EDITORIAL A combinação entre os avanços da medicina e uma maior conscientização das pessoas explica, pelo menos em parte, o fenômeno que tem sido chamado de judicialização da saúde no Brasil. A cada dia, mais gente recorre aos tribunais para que o Estado seja obrigado a fornecer medicamentos e, em alguns casos, até alimentos indicados a portadores de doenças como câncer, diabetes ou síndromes raras. Só no ano passado, o Ministério da Saúde afirma ter gasto R$ 52 milhões para atender às ordens judiciais. Esse é um dos assuntos desta edição da Revista Via Legal. A reportagem mostra histórias de quem assegurou o tratamento pela via judicial, os argumentos do Ministério da Saúde e a polêmica que envolve a questão. Ainda sobre a temática saúde, a Revista repercute uma decisão da Justiça Federal da Paraíba a fim de garantir que doentes renais crônicos recebessem um novo rim. Os problemas eram tantos que o juiz determinou que os primeiros 30 pacientes da fila fossem operados em outros estados. Uma situação de emergência que ilustra o sofrimento de brasileiros que dependem de um novo órgão para sobreviver. Hoje, apesar dos avanços na medicina e na legislação, muita gente ainda morre nesta que pode ser considerada a pior de todas as filas. A reação da indústria do tabaco à decisão do governo de imprimir fotos ainda mais chocantes nas carteiras de cigarro é outro destaque desta edição. Segundo a Organização Mundial de Saúde, por dia, pelo menos 100 mil adolescentes experimentam o cigarro pela primeira vez no mundo. Uma campanha voltada para o público jovem só saiu do papel depois que a Justiça Federal confirmou a competência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para definir as estratégias de combate ao fumo. A reportagem explica que, embora muitos fumantes afirmem ignorar a existência das fotos, as imagens que ilustram as consequências do fumo ajudam a criar uma aversão ao cigarro. Via Legal traz também uma reportagem sobre os problemas que ainda enfrentam as pessoas que têm tatuagens. A resistência da sociedade já foi pior. Ainda assim, a dica para quem gosta dos desenhos no corpo é ter cuidado na hora de escolher o que e onde se tatuar. A boa notícia é que quem se sente vítima de preconceito por causa da tatuagem pode recorrer à Justiça. Em Brasília, um candidato a concurso público, eliminado por causa das duas tatuagens, conseguiu o direito de voltar à disputa. A violência no trote universitário é o tema de outra matéria publicada nesta edição. Em todo o país, muitos casos viraram processo judicial. Embora as decisões sejam variadas, em boa parte das ações os magistrados têm confirmado as punições impostas pelas universidades a estudantes que passaram dos limites na hora de recepcionar um calouro. Um dos casos mais conhecidos terminou com a morte de um estudante de medicina da Universidade de São Paulo e levou o assunto ao Supremo Tribunal Federal. Caberá ao STF decidir se os responsáveis por trotes violentos devem responder na esfera criminal. Na seção Memória, Via Legal traz a entrevista do desembargador Romário Rangel. O primeiro presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região vive em Vila Velha (ES), onde falou sobre o trabalho realizado como juiz e como administrador da Justiça. A entrevista concedida para o projeto História Oral foi gravada em novembro de 2007. Boa leitura . Agosto de 2009 | Revista Via Legal 1 EXPEDIENTE CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL Ministro CESAR ASFOR ROCHA Presidente Ministro ARI PARGENDLER Vice-Presidente Ministro FRANCISCO FALCÃO Corregedor-Geral da Justiça Federal, Presidente da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais e Diretor do Centro de Estudos Judiciários Ministra ELIANA CALMON Ministra LAURITA VAZ Desembargador Federal JIRAIR ARAM MEGUERIAN Desembargador Federal PAULO ESPIRITO SANTO Desembargadora Federal MARLI FERREIRA Desembargador Federal VILSON DARÓS Desembargador Federal LUIZ ALBERTO GURGEL Membros efetivos Revista Via Legal – Ano II – número 5 – mai./ago. 2009 Contato: Revista Via Legal - Assessoria de Comunicação Social - Conselho da Justiça Federal SAFS – Quadra 6 – Lote 1 – Trecho III – Ed. Sede do Superior Tribunal de Justiça - Prédio Ministros I – 3º andar CEP 70095-900 – Brasília – DF Telefones: (061) 3319-6678/6656 e-mail: [email protected] Ministro LUIZ FUX Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI Desembargador Federal ANTONIO SOUZA PRUDENTE DesembargadorA Federal VERA LÚCIA LIMA Desembargadora Federal SUZANA CAMARGO Desembargador Federal ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO Desembargador Federal MARCELO NAVARRO RIBEIRO DANTAS Membros suplentes Eva Maria Ferreira Barros Secretária-Geral CENTRO DE PRODUÇÃO DA JUSTIÇA FEDERAL (CPJUS) Assessoria de Comunicação Social - CJF Assessora de Comunicação e Editora-Geral: Roberta Bastos Cunha Nunes – FENAJ 4235/14/12/DF; Editoras-Gerais Adjuntas: Dione Tiago e Adriana Dutra; Coordenadora de Comunicação Impressa: Ana Cristina Sampaio; Coordenador de Multimídia: Alexandre Fagundes; Chefe da Seção de Imprensa: Adriana Dutra; Chefe da Seção de Planejamento Visual: Raul Cabral Méra; Chefe da Seção de Edição e Produção: Edson Queiroz; Chefe da Seção de Rádio e TV: Paulo Rosemberg; Repórteres: Camila Cotta e Thais Del Fiaco; Designer: Gustavo Torquato. Assessoria de Comunicação Social – TRF1 Chefe da Assessoria de Comunicação Social: Marco Antônio Delgado; Editor: Gilbson Alencar; Repórteres: Antonio Trindade, Juliana Corrêa e Tatiana Montezuma; Revisão: Mara Bessa. Seções Judiciárias: MA: Supervisora: Ana Maria Turolla; MG: Supervisora: Christianne Callado de Souza; PA: Supervisor: Paulo Bemerguy; GO: Supervisor: Carlos Eduardo Rodrigues Alves; TO: Supervisora: Daty Manuela Dantas Silva; DF: Supervisora: Vanessa Rodrigues Siqueira; BA: Supervisora: Nancy Leão; AC: Supervisora: Lina Grasiela do Nascimento; PI: Supervisor: Paulo Gutemberg de Carvalho Souza; AM: Supervisora: Andréa Silveira Rocha da Silva; AP: Supervisora: Gilvana Maria Castelo Tourinho de Barros; MT: Supervisora: Marisa dos Anjos Fernandes; RO: Editor: Antônio Serpa do Amaral Filho. Assessoria de Comunicação Social – TRF2 Assessora de Comunicação e Editora Regional: Ana Sofia Gonçalves; Repórteres: André Camodego, Sérgio Maurício Costa e Marcelo Ferraz. Seções Judiciárias: RJ: Supervisor: Bruno Costa; ES: Supervisora: Ana Paola Dessaune. Assessoria de Comunicação – TRF3 Assessora de Comunicação Social e Editora Regional: Ester Laruccia; Repórteres: Ana Carolina Minorello, Ana Cristina Eiras, Andrea Moraes, Monica Gifoli e Wellington Campos. Seções Judiciárias: MS: Assessor: Aldo Cristino; SP: Supervisor: Hélio Martins Júnior. Assessoria de Comunicação – TRF4 Assessor de Comunicação Social e Editor Regional: Sylvio Sirangelo; Jornalista: Luciana Tornquist. Seções Judiciárias: PR: Supervisora: Marísia Faucz; SC: Supervisor: Jairo Cardoso. Assessoria de Comunicação – TRF5 Supervisora da Seção de Comunicação Social: Cristina Ramos; Jornalista: Josie Maria Marja. Seções Judiciárias: AL: Assessora: Ana Márcia da Costa Barros; RN: Supervisora: Anna Ruth Dantas de Salas; CE: Supervisor: Luiz Gonzaga Feitosa do Carmo; PB: Supervisora: Silvana Sorrentino Moura de Lima; SE: Assessor: Gilton Lobo Menezes; PE: Supervisor: Marcelo Schmitz. Projeto Gráfico: Raul Cabral Méra - CJF; Diagramação: Raul Cabral Méra e Gustavo Torquato - CJF; Imagens: www.sxc.hu Impressão: Coordenadoria de Serviços Gráficos do Conselho da Justiça Federal 2 Revista Via Legal | Agosto de 2009 SUMÁRIO 04 Constitucional Sem palavras 4 Direito de defesa Violência, nem de brincadeira 6 7 10 12 Do mestre sem carinho O preço da fé Imagens nas carteiras de cigarro preocupam a indústria do tabaco 04 14 Administrativo Servidor com prazo de validade 14 Vaidade ou identidade 16 Tributário 19 Justiça nas estradas 19 Previdenciários 20 Perigo que gera direitos A falta de limites nos trotes leva estudantes ao banco dos réus 07 20 22 Penal Crime virtual, um perigo real 22 24 Direito à saúde Direito de todos, dever do estado 24 Fila da vida 27 29 Faça como ela Saúde a qualquer preço Discriminação ainda faz vítimas entre as pessoas que têm tatuagem 16 29 30 Consumidor 30 Questão de saúde 31 Ambiental Convivência possível 31 Direito à moradia 32 32 Chuva e pânico 34 Memória 34 Vida dedicada à Justiça Preservação 36 Controlar para preservar 36 Patrimônio ameçado 38 Justiça itinerante 40 40 Expedição da cidadania Institucional 42 Giro pelas decisões 44 Notas 46 24 Muita gente é obrigada a recorrer à Justiça para viver mais e melhor Agosto de 2009 | Revista Via Legal 3 CONSTITUCIONAL Sem palavras O número de fumantes no Brasil caiu pela metade nos últimos vinte anos. A divulgação dos males causados pelo fumo mudou a imagem do cigarro, que já foi visto como sinônimo de elegância e sofisticação. Por isso, a indústria do tabaco faz de tudo para barrar as ações que podem reduzir ainda mais o consumo do produto Patrícia Picon e Analice Bolzan – Porto Alegre (RS) 4 Revista Via Legal | Agosto de 2009 CONSTITUCIONAL Não deu certo. Tanto na primeira como na segunda instâncias, o entendimento dos magistrados foi que a Agência tem, sim, poderes para definir como devem ser as campanhas antitabagistas. Para o relator do processo, juiz federal Roger Raupp Rios, convocado para atuar como desembargador, o ato de advertir está previsto na Constituição e a campanha não fere nenhum direito do cidadão. “A introdução de elementos capazes de provocar repulsa não é uma atitude anti-informativa, nem impede que o indivíduo possa deliberar de forma livre e autônoma”, argumentou o magistrado. Luta difícil Apesar do esforço das autoridades, vencer o vício é um processo longo e difícil. O pneumologista Luís Carlos Corrêa Garcia, que atua na Santa Casa de Porto Alegre, explica que, em geral, quem já se tornou dependente da nicotina tende a se alienar diante das imagens. Normalmente, a pessoa tem a ilusão de que as fotografias mostram uma realidade que nunca vai acontecer com ela. A afirmação é facilmente constatada nas ruas de Porto Alegre. “As imagens não fazem sentido. Você olha aquela foto, abre a carteira de cigarro e continua fumando”, diz a estudante Neiva Ribeiro. Já o segurança Gabriel Bierhaus garante que nem se preocupa em olhar a foto e a microempresária Ierecê Aragon vai mais longe. Ela garante nunca ter pensado em parar de fumar por causa das imagens. Embora muitos afirmem não se importar, segundo o pneumologista, 80% dos fumantes gostariam de abandonar o vício. Segundo ele, o desprezo às campanhas é uma espécie de mecanismo de defesa de quem tem medo de reconhecer os danos que o cigarro provoca à saúde. O médico é otimista: “Se você realmente quer, vai conseguir. É preciso encontrar o caminho certo e adequado para cada situação”, garante. Luiz Carlos conta que faz questão de passar essa mensagem a todos que o procuram em busca de uma vida mais saudável. n Percentual de fumantes / População adulta Brasil 15,2 % 2008 35% Fonte: Ministério da Saúde 1989 “U ma imagem vale mais do que mil palavras”. O antigo ditado tem sido levado a sério pelo governo brasileiro quando se trata de inibir o vício de fumar. Desde 2002, as carteiras de cigarro trazem fotografias que ilustram as consequências do tabaco. Ano passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) resolveu reforçar a campanha. Dez novas imagens, ainda mais chocantes, foram escolhidas mas, antes mesmo de serem impressas, viraram alvo de processo judicial. O material só foi publicado após decisão da Justiça Federal. A Anvisa defende a publicação das imagens como forma de desestimular o consumo do cigarro, principalmente entre os jovens, alvo preferido da indústria do tabaco. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), pelo menos 100 mil adolescentes começam a fumar no mundo por dia. Ainda de acordo com o levantamento, 80% deles estão em países em desenvolvimento. O diretor da Anvisa Agenor Álvares argumenta que os derivados do tabaco são os principais causadores de mortes evitáveis. O fumo mata cerca de 10 mil pessoas por dia no planeta. Para o diretor, as advertências despertam sentimentos negativos em relação ao consumo do cigarro e, ao mesmo tempo, permitem a mudança de antigos conceitos divulgados pela publicidade. Outro argumento da Anvisa para defender a campanha iniciada há sete anos é que a investida contra o fumo tem surtido efeito: dados do Ministério da Saúde mostram que, em 1989, os fumantes representavam 35% da população adulta do país. Em 2008, esse índice caiu para 15,2%. Um resultado animador, mas que não significa o fim do problema. O tabaco ainda é a segunda droga mais consumida pelos jovens. Só perde para o álcool. E não é só isso: o câncer de pulmão consome mais de 30% dos gastos hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS). O uso das fotos não é uma invenção brasileira. A ideia surgiu no Canadá, em 2001. Hoje, é utilizada também em outros países como Chile, Venezuela, Austrália, Nova Zelândia, Tailândia, Cingapura, Inglaterra, Suíça e Bélgica. No caso do Brasil, a reação da indústria do tabaco foi imediata e se repetiu em todo o país. No Rio Grande do Sul, o Sindicato da Indústria do Fumo (Sinditabaco) foi à Justiça para tentar impedir a campanha. A lista de fotos inclui um feto dentro de um cinzeiro, um cadáver, um pé gangrenado e um coração recheado de tocos de cigarro. A entidade alegou que as imagens são falsas, apelativas e mentirosas e que, em vez de informar a população, poderiam causar repugnância e horror. O sindicato sustentou ainda que a resolução da Anvisa era inconstitucional. CONSTITUCIONAL A Constituição Federal deixa claro que toda ação judicial deve garantir ao acusado o direito à ampla defesa e ao contraditório. Caso a garantia seja ignorada, a ação pode até ser extinta. Em uma decisão recente, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região estendeu a exigência aos processos administrativos. A decisão foi tomada em resposta ao pedido de André Stringhetti, aluno do curso de Engenharia Mecânica da Universidade de Brasília (UnB), que havia perdido a vaga na instituição. No processo, o estudante alegou que só soube que havia sido “jubilado” pelo correio e que, portanto, não teve como se defender junto à Universidade. O jubilamento é um procedimento interno que pode ser adotado pelas instituições de ensino como forma de punir os estudantes que não conseguem concluir o curso no prazo máximo estipulado pela instituição. Normalmente, este prazo equivale ao dobro do tempo regulamentar. Outro critério para o desligamento pode ser o excesso de reprovação. Foi o que aconteceu com André. A Fundação Universidade de Brasília (FUB) sustentou que o cancelamento do registro acadêmico do aluno foi legítimo, independentemente do contraditório, afinal ele havia sido reprovado três vezes em uma disciplina obrigatória do curso. O processo foi analisado pelo desembargador federal Fagundes de Deus, que considerou o jubilamento um ato administrativo de natureza disciplinar e que, por isso, deve ser fundamentado por um procedimento administrativo em que seja assegurado o devido processo legal e, consequentemente, o direito à ampla defesa e ao contraditório. A decisão garantiu o retorno de André à UnB, mas sua permanência na Universidade deve ser definida após um novo procedimento interno. O conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (seccional/DF), Cleber Lopes, ressalta a importância do exercício do direito de ampla defesa e do contraditório: “Esses são os pilares estruturantes do Estado Democrático de Direito, sob risco de, caso não sejam respeitados, ocorrerem arbitrariedades”, diz. Ele esclarece ainda que a Constituição Federal de 1988 “deixou muito claro que ninguém pode sofrer restrição de direitos individuais sem o devido processo legal”. Entre os estudantes, a decisão foi comemorada como uma vitória da democracia. Maria Carolina Alves, que estuda Serviço Social da UnB, questiona: “Se em todo processo temos direito à ampla defesa, por que na universidade seria diferente?”. Para ela, nos casos de repetência consecutiva, a universidade deve fazer um acompanhamento do estudante. “Se o aluno não se recupera, não deveria ser simplesmente informado do seu jubilamento. Deveria ter direito de expor os motivos que o levaram a tal situação e ter conhecimento de todo o andamento do processo”, concluiu. No sul do Brasil, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região reintegrou um estudante de Biblioteconomia que havia sido jubilado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) por estar há mais de oito anos no curso. No processo, o universitário, que é portador do vírus HIV, comprovou que o atraso se deu em função dos tratamentos. A UFRGS chegou a alegar que a reintegração viola as normas regulamentares estabelecidas para o jubilamento, as quais visam a impedir que os alunos se eternizem em seus cursos. Entretanto, o relator do processo, juiz federal Roger Raupp Rios, convocado para atuar no TRF4, disse em seu voto que a universidade não pode se omitir quanto aos motivos apresentados pelo estudante, que comprovam uma situação excepcional. Para o magistrado, a decisão de jubilar o autor foi inconstitucional. n Foto: Bruno Spada/UnB Agência Decisão do TRF1 impede que aluno da UnB seja jubilado sem abertura de processo administrativo com direito à ampla defesa e ao contraditório Marconi Dantas e Larissa Jansen – Brasília (DF) Foto: Arquivo/UnB Agência Direito de defesa 6 Revista Via Legal | Agosto de 2009 CONSTITUCIONAL Violência, nem de brincadeira A entrada para a universidade deveria ser apenas motivo de alegria. Mas muitas vezes se transforma em trauma e até em tragédia. A falta de uma legislação específica acabou colocando nas mãos da Justiça a responsabilidade de inibir a prática do trote violento Adriana Dutra – Brasília (DF) E m um país como o Brasil, onde quase 50 mil pessoas são assassinadas por ano, Edison Tsung Chi Hsueh, de 22 anos, encontrado morto na piscina da Universidade de São Paulo, poderia ter sido apenas mais um número nessa estatística. O que fez dele uma vítima diferente é que os responsáveis por sua morte não se enquadram no perfil dos criminosos comuns. Assim como Edison, eles eram estudantes do Curso de Medicina de uma das mais concorridas e conceituadas universidades brasileiras. Mesmo assim, foram parar no banco dos réus. Edison morreu durante um trote e o acontecido assumiu tamanhas proporções que chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros já reconheceram a repercussão geral da questão, o que significa que, na avaliação da Justiça, o desfecho do caso não interessa apenas aos envolvidos diretamente no processo, mas a toda a sociedade. O próximo passo desse julgamento é definir se quem promove ou participa de trotes a calouros deve ser responsabilizado criminalmente. Uma decisão que deverá ser seguida por todos os tribunais do país. O episódio que levou à morte de Edison é só um exemplo das muitas histórias envolvendo vítimas e agressores que ultrapassaram os limites do bom senso. Em 2005, Rodrigo Santos, então recém-aprovado no vestibular para o Curso de Agronomia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), foi obrigado por veteranos a tirar a camisa e as meias e, em seguida, deitar sobre um formigueiro. Na época, os quinze estudantes responsáveis pela “brincadeira” foram punidos, dois deles com a expulsão e os demais, pela suspensão por quatro meses letivos. Na tentativa de recuperar a vaga, os dois estudantes considerados os mentores e executores do trote ainda recorreram à Justiça. Mas, o juiz federal Felini de Oliveira Wanderley manteve a punição e, na sentença, lembrou a gravidade do caso, citando que o calouro recebeu "mais de 250 picadas de formigas, causando-lhe reação alérgica e infecciosa, o que poderia tê-lo levado à morte". A mesma universidade mineira também suspendeu por quatro meses um grupo de ve- Foto: Daiane Souza/UnB Agência Exageros à parte, o trote com pintura é um “ritual de passagem” que integra o calouro à vida universitáriae teranos acusados de outro trote violento. Dessa vez, os calouros teriam sido levados para fora da instituição, manchados de tinta, atingidos por ovos e farinha, arrastados pelo chão e, por fim, obrigados a pedir dinheiro nos sinais. Os estudantes penalizados também recorreram à Justiça para evitar a punição e o caso chegou ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília. A conduta foi avaliada pelo desembargador federal Fagundes de Deus como “uma evidente situação de abuso, tratamento desumano e inaceitável”. Segundo o magistrado, a situação desrespeitou a Constituição Federal, que garante a todos o direito de não ser torturado ou submetido a tratamento desumano ou degradante. Para ele, que manteve a decisão administrativa, “a penalidade de suspensão tem índole punitivopedagógica e visa evitar esse tipo de conduta”. Um caso mais recente aconteceu no interior de São Paulo. Dois alunos foram expulsos e outros sete suspensos como resultado do trote aplicado a calouros do curso de Veterinária de uma faculdade particular em Leme. Os estudantes recém-chegados teriam sido obrigados a comer ração, ingerir bebida alcoólica e até passar fezes e restos de animais no próprio corpo. Os estudantes expulsos recorreram à Justiça Federal para voltar a estudar. Punição difícil As histórias são muitas, mas nem sempre é fácil punir quem exagera na hora recepcionar os novos alunos. Segundo o juiz federal Ricardo de Cássio Nascimento, uma das dificuldades é a falta de uma legislação específica. “O juiz, quando tem um caso desses, tem que interpretar todo um ordenamento jurídico para encontrar uma regra para aquele caso”, explica. A palavra final do STF em relação à morte de Edison Hsueh deve, ao menos, reduzir as dificuldades na análise e julgamento de processos envolvendo trotes. Outro avanço pode ser a criação de uma lei para disciplinar e punir os responsáveis. Um projeto de lei federal com este propósito está em tramitação há quase 15 anos. O texto, aprovado pela Câmara, aguarda votação no Senado. A proposta proíbe atividades que ofendam a integridade física, moral ou psicológica dos novos alunos; traga constrangimento, exponha de forma vexatória ou implique pedido de doação de bens ou dinheiro. Ainda pelo projeto, as instituições ficam obrigadas a abrir processo disciplinar contra quem organiza esse tipo de trote. As penas vão de multas de até R$ 20 mil ao cancelamento da matrícula do acusado. O texto determina ainda que o trote não poderá durar mais de 20 horas, e que as atividades devem visar “à integração Agosto de 2009 | Revista Via Legal 7 Foto: Roberto Fleury/UnB Agência CONSTITUCIONAL Com o “Trote Solidário”, a entrada na UnB tem sido um prêmio não só para os calouros, mas também para quem recebe as boas ações, como os alunos da Escola Classe 1 Foto: Roberto Fleury/UnB Agência na vida universitária, bem como ao conhecimento das instalações, do funcionamento dos equipamentos coletivos e dos serviços sociais disponíveis na instituição de ensino”. O relator do projeto, deputado Milton Monti (PR-SP), afirma que não há intenção de “criminalizar” o trote. “O objetivo é disciplinar a recepção dos calouros nas universidades, deixando claro o que não deve ser feito. Não há especificação de tipo penal porque isso já existe nas outras leis”. Na visão de Antonio Zuin, psicólogo, professor da Universidade Federal de São Carlos (SP) e autor do livro O Trote na Universidade: Passagens de um Rito de Iniciação, a prática reflete as relações entre professores e alunos. Assim, para mudá-la é necessário, primeiro, revisar o relacionamento entre docentes e estudantes e o papel da própria Universidade. "Do ponto de vista psicológico, o trote é como uma catarse do ressentimento que foi sendo acumulado em relação aos professores. Ele vai se transformando em ódio e acaba sendo exposto", explica. O estudioso aponta a banalização da violência, característica da sociedade atual, como outro fator que contribui para que o trote não seja encarado pelos alunos como um desrespeito. "As pessoas estão dessensibilizadas". E ele vai além: “participar do ritual, após ver pessoas próximas passarem por isso, chega a ser desejado, pois significa fazer parte de determinado grupo social”, resume. Prática medieval O trote é o que os antropólogos costumam chamar de ‘ritual de passagem’. Uma tradição medieval - no sentido temporal da palavra - já que a prática persiste desde a Idade Média. Segundo Antonio Zuin, os candidatos aos cursos das primeiras universidades europeias não podiam frequentar as mesmas salas que os veteranos e, portanto, assistiam às aulas a partir dos "vestíbulos" - local em que eram guardadas as vestimentas dos alunos. "As roupas dos novatos eram retiradas e queimadas, e seus ca- 8 Revista Via Legal | Agosto de 2009 belos, raspados. Essas atividades eram justificadas, sobretudo, pela necessidade de aplicação de medidas profiláticas contra a propagação de doenças", explica Zuin. Mais intrigante ainda é a origem do termo "trote": uma alusão ao andar do cavalo entre a marcha lenta e o galope. A aplicação da palavra ao mundo das relações entre calouro e veterano tem, na visão de Zuin, um significado claramente negativo. É como se o primeiro devesse ser "domesticado" pelo segundo "por meio de práticas vexatórias e dolorosas, que têm a função de esclarecer quais são as características das respectivas identidades". Os responsáveis por trazer a tradição para o Brasil estudaram Direito em Coimbra, como era comum entre a elite no século XIX. O trote, então, foi incorporado às "boas-vindas" nos cursos de Direito de São Paulo e Pernambuco. Em 1831, ocorreu a primeira morte de que se tem notícia: o estudante Francisco Cunha e Meneses, da Faculdade de Direito do Recife. A nova cara do trote Enquanto os tribunais e o Congresso analisam a possibilidade de endurecer as regras para punir responsáveis por trotes violentos, universidades e estudantes apostam num novo jeito para receber quem está chegando à instituição. A fama de violento está ficando para trás e aquela desculpa de "que todo mundo já passou por isso" não cola na hora de justificar exageros. O lema é usar criatividade, senso crítico e solidariedade onde antes havia violência gratuita e brincadeira de mau gosto. As iniciativas se multiplicam e são tão variadas quanto os sotaques. Há o trote cidadão, o social, o cultural, o ecológico e o solidário. Em todos os casos, o objetivo é guardar uma boa marca da entrada na universidade: desde que não seja na pele. As novas formas de integração são acompanhadas de consciência social e de participação ativa: doação de sangue, plantio de mudas, limpeza de terrenos e praias, diversão de crianças em instituições, pintura de escolas, arrecadação de doações para comunidades carentes. Desta forma, o ingresso na universidade passa a ser um prêmio também para quem recebe as boas ações. O Trote Solidário da Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, arrecada brinquedos, roupas, livros e alimentos que beneficiam instituições. Segundo um dos organizadores, o futuro professor de Educação Física Paulo Vítor Nascimento, “é uma iniciativa dos estudantes e tem um pouco de tudo. As atividades são desenvolvidas aproveitando a bagagem dos estudantes. A cada semestre, a Diretoria de Esporte e Cultura tenta organizá-lo melhor e institucionalizá-lo”. Além de receber doações, instituições selecionadas também se beneficiam com projetos, como o de reforço escolar para os alunos da Escola Classe 1 do Paranoá; o Projeto Vestibular Cidadão, realizado no Centro de Ensino Paulo Freire; o grupo de Terapia do Riso, que visita creches, abrigos e hospitais; o Projeto ‘Universitários Vão à Escola’, e o apoio ao Abrigo de deficientes e doentes mentais na Ceilândia. Muitas vezes, a oportunidade dos calouros vivenciarem o relacionamento com diferentes realidades desperta neles a consciência sobre os deveres e as responsabilidades sociais dos estudantes. Uma consequência é que muitos dos que participam da nova modalidade do trote acabam motivados a atuar em trabalhos voluntários. É o caso de Gaia Diniz, aluna do curso de Desenho Industrial. Depois de ter participado do Trote Solidário, ela se engajou na Associação Cultura e Educação Humana (ACEHU), que desenvolve projetos sociais voltados à formação profissionalizante. Gaia integra um grupo de universitárias de diversos locais do Brasil que promove um tipo de colônia de férias educativa em comunidades carentes. No início desse ano, ela esteve em Canindé, no interior do Ceará. “Nossa missão é promover o exercício da cidadania e melhorar a qualidade de vida, por meio de ações coordenadas de assistência social, educacional, cultural e profissionalizante”. CONSTITUCIONAL Bulling – quando a violência chega ainda mais cedo Muitas vezes, a violência não espera a chegada à Universidade. Começa bem antes, nos bancos escolares A escola é um ponto de referência. Um lugar para fazer amigos, estudar, conversar, brincar, crescer juntos. Mas, muitas vezes, não é isso que acontece. No mundo inteiro pais, educadores e psicólogos se preocupam com o crescimento da violência entre crianças e adolescentes. Às vezes são agressões físicas. Em outras, formas mais sutis e crueis, como gozações, ofensas e humilhações. Em ambos os casos, trata-se do que os especialistas chamam de bullying - palavra em inglês que quer dizer atormentar, perseguir, ou simplesmente, zoar. Um padrão de comportamento que, longe de ser próprio da idade, é um distúrbio que leva a vítima ao isolamento, à queda do rendimento escolar, a alterações emocionais e mesmo à depressão. Uma pesquisa encomendada ao Ibope pela Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência, e realizada com 5.482 alunos de 5ª à 8ª série de 11 escolas públicas e particulares do Rio de Janeiro, descobriu que a maior mágoa dos adolescentes é ser motivo de deboche dos colegas, principalmente na escola, lugar onde é mais importante ser aceito pelo grupo. Ainda segundo a pesquisa, 40% dos alunos já foram autores e vítimas de agressões e 28,3 % declararam ser vítimas dos colegas. Os alunos de 5ª e 6ª séries são as maiores vítimas: 56 %. No Distrito Federal, a Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (RITLA) lançou a pesquisa Revelando Tramas, Descobrindo Segredos: violência e convivência nas escolas, como resultado de uma investigação aprofundada das relações sociais e do clima Foto: Arquivo pessoal escolar. A partir de 11 mil questionários, entrevistas e observações de campo, o estudo identificou não apenas manifestações da chamada violência “dura”, mas também manifestações de violência simbólica e microviolências. Para a coordenadora da pesquisa, socióloga Miriam Abramovay, o retrato exposto no “Um processo de ensino e aprendizagem de qualidade é reflexo de um clima escolar livre de violência” Virgínia Rocha, pedagoga Virginia lembra que, na maioria dos países europeus, existem normas do Ministério da Educação que obrigam a escola a evitar o bullying. Na Inglaterra, por exemplo, as escolas aplicam sistemas de prevenção e de diálogo ou cursos de gerenciamento de emoções e controle da raiva. Esses cursos, os ‘Seals’ (‘Aspectos sociais e emocionais do aprendizado’), são obrigatórios em algumas escolas primárias. “Toda semana, durante uma hora, os alunos aprendem a gerenciar suas emoções, a trabalhar com uma atitude positiva, a exprimir seus problemas e suas preocupações”, exemplifica. Para ela, a alternativa é adotar mecanismos graduais que priorizem o diálogo e, Por que o bullying é praticado? sobretudo, a recompensa ao invés do castigo. Outra dica O que as vítimas devem fazer: O que o praticante do bullying é valorizar as estratégias que 1) Evitar a companhia de quem pratica o quer: envolvam a família, tanto dos agressores quanto dos bullying; 1) Obter força e poder; agredidos. “Os pais precisam 2) Jamais falar com o agressor sozinho. É 2) Conquistar popularidade na escola; saber lidar com a situação. O mais seguro falar com ele perto de outras 3) Esconder o próprio medo, amedronprimeiro grande passo é enpessoas; tando os demais; corajar as vítimas a denunciar 3) Não responder às provocações; 4) Tornar outras pessoas infelizes, já que seus agressores, já que uma 4) Não manter a agressão em segredo. Não ele próprio é infeliz; das dificuldades para identise deixar intimidar. Relatar os fatos aos 5) Vitimar outras pessoas por ter sido vítificar os casos é que a vítima professores, coordenadores, diretores ou ma de alguém no passado. costuma sofrer em silêncio, com medo de represália”, responsáveis. conclui a educadora. n estudo sintetiza a situação vivida na maioria das escolas públicas brasileiras, daí sua importância para todo o país. “Sem diagnóstico, qualquer política pública corre o risco de ser inócua”, garante a pesquisadora. Pedagoga e diretora de uma escola pública do Rio de Janeiro, Virginia Lucia Rocha convive com essa realidade e vai mais longe. “Um processo de ensino e aprendizagem de qualidade é reflexo também de um bom clima escolar, livre de violência. E não estou falando apenas da violência física, mas também de agressões verbais e xingamentos”, explica. Agosto de 2009 | Revista Via Legal 9 CONSTITUCIONAL Do Mestre sem carinho Decisões da Justiça Federal têm confirmado que a sociedade brasileira não tolera mais a discriminação, mesmo disfarçada, em forma de brincadeira Patrícia Picon – Porto Alegre (RS) “N egro é como inço em plantação de soja: depois que nasce, só matando”. Esta frase, dita numa sala de aula, causou mais que um incômodo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ronaldo dos Santos Freitas, o único aluno negro presente na sala, foi quem mais se sentiu atingido pela afirmação do professor de agronomia José Antônio Costa. No mesmo dia, o professor também teria afirmado que “negro de favela só tem dente branco porque toma água com flúor”. Depois do constrangimento, Ronaldo decidiu não ficar calado. Orientado por um parente que é militante de movimentos anti-racistas, ele procurou o Ministério Público Federal (MPF). A denúncia de racismo resultou em uma ação, julgada em abril deste ano pela Justiça Federal em Porto Alegre. O professor foi condenado a pagar multa no valor equivalente ao salário que ele recebia em 2000, época do crime. 10 Revista Via Legal | Agosto de 2009 CONSTITUCIONAL Durante o processo, José Antônio ainda tentou se justificar afirmando que não usou a palavra ‘negrinhos’ de forma pejorativa. Outra alegação do professor foi que, ao comparar os negros a uma praga que atinge as lavouras, ele apenas repetia um provérbio conhecido na colônia italiana. A referência, neste caso, seria positiva. Segundo o professor, a intenção era realçar o vigor da raça negra. Os argumentos não convenceram o juiz federal Roger Raupp Rios, convocado para atuar no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Para o magistrado, não é necessário que tenha havido a intenção discriminatória para que o acusado seja punido. “Ninguém sustentaria que pessoa culta e experiente, ao utilizar-se deliberadamente de frases como essas, não sabia que estava reproduzindo preconceito voltado contra certos grupos da sociedade”, afirmou na decisão. Já na esfera administrativa, as alegações do professor foram aceitas. A UFRGS chegou a abrir uma sindicância, mas acabou prevalecendo o entendimento de que a intenção do docente foi apenas “criar um ambiente mais descontraído no primeiro dia de aula”. O relatório da investigação interna foi que, embora inapropriadas, as expressões não caracterizavam discriminação racial, considerando o contexto em que foram usadas. Para Ronaldo, vítima da postura no mínimo equivocada do professor, a decisão judicial significa cidadania. “Existe um racismo velado, brincadeiras, piadas”, diz, confirmando que as atitudes racistas ainda são frequentes no país. O hoje agrônomo recorda o que sentiu quando ouviu as frases racistas justamente de quem deveria dar o exemplo para combater a discriminação. “Minha reação foi de total apatia, como se tivesse tomado uma paulada sem ver. A reação de alguns foi a risada. Depois lembraram que eu era o único negro e voltaram olhares para mim”, relatou. Procurado pela Revista Via Legal, o professor, hoje aposentado, informou por meio do advogado que não pretende dar entrevistas e nem recorrer da decisão judicial. n Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Foto: Diego Beck/TRF4 Racismo contra índios Marcelo Ferraz – Vitória (ES) Um ano de prestação de serviço à comunidade. Essa foi a pena determinada pela Justiça Federal da 2ª Região ao colunista Gutman Uchoa de Mendonça, do jornal A Gazeta, do Espírito Santo, pelo crime de racismo contra índios. Em 2000, Uchoa foi autor de três artigos classificados como racistas e discriminatórios. Os textos, segundo o processo, incitariam e induziriam a discriminação contra minorias. Em seu voto, o relator do caso no TRF2, desembargador federal André Fontes, explicou que o colunista atribuiu aos índios adjetivos claramente discriminatórios, tais como “indolentes”, “preguiçosos”, “ociosos”, “inúteis” e “arredios”, ofendendo também a cultura indígena ao qualificá-la como “burra”, “estúpida” e “predatória”. Para o magistrado, o direito de liberdade de expressão “não deve ser exercido de modo absoluto, irrestrito, sob pena de violação de outros valores igualmente relevantes, como o princípio da dignidade humana”, ressaltou. Para ele, se o réu, “de forma consciente e voluntária, por meio de artigos publicados em jornal, praticou, induziu e incitou a discriminação contra os índios, incorreu no tipo penal de racismo”, concluiu. Agosto de 2009 | Revista Via Legal 11 CONSTITUCIONAL O preço da fé O que cada um faz em nome da fé é protegido por lei, mas isso não evita as críticas no caso de comportamentos extremos. Para as testemunhas de Jeová, por exemplo, a opção de não receber sangue, mesmo com risco de morte, é até registrada em cartório. Mas será que o direito à crença pode se sobrepor ao direito à vida? Alessandra de Castro – Brasília (DF) E las só aceitam as escrituras bíblicas como verdade. Pregam a palavra de Deus em grupos. Vestem-se de maneira discreta e condenam o que chamam de vícios da vida mundana. O forte apego à doutrina impõe várias restrições à vida das seis milhões de testemunhas de Jeová espalhadas pelo mundo. Elas não prestam serviço militar, não cantam o Hino Nacional e nem participam de movimentos políticos. Mas, a postura mais polêmica é a que faz com que rejeitem a transfusão de sangue. Todo membro da congregação tem uma carteirinha registrada em car- Foto: Uanderson Pontes/TRF1 12 Revista Via Legal | Agosto de 2009 tório na qual oficializa a decisão de não receber sangue em hipótese alguma, mesmo em caso de risco de morte, o que faz das testemunhas de Jeová alvos de polêmicas e até de questionamentos judiciais. Os fiéis acreditam que o sangue é algo sagrado, que significa vida e, por isso, receber uma transfusão seria desrespeitar uma ordem de Deus. Darlyson Feitosa, doutor em Ciência da Religião, afirma que este entendimento se baseia em versículos “soltos” na Bíblia, sem con- textualização. Nesses trechos, os seguidores de Jesus seriam orientados a se “abster de questões de sangue”. O especialista rebate: “A encarnação de Cristo representa essencialmente amor e como é que nós mostramos que amamos uma vida? Quando queremos preservar e salvar aquela vida. É por isso que a maioria dos grupos cristãos não condena a transfusão de sangue”, observa Feitosa. CONSTITUCIONAL As decisões envolvendo transfusões de sangue são sempre muito difíceis e criticadas. No Brasil, não são raros os casos em que médicos e hospitais buscam apoio judicial para realizar transfusões em pacientes que recusam o procedimento em nome da fé. Há um ano, a auxiliar administrativa Josinalda Araújo viveu esse drama. Logo depois do parto da primeira filha, os médicos detectaram uma bactéria rara na barriga dela. Foram seis meses de tratamento só para se livrar dos microorganismos. O passo seguinte foi uma cirurgia plástica, necessária para reconstruir o abdômen. Josinalda teve complicações durante a operação. “Quando eles abriram e viram que tinha sangue coagulado, minha médica falou que eu precisaria de uma transfusão de sangue”, relembra. Testemunha de Jeová há mais de quinze anos, ela conta que, mesmo diante dos apelos da médica, nem considerou a indicação. “Ela falava que eu tinha uma filha e que não poderia morrer e deixá-la sozinha, mas eu disse que existiam outros meios de resolver o problema”, recorda. A família de Josinalda acionou uma equipe médica preparada para lidar com situações semelhantes. “Fui transferida para outro hospital e comecei a tomar o medicamento. Com uma semana, o hematócrito (taxa de glóbulos vermelhos no volume total de sangue) subiu”, conta, se referindo ao tratamento alternativo a que foi submetida. Para garantir que em casos como o de Josinalda a pessoa tenha a vontade respeitada, a Igreja mantém uma comissão permanente. Atualmente, Heraclides Cambuy é quem preside a Comissão de Ligação com os Hospitais das Testemunhas de Jeová no Distrito Federal (Colih). Ele defende a substituição do sangue por drogas especiais. “Os médicos descobriram que é possível fazer grandes cirurgias sem hemoderivados. São usados certos medicamentos que estimulam a medula a produzir mais sangue. Há também outro equipamento que suga o sangue, filtra e depois devolve ao paciente durante o ato cirúrgico”, afirma. No entanto, as medidas alternativas não são uma unanimidade entre os médicos. Muitos ainda têm reservas. “Algumas partes do sangue podem ser complementadas com elementos, outras, não”, explica o presidente do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, Alexandre Castillo. Ele lembra que, via de regra, os médicos são orientados a respeitar a vontade do paciente, mas em casos de gravidade comprovada, os profissionais têm o poder de decidir. “Se após um exame minucioso, o médico entender que se a transfusão não for feita com rapidez o paciente morre, ele pode fazer”, enfatiza Castillo. Mas isso não impede que situações graves sejam levadas à Justiça. Em Goiás, os médicos de um hospital universitário precisaram da autorização do Tribunal Regional Federal da 1ª Região para fazer a transfusão em um paciente com risco de morte. O desembargador federal Fagundes de Deus foi quem permitiu a intervenção. “O direito à crença religiosa não pode se sobrepor ao direito à vida”, avalia o magistrado. O advogado Ulisses Borges de Resende, que pertence a um Tribunal Eclesiástico em Brasília, afirma que alguns pacientes que sobreviveram após uma transfusão feita a contragosto, processaram os médicos responsáveis pelo procedimento. Ainda assim, o advogado ressalta que, para a Justiça, o comprometimento do profissional de saúde é com a vida, que está acima de qualquer impedimento religioso. “Seguramente, o médico terá em sua defesa fortes argumentos para justificar a realização de uma transfusão em uma situação dessas”, finaliza. n Foto: Ascom/TRF1 Josinalda Araújo viveu um drama ao negar-se a realizar uma transfusão de sangue Agosto de 2009 | Revista Via Legal 13 ADMINISTRATIVO Servidor com prazo de validade Entrar para o serviço público nem sempre é sinônimo de estabilidade. Os concursos para vagas temporárias são previstos em lei e atendem à necessidade de excepcional interesse público. Mas não são raros os casos em que a aplicação da lei que permite esse modelo de concurso é questionada nos tribunais Ana Cristina Sampaio – Brasília (DF) E stabilidade e remuneração acima da média oferecida pelo mercado. É a combinação desses dois fatores que tem motivado milhares de brasileiros a disputar uma vaga no serviço público. Quem está nesse grupo encara a dedicação aos estudos, imprescindível à aprovação nos concursos, como um sacrifício que vale a pena. Jaciene Nascimento e Marcos Vinícius dos Santos percorreram o mesmo caminho de muitos aprovados - foram meses de muito estudo. A diferença é que, mesmo público, o emprego que conquistaram não veio acompanhado das garantias tão cobiçadas. Eles são servidores temporários: concursados segundo as regras da Lei 9.745/93, criada para regulamentar o que havia sido previsto na Constituição. Os chamados “concursos temporários” devem ser realizados em situações emergenciais ou para atender a necessidades provisórias. A própria lei especifica os casos de “necessidade temporária de excepcional interesse público”. A lista inclui assistência em situação de calamidade pública, combate a surtos endêmicos, realização de recenseamentos, criação de órgãos ou programas de governo e demandas sazonais decorrentes de trabalhos inesperados, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal. Mas, nos últimos anos, surgiram suspeitas de que nem todos os concursos temporários atendem à legislação. Nos últimos meses tem crescido o número de processos judiciais questionando a legalidade e a necessidade desses concursos. Apenas o juiz federal Alexandre Vidigal de Oliveira, da 20ª Vara do Distrito Federal, analisou quatro ações questionando a validade de processos seletivos para vagas temporárias. Em três delas, ele suspendeu a realização dos concursos. Os impedimentos foram motivados por aspectos diferentes. No caso da seleção para o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), a Justiça Federal impediu a realização de concurso temporário para 200 técnicos de nível superior. O principal fundamento é que a remuneração oferecida aos aprovados era superior à dos servidores de carreira. Para o juiz, a diferença é um prova de que a Lei 9.745/93 estava sendo desrespeitada. Alexandre Vidigal também proibiu a realização do concurso temporário lançado pela Escola Superior de Administração Fazendária (ESAF), que pretendia contratar advogados para o Ministério da Integração Nacional. Na decisão, o magistrado frisou que por lei os serviços na área jurídica são exclusivos da carreira da Advocacia Geral da União. O mesmo critério também impediu a seleção para 100 vagas de advogados na área jurídica do Executivo federal. Neste caso, o questionamento foi apresentado pela União dos Advogados Públicos Federais do Brasil. Já no caso do concurso para 100 profissionais temporários no Ministério do Turismo, o juiz Alexandre Vidigal considerou que realmente havia necessidade temporária de mão-de-obra e, por isso, autorizou o concurso. 14 Revista Via Legal | Agosto de 2009 ADMINISTRATIVO Foto: Paulo Rosemberg/CJF Foto: Arquivo Min. Planejamento Juiz Federal Alexandre Vidigal Transparência O secretário de Gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Marcelo Viana Estevão de Moraes, defende a contratação temporária como forma permanente de “fechar a torneira da terceirização irregular no serviço público”. Segundo o secretário, a terceirização impede a transparência nas contratações públicas. “Não há processo seletivo, nem clareza com relação ao tempo do contrato, remuneração e perfil de qualificação. Sem falar que não há redução nos custos”, afirma. Marcelo Viana garante que o governo tem seguido à risca o cronograma de substituição de mais de 12 mil terceirizados que estavam em situação irregular na administração pública federal e que, inclusive, já foi autorizado um concurso público para cerca de 40% desse montante. “Em 2008 autorizamos 5.207 contratações temporárias. Lembramos que autorizar não significa contratar imediatamente. A contratação fica a cargo dos órgãos que precisam dos funcionários. Em 2009, já autorizamos, até o momento, 4.745 contratações temporárias”, explica. A necessidade sazonal de mão-de-obra na administração pública também é justificada pelo secretário de Gestão. Ele usa como exemplo o que ocorre no comércio, que registra um acréscimo grande na demanda por trabalhadores nos últimos meses do ano. “Na administração Secretário de Gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Marcelo Viana Estevão de Moraes pública é a mesma coisa. Eu não posso criar uma força de trabalho permanente com base numa evolução temporária da demanda porque aqueles trabalhadores que entram em caráter permanente vão ficar por 30, 40 anos, até a aposentadoria”, diz. O juiz Alexandre Vidigal alerta que todo cidadão pode denunciar possíveis irregularidades envolvendo concursos públicos federais. “O correto é que as contratações temporárias só sejam feitas quando realmente forem necessárias e estiverem de acordo com a lei”, enfatiza, lembrando que a legislação brasileira é clara quando determina que os quadros de funcionários nos órgãos públicos devem ser formados por servidores efetivos, aqueles que passaram pelos concursos tradicionais. Opção para muitos que buscam uma vaga na administração pública, a contratação temporária não substitui a vontade de se tornar um servidor público. Cientes de que seu contrato de trabalho como jornalistas no Ministério da Justiça é regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e não pela Lei 8.112/90 (que dita as regras dos servidores públicos), Jaciene e Marcos preferem considerar o contrato temporário como um trampolim para a conquista de um cargo público definitivo. “Queremos passar em um concurso regido pela Lei 8.112/90!”, garantem. n Marcus Vinicius dos Santos e Jaciane Nascimento são servidores temporários do MInistério da Justiça Fotos: Edson Queiroz/CJF Agosto de 2009 | Revista Via Legal 15 ADMINISTRATIVO Quem opta pelos desenhos no corpo ainda corre o risco de ser vítima de preconceito e discriminação. Quando a intolerância acontece no mercado de trabalho, uma alternativa é recorrer aos tribunais Alessandra de Castro – Brasília (DF) H á exatos 240 anos, o navegador inglês James Cook desembarcou na Polinésia e descobriu que, ao invés de roupas, os habitantes das ilhas usavam desenhos para cobrir o corpo. A experiência, relatada no livro de bordo do explorador, é um dos primeiros registros da existência da tatuagem que, mais de um século depois, passou a ser usada para identificar criminosos. Essa prática, criada por conterrâneos de Cook, fez com que a arte passasse a ser associada à marginalidade. Um traço que até hoje persegue aqueles que ‘imprimem’ na própria pele códigos, frases ou imagens. Ao longo dos últimos anos o preconceito diminuiu, mas é difícil encontrar um tatuado que nunca tenha sido alvo de resistência. Uma discriminação que também existe no mercado de trabalho e que, muitas vezes, leva empregadores ao banco dos réus. No Brasil, a disseminação da tatuagem aconteceu no século passado e, desde o início, esteve relacionada ao submundo. O responsável pela divulgação da arte foi um dinamarquês que tinha loja nas proximidades do porto de Santos, em São Paulo. Isso em meados da década de 1960. Como o local era tradicional ponto de boemia e prostituição, não demorou para que a atividade fosse associada àquele universo. Um estigma que só começou a perder força nos últimos anos, quando a tatuagem passou a ser aceita em todas as camadas da sociedade. 16 Revista Via Legal | Agosto de 2009 Aos 46 anos, Nina Gonçalves trabalha como relações públicas. As três tatuagens e o piercing colocado no umbigo são a prova de que o estilo não agrada apenas os mais jovens. “A ideia da tatuagem veio depois que me separei, para marcar um momento de liberdade. Já o piercing, coloquei por exibicionismo mesmo”, admite. Ela assegura que os acessórios nunca foram motivo de piadas ou discriminação. Mas o avanço relatado por Nina ainda está longe de ser regra no Brasil. Em geral, o mercado de trabalho costuma tratar com diferença quem carrega essas marcas no corpo. Em grande parte das empresas privadas, a discriminação acontece de maneira sutil. E como o empregador tem o direito de escolher o perfil do candidato que procura, se a empresa é mais tradicional, nada impede que o concorrente à vaga seja dispensado ainda na entrevista. E, nesse caso, o mais comum é que se apresentem outras justificativas para a dispensa. No âmbito do serviço público é mais fácil questionar a exclusão. Os militares são os mais rigorosos e, muitas vezes, incluem a restrição já no edital do concurso. As contestações, invariavelmente, são levadas ao Judiciário. Foi o que fez um candidato que perdeu o direito de participar de um curso de formação da Aeronáutica por conta das tatuagens. O processo foi analisado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Os desembargadores entenderam que as figuras do Cruzeiro do Sul e de ADMINISTRATIVO um lobo desenhadas no corpo do rapaz não se chocavam com a postura exigida de um integrante das Forças Armadas. Por isso, a eliminação dele do processo seletivo foi considerada ilegal. O advogado Eduardo Lycurgo concorda com a decisão dos desembargadores. “A princípio, um concurso não pode fazer essa segregação, até porque, se eu aprovo um candidato hoje, quem pode impedi-lo de fazer uma tatuagem amanhã? Qual será a pena?”, provoca. Arrependimento Mesmo que aos poucos o comportamento das pessoas esteja mudando, muita gente que fez tatuagens costuma se arrepender. O índice dos que tentam se livrar dos desenhos é alto. Pelo menos é o que garante o dono de um estúdio brasiliense de tatuagem e piercing, conhecido apenas como Ed Piercier. Ele conta que é comum receber pessoas com mais de 30 anos que querem modificar completamente um desenho ou um nome tatuado aos 15, por exemplo. “Antes de começar qualquer trabalho, a gente procura orientar bem, para que a pessoa decida se é aquilo mesmo, para que ela pense no futuro”, afirma Ed, reforçando a máxima de que tatuagem é para sempre. Mas quem está decidido, dificilmente volta atrás na última hora. Por isso, são tão comuns histórias de arrependimento. Uma prova está nos consultórios médicos. O dermatologista Francisco Leite diz que, por mês, atende a pelo menos três pacientes interessados em se ver livres das tatuagens. “São basicamente dois grupos de pessoas: um, daquelas cujo amor durou menos que a tatuagem e agora querem apagar os nomes que ficaram, e o outro, das pessoas que estão ingressando no mercado de trabalho e, de alguma maneira, estão se sentindo discriminadas”, avalia o médico. “Antes de começar qualquer trabalho, a gente procura orientar bem, para que a pessoa decida se é aquilo mesmo, para que ela pense no futuro” Ed, dono de um estúdio de tatuagem e piercing em Brasília Fotos: Uanderson Pontes/TRF1 Agosto de 2009 | Revista Via Legal 17 ADMINISTRATIVO O PREÇO DO ARREPENDIMENTO Processo de remoção da tatuagem é longo, caro e trabalhoso Fotos: Uanderson Pontes/TRF1 Se livrar do visual desenhado é um processo longo, caro e trabalhoso. Quem quer ou precisa remover uma tatuagem tem que se submeter a um tratamento com laser (fotos). O número de sessões depende da imagem a ser retirada: quanto mais colorida e profunda, mais difícil de ser apagada. As pessoas de pele clara respondem melhor ao tratamento. Os resultados são bons mas, apesar de toda tecnologia, os especialistas dizem que dificilmente a pele volta a ser exatamente como era antes. A auxiliar de enfermagem Meire Ferreira está enfrentando o processo para se livrar de uma tatuagem. A primeira sessão a laser para remover a letra b desenhada no pescoço já foi feita. Segundo Meire, a letra foi uma homenagem ao pai já falecido que a chamava pelo apelido de branca. O fato de a tatuagem ser preta, superficial e bem pequena aumenta as chances de não sobrarem vestígios. “Como eu trabalho de cabelo preso, ela fica sempre exposta. Como meu nome é Meire, ninguém entende o porquê de um ‘b’ no pescoço, principalmente os namorados”, diverte-se, sem saber o tempo que terá que esperar para concluir o processo. Também no aspecto financeiro, as perspectivas não são animadoras. O médico faz uma comparação. “Multiplique por cinco o que você gastou para fazer a tatuagem. É o que você deve gastar para removê-la. São em média 10 sessões, uma por mês”, calcula Francisco Leite. n Orientações dos médicos •Na dúvida, não faça a tatuagem. •Dê preferência à tatuagem “vazada” e de contorno preto. Quanto mais colorida, mais difícil de ser removida. •Antes de fazer a tatuagem, procure um dermatologista, que pode indicar cremes que preparam a pele para a pigmentação e evitam inflamações futuras. •Exija que o profissional higienize as mãos, use luvas, máscara e material descartável para a aplicação, e que não reutilize as tintas. Dicas dos tatuadores •Não tenha pressa na hora de escolher o desenho. Busque inspiração nas revistas especializadas que apresentam inúmeras sugestões. •Escolha com cuidado o local do corpo que será tatuado. Pense nos prós e contras de fazer uma tatuagem que não poderá ser camuflada em uma ocasião mais formal, por exemplo. •Procure saber se o tatuador é experiente e reconhecido por outros profissionais. •Verifique as condições de higiene do estúdio. Novidades na fiscalização Os fabricantes de pigmentos e acessórios usados em tatuagens têm até 8 de fevereiro de 2010 para obter o registro de seus produtos na Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. As tintas, por exemplo, vão precisar passar por testes para comprovar que não são tóxicas. Atualmente, o controle sanitário se restringe às inspeções dos estúdios de tatuagem, realizadas pelas vigilâncias sanitárias municipais. 18 Revista Via Legal | Agosto de 2009 Tributário Justiça nas estradas Além de multar veículos estrangeiros, agora a Polícia Rodoviária Federal também pode apreender os automóveis caso as infrações não sejam pagas. Medida quer reduzir a imprudência no trânsito e garantir mais tranquilidade nas estradas Analice Bolzan e Patrícia Picon – Porto Alegre (RS) A combinação de férias escolares e clima quente parece um estímulo irresistível para pegar a estrada. É em janeiro que o Brasil recebe o maior número de turistas. No verão deste ano, cerca de 400 mil entraram no país só pelas fronteiras do Rio Grande do Sul segundo a Secretaria Estadual de Turismo. Para os motoristas, uma novidade: na hora de voltar para casa, quem havia sido multado teve o carro retido. Por determinação da Justiça Federal, somente após o pagamento das infrações, os veículos puderam deixar o Brasil. A discussão é antiga. A exigência entrou em vigor em 1998, com a publicação do Código de Trânsito Brasileiro. No entanto, a legislação que pretendia conter a imprudência nas estradas e reduzir a inadimplência não saiu do papel. Os veículos continuaram atravessando a fronteira sem pagar as multas. Apenas sete anos depois, os Detrans e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) decidiram intensificar a fiscalização e passaram a exigir o pagamento dos motoristas estrangeiros antes que eles saíssem do país. Na época, por entender que a medida impossibilitava a defesa do motorista, o Ministério Público Federal(MPF) propôs uma ação civil pública para suspender a retenção. Para o MPF, a exigência ignora a lei que prevê um tempo hábil para que o suposto infrator possa contestar a punição. A Procuradoria sugeriu que os automóveis com multas não pagas nos últimos cinco anos fossem impedidos de voltar ao Brasil até a quitação da dívida. A retenção dos veículos chegou a ser suspensa de forma provisória enquanto a ação civil pública estava em tramitação. Mas, na sentença, o juiz federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior negou a proposta do MPF. Para ele, a solução sugerida era “juridicamente inviável”. A decisão de primeira instância foi questionada, mas acabou mantida no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Com isso, a União voltou a reter os carros que tentavam deixar o Brasil sem pagar as multas. O relator do processo no TRF4, juiz federal Sérgio Renato Tejada Garcia, convocado para atuar como desembargador, justificou a decisão como uma forma de reduzir a sensação de impunidade que, segundo ele, é um incentivo às infrações. “Há um desrespeito grande às leis de trânsito. A repressão mais forte e a certeza de que as multas vão ser cobradas devem reduzir a violência nas estradas”, declarou. Viagem interrompida Para cumprir a decisão judicial, a PRF montou a Operação Reciprocidade. Os fiscais intensificaram o trabalho nas fronteiras do Rio Grande do Sul, além de cobrar todas as multas emitidas a estrangeiros nos últimos cinco anos. A operação durou de janeiro a março e terminou com oito mil pagamentos que renderam mais de R$ 1 milhão aos cofres públicos. De acordo com a PRF, em média, 20 veículos estrangeiros são multados e retidos por dia no Rio Grande do Sul. Os argentinos são considerados os mais imprudentes. Em entrevista ao jornal Zero Hora de Porto Alegre, o empresário Jorge Henrique Adano, que mora em Buenos Aires, alegou que seus conterrâneos correm nas estradas porque todo turista quer chegar rápido ao Brasil. Em 2005, ele teve o carro retido na fronteira. Só foi liberado depois de pagar duas multas por excesso de velocidade, o que atrasou a viagem em cinco horas. “Acho que 80 km/h é uma velocidade muito restritiva. Na Argentina, em algumas rodovias, a velocidade permitida é de 130 km/h”, reclamou. No ano passado, apenas 2,7% dos turistas multados acertaram as contas. Com a retenção dos veículos, a arrecadação desses valores fica garantida. Ainda que os motoristas não possam ser impedidos de cruzar a fronteira, terão que deixar seus carros, que ficam no Brasil até o pagamento. A principal reclamação de argentinos e uruguaios retidos no retorno das férias foi a falta de informação. “Deixei toda a plata acá”, reclamava um deles, dizendo não ter sobrado dinheiro para quitar as multas aplicadas pelos policiais. O problema do pagamento O procedimento, de início, é simples. Ao chegar à fronteira, o turista repassa os documentos ao policial que consulta a situação do veículo no sistema do Detran. Se houver alguma multa, é emitido um boleto bancário. É aí que surge outro problema. Nos primeiros três meses, o pagamento podia ser feito nos próprios postos da PRF. Mas, desde março, o procedimento passou a ser restrito aos bancos e, portanto, ao horário bancário, o que tem gerado transtornos para os turistas, já que muitos voltam para casa no fim de semana, quando as agências estão fechadas. Por enquanto, segundo a PRF, ainda não há previsão de estender os locais de cobrança a lotéricas, lojas de conveniência e postos de gasolina. Por isso, é bom que os turistas fiquem atentos às leis de trânsito brasileiras para evitar contratempos na volta para casa. n Agosto de 2009 | Revista Via Legal 19 PREVIDENCIÁRIO Perigo que gera direitos O direito dos trabalhadores à aposentadoria especial é um assunto ainda desconhecido por muitos. Na maioria das vezes, o benefício só é conquistado com ações na Justiça Camila Cotta – Brasília (DF) U m tempo menor de trabalho para compensar a exposição a riscos ou a produtos que podem ser uma ameaça à saúde. Essa é a lógica da aposentadoria especial garantida pela legislação brasileira. Os critérios que definem quem tem direito ao benefício estão previstos na Lei 8.213/91, que diz, por exemplo, que quem exerce atividades com risco químico, físico ou biológico pode se afastar depois de 15, 20 ou 25 anos de trabalho. No entanto, para muita gente, esse direito só é conquistado depois de uma batalha judicial. Esse foi o caminho escolhido por Luiz Airton Rodrigues Oliveira, que passou boa parte da vida fazendo serviços de limpeza em hospitais. O contato com produtos químicos, gente doente e resíduos contaminados não foi suficiente para que o INSS reconhecesse que ele desenvolvia uma atividade insalubre, assim como ocorre com os profissionais da área médica. O trabalhador recorreu à Justiça e, embora tenha perdido na primeira instância, em Santa Catarina, saiu vitorioso quando o processo foi analisado pela Turma Nacional de Uniformização. Cabe à Turma dar a palavra final em ações impetradas nos juizados especiais federais e que tenham recebido decisões divergentes nos estados. Como Luiz Airton, outros trabalhadores apostam nos tribunais para vencer a batalha com o INSS. O metalúrgico Antônio de Souza, que vive em São Paulo, é um deles. Em entrevista concedida ao programa Via Legal, em abril deste ano, ele afirmou que trabalha há 33 anos na mesma empresa e que já sofreu quatro acidentes de trabalho. Ele tenta se aposentar há um bom tempo, mas não consegue. “Não vou perder essa luta. Fico triste e frustrado com o que aconteceu comigo. Vou atrás dos meus direitos. Por que minha aposentadoria não sai?”, desabafa seu Antônio, afirmando em seguida que sempre usou equipamentos de segurança. 20 Revista Via Legal | Agosto de 2009 PREVIDENCIÁRIO Advogado João Celso Neto Anadergh Branco, Laboratório de Saúde da UnB Fotos: Edson Queiroz Josina dos Santos, trabalhadora A briga dos trabalhadores não acontece apenas quando o pedido é pela aposentadoria. Receber o adicional, também previsto em lei, nem sempre é fácil. O acréscimo pode chegar a 40% do salário nos casos em que o trabalhador se enquadra no nível máximo de insalubridade. Josina Carvalho dos Santos só soube agora que pode ter direito ao adicional. “Trabalho na limpeza da sala de enfermagem de um Tribunal. Mexo com produtos químicos e materiais infecciosos. Agora que sei que tenho direito, vou buscar até conseguir”, resume a trabalhadora que exerce a função há cinco anos. A falta de informação é apontada como uma das principais causas do não recebimento do benefício como a aposentadoria especial. “Muita gente desconhece o que diz a lei: quem pode e quem não pode receber os benefícios e como fazer para obtê-lo”, confirma o advogado e especialista em Direito Previdenciário João Celso Neto. Ele lembra que o tratamento diferenciado se deve ao fato de que, com o tempo, a exposição pode comprometer a saúde e até a integridade física do profissional. “Dessa forma, o trabalhador perde parte de sua condição laboral, e esse tempo reduzido propicia que ele pare de trabalhar mais cedo em razão das agressões que sofre no dia a dia”, afirma. A enfermeira Maria do Bonfim trabalha há 35 anos em um hospital em Itabuna da Serra, São Paulo. Já poderia ter se aposentado, mas por desconhecimento, não solicitou o benefí- cio especial. Por isso, só vai se afastar do trabalho no fim de 2009, quando completa o tempo de contribuição exigido para os trabalhadores em situação convencional. “Não tem mais jeito de correr atrás do tempo perdido”, lamenta. Ela sabe que se prejudicou por falta de informação. “Infelizmente não tive a oportunidade de receber nem o adicional de insalubridade. Mas espero que meu caso sirva de exemplo para outras pessoas”, afirma. Exigências A aposentadoria especial garante 100% do salário de benefício, ou seja, a pessoa contribui por um tempo menor, mas recebe o mesmo valor destinado ao trabalhador que cumpre todo o prazo de contribuição. Para isso, é preciso comprovar a exposição aos riscos e o tempo previsto em lei. A comprovação deve ser feita em formulário do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), preenchido pela empresa com base em outro documento, o Laudo Técnico das Condições Ambientais de Trabalho (LTCA), expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho. Também é preciso comprovar o pagamento de, no mínimo, 180 contribuições mensais. O técnico do INSS em São Paulo, Hilton Salzedas, chama a atenção para um aspecto que, em muitos casos, acaba gerando confusão. Ele lembra que apenas o fato do trabalhador usar equipamentos de proteção não significa que a atividade desenvolvida é insalubre, ou que este trabalhador tenha di- reito ao adicional ou mesmo à aposentadoria especial. Ele lembra que são necessários documentos e laudos para garantir o benefício. “Muitos trabalhadores não conseguem o direito à aposentadoria especial pela falta de documentação adequada. Precisamos de dados concretos para que o médico perito faça uma análise obedecendo aos critérios da Previdência Social”, reforçou. O número de pedidos de aposentadorias especiais é crescente no país. Um fenômeno que, segundo a doutora em medicina e coordenadora do laboratório de saúde da Universidade de Brasília (UnB), Anadergh de Abreu Branco, advém da forma como a questão vem sendo conduzida no Brasil. Para ela, a legislação favorece um pensamento equivocado de que é mais cômodo pagar a insalubridade do que fazer melhorar as condições de trabalho. “Essa monetização do risco é, no mínimo, indecente. Não sou eu que estou dizendo isso. Estudiosos, até de outros países, nessa área de insalubridade veem isso como um problema vergonhoso. Eu te pago, e ganho o direito de te adoecer”, avalia. Ainda de acordo com Anadergh Branco, essa distorção faz com que a aposentadoria especial seja considerada um problema. “Temos de estabelecer condições de obrigar as empresas a melhorar as condições de trabalho. Temos que mudar, e não dar a cerca de 80% da população o direito à aposentadoria especial”, finalizou. n Principais doenças geradas pelo trabalho: Dorsalgia (dor nas costas), fratura de mão, tendinite, fratura de pé, Síndrome do Túnel do Carpo (dor, alterações da sensibilidade ou formigamentos no punho), lordose (curva interna da coluna lombar), depressão. Agosto de 2009 | Revista Via Legal 21 PENAL Crime virtual, um perigo real Cada vez mais, os usuários da Internet procuram a Justiça quando descobrem que tiveram seus direitos violados. Como falta legislação específica, os crimes têm sido julgados com a aplicação de leis já existentes. Isso é possível porque a maioria das infrações é conhecida. A diferença é que muitas delas vêm sendo cometidas no espaço cibernético Thaís Del Fiaco Rocha – Brasília (DF) D a mesma forma que facilita a vida das pessoas e encurta distâncias, a Internet também pode ser uma ameaça. É cada dia maior o número de crimes praticados com o uso das chamadas “ferramentas digitais”. A boa notícia é que a Justiça tem aumentado o rigor contra os infratores. Um levantamento recente mostrou que nos últimos sete anos as decisões envolvendo abusos virtuais aumentaram 42 vezes: saltaram de 400, em 2002, para 17 mil no início de 2009. As punições ajudam a acabar com a sensação de que o espaço virtual é um território livre, sem lei, um conceito que já foi regra no mundo inteiro. O crescimento no total de ações prova ainda que, cada vez mais, os usuários da rede buscam ajuda quando descobrem que tiveram os direitos violados. O país ainda não possui uma legislação específica destinada a regular o uso do espaço virtual. Entretanto, segundo consultores jurídicos, isso não significa impunidade. A aplicação de outras leis garante o enquadramento jurídico de cerca de 95% dos crimes cometidos por meio eletrônico. Os 5% restantes abrangem transgressões que só existem no mundo virtual, como a distribuição de vírus eletrônicos. Este “aproveitamento” de normas é possível porque a maioria das infrações já é conhecida da polícia. A lista é longa e inclui casos como falsidade ideológica, racismo, extorsão, ameaças, violação dos direitos autorais, pedofilia, estelionato, roubo de informações sigilosas ou de senhas bancárias e crimes contra a honra (difamação, calúnia, injúria). A diferença é que agora muitos deles são cometidos no espaço cibernético. Outro avanço nesta luta tem sido a postura do Superior Tribunal de Justiça de consolidar e aplicar dispositivos dos Códigos Penal e Civil, entre outros, como “pirataria”. Apesar desta evolução do Judiciário, o juiz federal Carlos Eduardo Delgado ressalta que o uso da Internet, mesmo com todo crescimento, ainda é algo novo em termos jurídicos e que, por isso, a legislação não está completamente preparada. “É imprescindível a atuação legislativa do Estado, criminalizando condutas e, com isso, permitindo a responsabilização penal pelos crimes”, explicou. Tipificação de crimes Para que possam ser tipificados e, o mais importante, punidos, os crimes virtuais devem estar previstos em lei. Desde 2003, o Congresso Nacional discute a criação de regras próprias. Em seis anos a proposta já recebeu dezenas de emendas e continua em tramitação na Câmara. Já o Senado aprovou, em 2008, a tipificação de 13 crimes cometidos por meio eletrônico. A versão aprovada faz adaptações em “O usuário do sistema não pode se furtar às suas responsabilidades sob o manto da liberdade de expressão” Juiz Federal Carlos Eduardo Delgado Foto: Edson Queiroz 22 Revista Via Legal | Agosto de 2009 PENAL seis leis, como o Código Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a norma que trata da discriminação racial, conhecida como Lei Afonso Arinos. Entre os crimes estritamente ligados à popularização da rede de computadores está o envio de fotos pessoais, sem autorização, por meio eletrônico. O texto também inclui o ato de armazenar fotos de conteúdo pedófilo como prática criminosa. Antes disso, apenas a comercialização ou distribuição das imagens caracterizavam o crime. Criar regras sem comprometer o ambiente libertário em que se constitui a Internet é o desafio dos legisladores. O projeto de lei aprovado pelo Senado voltou à Câmara dos Deputados onde deve receber novas adaptações. As discussões já resultaram em um estudo lançado pela Consultoria Legislativa e pelo Centro de Documentação e Informação da Câmara Federal. O texto traz os principais debates em torno da utilização da rede, os desafios para prevenir e punir os crimes digitais e as discussões para regular o funcionamento, o provimento e o conteúdo da Internet. O juiz Carlos Eduardo Delgado complementa que o legislador deve se manter atento, uma vez que os recursos oferecidos pela rede são extremamente dinâmicos e evoluem em velocidade frenética, “motivo pelo qual qualquer descrição típica não pode ser hermética a ponto de tornar a norma obsoleta e inaplicável em curto espaço de tempo”, alertou. Segurança e responsabilidade A discussão também encontra espaço entre os usuários da rede. Para muitos, o melhor caminho deve ser uma regulamentação civil. O temor de quem tem esta opinião é que uma legislação criminal possa prejudicar características da Internet como a dinâmica de movimentos. O administrador de redes Bruno Souza faz questão de dizer que concorda com a necessidade de ser criada uma legislação que proteja o usuário, mas diz que boa parte da Crianças na mira virtual Andréa Moraes, São Paulo - SP O total de denúncias é crescente. Em 2007, foram cerca de 100 comunicados de pornografia infantil por mês. Hoje, o número chega a 2,5 mil por dia. Desde que foi criado o endereço www. denunciar.org.br foram recebidas 1,7 milhão de denúncias envolvendo nada menos que 240 mil páginas da Internet. Ainda de acordo com a SaferNet Brasil, organização não governamental que se dedica ao combate dos crimes cibernéticos contra os direitos humanos, cerca de 300 denúncias diárias têm fundamento e geram entre 20 e 25 inquéritos. Ainda segundo a organização, entre 70% e 80% dos comunicados envolvem imagens de crianças: 27% de 0 a 3 anos; 69% de 3 a 12 anos e o restante de 13 a 17 anos. Sérgio Suiama, procurador da República Como 90% das denúncias estão relacionadas a conteúdos veiculados no site de relacionamentos Orkut, gerenciado pela Google Brasil, um grande passo no combate à disseminação virtual da pornografia infantil foi o Termo de Ajustamento de Conduta assinado entre o Ministério Público Federal (MPF), a SaferNet e a Google em julho do ano passado. O acordo permitiu avanços no monitoramento e triagem dos casos de pornografia infantil no Orkut. Como parte do acordo, a Google passou a revisar o conteúdo enviado pela SaferNet e a informar, em no máximo 24 horas, os indícios de irregularidades, além de preservar os dados que possam identificar os autores. É com base nessas informações que a SaferNet Brasil elabora notícias-crime e relatórios técnicos de rastreamento e os encaminha ao MPF, autoridade que requisita ordem judicial de quebra de sigilo de dados dos suspeitos. O Termo prevê o envio de até 500 URLs (Uniform Resource Locator) por dia recebidas pela Central Nacional para a Google. De posse desse relatório, a Google confirma se há indícios de pornografia infantil, se foram removidos os conteúdos e os preserva por seis meses para consulta das autoridades brasileiras, mediante ordem judicial. A Google evolução no uso da Internet vem da liberdade que ela propicia. Para o magistrado federal, a liberdade de expressão precisa, sim, ser garantida e respeitada, mas chama a atenção para os limites: “O usuário do sistema não pode se furtar às suas responsabilidades sob o manto da liberdade de expressão”. E vai mais longe: “A liberdade de expressão é direito fundamental a todos garantido que, entretanto, não imuniza aquele que dela se utiliza para responder pelos atos suposta e hipoteticamente lesivos ao Estado ou a terceiros”. O cidadão que se sentir lesado pode notificar diretamente o prestador do serviço para que retire do ar o conteúdo ilegal e/ ou ofensivo de seus servidores e preserve as provas da materialidade e os indícios de autoria do crime. Ou pode denunciar nos sites www.denunciar. org.br e www.safernet.org.br. n também se comprometeu a manter um centro de segurança para usuários do Orkut e a patrocinar a elaboração de 100 mil cartilhas com orientações a usuários e possíveis vítimas. O Termo propiciou, entre outros avanços, a aplicação da legislação nacional aos casos de crimes praticados, em sua maioria, no Orkut; a instalação de filtros e moderação humana para reduzir o tempo de exposição de imagens de crianças e o atendimento adequado aos usuários, no sentido de retirar o conteúdo ofensivo do ar. “Pela primeira vez um provedor internacional reconhece a aplicação de uma lei nacional no que diz respeito à difusão de pornografia infantil, o que para nós é muito importante”, assinalou o procurador da República Sérgio Suiama durante workshop sobre o tema realizado pela Escola de Magistrados do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Ainda durante o evento, o jurista e professor universitário Thiago Tavares Nunes de Oliveira destacou que, antes da abertura da ação civil pública, a Google Brasil levava entre 50 a 60 dias para tirar o conteúdo ilícito do ar. Com o ajuizamento, esse prazo caiu para três dias em média. Hoje, a remoção é feita em no máximo 14 horas. n Agosto de 2009 | Revista Via Legal 23 DIREITO À SAÚDE A Cada vez mais o Judiciário vem sendo obrigado a intervir nas políticas públicas de saúde. As decisões têm salvo a vida de muitos brasileiros e aliviado o sofrimento de tantos outros Dione Tiago – Brasília (DF) 24 Revista Via Legal | Agosto de 2009 vida por uma lata de leite, uma injeção ou alguns comprimidos. Muitos portadores de doenças graves convivem com uma situação cruel: são obrigados a recorrer à Justiça para ter acesso a um produto capaz de livrá-los da morte. Essa multidão busca respaldo na Constituição Federal quando diz ela que “saúde é direito de todos e dever do Estado”. Entre 2005 e 2008, o número dos que recorreram ao Judiciário cresceu mais 300%. Só no ano passado, o Ministério da Saúde afirma ter gasto R$ 52 milhões na compra de medicamentos determinados pela Justiça. Nem todos têm o pedido aceito, mas hoje é inquestionável que o entendimento dos tribunais já salvou a vida de muitos brasileiros e aliviou o sofrimento de tantos outros. Aos 36 anos, a paisagista Adriana Marazzo ainda tenta se recuperar de um câncer de mama descoberto há seis anos. Na época, ela teve que se submeter a uma mastectomia. A retirada das mamas trouxe mais do que dores físicas: abalou a autoestima e significou danos psicológicos. Mas, por outro lado, também representou a esperança de cura. Na luta diária para se livrar de vez da doença, Adriana encontrou novos adversários. Um dos maiores foi a dificuldade de acesso aos remédios prescritos pelos médicos. “Juntando todos os medicamentos de que eu preciso, gasto entre R$ 7 mil e R$ 8 mil por mês”, conta. Como milhares de brasileiros, Adriana procurou o sistema público e, assim como boa parte dessas pessoas, recebeu um “não” como resposta. “A lista do SUS (Sistema Único de Saúde) é muito restrita. Nem os remédios básicos consegui”, diz, resumindo um problema denunciado por médicos e pacientes do país inteiro. Ela então acionou a Justiça Federal e, de posse de uma liminar, passou a receber os medicamentos. Um deles, importado, ainda não tinha sequer registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para o médico Francisco Marziona, oncologista do Hospital Pérola Byton, em São Paulo, o problema é a distância que existe entre os avanços da ciência e da indústria - que a cada dia produzem drogas melhores e mais potentes - e a incorporação delas ao sistema público de saúde. Segundo o médico, apenas no hospital onde ele atua, são registrados pelo menos mil novos casos de câncer por mês. Uma das maiores dificuldades é garantir o tratamento mais adequado a quem busca ajuda e depende dos remédios fornecidos pelo Estado. “Essa tabela não foi atualizada, tanto no repasse dos medicamentos, como também nas indicações terapêuticas e nos tipos de modalidades terapêuticas. Isso passa a ser um grande complicador”, afirma. O crescimento no número de pedidos judiciais é atribuído à combinação de dois fatores: a defasagem do sistema em relação aos produtos já disponíveis no mercado e a existência de cidadãos mais conscientes de seus direitos. “A gente paga imposto a vida inteira e quando precisa não tem atendimento. Não é correto isso”, afirma Marilene Santos, que também precisou ir aos tribunais para que o filho recebesse o único tipo de leite que pode consumir. DIREITO À SAÚDE Argumentos O atendimento às decisões judiciais é hoje um dos grandes problemas administrados pelo Ministério da Saúde. O processo, chamado de “judicialização da saúde”, já é visto como uma ameaça ao atendimento coletivo da população. Em artigo publicado recentemente, a advogada da União Maria Leiliane Cordeiro, que é coordenadora de assuntos judiciais do Ministério da Saúde, chamou a atenção para o fato da discussão estar ignorando a chamada “teoria da reserva do possível”, que considera o equilíbrio entre a previsão orçamentária do Estado e o direito à vida e à saúde do cidadão. Segundo a advogada, a forma como os recursos púbicos estão sendo redistribuídos para garantir atendimentos individualizados afeta diretamente o direito coletivo. “Por esta razão, a teoria da reserva do possível realiza uma ponderação entre direitos exatamente equivalentes, com a diferença que teremos, de um lado, o direito à saúde de um cidadão e, no prato oposto da balança, o direito à saúde do restante da sociedade”, explica. O diretor de assistência farmacêutica do Ministério, José Miguel do Nascimento Júnior, vai mais longe e afirma haver problemas de interpretação da Constituição. “Nós fizemos uma reflexão do artigo 196, que diz que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Só que o texto não termina aí. Continua depois de uma vírgula dizendo que é mediante políticas públicas, econômicas e sociais que esse direito é exercido e se integraliza na prática”, assegura. José Miguel confirma que a situação é grave e que o assunto merece um debate ainda mais amplo, que envolva vários aspectos como a real motivação das ações, o grau de necessidade dos pedidos e as formas alternativas de tratamento. Ele explica que o processo de fornecimento de medicamentos está dividido em três grupos: no primeiro, estão aqueles destinados à maioria da população. São os medicamentos do dia a dia. Do segundo grupo fazem parte os produtos usados em programas estratégicos, como o de combate à AIDS e à tuberculose, que são 100% financiados pelo Governo Federal. No último grupo ficam os medicamentos de alto custo, repassados aos portadores de algumas doenças crônicas. Fonte: Ministério da Saúde A maior procura jurídica é pelos remédios do terceiro grupo. O alto custo quase sempre impede que o paciente ou a família assuma a despesa. José Miguel afirma que, ao buscar esta alternativa, o cidadão acaba contribuindo para um desequilíbrio no sistema. “Acaba gerando uma porta de entrada paralela ao próprio sistema de saúde e provocando problemas na medida em que gera certos privilégios”, afirma. Cesta de produtos Sobre as tabelas, o responsável pelo Ministério da Saúde assegura que existe uma preocupação constante com a atualização. Ele cita como exemplo o que é feito no caso da atenção básica. Segundo José Miguel, a cada dois anos é feita uma nova lista incluindo medicamentos que, embora estejam entre o que há de mais moderno para tratar uma determinada doença, possam ser consumidos sem oferecer risco ao paciente. A próxima atualização está prevista para março de 2010. * Em 2008, os medicamentos de alto custo foram incluídos na lista. Agosto de 2009 | Revista Via Legal 25 DIREITO À SAÚDE O problema, lembra José Miguel, é que o governo não tem como fazer as inclusões na velocidade que desejam pacientes, médicos e, principalmente, a indústria farmacêutica. “Temos que ter muita clareza que a incorporação de tecnologia no âmbito do Ministério da Saúde se dá, essencialmente, por aquela que é vital, ou da que apresenta benefícios reais em relação à usada e da que atende a um número grande de pessoas”, conclui. O representante do Ministério aponta outra questão: apesar de 40 mil produtos estarem registrados na Anvisa, ainda é expressivo o número de casos em que os médicos orientam o paciente a usar um medicamento que não tem registro no país e que, portanto, por uma questão lógica, não poderia ser oferecido pelo Estado. “Muitas vezes esses medicamentos determinados não apresentam eficácia comprovada ou, quando comparados com aqueles oferecidos pelo SUS, não apresentam vantagens significativas, muito pelo contrário”, afirma José Miguel. Equilíbrio Uma discussão ampla e que tenha a participação de todos os envolvidos. Esse tem sido o caminho apontado para, se não resolver de vez, pelo menos amenizar os efeitos da judicialização da saúde. O assunto foi discutido durante seis dias numa audiência pública organizada pelo Supremo Tribunal Federal. O evento, realizado em duas etapas nos meses de abril e maio deste ano, reuniu médicos, advogados, juízes e representantes do Ministério da Saúde. Os envolvidos discutiram aspectos como: até onde deve ir a atuação judicial, de que forma a separação de poderes pode limitar essas ações e, sobretudo, como garantir o cumprimento de direitos individuais sem colocar em risco o atendimento a toda a população. Na prática, várias iniciativas têm saído do papel para garantir a solução do problema. No Rio Grande do Norte, por exemplo, diante de tanta procura, o juiz federal Ivan Lira de Carvalho colocou frente a frente os envolvidos no assunto. “O que estamos tentando fazer é dinamizar o processo para dar mais rapidez à análise dos pedidos e também garantir que esse fornecimento seja menos oneroso para os cofres públicos”, explicou o juiz. A reunião teve caráter de urgência e serviu para definir alguns critérios que já estão sendo colocados em prática. Ficou acertado que os réus do processo serão ouvidos antes mesmo da concessão ou não de liminar. O representante do Estado poderá ainda sugerir um fornecedor que cobre menos pelo produto, ou simplesmente informar que aquele medicamento está disponível na rede pública. Para que o processo seja analisado de for- ma rápida e sem comprometer o atendimento ao paciente, ficou acertado também que, nos casos urgentes, as informações poderão ser repassadas por e-mails cadastrados e que serão usados apenas para esta finalidade. Esta medida vai permitir que o juiz decida em poucas horas se o paciente terá ou não a solicitação atendida. Hoje, a espera dura, no mínimo, dois dias. A comunicação eletrônica também será adotada internamente pelos procuradores como forma de agilizar o envio das informações ao juiz responsável pelo processo. Outra promessa feita pelos procuradores da União, do Estado e do Município foi que eles iriam conversar com as Defensorias Públicas para que, antes de propor ações, os pedidos sejam encaminhados ao Estado. A providência seria uma forma de evitar processos judiciais desnecessários, como nos casos em que os medicamentos prescritos estão disponíveis na rede pública. O juiz aposta nas providências para evitar situações como a verificada recentemente no Rio Grande do Norte. “A parte pedia um medicamento para câncer dizendo custar R$ 200 mil, mas, depois de ouvir a União, fui informado que o medicamento poderia ser comprado pelo SUS por um quarto do valor”, explica Ivan Lira, que concedeu a liminar, mas assegurou a economia dos recursos públicos. n Orçamento para Assistência Farmacêutica Fonte: Ministério da Saúde 26 Revista Via Legal | Agosto de 2009 DIREITO À SAÚDE Fila da VIDA A espera por um novo órgão é longa em todo o país. Na Paraíba, a realidade era tão grave que o assunto foi parar nos tribunais Juliano Domingues – João Pessoa (PB) “E u tinha trabalhado o dia inteiro na roça. À noite, senti algo estranho no corpo. Quando percebi, comecei a ficar todo inchado, principalmente nas pernas. Depois, praticamente parei de urinar”. O relato é do paraibano Adilson Gomes, de 49 anos. Depois do susto, ele procurou o médico e recebeu um diagnóstico desanimador: insuficiência renal. No caso dele, a cura estava dentro de casa. O agricultor recebeu um rim da irmã. Já outros 491 pacientes aguardam um novo órgão na fila do transplante. Os números da Secretaria Estadual de Saúde revelam um quadro que, de tão grave, virou caso de Justiça. O estudante Asla Santos é um dos brasileiros que vivem a angústia da espera. Ele está na fila há quatro anos, mas não desanima. “Mesmo que seja frustrante, um pouco triste, a gente procura vencer a cada dia”. Em todo o país, quem depende de um novo órgão precisa ter paciência. O ritmo das cirurgias quase sempre é bem mais lento que o da demanda. Na Paraíba, no entanto, a situação tem sido ainda pior. Segundo o Ministério Público Federal, o Estado deveria realizar, pelo menos, 50 cirurgias renais por ano, mas em média, apenas cinco pessoas estão sendo beneficiadas. Outro problema é que praticamente todos os procedimentos são feitos a partir de doadores vivos. Em 2008, só dois órgãos foram retirados de cadáveres. A insuficiência renal é uma doença silenciosa que atinge pouco mais de 70 mil brasileiros, segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia. O número aumenta, em média, 10% ao ano. Ela se manifesta quando o órgão deixa de fazer a sua função. “Parte da nossa alimentação se transforma em nutrientes e parte se transforma em impurezas. Cabe ao rim depurar e colocar para fora essas impurezas”, explica o médico nefrologista Washington Ciro. Quando a doença atinge um quadro de insuficiência crônica estágio 5, o paciente passa a depender das sessões de hemodiálise. O processo é cansativo e doloroso. A pessoa fica sentada ao lado de máquinas que substituem o rim no processo de filtragem do sangue. São três sessões por semana, cada uma com a duração de quatro horas. A diálise é a única forma de manter viva a pessoa que aguarda, na fila, por um transplante. Esse é o destino de quem não encontra na família um doador compatível. Não são raros os casos de pessoas que esperam há mais dez anos. Elas são obrigadas a travar uma batalha que nem sempre vencem. Boa parte dos pacientes morre na fila antes de receber um novo órgão. “...Quem está aguardando por um novo rim não pode perder a vontade de viver e de voltar a ter uma vida normal...” Adilson Gomes - Agricultor Nessa corrida diária pela sobrevivência, a legislação tem sido uma importante aliada dos pacientes renais brasileiros. A Constituição garante, em seu artigo 196, acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. Foi por entender que este princípio não estava sendo cumprido na Paraíba que o procurador da República Duciran Farena denunciou o Estado. A prova do descumprimento, segundo o procurador, era o número reduzido de transplantes. “A maioria dos transplantes era intervivos, ou seja, quando a pessoa tem um doador. O transplante com doador cadáver praticamente não era realizado”, argumenta. Na ação, o procurador pediu a regularização do serviço, principalmente nos casos de doador cadáver. Quem analisou o processo foi o juiz federal Bianor Arruda, que determinou, entre outras providências, a inscrição dos 30 primeiros pacientes da fila de transplante na lista da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC). Com isso, quem precisava de um rim com mais urgência teve oportunidade de ser operado em outros estados. A decisão assegurou ainda que as despesas do procedimento, nesses casos, fossem pagas pelo governo. “Nós estamos, comprovadamente, vivendo num estado de crise, em que é preciso intervenção de um poder coercitivo para fazer com que um outro poder preste serviços que deveria fazer espontaneamente”, justificou o magistrado. Agosto de 2009 | Revista Via Legal 27 DIREITO À SAÚDE O outro lado Os responsáveis pela Central de Transplantes da Paraíba admitem que o número de transplantes no Estado é muito inferior à demanda. A diretora Gyanna Montenegro explica que o principal problema não é a falta de doadores, já que, segundo ela, quase 70% das famílias que perdem um parente concordam com a doação. O que realmente interfere no ritmo da fila é a carência de profissionais capacitados para diagnosticar morte cerebral. Os médicos do estado não estariam suficientemente treinados para identificar uma vítima com morte encefálica com a agilidade necessária para garantir a captação dos órgãos que podem ser transplantados. Gyanna Montenegro garante que a Secretaria Estadual de Saúde está se mobilizando para resolver o problema. A providência mais recente foi o treinamento de médicos para atender à determinação da Justiça. A intenção é criar uma equipe itinerante, preparada para identificar de forma eficiente possíveis doadores. “Se o potencial doador se encontra numa Unidade de Terapia Intensiva (UTI) que não tenha condição de dar o diagnóstico de morte encefálica, essa equipe vai poder ser acionada”, explica. A expectativa é que a medida resulte no aumento do número de transplante com doador cadáver, o que deve reduzir a espera de pacientes como a estudante Shirley Ferreira, de 26 anos. Depois de quatro anos de sessões de hemodiálise, ela recebeu a notícia que mudaria sua vida. “Eu fiquei muito emocionada quando soube que havia um rim compatível comigo”. Ela recebeu o órgão de um garoto de 16 anos, vítima de um aneurisma cerebral. Já recuperada da cirurgia e dos anos de tratamento, Shirley faz planos: está noiva e estudando para o vestibular. “Às vezes eu ficava bastante triste, perdia a esperança. Isso acontece. Mas eu não quero que isso aconteça com ninguém. Tem que ter esperança e fé que vai chegar o dia, com certeza”, ensina. É justamente o que Asla Santos espera. Como Shirley, ele não perdeu a esperança. “Eu procuro agradecer a Deus cada dia. Eu tenho um futuro pela frente”, diz. Quem já passou por essa situação compartilha forças e se solidariza com outros doentes renais crônicos. É o caso do agricultor Adilson Gomes. “Eu tive a sorte de ter uma doadora em casa. Quem está aguardando por um novo rim não pode perder a vontade de viver e de voltar a ter uma vida normal, como eu tenho hoje”, encerra. n Fotos: Débora Alves/TRF5 Os doentes renais crônicos dependem das máquinas que substituem o rim. O procedimento, chamado diálise, mantém vivo quem aguarda na fila 28 Revista Via Legal | Agosto de 2009 Faça como ela Foto: Arquivo pessoal Saúde a qualquer PREÇO Luciana recebeu o diagnóstico e não pensou duas vezes. Vendeu tudo o que tinha para manter a filha viva. Portadora de uma alergia rara, a menina depende de um leite especial e caro para sobreviver. Nos tribunais, a mãe de Vitória conseguiu o direito de continuar a ter esperança Viviane Rosa – Rio de Janeiro (RJ) H á quatro anos, a produtora artística Luciana Lago era casada e vivia em um bairro nobre do Rio de Janeiro. Ela se separou ainda grávida e foi obrigada a mudar para uma quitinete de 20 metros quadrados. Motivo: era preciso economizar cada centavo para salvar a vida da filha, que nasceu com uma alergia alimentar grave e depende de um leite especial, o único capaz de garantir a sobrevivência da menina, hoje com quatro anos. Cada lata do leite custa R$ 512. Nos primeiros meses, Vitória consumia uma lata por dia. Hoje, são três por semana. Sem dinheiro para bancar o tratamento, Luciana se viu obrigada a brigar nos tribunais pela saúde da filha. Luciana lembra que o primeiro sinal de que havia algo errado com Vitória surgiu quando ela tinha apenas quatro dias. Ela teve de ser internada às pressas e os exames comprovaram que a diarréia, o vômito e as manchas pelo corpo eram resultados da intolerância à lactose. “O leite materno provocou essas reações”, recorda Luciana. A menina foi submetida a mais de uma dezena de testes que revelaram a gravidade da alergia. Soja, trigo, ovos e praticamente todos os leites industrializados fazem mal a Vitória. A solução indicada pelos médicos foi o Neocate, um leite importado consumido por crianças com intolerâncias alimentares graves. Uma alternativa que literalmente acabou com o patrimônio de Luciana. “Até fome eu passei. Eu tive que me desfazer de imóvel, gado, investimento, joia de família. Eu vendi tudo, mas não supria porque era muito pouco perto do valor do leite”, diz Luciana, lembrando que era preciso desembolsar mais de R$ 7 mil por mês só para comprar o leite especial. Sem o Neocate, Vitória perde imunidade e uma simples gripe pode se transformar em infecção generalizada. A mãe recorda um episódio em que a menina comeu, na escola, a metade de uma barra de chocolate. “À noite, chegou em casa com 41 graus de febre e foi parar numa emergência”, explica. “Eu fico com dor de cabeça, com febre, dor na barriga”, descreve Vitória. Depois do episódio, os médicos diagnosticaram um princípio de bulimia. “Ela fazia refluxo porque desenvolveu um medo de se alimentar”, explica a mãe. A necessidade de um controle rigoroso da alimentação impôs a Luciana mais uma despesa. Ela foi obrigada a tirar a filha da escola pública. A direção alegou que não tinha estrutura para fiscalizar o que a menina comia. Como o pai não paga pensão, a mãe arca sozinha com plano de saúde, remédios - são 13 tipos diferentes -, alimentação especial e ainda escola particular. “Eu não tenho emprego fixo. Imagina, eu ter que pagar tudo isso e mais o leite que custa uma fortuna”, enfatiza Luciana, que travou uma batalha contra a Secretaria de Saúde do Rio para que o governo fornecesse o leite à filha. “Até xingada por uma funcionária eu fui”, revela. O alívio só veio com a decisão judicial que determinou que a menina receba 36 latas do Neocate a cada três meses. Em 2006, a produtora fundou a Organização Não-Governamental Anjos da Alergia Alimentar para orientar pais que também lutam pela cura dos filhos. A expectativa dela e de outras pessoas que enfrentam problema semelhante é que, aos poucos, o leite especial possa ser substituído por outros alimentos. “Eu tenho fé que a minha filha vai se curar, e não quero ver outras mães sofrerem o que eu sofri e nem outras crianças. Eu acho que criança não nasceu para sofrer, tem que ser feliz”, resume Luciana, que só quer uma vida normal para a filha. n Agosto de 2009 | Revista Via Legal 29 CONSUMIDOR Questão de saúde Justiça determina que plano de saúde ofereça o tratamento de drenagem linfática a todos os clientes do país. Decisão do TRF é uma vitória para pacientes e profissionais Erica Resende, Carolina Villacreces, Julianna Santos – São Paulo (SP) V aidade sim. Mas, antes de tudo, saúde. Cresce a cada dia o número de pessoas que se submetem à drenagem linfática, terapia que estimula a eliminação de líquidos do corpo. A maior procura ainda é de mulheres que querem acabar com a celulite, combater estrias e se livrar da gordura indesejada. Mas já é expressivo o volume de pessoas que recorrem ao procedimento para tratar doenças como sinusite, artrite reumatóide, esclerodermia, acne e outras doenças de pele. A técnica serve ainda para desbloquear o sistema linfático que, uma vez bloqueado, pode provocar edemas nas células. O problema é que boa parte dos planos de saúde encara o procedimento apenas como uma opção estética e, com este argumento, se recusa a cobrir os custos. Nesses casos, a orientação é acionar os tribunais. Foi o que fez a servidora pública Sandra Menezes, que teve um edema no pé, consequência de um distúrbio no sistema linfático. O acúmulo de líquido foi tanto, que comprometeu a rotina da funcionária. “Eu não consigo ficar muito tempo em pé, nem sentada com as pernas para baixo. Quando vou trabalhar, tenho que voltar rápido. Não tenho uma vida normal, é uma rotina cheia de restrições”, desabafa. O médico recomendou, além de remédios, sessões de drenagem linfática e fisioterapia. Sandra não é a única a sofrer as consequências do acúmulo de líquido no corpo. “As mulheres, de uma forma geral, têm mais retenção por causa dos hormônios, principalmente o estrógeno. Na fase pré-menstrual, na gravidez e na menopausa, então, elas acumulam mais líquido”, explica a fisioterapeuta Yeda Bellia. Ela lembra ainda que a drenagem não só reduz o inchaço, como também ajuda a diminuir as dores do paciente. “Dentro desse tratamento de drenagem linfática manual, o fisioterapeuta ensina exercícios específicos, orienta como usar a meia elástica e a luva e também corrige a postura”, complementa. Ao buscar o atendimento indicado pelo médico, Sandra Menezes foi informada de que o plano de saúde não cobria o tratamento. “Eu solicitei o pagamento e eles me disseram que isso era só para fins estéticos. A minha necessidade era urgente, porque o problema dói demais no meu corpo”, relata. Preocupada, ela resolveu acionar a Justiça Federal. A decisão determinou que a empresa Amil atenda não apenas Sandra, mas a todos os pacientes que tiverem indicações médicas para se submeter à drenagem linfática. A empresa condenada preferiu não se manifestar sobre o processo. 30 Revista Via Legal | Agosto de 2009 Alto custo Por lei, todos os procedimentos para fins terapêuticos deveriam ser cobertos pelos planos de saúde. A norma já está em vigor há dez anos, mas casos como o de Sandra ainda são comuns. Cabe à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) fiscalizar as operadoras. Apenas em 2008, a agência recebeu 327 mil denúncias ou reclamações de descumprimento da lei. Segundo a diretora da ANS Martha Oliveira, a operadora denunciada já havia sido notificada por causa de uma recusa semelhante. “É importante que se traga à tona a discussão de que essa cobertura tem que ser obrigatória e deve ser cumprida”, afirma. Já os planos de saúde alegam cumprir o que está no contrato, embora reclamem do alto custo para bancar o atendimento integral. “Em geral, cada contrato possui diferentes coberturas de serviços médicos. Cabe ao cliente escolher um plano que atenda às suas necessidades, como, por exemplo, cobertura para procedimentos estéticos. O problema é que o custo é muito alto”, argumenta o presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), Arlindo de Almeida. Para o presidente do Conselho Regional de Fisioterapia, Lúcio Almeida, a decisão judicial traz benefícios, inclusive para as operadoras, que podem evitar gastos futuros. “A Amil vai ganhar muito porque as seguradoras têm percebido que, às vezes, ao negar um atendimento de drenagem linfática, o estado do paciente pode se agravar. E mais tarde, o caso pode até virar uma trombose, ou ainda chegar ao extremo em que uma perna precisa ser amputada, e isso pode trazer um custo muito maior”, alerta. Agora, Sandra diz que está aliviada. “É como se alguém estivesse me abraçando e me dizendo: - Você não está sozinha. Eu vejo como uma vitória dos portadores de linfedema, porque a doença não é apenas um inchaço como a Amil tentou justificar. É um problema sério”, desabafa. n AMBIENTAL A o contrário do que muita gente imagina, é, sim, possível conciliar a preservação ambiental com a realização de atividades que, à primeira vista, parecem agressivas à natureza. Uma prova é o que vem acontecendo nos últimos 18 anos no Arquipélago de Alcatrazes, a 33 quilômetros do litoral paulista. A região, considerada um paraíso ecológico, abriga inúmeras espécies de aves, principalmente os atobás, além de ser ponto para o acasalamento de baleias e golfinhos. Os animais dividem espaço com militares da Marinha, que usam a ilha para o treinamento de tiros. Essa convivência foi assegurada em 1991 por uma decisão judicial. Na época, um grupo de ambientalistas defendia a desativação da base militar como forma de garantir o equilíbrio da ilha. O assunto foi tema de uma ação civil pública proposta pelo Movimento de Preservação de São Sebastião e pela Associação de Defesa da Juréia contra a Marinha e a União. A principal alegação das entidades era que disparos periódicos sobre as ilhas poderiam causar danos à fauna, afugentar os animais, destruir ninhos e causar revoadas. Outro argumento era que os treinos ofereciam riscos aos bancos genéticos da região, além de provocar a desfiguração do arquipélago, com esfacelamento de rochas, formação de crateras, perfurações e desaparecimento da vegetação. Do outro lado, a Marinha ressaltava a conveniência técnica do local: os tiros são disparados contra um paredão onde pra- ticamente não existe vegetação e, por isso, o treinamento quase não causaria danos ao meio ambiente. Além disso, a Marinha argumentou que apoia a realização de estudos no local e também permite a visita constante de cientistas e ambientalistas às ilhas. A sentença da 1ª Vara Federal de São José dos Campos (SP), que foi favorável à permanência da Marinha e autorizou a manutenção dos treinamentos de tiro no arquipélago, foi confirmada inclusive no Superior Tribunal de Justiça. A decisão de 1º grau considerou o resultado de perícias realizadas na área, além de pareceres técnicos de funcionários do Ibama e da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental de São Paulo. Hoje, 18 anos depois, os números provam que a decisão estava correta. O total de aves no arquipélago aumentou, a vegetação se regenerou e a presença da Marinha inibiu a exploração clandestina e predatória na região. O exemplo de Alcatrazes foi apresentado pelo juiz federal Raphael José Silva durante o 2º Congresso de Direito Ambiental do TRF3 e serviu de base para as discussões sobre os cuidados que um juiz deve ter ao analisar um processo envolvendo a natureza. Interesses variados Durante o congresso, o especialista em Direito Ambiental Celso Antônio Pacheco Fiorillo destacou que qualquer processo ambiental precisa ser fundamentalmente democrático, garantindo os direitos tanto de quem propõe uma ação para defender os bens ambientais, quanto de quem está usando esses recursos. Ainda segundo o professor, essa reflexão deve feita sobre o ponto de vista de dois princípios fundamentais: a economia e as necessidades do ser humano. A desembargadora federal Vera Jucovski também ressaltou o fato de o assunto envolver vários aspectos. “É importante o debate, não apenas do ponto de vista acadêmico, mas também a discussão prática sobre como o Judiciário tem decidido problemas que afetam o ser humano e a vida em todas as suas formas, tanto do ponto de vista da proteção jurídica, quanto da proteção que a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional conferem a esses problemas”, explicou. O Direito Ambiental é um dos mais modernos e tem como desafio regular a relação do homem com os meios de produção retirados da natureza. O objetivo é garantir o equilíbrio dessa relação e assegurar o desenvolvimento sustentável. Para a desembargadora Federal Marli Ferreira, cada vez mais o Direito Ambiental está se expandindo para outros setores e outras atividades ligadas ao Direito, à ética, à economia e à própria engenharia. “É uma área multidisciplinar que merece de todos nós uma reflexão séria, madura e principalmente engajada com a geração presente e as futuras”, conclui. n Foto: Edgard Catão/TRF3 A Constituição de 1988 definiu como essencial o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Manter essa harmonia é uma responsabilidade que deve ser compartilhada entre a sociedade civil e o Estado Raphael José Silva, juiz federal Ana Cristina Eiras e Ana Carolina Minorello – São Paulo (SP) Convivência possível Agosto de 2009 | Revista Via Legal 31 DIREITO À MORADIA O s números não são precisos, mas a estimativa é que, em todo o país, milhares de pessoas morem em áreas de risco. Gente que passou a enxergar o período de chuvas como uma ameaça. Um número expressivo desses brasileiros vive em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro. Os deslizamentos de terra são tão constantes e já fizeram tantas vítimas na cidade que o assunto foi parar nos tribunais. Uma decisão recente determinou que o poder público retire todas as famílias que ocupam imóveis com risco de desabar. É o caso dos moradores da Vila São Jorge que, há pouco mais de um ano, viveram um verdadeiro dia de terror. Chovia sem parar na cidade. Por volta das 22 horas, uma avalanche de lama e árvores destruiu sete casas. Oito pessoas foram soterradas. A morte de uma mulher e de uma criança reforçou a necessidade de providências imediatas. A dona de casa Maria do Socorro, vizinha das vítimas do acidente na Vila São Jorge, acompanhou o drama das famílias e lembra o dia em que não morreu por pouco. A casa dela foi destruída por um barraco que desmoronou de um morro. Maria do Socorro e a filha de dois anos foram soterradas. “Eu já estava morrendo quando me tiraram. A sensação é horrível, de morte mesmo”, conta a dona de casa, que nunca superou as tragédias e hoje tem pavor de chuva. “Quando chove, eu tomo calmante pra não ouvir o barulho da trovoada”, revela. Como milhões de brasileiros, Maria do Socorro vive em área de risco. E o problema é antigo. Em 1988, depois de uma semana inteira de temporais, foram registrados mais de 500 deslizamentos de encostas em Petrópolis. Muitas casas desabaram soterrando famílias inteiras. Na época, 170 pessoas perderam a vida, cerca de 600 ficaram feridas e 4 mil, desabrigadas. Em 2001, outros acidentes graves tiraram a vida de 54 pessoas. Os deslizamentos continuam devastando a cidade. Este ano, um morro cedeu no bairro de Quitandinha e atingiu três casas. Doze pessoas se feriram. Mãe e filha morreram nos escombros, entre os quais era possível ver telhados destruídos, paredes pela metade e móveis que se partiram em pedaços com a violência da terra. Para o assessor de Meio Ambiente do CREA, o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura, Adacto Ottoni, que acompanhou a equipe da Revista Via Legal às áreas atingidas, uma construção irregular no topo do morro deve ter feito a terra ceder e provocar o acidente. “Está impermeabilizado lá em cima, o escoamento aumenta. Possivelmente na hora do acidente esse costão virou uma cascata”, explica. Como em Quitandinha, boa parte da população de Petrópolis ergueu suas casas sobre pedras rochosas cobertas por finas camadas de terra. Quando chove forte é quase impossível evitar o pior. Riscos ao meio ambiente Há seis anos o Ministério Público cobra providências da prefeitura, mas, como nenhuma medida saiu do papel, a saída foi entrar com uma ação judicial. Segundo a procuradora Vanessa Seguezzi, como a maioria das invasões está em área de proteção permanente, além dos riscos à população, ainda agride o meio ambiente. “As pessoas que estiverem em áreas de risco precisam ser removidas e realocadas. Depois, tem que haver a recomposição do dano ali gerado com reflorestamento”, ressalta a procuradora. A Justiça Federal determinou que a prefeitura cumpra a decisão em até cinco meses. Entretanto, o secretário de Meio Ambiente, Luís Eduardo Peixoto, pediu a prorrogação do prazo. A alegação é que não há mais espaço disponível em Petrópolis para a construção de novos bairros residenciais. E mesmo que houvesse, para o secretário, este não é o momento ideal para colocar em prática projeto tão complexo. “Nós pegamos uma cidade com mais de R$ 200 milhões em dívidas. Não podemos prometer o que não podemos cumprir”, afirma. Os argumentos não convencem a procuradora. Segundo Vanessa Seguezzi, a Prefeitura tem terrenos de sobra em quatro distritos de Petrópolis, onde podem ser construídas casas populares. “A falta de verba também não é justificativa válida. Foram seis anos de prazo para o município se estruturar, incluir no orçamento, pleitear as verbas necessárias e apresentar o projeto”, ressalta. Basta uma chuva mais forte para centenas de casas irem abaixo em Petrópolis. A situação é tão grave que a Justiça obrigou a Prefeitura a encontrar um lugar seguro para quem já foi ou corre o risco de ser vítima dos deslizamentos de terra Chuva e pânico 32 Revista Via Legal | Agosto de 2009 Viviane Rosa – Petrópolis (RJ) DIREITO À MORADIA Hoje, 400 famílias desabrigadas em outras tragédias recebem todo mês o aluguel social da prefeitura. A ajuda de custo de R$ 350 é paga a pessoas como os vizinhos do servente Sebastião Ramos, que perderam tudo. “Aqui tinha uma casa completa, morava uma família inteira. A terra veio lá de cima e levou tudo, não sobrou nada”, conta. Mas nem todos conseguem o benefício. A cozinheira Lígia Helena da Silva também já teve a casa destruída depois de um deslizamento de terra e até hoje luta pela ajuda do município. “Eu fui à Secretaria de Habitação e eles falaram que, só aqui, mais de 300 pessoas estavam esperando o aluguel social e o muro de contenção”, afirma. No bairro Quarteirão Brasileiro, o perigo está por toda parte. Em um dos acessos à comunidade, é possível avistar uma casa no topo de um morro. A inclinação do terreno é de quase 90 graus e boa parte da terra que sustenta o barraco já cedeu. “A família que vive aqui deve ser retirada para evitar riscos”, afirma o assessor de Meio Ambiente, Adacto Ottoni. Na rua ao lado, rachaduras no asfalto são indícios de que o peso das casas está fazendo o solo ceder. “Se não forem corrigidos esses fatores, com a chuva pode haver um deslizamento de toda essa massa de uma hora para a outra”, alerta Ottoni. Para evitar novas tragédias é preciso impedir outras invasões e desocupar as áreas de risco. Quem depende da ajuda do governo só espera que a solução não chegue tarde demais. “A gente fica esperando a casa social, mas eles falam que cai barreira em todo lugar e só vai arquivando”, conta a cozinheira Lígia Helena da Silva, que ergueu um novo barraco no terreno onde quase morreu soterrada. n Fotos: Luiz Guilherme Fernandes/TRF2 Neste deslizamento de terra, mãe e filha morreram soterradas pelos escombros. Outras doze pessoas se feriram Segundo o CREA, boa parte das casas em Petrópolis foi erguida sobre pedras rochosas cobertas por finas camadas de terra, o que, quando chove, favorece os deslizamentos Agosto de 2009 | Revista Via Legal 33 Memória Vida dedicada à Justiça Nesta edição, a Revista Via Legal traz um pouco da história do desembargador Romário Rangel. Ele foi juiz estadual, federal, desembargador, advogado e professor. Durante boa parte da vida, dedicou-se aos julgamentos e à administração da Justiça. O homem que sonhava ser médico foi o primeiro presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. A reportagem traz um pouco da entrevista gravada para o projeto História Oral, do Conselho da Justiça Federal. A conversa aconteceu na casa do desembargador, em Vila Velha (ES), onde hoje ele se dedica principalmente à leitura, um dos grandes prazeres cultivados desde a infância. Dione Tiago – Brasília (DF) Revista Via Legal: Alguma vez o senhor se sentiu incomodado por ter a responsabilidade de julgar alguém? Romário Rangel: Nenhuma função no Poder Judiciário é agradável. Quem diz que a função de julgar é agradável não conhece o que é julgar, porque qualquer decisão tomada é terrível para quem sofre as consequências. Você condenar uma pessoa não é brincadeira. Você está tirando a liberdade de um indivíduo. Isso é brutal. Revista Via Legal: Então, o que motivou o senhor a ser juiz? Romário Rangel: Quando eu entrei na magistratura, foi compulsoriamente. Eu era advogado numa cidade pequena de interior, professor de colégio e lá o pessoal começou a dizer para eu fazer concurso para juiz, mas eu não queria. Chegaram ao ponto de me inscrever. Se eu não fizesse o concurso, ficaria desmoralizado como advogado. Iam dizer 34 Revista Via Legal | Agosto de 2009 que eu não fiz por medo de ser reprovado. Durante uns cinco meses tive que estudar mesmo para não ser reprovado. Fui nomeado juiz um dia depois de sair o resultado do concurso. Revista Via Legal: E como foi o início do trabalho na nova função? Romário Rangel: Na magistratura eu perdi dinheiro. Eu ganhava mais como advogado e professor do que como magistrado. Quando recebi meu primeiro salário como juiz, disse à minha mulher que ía desistir, pois o dinheiro não cobria nossas despesas. Mas minha esposa me incentivou a continuar. Um ano depois eu já queria largar, pois ser juiz estava me matando. O trabalho de prender e soltar pessoas não era para mim, mas como eu já havia perdido minha clientela como advogado, o jeito foi continuar. Depois fui nomeado juiz federal e assumi por causa dela também. Eu gosto é da advocacia, apesar do desgaste emocional ser muito maior. Defender uma causa pessoal é diferente. Revista Via Legal: A decisão de ir para o Tribunal Regional Federal também foi difícil? Romário Rangel: Eu cheguei ao Tribunal em 1989. Já tinha até tempo para me aposentar. Não fui muito bem recebido no Rio porque o pessoal já tinha uma estrutura montada e eu era um estranho para eles. Um dia me aborreci e até disse para minha mulher que voltaríamos a morar no Espírito Santo. No dia seguinte, anunciei eleição para presidente. Como juiz mais antigo, naturalmente seria eu o presidente, mas decidi que só ficaria se fosse por meio de eleição e não pelo critério de idade. Eu não queria ser eleito, mas também não podia dizer que não votassem em mim. Como não abri mão da candidatura e acabei eleito, fiquei impedido de deixar o cargo e tive de construir o Tribunal. Memória Revista Via Legal: Como foi estar à frente do desafio de instalar o Tribunal Regional Federal no Rio de Janeiro? Romário Rangel: Quando os tribunais regionais federais começaram a ser instalados, o Conselho da Justiça Federal nomeou comissões para escolher o local e o prédio onde eles funcionariam. No Rio, a comissão escolheu um prédio que estava em situação calamitosa. Quando eu vi o prédio, fiquei desesperado. Era horrível, a garagem estava cheia d’água, era uma coisa imunda. Não podia haver mais de três pessoas por metro quadrado porque o prédio não tinha estrutura para aguentar. O imóvel estava condenado, dois subsolos estavam inundados e também havia muito ratos, paredes sujas e portas estragadas. Foram dois anos de trabalho muito difícil para conseguir instalar o Tribunal naquele lugar. Tivemos que aumentar mais dois pavimentos no subsolo para reforçar o alicerce do prédio, que estava bastante danificado e não ia resistir a muitas pessoas trabalhando ali. O prédio era pequeno, não comportava o Tribunal, mas eu não tinha dinheiro e nem tempo para fazer outro prédio. Pouquíssimas pessoas viram o estado do prédio, porque os juízes só foram para os gabinetes depois que eles já estavam prontos. depois da internet, permitiram que o Judiciário brasileiro ficasse mais ágil? Revista Via Legal: E qual deve ser a postura de quem assume a magistratura? Romário Rangel: Todo mundo critica o Poder Judiciário porque ele é lento, mas nós que já fomos juízes sabemos que os o Códigos de Processo Penal e Civil são o que, na verdade, possibilitam os recursos que prolongam o andamento dos processos e provocam a lentidão da Justiça. Além disso, o número de processos distribuídos a cada juiz é uma coisa desumana. Há juízes com seis, sete, oito mil processos. Como é que um ministro do Superior Tribunal de Justiça, do Supremo ou um desembargador federal pode relatar 10 mil processos? Eu fico com pena de ver o povo sem saber as causas que levam o Poder Judi- Romário Rangel: Eu acho que um juiz tem que ter compostura moral e pessoal na Justiça e fora da Justiça. Querendo ou não, a pessoa tem que ser exemplo, porque é um ser excepcional. Julgar os outros é uma exceção. É um sacerdócio. Um ministro, por exemplo, “está” ministro, o juiz não: ele é juiz até morrer. O que não cabe é uma compostura de um homem desonesto, ou seja, beber em um bar ou embriagar-se em casa, usar drogas, ficar em botecos conversando fiado, trair uma pessoa de bem. O magistrado tem que ter compostura integralmente, juiz é juiz 24 horas por dia, dormindo, acordado, em casa, no trabalho e até no supermercado tem que ser juiz em toda a sua integridade. Foto: Arquivo TRF2 Revista Via Legal: O senhor se aposentou aos 68 anos, pouco depois de deixar a presidência. O que motivou essa decisão? Revista Via Legal: Desde o início houve uma preocupação com a informatização do Tribunal. Como isso pôde ser feito? Romário Rangel: Em 1984, fui ao prédio da Vale do Rio Doce, no Espírito Santo. O computador deles ocupava um subsolo inteiro, e o que me impressionou foi a rapidez com que as informações eram passadas. Achei fabuloso e fiquei imaginando aquela arma poderosa de informação no Poder Judiciário, a revolução que causaria ter um banco de dados de jurisprudências e de doutrinas. Eu já tinha computador e comecei a fazer um banco de dados de jurisprudência. Eu tinha em vista, justamente, agilizar a prestação jurisdicional. Os juízes que estavam aqui não acreditavam nisso. Quando eu mostrei o que fazia com o meu computador, alguns se interessaram e até aderiram à ideia. Como eu já sabia do valor da informática para o Direito, informatizei o Tribunal. Também criei a biblioteca, instalei os serviços médico e odontológico, uma sala para os advogados, uma sala para os procuradores e uma cantina. Deixei minha imaginação rolar e fui fazendo tudo aquilo. Revista Via Legal: O senhor acha que esses avanços, primeiro do computador e Romário Rangel, primeiro presidente do TRF2 ciário a ser lento. É a sobrecarga de trabalho e também as leis processuais que não estão adequadas ao momento em que estamos vivendo, em que cada cidadão já está tendo consciência dos diretos que tem. Ele aciona a Justiça e isso aumenta o volume de processos. O Supremo Tribunal Federal recebe um volume imenso de recursos de todo o Brasil. Então eu fico pesaroso de ver essa situação sabendo que os homens que estão lá, os juízes vocacionados para aquilo, estão, primeiro, mal remunerados, segundo, sobrecarregados e, terceiro, desamparados. Porque é cada um por si, juiz não pode contar com ajuda de ninguém. O juiz é um homem desamparado, a decisão é dele e ele é um homem solitário. E, nessa solidão, é preciso ter uma crença muito profunda na existência de Deus e nos poderes das leis. Esses são os únicos amparos. Romário Rangel: Na verdade, quando eu saí do Tribunal, eu queria era descansar, porque os dois anos de presidência me exauriram. Quando deixei a magistratura, me reinscrevi na Ordem dos Advogados e hoje eu sou advogado de novo, tenho a carteirinha, sou habilitado a advogar. Eu pretendia voltar a fazer isso depois de descansar um pouco, mas foi justo quando minha esposa teve problemas de saúde e meu projeto não foi possível. Quando retornei para Vitória (ES), voltei a dar aula e só me aposentei como professor compulsoriamente. Mas estava meio desiludido com o ensino, que tinha caído muito de nível. Os alunos se empenhavam muito menos do que no princípio da minha carreira. Revista Via Legal: De certa forma, a aposentadoria significou uma liberdade para o senhor? Foi a chance de se livrar de um peso e se dedicar ao que sempre quis? Romário Rangel: Eu sempre levei a Justiça muito a sério. Uma coisa que eu fiz com seriedade foi ser juiz. Não abdiquei de nenhum dos meus direitos e de nenhuma das minhas prerrogativas. Como eu nunca fui pessoa de ser influenciada por nada, não tinha medo de ser juiz e sempre enfrentei as ameaças. Hoje eu tenho tempo para ler literatura, de que eu gosto tanto. Meus vícios são o cigarro, o café e a leitura. Em minha cabeceira há sempre três ou quatro livros que estão sendo lidos. n Agosto de 2009 | Revista Via Legal 35 PRESERVAÇÃO A s primeiras missões religiosas que chegaram ao Brasil, ainda no século XVI, carregavam mais do que planos de evangelização. Com franciscanos, jesuítas e beneditinos vieram carpinteiros, pintores e entalhadores. A arte europeia desembarcava nos trópicos, marcando o início de uma história de riqueza, mas também de problemas. Ao longo do tempo, parte do acervo artístico brasileiro foi se perdendo devido à falta de fiscalização na compra e venda das obras. Nem mesmo a edição de uma lei há mais de 70 anos deteve o desvio do patrimônio. Foi necessária a interferência da Justiça Federal para que o controle da comercialização dessas antiguidades saísse do papel. O professor de História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Fernando Guerra, explica que o patrimônio artístico nacional - um acervo de valor inquestionável que precisa ser preservado - começou a ser montado ainda na época da colonização, com a chegada dos missionários. “Eles não só trouxeram obras de arte, como confeccionaram as primeiras em terras brasileiras. Primeiro, em barro cozido. Depois, em madeira”, recorda. Não demorou para que a arte dos religiosos encontrasse adeptos em solo brasileiro. O resultado foi o acúmulo de um volume expressivo de obras com valor histórico e artístico reconhecido tanto no mercado interno quanto no externo. Peças produzidas naquela época e também em tempos mais recentes viraram raridades. De acordo com o banco de dados do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), mais de 1,5 mil bens culturais estão desaparecidos. Muitos deles caíram nas mãos de criminosos, ladrões de antiguidades que alimentam um comércio lucrativo e clandestino. Um problema confirmado pelo colecionador Carlos Benevides. Ele mora em Recife e há 45 anos negocia obras de arte. “A gente tem que ter muito cuidado com a procedência das peças. Isso é importantíssimo, porque tem muita coisa roubada”, afirma. Só no papel Na tentativa de impedir que os prejuízos ficassem ainda maiores, o Iphan criou um cadastro nacional das peças. A intenção: catalogar antiguidades, como manuscritos, livros raros e obras de arte. “As peças são listadas e fotografadas. Essas informações são entregues ao Iphan para que se regularize o registro. De seis em seis meses a listagem é renovada”, explica o superintendente do Iphan em Pernambuco, Frederico Almeida. A criação do cadastro é recente, embora seja de 1937 a previsão legal para a existência de um sistema de controle desses objetos. A exigência está no Decreto-lei nº 25/37 que, no artigo 26, já previa que os negociantes de obras de arte de qualquer natureza estavam obrigados a se submeter a um registro especial no Iphan. Como a determinação não vinha sendo cumprida, os ministérios públicos Federal e Estadual de Minas Gerais entraram com uma Decisão da Justiça Federal tira do papel o Cadastro Especial de Negociantes de Obras de Arte, Antiguidades, Livros Antigos ou Raros e Manuscritos. O objetivo é inibir o comércio ilegal que ameaça o patrimônio e a história do país Juliano Domingues – Recife (PE) Controlar para preservar 36 Revista Via Legal | Agosto de 2009 PRESERVAÇÃO em consignação, leilão, agenciamento, comércio eletrônico ou outras formas de comercialização estão obrigadas a se cadastrar. A esperança é que a exigência complique a vida dos traficantes de antiguidade. O colecionador Carlos Benevides conta que já foi vítima. “Um sujeito levou algumas peças minhas. Ele foi indicado por outra pessoa e, de repente, desapareceu. E eu não vi mais as peças, nem o dinheiro”, recorda o comerciante. Se as peças estivessem catalogadas e registradas no banco de dados do Iphan, possivelmente os ladrões teriam dificuldades para repassá-las. O comércio ilegal de antiguidades, livros raros, manuscritos e obras de arte é crime. Quem insiste na prática pode pegar de um a seis meses de cadeia e ainda ser multado. Mas, combater esse tipo de atividade vai além: significa, antes de tudo, preservar a memória, proteger o patrimônio e a história do país. n Fotos: Débora Alves/TRF5 ação na Justiça Federal. O pedido era para que o Instituto colocasse em prática o mecanismo que permite rastrear as obras de arte. A estimativa do Ministério Público era que 60% do patrimônio cultural mineiro haviam sido retirados de forma clandestina. São esculturas, quadros e imagens que estavam em poder de colecionadores e comerciantes do Rio de Janeiro, São Paulo e até do exterior. “Todo esse patrimônio, esse acervo imenso da nação brasileira há de ser preservado e fiscalizado por meio de um órgão próprio que é o Iphan, até para evitar pirataria e medidas predatórias ao patrimônio cultural da nação”, afirma o desembargador federal Antônio Souza Prudente, que analisou o processo no Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Por determinação da Justiça Federal, a lei saiu do papel. O Cadastro Especial de Negociantes de Obras de Arte, Antiguidades, Livros Antigos ou Raros e Manuscritos segue instrução normativa do Iphan, segundo a qual as pessoas físicas ou jurídicas que trabalhem com a venda direta Agosto de 2009 | Revista Via Legal 37 Preservação Fotos: Elianez Barros Patrimônio AMEAÇADO Restauração da Casa Bandeirista 38 Revista Via Legal | Agosto de 2009 U m dos endereços mais valorizados da capital paulista também guarda uma parte importante da história do país. Quem passa pela Avenida Faria Lima é surpreendido pela existência de uma casa bandeirista. O monumento, que ocupa uma área de 22 mil metros quadrados, divide espaço com prédios comerciais, shoppings e restaurantes conhecidos. A preservação do espaço, uma luta antiga de historiadores e arqueólogos, ganhou força em 2008 quando o terreno foi vendido a empreendedores que pretendiam construir no local um shopping e duas torres de escritórios. Na época, escavações comprovaram a existência de peças antigas no terreno, fato que levou o caso aos tribunais. Por ordem da Justiça Federal, as obras foram suspensas como forma de garantir a preservação do patrimônio. A escritora Guiomar Schilaro está entre as pessoas que conheceram de perto a casa bandeirista. Aos 92 anos, ela é uma das moradoras mais antigas do bairro, e ainda se lembra do tempo em que o prédio era a sede de um sanatório. “Era lindo o lugar, mas nem todas as pessoas tinham acesso porque lá funcionava um abrigo de doentes”, conta. Com o tempo, as casas foram substituídas por prédios que intrigam a escritora. “Eu falo pra minha filha: onde será que cabe tanta gente?”, questiona Guimar, impressionada com a arquitetura vertical dos edifícios. Preservação Moradores lutam para preservar um sítio arqueológico na cidade de São Paulo Érica Resende e Juliana Santos – São Paulo (SP) Detalhe das janelas Helcias de Pádua, historiador e presidente da Associação Memórias do Itaim: “A casa é um ícone das nossas memórias” Dona Guiomar faz coro com os que defendem a preservação da casa, construída em meados do século XVIII. O imóvel foi erguido em taipa de pilão, uma técnica antiga que usa barro e madeira. Até um grupo foi criado para evitar a destruição do imóvel, é a Associação Memórias do Itaim. O presidente é o historiador Helcias de Pádua, que destaca o fato do prédio fazer parte da formação da cidade de São Paulo. “Os jesuítas colocaram ali um aldeamento e, com o passar do tempo, esse aldeamento foi crescendo, serviu de abrigo para os escravos e de parada para os aventureiros e bandeirantes. Para nós, a casa é um ícone das nossas memórias”, explica. A descoberta que o terreno onde está a casa bandeirista guardava preciosidades históricas aconteceu durante uma vistoria feita por arqueólogos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). “Encontramos muita cerâmica colonial feita na técnica indígena, outras com decoração africana, além de muita louça inglesa”, explica a arqueóloga Lúcia Juliani. O problema é que, segundo Lúcia, as escavações foram realizadas quando as obras para a construção dos prédios já haviam sido iniciadas. “Se tivesse ocorrido uma pesquisa arqueológica antes do início da obra, com certeza teríamos recuperado informações de valor inestimável sobre a história da fazenda”, lamenta. Assim que os primeiros objetos foram localizados, o Iphan pediu à construtora que suspendesse as obras até a realização de um estudo completo no local. Como a construtora insistiu em continuar as escavações, o caso foi levado ao Ministério Público Federal, que propôs uma ação como forma de garantir a preservação do patrimônio. “Essa é uma ação cautelar que visa proteger o que restou do sítio arqueológico, e também pede para que se faça uma prova do que já foi destruído”, explica a Procuradora da República, Ana Cristina Lima. Por lei, os sítios arqueológicos são patrimônio da União. Ao analisar o pedido, a Justiça Federal determinou que as obras só poderiam ser retomadas depois de um estudo minucioso coordenado por um arqueólogo. A esperança de especialistas e moradores é que esse seja o primeiro passo para garantir a preservação da riqueza cultural que ainda resta. A preocupação se justifica: em todo o país, existem apenas 60 sítios arqueológicos tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Um número pequeno que só reforça o alerta à necessidade de preservação. “Vamos lutar para levar essas memórias para as gerações futuras”, resume a escritora Guiomar Schilaro. Pelo menos uma vitória os moradores já conquistaram. Os novos donos do terreno, que teriam desembolsado cerca de R$ 500 milhões pelo imóvel, já assumiram o compromisso de preservar a Casa Bandeirista que, inclusive, já foi tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico de São Paulo (Condephat). A empresa também se comprometeu a cumprir a decisão da Justiça, assegurando a realização do estudo que deve determinar o tamanho e a importância do sítio arqueológico existente na área. n Agosto de 2009 | Revista Via Legal 39 Justiça Itinerante Expedição da cidadania Fotos: AJUFE Iniciativa do TRF3 e Ajufe julga 430 ações e ajuda a fornecer mais de 15 mil documentos na região de Porto Murtinho, no Mato Grosso do Sul Ana Carolina Minorello – Porto Murtinho (MS) A história de Germana Gimenes Martines é, no mínimo, intrigante. Ela nasceu em uma fazenda do Pantanal, na fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai, mas nunca conseguiu provar a nacionalidade brasileira. Completou 79 anos sem nenhum documento, por isso não teve acesso a direitos civis como votar ou mesmo trabalhar com carteira assinada. A realidade desta dona de casa só começou a mudar em março deste ano, quando a Expedição da Cidadania chegou a Porto Murtinho, uma cidade de oito mil habitantes, localizada a 440 Km de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. Fruto de uma parceria entre o Tribunal Regional Federal da 3ª Região e outros órgãos, como a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) e a Marinha do Brasil, a Expedição tem como propósito permitir a quem vive em regiões distantes dos centros urbanos o acesso a serviços públicos que garantem a cidadania. As sessões itinerantes dos juizados especiais federais são um exemplo do que é oferecido à população durante a caravana. Aos 79 anos, dona Germana conseguiu retirar sua primeira certidão de nascimento e ganhou o Benefício de Amparo Social Foto: Arquivo TRF3 40 Revista Via Legal | Agosto de 2009 Justiça Itinerante Projeto Expedição da Cidadania chega à aldeia indígena do Paraná O sucesso da Expedição da Cidadania fez com que o projeto também fosse implantado no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Os primeiros beneficiados dessa iniciativa serão os indígenas da aldeia Tekoa Ocoy, localizada no município de São Miguel do Iguaçu, a 50 Km de Foz do Iguaçu (PR). A iniciativa vai possibilitar às populações tradicionais, como indígenas e quilombolas de comunidades afastadas, o acesso a um conjunto de atividades que proporcionam o direito à cidadania, como a obtenção de documentos como RG, CPF e carteira de trabalho, entre outros. Os trabalhos serão iniciados entre os dias 18 e 20 de setembro, com a equipe da “Expedição da Cidadania” visitando a aldeia indígena Tekoa Ocoy. Em outubro, o projeto estará presente nas aldeias Tekoa Añetete e Tekoa Itamarã, ambas em Diamante do Oeste. Em breve, a “Expedição da Cidadania” será realizada também em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. No caso de Porto Murtinho, o trabalho foi dividido em duas etapas: na primeira, foram instauradas quase 400 ações judiciais. Além disso, os moradores puderam tirar documentos como certidões de nascimento, identidade e carteira de trabalho. Para Dona Germana e a filha Fulgência, que tem deficiência, foi a oportunidade para solicitar os registros de nascimento. O pedido foi feito à Justiça Estadual, que também participou da Expedição. No mesmo dia, as duas estiveram no Juizado Especial Federal, onde requereram o Benefício de Amparo Social, previsto na Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), e concedido a idosos e pessoas com deficiência que possuam renda familiar inferior a ¼ de salário mínimo por pessoa. A boa notícia veio alguns dias mais tarde, quando funcionários da Justiça Federal retornaram ao município para as audiências. Foi a juíza federal Raquel Corniglion quem mediou o acordo que garantiu o benefício previdenciário a dona Germana. “No final da audiência, dona Germana, com seu modo simples, olhou-me com os olhos marejados, sorriu e me agradeceu com um forte abraço”, recorda a juíza. Pela decisão, tanto a mãe quanto a filha passarão a receber um salário mínimo por mês. Durante a Expedição da Cidadania, a caravana também percorreu o Rio Paraguai para atender as populações ribeirinhas. Foram beneficiadas 224 pessoas em Porto da Manga; 392 em Porto Albuquerque; 139 em Porto Morrinho; 204 em Porto Esperança; 111 em Forte Coimbra e 56 em Barranco Branco, totalizando 1.126 atendimentos e 50 ações ajuizadas. “Quando se percorre o rio, o objetivo é mais permitir acessibilidade às pessoas carentes do que atender em quantidade”, afirma a juíza. n Agosto de 2009 | Revista Via Legal 41 Institucional Modernidade contra a morosidade Economizar tempo, espaço, recursos naturais e financeiros. Muitas são as motivações para investir na modernização do trâmite processual. Mas a maior delas é fazer a Justiça chegar mais rápido aos cidadãos que buscam o Poder Judiciário Adriana Dutra – Brasília (DF) Fotos: Arquivo STJ Era virtual O STJ será o primeiro tribunal do mundo a eliminar o papel D ois de janeiro de 2010 promete ser o primeiro dia de um novo tempo para a Justiça Federal brasileira. A partir desta data, os processos instaurados tanto no primeiro quanto no segundo graus serão transformados em arquivo digital. Uma conquista que só será possível a partir de um contrato firmado entre o Conselho da Justiça Federal (CJF) e os cinco tribunais regionais federais com a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil. O acordo, oficializado no dia 3 de setembro, permite que os dois bancos financiem o projeto de virtualização da Justiça Federal. Segundo o presidente do CJF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Cesar Asfor Rocha, a participação das instituições bancárias oficiais comprova que a melhoria da Justiça é uma questão de política pública. Juntos, CEF e Banco do Brasil vão disponibilizar R$ 154 milhões que serão investidos em informatização, logística e digitalização dos processos. Para o vice-presidente da CEF, Carlos Antonio de Brito, é dever das instituições oficiais participar da viabilização de um programa que busca a melhoria da prestação jurisdicional, ou seja, um serviço de utilidade pública. Para o ministro Francisco Falcão, corregedor-geral da Justiça Federal, a implantação do sistema de digitalização é um grande avanço. “A revolução da tecnologia acaba de chegar ao Judiciário brasileiro”, afirmou. O presidente do 42 Revista Via Legal | Agosto de 2009 Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), desembargador Paulo Espírito Santo, foi mais longe ao classificar a iniciativa como o maior avanço do Judiciário nos últimos 200 anos. “É um momento histórico para a Justiça brasileira”, ressaltou. O presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), desembargador Vilson Darós, aproveitou para antecipar que já a partir do mês de outubro todos os processos que ingressarem nas três varas da Justiça Federal da cidade de Rio Grande (RS) serão eletrônicos. “E todo o sistema foi desenvolvido por nossos servidores a custo zero”, destacou. O presidente da Associação dos Juízes Federais também elogiou a iniciativa. Fernando Mattos classificou o projeto como fundamental para o Judiciário e motivo de orgulho para a entidade. “Propusemos a lei de informatização do processo e a virtualização é um passo que esperávamos há muitos anos”, lembrou. Ainda segundo Fernando Mattos a economia de tempo será inevitável já que, em média, 70% do tempo de tramitação de um processo são gastos com atividades burocráticas, que serão suprimidas neste novo modelo. “É um compromisso de agilização, de fortalecimento do Poder Judiciário, de melhoria do acesso à Justiça, de garantia da prestação jurisdicional em tempo socialmente adequado, cumprindo-se a Emenda 45. A sociedade só tem a ganhar”. Na mesma solenidade, 27 tribunais oficializaram a adesão ao programa “Justiça na era Virtual”. Com o procedimento, os tribunais passam a ter ligação virtual com o STJ, o que torna possível o envio eletrônico de recursos para Brasília. A iniciativa elimina os processos físicos, facilitando o acesso às informações processuais, já que advogados e partes podem consultar as peças do processo pela internet. Em questão de minutos, os recursos são recebidos, registrados, autuados, classificados e distribuídos com segurança, economia e transparência. Em processo de papel, esse procedimento levava de cinco a oito meses. A economia começou já na concepção do projeto, garante o ministro Cesar Rocha: “O sistema de virtualização é criação da inteligência dos servidores e técnicos do STJ, de forma que não precisamos pagar nenhum licenciamento para operá-lo”. E conclui: “Isso tudo vai fazer com que o STJ se torne o primeiro tribunal nacional do mundo a eliminar o papel na tramitação de seus processos”, comemora. As vantagens são tantas que em menos de dois meses, os cinco tribunais regionais federais aderiram à remessa eletrônica. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) foi o primeiro a se interligar. Para o presidente, desembargador federal Luiz Alberto Gurgel, a adesão ao processamento eletrônico é uma prova de que o futuro chegou. “É um caminho sem volta. Os TRFs estão se preparando para essa realidade. Num futuro breve, os processos serão totalmente eletrônicos”, disse. Outro tribunal pioneiro foi o TRF2. No Rio, um processo de 300 páginas é digitalizado em cerca de uma hora. E a prática vale para os processos com recursos destinados ao STJ e também ao Supremo Tribunal Federal (STF). Um verdadeiro esforço no sentido da modernização, afirmou o presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Gilmar Mendes. Para ele, “os tribunais que aderiram ao projeto demonstram o apreço pela prestação jurisdicional efetiva e pelo direito de acesso de todos à Justiça”.n Institucional Justiça Federal terá 230 novas varas até 2014 O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou o Projeto de Lei 126/09 que cria 230 varas no âmbito da Justiça Federal. Serão 46 novas varas implantadas a cada ano, de 2010 até 2014, medida que irá ajudar a reduzir o número de processos acumulados nas diversas instâncias. A localização de cada uma delas deve ser decidida pelo Conselho da Justiça Federal (CJF) segundo critérios técnicos, como demanda processual, densidade populacional, distância entre cidades em que já existem outras varas federais, áreas de fronteira, entre outros, estabelecidos pelo órgão. Serão 8.510 cargos e funções comissionadas. A lei também cria novos cargos: 230 de juízes federais, 230 de juízes substitutos, 2.070 de analistas judiciários, 2.530 de técnicos, 3.220 funções comissionadas e 230 cargos em comissão. Desses cargos, 10% devem ser remanejados para reestruturar as turmas recursais e as turmas regionais de uniformização. Encaminhado ao Congresso Nacional em agosto de 2005, o Projeto de Lei 126/09 vai ajudar a reduzir a taxa de congestionamento dos processos. O “Justiça em Números”, estudo patrocinado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2008, mostrou que a Justiça Federal recebeu em 2007 mais de 3 milhões de processos, somados aos 3,5 milhões pendentes de anos anteriores. Desse total, 2,8 milhões foram julgados no mesmo ano, o que resultou numa taxa de congestionamento igual a 67, 58%. A maior taxa de congestionamento está na Justiça de 1º grau, 78%, seguida pelo 2º grau, 60,5%, juizado especial, com 42,2% e turma recursal, com 24,8%. n Nova administração na Corregedoria-Geral da Justiça Federal Desde o dia 18 de agosto, a Justiça Federal tem um novo corregedor-geral, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais (TNU), um novo presidente e o Centro de Estudos Judiciários (CEJ), um novo diretor: o ministro Francisco Falcão. No ato de posse, o ministro Falcão fez questão de salientar que sua gestão será balizada pelo interesse público, com a marca da austeridade e transparência, na busca permanente de resultados coerentes com metas estabelecidas por um planejamento estratégico de que nenhuma administração pode prescindir. “Cada vez mais, no Poder Judiciário, são bem visíveis os sinais da modernização administrativa, o que evidencia que o tempo das improvisações já pertence ao passado”, disse. Na ocasião, o presidente do CJF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Cesar Asfor Rocha, ressaltou que há uma grande preocupação com o chamado da sociedade para minimizar a morosidade da Justiça. “Antigamente, tínhamos um certo menosprezo pela atuação administrativa. Hoje, todos nós nos preocupamos com isso. E, nesta linha, temos a grande satisfação de saber que o ministro Francisco Falcão é vocacionado para as boas práticas na administração da Justiça. Chegaremos ao final de sua gestão certos de que o ministro se portou à altura das expectativas de todos”, comemorou. n SIGJUS faz história e inaugura uma justiça interligada O projeto de unificação dos sistemas administrativos, uma das metas prioritárias da gestão do ministro Cesar Asfor Rocha, presidente do CJF e do STJ, teve seu pontapé inicial em fevereiro de 2009. Denominado SIGJUS – Sistemas Integrados de Gestão da Justiça Federal, o projeto envolve as cinco regiões da Justiça Federal e o CJF, que estão concentrados no desenvolvimento de sistemas interligados e centralizados no Conselho. Após um período de avaliação de todos os sistemas existentes na Justiça Federal para buscar sua unificação, seja a partir da construção de novos, seja com a adaptação daqueles em bom funcionamento para o compartilhamento entre os TRFs, foi dado início ao treinamento de mapeamento de processos, necessário para identificar as rotinas administrativas passíveis de automatização. O mapeamento propriamente dito teve início no TRF1, que serviu de modelo para os demais. Segundo o secretário de Administração do Conselho e secretário executivo do projeto, Misael Andrade, trata-se de um trabalho sem precedentes na Justiça Federal, com o envolvimento direto e indireto de mais de 300 pessoas. Para o ministro Cesar Rocha, como resultado desse trabalho espera-se uma gestão que possibilite acesso em tempo real a informações gerenciais, transparência dos atos administrativos e acessibilidade por parte dos órgãos de controle e correicionais. n Agosto de 2009 | Revista Via Legal 43 Giro pelas Decisões Universidade é responsável por furtos e danos a veículos estacionados em suas dependências Toda instituição pública de ensino que oferece estacionamento interno a estudantes, professores e ao público em geral responde por danos decorrentes de furtos, ocorridos nesses locais. Este foi o entendimento da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, em sessão no dia 3 de agosto. Para que essa responsabilidade fique caracterizada, o estacionamento deve ser cercado e ter sistema de vigilância especializada contratada com esse fim. A Turma Recursal de Pernambuco já havia condenado a Universidade Federal (UFPE) a indenizar a universitária Alessandra Vaz Luz, estudante do curso de Enfermagem e estagiária do Hospital das Clínicas, órgão vinculado à universidade. A estudante contou que deixou seu carro no estacionamento enquanto cumpria o estágio. Quando retornou, o veículo havia sido furtado, apesar do local possuir 12 postos de controle de tráfego. Segundo o relator do caso na TNU, juiz federal Cláudio Canata (foto), o fato do estacionamento ser fechado e contar com serviço de vigilância provocava sensação de segurança, o que atraiu para a universidade a responsabilidade pela guarda e controle dos veículos, ou seja, a instituição funcionava de forma similar à do depositário. Em suas alegações, a UFPE contestou a existência do dever contratual ou legal de garantir a segurança dos veículos. Mas, na análise do magistrado, “o fato de a UFPE haver contratado empresa para controlar a entrada e saída de veículos de seu estacionamento revela que sua intenção era a de se precaver da ocorrência de eventos como furtos e danos em suas dependências, relativamente ao patrimônio de terceiros, bem como da responsabilidade civil decorrente, caso esses eventos se concretizassem”. n Plano de saúde deve ressarcir SUS por atendimentos a associados Mais uma decisão judicial beneficia o governo na guerra travada há pelo menos 10 anos com as operadoras de plano de saúde. Em Brasília, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região garantiu à União o direito de ser ressarcida por atendimentos prestados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a clientes de planos particulares. No processo, a Unimed Sete Lagoas sustentava que o artigo 32 da Lei 9.656/98, que prevê o ressarcimento, seria inconstitucional. No entanto, as alegações não convenceram a juíza federal Mônica Neves Aguiar. A magistrada explicou que o Supremo Tribunal Federal analisou a questão em 2003 e, na época, definiu pelo ressarcimento aos cofres públicos. Devem ser devolvidos apenas os recursos gastos com os procedimentos previstos no contrato da operadora mas prestados pela rede pública. n Falha dos Correios nem sempre garante indenização Adailton de Jesus, morador de Campo Grande (RJ), sonhava em participar do programa Big Brother Brasil, da TV Globo. Ele conta que enviou sua ficha de inscrição pelos Correios mas, três meses depois, recebeu um aviso de que a carta não havia sido entregue à emissora por uma falha do serviço. O carioca, então, acionou a Justiça Federal pedindo uma indenização no valor de R$ 500 mil. Ele alegou que o fato da correspondência não ter sido entregue fez com que ele perdesse a oportunidade de concorrer ao prêmio milionário do reality show. Mas a decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região negou o pedido. O relator do processo, juiz federal Theophilo Miguel, explicou que a indenização só deveria ser paga se houvesse uma chance real do candidato ganhar o prêmio. É o que está previsto na chamada “teoria da perda de uma chance”. Como no caso de Adailton, essa possibilidade era mínima - eram milhares de inscritos -, segundo o juiz, não há necessidade de indenização. “Se a possibilidade frustrada apresenta-se vaga ou hipotética, a conclusão será pela total inexistência de perda de oportunidade”, concluiu o magistrado. n 44 Revista Via Legal | Agosto de 2009 Foto: Edson Queiroz Proteção do direito autoral A Fundação Nacional de Artes (Funarte) foi condenada a indenizar por danos materiais o violinista e instrumentista polonês Jerzy Milewski. De acordo com o processo, julgado no Tribunal Regional Federal com sede no Rio de Janeiro, a Fundação comercializou, sem contrato de cessão ou transferência, a gravação de músicas interpretadas por Milewski no trabalho “Flausino Vale - Prelúdios Característicos e Concertantes para Violino Só”. A Funarte contestou as alegações do violinista, justificando que “o autor e compositor das músicas é Flausino Vale, e Milewski seria apenas o intérprete”. Afirmou ainda que, como produtora fonográfica, teria os direitos previstos até em convenções internacionais, e que o fato do instrumentista ter custeado parte da produção não o torna produtor do trabalho. No entanto, para o relator do caso, desembargador Frederico Gueiros, a participação de Milewski, ficou clara nos documentos anexados ao processo. O artista idealizou e executou o projeto, além de ter investido dinheiro para a gravação do trabalho. Por isso, para o magistrado, se trata de uma coprodução, o que garante a Milewski os direitos de autor. “O contrato prevê a titularidade exclusiva de produção da Funarte apenas no caso de não haver pagamento contratual por parte do coprodutor, o que não ocorreu”, explicou. O relator lembrou que a legislação estabelece que o autor deve receber pela comercialização da obra, além de autorizar sua reprodução ou distribuição. “A violação de direitos autorais é evidente, tanto pela reprodução, quanto pela disponibilização para o público da obra, sem a expressa autorização de Milewski, o que justifica a indenização”, encerrou. n Giro pelas Decisões Pedido de aposentadoria perante JEF Itinerante independe de prévio requerimento administrativo Foto: Edson Queiroz Via de regra, para que um cidadão recorra à Justiça Federal contra o INSS é preciso que antes, o pedido tenha sido apresentado à Previdência Social. Esta exigência, no entanto, não deve ser regra quando a pessoa procura o Juizado Especial Federal ( JEF) Itinerante. A decisão é da Turma Nacional de Uniformização dos JEFs, que acatou, por unanimidade, o pedido da trabalhadora rural Maria Nunes da Costa de Minas Gerais. Ela procurou os servidores durante JEF Itinerante realizado em Taiobeiras, norte do estado. Na época, o benefício foi concedido depois de comprovados os requisitos para sua concessão. O INSS recorreu e a 1ª Turma Recursal dos JEFs de Minas Gerais acabou extinguindo o processo, por entender que o fato de Maria Nunes não ter procurado o INSS antes de propor ação judicial caracterizava uma falta de interesse de agir. Mas a relatora do processo na TNU, juíza federal Joana Carolina Lins Pereira (foto), votou pela concessão do benefício fazendo questão de salientar sua sensibilidade ao caso por se tratar de juizado itinerante. Além disso, destacou que “outros casos envolvendo requerimento administrativo já foram apreciados na TNU, e o entendimento que se firmou foi de que, em se tratando de juizado itinerante, seria desnecessário o requerimento administrativo”. Durante o julgamento, o juiz federal Derivaldo Filho lembrou que casos como o da agricultora de Minas Gerais se repetem em todo o país. “No Tocantins, por exemplo, se faz juizado itinerante a mil e tantos quilômetros da capital. Lá, eu diria, 70 ou 80% dos requerentes desse benefício fazem o primeiro contato com o Estado no momento em que a Justiça Federal chega ao local, porque nem certidão de nascimento nem carteira de identidade eles têm”. E concluiu: “se não abrimos mão da exigência do prévio requerimento administrativo nos casos de itinerantes, inviabilizaremos os itinerantes, porque a acessibilidade à Justiça Federal, como também aos órgãos do INSS, não existe na 1ª Região, principalmente no Nordeste e no Norte do país”. n Doméstica acusada de utilizar moeda falsa é absolvida A empregada doméstica Josefa Josiane da Silva Barbosa, que mora na comunidade Roda de Fogo, no Recife, se livrou da acusação de repassar dinheiro falso. Em decisão unânime, a quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região alterou a sentença que havia condenado a empregada. De acordo com a primeira decisão, Josefa Barbosa deveria cumprir quatro anos de reclusão e ainda pagar multa de três salários mínimos vigentes à época do crime, valor que deveria ser corrigido. A condenação chegou a ser substituída por uma pena alternativa, mas a empregada recorreu ao tribunal, onde foi absolvida. A relatora do processo, desembargadora federal Margarida Cantarelli, considerou o princípio da insignificância e a falta de provas. Os depoimentos das supostas vítimas eram contraditórios e, para a magistrada, não poderiam confirmar que a doméstica era mesmo a autora do crime. Josefa foi presa no carnaval de 2008, no bairro do Cordeiro, no Recife. Um vendedor ambulante a acusou de usar três notas falsas de R$ 10 para comprar cerveja. As cédulas teriam o mesmo número de série. Desde a prisão, a doméstica sempre alegou inocência em todos os depoimentos. n Direito à pensão em questão O Tribunal Regional Federal da 5ª Região garantiu a Rosivalda Medeiros da Silva o direito de receber pensão por morte do ex-prefeito de Gravatá, no Agreste de Pernambuco. Apesar de ter uma relação pública e estável com Lúcia Helena Pinheiro Lins, com quem teve uma filha, Sebastião Galvão Lins manteve relacionamento amoroso com Rosivalda. O nome dela aparece, inclusive, nas declarações de Imposto de Renda do ex-prefeito. Além disso, o relacionamento já havia sido reconhecido pelo INSS. Na primeira instância, a decisão foi contrária à Rosivalda sob o argumento de que o artigo 1.723 do Código Civil diz que, para caracterizar uma união estável, é necessário que a relação seja pública. Já no Tribunal Regional Federal com sede no Recife, o desembargador federal José Baptista de Almeida Filho entendeu que Rosivalda deveria receber parte da pensão previdenciária, direito confirmado por meio de fotos, cartões, depósitos bancários e outros documentos que comprovavam o relacionamento amoroso entre os dois. n Estágio vale como experiência profissional Mesmo aprovada no concurso da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, (Embrapa), Débora de Faria Albernaz Vieira só conseguiu assumir a vaga depois de brigar na Justiça. Ela provou o direito de usar o tempo de estágio como parte da experiência profissional exigida no processo seletivo. Durante a faculdade, Débora trabalhou no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, mas a atividade não foi considerada pela Embrapa. A alegação da empresa é que se tratava de um estágio e que, portanto, não tinha validade como experiência profissional. A decisão veio do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e abre espaço para outras pessoas que enfrentam problemas semelhantes. Ao analisarem o pedido de Débora, os desembargadores entenderam que o estágio só pode ser recusado se a proibição estiver expressa no edital, o que não aconteceu no caso dela. O documento com as regras do concurso não especificava se a experiência deveria ter sido adquirida após a graduação. n Agosto de 2009 | Revista Via Legal 45 Notas Cartas a um Jovem Juiz Um retrato do trabalho da Justiça é apresentado no livro “Cartas a um Jovem Juiz cada processo hospeda uma vida”, de autoria do presidente do Conselho da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça, ministro Cesar Asfor Rocha. Segundo o próprio autor, “a mensagem é deixar no espírito dos juízes a noção de que eles devem julgar de acordo com as leis, mas levando em conta a realidade que os cerca, e também escutando um pouco seus sentimentos”. Em linguagem simples, o livro traz conselhos baseados nos 18 anos de magistratura do autor. “O juiz não pode ter mais aquele tecnicismo que tinha antes. Nós temos uma verdade antiga que diz que o que não está nos autos não está no processo, não está no mundo, e não é bem assim. Por isso esse livro tem a finalidade de fazer com que o juiz não tenha nenhum receio de ser humano”, explica o magistrado. A obra, que se destina aos jovens que desejam uma abordagem ampla, informativa e realista sobre a magistratura, contém profundas reflexões sobre as instituições judiciais e democráticas, com visão otimista e ênfase nos percalços e promessas da carreira da magistratura, incluindo as grandes exigências impostas aos que a seguem. Entre os 15 temas abordados está o do relacionamento do juiz com a imprensa. O autor aproveita para fazer um alerta aos colegas da magistratura: “Todas as informações devem ser prestadas, salvo as protegidas por determinação legal, pois, pela crença que tenho, quanto mais o Judiciário for conhecido, mais será compreendido e menos será criticado”. n Constitucionalidade e Direito Civil “Direito Civil - Família”, “Direito Civil - Obrigações” e “Princípios Constitucionais de Direito da Família” são os três livros lançados pelo desembargador federal do TRF da 2ª Região e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Guilherme Calmon Nogueira da Gama. Nas obras, o magistrado demonstra como as transformações ocorridas nas relações políticas, sociais, econômicas e jurídicas repercutiram intensamente na função e na concepção das novas famílias. O autor destaca ainda que a dignidade humana, considerada prioridade pela Justiça, começa a ser desenvolvida no ambiente familiar. Quando trata do conceito de “obrigações”, Guilherme Calmon mostra que essa relação é fundamentada em valores de princípios constitucionais, entre eles a solidariedade social. n Tratado luso-brasileiro A 2ª edição do livro “Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana” acaba de ser lançada. A obra é assinada pelos desembargadores federais Consuelo Yoshida, Grandino Rodas e Ana Scartezzini, além do juiz federal Roberto da Silva Oliveira. Os coordenadores da publicação são os professores Jorge Miranda, catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e Marco Antonio Marques da Silva, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e coordenador pedagógico da Escola Paulista da Magistratura. n Livro discute a ética na sociedade contemporânea Direito Tributário “Hoje nós temos uma situação em que se fala muito em ética, mas se pratica pouco. Precisamos tentar sair de uma ética de normas para tentar atingir uma ética de valores”. Essa foi, nas palavras do desembargador federal Newton de Lucca do TRF3, sua motivação para lançar o livro Da ética geral à ética empresarial. A obra resgata o pensamento clássico, desde Sócrates até a chamada pós-modernidade, num esforço de reconstrução do pen- A desembargadora federal Regina Helena Costa lançou o livro “Curso de Direito Tributário - Constituição e Código Tributário Nacional”. A obra é fruto da experiência da autora, que já atuou como procuradora do Estado, procuradora da República, juíza federal e, atualmente, é desembargadora federal. Trata-se de um estudo bastante aprofundado e feito com uma linguagem extremamente didática, voltada para estudantes universitários e profissionais de Direito. n 46 Revista Via Legal | Agosto de 2009 samento ético na sociedade contemporânea. Para o autor, a empresa desempenha hoje importante papel na aplicação da ética no mundo: “Se fizermos uma análise histórica, vamos verificar que vários valores da sociedade contemporânea vieram exatamente da empresa. E se a empresa, que é a principal instituição da sociedade contemporânea, for efetivamente ética, nós estaremos irradiando para os demais setores da sociedade o pensamento ético”. n Notas Processo Penal “A Reforma Tópica do Processo Penal” é o título livro lançado pelo juiz Federal Walter Nunes da Silva Junior. Na obra, o magistrado enfoca a reforma do Código de Processo Penal defendendo a convicção de que o intérprete e o aplicador da lei “podem e devem convergir no rumo do processo democrático, célere, justo e preciso”. A publicação realça ainda a importância do atual momento do processo penal, em que o cruzamento de interesses entre acusação e defesa tem de ser administrado em paralelo ao rigor da apuração dos delitos e obedecendo aos princípios constitucionais. O livro tem prefácio do ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp, atual corregedor nacional de Justiça, que destaca a importância da obra tendo em vista as recentes reformas do CPP e o conhecimento do autor na prática do tema. Para o ministro, a publicação “oferece ao leitor uma ampla visão das inovações e não desdenha os detalhes e os muitos ajustamentos que a praxe ensinou”. n Previdência e Assistência Social O livro “Direito da Previdência e Assistência Social – Elementos para uma Compreensão Interdisciplinar” apresenta 18 textos de autoria dos professores do módulo de Direito Previdenciário do Currículo Permanente da Escola da Magistratura (Emagis) do TRF da 4ª Região. Com prefácio do ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp, a publicação tem como organizadores o desembargador federal Paulo Afonso Brum Vaz, diretor da Emagis, e o juiz federal José Antonio Savaris, que foi o coordenador científico do módulo. Os artigos que compõem o livro estão divididos em três partes: Direito, Ideologia e Economia; Seguridade Social e Novos Fenômenos Sociais; e Dinâmica do Direito Previdenciário. n Jurisdição Administrativa alemã Teoria Geral do Processo Pós-doutor em Direito pela Universidade de Regensburg, na Alemanha, e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o juiz federal Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, lançou o livro “Teoria Geral do Processo”. A obra desenvolve, de modo objetivo e claro, os principais aspectos do Direito Processual nos âmbitos civil, penal e do trabalho. Trata-se do primeiro volume da “Coleção Programa de Processo Civil”, bibliografia básica das disciplinas de Processo Civil do currículo do Curso de Direito da Universidade Estácio de Sá. n Duas décadas de história Com o título inspirado em um quadro de Salvador Dalí de 1931, o livro “A Persistência da Memória” é uma homenagem aos 20 anos de construção do TRF da Região Sul, completados neste ano. A publicação, elaborada pela Coordenadoria de Documentação do tribunal, resgata a história da instituição, as ações da corte, a preocupação com o meio ambiente, o trabalho dos desembargadores e também as atividades desenvolvidas por cada diretoria. n Resultado da cooperação entre cientistas brasileiros e alemães, a obra “Código de Jurisdição Administrativa - o modelo alemão” foi lançada pelo juiz federal Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva. A publicação é uma parceria entre o magistrado Ricardo Perlingeiro, mestre e doutor em Direito e Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, e os professores doutores Hermann-Josef Blanke, da Universidade de Erfurt, e Karl-Peter Sommermann, da Universidade das Ciências da Administração Pública de Speyer. O livro traz a tradução do Código Alemão de Jurisdição Administrativa para o português, além de mostrar a colaboração da jurisdição alemã para o direito europeu. No prefácio, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Administrativo da Alemanha, Eckart Hien, afirma que “o diálogo alemãobrasileiro aqui esboçado possui uma importância que vai muito além desta obra; trata-se de um projeto de construir normas/modelos que, frente ao fenômeno da globalização, possam valer como best practice para a administração pública de um Estado de Direito e para a tutela jurisdicional do cidadão em face do Estado”. n Agosto de 2009 | Revista Via Legal 47 Notas TRF1 disponibiliza sistema pioneiro na publicação de relatórios de estatística O TRF da 1ª Região foi o primeiro dos cinco TRFs a aderir ao projeto Transparência em Números. Idealizado pelo então corregedorgeral da Justiça Federal, ministro Hamilton Carvalhido, o objetivo do programa é dar maior visibilidade à quantidade de processos sob responsabilidade de cada tribunal e à produtividade de seus órgãos julgadores. “Queremos apresentar relatório estatístico consolidado que mostre a qualquer cidadão o retrato do seu processo de forma imediata”, afirmou o ministro. Na prática, ao acessar o Sistema de Relatórios Estatísticos, o usuário encontra duas versões: a simplificada e a detalhada e, conforme os parâmetros selecionados, pode visualizar, por exemplo, quantos processos foram distribuídos, julgados e quantos permanecem em tramitação em determinado período, abrangendo processos judiciais e administrativos disciplinares do tribunal e das seções Ministro Hamilton Carvalhido, ministro Cesar e subseções judiciárias vinculadas. Rocha e presidente do TRF1, Jirair Meguerian A identificação de processos antigos é uma das principais funcionalidades, É possível também verificar os processos pois permitirá não apenas ao público, mas tam- que estão conclusos para julgamento, o núbém aos magistrados conhecer quais serão os mero de ações que aguardam decisões de ouprocessos prioritários, considerando o ano de tros órgãos, ou até a quantidade de audiências distribuição. e sessões realizadas. n Seminário no TRF3 aborda guarda doméstica de animais silvestres A “Guarda Doméstica de Animais Silvestres” foi tema de um seminário promovido pela Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região para discutir qual deve ser o destino dos animais que são apreendidos pelo Ibama. O tema foi sugerido pela procuradora regional do órgão, Rie Kawasaki: “A questão da fauna é complexa e o encontro com analistas e pessoas da área técnica é uma oportunidade para apresentação de um detalhamento das questões relacionadas ao assunto”, justificou. Especialistas do Ibama destacaram a importância de conscientizar a população dos grandes danos ambientais causados pela guarda não autorizada de animais silvestres como se fossem domésticos. Ficou claro que uma das consequências mais diretas é o estímulo ao tráfico de animais, que precisa ser combatido por meio de um controle mais efetivo e do endurecimento da legislação. O analista ambiental Vincent Kurt Lo explicou que um animal silvestre criado em domicílio traz riscos como zoonoses e agressões. Ele falou ainda sobre a previsão legal de reintegração e soltura de animal na natureza: “É um trabalho complexo, mas possível e desejável”. n Acordo facilita cursos à distância para juízes O TRF4 e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) firmaram acordo de cooperação para o compartilhamento da plataforma de ensino à distância desenvolvida pelo tribunal na promoção de cursos online pela Enfam. Representando a Escola Nacional, assinaram o acordo os ministros Cesar Asfor Rocha, presidente do STJ, e Fernando Gonçalves, diretor-geral da Enfam. Pelo TRF4, assinaram o convênio os desembargadores federais Vilson Darós, presidente da corte, e Tadaaqui Hirose, diretor da Escola da Magistratura do TRF4. Ao assinar o acordo, o ministro Fernando Gonçalves ressaltou a importância para a Enfam da utilização da experiência do TRF4 em 48 Revista Via Legal | Agosto de 2009 TRF3 assina convênio com a Universidade Samford (EUA) A presidente do TRF3, desembargadora federal Marli Ferreira, recebeu em abril com o coordenador da Faculdade Cumberland de Direito, da Universidade Samford, professor Michael Floyd, acompanhado da desembargadora Maria Cristina Zucchi, do Tribunal de Justiça. Na ocasião, foi assinado um convênio entre as instituições que possibilitará intercâmbio para juízes federais na Universidade Samford, no Alabama, EUA. O propósito é o aperfeiçoamento dos magistrados no programa de mestrado de Direito Comparado da Universidade Samford que analisa o Direito Constitucional dos Estados Unidos e do Brasil. Segundo o professor Michael Floyd, “o programa ainda é pequeno, mas desenvolve estudos sobre diversos temas jurídicos entre o Brasil e os Estados Unidos”. A presidente do TRF3, desembargadora federal Marli Ferreira, afirmou que “sem dúvida, o Direito Comparado trará diferentes soluções e ideias para os nossos juízes federais“. n ensino à distância. “Em um país de dimensões continentais, a tecnologia é importante instrumento para alcançar os magistrados. A experiência do TRF4 facilita à Enfam a efetivação de uma de suas funções: a de normatizar, de dar um rumo à preparação dos juízes para que, com base nos princípios apresentados pela Escola Nacional, cada seção judiciária adapte esses preceitos à realidade local”. Ainda segundo Fernando Gonçalves, a oferta de cursos online pela Enfam, a partir da plataforma desenvolvida pelo TRF4, também fortalece um dos principais objetivos da Escola Nacional – o de interligar as Escolas da Magistratura de todo o país. “A Enfam é o elo entre as 27 Escolas da Magistratura estaduais e as cinco federais para o desenvolvimento do Poder Judiciário. A Escola é um norte para a promoção de uniformidade dos trabalhos judiciais e os treinamentos à distância facilitam essa promoção ampliando o acesso aos cursos desenvolvidos pela Enfam”. n