A CRIANÇA E O MUNDO SOCIAL: PARA UMA

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A CRIANÇA E O MUNDO SOCIAL: PARA UMA RECONFIGURAÇÃO DO
CONCEITO DE INFÂNCIA
João Paulo Pooli
Sociólogo, Mestre e Doutor em Educação pela UFRGS, Pós-Doutorando em
Sociologia pela Univ. de Barcelona.
Professor da Universidade Luterana do Brasil e da Universidade de Caxias do
Sul
Márcia Rosa da Costa
Pedagoga, Mestre e Doutoranda em Educação pela UFRGS
Professora da Universidade Luterana do Brasil; Assistente de Direção no
Colégio Santa Inês (POA)
Resumo: O artigo apresenta resultados parciais da pesquisa A criança e o mundo
social: para uma reconfiguração do conceito de infância cujo principal objetivo é
desenvolver uma investigação avançada sobre a presença da infância como
categoria social, marcada por processos educacionais, e sua inserção nos contextos
das teias configuracionais, contribuindo, nos planos da docência universitária e da
intervenção social, para o desenvolvimento dos conhecimentos que dizem respeito à
infância. Os resultados encontrados no primeiro ano de desenvolvimento da
investigação dizem respeito às concepções de infância apresentadas por
professores de crianças de 0 a 8 anos, de instituições da rede pública e privada do
Município de Canoas, Região Metropolitana de Porto Alegre. Os tratamentos dados
às crianças e as concepções relacionadas à infância estão intimamente ligados às
práticas e hábitos culturais da sociedade ao longo da história.
Palavras-chave: infância, criança, educação, mundo social
Este artigo tem como objetivo apresentar algumas das análises e reflexões
resultantes da pesquisa A criança e o mundo social: para uma reconfiguração do
conceito de infância. Nesta investigação procuramos aprofundar os estudos sobre a
categoria social infância, verificando as concepções subjacentes no processo
educacional e a sua inserção no contexto das teias configuracionais. No decorrer de
um ano de pesquisa realizou-se levantamentos de bibliografias e entrevistas com
professoras de crianças de 0 a 8 anos, de instituições da rede pública e privada do
Município de Canoas, Região Metropolitana de Porto Alegre i.
Em relação ao conceito e compreensão das relações sociais adotamos
principalmente o referencial teórico de Norbert Elias. Seus estudos acerca do
processo civilizador auxiliam a interpretar as relações que se estabelecem na
sociedade e as atuais crises sociais, bem como a origem da escola e sua função nos
dias de hoje.
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Infância e mundo social
O trabalho pedagógico nas escolas deve estar comprometido com as
transformações necessárias para que se possa pensar em um processo de
socialização que possibilite aos atores sociais a sua expressividade como a
capacidade de manifestar publicamente as múltiplas circunstâncias que envolvem
singularmente a própria leitura do mundo. Se reconhecermos que a escolaridade é
um fator importante para o desempenho social e político na vida contemporânea,
devemos compreender as concepções que a escola tem das crianças e de suas
infâncias no sentido de considerá-las como atores sociais que vivem ativamente e
tem um papel significativo na sociedade.
Consideramos a infância como (1) uma categoria social, construída a partir da
interação com os diferentes contextos de socialização e desenvolvimento (família,
escola, meios de comunicação, grupos de iguais, ...), não se restringindo a um
conceito único e fechado, e (2) as crianças como atores sociais, com participação no
jogo de construção dos fatos sociais, reconhecendo suas culturas, diferenças,
características e singularidades. De maneira análoga, as crianças assim como os
jovens e os adultos compartilham de todos processos e determinações sociais não
podendo ser isolada nem considerada como uma categoria independente e
autônoma.
Elias, em sua principal obra, O Processo civilizador (1939), mostra através de
uma análise sócio-histórica, do século XVI ao XX, como o homem chegou a ser o
que é, as modificações no comportamento e sensibilidade, os modos de
relacionamento e a própria constituição do Estado. Esta obra é merecedora de
estudos aprofundados, pois aponta uma série de análises e conexões necessárias
ao campo da educação, e do processo de socialização da criança, sendo este um
dos aprofundamentos teóricos a ser realizado. Segundo Elias (1980, p.13):
... a sociedade é formada por nós e pelos outros Ao pensarmo-nos na
sociedade contemporânea, é difícil fugir ao sentimento de estarmos a encarar
seres humanos como se fossem meros objetos, separados de nós por um fosso
intransponível. Este sentido de separação é expresso, reproduzido e reforçado
por conceitos e idiomas correntes que fazem com que este atual tipo de
experiência surja como evidente e incontestável. Falamos do indivíduo e do seu
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meio, da criança e da família, do indivíduo e da sociedade ou do sujeito e do
objeto, sem termos claramente presente que o indivíduo faz parte do seu
ambiente, da sua família, da sua sociedade. Olhando mais de perto o chamado
“meio ambiente” da criança, vemos que ele consiste primariamente noutros
seres humanos, pai, mãe, irmãos e irmãs. Aquilo que conceitualizamos como
sendo a “família”, não seria de todo uma família, se não houvesse filhos. A
sociedade que muitas vezes colocada em oposição ao indivíduo, é inteiramente
formada por indivíduos, sendo nós próprios um ser entre os outros.
A família é uma instituição social e, assim como a escola, ambas se constituem
em agências civilizadoras. Para Elias não existem atitudes naturais do homem; elas
são assimiladas através da educação social. As mudanças de conduta que vão se
operando através dos tempos, não têm um planejamento racional, organizado em
etapas previamente elaboradas a serem aplicadas a longo prazo; a educação e a
escola são as formadoras do sujeito em relação à configuração social. Dessa forma,
as
mudanças
e
características
da
sociedade
interferem
diretamente
no
desenvolvimento das crianças. Tudo e todos com os quais a criança convive, cada
membro da família, cada adulto e criança com a qual interage favorecem o processo
socializador. Tanto a escola como as famílias contribuem de maneira significativa
para fornecer às crianças meios de orientação na vida social, porém, as duas
agências, têm papéis diferenciados nesse processo. A educação, o afeto, a
socialização, o conhecimento científico e a disciplina são tratados de maneira
diferenciada nesses espaços já que eles sempre contêm uma perspectiva de
continuidade e de futuro. Embora ambos tenham uma participação efetiva eles não
trabalham da mesma forma esses temas, exatamente por serem locais diferentes
com propostas distintas, e isso é muito importante para que possamos configurar a
natureza dessas agências e, portanto como elas contribuem para a formação social
dos sujeitos.
Conforme nos afirma Bachelard (1990:40-41), em nós a vida não é um objeto
que podemos a todo o momento apreender, o ser humano é uma colméia de seres e
a vida do homem não tem um centro, para ele, seríamos seres estagnantes
atravessados por redemoinhos. Dessa maneira, é possível entender a vida como um
contínuo processo de aprendizagem algumas vezes controlada, outras não, onde o
que a sociedade quer fazer de nós se encontra e desencontra com o que queremos
para nossa vida.
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Muitos estudos se equivocam quando misturam os papéis da escola com o da
família reivindicando para que as duas tenham uma colaboração tão estreita que
muitas vezes não consigam separar a função de uma com a de outra. Não é raro
inclusive que professores culpem a família pelo fracasso escolar do aluno, assim
como alguns pais culpem a escola pelo comportamento dos seus filhos. Esse
equívoco provém do fato que não termos claro ainda, apesar de todo o avanço dos
estudos sobre a vida social, que os homens e mulheres são constituídos por uma
complexa relação plural entre o homem singular e a sociedade. Para Elias (1990), a
consciência que temos sobre esse assunto geralmente nos remete para questões
antagônicas. Para nos livrarmos dessa visão temos que reconhecer que os homens
singulares são determinados no seu autodesenvolvimento pelo ponto onde entram
no fluxo do desenvolvimento social, e que isso, tradicionalmente se faz em primeiro
lugar através da família e posteriormente mediante todos os processos educacionais
da sociedade.
Assim, para Elias (1994, p.30), somente com base no diálogo instintivo
contínuo com outras pessoas é que os impulsos elementares e informes da criança
pequena tomam uma direção mais definida, assumem uma estrutura mais clara. Na
escola os adultos tendem a formar as crianças de acordo com crenças já
consolidadas independente do questionamento que se possa fazer sobre elas. É
nesse ponto que a intervenção dos professores é fundamental, uma vez que, a
socialização deveria pautar-se pela tolerância e por um sentido de razoabilidade que
os adultos geralmente não possuem. A criança deveria conviver com um conjunto
amplo de possibilidades e não percorrer, como querem os adultos, caminhos
previamente traçados por normas ou processo excessivamente pedagogizados que
pouco contribuem para sustentar a espontaneidade sempre criadora e teimosa das
crianças.
A configuração de uma escola sensata é produto da mais pura reflexão teórica
pedagogicamente construída na relação com a realidade da vida social, intimamente
vinculada à ação mediadora de educadores e educandos protagonistas e
construtores de um espaço escolar de múltiplas aprendizagens.
A busca dos dados empíricos
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Para iniciar o processo de investigação procuramos inicialmente analisar
documentos e pesquisas sobre a temática além de elaborar uma catalogação de
livros, periódicos e publicações sobre a infância organizando um banco de textos
que tinha por objetivo verificar a produção acadêmica realizada sobre a infância e
suas concepções nos estudos para tratavam da formação de professores.
Além disso, foram entrevistadas dezenove professoras, que trabalham com
crianças até oito anos de idade, da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, em instituições públicas e privadas do Município de Canoas, Região
Metropolitana de Porto Alegre, com o objetivo de verificar suas concepções de
infância e a relação destas com o discurso pedagógico assumido nos projetos
político-pedagógicos das instituições. As entrevistas continham questões prédefinidas e seguiram a seguinte estrutura: a) se existem, e quais, as diferenças entre
a sua infância e a das crianças; qual o significado da infância; que tipos de infância
possuem as crianças na escola; qual a importância da formação dos professores em
relação ao trabalho com crianças e que tipos de preocupações a escola demonstra
no trabalho e atendimento às crianças.
Nosso objetivo ao escutarmos as professoras é investigar, de certa maneira
inspirados nas lições de Geertz (2001), o que os sujeitos pensam tentando
compreender como pensam e com que finalidades pensam aquilo que estão
fazendo. Como sabemos, as formas de se comunicar fornecem esclarecimentos
importantes sobre como os atores sociais forjam a construção de conceitos,
representações e traduções do mundo que organizam sua vida cotidiana. É com
esse ponto de vista que constatamos que apesar da maioria das professoras
sugerirem que a infância é um período marcado por atitudes “ingênuas” e
“românticas”, onde as crianças devem viver suas vidas com muita fantasia, diversão
e brincadeiras, alguns apontaram que nas instituições educativas e nas famílias
mesmo sem querer tratamos as crianças como pequenos adultos. Dessa forma, os
depoimentos dos professores têm apontado pouco aprofundamento e reflexão crítica
sobre as questões que envolvem o mundo da infância nas configurações sociais.
Não se constitui novidade a constatação de que a constituição da infância e a
formação de profissionais dedicados à sua educação são as duas faces de uma
mesma moeda, ou seja, que a infância e a criança são objetos de estudo da
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pedagogia (Varela, 1992). Ao longo dos últimos séculos foram se instituindo uma
série:
de saberes extraídos do trato direto e contínuo com estes seres (...), saberes
relacionados com a manutenção da ordem e da disciplina nas salas de aula, o
estabelecimento de níveis de conteúdo, a invenção de novos métodos de
ensino e, em suma, conhecimento do que hoje se denomina de organização
escolar, didática, técnicas de ensino e outras ciências sutis de caráter
pedagógico. (Varela & Alvarez-Uria, 1992, p.80)
Segundo Varela (1995) estes saberes instituídos poderão ser caracterizados
em três modelos pedagógicos, de períodos históricos distintos: as pedagogias
disciplinares, no século XVIII, as pedagogias corretivas, do início do século XX e as
pedagogias psicológicas, que surgiram ao longo do século XX, e continuam
vigorando na atualidade. Essas três pedagogias produziram determinadas
concepções e discursos acerca da infância que influenciaram e influenciam a
pedagogia e o trabalho educativo com crianças ainda nos dias de hoje.
As pedagogias disciplinares se instituíram a partir de uma percepção social do
espaço e do tempo que se manifestaram na organização do espaço e do tempo
pedagógico, na visão de sujeito e na organização do campo do saber, implicaram
novas relações de poder que são tanto menos visíveis quanto mais física e
materialmente estão presentes e quanto mais vinculadas estão ao processo de
aprendizagem (Varela, 1995, p.44). As pedagogias corretivas colocaram em ação
técnicas pedagógicas que atendessem às necessidades e interesses infantis,
adaptando não apenas a realidade material, mas também a dos saberes. Exemplos
dessas pedagogias, apontados por Varela, são as instituídas através das obras de
Montessori (com a adaptação do mobiliário da sala de aula ao tamanho das
crianças) e Decroly (com o método de globalização através dos centros de interesse,
onde estes deveriam estar relacionados às necessidades fundamentais das
crianças). Convém destacar que através destas pedagogias iniciou-se uma
redefinição do conceito de infância no campo pedagógico, sendo destacada a visão
de criança natural, que acabou permitindo o surgimento de uma nova percepção de
sujeito, o sujeito psicológico. Segundo a autora:
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as pedagogias psicológicas caracterizam-se por um controle exterior frágil: a
criatividade e a atividade infantis são promovidas e potenciadas e as categorias
espaço-temporais devem ser flexíveis e adaptáveis às necessidades de
desenvolvimento dos alunos. Mas, nelas o controle interior é cada vez mais
forte, já que agora não se baseia predominantemente na organização e
planificação minuciosa do meio, mas em formas cientificamente marcadas
pelos estágios do desenvolvimento infantil. (Varela, 1995, p.53)
As pedagogias psicológicas, encontradas, então, principalmente entre os
representantes da Escola Nova, que surgiu para se opor às pedagogias tradicionais
e disciplinadoras. Estas pedagogias são marcadamente caracterizadas pela
presença de médicos e especialistas da psicologia infantil. Ainda que saibamos da
especial e importante contribuição das teorias de alguns autores desta área, como J.
Piaget e L. Vygotsky, não podemos negar que suas obras são caracterizadas pela
observação e pelo desenvolvimento de procedimentos de caráter clínico e
experimental. A influência destas e outras teorias é que tem formado e transformado
a instituição de pedagogias que nem sempre consideram os aspectos históricos e
culturais que também são explicativos das possibilidades e potencialidades humanas
configuradas no âmbito das teias de relacionamento social.
Podemos constatar que a condução do trabalho educativo tem se pautando
dentro desta perspectiva, onde predomina a visão da criança como um ser natural e
universal. A formação dos educadores de infância tem privilegiado o domínio de
conhecimentos que enfatizam o que se espera da criança em cada período de sua
vida. Nesta perspectiva é que se encontram os programas dos cursos de pedagogia.
De acordo com Bujes (2003):
Apoiando-se na narrativa das ciências, os programas assentam-se numa noção
biologizada e psicologizada das crianças que as posiciona como seres em
desenvolvimento. Este se caracteriza por etapas, dentro de uma perspectiva de
gradualidade e cumulatividade, impondo uma idéia dos processos que ocorrem
nesta fase como pré-determinados e universais. O que está presente é uma
concepção de etapização e de progressão, centrais a uma visão teleológica do
desenvolvimento. E esta visão científica é uma das condições de possibilidade
– uma causa imanente – de um movimento que posiciona as crianças como
objetos a serem testados, examinados, descritos, categorizados. Os programas
apresentam recorrentemente esta idéia de um desenvolvimento: de base
biológica, seqüenciado em etapas, prolongando-se por toda vida, envolvendo
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dimensões cognitivas, sócio-afetivas e psicomotoras, ainda que se dando num
todo indissociável.
Poucos são os cursos de pedagogia que têm buscado fugir das perspectivas
apontadas e adotar programas que privilegiem, na formação de educadores de
infância, o ensaio de análises críticas das formas de conhecimento, das
organizações de tempos e espaços e de visões de cunho social e cultural para a
compreensão dos fenômenos e dos múltiplos sujeitos educativos.
Encontramos entre o discurso pedagógico atual, traduzido nos projetos
pedagógicos das escolas, através da célebre frase de que devemos fazer do aluno
um sujeito de sua própria aprendizagem, um descompasso muito grande em relação
às práticas desenvolvidas, traduzidas na própria fala das professoras. Na maioria
das vezes a análise do contexto social e cultural, onde cada criança se insere e
constrói sua visão de mundo, é desconsiderada ou relegada a segundo plano. Esta
afirmativa pode ser ilustrada através do depoimento de uma das professoras
entrevistada:
No Magistério eu estudei bastante a parte da didática e da psicologia da
educação, que contribuiu muito na minha formação, pois utilizo[o
conhecimento] freqüentemente no cotidiano escolar para conhecer mais as
crianças, a fim de saber quais as etapas que elas estão passando, até mesmo
no olhar a criança...
Além disso, o que se observa nas falas das professoras sobre as crianças e a
infância é que são concepções excessivamente a-históricas, maternalizadas,
psicologizadas e/ou pedagogizadas, expressando uma certa confusão quando
utilizam os conceitos relativos aos processos de socialização das crianças e as
circunstâncias da infância. Exemplos destas manifestações podem ser constatados
através das seguintes falas:
Infância para mim é a fase mais bonita que uma pessoa pode ter na vida. É
onde a criança descobre muita coisa conhece a si mesma e o mundo, começa
a interagir e a formar nesta fase conceitos que ela leva para a vida toda
inclusive para a formação moral dela.
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Meus alunos, acredito, tem infância porque eu dou esta oportunidade para
terem, coloco vários brinquedos a disposição, várias sugestões e deixo eles
agirem natural e livremente não há nada imposto “ah, brinquem aqui, façam
isso, façam aquilo, não podem fazer naquele canto porque é perigoso”, fico
observando quando vejo que estão fazendo alguma coisa errada que podem se
machucarem eu interfiro, mas no momento que vejo que não é perigoso deixo
para que os alunos percebam até onde vai sua liberdade enquanto crianças,
dou a oportunidade deles serem crianças e de saberem sua liberdade tem
limites e de como eles devem agir.
Ter infância é brincar, brincar e brincar.... Ser feliz sem preocupações com o
tempo, com responsabilidades. Cabe aos pais terem responsabilidades e
educar os filhos e aos educadores a nossa obrigação é de passar informações.
Nestes depoimentos também estão presentes as duas concepções de infância,
encontradas na história e apontadas por Ariès (1981), uma onde a criança é vista
como ser ingênuo, que necessita de mimos, e a outra que a entende em fase de
crescimento, necessitando de moralização e educação. Outra professora disse:
A infância é a melhor fase da vida da gente. É bom ser criança porque quando
nos somos crianças não precisamos estar pensando muito, ter muita
responsabilidades, temos a proteção e apoio dos pais, é muito bom brincar,
levar a vida numa fantasia.
Para Varela as pedagogias psicológicas transmitem uma visão enviesada do
mundo que tem de se adaptar não apenas a algumas supostas necessidades e
interesses infantis como também a suas motivações e desejos (Varela, 1995, p.53).
Este posicionamento pode ser conferido na seguinte fala:
Não analisei a questão de como acontece na casa dos meus alunos. Penso
que em sala de aula as crianças poderiam ter mais espaço para ter mais
infância, porém com tantas atividades na sala de aula não há espaço para isso,
assim acabo deixando com que eles tenham liberdade para que façam as
coisas, mas com limites. Mesmo sem querer as tratamos como “mini adultos”.
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Talvez seja possível inferir, através dos depoimentos transcritos que, apesar de
assistirmos a discursos pedagógicos que vêm se institucionalizando e procurando
conferir à infância um novo estatuto, onde a criança é vista como um sujeito social
produtor de culturas, ainda co-existem nas práticas pedagógicas as características
das pedagogias disciplinares, corretivas e psicológicas. A pedagogia, apesar da
instituição de novos discursos, não tem conseguido concretizar práticas que nas
suas atividades consigam desvincular a formação do sujeito social com a formação
do professor, isto é, para os professores tem sido muito difícil não educar seus
alunos da mesma maneira como foram educados. O peso do modelo civilizador,
ancorado pelas estruturas enrijecidas das instituições de ensino, continua se
constituindo como força imperativa apesar dos consideráveis avanços que os
sistemas educacionais têm conseguido propor e implementar em inúmeras escolas.
A história social e o significado da infância: alguma considerações finais
A importância de se estudar os elementos que constituem uma configuração
social deve levar em conta uma observação feita por Peter Burke (1980) de que não
podemos perder de vista a complementaridade que existe entre a sociologia e a
história como ferramentas de análise social. Se para a sociologia o estudo das
regras gerais era mais importante do que os se ater aos detalhes, para os
historiadores os detalhes eram muito mais significativos do que a descoberta de
padrões gerais. Na realidade nenhuma teoria social que se preze deve abrir mão de
tudo aquilo que pode contribuir para a ampla compreensão dos fenômenos, e por
isso mesmo não podemos pecar pelo descarte ou pelo privilegiamento das
parcialidades. É necessário construir tanto uma interpretação sociológica para a
história, como uma análise histórica da sociologia a fim de encontrar alguns
elementos que, nas suas trajetórias sociais, produzem os sentidos das experiências
humanas.
No mesmo sentido, é necessária a reconstrução de interpretações e análises
pedagógicas acerca da infância e dos fenômenos educativos inerentes ao processo
civilizador a partir de novos olhares. Para isso, é necessário que sejam consideradas
diversas contribuições, como as que são fornecidas através dos estudos realizados
pela sociologia da infância. Esta vem destacando a necessidade de se construir
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referenciais de análise que privilegiem essa categoria social como produtora de suas
próprias circunstâncias de vida e, portanto, possível de ser compreendida a partir
das representações configuradas através das múltiplas relações que estabelece com
o mundo social em que está inscrita.
No entanto, nos textos científicos, estudos teóricos e pesquisas sobre o tema
da infância se observa uma pronunciada dificuldade na definição e distinção entre os
conceitos de criança e infância. Além disso também encontramos poucos trabalhos e
investigações consistentes nesta área que demonstrassem um aprofundamento
conceitual nas análises e definições sobre este grupo social. Esse fato, que se
reflete também nas falas das professoras de educação infantil citadas anteriormente,
de certa forma revela que estamos construindo emergencialmente um objeto de
investigação, e que não conseguimos ainda circunscrevê-lo de maneira objetiva
dentro dos cânones de construção das categorias sociais de análise. É o
desenvolvimento precário desse objeto que provoca confusão quando resolvemos
olhá-lo mais aguçadamente desejando encontrar certezas em elementos que
persistem em continuar como transitórios. O distanciamento necessário para
investigar esses casos pode ser consumado pelas vozes dos outros, no caso a dos
professores. A sua manifestação é muito significativa para as investigações sobre a
criança e suas infâncias, uma vez que através delas é possível identificar pistas que
sejam menos produto do acaso do que uma visão realista dos fatos apresentados.
Sabemos, principalmente pelo alerta dado por Elias (1998), que é muito difícil e
perigoso estudar fatos em que estamos pessoalmente envolvidos, já que todos
fomos crianças e que socialmente vivenciamos alguma infância.
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Notas:
i
A investigação faz parte da Linha de Pesquisa Trabalho, Identidade e Formação Docente - Ênfase em Estudos
Culturais em Educação e conta com o incentivo da Universidade Luterana do Brasil. É desenvolvida pelos
professores pesquisadores autores deste artigo e pela Bolsista de Iniciação Científica, aluna do Curso de
pedagogia, Fátima Karine Souza de Souza.
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