Rafael Augusto da Silva Moratto - nº 55 – 4ª série médica – Estágio de Pediatria – Dra. Ana Lúcia PARASITOSES INTESTINAIS Constituem um grave problema médico e de saúde pública. Em algumas regiões do país o poliparasitismo é regra e tem influência direta sobre as condições de saúde, notadamente da população infantil. Contudo, são insuficientemente notificadas e combatidas, o que favorece a infecção de milhares de pessoas no Brasil e demais países com condições e educação sanitária precárias. Estima-se um grande número de portadores oligossintomáticos e, portanto, disseminadores dessas parasitoses. Em pediatria, são responsáveis por elevada morbi-mortalidade no primeiro ano de vida, devido a baixa resistência aos parasitas e desenvolvimento de quadros agudos graves. ANCILOSTOMÍASE: Parasitose comum em regiões quentes e úmidas, a também conhecida por Amarelão é causada por Ancilostoma duodenale (mais prevalente na Europa e na Ásia) e Necator americanus (mais prevalente na África e nas Américas). Trata-se de vermes cilíndricos que penetram ativamente pela pele, realizam ciclo de Loss e se estabelecem no intestino delgado, nutrindo-se do sangue do hospedeiro (postura de ovos após 4-6 semanas da infecção). Só no NE brasileiro, cerca de 20-30% de escolares estão infectados. As manifestações clínicas dependem do estado nutricional e da carga parasitária. Assim, infecções leves em indivíduos bem nutridos são pouco sintomáticas. Já indivíduos desnutridos, cronicamente infectados e crianças em desenvolvimento, apresentam quadros de anemia ferropriva, microcítica, hipocrômica (conseqüência do volume sanguíneo diário perdido para o verme, bem como deficiência de ferro e proteína), aliada a hipoalbuminemia e má absorção de nutrientes. Manifestações agudas são decorrentes da penetração larvária, síndrome de Loeffler (pneumonia intersticial), fixação parasitária à mucosa (ulcerações com hemorragias). Clinicamente, ocorrem dor abdominal, diarréia profusa, enterorragia ou melena (depende da carga parasitária) e queixas relacionadas à anemia (cansaço, sonolência, anorexia, pele descorada, geofagia...). Diagnóstico laboratorial é feito pelo exame de fezes, e os ovos podem ser separados por flutuação e contados pelo método de Kato-Katz. Ao hemograma, anemia microcítica hipocrômica, podendo ocorrer leucocitose com eosinofilia na fase aguda. Os tratamentos adotados são com Albendazol 400mg via oral em dose única (p/ crianças com mais de 2 anos); Mebendazol 100mg/dose 2 x/dia por 3 dias; Pamoato de Pirantel 200mg/kg/dia por 3 dias. ASCARIDÍASE: Parasitose intestinal conhecida por “Lombriga”, causada pelo nematelminto Ascaris Lumbricoides, que habita o intestino delgado (jejuno e íleo). A infecção é fecal-oral, com a ingestão de ovos maduros (contendo larva em estágio infectante) e as larvas realizam o ciclo de Loss (maturação em 2-3 semanas), causando sintomas respiratórios. Estima-se que cerca de 25% da população mundial esteja infectada. (Parasita de maior prevalência que infecta o homem) Nas infecções leves, a fase larvária é assintomática. Nas graves, dependendo da hipersensibilidade do hospedeiro e do número de larvas, as manifestações podem ser intensas, como asma brônquica ou pneumonia intersticial, com sinais de insuficiência respiratória e sintomas gerais (febre, cefaléia, mal-estar, prostração) – síndrome de Loeffler. O hemograma mostra leucocitose com eosinofilia e o exame radiológico, processo de infiltração difusa. O encontro de larvas no escarro ou no lavado gástrico confirma o diagnóstico. Tais manifestações regridem após 1-2 semanas. Em sua migração normal, as larvas passam pelo fígado, podendo ocorrer hepatomegalia e dor no hipocôndrio direito em infecções intensas e repetidas, bem como Nas infecções mais intensas, principalmente em crianças desnutridas, as manifestações clínicas são variadas, podendo ser observado desconforto e/ou dor abdominal vaga ou em cólicas na região periumbilical ou epigástrica, acompanhada de náuseas e, às vezes, diarréia. Também ocorrem flatulência, meteorismo, anorexia, digestão difícil, irritabilidade, cefaléia, emagrecimento, manifestações alérgicas e agravamento da desnutrição. A migração do verme pode causar obstrução intestinal (“bolo de ascaris”) – pouco comum, porém com importante mortalidade -, bem como obstrução do ducto biliar e pancreático e do apêndice, podendo resultar em inflamações específicas e até perfuração intestinal. O diagnóstico é feito pela identificação de parasitas ou de seus ovos no exame de fezes. Ao hemograma, é comum a eosinofilia. Uma radiografia de tórax pode evidenciar infiltrado pulmonar. E um raio-x de abdome, bolo de áscaris, suboclusão ou oclusão intestinal e distensão de alças. O tratamento é feito com Mebendazol 100mg/dose 2x/dia durante 3 dias VO, distante das refeições (contraindicado para menores de 1 ano); Albendazol 400mg/dia VO dose única para maiores de 2 anos; Pamoato de Pirantel 10mg/kg/dia VO dose única. ENTEROBÍASE: Também conhecida como Oxiuríase, é uma parasitose causada pelo Enterobius vermicularis, que se localiza mais precisamente no ceco, colo ascendente, apêndice e reto. É, praticamente, a única parasitose também encontrada em países desenvolvidos de clima temperado, não havendo relação importante de sua incidência com nível sócio-econômico, mas com condições higiênicas. (Elevada prevalência em escolares) A infecção é fecal-oral, através da ingestão ou inalação de ovos (ovos não precisam de maturação no solo). O verme adulto habita o intestino grosso. Quando fecundada, a fêmea migra para o reto e ânus, onde ocorre a postura de ovos (região perianal). Tal parasitose é, na maioria dos casos, assintomática. Podem ocorrer dor abdominal, diarréia, náuseas e, raramente, vômitos. O principal sintoma é o prurido anal e/ou vulvar, favorecendo a auto-infecção. O diagnóstico é dado por swab anal. A enterobíase não se associa com eosinofilia ou elevação dos níveis séricos de IgE. O tratamento se dá com Mebendazol 100mg/dose 2 x/dia por 3 dias VO, distante das refeições (contraindicado para menores de 1 ano); Albendazol 400mg/dia VO dose única para maiores de 2 anos; Pamoato de Pirantel 10 mg/kg/dia VO dose única; Tetramisol. ESTRONGILOIDÍASE: Trata-se de parasitose intestinal comum em áreas de clima tropical e subtropical com condições de saneamento inadequadas. No Brasil, a prevalência pode chegar a 20 %, sendo maior em instituições fechadas. A infecção se dá pela penetração ativa larvária (filarióide) na pele do hospedeiro. Estas, realizam ciclo de Loss e, quando vermes adultos, habitam a mucosa do intestino delgado (duodeno e jejuno), onde realizam a postura de ovos (após 17-25 dias). Detalhe para o fato de os ovos eclodirem ainda no interior do hospedeiro, sendo o estágio larval o eliminado junto às fezes. Tal fato favorece a auto-infecção, o que explica casos de parasitismo de longa duração (20-30 anos) e o difícil controle dessa parasitose. O quadro clínico varia de formas assintomáticas até agudas sintomáticas e crônicas hiperinfecciosas – disseminação larvária por todo o organismo (principalmente em indivíduos imunodeprimidos, portadores de linfoma, leucemia, AIDS). Manifestações cutâneas são geralmente despercebidas. Manifestações respiratórias também são mais discretas, podendo haver síndrome de Loeffler evidente. Mais freqüentes são as manifestações gastrointestinais, como diarréia ou disenteria crônica, acompanhadas de dor abdominal epigástrica e queimação. Nas formas graves há alteração da mucosa intestinal, diarréia grave e esteatorréia (conseqüência da má absorção). O diagnóstico é feito pela pesquisa de larvas nas fezes ou teste sorológico de IgG específica para o verme (elevada sensibilidade e especificidade). O tratamento é realizado com Albendazol 400mg/dia VO por 3 dias para maiores de 2 anos; Campendazol 5mg/kg/dia VO dose única; Tiabendazol 25-50mg/kg/dia VO após refeições 2x/dia por 2 dias (na hiperinfecção, tratamento mais prolongado). TRICOCEFALÍASE: Trata-se de uma parasitose muito freqüente em nosso meio, tendo maior prevalência em regiões quentes e úmidas. O agente etiológico é o Tricocephalus trichiurus, que parasita o intestino grosso (ceco, colo ascendente, apêndice e última porção do íleo). Acomete mais crianças em idade escolar. Transmissão fecal-oral (ingestão de ovos embrionados). Não ocorre migração larvária para maturação no hospedeiro, pois a maturação o verme se dá no próprio intestino. As manifestações clínicas dependem da intensidade da infecção, variando desde assintomáticos ou manifestações digestivas pouco características até casos graves de diarréia crônica, disenteria, enterorraria, anemia microcítica hipocrômica e prolapso retal. Como manifestações gerais, temos anorexia, insônia, apatia, irritabilidade e sintomas alérgicos (placas urticariformes, eosinofilia). A diarréia crônica é freqüente, devido a deficiência de reabsorção de água (lesão inflamatória da mucosa). Evolução do quadro com comprometimento do estado geral e nutricional da criança, com prejuízo de ganho pondo-estatural. O diagnóstico se dá pela demonstração de ovos nas fezes, ou em caso de prolapso retal com os vermes aderidos à mucosa. O tratamento é feito com Pamoato de Oxipirantel dose única; Mebendazol; Albendazol. O controle de cura deve ser feito após mais de uma semana do tratamento. TENÍASE: Também conhecida por “solitária”, trata-se de parasitose intestinal causada pelos platelmintos Taenia solium e Taenia saginata, que se fixam no intestino delgado. A infecção se dá através da ingestão de carne crua ou mal passada suína ou bovina contendo cisticercos, principalmente onde a fiscalização frigorífica é precária. Mais grave que a teníase é a cisticercose, situação em que o homem comporta-se como hospedeiro intermediário ao ingerir os ovos do verme (T.solium) – transmissão fecal-oral. A sintomatologia da teníase é escassa ou inexistente na maioria dos casos, sendo o desconforto da migração dos proglotes pelo ânus a queixa mais freqüente (T. saginata) ou vermes descritos como pequenos e achatados nas fezes. Podemos encontrar pacientes com náuseas, vômitos e diarréia de intensidade variável, alteração do apetite (fome exagerada ou inapetência), perda de peso, astenia, irritabilidade e obstrução intestinal. O diagnóstico se dá pela pesquisa de ovos ou proglotes nas fezes. O tratamento é feito com Mebendazol 200mg/dose 2 x/dia por 4 dias VO (contra-indicado para menores de 1 ano); Albendazol 400mg/dia VO por 3 dias para maiores de 2 anos; Praziquantel (droga de escolha) 100mg/kg dose única. AMEBÍASE: Parasitose intestinal causada pelo protozoário Entamoeba histolytica, que está intimamente relacionada com fatores higiênicos e de saneamento. A transmissão se dá pela ingestão de com cistos, portanto, fecal-oral. Esses cistos chegam intactos até a porção inferior do intestino delgado, onde liberam as formas tetranucleadas que por sua vez originam as formas trofozoíticas, que se movimentam por pseudópodes e se alimentam de hemácias e restos celulares nas porções finais do íleo e no intestino grosso. Na luz intestinal os trofozoítos não causam sintomas detectáveis (portador assintomático), contudo, quando invadem a mucosa, causam ulcerações intestinais, necroses e abscessos em outros órgãos. A colite amebiana não-disentérica é caracterizada por surtos de diarréia alternados com períodos de melhora. A colite amebiana disentérica apresenta, geralmente início insidioso, mas pode ter início agudo e caracteriza-se por evacuações muco-sanguinolentas, cólicas abdominais e tenesmo. Em crianças pequenas, invaginação intestinal, perfuração e peritonite podem surgir rapidamente. Destaque para o abscesso hepático na forma invasiva, bem como para o ameboma. O diagnóstico se dá pela pesquisa de formas trofozoíticas e císticas nas fezes e testes sorológicos (alta sensibilidade nas formas disentéricas). GIARDÍASE: Parasitose intestinal causada pelo protozoário Giardia lamblia, que habita as porções mais altas do intestino delgado. A transmissão é fecal-oral através da ingestão de cistos, que podem permanecer viáveis por até 3 meses em ambiente úmido, sendo sua eliminação inconstante, podendo desaparecer das fezes de indivíduos infectados por 710 dias. É freqüente em creches e instituições similares com transmissão pessoa-pessoa. As formas trofozoíticas, liberadas dos cistos, fixam-se na mucosa do intestino delgado (são encontradas em fezes liquefeitas). A sintomatologia pode variar de quadros de diarréia autolimitada, até diarréia crônica com curso persistente acompanhada ou não com má absorção. Nos quadros agudos a diarréia tem início abrupto, com fezes líquidas, explosivas e fétidas, distensão abdominal, náuseas, anorexia, vômitos e cólicas abdominais. No curso crônico, apresentam persistência de diarréia leve ou moderada, causando perda de peso a longo prazo, distensão abdominal e esteatorréia. O diagnóstico se dá pela pesquisa de formas trofozoíticas e císticas nas fezes e por meio do Enterotest. O tratamento é feito com Albendazol 400mg/dia VO por 5 dias para maiores de 2 anos; Metronidazol; Tinidazol; Secnidazol; Nimorazol; Furazolidona. CRIPTOSPORIDIOSE: Trata-se de uma parasitose causada pelo protozoário intracelular Criptosporidium SP, que infecta o epitélio gástrico e respiratório de vertebrados. A transmissão mais comum é fecal-oral pessoa-pessoa, através da ingestão de oocistos. A sintomatologia está associada, freqüentemente, a um quadro de diarréia auto-limitada, porém pode estar associada à febre, vômitos, dor abdominal e desidratação. A duração do quadro é de cerca de 10-14 dias, embora possa se prolongar por mais tempo. No paciente com AIDS pode ser letal. Pode causar comprometimento das vias respiratórias, sem diarréias, associada com quadros de tosse, taquipnéia, sibilância, laringite e rouquidão. Os oocistos são encontrados no escarro, lavado brônquico e na biópsia pulmonar. O diagnóstico se dá pela identificação de oocistos nas fezes, escarro, lavado brônquico e na biópsia pulmonar. O tratamento é feito com fluidoterapia específica e com Paromomicina, em indivíduos imunossuprimidos.