O Discurso Científico em Bruno Latour - Ciências Sociais

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O Discurso Científico em Bruno Latour
Jaqueline de Mendonça Oliveira *
RESUMO: Discorrer-se-á sobre reflexões feitas por Bruno Latour
sobre o discurso científico em três perspectivas diferentes, com base
em suas obras: Jamais fomos Modernos, Vida de Laboratório e
Reensamblar lo social. O ponto de partida é analisar o discurso como
uma dimensão de análise, na pesquisa das redes sócio-técnicas. A
seguir, será tratada a importância do discurso nos informes como um
meio para produção e defesa de fatos e verdades científicas. Por fim,
será abordado o discurso dos cientistas sociais e dos atores nos
informes como um laboratório e veículo de divulgação científica que
deve privilegiar a fala dos atores para que seja um informe bem
sucedido que reflita a capacidade do pesquisador de não calar os
atores, bem como de “despregar” o social. Percebendo-se que o
discurso é de suma importância para a construção e constituição das
ciências do “social”.
Palavras-chave: Discurso; Bruno Latour; Sociedade; Ciência e
Técnica.
Introdução
Pretende-se por meio deste discorrer sobre reflexões a respeito
do discurso científico visto a partir de diversas perspectivas que Bruno
Latour propõe e que selecionei, são elas: o discurso como dimensão de
análise da Sociologia da Ciência e da técnica, o discurso científico
como dado de pesquisa da mesma e também como meio de produção e
divulgação do conhecimento científico dos cientistas sociais.
Essas discussões sobre o discurso científico compõem
discussões mais amplas de Latour e outros autores sobre o estudo da
Ciência e da Técnica. Dois dos livros aqui discutidos – Reensamblar
lo social1 e A Vida de laboratório – foram temas de discussões da
*
Licenciada e Bacharel em Ciências Sociais (UFSC).
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disciplina Sociologia da Ciência ministrada pela professora Julia S.
Guivant no segundo semestre de 2009 no curso de Ciências Sociais UFSC. Agradeço, portanto sua contribuição para a compreensão e
divulgação da obra de Latour, bem como a meus colegas que cursaram
a disciplina e participaram comigo desse diálogo teórico.
Teoria do ator-rede
Latour - sociólogo, antropólogo, filósofo – híbrido - como ele
mesmo se autodefine, faz parte de uma tendência do estudo da ciência
e da técnica que se opondo às correntes macro-sociológicas, propõe
estudos a respeito da ciência e da técnica que dêem conta do cotidiano
que faz parte da produção científica. Apresenta uma proposta teóricometodológica a teoria que ficou conhecida como TAR – Teoria do
ator-rede.
Em primeiro lugar, dentro dessa perspectiva teórica, Latour
defende que humanos e não-humanos são associados formando
também um social. Faz críticas ácidas à sociologia clássica por
começar suas pesquisas pela “sociedade” ou outros “agregados
sociais”, quando na verdade deveria culminar neles ou não, ao fim da
pesquisa (LATOUR, 2008, p.23). Latour argumenta que já não é
suficiente limitar os “atores” (mais conhecidos como objeto/sujeito de
pesquisa) ao rol de informantes, há que restituí-los de sua capacidade
de criar suas próprias teorias sobre o que compõe o social. Citando-o:
Para aprender de ellas em qué se há convertido la existencia colectiva
en manos de sus actores, qué métodos han elaborado para hacer que
todo encaje, qué descripciones podrían definir mejor las nuevas
asociaciones que se han visto obligados a establecer (LATOUR, 2008,
p. 28).
Latour diz ainda na mesma obra que se a “sociologia do
social” funciona bem com o que já foi encaixado, não funciona tão
bem quando se trata de fazer uma nova compilação dos participantes
naquilo que ainda não é uma espécie de domínio social. Propõe então
o estudo através de “redes”. O termo rede não designa uma coisa que
teria a forma aproximada de pontos interconectados – como logo
somos levados a imaginar. A rede é o meio para descrever e não o que
se descreve. Citando Latour:
[...] rede é uma expressão que serve para verificar quanta energia,
movimento e especificidade são capazes de capturar nossos próprios
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informes. Rede é um conceito, não uma coisa que existe ali fora. É
uma ferramenta para ajudar a descrever algo, não algo que se está
descrevendo2 (LATOUR, 2008, p. 190).
Ademais, Latour propõe uma mudança de velocidade na
pesquisa, ou seja, que seja mais lento o processo de tirar conclusões.
As conclusões devem ser a posteriori e não a priori. Acrescenta que
as análises devem ser dos próprios atores. Deve-se dar vez e voz a eles
(LATOUR, 2008, p. 42 e 45).
Argumenta também que o pesquisador deve se alimentar de
controvérsias acerca do que é constituído o social que aparecem
durante a pesquisa. É deixar “Que los actores hagan esa tarea por
nosostros. No definamos por ellos qué compone lo social” (LATOUR,
2008, p.59). Além disso, tem-se a tarefa de traçar as relações entre
essas controvérsias, não tentando de forma alguma resolvê-las. Uma
boa TAR deve deixar transparecer as dificuldades que implica
“viajar”. O método ou “viajem” como ele prefere chamar consiste em
duas opções: ou “seguir os teóricos sociais e começar nossa viajem
definindo a princípio em que tipo de grupo e nível de análise nos
concentraremos ou seguimos os caminhos próprios dos atores e
iniciamos nossas viagens seguindo os rastros que deixa sua atividade
de formar e desmantelar grupos”3 (LATOUR, 2008, p. 49), de forma
que ele prefere a segunda.
Para Latour a verificação da qualidade da pesquisa passa
também pela pergunta se os atores são mais fortes que os analistas no
texto final – os informes - e pela resposta de que sim. Pois é
necessário que se permita aos atores manifestarem seus próprios e
diversos cosmos, por mais contra-intuitivos que eles pareçam
(LATOUR, 2008, p. 43).
Mais uma recomendação que ele faz é que se deve adaptar a
teoria e o método às singularidades do “objeto”. Para tanto, deve-se
abandonar as categorias pré-estabelecidas seja pela Antropologia,
Filosofia e outros campos de conhecimento. Diz que os sociólogos
críticos, por exemplo, tem se ocupado muito em transformar o mundo,
mas para ele se trata é de interpretá-lo, e para isso é necessário
abandonar a idéia de que todas as linguagens são traduzíveis ao
idioma estabelecido pelo social – a taquigrafia do social.
Por fim, o cito: “... la TAR es el intento de permitir a los
miembros de la sociedad contemporánea tanto margen para definirse
a sí mismos como el que les ofrecen los etnografos” (LATOUR, 2008,
p. 66). Ante o exposto, percebe-se que não há uma homogeneidade
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entre as correntes sociológicas, e que há diferentes concepções de
ciência.
Latour vai argumentar em sua obra Vida em Laboratório que
os critérios de verdade estão muitas vezes atrelados às relações de
poder e/ou à retórica – que aqui nos referiremos como discurso.
Pressuposto tal que permeia a proposição de Latour de como fazer
Sociologia e Antropologia da Ciência e da técnica. Como prometido
dar-se-á início à discussão sobre o discurso científico nas obras de
Latour, que hora aparecem como dimensão da pesquisa, ora como
dado da mesma, ora como resultado da pesquisa do cientista social.
O discurso como uma dimensão analítica
O discurso é para Latour como uma das possíveis dimensões
de análise das redes sociotécnicas e também da Sociologia do Social,
pois o discurso é uma das formas de suma importância para se
conhecer essas realidades e atores.
Latour em seu livro Jamais fomos modernos fala das
limitações que os estudos da ciência e da técnica têm tido em função
da delimitação das áreas do conhecimento – leia-se a Epistemologia,
as Ciências Sociais ou a Ciências do texto. Ele crítica a Epistemologia
por extrair de seus estudos apenas conceitos, retirando-lhes todas as
ligações que esses têm com o social ou com a retórica. Na mesma
lógica, as Ciências Sociais, por sua vez, conseguem apenas ver a
dimensão política e social, excluindo todo e qualquer não-humano do
cenário. Já, as Ciências do texto conservam apenas o discurso
desconsiderando todos os outros aspectos contemplados pelas outras
áreas, como as citadas nos parágrafos anteriores. Afirma ser esse, um
problema para os estudos da Ciência e da técnica, já que essa não se
resume e nem se reduz unicamente a nenhuma dessas dimensões, pois
esse campo de pesquisa é composto de redesociotécnicas e povoado
de humanos e não-humanos. Logo a omissão de algum dos aspectos
levantados por cada área implica na incompletude da pesquisa.
Citando-o:
ou as redes que desdobramos realmente não existem, e os críticos
fazem bem em marginalizar os estudos sobre as ciências ou separá-los
em três conjuntos distintos – fatos, poder, discurso -, ou então as redes
são tal como as descrevemos, e atravessam a fronteira entre grandes
feudos de crítica – não são nem objetivas, nem sociais, nem efeitos do
discurso, sendo ao mesmo tempo reais, e coletivas, e discursivas
(LATOUR, 1994, p. 12).
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Acredita Latour que nesse caso se se tem uma lição a ser
aprendida com os antropólogos, quando esses, ligam em uma mesma
monografia mitos, genealogias, técnicas, e outros. Porém faz uma
ressalva, aos antropólogos, porque ainda deixam seus estudos
incompletos por ignorar a agência dos não-humanos em suas
pesquisas.
Acrescenta ele que os fatos científicos são construídos por
meio do discurso – idéia que desenvolverei melhor no próximo tópico.
E em se tratando de analisar discursos percebe-se que os cientistas
fazem associações que não podem ser analisadas separadamente de
outros âmbitos – como o social e político, como foi o caso das
discussões entre Boyle e Hobbes a respeito da bomba de vácuo:
Compreendemos que Boyle não criou simplesmente um discurso
científico enquanto Hobbes fazia o mesmo para a política; Boyle criou
um discurso político de onde a política deve estar excluída, enquanto
que Hobbes imaginou uma política científica da qual a ciência
experimental deve estar excluída (LATOUR, 1994, p. 33).
A partir desse evento Latour afirma que vão aparecer
historiadores para estudar apenas a Inglaterra do século XVII, que só
estarão interessados em fazer surgir a bomba de vácuo
misteriosamente do mundo das idéias e, é claro, estabelecer sua
cronologia. Ou então, aparecerão cientistas e epistemólogos que irão
descrever todo o processo físico da bomba, sem mencionar a
Inglaterra ou o próprio Boyle. Segundo ele um esquece os nãohumanos e os outros, os humanos.
Afinal, ele propõe que os estudos das redes sociotécnicas
devam contemplar em suas análises tanto os conceitos, como a
dimensão social-política, como também, os discursos. Este último
Latour discute-o também dado de pesquisa, em seu livro Vida de
Laboratório. Ver-se-á a seguir.
O Discurso científico como meio de produção e defesa de fatos e
verdades...
(...) então se vê que a vida tem necessidade de ilusões, isto é, de nãoverdades tidas como verdades. Tem necessidade da crença na verdade,
mas então a ilusão é suficiente, as “verdades” se demonstram por meio
de seus efeitos, não por meio de provas lógicas, pela prova da força. O
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verdadeiro e o eficiente são identicamente válidos, aqui também a
gente se inclina diante da violência. – Como é que então uma
demonstração lógica pode, no final das contas, ter tido lugar? No
combate da “verdade” contra “verdade” procuram a aliança da
reflexão. Tudo o que representa um esforço real de verdade veio ao
mundo por meio do combate por uma convicção sagrada: por meio do
pathos do combater (...) NIETZSCHE, 2007, p.25.
Em sua pesquisa - descrita em Vida de Laboratório – Latour
trata de entender “a tribo” que passa dois terços de seu tempo
trabalhando em o que ele chama de grandes “inscritos literários”
exercendo a “arte da persuasão”. Segundo ele, essa arte “serve para
que os pesquisadores convençam os outros da importância do que
fazem, da verdade do que dizem” (LATOUR e WOLGAR, 1997,
p.68), e conseguem, não porque estejam convencidos eles mesmos do
que dizem, mas porque seguem uma orientação coerente de
interpretação dos dados. Logo, há uma coerência entre um “fato” e o
sucesso do inscrito literário.
Latour fala que os artigos mais as substâncias purificadas e os
anti-soros constituem o cacife que o pesquisador tem dentro do
laboratório e que serve de barganha em casos de ameaça de sair do
laboratório, levando consigo seus artefatos para dar prosseguimento à
pesquisa em outro lugar. Ele fala da importância do pesquisador
aprender as habilidades exigidas no laboratório, porém essas, segundo
ele, são apenas um meio para chegar ao objetivo final – a produção de
um artigo. Segundo ele, os próprios cientistas reconhecem a idéia de
que a produção de artigos é essencial para sua atividade.
Os artigos passam por diversas etapas de fabricação, como um
rabisco num papel de um resultado, portanto Latour tratou de analisálos como objetos “à maneira de produtos manufaturados” (LATOUR
e WOLGAR, 1997, p.70). E para fabricar seus inscritos os
pesquisadores efetuam diversas operações sobre enunciados, “esses
enunciados representam apenas uma pequena parte de centenas de
artefatos” (LATOUR e WOLGAR, 1997, p.91).
Segundo Latour segue-se aí, um movimento browniano que
pode aniquilar de vez um enunciado, ou torná-lo inquestionável caso
seja aceito e citado por outro pesquisador. Fazendo se assim o meio
para a justificação de verdades que estão ancoradas na crença da
verdade de seus antecessores. No meio desse movimento é que se
constitui um fato, e quando isso acontece, ele entra para o legado de
aquisições científicas. Daí se percebe porque a produção literária é
tida em tão alta conta e porque se gasta um milhão e meio de dólares -
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referindo-se ao ano de 1975 - para permitir que 25 pessoas escrevam
cerca de quarenta artigos por ano (LATOUR e WOLGAR, 1997,
p.69).
Os Discursos dos cientistas sociais e dos atores nos informes laboratório e veículo de divulgação científica da Sociologia.
No quinto capitulo de seu livro Reensamblar lo social –
“Quinta fuente de incertidumbre: escribir explicacioanes arriesgadas”
– Latour debruça-se sobre a questão da produção textual – os
“informes” - no âmbito das ciências sociais. Para isso, realiza diversas
considerações sobre o que seria, a seu ver, um texto “bem escrito” e
um texto “mal escrito” em função de sua finalidade.
Preliminarmente, cabe abrir um parêntese para transcrever o
significado da expressão “informe textual” para Latour. Primeiro
Latour deixa claro que é um texto no qual não se deixa de lado a
questão da precisão e da veracidade (LATOUR, 2008, p. 183, 184).
Caracteriza-se por ser o locus artificial onde o cientista pode oferecer
uma apresentação das conexões que conseguiu recortar – “desplegar”
–, as quais serão capazes de responder para um público determinado a
qual mundo comum pertence seus integrantes (LATOUR, 2008, p.
201). O informe textual é o laboratório do cientista social (LATOUR,
2008, p.185), e se o caráter artificial é o que confere a objetividade, é
necessário que se identifique os artefatos por ele produzidos. Sabendo
de antemão que os informes textuais podem falhar assim como os
experimentos (LATOUR, 2008, p.186). Define um mau informe
textual como aquele em que apenas alguns atores são apontados como
as causas de toda a trama. Nesses informes, segundo Latour, os atores
servirão de telão de fundo ou retransmissores dos fluxos da eficácia
causal (LATOUR, 2008, p.189). Como em vários momentos na obra,
ele faz uma crítica à sociologia do social, pois o que seria para ela um
informe convincente, ou seja, embasado em poucas causas gerais que
geram uma massa de efeitos, para a TAR será apenas um informe
frágil, que simplesmente repete e tenta transportar uma força social já
composta, sem questionar aquilo do que está feita e sem procurar os
veículos necessários para expandi-la (LATOUR, 2008, p. 190).
Latour entende que há dois motivos centrais pelos quais a
literatura das Ciências Sociais é freqüentemente tão mal escrita: o
primeiro motivo é que os cientistas sociais tendem a imitar a escrita
descuidada dos cientistas das ciências naturais; o segundo motivo é
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que, ao contrário destes, os cientistas sociais não convocam atores o
suficientemente recalcitrantes para interferir nessa escrita.
Assim, os cientistas das ciências naturais são obrigados a levar
em consideração pelo menos algumas das particularidades de seus
objetos recalcitrantes enquanto os sociólogos do social podem
silenciar com eficácia o vocabulário preciso de seus informantes
através da sua própria metalinguagem (LATOUR, 2008, p. 182).
Em contraponto, Latour define o que seria um texto “bem
escrito”. Para ele, um bom informe é aquele que segue o rastro de uma
rede (LATOUR, 2008, p. 187); é aquele que representa o social no
sentido de que alguns de seus participantes na ação serão encaixados –
“ensamblados” – de modo a que possam ser reunidos (LATOUR,
2008p. 200). Um bom informe da TAR é uma narrativa ou uma
descrição ou uma proposta em que todos os atores atuam (interferem)
em vez de somente transportar efeitos sem transformá-los (LATOUR,
2008, p. 187).
Finalmente, Latour procura desmistificar a dicotomia existente
entre descrição e explicação, pois entende que uma boa descrição –
que nunca é um retrato não mediado daquilo que se descreve
(LATOUR, 2008, p. 197) – prescinde de uma explicação por esta estar
contida naquela, caso contrario estar-se-ia diante de uma má
descrição. (LATOUR, 2008, p 198). Ainda afirma que a alternativa à
explicação é fazer um recorte – “despegar” – das redes que fazem
possível certo estado de coisas ou acrescentar uma explicação que se
restrinja a afirmar que outros atores ou fatores devem ser levado em
consideração. (LATOUR, 2008, p.198)
Para Latour é no específico que radica o caráter do social
(LATOUR, 2008, p. 199), assim, o objetivo é produzir por meio do
informe/discurso uma ciência do social adaptada às especificidades do
social (LATOUR, 2008, p. 197). Pois:
la buena sociologia tiene que estar bien escrita; si no, lo social no
aparece a través de ella (LATOUR, 2008, p. 182).
Considerações finais
É notória a recorrência do tema do discurso nas obras de
Latour. Aparecem em seus textos como dimensão de análise – se
referindo às Ciências do Texto, como dado de pesquisa – “inscritos
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literários”, e também como meio de produção do conhecimento do
sociólogo – “informes”.
Como se percebe o tema - discurso – está presente
recorrentemente nas reflexões de Latour, bem como nas discussões
dos filósofos da “virada lingüística” – vertente da conhecida Escola de
Frankfurt de orientação marxista e hermenêutica, ambas, alvos de
crítica de Latour - que a partir dos anos setenta começaram a falar de
teoria – que acaba sendo escrita - como uma práxis. A Escola de
Frankfurt, grosso modo, propunham como objeto de pesquisa as
“práticas lingüísticas” e as interações comunicativas, porém se
diferenciando dos lingüistas pelo fato de não se aterem apenas à
descrição dos “jogos lingüísticos” desconectados de seu lugar no
mundo. Ademais, almejavam lograr a reconstrução dos princípios
gerais e “universais” que os regulam (D’AGOSTINI, 1997).
Por vezes, tem-se a impressão de que Latour faz o mesmo em
menor escala, não universal. Pois, ele intenta conhecer a forma dos
documentos produzidos em laboratório, que segundo ele, é o meio por
onde se exerce a prática da “arte da persuasão” que seria utilizada para
a produção de fatos e verdades e também para a defesa de ambos.
Dentro dessa perspectiva ele argumenta que os cientistas têm suas
descobertas tidas como fatos pela comunidade científica, se seguem
uma tipologia de interpretação e escrita compartilhada pelo grupo.
Logo, as verdades e fatos produzidos em laboratório são dependentes
da linguagem (informes, Power point e outros), que como ele mesmo
diz é o resultado final de 99% das pesquisas. Panorama do qual nem
os sociólogos escapam, segundo Latour.
Portanto ele defende que é de suma importância o cuidado com
nossa escrita enquanto informes, pois muitas vezes, a escrita nos faz
falar o que não queríamos, ou mesmo, porque essa é a prova final para
saber se fomos bem sucedidos em nossa pesquisa. E ser bem sucedido
na pesquisa, é para Latour, ter passado longe da “sociologia do
social”, tanto na idealização da pesquisa, quanto na coleta de dados e
na escrita. Mas estaria Latour reduzindo a Ciência ao crivo da
linguagem? Seria a forma o atestado de excelência do conteúdo?
Perguntas para as quais as respostas parecem incertas nas mesmas
obras citadas.
Outro ponto, inquietante é a ausência, nas citadas obras de
Latour, da análise de discursos informais. Como exemplo, na obra
Vida de Laboratório, Latour apesar de citar a existência de uma copa
(cozinha, espaço para lanche dos cientistas), onde as pessoas tomavam
café, não registrou nenhum discurso dado nesse espaço. O porquê
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dessa omissão? Por acaso os discursos informais não afetariam os
discursos formais – os informes – tão minuciosamente analisados por
ele? Tampouco foi considerada a linguagem gestual dos atores.
Porque, em contrapartida, Latour analisou os artigos de forma
exaustiva, usando, incluso estatística como ferramenta de análise?
Estaria essa ausência dando a conhecer uma possível incompletude de
sua pesquisa.
Quanto ao status dos discursos presentes na pesquisa, Latour
propõe que o discurso do ator e do pesquisador/ator seja visto com o
mesmo status epistemológico. Incluso, defende que os conceitos dos
atores apareçam mais nos informes do que os dos pesquisadores
(LATOUR, 2008, p. 51). Diz Latour que o sociólogo não pode
“fagocitar” – termo meu – o discurso do ator numa metaexplicação
através de uma metalinguagem como o conceito de “social”
(LATOUR, 2008, p. 60). Pois, segundo ele, seria justamente o
problema que ocorreu no surgimento da sociologia enquanto ciência
quando tentou construir um conhecimento diferente do popular.
Ademais, Latour diz que por motivos científicos, políticos e
inclusive morais, é crucial que os pesquisadores não definam antes e
no lugar dos atores de que tipo de elementos é feito o social
(LATOUR, 2008, p.67). Seria isso um convite a neutralidade? Tida
por muitos como impossível de ser alcançada em sua totalidade. Ou
apenas, uma proposta de que o “social” seja o ponto de chegada (ou
não) e não de partida. Porém, é preciso ter em mente, que com treino e
reflexão a respeito de metodologia um cientista consiga ser menos
diretivo e interventivo no processo de pesquisa. Mas não se vislumbra,
tendo por base a proposta laturiana, que o pesquisador não acabe por
ser também mais um “mediador” na rede de atores que pesquisa, seja
na hora da feitura do roteiro de entrevistas, seja na hora das entrevistas
quando, muitas vezes, sem perceber o pesquisador expressa sua
aprovação ou reprovação das falas dos pesquisados.
Bem verdade é que ele considera vários desses dilemas, porém
não deixa claro como ele concilia, na prática, essas dificuldades
metodológicas com a proposta de não “calar os atores”. Conclui-se
que possamos não calar os atores em nossos informes e monografias,
mas pelo fato de aqueles não estarem presentes na hora da escrita
destas, parece que se acaba continuamente por brincar de telefone sem
fio – com a frase sempre chegando ao final diferente do seu
surgimento. E isso, não é algo que inviabilize pesquisas em
antropologia e sociologia, pois tanto o “social” quanto os dados sobre
ele, não são, estão sendo.
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Referências
D’AGOSTINI, Franca. Analíticos e continentais. São Leopoldo:
Unisinos, 1997.
GROSSI, Miriam Pillar. A dor da tese. In: Ilha Revista de
Antropologia. Florianópolis, v. 6, ns.1 e 2, jul. 2004.
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro: Editora
34, 1994.
_______. Reensamblar lo social. Uma introducción a la teoria del
actor-red. Buenos Aires: Matinal, 2008.
LATOUR, B.; WOLGAR, S. A vida de Laboratório. A produção
dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Editora Relume Dumará, 1997.
Caps. 1 e 2.
NIETZSCHE, Friedrich. O livro do filósofo. São Paulo: Editora
Escala, 2007.
Notas
1
Todas as traduções utilizadas no presente trabalho foram feitas pela própria autora
do texto e realizadas com base no livro em espanhol.
2
“... red es una expresión que sirve para verificar cuánta energia, movimiento y
especificidad son capaces de capturar nuestros próprios informes. Red es um
concepto, no uma cosa que existe allí afuera. Es uma herramienta para ayudar a
describir algo, no algo que se está describiendo” (LATOUR, 2008, p. 190).
3
“(...) seguimos a los teóricos sociales y comenzamos nuestro viaje definiendo al
principio em qué tipo de grupo y nível de análisis nos concentramos o seguimos los
caminos próprios de los actores e iniciamos nuestros viajes siguiendo los rastros
que deja su actividad de formar y desmantelar grupos” (LATOUR, 2008, p. 49).
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