EDITORIAL A combinação entre os avanços da medicina e uma

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EDITORIAL
A
combinação entre os avanços da medicina e uma maior conscientização das pessoas explica, pelo menos em parte, o fenômeno que tem sido chamado de judicialização da saúde no Brasil. A cada dia, mais gente recorre aos tribunais para
que o Estado seja obrigado a fornecer medicamentos e, em alguns casos, até alimentos
indicados a portadores de doenças como câncer, diabetes ou síndromes raras. Só no
ano passado, o Ministério da Saúde afirma ter gasto R$ 52 milhões para atender às ordens judiciais. Esse é um dos assuntos desta edição da Revista Via Legal. A reportagem
mostra histórias de quem assegurou o tratamento pela via judicial, os argumentos do
Ministério da Saúde e a polêmica que envolve a questão.
Ainda sobre a temática saúde, a Revista repercute uma decisão da Justiça Federal
da Paraíba a fim de garantir que doentes renais crônicos recebessem um novo rim. Os
problemas eram tantos que o juiz determinou que os primeiros 30 pacientes da fila
fossem operados em outros estados. Uma situação de emergência que ilustra o sofrimento de brasileiros que dependem de um novo órgão para sobreviver. Hoje, apesar
dos avanços na medicina e na legislação, muita gente ainda morre nesta que pode ser
considerada a pior de todas as filas.
A reação da indústria do tabaco à decisão do governo de imprimir fotos ainda mais
chocantes nas carteiras de cigarro é outro destaque desta edição. Segundo a Organização Mundial de Saúde, por dia, pelo menos 100 mil adolescentes experimentam o
cigarro pela primeira vez no mundo. Uma campanha voltada para o público jovem só
saiu do papel depois que a Justiça Federal confirmou a competência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para definir as estratégias de combate ao fumo.
A reportagem explica que, embora muitos fumantes afirmem ignorar a existência das
fotos, as imagens que ilustram as consequências do fumo ajudam a criar uma aversão
ao cigarro.
Via Legal traz também uma reportagem sobre os problemas que ainda enfrentam
as pessoas que têm tatuagens. A resistência da sociedade já foi pior. Ainda assim, a dica
para quem gosta dos desenhos no corpo é ter cuidado na hora de escolher o que e
onde se tatuar. A boa notícia é que quem se sente vítima de preconceito por causa da
tatuagem pode recorrer à Justiça. Em Brasília, um candidato a concurso público, eliminado por causa das duas tatuagens, conseguiu o direito de voltar à disputa.
A violência no trote universitário é o tema de outra matéria publicada nesta edição.
Em todo o país, muitos casos viraram processo judicial. Embora as decisões sejam
variadas, em boa parte das ações os magistrados têm confirmado as punições impostas
pelas universidades a estudantes que passaram dos limites na hora de recepcionar um
calouro. Um dos casos mais conhecidos terminou com a morte de um estudante de
medicina da Universidade de São Paulo e levou o assunto ao Supremo Tribunal Federal.
Caberá ao STF decidir se os responsáveis por trotes violentos devem responder na
esfera criminal.
Na seção Memória, Via Legal traz a entrevista do desembargador Romário Rangel.
O primeiro presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região vive em Vila Velha
(ES), onde falou sobre o trabalho realizado como juiz e como administrador da Justiça.
A entrevista concedida para o projeto História Oral foi gravada em novembro de 2007.
Boa leitura .
Agosto de 2009
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EXPEDIENTE
CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL
Ministro CESAR ASFOR ROCHA
Presidente
Ministro ARI PARGENDLER
Vice-Presidente
Ministro FRANCISCO FALCÃO
Corregedor-Geral da Justiça Federal,
Presidente da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais e
Diretor do Centro de Estudos Judiciários
Ministra ELIANA CALMON
Ministra LAURITA VAZ
Desembargador Federal JIRAIR ARAM MEGUERIAN
Desembargador Federal PAULO ESPIRITO SANTO
Desembargadora Federal MARLI FERREIRA
Desembargador Federal VILSON DARÓS
Desembargador Federal LUIZ ALBERTO GURGEL
Membros efetivos
Revista Via Legal – Ano II – número 5 – mai./ago. 2009
Contato:
Revista Via Legal - Assessoria de Comunicação Social - Conselho da Justiça Federal
SAFS – Quadra 6 – Lote 1 – Trecho III – Ed. Sede do Superior Tribunal de Justiça - Prédio Ministros I – 3º andar
CEP 70095-900 – Brasília – DF
Telefones: (061) 3319-6678/6656
e-mail: [email protected]
Ministro LUIZ FUX
Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI
Desembargador Federal ANTONIO SOUZA PRUDENTE
DesembargadorA Federal VERA LÚCIA LIMA
Desembargadora Federal SUZANA CAMARGO
Desembargador Federal ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO
Desembargador Federal MARCELO NAVARRO RIBEIRO DANTAS
Membros suplentes
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Secretária-Geral
CENTRO DE PRODUÇÃO DA JUSTIÇA FEDERAL (CPJUS)
Assessoria de Comunicação Social - CJF
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Impressa: Ana Cristina Sampaio; Coordenador de Multimídia: Alexandre Fagundes; Chefe da Seção de Imprensa: Adriana Dutra; Chefe da Seção de Planejamento Visual: Raul Cabral
Méra; Chefe da Seção de Edição e Produção: Edson Queiroz; Chefe da Seção de Rádio e TV: Paulo Rosemberg; Repórteres: Camila Cotta e Thais Del Fiaco; Designer: Gustavo Torquato.
Assessoria de Comunicação Social – TRF1
Chefe da Assessoria de Comunicação Social: Marco Antônio Delgado; Editor: Gilbson Alencar; Repórteres: Antonio Trindade, Juliana Corrêa e Tatiana Montezuma; Revisão: Mara Bessa.
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MA: Supervisora: Ana Maria Turolla; MG: Supervisora: Christianne Callado de Souza; PA: Supervisor: Paulo Bemerguy; GO: Supervisor: Carlos Eduardo Rodrigues Alves; TO: Supervisora: Daty
Manuela Dantas Silva; DF: Supervisora: Vanessa Rodrigues Siqueira; BA: Supervisora: Nancy Leão; AC: Supervisora: Lina Grasiela do Nascimento; PI: Supervisor: Paulo Gutemberg de Carvalho Souza;
AM: Supervisora: Andréa Silveira Rocha da Silva; AP: Supervisora: Gilvana Maria Castelo Tourinho de Barros; MT: Supervisora: Marisa dos Anjos Fernandes; RO: Editor: Antônio Serpa do Amaral Filho.
Assessoria de Comunicação Social – TRF2
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Assessoria de Comunicação – TRF3
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Assessoria de Comunicação – TRF4
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Assessoria de Comunicação – TRF5
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Seções Judiciárias:
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Projeto Gráfico: Raul Cabral Méra - CJF; Diagramação: Raul Cabral Méra e Gustavo Torquato - CJF; Imagens: www.sxc.hu
Impressão: Coordenadoria de Serviços Gráficos do Conselho da Justiça Federal
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Revista Via Legal
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SUMÁRIO
04
Constitucional
Sem palavras
4
Direito de defesa
Violência, nem de brincadeira
6
7
10
12
Do mestre sem carinho
O preço da fé
Imagens nas carteiras de cigarro
preocupam a indústria do tabaco
04
14
Administrativo
Servidor com prazo de validade
14
Vaidade ou identidade
16
Tributário
19
Justiça nas estradas
19
Previdenciários
20
Perigo que gera direitos
A falta de limites nos trotes leva
estudantes ao banco dos réus
07
20
22
Penal
Crime virtual, um perigo real
22
24
Direito à saúde
Direito de todos, dever do estado
24
Fila da vida
27
29
Faça como ela
Saúde a qualquer preço
Discriminação ainda faz vítimas entre
as pessoas que têm tatuagem
16
29
30
Consumidor
30
Questão de saúde
31
Ambiental
Convivência possível
31
Direito à moradia
32
32
Chuva e pânico
34
Memória
34
Vida dedicada à Justiça
Preservação
36
Controlar para preservar
36
Patrimônio ameçado
38
Justiça itinerante
40
40
Expedição da cidadania
Institucional
42
Giro pelas decisões
44
Notas
46
24
Muita gente é obrigada a recorrer à
Justiça para viver mais e melhor
Agosto de 2009
| Revista Via Legal 3
CONSTITUCIONAL
Sem palavras
O número de fumantes no Brasil caiu pela metade nos últimos vinte anos.
A divulgação dos males causados pelo fumo mudou a imagem do cigarro,
que já foi visto como sinônimo de elegância e sofisticação. Por isso, a
indústria do tabaco faz de tudo para barrar as ações que podem reduzir
ainda mais o consumo do produto
Patrícia Picon e Analice Bolzan – Porto Alegre (RS)
4
Revista Via Legal
| Agosto de 2009
CONSTITUCIONAL
Não deu certo. Tanto na primeira como na segunda instâncias, o entendimento dos magistrados
foi que a Agência tem, sim, poderes para definir
como devem ser as campanhas antitabagistas. Para
o relator do processo, juiz federal Roger Raupp
Rios, convocado para atuar como desembargador,
o ato de advertir está previsto na Constituição e
a campanha não fere nenhum direito do cidadão.
“A introdução de elementos capazes de provocar
repulsa não é uma atitude anti-informativa, nem
impede que o indivíduo possa deliberar de forma
livre e autônoma”, argumentou o magistrado.
Luta difícil
Apesar do esforço das autoridades, vencer o vício é um processo longo e difícil. O pneumologista
Luís Carlos Corrêa Garcia, que atua na Santa Casa
de Porto Alegre, explica que, em geral, quem já se
tornou dependente da nicotina tende a se alienar
diante das imagens. Normalmente, a pessoa tem a
ilusão de que as fotografias mostram uma realidade que nunca vai acontecer com ela. A afirmação é
facilmente constatada nas ruas de Porto Alegre. “As
imagens não fazem sentido. Você olha aquela foto,
abre a carteira de cigarro e continua fumando”, diz
a estudante Neiva Ribeiro. Já o segurança Gabriel
Bierhaus garante que nem se preocupa em olhar
a foto e a microempresária Ierecê Aragon vai mais
longe. Ela garante nunca ter pensado em parar de
fumar por causa das imagens.
Embora muitos afirmem não se importar,
segundo o pneumologista, 80% dos fumantes
gostariam de abandonar o vício. Segundo ele, o
desprezo às campanhas é uma espécie de mecanismo de defesa de quem tem medo de reconhecer os danos que o cigarro provoca à saúde. O
médico é otimista: “Se você realmente quer, vai
conseguir. É preciso encontrar o caminho certo
e adequado para cada situação”, garante. Luiz
Carlos conta que faz questão de passar essa mensagem a todos que o procuram em busca de uma
vida mais saudável. n
Percentual de fumantes / População adulta
Brasil
15,2 %
2008
35%
Fonte: Ministério da Saúde
1989
“U
ma imagem vale mais do que mil palavras”. O antigo ditado tem sido levado a
sério pelo governo brasileiro quando se
trata de inibir o vício de fumar. Desde 2002, as
carteiras de cigarro trazem fotografias que ilustram as consequências do tabaco. Ano passado,
a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) resolveu reforçar a campanha. Dez novas
imagens, ainda mais chocantes, foram escolhidas mas, antes mesmo de serem impressas, viraram alvo de processo judicial. O material só foi
publicado após decisão da Justiça Federal.
A Anvisa defende a publicação das imagens
como forma de desestimular o consumo do
cigarro, principalmente entre os jovens, alvo
preferido da indústria do tabaco. Segundo a
Organização Mundial de Saúde (OMS), pelo menos 100 mil adolescentes começam a fumar no
mundo por dia. Ainda de acordo com o levantamento, 80% deles estão em países em desenvolvimento. O diretor da Anvisa Agenor Álvares
argumenta que os derivados do tabaco são os
principais causadores de mortes evitáveis. O
fumo mata cerca de 10 mil pessoas por dia no
planeta. Para o diretor, as advertências despertam sentimentos negativos em relação ao consumo do cigarro e, ao mesmo tempo, permitem
a mudança de antigos conceitos divulgados pela
publicidade.
Outro argumento da Anvisa para defender a
campanha iniciada há sete anos é que a investida contra o fumo tem surtido efeito: dados do
Ministério da Saúde mostram que, em 1989,
os fumantes representavam 35% da população
adulta do país. Em 2008, esse índice caiu para
15,2%. Um resultado animador, mas que não
significa o fim do problema. O tabaco ainda é a
segunda droga mais consumida pelos jovens. Só
perde para o álcool. E não é só isso: o câncer de
pulmão consome mais de 30% dos gastos hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS).
O uso das fotos não é uma invenção brasileira. A ideia surgiu no Canadá, em 2001. Hoje, é
utilizada também em outros países como Chile,
Venezuela, Austrália, Nova Zelândia, Tailândia,
Cingapura, Inglaterra, Suíça e Bélgica. No caso
do Brasil, a reação da indústria do tabaco foi
imediata e se repetiu em todo o país.
No Rio Grande do Sul, o Sindicato da Indústria do Fumo (Sinditabaco) foi à Justiça para tentar impedir a campanha. A lista de fotos inclui
um feto dentro de um cinzeiro, um cadáver, um
pé gangrenado e um coração recheado de tocos
de cigarro. A entidade alegou que as imagens
são falsas, apelativas e mentirosas e que, em vez
de informar a população, poderiam causar repugnância e horror. O sindicato sustentou ainda
que a resolução da Anvisa era inconstitucional.
CONSTITUCIONAL
A
Constituição Federal deixa claro que toda ação judicial deve
garantir ao acusado o direito à
ampla defesa e ao contraditório. Caso a
garantia seja ignorada, a ação pode até
ser extinta. Em uma decisão recente, o
Tribunal Regional Federal da 1ª Região
estendeu a exigência aos processos administrativos. A decisão foi tomada em
resposta ao pedido de André Stringhetti, aluno do curso de Engenharia Mecânica da Universidade de Brasília (UnB),
que havia perdido a vaga na instituição.
No processo, o estudante alegou que
só soube que havia sido “jubilado” pelo
correio e que, portanto, não teve como
se defender junto à Universidade.
O jubilamento é um procedimento interno que pode ser adotado pelas
instituições de ensino como forma de
punir os estudantes que não conseguem
concluir o curso no prazo máximo estipulado pela instituição. Normalmente,
este prazo equivale ao dobro do tempo
regulamentar. Outro critério para o desligamento pode ser o excesso de reprovação. Foi o que aconteceu com André.
A Fundação Universidade de Brasília
(FUB) sustentou que o cancelamento do
registro acadêmico do aluno foi legítimo,
independentemente do contraditório,
afinal ele havia sido reprovado três vezes
em uma disciplina obrigatória do curso.
O processo foi analisado pelo desembargador federal Fagundes de Deus, que
considerou o jubilamento um ato administrativo de natureza disciplinar e que,
por isso, deve ser fundamentado por um
procedimento administrativo em que seja
assegurado o devido processo legal e, consequentemente, o direito à ampla defesa e
ao contraditório. A decisão garantiu o retorno de André à UnB, mas sua permanência
na Universidade deve ser definida após um
novo procedimento interno.
O conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (seccional/DF), Cleber
Lopes, ressalta a importância do exercício
do direito de ampla defesa e do contraditório: “Esses são os pilares estruturantes do
Estado Democrático de Direito, sob risco
de, caso não sejam respeitados, ocorrerem
arbitrariedades”, diz. Ele esclarece ainda
que a Constituição Federal de 1988 “deixou
muito claro que ninguém pode sofrer restrição de direitos individuais sem o devido
processo legal”.
Entre os estudantes, a decisão foi comemorada como uma vitória da democracia.
Maria Carolina Alves, que estuda Serviço Social da UnB, questiona: “Se em todo processo temos direito à ampla defesa, por que na
universidade seria diferente?”. Para ela, nos
casos de repetência consecutiva, a universidade deve fazer um acompanhamento do
estudante. “Se o aluno não se recupera, não
deveria ser simplesmente informado do seu
jubilamento. Deveria ter direito de expor os
motivos que o levaram a tal situação e ter
conhecimento de todo o andamento do
processo”, concluiu.
No sul do Brasil, o Tribunal
Regional Federal da 4ª Região reintegrou um estudante de Biblioteconomia que havia sido jubilado
pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS) por estar
há mais de oito anos no curso. No
processo, o universitário, que é
portador do vírus HIV, comprovou
que o atraso se deu em função dos
tratamentos.
A UFRGS chegou a alegar que
a reintegração viola as normas regulamentares estabelecidas para o
jubilamento, as quais visam a impedir que os alunos se eternizem em
seus cursos. Entretanto, o relator
do processo, juiz federal Roger
Raupp Rios, convocado para atuar
no TRF4, disse em seu voto que a
universidade não pode se omitir
quanto aos motivos apresentados
pelo estudante, que comprovam
uma situação excepcional. Para o
magistrado, a decisão de jubilar o
autor foi inconstitucional. n
Foto: Bruno Spada/UnB Agência
Decisão do TRF1 impede que aluno da UnB seja jubilado sem abertura de
processo administrativo com direito à ampla defesa e ao contraditório
Marconi Dantas e Larissa Jansen – Brasília (DF)
Foto: Arquivo/UnB Agência
Direito de defesa
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Revista Via Legal
| Agosto de 2009
CONSTITUCIONAL
Violência, nem de brincadeira
A entrada para a universidade deveria ser apenas motivo de alegria. Mas muitas vezes se
transforma em trauma e até em tragédia. A falta de uma legislação específica acabou colocando nas
mãos da Justiça a responsabilidade de inibir a prática do trote violento
Adriana Dutra – Brasília (DF)
E
m um país como o Brasil, onde quase
50 mil pessoas são assassinadas por ano,
Edison Tsung Chi Hsueh, de 22 anos,
encontrado morto na piscina da Universidade
de São Paulo, poderia ter sido apenas mais um
número nessa estatística. O que fez dele uma
vítima diferente é que os responsáveis por sua
morte não se enquadram no perfil dos criminosos comuns. Assim como Edison, eles eram
estudantes do Curso de Medicina de uma das
mais concorridas e conceituadas universidades
brasileiras. Mesmo assim, foram parar no banco
dos réus.
Edison morreu durante um trote e o acontecido assumiu tamanhas proporções que chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os
ministros já reconheceram a repercussão geral
da questão, o que significa que, na avaliação da
Justiça, o desfecho do caso não interessa apenas aos envolvidos diretamente no processo,
mas a toda a sociedade. O próximo passo desse
julgamento é definir se quem promove ou participa de trotes a calouros deve ser responsabilizado criminalmente. Uma decisão que deverá
ser seguida por todos os tribunais do país.
O episódio que levou à morte de Edison
é só um exemplo das muitas histórias envolvendo vítimas e agressores que ultrapassaram
os limites do bom senso. Em 2005, Rodrigo
Santos, então recém-aprovado no vestibular
para o Curso de Agronomia da Universidade
Federal de Uberlândia (UFU), foi obrigado por
veteranos a tirar a camisa e as meias e, em seguida, deitar sobre um formigueiro. Na época,
os quinze estudantes responsáveis pela “brincadeira” foram punidos, dois deles com a expulsão e os demais, pela suspensão por quatro
meses letivos.
Na tentativa de recuperar a vaga, os dois
estudantes considerados os mentores e executores do trote ainda recorreram à Justiça. Mas,
o juiz federal Felini de Oliveira Wanderley manteve a punição e, na sentença, lembrou a gravidade do caso, citando que o calouro recebeu
"mais de 250 picadas de formigas, causando-lhe
reação alérgica e infecciosa, o que poderia tê-lo
levado à morte".
A mesma universidade mineira também
suspendeu por quatro meses um grupo de ve-
Foto: Daiane Souza/UnB Agência
Exageros à parte, o trote com pintura é um “ritual de passagem” que integra o calouro à vida universitáriae
teranos acusados de outro trote violento. Dessa
vez, os calouros teriam sido levados para fora
da instituição, manchados de tinta, atingidos
por ovos e farinha, arrastados pelo chão e, por
fim, obrigados a pedir dinheiro nos sinais. Os
estudantes penalizados também recorreram à
Justiça para evitar a punição e o caso chegou
ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em
Brasília.
A conduta foi avaliada pelo desembargador
federal Fagundes de Deus como “uma evidente situação de abuso, tratamento desumano e
inaceitável”. Segundo o magistrado, a situação
desrespeitou a Constituição Federal, que garante
a todos o direito de não ser torturado ou submetido a tratamento desumano ou degradante.
Para ele, que manteve a decisão administrativa,
“a penalidade de suspensão tem índole punitivopedagógica e visa evitar esse tipo de conduta”.
Um caso mais recente aconteceu no interior de São Paulo. Dois alunos foram expulsos e
outros sete suspensos como resultado do trote
aplicado a calouros do curso de Veterinária de
uma faculdade particular em Leme. Os estudantes recém-chegados teriam sido obrigados
a comer ração, ingerir bebida alcoólica e até
passar fezes e restos de animais no próprio
corpo. Os estudantes expulsos recorreram à
Justiça Federal para voltar a estudar.
Punição difícil
As histórias são muitas, mas nem sempre é
fácil punir quem exagera na hora recepcionar
os novos alunos. Segundo o juiz federal Ricardo
de Cássio Nascimento, uma das dificuldades é a
falta de uma legislação específica. “O juiz, quando tem um caso desses, tem que interpretar
todo um ordenamento jurídico para encontrar
uma regra para aquele caso”, explica.
A palavra final do STF em relação à morte
de Edison Hsueh deve, ao menos, reduzir as
dificuldades na análise e julgamento de processos envolvendo trotes. Outro avanço pode
ser a criação de uma lei para disciplinar e punir
os responsáveis. Um projeto de lei federal com
este propósito está em tramitação há quase 15
anos. O texto, aprovado pela Câmara, aguarda
votação no Senado. A proposta proíbe atividades que ofendam a integridade física, moral ou
psicológica dos novos alunos; traga constrangimento, exponha de forma vexatória ou implique pedido de doação de bens ou dinheiro.
Ainda pelo projeto, as instituições ficam
obrigadas a abrir processo disciplinar contra
quem organiza esse tipo de trote. As penas vão
de multas de até R$ 20 mil ao cancelamento da
matrícula do acusado. O texto determina ainda
que o trote não poderá durar mais de 20 horas,
e que as atividades devem visar “à integração
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| Revista Via Legal 7
Foto: Roberto Fleury/UnB Agência
CONSTITUCIONAL
Com o “Trote Solidário”, a entrada
na UnB tem sido um prêmio não só
para os calouros, mas também para
quem recebe as boas ações, como
os alunos da Escola Classe 1
Foto: Roberto Fleury/UnB Agência
na vida universitária, bem como ao conhecimento das instalações, do funcionamento dos
equipamentos coletivos e dos serviços sociais
disponíveis na instituição de ensino”.
O relator do projeto, deputado Milton
Monti (PR-SP), afirma que não há intenção de
“criminalizar” o trote. “O objetivo é disciplinar
a recepção dos calouros nas universidades,
deixando claro o que não deve ser feito. Não
há especificação de tipo penal porque isso já
existe nas outras leis”.
Na visão de Antonio Zuin, psicólogo, professor da Universidade Federal de São Carlos (SP)
e autor do livro O Trote na Universidade: Passagens de um Rito de Iniciação, a prática reflete
as relações entre professores e alunos. Assim,
para mudá-la é necessário, primeiro, revisar o
relacionamento entre docentes e estudantes e
o papel da própria Universidade. "Do ponto de
vista psicológico, o trote é como uma catarse do
ressentimento que foi sendo acumulado em relação aos professores. Ele vai se transformando
em ódio e acaba sendo exposto", explica.
O estudioso aponta a banalização da violência, característica da sociedade atual, como
outro fator que contribui para que o trote não
seja encarado pelos alunos como um desrespeito. "As pessoas estão dessensibilizadas".
E ele vai além: “participar do ritual, após ver
pessoas próximas passarem por isso, chega a
ser desejado, pois significa fazer parte de determinado grupo social”, resume.
Prática medieval
O trote é o que os antropólogos costumam
chamar de ‘ritual de passagem’. Uma tradição
medieval - no sentido temporal da palavra - já
que a prática persiste desde a Idade Média.
Segundo Antonio Zuin, os candidatos aos
cursos das primeiras universidades europeias
não podiam frequentar as mesmas salas que os
veteranos e, portanto, assistiam às aulas a partir
dos "vestíbulos" - local em que eram guardadas as vestimentas dos alunos. "As roupas dos
novatos eram retiradas e queimadas, e seus ca-
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Revista Via Legal
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belos, raspados. Essas atividades eram justificadas, sobretudo, pela necessidade de aplicação
de medidas profiláticas contra a propagação de
doenças", explica Zuin.
Mais intrigante ainda é a origem do termo
"trote": uma alusão ao andar do cavalo entre a
marcha lenta e o galope. A aplicação da palavra
ao mundo das relações entre calouro e veterano tem, na visão de Zuin, um significado claramente negativo. É como se o primeiro devesse
ser "domesticado" pelo segundo "por meio de
práticas vexatórias e dolorosas, que têm a função de esclarecer quais são as características das
respectivas identidades".
Os responsáveis por trazer a tradição para
o Brasil estudaram Direito em Coimbra, como
era comum entre a elite no século XIX. O trote, então, foi incorporado às "boas-vindas" nos
cursos de Direito de São Paulo e Pernambuco.
Em 1831, ocorreu a primeira morte de que se
tem notícia: o estudante Francisco Cunha e Meneses, da Faculdade de Direito do Recife.
A nova cara do trote
Enquanto os tribunais e o Congresso analisam a possibilidade de endurecer as regras para
punir responsáveis por trotes violentos, universidades e estudantes apostam num novo jeito
para receber quem está chegando à instituição.
A fama de violento está ficando para trás e
aquela desculpa de "que todo mundo já passou
por isso" não cola na hora de justificar exageros. O lema é usar criatividade, senso crítico e
solidariedade onde antes havia violência gratuita e brincadeira de mau gosto. As iniciativas se
multiplicam e são tão variadas quanto os sotaques. Há o trote cidadão, o social, o cultural, o
ecológico e o solidário. Em todos os casos, o
objetivo é guardar uma boa marca da entrada
na universidade: desde que não seja na pele.
As novas formas de integração são acompanhadas de consciência social e de participação ativa: doação de sangue, plantio de mudas, limpeza de terrenos e praias, diversão de
crianças em instituições, pintura de escolas,
arrecadação de doações para comunidades
carentes. Desta forma, o ingresso na universidade passa a ser um prêmio também para
quem recebe as boas ações.
O Trote Solidário da Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, arrecada brinquedos, roupas, livros e alimentos que beneficiam
instituições. Segundo um dos organizadores,
o futuro professor de Educação Física Paulo
Vítor Nascimento, “é uma iniciativa dos estudantes e tem um pouco de tudo. As atividades
são desenvolvidas aproveitando a bagagem
dos estudantes. A cada semestre, a Diretoria
de Esporte e Cultura tenta organizá-lo melhor
e institucionalizá-lo”.
Além de receber doações, instituições selecionadas também se beneficiam com projetos,
como o de reforço escolar para os alunos da
Escola Classe 1 do Paranoá; o Projeto Vestibular
Cidadão, realizado no Centro de Ensino Paulo
Freire; o grupo de Terapia do Riso, que visita
creches, abrigos e hospitais; o Projeto ‘Universitários Vão à Escola’, e o apoio ao Abrigo de
deficientes e doentes mentais na Ceilândia.
Muitas vezes, a oportunidade dos calouros
vivenciarem o relacionamento com diferentes
realidades desperta neles a consciência sobre os
deveres e as responsabilidades sociais dos estudantes. Uma consequência é que muitos dos que
participam da nova modalidade do trote acabam
motivados a atuar em trabalhos voluntários.
É o caso de Gaia Diniz, aluna do curso de
Desenho Industrial. Depois de ter participado
do Trote Solidário, ela se engajou na Associação
Cultura e Educação Humana (ACEHU), que desenvolve projetos sociais voltados à formação
profissionalizante. Gaia integra um grupo de universitárias de diversos locais do Brasil que promove um tipo de colônia de férias educativa em
comunidades carentes. No início desse ano, ela
esteve em Canindé, no interior do Ceará. “Nossa
missão é promover o exercício da cidadania e
melhorar a qualidade de vida, por meio de ações
coordenadas de assistência social, educacional,
cultural e profissionalizante”.
CONSTITUCIONAL
Bulling – quando a violência chega ainda mais cedo
Muitas vezes, a violência não espera a chegada à Universidade. Começa bem antes, nos bancos escolares
A
escola é um ponto de referência. Um
lugar para fazer amigos, estudar, conversar, brincar, crescer juntos. Mas,
muitas vezes, não é isso que acontece. No
mundo inteiro pais, educadores e psicólogos
se preocupam com o crescimento da violência entre crianças e adolescentes. Às vezes são
agressões físicas. Em outras, formas mais sutis
e crueis, como gozações, ofensas e humilhações. Em ambos os casos, trata-se do que os
especialistas chamam de bullying - palavra
em inglês que quer dizer atormentar, perseguir, ou simplesmente, zoar. Um padrão de
comportamento que, longe de ser próprio
da idade, é um distúrbio que leva a vítima ao
isolamento, à queda do rendimento escolar, a
alterações emocionais e mesmo à depressão.
Uma pesquisa encomendada ao Ibope
pela Associação Brasileira Multiprofissional
de Proteção à Infância e à Adolescência, e realizada com 5.482 alunos de 5ª à 8ª série de
11 escolas públicas e particulares do Rio de
Janeiro, descobriu que a maior mágoa dos
adolescentes é ser motivo de deboche dos colegas, principalmente na escola, lugar onde é
mais importante ser aceito pelo grupo. Ainda
segundo a pesquisa, 40% dos alunos já foram
autores e vítimas de agressões e 28,3 % declararam ser vítimas dos colegas. Os alunos de 5ª
e 6ª séries são as maiores vítimas: 56 %.
No Distrito Federal, a Rede de Informação
Tecnológica Latino-Americana (RITLA) lançou
a pesquisa Revelando Tramas, Descobrindo
Segredos: violência e convivência nas escolas, como resultado de uma investigação
aprofundada das relações sociais e do clima
Foto: Arquivo pessoal
escolar. A partir de 11 mil questionários, entrevistas e observações de campo, o estudo identificou não apenas manifestações da chamada
violência “dura”, mas também manifestações
de violência simbólica e microviolências.
Para a coordenadora da pesquisa, socióloga Miriam Abramovay, o retrato exposto no
“Um processo
de ensino e
aprendizagem de
qualidade é reflexo
de um clima escolar
livre de violência”
Virgínia Rocha, pedagoga
Virginia lembra que, na maioria dos países europeus, existem normas do Ministério da Educação que obrigam a escola a evitar o bullying. Na Inglaterra, por exemplo,
as escolas aplicam sistemas de prevenção e
de diálogo ou cursos de gerenciamento de
emoções e controle da raiva. Esses cursos,
os ‘Seals’ (‘Aspectos sociais e emocionais do
aprendizado’), são obrigatórios em algumas
escolas primárias. “Toda semana, durante
uma hora, os alunos aprendem a gerenciar
suas emoções, a trabalhar com uma atitude
positiva, a exprimir seus problemas e suas
preocupações”, exemplifica.
Para ela, a alternativa é
adotar mecanismos graduais
que priorizem o diálogo e,
Por que o bullying é praticado?
sobretudo, a recompensa ao
invés do castigo. Outra dica
O que as vítimas devem fazer:
O que o praticante do bullying
é valorizar as estratégias que
1) Evitar a companhia de quem pratica o
quer:
envolvam a família, tanto
dos agressores quanto dos
bullying;
1) Obter força e poder;
agredidos. “Os pais precisam
2) Jamais falar com o agressor sozinho. É
2) Conquistar popularidade na escola;
saber lidar com a situação. O
mais seguro falar com ele perto de outras
3) Esconder o próprio medo, amedronprimeiro grande passo é enpessoas;
tando os demais;
corajar as vítimas a denunciar
3) Não responder às provocações;
4) Tornar outras pessoas infelizes, já que
seus agressores, já que uma
4) Não manter a agressão em segredo. Não
ele próprio é infeliz;
das dificuldades para identise deixar intimidar. Relatar os fatos aos
5) Vitimar outras pessoas por ter sido vítificar os casos é que a vítima
professores, coordenadores, diretores ou
ma de alguém no passado.
costuma sofrer em silêncio,
com medo de represália”,
responsáveis.
conclui a educadora. n
estudo sintetiza a situação vivida na maioria
das escolas públicas brasileiras, daí sua importância para todo o país. “Sem diagnóstico, qualquer política pública corre o risco de
ser inócua”, garante a pesquisadora.
Pedagoga e diretora de uma escola pública do Rio de Janeiro, Virginia Lucia Rocha
convive com essa realidade e vai mais longe.
“Um processo de ensino e aprendizagem
de qualidade é reflexo também de um bom
clima escolar, livre de violência. E não estou
falando apenas da violência física, mas também de agressões verbais e xingamentos”,
explica.
Agosto de 2009
| Revista Via Legal 9
CONSTITUCIONAL
Do Mestre
sem carinho
Decisões da Justiça Federal têm
confirmado que a sociedade brasileira
não tolera mais a discriminação, mesmo
disfarçada, em forma de brincadeira
Patrícia Picon – Porto Alegre (RS)
“N
egro é como inço em plantação de soja: depois que nasce,
só matando”. Esta frase, dita
numa sala de aula, causou mais que
um incômodo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Ronaldo dos Santos Freitas, o único aluno negro presente na sala, foi
quem mais se sentiu atingido pela
afirmação do professor de agronomia José Antônio Costa. No mesmo
dia, o professor também teria afirmado que “negro de favela só tem
dente branco porque toma água
com flúor”.
Depois do constrangimento,
Ronaldo decidiu não ficar calado.
Orientado por um parente que é militante de movimentos anti-racistas,
ele procurou o Ministério Público
Federal (MPF). A denúncia de racismo resultou em uma ação, julgada
em abril deste ano pela Justiça Federal em Porto Alegre. O professor
foi condenado a pagar multa no
valor equivalente ao salário que ele
recebia em 2000, época do crime.
10
Revista Via Legal
| Agosto de 2009
CONSTITUCIONAL
Durante o processo, José Antônio ainda tentou se
justificar afirmando que não usou a palavra ‘negrinhos’
de forma pejorativa. Outra alegação do professor foi
que, ao comparar os negros a uma praga que atinge
as lavouras, ele apenas repetia um provérbio conhecido na colônia italiana. A referência, neste caso, seria
positiva. Segundo o professor, a intenção era realçar o
vigor da raça negra.
Os argumentos não convenceram o juiz federal
Roger Raupp Rios, convocado para atuar no Tribunal
Regional Federal da 4ª Região. Para o magistrado, não
é necessário que tenha havido a intenção discriminatória para que o acusado seja punido. “Ninguém sustentaria que pessoa culta e experiente, ao utilizar-se
deliberadamente de frases como essas, não sabia que
estava reproduzindo preconceito voltado contra certos grupos da sociedade”, afirmou na decisão.
Já na esfera administrativa, as alegações do professor foram aceitas. A UFRGS chegou a abrir uma sindicância, mas acabou prevalecendo o entendimento de que
a intenção do docente foi apenas “criar um ambiente
mais descontraído no primeiro dia de aula”. O relatório
da investigação interna foi que, embora inapropriadas,
as expressões não caracterizavam discriminação racial,
considerando o contexto em que foram usadas.
Para Ronaldo, vítima da postura no mínimo equivocada do professor, a decisão judicial significa cidadania. “Existe um racismo velado, brincadeiras, piadas”,
diz, confirmando que as atitudes racistas ainda são
frequentes no país. O hoje agrônomo recorda o que
sentiu quando ouviu as frases racistas justamente de
quem deveria dar o exemplo para combater a discriminação. “Minha reação foi de total apatia, como se tivesse tomado uma paulada sem ver. A reação de alguns foi
a risada. Depois lembraram que eu era o único negro e
voltaram olhares para mim”, relatou.
Procurado pela Revista Via Legal, o professor, hoje
aposentado, informou por meio do advogado que não
pretende dar entrevistas e nem recorrer da decisão
judicial. n
Universidade Federal
do Rio Grande do Sul
(UFRGS)
Foto: Diego Beck/TRF4
Racismo contra índios
Marcelo Ferraz – Vitória (ES)
Um ano de prestação de serviço à comunidade. Essa foi a pena determinada pela Justiça Federal da 2ª Região ao colunista Gutman Uchoa de Mendonça, do jornal A Gazeta, do Espírito Santo, pelo crime de racismo contra índios. Em 2000, Uchoa foi autor de três artigos classificados como racistas e
discriminatórios. Os textos, segundo o processo, incitariam e induziriam a discriminação contra minorias.
Em seu voto, o relator do caso no TRF2, desembargador federal André Fontes, explicou que o colunista atribuiu aos índios adjetivos claramente discriminatórios, tais como “indolentes”, “preguiçosos”, “ociosos”, “inúteis” e “arredios”, ofendendo também a cultura indígena ao qualificá-la como “burra”,
“estúpida” e “predatória”.
Para o magistrado, o direito de liberdade de expressão “não deve ser exercido de modo absoluto, irrestrito, sob pena de violação de outros valores
igualmente relevantes, como o princípio da dignidade humana”, ressaltou. Para ele, se o réu, “de forma consciente e voluntária, por meio de artigos
publicados em jornal, praticou, induziu e incitou a discriminação contra os índios, incorreu no tipo penal de racismo”, concluiu.
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| Revista Via Legal 11
CONSTITUCIONAL
O preço da fé
O que cada um faz em nome da fé é protegido por lei, mas isso não evita as críticas
no caso de comportamentos extremos. Para as testemunhas de Jeová, por exemplo,
a opção de não receber sangue, mesmo com risco de morte, é até registrada em
cartório. Mas será que o direito à crença pode se sobrepor ao direito à vida?
Alessandra de Castro – Brasília (DF)
E
las só aceitam as escrituras
bíblicas como verdade. Pregam a palavra de Deus em
grupos. Vestem-se de maneira discreta e condenam o que chamam
de vícios da vida mundana. O forte apego à doutrina impõe várias
restrições à vida das seis milhões
de testemunhas de Jeová espalhadas pelo mundo. Elas não prestam
serviço militar, não cantam o Hino
Nacional e nem participam de movimentos políticos. Mas, a postura
mais polêmica é a que faz com que
rejeitem a transfusão de sangue.
Todo membro da congregação tem
uma carteirinha registrada em car-
Foto: Uanderson Pontes/TRF1
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Revista Via Legal
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tório na qual oficializa a decisão de
não receber sangue em hipótese alguma, mesmo em caso de risco de
morte, o que faz das testemunhas
de Jeová alvos de polêmicas e até
de questionamentos judiciais.
Os fiéis acreditam que o sangue
é algo sagrado, que significa vida e,
por isso, receber uma transfusão
seria desrespeitar uma ordem de
Deus. Darlyson Feitosa, doutor em
Ciência da Religião, afirma que este
entendimento se baseia em versículos “soltos” na Bíblia, sem con-
textualização. Nesses trechos, os
seguidores de Jesus seriam orientados a se “abster de questões de
sangue”. O especialista rebate: “A
encarnação de Cristo representa
essencialmente amor e como é que
nós mostramos que amamos uma
vida? Quando queremos preservar
e salvar aquela vida. É por isso que
a maioria dos grupos cristãos não
condena a transfusão de sangue”,
observa Feitosa.
CONSTITUCIONAL
As decisões envolvendo transfusões de sangue são sempre muito
difíceis e criticadas. No Brasil, não
são raros os casos em que médicos
e hospitais buscam apoio judicial
para realizar transfusões em pacientes que recusam o procedimento em
nome da fé.
Há um ano, a auxiliar administrativa Josinalda Araújo viveu esse
drama. Logo depois do parto da primeira filha, os médicos detectaram
uma bactéria rara na barriga dela.
Foram seis meses de tratamento só
para se livrar dos microorganismos.
O passo seguinte foi uma cirurgia
plástica, necessária para reconstruir
o abdômen. Josinalda teve complicações durante a operação. “Quando
eles abriram e viram que tinha sangue coagulado, minha médica falou
que eu precisaria de uma transfusão
de sangue”, relembra. Testemunha
de Jeová há mais de quinze anos,
ela conta que, mesmo diante dos
apelos da médica, nem considerou
a indicação. “Ela falava que eu tinha
uma filha e que não poderia morrer
e deixá-la sozinha, mas eu disse que
existiam outros meios de resolver o
problema”, recorda.
A família de Josinalda acionou
uma equipe médica preparada para
lidar com situações semelhantes.
“Fui transferida para outro hospital
e comecei a tomar o medicamento.
Com uma semana, o hematócrito
(taxa de glóbulos vermelhos no volume total de sangue) subiu”, conta, se
referindo ao tratamento alternativo a
que foi submetida.
Para garantir que em casos como
o de Josinalda a pessoa tenha a vontade respeitada, a Igreja mantém uma
comissão permanente. Atualmente,
Heraclides Cambuy é quem preside
a Comissão de Ligação com os Hospitais das Testemunhas de Jeová no
Distrito Federal (Colih). Ele defende
a substituição do sangue por drogas
especiais. “Os médicos descobriram
que é possível fazer grandes cirurgias sem hemoderivados. São usados
certos medicamentos que estimulam
a medula a produzir mais sangue. Há
também outro equipamento que
suga o sangue, filtra e depois devolve ao paciente durante o ato cirúrgico”, afirma.
No entanto, as medidas alternativas não são uma unanimidade
entre os médicos. Muitos ainda têm
reservas. “Algumas partes do sangue
podem ser complementadas com
elementos, outras, não”, explica o
presidente do Conselho Regional
de Medicina do Distrito Federal,
Alexandre Castillo. Ele lembra que,
via de regra, os médicos são orientados a respeitar a vontade do paciente, mas em casos de gravidade
comprovada, os profissionais têm o
poder de decidir. “Se após um exame minucioso, o médico entender
que se a transfusão não for feita com
rapidez o paciente morre, ele pode
fazer”, enfatiza Castillo.
Mas isso não impede que situações graves sejam levadas à Justiça.
Em Goiás, os médicos de um hospital universitário precisaram da autorização do Tribunal Regional Federal
da 1ª Região para fazer a transfusão
em um paciente com risco de morte. O desembargador federal
Fagundes de Deus foi quem permitiu a intervenção. “O direito à crença religiosa não pode se sobrepor ao direito à vida”,
avalia o magistrado.
O advogado Ulisses Borges de Resende, que pertence a um
Tribunal Eclesiástico em Brasília, afirma que alguns pacientes
que sobreviveram após uma transfusão feita a contragosto, processaram os médicos responsáveis pelo procedimento. Ainda
assim, o advogado ressalta que, para a Justiça, o comprometimento do profissional de saúde é com a vida, que está acima de
qualquer impedimento religioso. “Seguramente, o médico terá
em sua defesa fortes argumentos para justificar a realização de
uma transfusão em uma situação dessas”, finaliza. n
Foto: Ascom/TRF1
Josinalda Araújo viveu um
drama ao negar-se a realizar
uma transfusão de sangue
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| Revista Via Legal 13
ADMINISTRATIVO
Servidor
com prazo de validade
Entrar para o serviço público nem sempre é sinônimo de estabilidade. Os concursos para
vagas temporárias são previstos em lei e atendem à necessidade de excepcional interesse
público. Mas não são raros os casos em que a aplicação da lei que permite esse modelo de
concurso é questionada nos tribunais
Ana Cristina Sampaio – Brasília (DF)
E
stabilidade e remuneração acima da média oferecida pelo mercado. É a combinação desses dois fatores que tem motivado milhares de brasileiros a disputar uma vaga no serviço público. Quem está nesse grupo encara a dedicação
aos estudos, imprescindível à aprovação nos concursos, como um sacrifício que vale a pena. Jaciene Nascimento
e Marcos Vinícius dos Santos percorreram o mesmo caminho de muitos aprovados - foram meses de muito estudo. A
diferença é que, mesmo público, o emprego que conquistaram não veio acompanhado das garantias tão cobiçadas.
Eles são servidores temporários: concursados segundo as regras da Lei 9.745/93, criada para regulamentar o que
havia sido previsto na Constituição.
Os chamados “concursos temporários” devem ser realizados em situações emergenciais ou para atender
a necessidades provisórias. A própria lei especifica os casos de “necessidade temporária de excepcional
interesse público”. A lista inclui assistência em situação de calamidade pública, combate a surtos endêmicos, realização de recenseamentos, criação de órgãos ou programas de governo e demandas sazonais
decorrentes de trabalhos inesperados, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do
Governo Federal.
Mas, nos últimos anos, surgiram suspeitas de que nem todos os concursos temporários
atendem à legislação. Nos últimos meses tem crescido o número de processos judiciais questionando a legalidade e a necessidade desses concursos. Apenas o juiz federal Alexandre
Vidigal de Oliveira, da 20ª Vara do Distrito Federal, analisou quatro ações questionando a
validade de processos seletivos para vagas temporárias. Em três delas, ele suspendeu a
realização dos concursos. Os impedimentos foram motivados por aspectos diferentes.
No caso da seleção para o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), a Justiça Federal impediu a realização de concurso temporário para 200
técnicos de nível superior. O principal fundamento é que a remuneração oferecida
aos aprovados era superior à dos servidores de carreira. Para o juiz, a diferença é
um prova de que a Lei 9.745/93 estava sendo desrespeitada.
Alexandre Vidigal também proibiu a realização do concurso temporário lançado pela Escola Superior de Administração Fazendária (ESAF), que pretendia
contratar advogados para o Ministério da Integração Nacional. Na decisão, o
magistrado frisou que por lei os serviços na área jurídica são exclusivos da
carreira da Advocacia Geral da União. O mesmo critério também impediu
a seleção para 100 vagas de advogados na área jurídica do Executivo
federal. Neste caso, o questionamento foi apresentado pela União dos
Advogados Públicos Federais do Brasil.
Já no caso do concurso para 100 profissionais temporários no
Ministério do Turismo, o juiz Alexandre Vidigal considerou que
realmente havia necessidade temporária de mão-de-obra e, por
isso, autorizou o concurso.
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Revista Via Legal
| Agosto de 2009
ADMINISTRATIVO
Foto: Paulo Rosemberg/CJF
Foto: Arquivo Min. Planejamento
Juiz Federal
Alexandre Vidigal
Transparência
O secretário de Gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Marcelo Viana Estevão de Moraes, defende a contratação
temporária como forma permanente de “fechar a torneira da terceirização irregular no serviço público”. Segundo o secretário, a terceirização
impede a transparência nas contratações públicas. “Não há processo seletivo, nem clareza com relação ao tempo do contrato, remuneração e
perfil de qualificação. Sem falar que não há redução nos custos”, afirma.
Marcelo Viana garante que o governo tem seguido à risca o cronograma de substituição de mais de 12 mil terceirizados que estavam em
situação irregular na administração pública federal e que, inclusive, já
foi autorizado um concurso público para cerca de 40% desse montante. “Em 2008 autorizamos 5.207 contratações temporárias. Lembramos
que autorizar não significa contratar imediatamente. A contratação fica
a cargo dos órgãos que precisam dos funcionários. Em 2009, já autorizamos, até o momento, 4.745 contratações temporárias”, explica.
A necessidade sazonal de mão-de-obra na administração pública
também é justificada pelo secretário de Gestão. Ele usa como exemplo
o que ocorre no comércio, que registra um acréscimo grande na demanda por trabalhadores nos últimos meses do ano. “Na administração
Secretário de Gestão do Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão,
Marcelo Viana Estevão de Moraes
pública é a mesma coisa. Eu não posso criar uma força de trabalho
permanente com base numa evolução temporária da demanda porque
aqueles trabalhadores que entram em caráter permanente vão ficar por
30, 40 anos, até a aposentadoria”, diz.
O juiz Alexandre Vidigal alerta que todo cidadão pode denunciar
possíveis irregularidades envolvendo concursos públicos federais. “O
correto é que as contratações temporárias só sejam feitas quando realmente forem necessárias e estiverem de acordo com a lei”, enfatiza,
lembrando que a legislação brasileira é clara quando determina que os
quadros de funcionários nos órgãos públicos devem ser formados por
servidores efetivos, aqueles que passaram pelos concursos tradicionais.
Opção para muitos que buscam uma vaga na administração pública, a contratação temporária não substitui a vontade de se tornar
um servidor público. Cientes de que seu contrato de trabalho como
jornalistas no Ministério da Justiça é regido pela Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT), e não pela Lei 8.112/90 (que dita as regras
dos servidores públicos), Jaciene e Marcos preferem considerar o
contrato temporário como um trampolim para a conquista de um
cargo público definitivo. “Queremos passar em um concurso regido
pela Lei 8.112/90!”, garantem. n
Marcus Vinicius dos Santos e Jaciane Nascimento são servidores temporários do MInistério da Justiça
Fotos: Edson Queiroz/CJF
Agosto de 2009
| Revista Via Legal 15
ADMINISTRATIVO
Quem opta pelos
desenhos no corpo ainda
corre o risco de ser vítima de
preconceito e discriminação. Quando a
intolerância acontece no mercado de trabalho,
uma alternativa é recorrer aos tribunais
Alessandra de Castro – Brasília (DF)
H
á exatos 240 anos, o navegador inglês James Cook desembarcou na
Polinésia e descobriu que, ao invés
de roupas, os habitantes das ilhas usavam
desenhos para cobrir o corpo. A experiência,
relatada no livro de bordo do explorador, é
um dos primeiros registros da existência da
tatuagem que, mais de um século depois,
passou a ser usada para identificar criminosos. Essa prática, criada por conterrâneos
de Cook, fez com que a arte passasse a ser
associada à marginalidade. Um traço que até
hoje persegue aqueles que ‘imprimem’ na
própria pele códigos, frases ou imagens. Ao
longo dos últimos anos o preconceito diminuiu, mas é difícil encontrar um tatuado que
nunca tenha sido alvo de resistência. Uma
discriminação que também existe no mercado de trabalho e que, muitas vezes, leva
empregadores ao banco dos réus.
No Brasil, a disseminação da tatuagem
aconteceu no século passado e, desde o
início, esteve relacionada ao submundo. O
responsável pela divulgação da arte foi um
dinamarquês que tinha loja nas proximidades do porto de Santos, em São Paulo. Isso
em meados da década de 1960. Como o local
era tradicional ponto de boemia e prostituição, não demorou para que a atividade fosse
associada àquele universo. Um estigma que
só começou a perder força nos últimos anos,
quando a tatuagem passou a ser aceita em
todas as camadas da sociedade.
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Revista Via Legal
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Aos 46 anos, Nina Gonçalves trabalha
como relações públicas. As três tatuagens e
o piercing colocado no umbigo são a prova
de que o estilo não agrada apenas os mais
jovens. “A ideia da tatuagem veio depois que
me separei, para marcar um momento de liberdade. Já o piercing, coloquei por exibicionismo mesmo”, admite. Ela assegura que os
acessórios nunca foram motivo de piadas ou
discriminação.
Mas o avanço relatado por Nina ainda está
longe de ser regra no Brasil. Em geral, o mercado de trabalho costuma tratar com diferença quem carrega essas marcas no corpo. Em
grande parte das empresas privadas, a discriminação acontece de maneira sutil. E como o
empregador tem o direito de escolher o perfil
do candidato que procura, se a empresa é mais
tradicional, nada impede que o concorrente à
vaga seja dispensado ainda na entrevista. E,
nesse caso, o mais comum é que se apresentem outras justificativas para a dispensa.
No âmbito do serviço público é mais fácil
questionar a exclusão. Os militares são os mais
rigorosos e, muitas vezes, incluem a restrição
já no edital do concurso. As contestações, invariavelmente, são levadas ao Judiciário. Foi o
que fez um candidato que perdeu o direito de
participar de um curso de formação da Aeronáutica por conta das tatuagens. O processo
foi analisado pelo Tribunal Regional Federal
da 1ª Região. Os desembargadores entenderam que as figuras do Cruzeiro do Sul e de
ADMINISTRATIVO
um lobo desenhadas no corpo do rapaz não
se chocavam com a postura exigida de um
integrante das Forças Armadas. Por isso, a eliminação dele do processo seletivo foi considerada ilegal.
O advogado Eduardo Lycurgo concorda
com a decisão dos desembargadores. “A princípio, um concurso não pode fazer essa segregação, até porque, se eu aprovo um candidato
hoje, quem pode impedi-lo de fazer uma tatuagem amanhã? Qual será a pena?”, provoca.
Arrependimento
Mesmo que aos poucos o comportamento
das pessoas esteja mudando, muita gente que
fez tatuagens costuma se arrepender. O índice
dos que tentam se livrar dos desenhos é alto.
Pelo menos é o que garante o dono de um
estúdio brasiliense de tatuagem e piercing,
conhecido apenas como Ed Piercier. Ele conta
que é comum receber pessoas com mais de
30 anos que querem modificar completamente um desenho ou um nome tatuado aos 15,
por exemplo. “Antes de começar qualquer trabalho, a gente procura orientar bem, para que
a pessoa decida se é aquilo mesmo, para que
ela pense no futuro”, afirma Ed, reforçando a
máxima de que tatuagem é para sempre.
Mas quem está decidido, dificilmente
volta atrás na última hora. Por isso, são tão
comuns histórias de arrependimento. Uma
prova está nos consultórios médicos. O dermatologista Francisco Leite diz que, por mês,
atende a pelo menos três pacientes interessados em se ver livres das tatuagens. “São
basicamente dois grupos de pessoas: um,
daquelas cujo amor durou menos que a tatuagem e agora querem apagar os nomes que
ficaram, e o outro, das pessoas que estão ingressando no mercado de trabalho e, de alguma maneira, estão se sentindo discriminadas”,
avalia o médico.
“Antes de começar
qualquer trabalho,
a gente procura
orientar bem,
para que a
pessoa decida
se é aquilo mesmo,
para que ela
pense no futuro”
Ed,
dono de
um estúdio
de tatuagem
e piercing em
Brasília
Fotos: Uanderson Pontes/TRF1
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| Revista Via Legal 17
ADMINISTRATIVO
O PREÇO DO ARREPENDIMENTO
Processo de remoção da tatuagem
é longo, caro e trabalhoso
Fotos: Uanderson Pontes/TRF1
Se livrar do visual desenhado é um processo longo, caro e
trabalhoso. Quem quer ou precisa remover uma tatuagem tem
que se submeter a um tratamento com laser (fotos). O número de
sessões depende da imagem a ser retirada: quanto mais colorida
e profunda, mais difícil de ser apagada. As pessoas de pele clara
respondem melhor ao tratamento. Os resultados são bons mas,
apesar de toda tecnologia, os especialistas dizem que dificilmente
a pele volta a ser exatamente como era antes.
A auxiliar de enfermagem Meire Ferreira está enfrentando o
processo para se livrar de uma tatuagem. A primeira sessão a laser
para remover a letra b desenhada no pescoço já foi feita. Segundo
Meire, a letra foi uma homenagem ao pai já falecido que a chamava
pelo apelido de branca. O fato de a tatuagem ser preta, superficial e bem pequena aumenta as chances de não sobrarem vestígios. “Como eu trabalho de cabelo preso, ela fica sempre exposta.
Como meu nome é Meire, ninguém entende o porquê de um ‘b’
no pescoço, principalmente os namorados”, diverte-se, sem saber
o tempo que terá que esperar para concluir o processo.
Também no aspecto financeiro, as perspectivas não são animadoras. O médico faz uma comparação. “Multiplique por cinco
o que você gastou para fazer a tatuagem. É o que você deve gastar
para removê-la. São em média 10 sessões, uma por mês”, calcula
Francisco Leite. n
Orientações dos médicos
•Na dúvida, não faça a tatuagem.
•Dê preferência à tatuagem “vazada” e de contorno preto. Quanto mais colorida, mais difícil de ser removida.
•Antes de fazer a tatuagem, procure um dermatologista,
que pode indicar cremes que preparam a pele para a
pigmentação e evitam inflamações futuras.
•Exija que o profissional higienize as mãos, use luvas,
máscara e material descartável para a aplicação, e que
não reutilize as tintas.
Dicas dos tatuadores
•Não tenha pressa na hora de escolher o desenho. Busque inspiração nas revistas especializadas que apresentam inúmeras sugestões.
•Escolha com cuidado o local do corpo que será tatuado.
Pense nos prós e contras de fazer uma tatuagem que
não poderá ser camuflada em uma ocasião mais formal,
por exemplo.
•Procure saber se o tatuador é experiente e reconhecido
por outros profissionais.
•Verifique as condições de higiene do estúdio.
Novidades na fiscalização
Os fabricantes de pigmentos e acessórios usados em
tatuagens têm até 8 de fevereiro de 2010 para obter o registro de seus produtos na Anvisa, a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária. As tintas, por exemplo, vão precisar
passar por testes para comprovar que não são tóxicas.
Atualmente, o controle sanitário se restringe às inspeções dos estúdios de tatuagem, realizadas pelas vigilâncias
sanitárias municipais.
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Revista Via Legal
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Tributário
Justiça nas estradas
Além de multar veículos estrangeiros, agora a Polícia Rodoviária Federal
também pode apreender os automóveis caso as infrações não sejam pagas.
Medida quer reduzir a imprudência no trânsito e garantir mais tranquilidade nas estradas
Analice Bolzan e Patrícia Picon – Porto Alegre (RS)
A
combinação de férias escolares e clima
quente parece um estímulo irresistível
para pegar a estrada. É em janeiro que
o Brasil recebe o maior número de turistas. No
verão deste ano, cerca de 400 mil entraram no
país só pelas fronteiras do Rio Grande do Sul
segundo a Secretaria Estadual de Turismo. Para
os motoristas, uma novidade: na hora de voltar
para casa, quem havia sido multado teve o carro retido. Por determinação da Justiça Federal,
somente após o pagamento das infrações, os
veículos puderam deixar o Brasil.
A discussão é antiga. A exigência entrou em
vigor em 1998, com a publicação do Código de
Trânsito Brasileiro. No entanto, a legislação que
pretendia conter a imprudência nas estradas e
reduzir a inadimplência não saiu do papel. Os
veículos continuaram atravessando a fronteira
sem pagar as multas.
Apenas sete anos depois, os Detrans e a
Polícia Rodoviária Federal (PRF) decidiram intensificar a fiscalização e passaram a exigir o pagamento dos motoristas estrangeiros antes que
eles saíssem do país. Na época, por entender
que a medida impossibilitava a defesa do motorista, o Ministério Público Federal(MPF) propôs
uma ação civil pública para suspender a retenção. Para o MPF, a exigência ignora a lei que prevê um tempo hábil para que o suposto infrator
possa contestar a punição. A Procuradoria sugeriu que os automóveis com multas não pagas
nos últimos cinco anos fossem impedidos de
voltar ao Brasil até a quitação da dívida.
A retenção dos veículos chegou a ser suspensa de forma provisória enquanto a ação civil
pública estava em tramitação. Mas, na sentença,
o juiz federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior
negou a proposta do MPF. Para ele, a solução
sugerida era “juridicamente inviável”. A decisão
de primeira instância foi questionada, mas acabou mantida no Tribunal Regional Federal da
4ª Região. Com isso, a União voltou a reter os
carros que tentavam deixar o Brasil sem pagar
as multas.
O relator do processo no TRF4, juiz federal Sérgio Renato Tejada Garcia, convocado
para atuar como desembargador, justificou a
decisão como uma forma de reduzir a sensação de impunidade que, segundo ele, é um
incentivo às infrações. “Há um desrespeito
grande às leis de trânsito. A repressão mais
forte e a certeza de que as multas vão ser
cobradas devem reduzir a violência nas estradas”, declarou.
Viagem interrompida
Para cumprir a decisão judicial, a PRF
montou a Operação Reciprocidade. Os fiscais
intensificaram o trabalho nas fronteiras do Rio
Grande do Sul, além de cobrar todas as multas
emitidas a estrangeiros nos últimos cinco anos.
A operação durou de janeiro a março e terminou com oito mil pagamentos que renderam
mais de R$ 1 milhão aos cofres públicos.
De acordo com a PRF, em média, 20 veículos estrangeiros são multados e retidos por dia
no Rio Grande do Sul. Os argentinos são considerados os mais imprudentes. Em entrevista ao
jornal Zero Hora de Porto Alegre, o empresário
Jorge Henrique Adano, que mora em Buenos
Aires, alegou que seus conterrâneos correm
nas estradas porque todo turista quer chegar
rápido ao Brasil. Em 2005, ele teve o carro retido na fronteira. Só foi liberado depois de pagar
duas multas por excesso de velocidade, o que
atrasou a viagem em cinco horas. “Acho que
80 km/h é uma velocidade muito restritiva. Na
Argentina, em algumas rodovias, a velocidade
permitida é de 130 km/h”, reclamou.
No ano passado, apenas 2,7% dos turistas
multados acertaram as contas. Com a retenção
dos veículos, a arrecadação desses valores fica
garantida. Ainda que os motoristas não possam
ser impedidos de cruzar a fronteira, terão que
deixar seus carros, que ficam no Brasil até o
pagamento.
A principal reclamação de argentinos e uruguaios retidos no retorno das férias foi a falta de
informação. “Deixei toda a plata acá”, reclamava um deles, dizendo não ter sobrado dinheiro
para quitar as multas aplicadas pelos policiais.
O problema do pagamento
O procedimento, de início, é simples. Ao
chegar à fronteira, o turista repassa os documentos ao policial que consulta a situação do
veículo no sistema do Detran. Se houver alguma multa, é emitido um boleto bancário. É aí
que surge outro problema. Nos primeiros três
meses, o pagamento podia ser feito nos próprios postos da PRF. Mas, desde março, o procedimento passou a ser restrito aos bancos e,
portanto, ao horário bancário, o que tem gerado transtornos para os turistas, já que muitos
voltam para casa no fim de semana, quando as
agências estão fechadas.
Por enquanto, segundo a PRF, ainda não
há previsão de estender os locais de cobrança a lotéricas, lojas de conveniência e postos
de gasolina. Por isso, é bom que os turistas
fiquem atentos às leis de trânsito brasileiras
para evitar contratempos na volta para casa. n
Agosto de 2009
| Revista Via Legal 19
PREVIDENCIÁRIO
Perigo
que gera direitos
O direito dos trabalhadores à
aposentadoria especial é um assunto
ainda desconhecido por muitos. Na
maioria das vezes, o benefício só é
conquistado com ações na Justiça
Camila Cotta – Brasília (DF)
U
m tempo menor de trabalho para compensar
a exposição a riscos ou a produtos que podem ser uma ameaça à saúde. Essa é a lógica
da aposentadoria especial garantida pela legislação
brasileira. Os critérios que definem quem tem direito
ao benefício estão previstos na Lei 8.213/91, que diz,
por exemplo, que quem exerce atividades com risco
químico, físico ou biológico pode se afastar depois
de 15, 20 ou 25 anos de trabalho. No entanto, para
muita gente, esse direito só é conquistado depois de
uma batalha judicial.
Esse foi o caminho escolhido por Luiz Airton
Rodrigues Oliveira, que passou boa parte da vida fazendo serviços de limpeza em hospitais. O contato
com produtos químicos, gente doente e resíduos
contaminados não foi suficiente para que o INSS
reconhecesse que ele desenvolvia uma atividade insalubre, assim como ocorre com os profissionais da
área médica. O trabalhador recorreu à Justiça e, embora tenha perdido na primeira instância, em Santa
Catarina, saiu vitorioso quando o processo foi analisado pela Turma Nacional de Uniformização. Cabe à
Turma dar a palavra final em ações impetradas nos
juizados especiais federais e que tenham recebido
decisões divergentes nos estados.
Como Luiz Airton, outros trabalhadores apostam
nos tribunais para vencer a batalha com o INSS. O
metalúrgico Antônio de Souza, que vive em São Paulo, é um deles. Em entrevista concedida ao programa
Via Legal, em abril deste ano, ele afirmou que trabalha há 33 anos na mesma empresa e que já sofreu
quatro acidentes de trabalho. Ele tenta se aposentar
há um bom tempo, mas não consegue. “Não vou
perder essa luta. Fico triste e frustrado com o que
aconteceu comigo. Vou atrás dos meus direitos. Por
que minha aposentadoria não sai?”, desabafa seu Antônio, afirmando em seguida que sempre usou equipamentos de segurança.
20
Revista Via Legal
| Agosto de 2009
PREVIDENCIÁRIO
Advogado João
Celso Neto
Anadergh Branco,
Laboratório de
Saúde da UnB
Fotos: Edson Queiroz
Josina dos Santos,
trabalhadora
A briga dos trabalhadores não acontece
apenas quando o pedido é pela aposentadoria. Receber o adicional, também previsto em
lei, nem sempre é fácil. O acréscimo pode
chegar a 40% do salário nos casos em que o
trabalhador se enquadra no nível máximo de
insalubridade. Josina Carvalho dos Santos só
soube agora que pode ter direito ao adicional.
“Trabalho na limpeza da sala de enfermagem
de um Tribunal. Mexo com produtos químicos e materiais infecciosos. Agora que sei que
tenho direito, vou buscar até conseguir”, resume a trabalhadora que exerce a função há
cinco anos.
A falta de informação é apontada como
uma das principais causas do não recebimento do benefício como a aposentadoria especial. “Muita gente desconhece o que diz a lei:
quem pode e quem não pode receber os benefícios e como fazer para obtê-lo”, confirma
o advogado e especialista em Direito Previdenciário João Celso Neto. Ele lembra que o
tratamento diferenciado se deve ao fato de
que, com o tempo, a exposição pode comprometer a saúde e até a integridade física
do profissional. “Dessa forma, o trabalhador
perde parte de sua condição laboral, e esse
tempo reduzido propicia que ele pare de trabalhar mais cedo em razão das agressões que
sofre no dia a dia”, afirma.
A enfermeira Maria do Bonfim trabalha há
35 anos em um hospital em Itabuna da Serra,
São Paulo. Já poderia ter se aposentado, mas
por desconhecimento, não solicitou o benefí-
cio especial. Por isso, só vai se afastar do trabalho no fim de 2009, quando completa o tempo
de contribuição exigido para os trabalhadores
em situação convencional. “Não tem mais jeito
de correr atrás do tempo perdido”, lamenta.
Ela sabe que se prejudicou por falta de informação. “Infelizmente não tive a oportunidade
de receber nem o adicional de insalubridade.
Mas espero que meu caso sirva de exemplo
para outras pessoas”, afirma.
Exigências
A aposentadoria especial garante 100% do
salário de benefício, ou seja, a pessoa contribui
por um tempo menor, mas recebe o mesmo
valor destinado ao trabalhador que cumpre
todo o prazo de contribuição. Para isso, é preciso comprovar a exposição aos riscos e o tempo previsto em lei. A comprovação deve ser
feita em formulário do Perfil Profissiográfico
Previdenciário (PPP), preenchido pela empresa com base em outro documento, o Laudo
Técnico das Condições Ambientais de Trabalho (LTCA), expedido por médico do trabalho
ou engenheiro de segurança do trabalho. Também é preciso comprovar o pagamento de, no
mínimo, 180 contribuições mensais.
O técnico do INSS em São Paulo, Hilton Salzedas, chama a atenção para um aspecto que, em muitos casos, acaba gerando
confusão. Ele lembra que apenas o fato do
trabalhador usar equipamentos de proteção
não significa que a atividade desenvolvida é
insalubre, ou que este trabalhador tenha di-
reito ao adicional ou mesmo à aposentadoria especial. Ele lembra que são necessários
documentos e laudos para garantir o benefício. “Muitos trabalhadores não conseguem
o direito à aposentadoria especial pela falta
de documentação adequada. Precisamos de
dados concretos para que o médico perito
faça uma análise obedecendo aos critérios da
Previdência Social”, reforçou.
O número de pedidos de aposentadorias
especiais é crescente no país. Um fenômeno
que, segundo a doutora em medicina e coordenadora do laboratório de saúde da Universidade de Brasília (UnB), Anadergh de Abreu
Branco, advém da forma como a questão vem
sendo conduzida no Brasil. Para ela, a legislação favorece um pensamento equivocado de
que é mais cômodo pagar a insalubridade do
que fazer melhorar as condições de trabalho.
“Essa monetização do risco é, no mínimo, indecente. Não sou eu que estou dizendo isso.
Estudiosos, até de outros países, nessa área de
insalubridade veem isso como um problema
vergonhoso. Eu te pago, e ganho o direito de
te adoecer”, avalia.
Ainda de acordo com Anadergh Branco,
essa distorção faz com que a aposentadoria
especial seja considerada um problema. “Temos de estabelecer condições de obrigar as
empresas a melhorar as condições de trabalho. Temos que mudar, e não dar a cerca de
80% da população o direito à aposentadoria
especial”, finalizou. n
Principais doenças geradas pelo trabalho:
Dorsalgia (dor nas costas), fratura de mão, tendinite, fratura de pé, Síndrome do Túnel
do Carpo (dor, alterações da sensibilidade ou formigamentos no punho), lordose (curva
interna da coluna lombar), depressão.
Agosto de 2009
| Revista Via Legal 21
PENAL
Crime virtual, um perigo real
Cada vez mais, os usuários da Internet procuram a Justiça quando descobrem que tiveram seus
direitos violados. Como falta legislação específica, os crimes têm sido julgados com a aplicação de leis
já existentes. Isso é possível porque a maioria das infrações é conhecida. A diferença é que muitas
delas vêm sendo cometidas no espaço cibernético
Thaís Del Fiaco Rocha – Brasília (DF)
D
a mesma forma que facilita a vida das
pessoas e encurta distâncias, a Internet
também pode ser uma ameaça. É cada
dia maior o número de crimes praticados com
o uso das chamadas “ferramentas digitais”. A
boa notícia é que a Justiça tem aumentado o
rigor contra os infratores. Um levantamento recente mostrou que nos últimos sete anos as decisões envolvendo abusos virtuais aumentaram
42 vezes: saltaram de 400, em 2002, para 17 mil
no início de 2009. As punições ajudam a acabar
com a sensação de que o espaço virtual é um
território livre, sem lei, um conceito que já foi
regra no mundo inteiro. O crescimento no total de ações prova ainda que, cada vez mais, os
usuários da rede buscam ajuda quando descobrem que tiveram os direitos violados.
O país ainda não possui
uma legislação específica
destinada a regular o uso
do espaço virtual. Entretanto, segundo consultores jurídicos, isso não
significa impunidade.
A aplicação de outras leis garante o enquadramento jurídico de cerca de 95% dos crimes
cometidos por meio eletrônico. Os 5% restantes abrangem transgressões que só existem no
mundo virtual, como a distribuição de vírus
eletrônicos. Este “aproveitamento” de normas
é possível porque a maioria das infrações já é
conhecida da polícia. A lista é longa e inclui
casos como falsidade ideológica, racismo, extorsão, ameaças, violação dos direitos autorais,
pedofilia, estelionato, roubo de informações sigilosas ou de senhas bancárias e crimes contra a
honra (difamação, calúnia, injúria). A diferença
é que agora muitos deles são cometidos no espaço cibernético.
Outro avanço nesta luta tem sido a postura
do Superior Tribunal de Justiça
de consolidar e aplicar dispositivos dos Códigos
Penal e Civil, entre outros, como “pirataria”.
Apesar desta evolução do Judiciário,
o juiz federal Carlos
Eduardo Delgado ressalta que o uso da Internet, mesmo com todo crescimento, ainda é
algo novo em termos jurídicos e que, por isso,
a legislação não está completamente preparada. “É imprescindível a atuação legislativa do
Estado, criminalizando condutas e, com isso,
permitindo a responsabilização penal pelos crimes”, explicou.
Tipificação de crimes
Para que possam ser tipificados e, o mais
importante, punidos, os crimes virtuais devem
estar previstos em lei. Desde 2003, o Congresso
Nacional discute a criação de regras próprias.
Em seis anos a proposta já recebeu dezenas de
emendas e continua em tramitação na Câmara.
Já o Senado aprovou, em 2008, a tipificação de
13 crimes cometidos por meio eletrônico.
A versão aprovada faz adaptações em
“O usuário do
sistema não pode
se furtar às suas
responsabilidades
sob o manto da
liberdade de
expressão”
Juiz Federal
Carlos Eduardo Delgado
Foto: Edson Queiroz
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Revista Via Legal
| Agosto de 2009
PENAL
seis leis, como o Código Penal, o Estatuto da
Criança e do Adolescente e a norma que trata
da discriminação racial, conhecida como Lei
Afonso Arinos. Entre os crimes estritamente
ligados à popularização da rede de computadores está o envio de fotos pessoais, sem autorização, por meio eletrônico. O texto também
inclui o ato de armazenar fotos de conteúdo
pedófilo como prática criminosa. Antes disso,
apenas a comercialização ou distribuição das
imagens caracterizavam o crime.
Criar regras sem comprometer o ambiente libertário em que se constitui a Internet é o
desafio dos legisladores. O projeto de lei aprovado pelo Senado voltou à Câmara dos Deputados onde deve receber novas adaptações. As
discussões já resultaram em um estudo lançado
pela Consultoria Legislativa e pelo Centro de
Documentação e Informação da Câmara Federal. O texto traz os principais debates em torno
da utilização da rede, os desafios para prevenir
e punir os crimes digitais e as discussões para
regular o funcionamento, o provimento e o
conteúdo da Internet.
O juiz Carlos Eduardo Delgado complementa que o legislador deve se manter atento,
uma vez que os recursos oferecidos pela rede
são extremamente dinâmicos e evoluem em velocidade frenética, “motivo pelo qual qualquer
descrição típica não pode ser hermética a ponto de tornar a norma obsoleta e inaplicável em
curto espaço de tempo”, alertou.
Segurança e responsabilidade
A discussão também encontra espaço entre os usuários da rede. Para muitos, o melhor
caminho deve ser uma regulamentação civil.
O temor de quem tem esta opinião é que uma
legislação criminal possa prejudicar características da Internet como a dinâmica de movimentos. O administrador de redes Bruno Souza faz questão de dizer que concorda com a
necessidade de ser criada uma legislação que
proteja o usuário, mas diz que boa parte da
Crianças na mira
virtual
Andréa Moraes, São Paulo - SP
O total de denúncias é crescente. Em 2007,
foram cerca de 100 comunicados de pornografia
infantil por mês. Hoje, o número chega a 2,5 mil
por dia. Desde que foi criado o endereço www.
denunciar.org.br foram recebidas 1,7 milhão
de denúncias envolvendo nada menos que 240
mil páginas da Internet. Ainda de acordo com a
SaferNet Brasil, organização não governamental
que se dedica ao combate dos crimes cibernéticos contra os direitos humanos, cerca de 300 denúncias diárias têm fundamento e geram entre
20 e 25 inquéritos. Ainda segundo a organização,
entre 70% e 80% dos comunicados envolvem
imagens de crianças: 27% de 0 a 3 anos; 69% de
3 a 12 anos e o restante de 13 a 17 anos.
Sérgio Suiama, procurador da República
Como 90% das denúncias estão
relacionadas a conteúdos veiculados
no site de relacionamentos Orkut,
gerenciado pela Google Brasil, um
grande passo no combate à disseminação virtual da pornografia infantil foi o Termo de Ajustamento de
Conduta assinado entre o Ministério
Público Federal (MPF), a SaferNet e
a Google em julho do ano passado.
O acordo permitiu avanços no monitoramento e triagem dos casos de
pornografia infantil no Orkut.
Como parte do acordo, a Google
passou a revisar o conteúdo enviado pela SaferNet e a informar, em
no máximo 24 horas, os indícios de
irregularidades, além de preservar
os dados que possam identificar os
autores. É com base nessas informações que a SaferNet Brasil elabora
notícias-crime e relatórios técnicos
de rastreamento e os encaminha ao
MPF, autoridade que requisita ordem judicial de quebra de sigilo de
dados dos suspeitos.
O Termo prevê o envio de até
500 URLs (Uniform Resource Locator) por dia recebidas pela Central
Nacional para a Google. De posse
desse relatório, a Google confirma
se há indícios de pornografia infantil, se foram removidos os conteúdos
e os preserva por seis meses para
consulta das autoridades brasileiras,
mediante ordem judicial. A Google
evolução no uso da Internet vem da liberdade
que ela propicia.
Para o magistrado federal, a liberdade de
expressão precisa, sim, ser garantida e respeitada, mas chama a atenção para os limites: “O
usuário do sistema não pode se furtar às suas
responsabilidades sob o manto da liberdade
de expressão”. E vai mais longe: “A liberdade
de expressão é direito fundamental a todos
garantido que, entretanto, não imuniza aquele
que dela se utiliza para responder pelos atos
suposta e hipoteticamente lesivos ao Estado
ou a terceiros”.
O cidadão que se sentir lesado pode
notificar diretamente o prestador do serviço para que retire do ar o conteúdo ilegal e/
ou ofensivo de seus servidores e preserve
as provas da materialidade e os indícios de
autoria do crime. Ou pode denunciar nos
sites www.denunciar. org.br e
www.safernet.org.br. n
também se
comprometeu a manter
um centro de segurança para usuários do Orkut e a patrocinar a elaboração de 100
mil cartilhas com orientações
a usuários e possíveis vítimas.
O Termo propiciou, entre outros
avanços, a aplicação da legislação nacional aos casos de crimes praticados, em
sua maioria, no Orkut; a instalação de
filtros e moderação humana para reduzir o tempo de exposição de imagens de
crianças e o atendimento adequado aos
usuários, no sentido de retirar o conteúdo ofensivo do ar. “Pela primeira vez
um provedor internacional reconhece a
aplicação de uma lei nacional no que diz
respeito à difusão de pornografia infantil, o que para nós é muito importante”,
assinalou o procurador da República
Sérgio Suiama durante workshop sobre
o tema realizado pela Escola de Magistrados do Tribunal Regional Federal da
3ª Região.
Ainda durante o evento, o jurista e
professor universitário Thiago Tavares
Nunes de Oliveira destacou que, antes
da abertura da ação civil pública, a Google Brasil levava entre 50 a 60 dias para
tirar o conteúdo ilícito do ar. Com o ajuizamento, esse prazo caiu para três dias
em média. Hoje, a remoção é feita em
no máximo 14 horas. n
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| Revista Via Legal 23
DIREITO À SAÚDE
A
Cada vez mais o Judiciário vem
sendo obrigado a intervir nas
políticas públicas de saúde. As
decisões têm salvo a vida de
muitos brasileiros e aliviado o
sofrimento de tantos outros
Dione Tiago – Brasília (DF)
24
Revista Via Legal
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vida por uma lata de leite, uma injeção ou alguns comprimidos. Muitos portadores de
doenças graves convivem com uma situação cruel: são obrigados a recorrer à Justiça para
ter acesso a um produto capaz de livrá-los da morte. Essa multidão busca respaldo na
Constituição Federal quando diz ela que “saúde é direito de todos e dever do Estado”. Entre
2005 e 2008, o número dos que recorreram ao Judiciário cresceu mais 300%. Só no ano passado,
o Ministério da Saúde afirma ter gasto R$ 52 milhões na compra de medicamentos determinados
pela Justiça. Nem todos têm o pedido aceito, mas hoje é inquestionável que o entendimento dos
tribunais já salvou a vida de muitos brasileiros e aliviou o sofrimento de tantos outros.
Aos 36 anos, a paisagista Adriana Marazzo ainda tenta se recuperar de um câncer de mama
descoberto há seis anos. Na época, ela teve que se submeter a uma mastectomia. A retirada das
mamas trouxe mais do que dores físicas: abalou a autoestima e significou danos psicológicos.
Mas, por outro lado, também representou a esperança de cura. Na luta diária para se livrar de vez
da doença, Adriana encontrou novos adversários. Um dos maiores foi a dificuldade de acesso aos
remédios prescritos pelos médicos. “Juntando todos os medicamentos de que eu preciso, gasto
entre R$ 7 mil e R$ 8 mil por mês”, conta.
Como milhares de brasileiros, Adriana procurou o sistema público e, assim como boa parte
dessas pessoas, recebeu um “não” como resposta. “A lista do SUS (Sistema Único de Saúde) é
muito restrita. Nem os remédios básicos consegui”, diz, resumindo um problema denunciado
por médicos e pacientes do país inteiro. Ela então acionou a Justiça Federal e, de posse de uma
liminar, passou a receber os medicamentos. Um deles, importado, ainda não tinha sequer registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Para o médico Francisco Marziona, oncologista do Hospital Pérola Byton, em São Paulo, o
problema é a distância que existe entre os avanços da ciência e da indústria - que a cada dia produzem drogas melhores e mais potentes - e a incorporação delas ao sistema público de saúde.
Segundo o médico, apenas no hospital onde ele atua, são registrados pelo menos mil novos
casos de câncer por mês. Uma das maiores dificuldades é garantir o tratamento mais adequado a
quem busca ajuda e depende dos remédios fornecidos pelo Estado. “Essa tabela não foi atualizada, tanto no repasse dos medicamentos, como também nas indicações terapêuticas e nos tipos
de modalidades terapêuticas. Isso passa a ser um grande complicador”, afirma.
O crescimento no número de pedidos judiciais é atribuído à combinação de dois fatores:
a defasagem do sistema em relação aos produtos já disponíveis no mercado e a existência de
cidadãos mais conscientes de seus direitos. “A gente paga imposto a vida inteira e quando precisa
não tem atendimento. Não é correto isso”, afirma Marilene Santos, que também precisou ir aos
tribunais para que o filho recebesse o único tipo de leite que pode consumir.
DIREITO À SAÚDE
Argumentos
O atendimento às decisões judiciais é hoje um dos grandes problemas administrados pelo Ministério da Saúde. O processo, chamado
de “judicialização da saúde”, já é visto como uma ameaça ao atendimento coletivo da população. Em artigo publicado recentemente, a
advogada da União Maria Leiliane Cordeiro, que é coordenadora de
assuntos judiciais do Ministério da Saúde, chamou a atenção para o
fato da discussão estar ignorando a chamada “teoria da reserva do
possível”, que considera o equilíbrio entre a previsão orçamentária do
Estado e o direito à vida e à saúde do cidadão.
Segundo a advogada, a forma como os recursos púbicos estão
sendo redistribuídos para garantir atendimentos individualizados afeta diretamente o direito coletivo. “Por esta razão, a teoria da reserva do
possível realiza uma ponderação entre direitos exatamente equivalentes, com a diferença que teremos, de um lado, o direito à saúde de um
cidadão e, no prato oposto da balança, o direito à saúde do restante
da sociedade”, explica.
O diretor de assistência farmacêutica do Ministério, José Miguel
do Nascimento Júnior, vai mais longe e afirma haver problemas de
interpretação da Constituição. “Nós fizemos uma reflexão do artigo
196, que diz que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Só que
o texto não termina aí. Continua depois de uma vírgula dizendo que
é mediante políticas públicas, econômicas e sociais que esse direito é
exercido e se integraliza na prática”, assegura.
José Miguel confirma que a situação é grave e que o assunto merece um debate ainda mais amplo, que envolva vários aspectos como a
real motivação das ações, o grau de necessidade dos pedidos e as formas alternativas de tratamento. Ele explica que o processo de fornecimento de medicamentos está dividido em três grupos: no primeiro,
estão aqueles destinados à maioria da população. São os medicamentos do dia a dia. Do segundo grupo fazem parte os produtos usados
em programas estratégicos, como o de combate à AIDS e à tuberculose, que são 100% financiados pelo Governo Federal. No último grupo
ficam os medicamentos de alto custo, repassados aos portadores de
algumas doenças crônicas.
Fonte: Ministério da Saúde
A maior procura jurídica é pelos remédios do terceiro grupo. O alto custo quase
sempre impede que o paciente ou a família
assuma a despesa. José Miguel afirma que,
ao buscar esta alternativa, o cidadão acaba
contribuindo para um desequilíbrio no sistema. “Acaba gerando uma porta de entrada paralela ao próprio sistema de saúde e
provocando problemas na medida em que
gera certos privilégios”, afirma.
Cesta de produtos
Sobre as tabelas, o responsável pelo Ministério da Saúde assegura que existe uma
preocupação constante com a atualização.
Ele cita como exemplo o que é feito no caso
da atenção básica. Segundo José Miguel, a
cada dois anos é feita uma nova lista incluindo medicamentos que, embora estejam entre o que há de mais moderno para tratar
uma determinada doença, possam ser consumidos sem oferecer risco ao paciente. A
próxima atualização está prevista para março
de 2010.
* Em 2008, os medicamentos de alto custo foram incluídos na lista.
Agosto de 2009
| Revista Via Legal 25
DIREITO À SAÚDE
O problema, lembra José Miguel, é que o
governo não tem como fazer as inclusões na
velocidade que desejam pacientes, médicos
e, principalmente, a indústria farmacêutica.
“Temos que ter muita clareza que a incorporação de tecnologia no âmbito do Ministério da
Saúde se dá, essencialmente, por aquela que é
vital, ou da que apresenta benefícios reais em
relação à usada e da que atende a um número
grande de pessoas”, conclui.
O representante do Ministério aponta
outra questão: apesar de 40 mil produtos estarem registrados na Anvisa, ainda é expressivo o número de casos em que os médicos
orientam o paciente a usar um medicamento
que não tem registro no país e que, portanto, por uma questão lógica, não poderia ser
oferecido pelo Estado. “Muitas vezes esses
medicamentos determinados não apresentam
eficácia comprovada ou, quando comparados
com aqueles oferecidos pelo SUS, não apresentam vantagens significativas, muito pelo
contrário”, afirma José Miguel.
Equilíbrio
Uma discussão ampla e que tenha a participação de todos os envolvidos. Esse tem
sido o caminho apontado para, se não resolver de vez, pelo menos amenizar os efeitos da
judicialização da saúde. O assunto foi discutido durante seis dias numa audiência pública
organizada pelo Supremo Tribunal Federal. O
evento, realizado em duas etapas nos meses
de abril e maio deste ano, reuniu médicos,
advogados, juízes e representantes do Ministério da Saúde. Os envolvidos discutiram
aspectos como: até onde deve ir a atuação judicial, de que forma a separação de poderes
pode limitar essas ações e, sobretudo, como
garantir o cumprimento de direitos individuais sem colocar em risco o atendimento a
toda a população.
Na prática, várias iniciativas têm saído do
papel para garantir a solução do problema.
No Rio Grande do Norte, por exemplo, diante de tanta procura, o juiz federal Ivan Lira
de Carvalho colocou frente a frente os envolvidos no assunto. “O que estamos tentando
fazer é dinamizar o processo para dar mais
rapidez à análise dos pedidos e também garantir que esse fornecimento seja menos oneroso para os cofres públicos”, explicou o juiz.
A reunião teve caráter de urgência e serviu para definir alguns critérios que já estão
sendo colocados em prática. Ficou acertado
que os réus do processo serão ouvidos antes
mesmo da concessão ou não de liminar. O representante do Estado poderá ainda sugerir
um fornecedor que cobre menos pelo produto, ou simplesmente informar que aquele medicamento está disponível na rede pública.
Para que o processo seja analisado de for-
ma rápida e sem comprometer o atendimento
ao paciente, ficou acertado também que, nos
casos urgentes, as informações poderão ser
repassadas por e-mails cadastrados e que serão usados apenas para esta finalidade. Esta
medida vai permitir que o juiz decida em poucas horas se o paciente terá ou não a solicitação atendida. Hoje, a espera dura, no mínimo,
dois dias. A comunicação eletrônica também
será adotada internamente pelos procuradores como forma de agilizar o envio das informações ao juiz responsável pelo processo.
Outra promessa feita pelos procuradores
da União, do Estado e do Município foi que
eles iriam conversar com as Defensorias Públicas para que, antes de propor ações, os pedidos sejam encaminhados ao Estado. A providência seria uma forma de evitar processos
judiciais desnecessários, como nos casos em
que os medicamentos prescritos estão disponíveis na rede pública.
O juiz aposta nas providências para evitar situações como a verificada recentemente no Rio Grande do Norte. “A parte pedia
um medicamento para câncer dizendo custar
R$ 200 mil, mas, depois de ouvir a União, fui
informado que o medicamento poderia ser
comprado pelo SUS por um quarto do valor”, explica Ivan Lira, que concedeu a liminar, mas assegurou a economia dos recursos
públicos. n
Orçamento para Assistência
Farmacêutica
Fonte: Ministério da Saúde
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Revista Via Legal
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DIREITO À SAÚDE
Fila da
VIDA
A espera por um novo órgão é longa em todo o país.
Na Paraíba, a realidade era tão grave que o assunto
foi parar nos tribunais
Juliano Domingues – João Pessoa (PB)
“E
u tinha trabalhado o dia inteiro na roça. À noite, senti algo estranho no
corpo. Quando percebi, comecei a ficar todo inchado, principalmente
nas pernas. Depois, praticamente parei de urinar”. O relato é do paraibano Adilson Gomes, de 49 anos. Depois do susto, ele procurou o médico
e recebeu um diagnóstico desanimador: insuficiência renal. No caso dele, a
cura estava dentro de casa. O agricultor recebeu um rim da irmã. Já outros
491 pacientes aguardam um novo órgão na fila do transplante. Os números
da Secretaria Estadual de Saúde revelam um quadro que, de tão grave, virou
caso de Justiça.
O estudante Asla Santos é um dos brasileiros que vivem a angústia da
espera. Ele está na fila há quatro anos, mas não desanima. “Mesmo que seja
frustrante, um pouco triste, a gente procura vencer a cada dia”. Em todo o
país, quem depende de um novo órgão precisa ter paciência. O ritmo das
cirurgias quase sempre é bem mais lento que o da demanda. Na Paraíba, no
entanto, a situação tem sido ainda pior. Segundo o Ministério Público Federal,
o Estado deveria realizar, pelo menos, 50 cirurgias renais por ano, mas em
média, apenas cinco pessoas estão sendo beneficiadas. Outro problema é
que praticamente todos os procedimentos são feitos a partir de doadores
vivos. Em 2008, só dois órgãos foram retirados de cadáveres.
A insuficiência renal é uma doença silenciosa que atinge pouco mais de
70 mil brasileiros, segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia. O número
aumenta, em média, 10% ao ano. Ela se manifesta quando o órgão deixa de
fazer a sua função. “Parte da nossa alimentação se transforma em nutrientes
e parte se transforma em impurezas. Cabe ao rim depurar e colocar para fora
essas impurezas”, explica o médico nefrologista Washington Ciro.
Quando a doença atinge um quadro de insuficiência crônica estágio 5, o
paciente passa a depender das sessões de hemodiálise. O processo é cansativo
e doloroso. A pessoa fica sentada ao lado de máquinas que substituem o rim no
processo de filtragem do sangue. São três sessões por semana, cada uma com a
duração de quatro horas. A diálise é a única forma de manter viva a pessoa que
aguarda, na fila, por um transplante. Esse é o destino de quem não encontra na
família um doador compatível. Não são raros os casos de pessoas que esperam
há mais dez anos. Elas são obrigadas a travar uma batalha que nem sempre
vencem. Boa parte dos pacientes morre na fila antes de receber um novo órgão.
“...Quem está aguardando
por um novo rim
não pode perder
a vontade de viver
e de voltar a ter
uma vida normal...”
Adilson Gomes - Agricultor
Nessa corrida diária pela sobrevivência, a legislação tem sido uma importante aliada dos pacientes renais brasileiros. A Constituição garante, em seu artigo
196, acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. Foi por entender que este
princípio não estava sendo cumprido na Paraíba que o
procurador da República Duciran Farena denunciou o
Estado. A prova do descumprimento, segundo o procurador, era o número reduzido de transplantes. “A
maioria dos transplantes era intervivos, ou seja, quando a pessoa tem um doador. O transplante com doador
cadáver praticamente não era realizado”, argumenta.
Na ação, o procurador pediu a regularização do
serviço, principalmente nos casos de doador cadáver.
Quem analisou o processo foi o juiz federal Bianor
Arruda, que determinou, entre outras providências, a
inscrição dos 30 primeiros pacientes da fila de transplante na lista da Central Nacional de Regulação de Alta
Complexidade (CNRAC). Com isso, quem precisava de
um rim com mais urgência teve oportunidade de ser
operado em outros estados. A decisão assegurou ainda
que as despesas do procedimento, nesses casos, fossem pagas pelo governo. “Nós estamos, comprovadamente, vivendo num estado de crise, em que é preciso
intervenção de um poder coercitivo para fazer com
que um outro poder preste serviços que deveria fazer
espontaneamente”, justificou o magistrado.
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DIREITO À SAÚDE
O outro lado
Os responsáveis pela Central de
Transplantes da Paraíba admitem
que o número de transplantes no
Estado é muito inferior à demanda.
A diretora Gyanna Montenegro explica que o principal problema não é
a falta de doadores, já que, segundo
ela, quase 70% das famílias que perdem um parente concordam com a
doação. O que realmente interfere
no ritmo da fila é a carência de profissionais capacitados para diagnosticar morte cerebral. Os médicos do
estado não estariam suficientemente treinados para identificar uma
vítima com morte encefálica com a
agilidade necessária para garantir a
captação dos órgãos que podem ser
transplantados.
Gyanna Montenegro garante
que a Secretaria Estadual de Saúde
está se mobilizando para resolver
o problema. A providência mais recente foi o treinamento de médicos
para atender à determinação da Justiça. A intenção é criar uma equipe
itinerante, preparada para identificar de forma eficiente possíveis
doadores. “Se o potencial doador se
encontra numa Unidade de Terapia
Intensiva (UTI) que não tenha condição de dar o diagnóstico de morte
encefálica, essa equipe vai poder ser
acionada”, explica.
A expectativa é
que a medida resulte
no aumento do número
de transplante com doador
cadáver, o que deve reduzir a
espera de pacientes como a estudante Shirley Ferreira, de 26 anos.
Depois de quatro anos de sessões de
hemodiálise, ela recebeu a notícia que
mudaria sua vida. “Eu fiquei muito emocionada quando soube que havia um rim
compatível comigo”. Ela recebeu o órgão de
um garoto de 16 anos, vítima de um aneurisma cerebral.
Já recuperada da cirurgia e dos anos de tratamento, Shirley faz planos: está noiva e estudando para o vestibular. “Às vezes eu ficava bastante
triste, perdia a esperança. Isso acontece. Mas eu
não quero que isso aconteça com ninguém. Tem
que ter esperança e fé que vai chegar o dia, com certeza”, ensina.
É justamente o que Asla Santos espera. Como
Shirley, ele não perdeu a esperança. “Eu procuro
agradecer a Deus cada dia. Eu tenho um futuro pela
frente”, diz. Quem já passou por essa situação compartilha forças e se solidariza com outros doentes renais
crônicos. É o caso do agricultor Adilson Gomes. “Eu
tive a sorte de ter uma doadora em casa. Quem está
aguardando por um novo rim não pode perder a vontade de viver e de voltar a ter uma vida normal, como
eu tenho hoje”, encerra. n
Fotos: Débora Alves/TRF5
Os doentes renais crônicos
dependem das máquinas que
substituem o rim. O procedimento,
chamado diálise, mantém vivo
quem aguarda na fila
28
Revista Via Legal
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Faça como ela
Foto: Arquivo pessoal
Saúde a qualquer
PREÇO
Luciana recebeu o diagnóstico e não pensou duas
vezes. Vendeu tudo o que tinha para manter a
filha viva. Portadora de uma alergia rara, a menina
depende de um leite especial e caro para sobreviver.
Nos tribunais, a mãe de Vitória conseguiu o direito
de continuar a ter esperança
Viviane Rosa – Rio de Janeiro (RJ)
H
á quatro anos, a produtora artística
Luciana Lago era casada e vivia em
um bairro nobre do Rio de Janeiro.
Ela se separou ainda grávida e foi obrigada
a mudar para uma quitinete de 20 metros
quadrados. Motivo: era preciso economizar
cada centavo para salvar a vida da filha, que
nasceu com uma alergia alimentar grave e
depende de um leite especial, o único capaz
de garantir a sobrevivência da menina, hoje
com quatro anos. Cada lata do leite custa R$
512. Nos primeiros meses, Vitória consumia
uma lata por dia. Hoje, são três por semana.
Sem dinheiro para bancar o tratamento, Luciana se viu obrigada a brigar nos tribunais
pela saúde da filha.
Luciana lembra que o primeiro sinal de
que havia algo errado com Vitória surgiu
quando ela tinha apenas quatro dias. Ela
teve de ser internada às pressas e os exames comprovaram que a diarréia, o vômito
e as manchas pelo corpo eram resultados
da intolerância à lactose. “O leite materno
provocou essas reações”, recorda Luciana. A
menina foi submetida a mais de uma dezena
de testes que revelaram a gravidade da alergia. Soja, trigo, ovos e praticamente todos os
leites industrializados fazem mal a Vitória.
A solução indicada pelos médicos foi
o Neocate, um leite importado consumido
por crianças com intolerâncias alimentares
graves. Uma alternativa que literalmente
acabou com o patrimônio de Luciana. “Até
fome eu passei. Eu tive que me desfazer de
imóvel, gado, investimento, joia de família.
Eu vendi tudo, mas não supria porque era
muito pouco perto do valor do leite”, diz Luciana, lembrando que era preciso desembolsar mais de R$ 7 mil por mês só para comprar
o leite especial.
Sem o Neocate, Vitória perde imunidade
e uma simples gripe pode se transformar em
infecção generalizada. A mãe recorda um episódio em que a menina comeu, na escola, a
metade de uma barra de chocolate. “À noite,
chegou em casa com 41 graus de febre e foi
parar numa emergência”, explica. “Eu fico
com dor de cabeça, com febre, dor na barriga”, descreve Vitória. Depois do episódio, os
médicos diagnosticaram um princípio de bulimia. “Ela fazia refluxo porque desenvolveu um
medo de se alimentar”, explica a mãe.
A necessidade de um controle rigoroso
da alimentação impôs a Luciana mais uma
despesa. Ela foi obrigada a tirar a filha da escola pública. A direção alegou que não tinha
estrutura para fiscalizar o que a menina comia.
Como o pai não paga pensão, a mãe arca sozinha com plano de saúde, remédios - são 13
tipos diferentes -, alimentação especial e ainda
escola particular. “Eu não tenho emprego fixo.
Imagina, eu ter que pagar tudo isso e mais o
leite que custa uma fortuna”, enfatiza Luciana,
que travou uma batalha contra a Secretaria de
Saúde do Rio para que o governo fornecesse o
leite à filha. “Até xingada por uma funcionária
eu fui”, revela. O alívio só veio com a decisão
judicial que determinou que a menina receba
36 latas do Neocate a cada três meses.
Em 2006, a produtora fundou a Organização Não-Governamental Anjos da Alergia Alimentar para orientar pais que também lutam
pela cura dos filhos. A expectativa dela e
de outras pessoas que enfrentam problema semelhante é que, aos poucos, o leite
especial possa ser substituído por outros
alimentos. “Eu tenho fé que a minha filha
vai se curar, e não quero ver outras mães
sofrerem o que eu sofri e nem outras
crianças. Eu acho que criança não nasceu
para sofrer, tem que ser feliz”, resume
Luciana, que só quer uma vida normal
para a filha. n
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CONSUMIDOR
Questão de saúde
Justiça determina que plano de saúde ofereça o tratamento
de drenagem linfática a todos os clientes do país. Decisão do
TRF é uma vitória para pacientes e profissionais
Erica Resende, Carolina Villacreces, Julianna Santos – São Paulo (SP)
V
aidade sim. Mas, antes de tudo, saúde. Cresce a cada dia o número de pessoas que se submetem à drenagem linfática, terapia
que estimula a eliminação de líquidos do corpo. A maior procura ainda é de mulheres que querem acabar com a celulite, combater
estrias e se livrar da gordura indesejada. Mas já é expressivo o volume de
pessoas que recorrem ao procedimento para tratar doenças como sinusite,
artrite reumatóide, esclerodermia, acne e outras doenças de pele. A técnica serve ainda para desbloquear o sistema linfático que, uma vez bloqueado,
pode provocar edemas nas células. O problema é que boa parte dos planos de
saúde encara o procedimento apenas como uma opção estética e, com este
argumento, se recusa a cobrir os custos. Nesses casos, a orientação é acionar
os tribunais.
Foi o que fez a servidora pública Sandra Menezes, que teve um edema
no pé, consequência de um distúrbio no sistema linfático. O acúmulo de líquido foi tanto, que comprometeu a rotina da funcionária. “Eu não consigo
ficar muito tempo em pé, nem sentada com as pernas para baixo. Quando
vou trabalhar, tenho que voltar rápido. Não tenho uma vida normal, é
uma rotina cheia de restrições”, desabafa. O médico recomendou, além
de remédios, sessões de drenagem linfática e fisioterapia.
Sandra não é a única a sofrer as consequências do acúmulo de
líquido no corpo. “As mulheres, de uma forma geral, têm mais retenção por causa dos hormônios, principalmente o estrógeno.
Na fase pré-menstrual, na gravidez e na menopausa, então,
elas acumulam mais líquido”, explica a fisioterapeuta Yeda
Bellia. Ela lembra ainda que a drenagem não só reduz o inchaço, como também ajuda a diminuir as dores do paciente.
“Dentro desse tratamento de drenagem linfática manual, o
fisioterapeuta ensina exercícios específicos, orienta como
usar a meia elástica e a luva e também corrige a postura”,
complementa.
Ao buscar o atendimento indicado pelo médico,
Sandra Menezes foi informada de que o plano de
saúde não cobria o tratamento. “Eu solicitei o pagamento e eles me disseram que isso era só para
fins estéticos. A minha necessidade era urgente,
porque o problema dói demais no meu corpo”, relata. Preocupada, ela resolveu acionar
a Justiça Federal. A decisão determinou que
a empresa Amil atenda não apenas Sandra,
mas a todos os pacientes que tiverem
indicações médicas para se submeter
à drenagem linfática. A empresa condenada preferiu não se manifestar
sobre o processo.
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Revista Via Legal
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Alto custo
Por lei, todos os procedimentos para fins
terapêuticos deveriam ser cobertos pelos planos de saúde. A norma já está em vigor há dez
anos, mas casos como o de Sandra ainda são
comuns. Cabe à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) fiscalizar as operadoras. Apenas em 2008, a agência recebeu 327 mil denúncias ou reclamações de descumprimento da lei.
Segundo a diretora da ANS Martha Oliveira, a
operadora denunciada já havia sido notificada
por causa de uma recusa semelhante. “É importante que se traga à tona a discussão de que
essa cobertura tem que ser obrigatória e deve
ser cumprida”, afirma.
Já os planos de saúde alegam cumprir o
que está no contrato, embora reclamem do
alto custo para bancar o atendimento integral.
“Em geral, cada contrato possui diferentes coberturas de serviços médicos. Cabe ao cliente
escolher um plano que atenda às suas necessidades, como, por exemplo, cobertura para
procedimentos estéticos. O problema é que
o custo é muito alto”, argumenta o presidente
da Associação Brasileira de Medicina de Grupo
(Abramge), Arlindo de Almeida.
Para o presidente do Conselho Regional de
Fisioterapia, Lúcio Almeida, a decisão judicial
traz benefícios, inclusive para as operadoras,
que podem evitar gastos futuros. “A Amil vai
ganhar muito porque as seguradoras têm percebido que, às vezes, ao negar um atendimento
de drenagem linfática, o estado do paciente
pode se agravar. E mais tarde, o caso pode até
virar uma trombose, ou ainda chegar ao extremo em que uma perna precisa ser amputada, e
isso pode trazer um custo muito maior”, alerta.
Agora, Sandra diz que está aliviada. “É como
se alguém estivesse me abraçando e me dizendo:
- Você não está sozinha. Eu vejo como uma vitória dos portadores de linfedema, porque a doença não é apenas um inchaço como a Amil tentou
justificar. É um problema sério”, desabafa. n
AMBIENTAL
A
o contrário do que muita gente imagina, é, sim, possível conciliar a preservação ambiental com a realização
de atividades que, à primeira vista, parecem
agressivas à natureza. Uma prova é o que vem
acontecendo nos últimos 18 anos no Arquipélago de Alcatrazes, a 33 quilômetros do litoral
paulista. A região, considerada um paraíso
ecológico, abriga inúmeras espécies de aves,
principalmente os atobás, além de ser ponto
para o acasalamento de baleias e golfinhos.
Os animais dividem espaço com militares da
Marinha, que usam a ilha para o treinamento
de tiros. Essa convivência foi assegurada em
1991 por uma decisão judicial. Na época, um
grupo de ambientalistas defendia a desativação da base militar como forma de garantir o
equilíbrio da ilha.
O assunto foi tema de uma ação civil
pública proposta pelo Movimento de Preservação de São Sebastião e pela Associação de
Defesa da Juréia contra a Marinha e a União.
A principal alegação das entidades era que
disparos periódicos sobre as ilhas poderiam
causar danos à fauna, afugentar os animais,
destruir ninhos e causar revoadas. Outro argumento era que os treinos ofereciam riscos aos
bancos genéticos da região, além de provocar
a desfiguração do arquipélago, com esfacelamento de rochas, formação de crateras, perfurações e desaparecimento da vegetação.
Do outro lado, a Marinha
ressaltava a conveniência técnica do local: os
tiros são disparados
contra um paredão onde pra-
ticamente não existe vegetação e, por isso,
o treinamento quase não causaria danos ao
meio ambiente. Além disso, a Marinha argumentou que apoia a realização de estudos no
local e também permite a visita constante de
cientistas e ambientalistas às ilhas.
A sentença da 1ª Vara Federal de São
José dos Campos (SP), que foi favorável à
permanência da Marinha e autorizou a manutenção dos treinamentos de tiro no arquipélago, foi confirmada inclusive no Superior Tribunal de Justiça. A decisão de 1º
grau considerou o resultado de perícias realizadas na área, além de pareceres técnicos
de funcionários do Ibama e da Companhia
de Tecnologia de Saneamento Ambiental de
São Paulo.
Hoje, 18 anos depois, os números provam que a decisão estava correta. O total de
aves no arquipélago aumentou, a vegetação
se regenerou e a presença da Marinha inibiu
a exploração clandestina e predatória na região. O exemplo de Alcatrazes foi apresentado
pelo juiz federal Raphael José Silva durante o
2º Congresso de Direito Ambiental do TRF3
e serviu de base para as discussões sobre os
cuidados que um juiz deve ter ao analisar um
processo envolvendo a natureza.
Interesses variados
Durante o congresso, o especialista em
Direito Ambiental Celso Antônio Pacheco
Fiorillo destacou que qualquer processo ambiental precisa ser fundamentalmente democrático, garantindo os direitos tanto de quem
propõe uma ação para defender os bens ambientais, quanto de quem está usando esses
recursos. Ainda segundo o professor, essa
reflexão deve feita sobre o ponto de vista de
dois princípios fundamentais: a economia e
as necessidades do ser humano.
A desembargadora federal Vera Jucovski também ressaltou o fato de o assunto
envolver vários aspectos. “É importante o
debate, não apenas do ponto de vista acadêmico, mas também a discussão prática
sobre como o Judiciário tem decidido problemas que afetam o ser humano e a vida
em todas as suas formas, tanto do ponto de
vista da proteção jurídica, quanto da proteção que a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional conferem a esses
problemas”, explicou.
O Direito Ambiental é um dos mais modernos e tem como desafio regular a relação
do homem com os meios de produção retirados da natureza. O objetivo é garantir o equilíbrio dessa relação e assegurar o desenvolvimento sustentável. Para a desembargadora
Federal Marli Ferreira, cada vez mais o Direito
Ambiental está se expandindo para outros setores e outras atividades ligadas ao Direito, à
ética, à economia e à própria engenharia.
“É uma área multidisciplinar que merece
de todos nós uma reflexão séria, madura
e principalmente engajada com a geração
presente e as futuras”, conclui. n
Foto: Edgard Catão/TRF3
A Constituição de 1988 definiu como essencial o direito a
um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Manter essa
harmonia é uma responsabilidade que deve ser compartilhada
entre a sociedade civil e o Estado
Raphael José Silva, juiz federal
Ana Cristina Eiras e Ana Carolina Minorello – São Paulo (SP)
Convivência
possível
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DIREITO À MORADIA
O
s números não são precisos, mas
a estimativa é que, em todo o
país, milhares de pessoas morem em áreas de risco. Gente que passou
a enxergar o período de chuvas como
uma ameaça. Um número expressivo
desses brasileiros vive em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro. Os deslizamentos de terra são tão constantes e
já fizeram tantas vítimas na cidade que o
assunto foi parar nos tribunais. Uma decisão recente determinou que o poder público retire todas as famílias que ocupam
imóveis com risco de desabar.
É o caso dos moradores da Vila São
Jorge que, há pouco mais de um ano, viveram um verdadeiro dia de terror. Chovia sem parar na cidade. Por volta das 22
horas, uma avalanche de lama e árvores
destruiu sete casas. Oito pessoas foram
soterradas. A morte de uma mulher e de
uma criança reforçou a necessidade de
providências imediatas.
A dona de casa Maria do Socorro, vizinha das vítimas do acidente na Vila São
Jorge, acompanhou o drama das famílias
e lembra o dia em que não morreu por
pouco. A casa dela foi destruída por um
barraco que desmoronou de um morro.
Maria do Socorro e a filha de dois anos
foram soterradas. “Eu já estava morrendo
quando me tiraram. A sensação é horrível, de morte mesmo”, conta a dona de
casa, que nunca superou as tragédias e
hoje tem pavor de chuva. “Quando chove, eu tomo calmante pra não ouvir o barulho da trovoada”, revela.
Como milhões de brasileiros, Maria
do Socorro vive em área de risco. E o
problema é antigo. Em 1988, depois de
uma semana inteira de temporais, foram
registrados mais de 500 deslizamentos de
encostas em Petrópolis. Muitas casas desabaram soterrando famílias inteiras. Na
época, 170 pessoas perderam a vida, cerca de 600 ficaram feridas e 4 mil, desabrigadas. Em 2001, outros acidentes graves
tiraram a vida de 54 pessoas.
Os deslizamentos continuam devastando a cidade. Este ano, um morro cedeu no bairro de Quitandinha e atingiu
três casas. Doze pessoas se feriram. Mãe
e filha morreram nos escombros, entre
os quais era possível ver telhados destruídos, paredes pela metade e móveis que
se partiram em pedaços com a violência
da terra.
Para o assessor de Meio Ambiente
do CREA, o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura, Adacto Ottoni,
que acompanhou a equipe da Revista
Via Legal às áreas atingidas, uma construção irregular no topo do morro
deve ter feito a terra ceder e provocar
o acidente. “Está impermeabilizado lá
em cima, o escoamento aumenta. Possivelmente na hora do acidente esse
costão virou uma cascata”, explica.
Como em Quitandinha, boa parte da
população de Petrópolis ergueu suas
casas sobre pedras rochosas cobertas
por finas camadas de terra. Quando
chove forte é quase impossível evitar
o pior.
Riscos ao meio ambiente
Há seis anos o Ministério Público
cobra providências da prefeitura, mas,
como nenhuma medida saiu do papel,
a saída foi entrar com uma ação judicial.
Segundo a procuradora Vanessa Seguezzi, como a maioria das invasões está em
área de proteção permanente, além dos
riscos à população, ainda agride o meio
ambiente. “As pessoas que estiverem em
áreas de risco precisam ser removidas
e realocadas. Depois, tem que haver a
recomposição do dano ali gerado com
reflorestamento”, ressalta a procuradora.
A Justiça Federal determinou que a
prefeitura cumpra a decisão em até cinco
meses. Entretanto, o secretário de Meio
Ambiente, Luís Eduardo Peixoto, pediu a
prorrogação do prazo. A alegação é que
não há mais espaço disponível em Petrópolis para a construção de novos bairros
residenciais. E mesmo que houvesse, para
o secretário, este não é o momento ideal
para colocar em prática projeto tão complexo. “Nós pegamos uma cidade com mais de
R$ 200 milhões em dívidas. Não podemos
prometer o que não podemos cumprir”,
afirma.
Os argumentos não convencem a
procuradora. Segundo Vanessa Seguezzi,
a Prefeitura tem terrenos de sobra em quatro distritos de Petrópolis, onde podem ser
construídas casas populares. “A falta de verba
também não é justificativa válida. Foram seis
anos de prazo para o município se estruturar, incluir no orçamento, pleitear as verbas
necessárias e apresentar o projeto”, ressalta.
Basta uma chuva mais forte para centenas de casas irem abaixo em
Petrópolis. A situação é tão grave que a Justiça obrigou a Prefeitura a
encontrar um lugar seguro para quem já foi ou corre o risco de ser vítima
dos deslizamentos de terra
Chuva e
pânico
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Revista Via Legal
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Viviane Rosa – Petrópolis (RJ)
DIREITO À MORADIA
Hoje, 400 famílias desabrigadas em
outras tragédias recebem todo mês o
aluguel social da prefeitura. A ajuda de
custo de R$ 350 é paga a pessoas como
os vizinhos do servente Sebastião Ramos,
que perderam tudo. “Aqui tinha uma casa
completa, morava uma família inteira. A
terra veio lá de cima e levou tudo, não
sobrou nada”, conta.
Mas nem todos conseguem o benefício. A cozinheira Lígia Helena da Silva
também já teve a casa destruída depois
de um deslizamento de terra e até hoje
luta pela ajuda do município. “Eu fui à Secretaria de Habitação e eles falaram que,
só aqui, mais de 300 pessoas estavam
esperando o aluguel social e o muro de
contenção”, afirma.
No bairro Quarteirão Brasileiro, o
perigo está por toda parte. Em um dos
acessos à comunidade, é possível avistar
uma casa no topo de um morro. A inclinação do terreno é de quase 90 graus e
boa parte da terra que sustenta o barraco
já cedeu. “A família que vive aqui deve ser
retirada para evitar riscos”, afirma o assessor de Meio Ambiente, Adacto Ottoni.
Na rua ao lado, rachaduras no asfalto
são indícios de que o peso das casas está
fazendo o solo ceder. “Se não forem corrigidos esses fatores, com a chuva pode
haver um deslizamento de toda essa
massa de uma hora para a outra”, alerta
Ottoni.
Para evitar novas tragédias é preciso
impedir outras invasões e desocupar as
áreas de risco. Quem depende da ajuda do governo só espera que a solução
não chegue tarde demais. “A gente fica
esperando a casa social, mas eles falam
que cai barreira em todo lugar e só vai
arquivando”, conta a cozinheira Lígia
Helena da Silva, que ergueu um novo
barraco no terreno onde quase morreu
soterrada. n
Fotos: Luiz Guilherme Fernandes/TRF2
Neste deslizamento de terra, mãe e filha morreram soterradas pelos
escombros. Outras doze pessoas se feriram
Segundo o CREA,
boa parte das casas em Petrópolis
foi erguida sobre pedras rochosas cobertas por finas camadas de terra,
o que, quando chove, favorece os deslizamentos
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Memória
Vida dedicada
à Justiça
Nesta edição, a Revista Via Legal traz um pouco da história do desembargador
Romário Rangel. Ele foi juiz estadual, federal, desembargador, advogado
e professor. Durante boa parte da vida, dedicou-se aos julgamentos e à
administração da Justiça. O homem que sonhava ser médico foi o primeiro
presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. A reportagem traz um
pouco da entrevista gravada para o projeto História Oral, do Conselho da
Justiça Federal. A conversa aconteceu na casa do desembargador, em Vila
Velha (ES), onde hoje ele se dedica principalmente à leitura, um dos grandes
prazeres cultivados desde a infância.
Dione Tiago – Brasília (DF)
Revista Via Legal: Alguma vez o senhor
se sentiu incomodado por ter a responsabilidade de julgar alguém?
Romário Rangel: Nenhuma função no
Poder Judiciário é agradável. Quem diz que
a função de julgar é agradável não conhece
o que é julgar, porque qualquer decisão tomada é terrível para quem sofre as consequências. Você condenar uma pessoa não é
brincadeira. Você está tirando a liberdade de
um indivíduo. Isso é brutal.
Revista Via Legal: Então, o que motivou
o senhor a ser juiz?
Romário Rangel: Quando eu entrei na
magistratura, foi compulsoriamente. Eu era
advogado numa cidade pequena de interior,
professor de colégio e lá o pessoal começou
a dizer para eu fazer concurso para juiz, mas
eu não queria. Chegaram ao ponto de me
inscrever. Se eu não fizesse o concurso, ficaria desmoralizado como advogado. Iam dizer
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Revista Via Legal
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que eu não fiz por medo de ser reprovado.
Durante uns cinco meses tive que estudar
mesmo para não ser reprovado. Fui nomeado juiz um dia depois de sair o resultado
do concurso.
Revista Via Legal: E como foi o início do
trabalho na nova função?
Romário Rangel: Na magistratura eu
perdi dinheiro. Eu ganhava mais como advogado e professor do que como magistrado.
Quando recebi meu primeiro salário como
juiz, disse à minha mulher que ía desistir,
pois o dinheiro não cobria nossas despesas.
Mas minha esposa me incentivou a continuar. Um ano depois eu já queria largar, pois
ser juiz estava me matando. O trabalho de
prender e soltar pessoas não era para mim,
mas como eu já havia perdido minha clientela como advogado, o jeito foi continuar.
Depois fui nomeado juiz federal e assumi
por causa dela também. Eu gosto é da advocacia, apesar do desgaste emocional ser
muito maior. Defender uma causa pessoal é
diferente.
Revista Via Legal: A decisão de ir para
o Tribunal Regional Federal também foi
difícil?
Romário Rangel: Eu cheguei ao Tribunal em 1989. Já tinha até tempo para me
aposentar. Não fui muito bem recebido no
Rio porque o pessoal já tinha uma estrutura montada e eu era um estranho para eles.
Um dia me aborreci e até disse para minha
mulher que voltaríamos a morar no Espírito Santo. No dia seguinte, anunciei eleição
para presidente. Como juiz mais antigo, naturalmente seria eu o presidente, mas decidi que só ficaria se fosse por meio de eleição
e não pelo critério de idade. Eu não queria
ser eleito, mas também não podia dizer que
não votassem em mim. Como não abri mão
da candidatura e acabei eleito, fiquei impedido de deixar o cargo e tive de construir o
Tribunal.
Memória
Revista Via Legal: Como foi estar à frente do desafio de instalar o Tribunal Regional
Federal no Rio de Janeiro?
Romário Rangel: Quando os tribunais
regionais federais começaram a ser instalados,
o Conselho da Justiça Federal nomeou comissões para escolher o local e o prédio onde eles
funcionariam. No Rio, a comissão escolheu
um prédio que estava em situação calamitosa.
Quando eu vi o prédio, fiquei desesperado.
Era horrível, a garagem estava cheia d’água,
era uma coisa imunda. Não podia haver mais
de três pessoas por metro quadrado porque
o prédio não tinha estrutura para aguentar. O
imóvel estava condenado, dois subsolos estavam inundados e também havia muito ratos,
paredes sujas e portas estragadas. Foram dois
anos de trabalho muito difícil para conseguir
instalar o Tribunal naquele lugar. Tivemos que
aumentar mais dois pavimentos no subsolo
para reforçar o alicerce do prédio, que estava
bastante danificado e não ia resistir a muitas
pessoas trabalhando ali. O prédio era pequeno, não comportava o Tribunal, mas eu não
tinha dinheiro e nem tempo para fazer outro
prédio. Pouquíssimas pessoas viram o estado
do prédio, porque os juízes só foram para os
gabinetes depois que eles já estavam prontos.
depois da internet, permitiram que o Judiciário brasileiro ficasse mais ágil?
Revista Via Legal: E qual deve ser a postura de quem assume a magistratura?
Romário Rangel: Todo mundo critica o
Poder Judiciário porque ele é lento, mas nós
que já fomos juízes sabemos que os o Códigos
de Processo Penal e Civil são o que, na verdade, possibilitam os recursos que prolongam
o andamento dos processos e provocam a
lentidão da Justiça. Além disso, o número de
processos distribuídos a cada juiz é uma coisa desumana. Há juízes com seis, sete, oito
mil processos. Como é que um ministro do
Superior Tribunal de Justiça, do Supremo ou
um desembargador federal pode relatar 10 mil
processos? Eu fico com pena de ver o povo
sem saber as causas que levam o Poder Judi-
Romário Rangel: Eu acho que um juiz
tem que ter compostura moral e pessoal na
Justiça e fora da Justiça. Querendo ou não,
a pessoa tem que ser exemplo, porque é um
ser excepcional. Julgar os outros é uma exceção. É um sacerdócio. Um ministro, por
exemplo, “está” ministro, o juiz não: ele é
juiz até morrer. O que não cabe é uma compostura de um homem desonesto, ou seja,
beber em um bar ou embriagar-se em casa,
usar drogas, ficar em botecos conversando
fiado, trair uma pessoa de bem. O magistrado tem que ter compostura integralmente, juiz é juiz 24 horas por dia, dormindo,
acordado, em casa, no trabalho e até no supermercado tem que ser juiz em toda a sua
integridade.
Foto: Arquivo TRF2
Revista Via Legal: O senhor se aposentou aos 68 anos, pouco depois de deixar a
presidência. O que motivou essa decisão?
Revista Via Legal: Desde o início houve
uma preocupação com a informatização do
Tribunal. Como isso pôde ser feito?
Romário Rangel: Em 1984, fui ao prédio da Vale do Rio Doce, no Espírito Santo.
O computador deles ocupava um subsolo inteiro, e o que me impressionou foi a rapidez
com que as informações eram passadas. Achei
fabuloso e fiquei imaginando aquela arma poderosa de informação no Poder Judiciário, a
revolução que causaria ter um banco de dados
de jurisprudências e de doutrinas. Eu já tinha
computador e comecei a fazer um banco de
dados de jurisprudência. Eu tinha em vista,
justamente, agilizar a prestação jurisdicional.
Os juízes que estavam aqui não acreditavam
nisso. Quando eu mostrei o que fazia com o
meu computador, alguns se interessaram e até
aderiram à ideia. Como eu já sabia do valor
da informática para o Direito, informatizei o
Tribunal. Também criei a biblioteca, instalei
os serviços médico e odontológico, uma sala
para os advogados, uma sala para os procuradores e uma cantina. Deixei minha imaginação rolar e fui fazendo tudo aquilo.
Revista Via Legal: O senhor acha que
esses avanços, primeiro do computador e
Romário Rangel,
primeiro presidente do TRF2
ciário a ser lento. É a sobrecarga de trabalho
e também as leis processuais que não estão
adequadas ao momento em que estamos
vivendo, em que cada cidadão já está tendo
consciência dos diretos que tem. Ele aciona
a Justiça e isso aumenta o volume de processos. O Supremo Tribunal Federal recebe um
volume imenso de recursos de todo o Brasil.
Então eu fico pesaroso de ver essa situação
sabendo que os homens que estão lá, os juízes vocacionados para aquilo, estão, primeiro,
mal remunerados, segundo, sobrecarregados
e, terceiro, desamparados. Porque é cada um
por si, juiz não pode contar com ajuda de ninguém. O juiz é um homem desamparado, a
decisão é dele e ele é um homem solitário. E,
nessa solidão, é preciso ter uma crença muito
profunda na existência de Deus e nos poderes
das leis. Esses são os únicos amparos.
Romário Rangel: Na verdade, quando
eu saí do Tribunal, eu queria era descansar, porque os dois anos de presidência me
exauriram. Quando deixei a magistratura, me
reinscrevi na Ordem dos Advogados e hoje eu
sou advogado de novo, tenho a carteirinha,
sou habilitado a advogar. Eu pretendia voltar a
fazer isso depois de descansar um pouco, mas
foi justo quando minha esposa teve problemas de saúde e meu projeto não foi possível.
Quando retornei para Vitória (ES), voltei a dar
aula e só me aposentei como professor compulsoriamente. Mas estava meio desiludido
com o ensino, que tinha caído muito de nível.
Os alunos se empenhavam muito menos do
que no princípio da minha carreira.
Revista Via Legal: De certa forma, a
aposentadoria significou uma liberdade
para o senhor? Foi a chance de se livrar de
um peso e se dedicar ao que sempre quis?
Romário Rangel: Eu sempre levei a
Justiça muito a sério. Uma coisa que eu fiz
com seriedade foi ser juiz. Não abdiquei de
nenhum dos meus direitos e de nenhuma
das minhas prerrogativas. Como eu nunca
fui pessoa de ser influenciada por nada, não
tinha medo de ser juiz e sempre enfrentei as
ameaças. Hoje eu tenho tempo para ler literatura, de que eu gosto tanto. Meus vícios
são o cigarro, o café e a leitura. Em minha
cabeceira há sempre três ou quatro livros
que estão sendo lidos. n
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PRESERVAÇÃO
A
s primeiras missões religiosas que chegaram ao Brasil, ainda no século XVI, carregavam mais do que planos de evangelização. Com franciscanos, jesuítas e beneditinos
vieram carpinteiros, pintores e entalhadores.
A arte europeia desembarcava nos trópicos,
marcando o início de uma história de riqueza,
mas também de problemas. Ao longo do tempo, parte do acervo artístico brasileiro foi se
perdendo devido à falta de fiscalização na compra e venda das obras. Nem mesmo a edição
de uma lei há mais de 70 anos deteve o desvio
do patrimônio. Foi necessária a interferência da
Justiça Federal para que o controle da comercialização dessas antiguidades saísse do papel.
O professor de História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Fernando Guerra, explica que o patrimônio artístico nacional
- um acervo de valor inquestionável que precisa
ser preservado - começou a ser montado ainda
na época da colonização, com a chegada dos
missionários. “Eles não só trouxeram obras de
arte, como confeccionaram as primeiras em
terras brasileiras. Primeiro, em barro cozido.
Depois, em madeira”, recorda.
Não demorou para que a arte dos religiosos encontrasse adeptos em solo brasileiro. O
resultado foi o acúmulo de um volume expressivo de obras com valor histórico e artístico
reconhecido tanto no mercado interno quanto
no externo. Peças produzidas naquela época e
também em tempos mais recentes viraram raridades. De acordo com o banco de dados do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan), mais de 1,5 mil bens culturais
estão desaparecidos.
Muitos deles caíram nas mãos de criminosos, ladrões de antiguidades que alimentam um
comércio lucrativo e clandestino. Um problema
confirmado pelo colecionador Carlos Benevides.
Ele mora em Recife e há 45 anos negocia obras
de arte. “A gente tem que ter muito cuidado com
a procedência das peças. Isso é importantíssimo,
porque tem muita coisa roubada”, afirma.
Só no papel
Na tentativa de impedir que os prejuízos
ficassem ainda maiores, o Iphan criou um cadastro nacional das peças. A intenção: catalogar
antiguidades, como manuscritos, livros raros
e obras de arte. “As peças são listadas e fotografadas. Essas informações são entregues ao
Iphan para que se regularize o registro. De seis
em seis meses a listagem é renovada”, explica
o superintendente do Iphan em Pernambuco,
Frederico Almeida.
A criação do cadastro é recente, embora
seja de 1937 a previsão legal para a existência
de um sistema de controle desses objetos. A
exigência está no Decreto-lei nº 25/37 que, no
artigo 26, já previa que os negociantes de obras
de arte de qualquer natureza estavam obrigados a se submeter a um registro especial no
Iphan. Como a determinação não vinha sendo
cumprida, os ministérios públicos Federal e
Estadual de Minas Gerais entraram com uma
Decisão da Justiça Federal tira do papel o Cadastro Especial de
Negociantes de Obras de Arte, Antiguidades, Livros Antigos ou Raros
e Manuscritos. O objetivo é inibir o comércio ilegal que ameaça o
patrimônio e a história do país
Juliano Domingues – Recife (PE)
Controlar para
preservar
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Revista Via Legal
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PRESERVAÇÃO
em consignação, leilão, agenciamento, comércio
eletrônico ou outras formas de comercialização
estão obrigadas a se cadastrar.
A esperança é que a exigência complique a
vida dos traficantes de antiguidade. O colecionador Carlos Benevides conta que já foi vítima.
“Um sujeito levou algumas peças minhas. Ele
foi indicado por outra pessoa e, de repente,
desapareceu. E eu não vi mais as peças, nem o
dinheiro”, recorda o comerciante. Se as peças
estivessem catalogadas e registradas no banco
de dados do Iphan, possivelmente os ladrões
teriam dificuldades para repassá-las.
O comércio ilegal de antiguidades, livros
raros, manuscritos e obras de arte é crime.
Quem insiste na prática pode pegar de um a
seis meses de cadeia e ainda ser multado. Mas,
combater esse tipo de atividade vai além: significa, antes de tudo, preservar a memória,
proteger o patrimônio e a história do
país. n
Fotos: Débora Alves/TRF5
ação na Justiça Federal. O pedido era para que
o Instituto colocasse em prática o mecanismo
que permite rastrear as obras de arte. A estimativa do Ministério Público era que 60% do patrimônio cultural mineiro haviam sido retirados
de forma clandestina. São esculturas, quadros
e imagens que estavam em poder de colecionadores e comerciantes do Rio de Janeiro, São
Paulo e até do exterior.
“Todo esse patrimônio, esse acervo imenso da nação brasileira há de ser preservado e
fiscalizado por meio de um órgão próprio que
é o Iphan, até para evitar pirataria e medidas
predatórias ao patrimônio cultural da nação”,
afirma o desembargador federal Antônio Souza
Prudente, que analisou o processo no Tribunal
Regional Federal da 1ª Região.
Por determinação da Justiça Federal, a lei saiu do papel. O Cadastro Especial de Negociantes de
Obras de Arte, Antiguidades,
Livros Antigos ou Raros e Manuscritos segue instrução normativa do Iphan, segundo a
qual as pessoas físicas ou
jurídicas que trabalhem
com a venda direta
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Preservação
Fotos: Elianez Barros
Patrimônio
AMEAÇADO
Restauração da
Casa Bandeirista
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U
m dos endereços mais valorizados da capital
paulista também guarda uma parte importante da história do país. Quem passa pela
Avenida Faria Lima é surpreendido pela existência de uma casa bandeirista. O monumento, que
ocupa uma área de 22 mil metros quadrados, divide espaço com prédios comerciais, shoppings e
restaurantes conhecidos. A preservação do espaço,
uma luta antiga de historiadores e arqueólogos, ganhou força em 2008 quando o terreno foi vendido
a empreendedores que pretendiam construir no
local um shopping e duas torres de escritórios. Na
época, escavações comprovaram a existência de peças antigas no terreno, fato que levou o caso aos tribunais. Por ordem da Justiça Federal, as obras foram
suspensas como forma de garantir a preservação do
patrimônio.
A escritora Guiomar Schilaro está entre as pessoas que conheceram de perto a casa bandeirista.
Aos 92 anos, ela é uma das moradoras mais antigas do bairro, e ainda se lembra do tempo em que
o prédio era a sede de um sanatório. “Era lindo
o lugar, mas nem todas as pessoas tinham acesso
porque lá funcionava um abrigo de doentes”, conta. Com o tempo, as casas foram substituídas por
prédios que intrigam a escritora. “Eu falo pra minha
filha: onde será que cabe tanta gente?”, questiona
Guimar, impressionada com a arquitetura vertical
dos edifícios.
Preservação
Moradores lutam para preservar um
sítio arqueológico na cidade de São Paulo
Érica Resende e Juliana Santos – São Paulo (SP)
Detalhe das
janelas
Helcias de Pádua, historiador e presidente da
Associação Memórias do Itaim: “A casa é um
ícone das nossas memórias”
Dona Guiomar faz coro com os que defendem a preservação da
casa, construída em meados do século XVIII. O imóvel foi erguido
em taipa de pilão, uma técnica antiga que usa barro e madeira. Até
um grupo foi criado para evitar a destruição do imóvel, é a Associação Memórias do Itaim. O presidente é o historiador Helcias de Pádua, que destaca o fato do prédio fazer parte da formação da cidade
de São Paulo. “Os jesuítas colocaram ali um aldeamento e, com o
passar do tempo, esse aldeamento foi crescendo, serviu de abrigo
para os escravos e de parada para os aventureiros e bandeirantes.
Para nós, a casa é um ícone das nossas memórias”, explica.
A descoberta que o terreno onde está a casa bandeirista guardava preciosidades históricas aconteceu durante uma vistoria feita
por arqueólogos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan). “Encontramos muita cerâmica colonial feita na técnica indígena, outras com decoração africana, além de muita louça
inglesa”, explica a arqueóloga Lúcia Juliani. O problema é que, segundo Lúcia, as escavações foram realizadas quando as obras para a
construção dos prédios já haviam sido iniciadas. “Se tivesse ocorrido
uma pesquisa arqueológica antes do início da obra, com certeza teríamos recuperado informações de valor inestimável sobre a história
da fazenda”, lamenta.
Assim que os primeiros objetos foram localizados, o Iphan pediu à construtora que suspendesse as obras até a realização de um
estudo completo no local. Como a construtora insistiu em continuar
as escavações, o caso foi levado ao Ministério Público Federal, que
propôs uma ação como forma de garantir a preservação do
patrimônio. “Essa é uma ação cautelar que visa proteger o que
restou do sítio arqueológico, e também pede para que se faça
uma prova do que já foi destruído”, explica a Procuradora da
República, Ana Cristina Lima. Por lei, os sítios arqueológicos são
patrimônio da União.
Ao analisar o pedido, a Justiça Federal determinou que as
obras só poderiam ser retomadas depois de um estudo minucioso coordenado por um arqueólogo. A esperança de especialistas
e moradores é que esse seja o primeiro passo para garantir a
preservação da riqueza cultural que ainda resta. A preocupação
se justifica: em todo o país, existem apenas 60 sítios arqueológicos tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. Um número pequeno que só reforça o alerta à necessidade de preservação. “Vamos lutar para levar essas memórias
para as gerações futuras”, resume a escritora Guiomar Schilaro.
Pelo menos uma vitória os moradores já conquistaram. Os
novos donos do terreno, que teriam desembolsado cerca de
R$ 500 milhões pelo imóvel, já assumiram o compromisso de
preservar a Casa Bandeirista que, inclusive, já foi tombada pelo
Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico de São Paulo (Condephat). A empresa também se comprometeu a cumprir a decisão da Justiça, assegurando a realização do estudo que deve determinar o tamanho e a
importância do sítio arqueológico existente na área. n
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| Revista Via Legal 39
Justiça Itinerante
Expedição
da cidadania
Fotos: AJUFE
Iniciativa do TRF3 e Ajufe julga 430 ações e ajuda a fornecer mais de 15
mil documentos na região de Porto Murtinho, no Mato Grosso do Sul
Ana Carolina Minorello – Porto Murtinho (MS)
A
história de Germana Gimenes Martines é, no mínimo, intrigante. Ela nasceu em uma fazenda do
Pantanal, na fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai, mas nunca conseguiu provar a nacionalidade brasileira. Completou 79 anos sem nenhum documento, por isso não teve acesso a direitos
civis como votar ou mesmo trabalhar com carteira assinada. A realidade desta dona de casa só começou a
mudar em março deste ano, quando a Expedição da Cidadania chegou a Porto Murtinho, uma cidade de
oito mil habitantes, localizada a 440 Km de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul.
Fruto de uma parceria entre o Tribunal Regional Federal da 3ª Região e outros órgãos, como a Associação
dos Juízes Federais (Ajufe) e a Marinha do Brasil, a Expedição tem como propósito permitir a quem vive em
regiões distantes dos centros urbanos o acesso a serviços públicos que garantem a cidadania. As sessões itinerantes dos juizados especiais federais são um exemplo do que é oferecido à população durante a caravana.
Aos 79 anos,
dona Germana conseguiu retirar
sua primeira certidão de nascimento
e ganhou o Benefício de Amparo Social
Foto: Arquivo TRF3
40
Revista Via Legal
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Justiça Itinerante
Projeto Expedição da Cidadania chega à aldeia indígena do Paraná
O sucesso da Expedição da Cidadania fez com que o projeto
também fosse implantado no Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Os primeiros beneficiados dessa iniciativa serão os indígenas da aldeia Tekoa Ocoy, localizada no município de São Miguel do Iguaçu,
a 50 Km de Foz do Iguaçu (PR). A iniciativa vai possibilitar às populações tradicionais, como indígenas e quilombolas de comunidades
afastadas, o acesso a um conjunto de atividades que proporcionam
o direito à cidadania, como a obtenção de documentos como RG,
CPF e carteira de trabalho, entre outros.
Os trabalhos serão iniciados entre os dias 18 e 20 de setembro,
com a equipe da “Expedição da Cidadania” visitando a aldeia indígena Tekoa Ocoy. Em outubro, o projeto estará presente nas aldeias
Tekoa Añetete e Tekoa Itamarã, ambas em Diamante do Oeste. Em
breve, a “Expedição da Cidadania” será realizada também em Santa
Catarina e no Rio Grande do Sul.
No caso de Porto Murtinho, o trabalho foi
dividido em duas etapas: na primeira, foram instauradas quase 400 ações judiciais. Além disso,
os moradores puderam tirar documentos como
certidões de nascimento, identidade e carteira
de trabalho. Para Dona Germana e a filha Fulgência, que tem deficiência, foi a oportunidade para solicitar os registros de nascimento. O
pedido foi feito à Justiça Estadual, que também
participou da Expedição. No mesmo dia, as duas
estiveram no Juizado Especial Federal, onde requereram o Benefício de Amparo Social, previsto na Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS),
e concedido a idosos e pessoas com deficiência
que possuam renda familiar inferior a ¼ de salário mínimo por pessoa.
A boa notícia veio alguns dias mais tarde, quando funcionários da Justiça Federal retornaram ao município para as audiências. Foi a juíza federal Raquel Corniglion quem mediou o
acordo que garantiu o benefício previdenciário a dona Germana. “No final da audiência, dona
Germana, com seu modo simples, olhou-me com os olhos marejados, sorriu e me agradeceu
com um forte abraço”, recorda a juíza. Pela decisão, tanto a mãe quanto a filha passarão a
receber um salário mínimo por mês.
Durante a Expedição da Cidadania, a caravana também percorreu o Rio Paraguai para
atender as populações ribeirinhas. Foram beneficiadas 224 pessoas em Porto da Manga; 392
em Porto Albuquerque; 139 em Porto Morrinho; 204 em Porto Esperança; 111 em Forte
Coimbra e 56 em Barranco Branco, totalizando 1.126 atendimentos e 50 ações ajuizadas.
“Quando se percorre o rio, o objetivo é mais permitir acessibilidade
às pessoas carentes do que atender em quantidade”,
afirma a juíza. n
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Institucional
Modernidade contra a morosidade
Economizar tempo, espaço, recursos naturais e financeiros. Muitas são as motivações para investir
na modernização do trâmite processual. Mas a maior delas é fazer a Justiça chegar mais rápido aos
cidadãos que buscam o Poder Judiciário
Adriana Dutra – Brasília (DF)
Fotos: Arquivo STJ
Era virtual
O STJ será o primeiro tribunal
do mundo a eliminar o papel
D
ois de janeiro de 2010 promete ser o
primeiro dia de um novo tempo para a
Justiça Federal brasileira. A partir desta
data, os processos instaurados tanto no primeiro quanto no segundo graus serão transformados em arquivo digital. Uma conquista que só
será possível a partir de um contrato firmado
entre o Conselho da Justiça Federal (CJF) e os
cinco tribunais regionais federais com a Caixa
Econômica Federal e o Banco do Brasil. O acordo, oficializado no dia 3 de setembro, permite
que os dois bancos financiem o projeto de virtualização da Justiça Federal.
Segundo o presidente do CJF e do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), ministro Cesar Asfor
Rocha, a participação das instituições bancárias
oficiais comprova que a melhoria da Justiça é
uma questão de política pública. Juntos, CEF e
Banco do Brasil vão disponibilizar R$ 154 milhões que serão investidos em informatização,
logística e digitalização dos processos. Para o
vice-presidente da CEF, Carlos Antonio de Brito, é dever das instituições oficiais participar
da viabilização de um programa que busca a
melhoria da prestação jurisdicional, ou seja, um
serviço de utilidade pública.
Para o ministro Francisco Falcão, corregedor-geral da Justiça Federal, a implantação do
sistema de digitalização é um grande avanço.
“A revolução da tecnologia acaba de chegar ao
Judiciário brasileiro”, afirmou. O presidente do
42
Revista Via Legal
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Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2),
desembargador Paulo Espírito Santo, foi mais
longe ao classificar a iniciativa como o maior
avanço do Judiciário nos últimos 200 anos. “É
um momento histórico para a Justiça brasileira”, ressaltou.
O presidente do Tribunal Regional Federal
da 4ª Região (TRF4), desembargador Vilson Darós, aproveitou para antecipar que já a partir do
mês de outubro todos os processos que ingressarem nas três varas da Justiça Federal da cidade
de Rio Grande (RS) serão eletrônicos. “E todo o
sistema foi desenvolvido por nossos servidores
a custo zero”, destacou.
O presidente da Associação dos Juízes Federais também elogiou a iniciativa. Fernando
Mattos classificou o projeto como fundamental
para o Judiciário e motivo de orgulho para a
entidade. “Propusemos a lei de informatização
do processo e a virtualização é um passo que
esperávamos há muitos anos”, lembrou. Ainda segundo Fernando Mattos a economia de
tempo será inevitável já que, em média, 70%
do tempo de tramitação de um processo são
gastos com atividades burocráticas, que serão
suprimidas neste novo modelo. “É um compromisso de agilização, de fortalecimento do Poder
Judiciário, de melhoria do acesso à Justiça, de
garantia da prestação jurisdicional em tempo
socialmente adequado, cumprindo-se a Emenda 45. A sociedade só tem a ganhar”.
Na mesma solenidade, 27 tribunais oficializaram a adesão ao programa “Justiça na era
Virtual”. Com o procedimento, os tribunais passam a ter ligação virtual com o STJ, o que torna
possível o envio eletrônico de recursos para
Brasília. A iniciativa elimina os processos físicos,
facilitando o acesso às informações processuais,
já que advogados e partes podem consultar as
peças do processo pela internet.
Em questão de minutos, os recursos são
recebidos, registrados, autuados, classificados e
distribuídos com segurança, economia e transparência. Em processo de papel, esse procedimento levava de cinco a oito meses.
A economia começou já na concepção do
projeto, garante o ministro Cesar Rocha: “O sistema de virtualização é criação da inteligência
dos servidores e técnicos do STJ, de forma que
não precisamos pagar nenhum licenciamento
para operá-lo”. E conclui: “Isso tudo vai fazer
com que o STJ se torne o primeiro tribunal nacional do mundo a eliminar o papel na tramitação de seus processos”, comemora.
As vantagens são tantas que em menos de
dois meses, os cinco tribunais regionais federais
aderiram à remessa eletrônica. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) foi o primeiro a se interligar. Para o presidente, desembargador federal Luiz Alberto Gurgel, a adesão ao
processamento eletrônico é uma prova de que
o futuro chegou. “É um caminho sem volta. Os
TRFs estão se preparando para essa realidade.
Num futuro breve, os processos serão totalmente eletrônicos”, disse.
Outro tribunal pioneiro foi o TRF2. No
Rio, um processo de 300 páginas é digitalizado
em cerca de uma hora. E a prática vale para os
processos com recursos destinados ao STJ e
também ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Um verdadeiro esforço no sentido da modernização, afirmou o presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Gilmar
Mendes. Para ele, “os tribunais que aderiram ao
projeto demonstram o apreço pela prestação
jurisdicional efetiva e pelo direito de acesso de
todos à Justiça”.n
Institucional
Justiça Federal terá 230 novas varas até 2014
O presidente da República,
Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou o Projeto de Lei 126/09 que
cria 230 varas no âmbito da Justiça Federal. Serão 46 novas varas
implantadas a cada ano, de 2010
até 2014, medida que irá ajudar
a reduzir o número de processos acumulados nas diversas
instâncias.
A localização de cada uma
delas deve ser decidida pelo
Conselho da Justiça Federal
(CJF) segundo critérios técnicos, como demanda processual, densidade populacional,
distância entre cidades em que
já existem outras varas federais,
áreas de fronteira, entre outros,
estabelecidos pelo órgão. Serão
8.510 cargos e funções comissionadas. A lei também cria novos
cargos: 230 de juízes federais,
230 de juízes substitutos, 2.070
de analistas judiciários, 2.530 de
técnicos, 3.220 funções comissionadas e 230 cargos em comissão. Desses cargos, 10% devem
ser remanejados para reestruturar as turmas recursais e as turmas regionais de uniformização.
Encaminhado ao Congresso
Nacional em agosto de 2005, o
Projeto de Lei 126/09 vai ajudar
a reduzir a taxa de congestionamento dos processos. O “Justiça
em Números”, estudo patrocinado pelo Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) em 2008, mostrou que a Justiça Federal recebeu em 2007
mais de 3 milhões de processos, somados aos 3,5 milhões pendentes de
anos anteriores. Desse total, 2,8 milhões foram julgados no mesmo ano, o
que resultou numa taxa de congestionamento igual a 67, 58%. A maior taxa
de congestionamento está na Justiça de 1º grau, 78%, seguida pelo 2º grau,
60,5%, juizado especial, com 42,2% e turma recursal, com 24,8%. n
Nova administração na Corregedoria-Geral da Justiça Federal
Desde o dia 18 de agosto, a Justiça
Federal tem um novo corregedor-geral,
a Turma Nacional de Uniformização dos
Juizados Especiais (TNU), um novo presidente e o Centro de Estudos Judiciários
(CEJ), um novo diretor: o ministro Francisco Falcão.
No ato de posse, o ministro Falcão fez
questão de salientar que sua gestão será
balizada pelo interesse público, com a
marca da austeridade e transparência, na
busca permanente de resultados coerentes com metas estabelecidas por um planejamento estratégico de que nenhuma
administração pode prescindir. “Cada vez
mais, no Poder Judiciário, são bem visíveis
os sinais da modernização administrativa,
o que evidencia que o tempo das improvisações já pertence ao passado”, disse.
Na ocasião, o presidente do CJF e do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Cesar Asfor Rocha, ressaltou que há
uma grande preocupação com o chamado da sociedade para minimizar a morosidade da Justiça. “Antigamente, tínhamos
um certo menosprezo pela atuação administrativa. Hoje, todos nós nos preocupamos com isso. E, nesta linha, temos a
grande satisfação de saber que o ministro
Francisco Falcão é vocacionado para as
boas práticas na administração da Justiça.
Chegaremos ao final de sua gestão certos
de que o ministro se portou à altura das
expectativas de todos”, comemorou. n
SIGJUS faz história e inaugura uma justiça interligada
O projeto de unificação dos sistemas administrativos, uma das metas prioritárias da gestão do ministro Cesar Asfor Rocha, presidente do CJF e do STJ, teve seu pontapé inicial em fevereiro de 2009.
Denominado SIGJUS – Sistemas Integrados de Gestão da Justiça Federal, o projeto envolve as cinco
regiões da Justiça Federal e o CJF, que estão concentrados no desenvolvimento de sistemas interligados
e centralizados no Conselho.
Após um período de avaliação de todos os sistemas existentes na Justiça Federal para buscar sua
unificação, seja a partir da construção de novos, seja com a adaptação daqueles em bom funcionamento
para o compartilhamento entre os TRFs, foi dado início ao treinamento de mapeamento de processos,
necessário para identificar as rotinas administrativas passíveis de automatização. O mapeamento propriamente dito teve início no TRF1, que serviu de modelo para os demais.
Segundo o secretário de Administração do Conselho e secretário executivo do projeto, Misael
Andrade, trata-se de um trabalho sem precedentes na Justiça Federal, com o envolvimento direto e
indireto de mais de 300 pessoas. Para o ministro Cesar Rocha, como resultado desse trabalho espera-se
uma gestão que possibilite acesso em tempo real
a informações gerenciais, transparência dos atos
administrativos e acessibilidade por parte dos órgãos de controle e correicionais. n
Agosto de 2009
| Revista Via Legal 43
Giro pelas Decisões
Universidade é responsável por furtos e danos a veículos estacionados
em suas dependências
Toda instituição pública de ensino que oferece estacionamento interno a estudantes,
professores e ao público em geral responde por danos decorrentes de furtos, ocorridos
nesses locais. Este foi o entendimento da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados
Especiais Federais, em sessão no dia 3 de agosto. Para que essa responsabilidade fique
caracterizada, o estacionamento deve ser cercado e ter sistema de vigilância especializada
contratada com esse fim.
A Turma Recursal de Pernambuco já havia condenado a Universidade Federal (UFPE)
a indenizar a universitária Alessandra Vaz Luz, estudante do curso de Enfermagem e estagiária do Hospital das Clínicas, órgão vinculado à universidade. A estudante contou que
deixou seu carro no estacionamento enquanto cumpria o estágio. Quando retornou, o
veículo havia sido furtado, apesar do local possuir 12 postos de controle de tráfego.
Segundo o relator do caso na TNU, juiz federal Cláudio Canata (foto), o fato do estacionamento ser fechado e contar com serviço de vigilância provocava sensação de segurança, o que atraiu para a universidade a responsabilidade pela guarda e controle dos
veículos, ou seja, a instituição funcionava de forma similar à do depositário. Em suas alegações, a UFPE contestou a existência do dever contratual ou legal de garantir a segurança
dos veículos. Mas, na análise do magistrado, “o fato de a UFPE haver contratado empresa
para controlar a entrada e saída de veículos de seu estacionamento revela que sua intenção
era a de se precaver da ocorrência de eventos como furtos e danos em suas dependências,
relativamente ao patrimônio de terceiros, bem como da responsabilidade civil decorrente,
caso esses eventos se concretizassem”. n
Plano de saúde deve ressarcir SUS por
atendimentos a associados
Mais uma decisão judicial beneficia o governo na guerra travada há pelo menos 10
anos com as operadoras de plano de saúde. Em Brasília, o Tribunal Regional Federal da
1ª Região garantiu à União o direito de ser ressarcida por atendimentos prestados pelo
Sistema Único de Saúde (SUS) a clientes de planos particulares. No processo, a Unimed
Sete Lagoas sustentava que o artigo 32 da Lei 9.656/98, que prevê o ressarcimento, seria
inconstitucional. No entanto, as alegações não convenceram a juíza federal Mônica Neves
Aguiar. A magistrada explicou que o Supremo Tribunal Federal analisou a questão em 2003
e, na época, definiu pelo ressarcimento aos cofres públicos. Devem ser devolvidos apenas
os recursos gastos com os procedimentos previstos no contrato da operadora mas prestados pela rede pública. n
Falha dos Correios nem sempre garante
indenização
Adailton de Jesus, morador de Campo Grande (RJ), sonhava em participar do programa Big Brother Brasil, da TV Globo. Ele conta que enviou sua ficha de inscrição pelos
Correios mas, três meses depois, recebeu um aviso de que a carta não havia sido entregue
à emissora por uma falha do serviço. O carioca, então, acionou a Justiça Federal pedindo
uma indenização no valor de R$ 500 mil. Ele alegou que o fato da correspondência não
ter sido entregue fez com que ele perdesse a oportunidade de concorrer ao prêmio milionário do reality show. Mas a decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região negou
o pedido.
O relator do processo, juiz federal Theophilo Miguel, explicou que a indenização só
deveria ser paga se houvesse uma chance real do candidato ganhar o prêmio. É o que está
previsto na chamada “teoria da perda de uma chance”. Como no caso de Adailton, essa
possibilidade era mínima - eram milhares de inscritos -, segundo o juiz, não há necessidade
de indenização. “Se a possibilidade frustrada apresenta-se vaga ou hipotética, a conclusão
será pela total inexistência de perda de oportunidade”, concluiu o magistrado. n
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Foto: Edson Queiroz
Proteção do direito
autoral
A Fundação Nacional de Artes (Funarte) foi condenada a indenizar por danos materiais o violinista
e instrumentista polonês Jerzy Milewski. De acordo
com o processo, julgado no Tribunal Regional Federal com sede no Rio de Janeiro, a Fundação comercializou, sem contrato de cessão ou transferência, a
gravação de músicas interpretadas por Milewski no
trabalho “Flausino Vale - Prelúdios Característicos e
Concertantes para Violino Só”.
A Funarte contestou as alegações do violinista,
justificando que “o autor e compositor das músicas
é Flausino Vale, e Milewski seria apenas o intérprete”. Afirmou ainda que, como produtora fonográfica, teria os direitos previstos até em convenções
internacionais, e que o fato do instrumentista ter
custeado parte da produção não o torna produtor
do trabalho.
No entanto, para o relator do caso, desembargador Frederico Gueiros, a participação de Milewski,
ficou clara nos documentos anexados ao processo.
O artista idealizou e executou o projeto, além de
ter investido dinheiro para a gravação do trabalho.
Por isso, para o magistrado, se trata de uma coprodução, o que garante a Milewski os direitos de
autor. “O contrato prevê a titularidade exclusiva de
produção da Funarte apenas no caso de não haver
pagamento contratual por parte do coprodutor, o
que não ocorreu”, explicou.
O relator lembrou que a legislação estabelece
que o autor deve receber pela comercialização da
obra, além de autorizar sua reprodução ou distribuição. “A violação de direitos autorais é evidente, tanto
pela reprodução, quanto pela disponibilização para
o público da obra, sem a expressa autorização de
Milewski, o que justifica a indenização”, encerrou. n
Giro pelas Decisões
Pedido de aposentadoria perante JEF Itinerante independe de prévio
requerimento administrativo
Foto: Edson Queiroz
Via de regra, para que um cidadão recorra à Justiça Federal contra o INSS é preciso que
antes, o pedido tenha sido apresentado à Previdência Social. Esta exigência, no entanto, não
deve ser regra quando a pessoa procura o Juizado Especial Federal ( JEF) Itinerante. A decisão
é da Turma Nacional de Uniformização dos JEFs, que acatou, por unanimidade, o pedido da trabalhadora rural Maria Nunes da Costa de Minas Gerais. Ela procurou os servidores durante JEF
Itinerante realizado em Taiobeiras, norte do estado.
Na época, o benefício foi concedido depois de comprovados os requisitos para sua concessão. O INSS recorreu e a 1ª Turma Recursal dos JEFs de Minas Gerais acabou extinguindo o
processo, por entender que o fato de Maria Nunes não ter procurado o INSS antes de propor
ação judicial caracterizava uma falta de interesse de agir.
Mas a relatora do processo na TNU, juíza federal Joana Carolina Lins Pereira (foto), votou
pela concessão do benefício fazendo questão de salientar sua sensibilidade ao caso por se tratar
de juizado itinerante. Além disso, destacou que “outros casos envolvendo requerimento administrativo já foram apreciados na TNU, e o entendimento que se firmou foi de que, em se tratando de juizado itinerante, seria desnecessário o requerimento administrativo”.
Durante o julgamento, o juiz federal Derivaldo Filho lembrou que casos como o da agricultora de Minas Gerais se repetem em todo o país. “No Tocantins, por exemplo, se faz juizado itinerante a mil e tantos quilômetros da capital.
Lá, eu diria, 70 ou 80% dos requerentes desse benefício fazem o primeiro contato com o Estado no momento em que a Justiça Federal chega
ao local, porque nem certidão de nascimento nem carteira de identidade eles têm”. E concluiu: “se não abrimos mão da exigência do prévio
requerimento administrativo nos casos de itinerantes, inviabilizaremos os itinerantes, porque a acessibilidade à Justiça Federal, como também aos órgãos do INSS, não existe na 1ª Região, principalmente no Nordeste e no Norte do país”. n
Doméstica acusada de utilizar moeda falsa é
absolvida
A empregada doméstica Josefa Josiane da Silva Barbosa, que mora na comunidade Roda de Fogo,
no Recife, se livrou da acusação de repassar dinheiro falso. Em decisão unânime, a quarta Turma
do Tribunal Regional Federal da 5ª Região alterou a sentença que havia condenado a empregada.
De acordo com a primeira decisão, Josefa Barbosa deveria cumprir quatro anos de reclusão e ainda
pagar multa de três salários mínimos vigentes à época do crime, valor que deveria ser corrigido. A
condenação chegou a ser substituída por uma pena alternativa, mas a empregada recorreu ao tribunal, onde foi absolvida.
A relatora do processo, desembargadora federal Margarida Cantarelli, considerou o princípio da
insignificância e a falta de provas. Os depoimentos das supostas vítimas eram contraditórios e, para a
magistrada, não poderiam confirmar que a doméstica era mesmo a autora do crime.
Josefa foi presa no carnaval de 2008, no bairro do Cordeiro, no Recife. Um vendedor ambulante
a acusou de usar três notas falsas de R$ 10 para comprar cerveja. As cédulas teriam o mesmo número
de série. Desde a prisão, a doméstica sempre alegou inocência em todos os depoimentos. n
Direito à pensão em questão
O Tribunal Regional Federal da 5ª Região garantiu a Rosivalda Medeiros da Silva o direito de
receber pensão por morte do ex-prefeito de Gravatá, no Agreste de Pernambuco. Apesar de ter uma
relação pública e estável com Lúcia Helena Pinheiro Lins, com quem teve uma filha, Sebastião Galvão
Lins manteve relacionamento amoroso com Rosivalda. O nome dela aparece, inclusive, nas declarações de Imposto de Renda do ex-prefeito. Além disso, o relacionamento já havia sido reconhecido
pelo INSS.
Na primeira instância, a decisão foi contrária à Rosivalda sob o argumento de que o artigo 1.723
do Código Civil diz que, para caracterizar uma união estável, é necessário que a relação seja pública.
Já no Tribunal Regional Federal com sede no Recife, o desembargador federal José Baptista de Almeida Filho entendeu que Rosivalda deveria receber parte da pensão previdenciária, direito confirmado
por meio de fotos, cartões, depósitos bancários e outros documentos que comprovavam o relacionamento amoroso entre os dois. n
Estágio vale
como experiência
profissional
Mesmo aprovada no concurso da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, (Embrapa), Débora de Faria
Albernaz Vieira só conseguiu assumir a
vaga depois de brigar na Justiça. Ela provou o direito de usar o tempo de estágio
como parte da experiência profissional
exigida no processo seletivo. Durante a
faculdade, Débora trabalhou no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica, mas a atividade não foi considerada pela Embrapa. A alegação da
empresa é que se tratava de um estágio
e que, portanto, não tinha validade como
experiência profissional.
A decisão veio do Tribunal Regional
Federal da 1ª Região e abre espaço para
outras pessoas que enfrentam problemas
semelhantes. Ao analisarem o pedido de
Débora, os desembargadores entenderam que o estágio só pode ser recusado
se a proibição estiver expressa no edital,
o que não aconteceu no caso dela. O documento com as regras do concurso não
especificava se a experiência deveria ter
sido adquirida após a graduação. n
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Notas
Cartas a um Jovem Juiz
Um retrato do trabalho da Justiça é apresentado no livro “Cartas a um Jovem Juiz cada processo hospeda uma vida”, de autoria
do presidente do Conselho da Justiça Federal
e do Superior Tribunal de Justiça, ministro
Cesar Asfor Rocha. Segundo o próprio autor,
“a mensagem é deixar no espírito dos juízes
a noção de que eles devem julgar de acordo
com as leis, mas levando em conta a realidade
que os cerca, e também escutando um pouco
seus sentimentos”.
Em linguagem simples, o livro traz conselhos baseados nos 18 anos de magistratura do
autor. “O juiz não pode ter mais aquele tecnicismo que tinha antes. Nós temos uma verdade
antiga que diz que o que não está nos autos não
está no processo, não está no mundo, e não é
bem assim. Por isso esse livro tem a finalidade
de fazer com que o juiz não tenha nenhum receio de ser humano”, explica o magistrado.
A obra, que se destina aos jovens que desejam uma abordagem ampla, informativa e
realista sobre a magistratura, contém profundas reflexões sobre as instituições judiciais e
democráticas, com visão otimista e ênfase nos
percalços e promessas da carreira da magistratura, incluindo as grandes exigências impostas
aos que a seguem.
Entre os 15 temas abordados está o do relacionamento do juiz com a imprensa. O autor
aproveita para fazer um alerta aos colegas da
magistratura: “Todas as informações devem ser
prestadas, salvo as protegidas por determinação legal, pois, pela crença que tenho, quanto
mais o Judiciário for conhecido, mais será compreendido e menos será criticado”. n
Constitucionalidade e Direito Civil
“Direito Civil - Família”, “Direito Civil - Obrigações” e “Princípios Constitucionais de Direito
da Família” são os três livros lançados pelo desembargador federal do TRF da 2ª Região e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Guilherme Calmon Nogueira da Gama.
Nas obras, o magistrado demonstra como as transformações ocorridas nas relações políticas, sociais, econômicas e jurídicas repercutiram intensamente na função e na concepção
das novas famílias. O autor destaca ainda que a dignidade humana, considerada prioridade
pela Justiça, começa a ser desenvolvida no ambiente familiar. Quando trata do conceito de
“obrigações”, Guilherme Calmon mostra que essa relação é fundamentada em valores de
princípios constitucionais, entre eles a solidariedade social. n
Tratado
luso-brasileiro
A 2ª edição do livro “Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana” acaba de ser
lançada. A obra é assinada pelos desembargadores federais Consuelo Yoshida, Grandino Rodas e Ana Scartezzini, além do juiz
federal Roberto da Silva Oliveira. Os coordenadores da publicação são os professores
Jorge Miranda, catedrático da Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa, e Marco
Antonio Marques da Silva, desembargador
do Tribunal de Justiça de São Paulo e coordenador pedagógico da Escola Paulista da
Magistratura. n
Livro discute a ética na sociedade contemporânea
Direito
Tributário
“Hoje nós temos uma situação em que
se fala muito em ética, mas se pratica pouco.
Precisamos tentar sair de uma ética de normas para tentar atingir uma ética de valores”.
Essa foi, nas palavras do desembargador federal Newton de Lucca do TRF3, sua motivação para lançar o livro Da ética geral à ética
empresarial.
A obra resgata o pensamento clássico,
desde Sócrates até a chamada pós-modernidade, num esforço de reconstrução do pen-
A desembargadora federal Regina Helena Costa lançou o livro “Curso de Direito
Tributário - Constituição e Código Tributário
Nacional”. A obra é fruto da experiência da
autora, que já atuou como procuradora do
Estado, procuradora da República, juíza federal e, atualmente, é desembargadora federal.
Trata-se de um estudo bastante aprofundado
e feito com uma linguagem extremamente
didática, voltada para estudantes universitários e profissionais de Direito. n
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samento ético na sociedade contemporânea.
Para o autor, a empresa desempenha
hoje importante papel na aplicação da ética
no mundo: “Se fizermos uma análise histórica, vamos verificar que vários valores da sociedade contemporânea vieram exatamente
da empresa. E se a empresa, que é a principal
instituição da sociedade contemporânea, for
efetivamente ética, nós estaremos irradiando
para os demais setores da sociedade o pensamento ético”. n
Notas
Processo Penal
“A Reforma Tópica do Processo Penal” é o título livro lançado pelo juiz Federal Walter Nunes da Silva Junior.
Na obra, o magistrado enfoca a reforma do Código de Processo Penal defendendo a convicção de que o intérprete e o aplicador da lei “podem e devem convergir no rumo do processo democrático, célere, justo e preciso”.
A publicação realça ainda a importância do atual momento do processo penal, em que o cruzamento de
interesses entre acusação e defesa tem de ser administrado em paralelo ao rigor da apuração dos delitos e obedecendo aos princípios constitucionais.
O livro tem prefácio do ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp, atual corregedor nacional de
Justiça, que destaca a importância da obra tendo em vista as recentes reformas do CPP e o conhecimento do
autor na prática do tema. Para o ministro, a publicação “oferece ao leitor uma ampla visão das inovações e não
desdenha os detalhes e os muitos ajustamentos que a praxe ensinou”. n
Previdência e Assistência Social
O livro “Direito da Previdência e Assistência Social – Elementos para uma
Compreensão Interdisciplinar” apresenta
18 textos de autoria dos professores do
módulo de Direito Previdenciário do Currículo Permanente da Escola da Magistratura (Emagis) do TRF da 4ª Região. Com
prefácio do ministro do Superior Tribunal
de Justiça Gilson Dipp, a publicação tem
como organizadores o desembargador
federal Paulo Afonso Brum Vaz, diretor
da Emagis, e o juiz federal José Antonio
Savaris, que foi o coordenador científico
do módulo. Os artigos que compõem o
livro estão divididos em três partes: Direito, Ideologia e Economia; Seguridade
Social e Novos Fenômenos Sociais; e Dinâmica do Direito Previdenciário. n
Jurisdição
Administrativa alemã
Teoria Geral do Processo
Pós-doutor em Direito pela Universidade de Regensburg, na Alemanha, e professor da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, o juiz federal Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, lançou o livro “Teoria Geral do Processo”. A
obra desenvolve, de modo objetivo e claro, os principais
aspectos do Direito Processual nos âmbitos civil, penal e do
trabalho. Trata-se do primeiro volume da “Coleção Programa de Processo Civil”, bibliografia básica das disciplinas de
Processo Civil do currículo do Curso de Direito da Universidade Estácio de Sá. n
Duas décadas
de história
Com o título inspirado em um quadro
de Salvador Dalí de 1931, o livro “A Persistência da Memória” é uma homenagem aos
20 anos de construção do TRF da Região
Sul, completados neste ano. A publicação,
elaborada pela Coordenadoria de Documentação do tribunal, resgata a história da
instituição, as ações da corte, a preocupação com o meio ambiente, o trabalho dos
desembargadores e também as atividades
desenvolvidas por cada diretoria. n
Resultado da cooperação entre cientistas
brasileiros e alemães, a obra “Código de Jurisdição Administrativa - o modelo alemão”
foi lançada pelo juiz federal Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva. A publicação é uma parceria entre o magistrado Ricardo Perlingeiro,
mestre e doutor em Direito e Professor da
Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, e os professores doutores
Hermann-Josef Blanke, da Universidade de
Erfurt, e Karl-Peter Sommermann, da Universidade das Ciências da Administração Pública
de Speyer.
O livro traz a tradução do Código Alemão de Jurisdição Administrativa para o
português, além de mostrar a colaboração
da jurisdição alemã para o direito europeu.
No prefácio, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Administrativo da Alemanha,
Eckart Hien, afirma que “o diálogo alemãobrasileiro aqui esboçado possui uma importância que vai muito além desta obra; trata-se
de um projeto de construir normas/modelos
que, frente ao fenômeno da globalização,
possam valer como best practice para a administração pública de um Estado de Direito
e para a tutela jurisdicional do cidadão em
face do Estado”. n
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Notas
TRF1 disponibiliza sistema pioneiro na publicação
de relatórios de estatística
O TRF da 1ª Região foi o primeiro dos cinco TRFs a aderir ao projeto Transparência em
Números. Idealizado pelo então corregedorgeral da Justiça Federal, ministro Hamilton
Carvalhido, o objetivo do programa é dar
maior visibilidade à quantidade de processos
sob responsabilidade de cada tribunal e à produtividade de seus órgãos julgadores. “Queremos apresentar relatório estatístico consolidado que mostre a qualquer cidadão o retrato
do seu processo de forma imediata”, afirmou
o ministro.
Na prática, ao acessar o Sistema de Relatórios Estatísticos, o usuário encontra duas versões: a simplificada e a detalhada e, conforme
os parâmetros selecionados, pode
visualizar, por exemplo, quantos
processos foram distribuídos,
julgados e quantos permanecem
em tramitação em determinado
período, abrangendo processos
judiciais e administrativos disciplinares do tribunal e das seções
Ministro Hamilton Carvalhido, ministro Cesar
e subseções judiciárias vinculadas.
Rocha e presidente do TRF1, Jirair Meguerian
A identificação de processos
antigos é uma das principais funcionalidades,
É possível também verificar os processos
pois permitirá não apenas ao público, mas tam- que estão conclusos para julgamento, o núbém aos magistrados conhecer quais serão os mero de ações que aguardam decisões de ouprocessos prioritários, considerando o ano de tros órgãos, ou até a quantidade de audiências
distribuição.
e sessões realizadas. n
Seminário no TRF3 aborda guarda
doméstica de animais silvestres
A “Guarda Doméstica de Animais Silvestres” foi tema de um seminário promovido
pela Escola de Magistrados da Justiça Federal
da 3ª Região para discutir qual deve ser o destino dos animais que são apreendidos pelo
Ibama.
O tema foi sugerido pela procuradora regional do órgão, Rie Kawasaki: “A questão da
fauna é complexa e o encontro com analistas
e pessoas da área técnica é uma oportunidade
para apresentação de um detalhamento das
questões relacionadas ao assunto”, justificou.
Especialistas do Ibama destacaram a importância de conscientizar a população dos
grandes danos ambientais causados pela
guarda não autorizada de animais silvestres
como se fossem domésticos. Ficou claro que
uma das consequências mais diretas é o estímulo ao tráfico de animais, que precisa ser
combatido por meio de um controle mais
efetivo e do endurecimento da legislação.
O analista ambiental Vincent Kurt Lo
explicou que um animal silvestre criado em
domicílio traz riscos como zoonoses e agressões. Ele falou ainda sobre a previsão legal
de reintegração e soltura de animal na natureza: “É um trabalho complexo, mas possível
e desejável”. n
Acordo facilita cursos à distância para juízes
O TRF4 e a Escola Nacional de Formação e
Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) firmaram acordo de cooperação para o compartilhamento da plataforma de ensino à distância desenvolvida pelo tribunal na promoção
de cursos online pela Enfam. Representando a
Escola Nacional, assinaram o acordo os ministros Cesar Asfor Rocha, presidente do STJ, e
Fernando Gonçalves, diretor-geral da Enfam.
Pelo TRF4, assinaram o convênio os desembargadores federais Vilson Darós, presidente
da corte, e Tadaaqui Hirose, diretor da Escola
da Magistratura do TRF4.
Ao assinar o acordo, o ministro Fernando
Gonçalves ressaltou a importância para a Enfam da utilização da experiência do TRF4 em
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TRF3 assina convênio
com a Universidade
Samford (EUA)
A presidente do TRF3, desembargadora
federal Marli Ferreira, recebeu em abril com
o coordenador da Faculdade Cumberland
de Direito, da Universidade Samford, professor Michael Floyd, acompanhado da desembargadora Maria Cristina Zucchi, do Tribunal
de Justiça.
Na ocasião, foi assinado um convênio
entre as instituições que possibilitará intercâmbio para juízes federais na Universidade
Samford, no Alabama, EUA. O propósito é o
aperfeiçoamento dos magistrados no programa de mestrado de Direito Comparado
da Universidade Samford que analisa o Direito Constitucional dos Estados Unidos e
do Brasil.
Segundo o professor Michael Floyd, “o
programa ainda é pequeno, mas desenvolve
estudos sobre diversos temas jurídicos entre
o Brasil e os Estados Unidos”. A presidente do TRF3, desembargadora federal Marli
Ferreira, afirmou que “sem dúvida, o Direito Comparado trará diferentes soluções e
ideias para os nossos juízes federais“. n
ensino à distância. “Em um país de dimensões continentais, a tecnologia é importante
instrumento para alcançar os magistrados. A
experiência do TRF4 facilita à Enfam a efetivação de uma de suas funções: a de normatizar, de dar um rumo à preparação dos
juízes para que, com base nos princípios
apresentados pela Escola Nacional, cada
seção judiciária adapte esses preceitos à realidade local”.
Ainda segundo Fernando Gonçalves, a oferta de cursos online pela Enfam, a partir da plataforma desenvolvida pelo TRF4, também fortalece um dos principais objetivos da Escola Nacional
– o de interligar as Escolas da Magistratura de todo o país. “A Enfam é o elo entre as 27 Escolas da
Magistratura estaduais e as cinco federais para o desenvolvimento do Poder Judiciário. A Escola é
um norte para a promoção de uniformidade dos trabalhos judiciais e os treinamentos à distância
facilitam essa promoção ampliando o acesso aos cursos desenvolvidos pela Enfam”. n
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