem a efetividade da
liberdade entendida em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos e
sociais carecem de verdadeira significação. (...) Em suma, todos os direitos
humanos constituem um complexo integral, único e indivisível, no qual os
diferentes direitos estão necessariamente inter-relacionados e são interdependentes entre si.
O tratamento igualitário conferido a esses direitos representou um avanço
sem precedentes, pois certos fatores sempre atuaram de modo a impedir que os
direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais operassem conjuntamente. Entre eles, pode-se destacar o fato dessas duas categorias de direitos
terem naturezas distintas no que tange à sua atuação: enquanto os direitos civis e
políticos objetivam controlar os poderes do Estado, de modo a evitar que pratiquem
atos arbitrários, os direitos econômicos, sociais e culturais atuam de modo diverso,
exigindo do Poder Público uma atuação positiva, para implementar direito. Outro
ponto relevante é a questão de que, historicamente, os direitos civis e políticos estão
ligados à noção de liberdade e os direitos econômicos, sociais e culturais relacionados ao valor da igualdade. Por isso, estes últimos são considerados direitos “socializantes”. (ALVES, 2003, p. 47)
Ademais, durante boa parte do século XX, o mundo esteve dividido em dois
grandes blocos de países, capitaneados pelas então duas maiores potências mundiais: de um lado estavam os Estado Unidos e os países de economia capitalista,
de outro, a União das Repúblicas Socialista Soviéticas, como líder dos países socialistas. Inevitavelmente, a “Guerra Fria” influenciou diretamente a construção dos
documentos relacionados aos direitos humanos, haja vista a divisão em dois pactos
internacionais, tratados adiante.
Em decorrência da distinta natureza dessas duas categorias de direitos e do
momento político da redação dos referidos diplomas, foi decidido que seriam elaborados dois pactos, um relativo aos diretos civis e políticos e outro, aos direitos
econômicos, sociais e culturais.
Apesar da relevância da Declaração Universal dos Direitos Humanos para a
criação de uma consciência social, a partir do reconhecimento universal dos direitos
humanos fundamentais, não detinha força vinculante, sendo necessário um pacto
ou tratado internacional que abarcasse seus efeitos sobre os Estados. A soma da De28
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claração de 1948 com os dois Pactos Internacionais de Direitos Humanos, nas palavras de José Augusto Lindgren Alves (1997, p. 24) são: “os três principais elementos
que dão sustentação a toda a arquitetura internacional de normas e mecanismos de
proteção aos direitos humanos”.
Para os fins deste trabalho, não será examinado o Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos, mas tão somente o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que reflete o reconhecimento por parte da comunidade
internacional de que o bem-estar do ser humano em parte se dá em decorrência de
boas condições econômicas, sociais e culturais oferecidas pelos governos.
Coube a este Pacto detalhar e ampliar os direitos estabelecidos na Declaração de 1948, que muito genericamente definira os direitos sociais. Seria exigida dos
Estados uma postura ativa e participante na promoção de políticas públicas, que era
inovador com relação ao Pacto de Direitos Civis e Políticos, que para concretização
dos direitos nele previstos requeria mera abstenção por parte dos Estados.
O modo de atuação dos governos para a implementação dessas duas categorias de diretos também se faz de maneira diversa: enquanto a realização dos direitos
civis e políticos é imediata para os Estados-membros, os direitos de segunda dimensão1 (econômicos, sociais e culturais) são de realização progressiva.
A fim de fiscalizar a concretização dos direitos sociais de cada Estado-parte,
foi criado sistema de monitoramento, que se dá através da apresentação sistemática
de relatórios ao secretário-geral da ONU, que, por sua vez, encaminhará uma cópia
ao Conselho Econômico e Social para apreciação, elencando as medidas realizadas
e suas dificuldades, a fim de garantir a devida observância aos direitos reconhecidos.
Junto à obrigatoriedade de se adotar medidas progressivas para a implantação dos direitos sociais, está o princípio do não retrocesso social, que consiste na
vedação aos Estados de retroceder no campo da implementação desses direitos.
Dessa maneira, a liberdade do legislador é limitada pelo núcleo essencial até então
executado, de modo que a obrigação de promover o desenvolvimento dos direitos
sociais deve ser compreendida à luz do princípio da indivisibilidade dos direitos
humanos.
José Joaquim Gomes Canotilho (2003, p. 339-340) aprofunda o assunto, sustentando que:
O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas (...) deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo
inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros
1
A separação dos direitos fundamentais em duas “categorias”, a dos direitos civis e políticos e a dos direitos econômicos, sociais e culturais, pode gerar a falsa impressão de independência entre elas, porém
essa é uma concepção equivocada, uma vez que elas se sobrepõem, formando um todo. Nos termos da
Declaração de Viena de 1993, os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados. Em face a essa questão, há uma tendência em substituir o uso do termo “gerações” por
“dimensões”, na medida em que o segundo transmite a noção de unidade dos direitos fundamentais.
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esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa “anulação”, “revogação” ou “aniquilação” pura e simples desse núcleo essencial.
A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm
como limite o núcleo essencial já realizado, sobretudo quando o núcleo essencial se reconduz à garantia do mínimo de existência condigna inerente ao
respeito pela dignidade da pessoa humana.
Também a esse respeito, Patrícia Tuma Martins Bertolin (2007, p. 13) observa:
“na realização progressiva de tais direitos, é essencial a cláusula de proibição do
retrocesso social, sendo vedado aos Estados retroceder ou reduzir políticas voltadas
a garanti-los”.
2. OS REFLEXOS DA INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS NO DIREITO BRASILEIRO
O século XX foi marcado não apenas pela internacionalização dos direitos
humanos, mas pela tendência de se atribuir tratamento constitucional aos direitos
sociais, nos mais diversos países do globo.
No Brasil, esse processo se inaugurou com o advento da Constituição de
1934, que instituiu no país um novo conjunto de direitos, com forte caráter social,
e que foi objeto também, com algumas variações, de todas as Constituições posteriores. Entretanto, somente com a Constituição de 1988 houve uma efetiva consolidação e alargamento desses direitos, como demonstra Alessandra Gotti Bontempo
(2005, p. 64):
Além de apresentar um extenso rol de direitos e garantias individuais, a Constituição de 1988 inova a sua Declaração de Direitos, na medida em que inclui, no seu catálogo, não apenas os direitos civis e políticos, mas também,
os direitos econômicos, sociais e culturais que, nas constituições anteriores,
encontravam-se dispersos no âmbito da ordem social, que sempre estivera
misturada com a ordem econômica.
O grande relevo a eles atribuído foi fruto do processo de redemocratização
do Estado brasileiro, ao firmar a ruptura com o regime militar instaurado de 1964,
momento em que a ordem jurídica instituída foi derrubada e instaurou-se um longo
período de terror e opressão, em que o regime, por diversas vezes, retalhou as liberdades e garantias, com a imposição de inúmeros dispositivos jurídicos opressores,
como a censura à imprensa, a tortura aos adversários políticos e os atentados visando à intimidação de movimentos contrários ao regime instituído.
O fim do regime trouxe a oportunidade de assegurar direitos antes reprimidos. Neste ideário surgiu a Constituição de 1988, espelhando a “reconquista dos
direitos fundamentais, notadamente os direitos de cidadania e os individuais, simbolizando a superação de um projeto autoritário, pretensioso e intolerante que se
impusera ao País”. (BARROSO, 2009, p. 41)
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A Constituição de 1988 contém em seu texto a aspiração de garantir a efetividade dos direitos tanto individuais quanto sociais, demonstrando grande preocupação em: “vincular o Estado a um maior envolvimento na regulação da reprodução
social, especialmente em matéria de seguridade social, condições de trabalho, saúde, previdência, educação e acesso aos tribunais”. (FARIA, 1989, p. 18)
Já em seu artigo 1o, inciso III, é estabelecida, como fundamento de um Estado
Democrático de Direito da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa
humana, como o núcleo básico de todo o ordenamento jurídico brasileiro, devendo
orientar a interpretação do sistema constitucional. No entender de Flávia Piovesan
(2006, p. 31):
No princípio da dignidade humana que a ordem jurídica encontra o próprio
sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, para a hermenêutica contemporânea. Consagrando-se, assim, a dignidade humana como
verdadeiro superprincípio, a orientar tanto o direito internacional como o direito interno.
Nota-se um trabalho minucioso do legislador originário em consolidar os
direitos e garantias fundamentais. Pela primeira vez, um Diploma Maior na história
brasileira se inicia tratando dos princípios e garantias fundamentais, para só depois
cuidar da organização do Estado e dos seus poderes. Também de maneira inédita,
os direitos e garantias individuais são erguidos à categoria de cláusulas pétreas2, por
meio do artigo 60, parágrafo 4o, inciso IV, de modo a criar um núcleo imodificável
na Constituição que constitui a sua identidade.
Para Oscar Vilhena Vieira (1999, p. 135), criou-se “um conjunto de princípios e normas constitucionais hierarquicamente superiores aos demais dispositivos
constitucionais”.
Não só os direitos fundamentais foram abrangidos em suas diversas dimensões, fato que demonstra a grande sintonia entre a Constituição de 1988
com as declarações e pactos internacionais, como também houve um acréscimo do rol de direitos fundamentais. Assim, em face dessa enorme mudança de
paradigmas estruturais do Estado brasileiro, funda-se o Estado Social e com ele
novos propósitos.
Em seu art. 3o, são estabelecidos, como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, constituir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o
desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, além promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
2
Cláusulas pétreas são restrições materiais ao poder constituinte derivado, ou seja, barreiras que delimitam os limites do pleno exercício do legislador. Neste sentido, a Constituição de 1988 estabeleceu
que não será objeto de deliberação parlamentar qualquer proposta de emenda constitucional tendente
a abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos
Poderes, bem como quaisquer direitos e garantias individuais.
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No entanto, não basta o reconhecimento dos direitos fundamentais e o estabelecimento dos objetivos pátrios se não há efetividade. Desse modo, no intento
de possibilitar a imperatividade das normas que discorrem sobre as garantias fundamentais, o artigo 5o, § 1o, instituiu o princípio da aplicabilidade imediata destas.
Gomes Canotilho (2003, p. 186) explica:
Aplicação directa não significa apenas que os direitos, liberdades e garantias se aplicam independentemente da intervenção legislativa (...). Significa
também que eles valem directamente contra a lei, quando esta estabelece
restrições em desconformidade com a constituição (...) Em termos práticos, a
aplicação directa dos direitos fundamentais implica ainda a inconstitucionalidade de todas as leis pré-constitucionais contrárias às normas da constituição
consagradoras e garantidoras de direitos, liberdades e garantias ou direitos de
natureza análoga.
Em face de todo o exposto, pode-se concluir que a Constituição de 1988
vem a concretizar o entendimento de que os direitos fundamentais representam a
expressão jurídica dos valores éticos e políticos mais importantes de uma comunidade, assinalando o horizonte de metas sociopolíticas a alcançar e estabelecendo
a posição jurídica dos cidadãos em suas relações com o Estado ou entre si. (PEREZ
LUÑO, 2003, p. 310)
2.1 Ações constitucionais que procuram garantir o exercício dos direitos
previstos constitucionalmente
A fim de combater o que a doutrina costuma chamar de “síndrome de inefetividade das normas constitucionais”, a Constituição de 1988 criou uma série de
ferramentas jurídicas que visavam assegurar o pleno exercício de todos os direitos e
garantias nela previstos.
Três mecanismos são de suma importância para a efetividade dos direitos
constitucionais: a ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão, o mandado de injunção e a arguição de descumprimento de preceito fundamental.
No entender de Clèmerson Merlin Clève (2003, p. 20), é possível o uso dos
referidos instrumentos processuais nas situações em que “o poder público atua agredindo disposição que impõe inércia, ou quando atua, podendo atuar, porém movendo-se de maneira inadequada ou, ainda, de modo a violar regra de competência ou
de procedimento, há uma gama de mecanismos orientados à censura da atuação.”
A função jurídica destes mecanismos será a seguir examinada, em seus aspectos fundamentais.
2.1.1. Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão
A ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão funda-se na
negligência normativa, tratando-se “de uma pretensão que assenta na violação
da lei constitucional pelo silêncio legislativo (violação por omissão)” (CANO32
A EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS GARANTIDOS PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988
TILHO, 2003, p. 982). Sua função é trazer efetividade às normas dispersas ao
longo da Lei Maior.3
Tal omissão pode advir de qualquer dos Poderes ou de órgão administrativo, como se lê nos termos do artigo 103, § 2°, da Constituição, litteris: “declarada
a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências
necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias”.
Uma vez julgada procedente a ação, havendo omissão por órgão administrativo, a decisão adquirirá caráter mandamental, ademais o responsável por reparar tal
lacuna poderá vir a ser responsabilizado penal e administrativamente se tal questão
não for sanada. Já em relação à omissão legislativa, tal ação apenas possui um caráter informativo, na medida em que não cria qualquer vínculo obrigacional ao legislador, apenas gera certa pressão moral e política, mas, ainda assim, a inobservância
do comando constitucional poderá subsistir no ordenamento jurídico sem que haja,
para isso, qualquer outra implicação.
A legitimidade para propor a referida ação de inconstitucionalidade, em
qualquer de suas duas modalidades, estende-se às pessoas e as entidades enunciadas no artigo 103. Sendo no caso de negligência aos direitos assegurados na
Constituição, o órgão competente para sua apreciação será o Supremo Tribunal
Federal.
2.1.2 Mandado de Injunção
O artigo 5o, inciso LXXI, da Constituição estabelece que: “conceder-se-á
mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável
o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania”. Contudo, por meio do uso da hermenêutica jurídica, o Supremo Tribunal Federal entende caber mandado de injunção
em face de todo e qualquer direito e garantia fundamental previsto em qualquer
dispositivo do texto constitucional. Nesse particular, aduz Alexandre de Moraes que
As normas constitucionais que permitem o ajuizamento do mandado de injunção assemelham-se às da ação direta de inconstitucionalidade por omissão e
não decorrem de todas as espécies de omissões do Poder Público, mas tão só
em relação às normas constitucionais de eficácia limitada de princípio intuitivo de caráter impositivo e das normas programáticas vinculadas ao princípio
da legalidade, por dependerem de atuação normativa ulterior para garantir sua
aplicabilidade (2010, p. 172)
3
Neste sentido: “A concepção de que a omissão pode ensejar inconstitucionalidade, acolhida pelo
constituinte de 1988, implicou na criação de mecanismos de controle da constitucionalidade inéditos na história constitucional brasileira” (PIONESAN, 1995, p. 88 e s.). O diploma político de 1988
introduziu estes mecanismos de controle, priorizando a busca em assegurar ampla efetividade aos
preceitos constitucionais.
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Diferentemente da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, que
pode ser total (ausência de lei) ou parcial (regulamentação incompleta da norma constitucional, por parte da lei), o mandado de injunção apenas trata da
ausência total de lei regulamentadora. Dessa maneira, um dos elementos caracterizadores do mandado de injunção é a inexistência de norma reguladora do
direito demandado, sendo o outro a indicação de um direito constitucional. Já
a competência para análise de tal ferramenta não apenas foi entregue ao Supremo Tribunal Federal (artigo 102, I, q, bem como II, a), mas também ao Superior
Tribunal de Justiça (artigo 105, I, h) e ao Tribunal Regional Eleitoral (artigo 120,
§ 4o, V). Assim, a aferição da competência para julgar este writ relaciona-se diretamente com o sujeito da omissão, ou seja, a quem cabia a elaboração da norma
regulamentadora.
Questão polêmica acerca do mandado de injunção é a aplicação da decisão.
Parte da doutrina defende a sua natureza constitutiva, cabendo ao juiz criar norma
que regulamente o caso concreto. No entanto, há doutrinadores que aceitam apenas
o caráter mandamental da decisão do mandado de injunção, entendendo caber ao
Poder Judiciário apenas informar o órgão competente – o Congresso Nacional – sobre a omissão.
Em 2007, decorridos quase vinte anos do advento da Constituição e em
grande parte devido à inércia do legislador na regulamentação de direitos constitucionalmente assegurados, o Supremo Tribunal Federal alterou seu posicionamento
quanto aos efeitos deste remédio constitucional. Tal mudança deu-se no exame do
mandado de injunção no 712, de relatoria do Ministro Eros Grau, cujo bem da vida
em questão era o direito de greve dos servidores públicos. Também no julgamento
do mandado de injunção no 721, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, cujo objeto era o direito de aposentadoria especial aos funcionários públicos submetidos a
periculosidade e risco à saúde no exercício da profissão.
Em ambos os julgamentos, o Supremo Tribunal Federal concluiu que se deveria superar a postura até então adotada e incorporar ao entendimento do tribunal
a teoria concretista do mandado de injunção. Assim, o Poder Judiciário ao julgar o
referido writ, está autorizado não apenas a reconhecer a mora legislativa, mas também a viabilizar o pleno exercício do direito no caso concreto.
Note-se que a nova orientação do Supremo Tribunal Federal prima pela
defesa dos direitos sociais e por sua efetividade, pois as omissões legislativas não
mais serão barreiras à consagração destes direitos constitucionalmente previstos.
Há agora grande diferença em relação ao direcionamento antes adotado, no qual
o Supremo Tribunal Federal apenas dava ciência ao legislador da omissão por este
cometida.
2.1.3 Arguição de descumprimento de preceito fundamental
A arguição de descumprimento de preceito fundamental foi prevista pela
Carta Magna de 1988, no parágrafo único do artigo 102, mas somente foi regula34
A EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS GARANTIDOS PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988
mentada com o advento da Lei no 9.882, de 1999, que estabeleceu parâmetros para
o seu processo e julgamento.4
A lei possibilita seu uso em três hipóteses: para evitar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público; para reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público e quando for relevante o fundamento da
controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, mesmo anteriores à Constituição.
Julgada a ação procedente, comunicados serão as autoridades ou órgãos responsáveis pela prática dos atos questionados, fixando as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental, devendo a decisão atingir a todos.
Todavia, a propositura da arguição de descumprimento de preceito fundamental
apenas poderá se dar em face de atos já concretizados pelo Poder Público.
A apreciação de tal instrumento cabe ao Supremo Tribunal Federal. Além disso, a referida ação constitucional pode ser proposta pelos entes descritos no artigo
103, sendo estes os mesmos legitimados para propor ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade.
Insta salientar, que tanto a Constituição quanto a lei infraconstitucional foram
omissas ao não estabelecer clara definição sobre o que vem a ser ‘preceito fundamental’. Sobre o assunto discorre Luís Roberto Barroso (2009, p. 278-279)
Nem a Constituição nem a lei cuidaram de precisar o sentido e o alcance da
locução “preceito fundamental”, transferindo tal tarefa para a especulação
da doutrina e a casuística da jurisprudência. [...] A expressão preceito fundamental importa o reconhecimento de que a violação de determinadas normas
– mais comumente princípios, mas eventualmente regras – traz conseqüências
mais graves para o sistema jurídico como um todo. Embora conserve a fluidez própria dos conceitos indeterminados, existe um conjunto de normas que
inegavelmente devem ser obrigadas no domínio dos preceitos fundamentais.
3. CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS PARA AFERIÇÃO
DA SUA EFETIVIDADE
A noção de Constituição compreende a ideia de uma lei maior que estabelece
toda a organização jurídica fundamental do Estado. Uma Constituição deve conter normas que versam sobre os pilares que sustentam o Estado, consequentemente, os diversos
segmentos que compõem uma sociedade política deverão ser por ela contemplados.
Em virtude disso, existem diferentes categorias de normas constitucionais.
No entender de Luís Roberto Barroso (2009), são elas: normas constitucionais de
organização, normas constitucionais definidoras de direito e normas constitucionais
programáticas.
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Cf. TAVARES, André Ramos. Tratado da arguição de preceito fundamental: lei no 9.868/99 e lei no
9.882/99. São Paulo: Saraiva, 2001, p.225 e ss.
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As primeiras destinam-se à ordenação dos poderes estatais, à criação de entidades e órgãos públicos e suas atribuições; em síntese, regulam a estrutura do Estado
e do poder. As Constituições modernas, além de tratarem da organização estatal,
também definem os direitos fundamentais dos indivíduos submetidos ao poder soberano do Estado. Assim, surgiram as normas constitucionais definidoras de direitos,
sobre direitos políticos, direitos individuais, direitos sociais e direitos difusos5. Um
ponto de grande importância é o tratamento subjetivo6 dispensado aos direitos fundamentais pela Constituição, isto é, a possibilidade do titular destes direitos exigir o
seu cumprimento pelo Estado.
No passado, acreditava-se que tais declarações de direitos incorporadas às
Constituições não detinham valor jurídico e apenas configuravam princípios morais,
porém esse pensamento está superado, de modo a ser possível à exigibilidade e
acionabilidade dos direitos fundamentais em toda a sua amplitude.
O Estado Democrático Social instituído no Brasil possui uma série de propósitos, entre eles o de evitar possíveis abusos cometidos contra os cidadãos por
parte do Poder Público (direitos individuais), e o de garantir um mínimo comum de
desenvolvimento social (direitos sociais), surgindo assim disposições constitucionais
que abordam os fins sociais a serem alcançados. Estas normas, de maneira geral, estabelecem princípios e fixam programas de ação a serem adotados pelos governos,
intituladas normas programáticas, conceituadas como...
aquelas normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhe
os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos,
jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades,
visando à realização dos fins sociais do Estado (SILVA, 2008, p. 138)
São denominadas normas constitucionais programáticas, de acordo com a
classificação usada neste estudo, por serem normas em que o legislador preestabelece um programa de ação que deve ser adotado pelo Estado. Vale dizer, contudo,
que esse plano apenas aponta linhas diretoras, sem precisar os meios a serem empregados na obtenção de tais fins, que apenas poderão ser atingidos através de uma
integração infraconstitucional.
A introdução das normas programáticas ao sistema normativo brasileiro
emergiu paralelamente à positivação dos direitos sociais, econômicos e culturais
que se configuraram através das normas constitucionais definidoras de direitos. Todavia, cumpre salientar que apenas esta segunda espécie normativa pode ser exigí5
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Os direitos difusos integram a terceira dimensão dos direitos fundamentais e caracterizam-se primordialmente pela transindividualidade, ou seja, ultrapassam a clássica visão individualista, em grande
parte devido à indeterminação dos sujeitos e à indivisibilidade do objeto.
O direito subjetivo corresponde à possibilidade de uma pessoa exigir a observância de algum direito
seu que esteja sendo violado. Essa exigibilidade é garantida pelo próprio ordenamento jurídico, ou
seja, pelo direito objetivo. Fácil concluir que por serem os direitos fundamentais considerados direitos
subjetivos, esses são exigíveis, caso não estejam sendo postos em prática.
A EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS GARANTIDOS PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988
vel por meio do direito subjetivo, isso porque já está definida; diferentemente das
normas constitucionais programáticas em que há apenas sugestões de atuação, de
possíveis modificações.
A grande dificuldade de implementação das normas constitucionais programáticas se deve ao fato de que é transferida para um momento futuro e indeterminado a sua realização, sem que sejam estabelecidos seus beneficiários e o tempo limite
para sua implementação, fato esse que acaba por afastar dos cidadãos o direito
subjetivo de exigir tal prestação.
4. OS DESAFIOS À EFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS
Faz-se necessário destacar a diferença entre eficácia jurídica e eficácia social. A primeira corresponde à possibilidade formal de uma lei criar efeitos jurídicos,
em maior ou menor grau, na ocorrência de situações concretas, apesar de já produzir efeitos jurídicos por sua simples edição, uma vez que isto acarreta a revogação
de todas as normas anteriores que com ela conflitam. Já a eficácia social significa a
concreta aplicação da norma aos casos reais, assim é esta que garante a efetividade
de uma norma.
Considera-se ainda que:
A efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos
fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. (BARROSO,
2009, p. 82-83)
Ante o exposto, pode-se concluir que o esperado para toda norma é que ela
atinja sua eficácia social, já que existe para realizar-se e, uma vez que a Constituição
é a lei suprema do Estado e que não há norma de grau superior para protegê-la, deve
ela encontrar em seus elementos e atitudes institucionais a sua proteção e garantia.
(DI RUFFIA, 1965, p. 3-4)
5. A QUESTÃO DA EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
PROGRAMÁTICAS
Ao longo do tempo, as Constituições foram se transformando e seu estudo
passou a ser sistematizado, suas formas alteraram-se e seu conteúdo foi sendo incrementado por novas demandas sociais e políticas. Atualmente, as Constituições
não tratam apenas da estrutura organizacional de um Estado, estipulam princípios,
direitos e garantias, além dos deveres de cada cidadão.
Qualquer Lei Fundamental pode ser entendida como um sistema normativo
comportamental que estabelece obrigações, tanto para o Estado quanto para seus
cidadãos. Deve-se partir do princípio de que tudo o que está na Constituição obri37
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ga, devendo tais direitos ser dotados de uma eficácia mínima. Trata-se de normas
jurídicas que apresentam como característica singular a imperatividade, isto é, a
obrigatoriedade da obediência a seus comandos por parte de todos aos quais elas
se dirigem.
Os grandes problemas da eficácia normativa constitucional residem nesse segundo grupo, porque são normas dependentes da promulgação de leis complementares para atingirem de maneira plena seus fins. Nesse sentido a crítica de Norberto
Bobbio (2004, p. 92) faz-se pertinente:
O campo dos direitos do homem – ou, mais precisamente, das normas que
declaram, reconhecem, definem, atribuem direitos ao homem – aparece, certamente, como aquele onde é maior a defasagem entre a posição da norma
e sua efetiva aplicação. E essa defasagem é ainda mais intensa precisamente
no campo dos direitos sociais. (...) Será que já nos perguntamos alguma vez
que gênero de normas são essas que não ordenam, proíbem ou permitem hic
et nunc, mas ordenam, proíbem e permitem num futuro indefinido e sem um
prazo de carência claramente delimitado?
As normas programáticas detêm grande relevo, pois procuram atribuir uma
finalidade às atividades estatais e por isso há grande preocupação em garantir sua
eficácia7, porém por serem normas com características muito peculiares certas ressalvas devem ser feitas. Importa ressaltar que, mesmo devidamente aplicadas, nunca
poderão imediatamente à sua promulgação sanar a questão social a que foram endereçadas, uma vez que os problemas sociais da nação são de tamanha profundidade
que apenas medidas de caráter progressivo e contínuo poderão resolvê-los.
Entretanto, não basta a atuação do legislador ordinário para a plena aplicabilidade das normas programáticas, na medida em que a implementação de programas sociais necessita de certo grau de desenvolvimento econômico, pois as políticas
públicas adotadas pelo governo precisam de investimentos para subsistir.
Tal fator econômico compreende uma grande barreira à satisfação social,
assemelhando-se muito à metáfora do “cobertor curto”. A referida figura de linguagem ilustra os limites orçamentários do Estado. Assim, a aplicação progressiva
dos direitos sociais está diretamente vinculada à disponibilidade financeira de cada
Estado, devendo observar a “reserva do financeiramente possível”.
A escassez de recursos financeiros, entretanto, não impede que os investimentos que estejam sendo feitos nesse campo tenham um caráter progressivo e
constante, a fim de atender ao princípio da vedação do retrocesso social, que tem
como objetivo impedir que o legislador venha a desconstituir o grau de concretização dada a certos direitos fundamentais.
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Sobre a questão da eficácia dos direitos sociais, Alessandra Gotti Bontempo (2005, p. 193) entende que:
“a eficácia das normas constitucionais é redimensionada em se tratando dos direitos sociais, na medida
em que a grande maioria desses direitos previstos na Constituição de 1988 são enunciados sob a roupagem de normas programáticas que são, em um primeiro momento, endereçadas aos Poderes Públicos”.
A EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS GARANTIDOS PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988
A preocupação em garantir a continuidade das políticas públicas pode ser
resolvida com a elaboração de uma boa peça orçamentária, sendo esse um mecanismo pelo qual o Estado coordena os recursos públicos, determinando em que serão
aplicados. Contudo, há grande distância entre o texto escrito da Constituição e a
realidade social e política nacional.
6. O PAPEL IMPRESCINDÍVEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA ATUAL
CONJUNTURA SOCIAL
Concluída a análise sobre o tratamento dispensado aos direitos sociais pela
Constituição de 1988 e sobre os fatores que interferem diretamente na questão de
sua eficácia, depreende-se que o Estado brasileiro apenas conseguirá atingir os objetivos dispostos no art. 3o de sua Lei Maior caso o ordenamento jurídico disponha de
uma ferramenta sólida capaz de vincular a administração pública à efetivação das
garantias sociais constitucionalmente asseguradas. Isso porque apesar de existirem
elementos garantidores dos direitos sociais, esses não possuem um caráter vinculante em relação ao Poder Público.
Alessandra Gotti Bontempo, em sua obra “Direitos Sociais – Eficácia e Acionabilidade à Luz da Constituição de 1988”, depreende de seus estudos que a eficácia e acionabilidade dos direitos sociais são questões ideológicas e não científicas,
visto que a partir do momento que passam a integrar o corpo constitucional, esses
revestem-se de imperatividade e consequente exigibilidade. Dessa forma, os Poderes Públicos têm grande importância na sociedade, pois são eles os responsáveis por
concretizar as disposições constitucionais relativas a esses direitos.
Nesse sentido, em face de tudo antes exposto e considerando a importância
que o legislador originário conferiu à instituição do Ministério Público, como função
essencial à justiça e encarregada da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, a conclusão não pode
ser outra que não o necessário fortalecimento da atuação do Ministério Público na
consecução dos direitos sociais assegurados pela Constituição.
A natural maturação institucional do Ministério Público como defensor dos interesses da coletividade, deverá levar a um progressivo alargamento do conteúdo da
norma constante do artigo 129, III da Constituição. Desse modo, o inquérito civil e a
ação civil pública se prestarão a tutelar outra gama de direitos, para além da proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
CONCLUSÃO
O presente estudo pretendeu investigar os fatores que interferem diretamente
na questão da eficácia dos direitos sociais, de modo a dificultar a implantação de
políticas públicas que objetivam concretizar essas conquistas, tratadas como direitos
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fundamentais a partir da Constituição de 1988. Do exposto, depreendeu-se que em
virtude do grande esforço internacional para o reconhecimento dos direitos humanos e consequentemente dos direitos sociais, através da promulgação principalmente da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos dois Pactos Internacionais
de 1966, as questões teórico-doutrinárias que os cercam já se encontram consolidadas e os pontos que no início eram controversos, atualmente estão pacificados.
Assim, muito embora não permaneçam mais relevantes discordâncias sobre
a indivisibilidade dos direitos sociais em relação aos direitos civis e políticos, bem
como quanto a sua universalidade e exigibilidade, ainda existem diversas questões
que dificultam enormemente a implementação de medidas de cunho social.
Uma análise mais aprofundada demonstrou que a escassez de investimentos
para alteração da realidade social foi influenciada por diversos fatores que atuaram
concomitantemente, não sendo possível apontar apenas um elemento responsável
pela atual situação do país.
Entre os mais relevantes que foram investigados, aponta-se a instauração do
regime militar em 1964, durante o qual foram suprimidas diversas liberdades e garantias individuais, fazendo com que os cidadãos voltassem mais a atenção aos
direitos civis e políticos, esquecendo-se, dessa forma, dos direitos sociais. Por meio
da promulgação da Constituição de 1988, houve a ruptura com o anterior regime
instituído, sendo valorizados direitos anteriormente reprimidos (os direitos de “segunda dimensão”), que passaram a incorporar a gama de direitos fundamentais.
O referido processo de redemocratização trouxe uma nova perspectiva aos
direitos sociais reconhecidos constitucionalmente. A preocupação relativa a eles
passou a envolver questões atinentes à sua efetividade, sendo utilizado o instrumental jurídico previsto na Constituição para assegurar o pleno exercício de todos os
direitos e garantias constitucionais. Todavia, nenhuma dessas ações constitucionais
(ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão, mandado de injunção e
arguição de descumprimento de preceito fundamental) cria um vínculo obrigacional
ao poder público para que esse sane a irregularidade detectada, haja vista não haver
sanções caso ocorra a inobservância da decisão judicial.
Entretanto, o ponto mais polêmico da pesquisa diz respeito às normas programáticas, que possuem um papel determinante para a concretização dos direitos
sociais. A grande problemática que as cerca reside na compreensão ainda existente na doutrina de que essa espécie normativa apenas estabelece as diretrizes dos
programas de ação que devem ser adotados pelo Estado, e de que as normas de
cunho programático não determinam os meios a serem empregados na obtenção
do desenvolvimento social, nem mesmo estipulando um prazo máximo para a produção das normas infraconstitucionais. Isto implicaria em se considerar que tais
normas transferem para um momento futuro e indeterminado a realização de políticas públicas, sem que sejam estabelecidos seus beneficiários e o tempo-limite
para sua implementação, o que acaba por afastar dos cidadãos o direito subjetivo
de exigir tal prestação.
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Por fim, assenta-se a ideia de que, muito embora se reúnam no ordenamento
jurídico brasileiro diversos elementos garantidores dos direitos sociais, sua real concretização ainda está distante. Assim, defende-se aqui que o sistema de efetivação
de garantias relacionadas aos direitos sociais carece de uma ferramenta sólida capaz
de vincular a administração pública à efetivação das garantias sociais constitucionalmente asseguradas, podendo a atuação do Ministério Público, no exercício da
ação civil pública, contribuir sobremaneira para a construção de uma sociedade
cada vez mais livre, justa e solidária.
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1999.
Submetido: 08/11/2012
Aceite: 30/11/2012
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