SL 1053

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Nº 282998/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR
Suspensão de Liminar 1053 – AC
Relatora:
Ministra Presidente
Requerente:
Estado do Acre
Requerido:
Tribunal de Justiça do Estado do Acre
Interessada:
Janaína Mendes Trigueiro
SUSPENSÃO DE LIMINAR. DECISÃO QUE DETERMINOU
AO PODER PÚBLICO QUE ARCASSE COM O
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NÃO APROVADO
PELA ANVISA PARA O TRATAMENTO DE DOENÇA
GRAVE. FÁRMACO PLEITEADO QUE NÃO SE MOSTRA
IMPRESCINDÍVEL PARA A MELHORA DEFINITIVA DA
SAÚDE DO PACIENTE. EXISTÊNCIA DE ALTERNATIVA DE
TRATAMENTO TERAPÊUTICO COM PROGNÓSTICO DE
CURA.
1 – Ofende a ordem administrativa e econômica o dispêndio exacerbado com a aquisição de medicamento estrangeiro cujo resultado é a melhora pontual dos sintomas da
doença, sobretudo quando houver alternativa de terapêutica
que a cure em definitivo e o custo do fármaco corresponder a, praticamente, um terço do total destinado à compra
das reservas de medicamentos do ente estadual.
2 – Não resta comprovada a existência de periculum in mora
inverso no caso em exame.
3 – Parecer pelo deferimento do pedido de suspensão.
Cuida-se de suspensão de liminar proposta pelo Estado do
Acre em face da decisão interlocutória nos autos do Agravo de
Instrumento 1000977-15.2016.8.01.0000, que, mantendo o deferimento da tutela de urgência por magistrado de primeiro grau
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(Autos 0704565-03.2016.8.01.0001), autorizou o fornecimento
de medicamento destinado ao tratamento de insuficiência renal.
A petição inicial informa que Janaína Mendes Trigueiro ajuizou ação de obrigação de fazer combinada com reparação de danos morais e materiais e pedido de antecipação de tutela com o
objetivo de ver fornecido o medicamento Soliris (Eculizumabe)
por ser portadora de doença renal.
A paciente enfrentou gravidez de alto risco, cujo parto deu
causa a uma profunda anemia e à necessidade de curetagem no
útero, em razão da permanência de material em decomposição em
seu interior. Em novos exames, além da insuficiência renal e da já
mencionada anemia, constatou-se a ocorrência de grave alteração
nos rins e a infiltração de água nos pulmões. Após sua internação
em unidade de terapia intensiva, foi submetida à hemodiálise, recebeu diagnóstico de Síndrome Hemolítico Urêmica Atípica
(SHUA), e ainda foram verificados nódulos no pulmão, comprometimento da válvula esquerda do coração e pré-diabetes. A partir
desse ponto e diante as falhas no funcionamento do sistema renal,
a paciente recebeu prescrição para a ingestão do medicamento Soliris pelo período de seis meses, o que equivaleria a cinquenta e
quatro frascos.
Diante da urgência da situação, foi deferida a medida liminar
requerida pela paciente, cuja decisão foi mantida pelo Tribunal de
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Justiça do Estado do Acre, por ocasião da análise de decisão interlocutória.
À conta da grave lesão à ordem e à saúde públicas, sustenta o
ente estadual não ser devida a medicação requerida pela paciente,
uma vez que (i) o Parecer Técnico NATS 017/2016, elaborado
pelo Núcleo de Apoio Técnico em Saúde do próprio Poder Judiciário acriano, manifestou-se desfavoravelmente à solicitação, dado
que o tratamento medicamentoso seria paliativo, ao passo que há
método curativo por meio de transplante de medula óssea; (ii) o
fármaco não possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, colocando os seus usuários em situação de risco, ante as
notificações de casos graves de infecção meningocócica em doentes tratados com Soliris; (iii) a política de saúde pública, por força
constitucional, deve ser pautada em critérios de justiça e equilíbrio
na distribuição dos recursos e em normas técnicas de controle e
qualidade do serviço; (iv) a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal já se manifestou pela indispensabilidade do registro do fármaco na autarquia sanitária competente, tal como se observa no
voto condutor proferido por ocasião do julgamento do agravo regimental na Suspensão de Tutela Antecipada 175; (v) há vedação,
disposta no art. 12 da Lei 6.360/76, de industrialização, exposição
ou consumo de medicamento não registrado pelo Ministério da
Saúde e (vi) o dispêndio total permaneceria na ordem de, aproxi-
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madamente, seiscentos mil reais, custo que alcança quase 30% de
todo o orçamento dedicado a abastecer as reservas de medicamento do ente estadual.
Pede, por fim a suspensão da medida liminar em vigor e que
determinou o fornecimento de cinquenta e quatro frascos do medicamento Soliris, no prazo máximo de quinze dias, sob pena de
multa diária de quinhentos reais.
Aportados os autos no Supremo Tribunal Federal, a Ministra
Presidente ordenou a manifestação sucessiva da interessada e da
Procuradoria-Geral da República.
Deixando de apresentar a interessada suas razões, os autos vieram à Procuradoria-Geral da República para confecção de parecer.
Em essência, esses são os fatos de interesse.
A matéria discutida nas vias ordinárias evidencia a competência dessa Suprema Corte para examinar o presente pedido de suspensão, uma vez que tem como fundamento a inviolabilidade do
direito à vida e à saúde (arts. 5º, 6º e 196, da Constituição Federal).
O deferimento dos pedidos de suspensão de segurança, de liminar e de antecipação de tutela tem caráter sabidamente excepcional, sendo imprescindível perquirir a potencialidade de a decisão
concessiva ocasionar lesão à ordem, segurança, saúde e economia
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públicas, não cabendo nesta sede, em princípio, a análise do mérito.
Essa Suprema Corte, entretanto, fixou orientação no sentido
de ser possível um juízo mínimo acerca da matéria de fundo analisada na origem, para concluir-se pela viabilidade ou inviabilidade
da suspensão da decisão concessiva.
Os argumentos trazidos pelo requerente são verossímeis, evidenciando a flagrante ofensa aos valores públicos privilegiados pela
medida suspensiva.
O tema aqui debatido – aplicação imediata do direito fundamental à saúde, com fornecimento pelo poder público de medicamentos, tratamentos e terapias a pacientes portadores de doenças
raras ou graves quando demonstrada a necessidade vital e a impossibilidade de os beneficiários custearem o tratamento – tem sido
reiteradamente discutido no âmbito desse Supremo Tribunal Federal, tendo a Corte concluído que as circunstâncias específicas de
cada litígio é que serão decisivas para a solução da controvérsia.
Haverá casos, pois, em que forçoso será concluir que, a despeito da extrema limitação de recursos, não poderá o Poder Público eximir-se, ainda que provisoriamente, da obrigação
incontestavelmente sua de tornar efetivas as prestações de saúde
em favor de cidadãos considerados individualmente, sem prejuízo
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daquelas devidas à comunidade em geral, dando concretude aos
comandos constitucionais pertinentes.
Noutras hipóteses, porém, e igualmente em face das particularidades que os autos revelarem, o atendimento da postulação de
determinado doente poderá significar injustificado embaraço às
prestações de saúde devidas a toda a coletividade, diante, evidentemente, do quadro de notória e permanente escassez de recursos, a
recomendar a provisória suspensão dos efeitos da decisão até que
se torne definitiva.
Tendo em vista que a finitude de recursos é inerente a qualquer execução de política pública, sempre se faz necessário proceder a uma escolha, e, na área de saúde em especial, a escolha deve
nortear-se pela manutenção da integridade do sistema e pela maximização do atendimento à coletividade que necessita da equânime prestação ao serviço de saúde.
E parece ser esse o caso em apreço.
De início, a análise realizada no Parecer Técnico NATS
017/2016 do Tribunal de Justiça do Estado do Acre evidencia que
o tratamento com medicamento Soliris é meramente paliativo,
pois apenas reduz os sintomas, apesar do custo milionário do tratamento, havendo a necessidade de uso contínuo por toda a vida,
cujo resultado não redunda em cura.
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Ademais, informa que outras terapias, da mesma forma, são
paliativas, como as transfusões, hormônios esteroides, andrógenos,
anticoagulantes e suplementos vitamínicos, e seu uso serve apenas
para o alívio dos sintomas da doença. A única forma de tratamento
que já revelou a sua eficácia curativa é o transplante de células
tronco hematopoiéticas (TCTHa).
Por outro espectro, ainda que este fator não seja preponderante, ante a necessidade de análise individualizada de cada caso 1, é
importante ressaltar que o fármaco em questão não se submeteu às
diretrizes para a sua aprovação na Anvisa, restando incomprovada,
ao menos para os termos da legislação brasileira, a sua eficácia diante dos males que se propõe combater.
Assim, não se deve olvidar que a excepcionalidade capaz de
ensejar autorização judicial de uso de fármaco ainda não introduzido pelo órgão sanitário competente não restou evidenciada.
1 Como tem salientado a Procuradoria-Geral da República em feitos semelhantes ao presente, apesar de a Presidência dessa Suprema Corte, em decisões já confirmadas pelo Plenário, ter afirmado ser vedado à
Administração Pública fornecer medicamentos que não possuam registro
na Anvisa, destacando que o registro da droga é uma garantia à saúde pública, estabeleceu-se que essa regra não é absoluta, havendo casos excepcionais em que a importação de medicamento não registrado deverá ser
autorizada, como se observa no parecer da Procuradoria-Geral da República na SL 633, da lavra do então Procurador-Geral da República, Roberto Monteiro Gurgel Santos. De qualquer modo, a autorização judicial
para uso de medicamento não-liberado pelo órgão nacional de saúde pública deve considerar as eventuais informações sobre a prescrição do medicamento e as restrições de uso em regimes sanitários comparados.
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Não é demais lembrar que ainda vigora a Lei 6.360/76 que
disciplina a sujeição de drogas médicas à fiscalização da vigilância
sanitária e lá há vedação expressa de entrega para consumo de
substâncias farmacêuticas, arroladas na Lei 5.991/73, e entre elas a
droga, reconhecida como substância ou matéria-prima que tenha a
finalidade medicamentosa ou sanitária, configurando o seu desrespeito em verdadeiro ilícito administrativo.
De fato, não se desconhece a tormentosa jornada a que foi
submetida a paciente desde o parto até o presente momento. Contudo, não é possível atestar, no âmbito do processo suspensivo, de
cognição sumaríssima e não provido de procedimento próprio de
instrução, que a única solução seria a ingestão do medicamento
pleiteado nas instâncias ordinárias.
Ainda que o Estado do Acre tenha falhado em apresentar
comprovação originária dos autos em trâmite na Justiça Estadual, a
oportunidade conferida à interessada para se manifestar no processo suspensivo não teve êxito em instruir suficientemente o feito,
a ponto de sequer apresentar a prescrição médica dada em favor da
ministração do Soliris. Tal informação é apreendida de forma indireta pela leitura de outras peças processuais.
Por outro lado, não se pode esquecer do alto volume financeiro necessário à aquisição do medicamento em apreço, afetando
a ordem econômica estadual. Esclarece o Estado do Acre que o
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fornecimento da cota de medicamentos recomendada pelos médicos custaria R$ 594.000,00, o que equivale, segundo os dados da
petição inicial, a trinta por cento dos recursos destinados à compra
de medicamentos à população de todo o ente estadual. Parece ser
valor desproporcional para minimizar sintomas de doença grave,
sem expectativa de cura por essa via, a uma única paciente.
Portanto, o pleito em questão não faz mais que demandar um
juízo de ponderação do intérprete sobre custo do medicamento
para a comunidade acriana e benefício direto da paciente. Se de
um lado, as vantagens da utilização do Soliris resumem-se em
breve bem estar da paciente e a atenuação dos sintomas dos males
que a afligem, sem que, por si só, haja perspectiva de cura, de outro, o custo é, sob qualquer critério de averiguação, exorbitante,
porquanto o volume financeiro é expressivo e as consequências
desse gasto redundarão na escassez de medicamentos adquiridos
pelo ente estadual ante o risco de exaurimento dos recursos orçamentários destinados à aquisição de remédios.
Conquanto seja repisado o risco de morte na petição inicial
da ação indenizatória, o risco de dano inverso não resta evidente,
não devendo servir de fundamento para obstar a paralisação do
fornecimento do fármaco.
Diante desse panorama, além de não ser incontestável a imprescindibilidade do medicamento pleiteado à vista da pouca
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comprovação apresentada nos autos e o dispêndio financeiro permanecer em patamares insustentáveis, a ponderação dos valores em
conflito leva inexoravelmente à conclusão pela sustação das decisões tomadas no juízo ordinário.
Ante o exposto, opina a Procuradoria-Geral da República
pelo deferimento do pedido de suspensão.
Brasília (DF), 21 de novembro de 2016.
Rodrigo Janot Monteiro de Barros
Procurador-Geral da República
JCCR/UASJ
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