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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS GERAIS
INSTITUTO DE LETRAS
PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
por
SÉRGIO NASCIMENTO DE CARVALHO
A “GUERRA” NAS PALAVRAS:
UMA ANÁLISE CRÍTICA DA METÁFORA CONCEPTUAL NA RETÓRICA
DO PRESIDENTE G. W. BUSH JR E DE SEUS COLABORADORES
Tese de Doutorado em Estudos Lingüísticos, apresentada à Coordenação da Pós-Graduação
em Letras da Universidade Federal Fluminense,
para obtenção do grau de Doutor em Letras.
Orientador: Profª Drª. Solange Coelho Vereza
Niterói, 2º semestre de 2006.
SÉRGIO NASCIMENTO DE CARVALHO
A “GUERRA” NAS PALAVRAS:
UMA ANÁLISE CRÍTICA DA METÁFORA CONCEPTUAL NA RETÓRICA
DO PRESIDENTE G. W. BUSH JR E DE SEUS COLABORADORES
Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação em
Letras da Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para obtenção do Grau de Doutor. Área
de Concentração: Estudos Lingüísticos
Orientador: Profª Drª Solange Coelho Vereza
BANCA EXAMINADORA
______________________________________
Profª. Dra. Mara Sophia Zanotto (PUC/SP)
______________________________________
Prof Dr. Claudio Cezar Henriques (UERJ)
______________________________________
Profª. Dra. Maria Elisa Knust Silveira (UFF)
______________________________________
Profª. Dra. Vanda Maria Cardoso de Menezes (UFF)
Defendida a tese:
Em 15/ 12/ 06
Nota: 10 (dez)
Niterói
2006
RESUMO
Partindo dos princípios teóricos estabelecidos por Lakoff e Johnson (1980/2002), este estudo
propõe-se a investigar, sob uma perspectiva crítica (CHARTERIS - BLACK, 2004, 2005), as
metáforas conceptuais que transformam, discursivamente, fatos e/ou acontecimentos em “atos
de guerra”. Exploramos a hipótese de que essas metáforas são, freqüentemente, usadas,
cognitiva e lingüisticamente, para justificar uma ação ou (re) ação, com claras implicações
políticas.
Os acontecimentos enfocados nesta pesquisa têm como ponto de partida o ataque terrorista de
11 de setembro de 2001 (o chamado “11/09”), passando pelos períodos que antecederam as
guerras do Afeganistão e do Iraque. O estudo investiga como a conceptualização do 11 de
setembro como um “ato de guerra”, através de diferentes materializações no discurso, foi um
importante instrumento no processo de justificativa das guerras que o seguiram.
Este
enquadramento conceptual, apoiado em outras metáforas conceptuais relacionadas à guerra,
pode ser evidenciado, discursivamente, nas falas do Presidente Bush e de seus colaboradores,
que, por sua vez, foram relatadas, direta ou indiretamente, na mídia americana e internacional.
A análise aqui desenvolvida objetiva, assim, explorar essas falas em um corpus jornalístico
(artigos do jornal diário The New York Times, publicados durante o período em foco),
buscando revelar as metáforas conceptuais, os cenários (MUSOLFF, 2004) e os sistemas
metafóricos (LAKOFF, 1991) que as subjazem. Procuramos mostrar, assim, como a metáfora
pode desempenhar um papel relevante na formação e difusão de ideologia tão vital para a
liderança política, uma vez que ela legitima conceptual e lingüisticamente, determinadas
visões, ou enquadramentos, que vão ao encontro de interesses específicos (CHILTON, 1993,
2004).
A pesquisa se apóia, teoricamente, nos estudos da metáfora da lingüística cognitiva (LAKOFF
& JOHNSON, 1980 / 2002; LAKOFF, 1987, 1991, 2002, 2005; KÖVECSES, 2001, 2002,
GIBBS e STEEN, 1994, entre outros), com ênfase nas perspectivas que enfocam os aspectos
sócio-culturais (TOMASELLO,1999; KÖVECSES, 2005), discursivos (CAMERON, 1999;
2003) e ideológicos (CHARTERIS - BLACK, 2004, 2005; CHILTON, 1993, 2004 e
MUSOLFF, 2004) da metáfora.
Palavras-chave: metáfora conceptual; cenário; discurso político; análise crítica da metáfora
ABSTRACT
Based on the theoretical principles proposed by Lakoff and Johnson (1980/2002) this thesis
aims at investigating, under a critical perspective (CHARTERIS-BLACK, 2004, 2005), the
conceptual metaphors that transform, discursively, facts and/or events into “acts of war”. We
hypothesize that these metaphors are, freque ntly, used, cognitively and linguistically, to
justify an action or (re) action with clear political implications.
The starting point of this research is the terrorist attacks of September 11 (known as 09/11)
passing by the periods that anteceded the wars of Afghanistan and Iraq. The study investigates
how the conceptualization of 09/11 as an “act of war”, realized by different materialization in
discourse, was a relevant instrument in the process of justifying those wars. This conceptual
frame, supported by other conceptual metaphors related to war, can be evidenced,
discursively, by the speeches of President Bush and those of his collaborators. These speeches
were reported directly or indirectly, in the national and international media. This analysis aims
at exploring these speeches in a journalistic corpus (articles from The New York Times
published during that time) trying to reveal the conceptual metaphors, the scenarios
(MUSOLFF, 2004) and the metaphorical systems (LAKOFF, 1991) that underlie them. We
also attempt at showing how metaphors may play a relevant role in the formation and spread
of ideology so important to political leadership since they legitimize, conceptually and
linguistically, specific visions, or framings, which support specific interests (CHILTON,
1993, 2004).
The research is based on the cognitive metaphorical theory
(LAKOFF & JOHNSON,
1980/2002; LAKOFF, 1987, 1991, 2002, 2005; KÖVECSES, 2001, 2002; GIBBS & STEEN,
1994 and others) with emphasis on the perspectives that focus the socio-cultural
(TOMASELLO, 1999; KÖVECES, 2005), discursive (CAMERON, 1999, 2003) and
ideological (CHARTERIS-BLACK, 2004, 2005; CHILTON, 1993, 2004 and MUSOLFF,
2004) aspects of metaphor.
Keywords: conceptual metaphor; scenario; political discourse; metaphor critical analysis
Para
FÁBIO, meu querido filho.
AGRADECIMENTOS:
Quero expressar o meu reconhecimento a todos os que, pela ajuda e pelo interesse, contribuíram para a
realização deste trabalho.
À Professora Doutora Solange Coelho Vereza externo a minha grande e eterna gratidão pela dedicação
que dispensou na orientação da minha pesquisa e pelas críticas e sugestões valiosas, que ajudaram a
nortear o meu trabalho num sentido de rigor e profundidade. A ela também agradeço pelos cursos e
seminários do ano curricular do curso de doutorado, a oportunidade de descoberta da fascinante e
prometedora área da Lingüística Cognitiva e especificamente a metáfora. Ainda à Solange, que se
tornou ao logo das orientações uma amiga, desejo pelo compartilhamento, desde o início desde
trabalho de descobertas e incertezas, dúvidas e êxitos.
Um especial agradecimento a CAPES/MEC e a Universidade Federal Fluminense (UFF),
Coodernação da Pós-Graduação em Letras, Instituto de Letras pela oportunidade de concorrer a uma
bolsa PDEE e ser selecionado na Universidade de Leeds, Inglaterra. Assim, agradeço, também, à
Professora Doutora Lynne Cameron por me ter aceitado como professor-pesquisador sob sua
orientação e à Professora Doutora Alice Deignan, também lotada na referida universidade, pelo
enorme apoio bibliográfico indispensável para a análise da dimensão cognitivista da metáfora.
Expresso ainda a minha gratidão à Margaret Taylor, coordenadora dos alunos estrangeiros de Leeds,
pelo apoio logístico durante o período de minha permanência no campus e na cidade de Leeds.
Dedico um agradecimento reconhecido às Professoras Doutoras Maria Elisa Knust da Silveira (UFF) e
Claudia Maria de Almeida (UERJ), pelo incentivo para fazer o doutorado e a Professora Doutora
Paula Lenz Costa Lima (Universidade Estadual do Ceará) que me lançou no estudo científico da
metáfora e, ainda, à Professora Mestra Lois Rimoli de Faria Doria, minha querida amiga, pelo
inesquecível apoio através desses anos todos de minha carreira.
Dirijo uma palavra de agradecimento à minha família (meus pais) e, aos amigos, em especial, Ana
Lúcia, Mozart, Regina e Ricardo, pelo apoio e por muito me ouvirem.
Agradeço também as minhas colegas professoras do Setor de Língua Inglesa do Instituto de
Letras da UERJ que assumiram minha carga horária no ano em que estive afastado de minhas
funções para me dedicar aos estudos.
Agradeço imensamente à Escola Naval, Marinha do Brasil, que acreditou em mim como profissional e
me liberou pelo período de dois anos de afastamento remunerado. E, ainda, uma palavra de
agradecimento à Universidade Estácio de Sá pelo meu afastamento de um semestre letivo em 2005.
SUMÁRIO
1. Introdução
11
1.1 Justificativa e Apresentação do Tema
11
1.2 Objetivos
14
1.3 Organização do estudo
15
2. Conceituando a metáfora como figura de linguagem e de pensamento
17
2.1 Conceituação popular/tradicional da metáfora
17
2.2 Pressupostos da visão tradicional
21
2.3 Visões contemporâneas: redimensionando a importância da metáfora
29
2.4 Metáfora como figura de pensamento: a metáfora conceptual
30
2.5 A dimensão epistemológica da metáfora
34
2.5.1 Os mitos do objetivismo e subjetivismo
34
2.5.2 A síntese experiencialista
36
2.6. Tipos de metáforas conceptuais
38
2.6.1 Metáfora Estrutural
39
2.6.2 Metáfora ontológica
39
2.6.3 Metáfora orientacional
41
2.6.4 Metáforas primárias
42
2.6.5 Metáforas e Cenários
44
2.7 Metáfora e cultura: uma abordagem sócio-cognitivista
46
2.7.1 Introdução
46
2.7.2 Conceituação de cultura
47
2.7.3 Cultura versus Biologia
48
2.7.4 Cultura e Linguagem
49
2.7.5 Metáfora e cultura
50
2.7.6 Variação Cultural e Metáfora
53
2.7.7 Metáforas, cultura e corpo: a questão da universalidade
54
2.7.8 Considerações finais
56
3. Análise Crítica da Metáfora: Política, Discurso e Ideologia.
58
3.1 Política: Conceituações
58
3.2 A metáfora na política
59
3.3 Política, ideologia e discurso
61
3.4 Análise crítica do discurso
63
3.5 Análise crítica da metáfora
65
3.6 Visão Cognitiva versus visão pragmática da metáfora
67
3.7 Persuasão, emoção e avaliação
68
3.8 A abordagem do discurso de G.W. Bush e seus colaboradores sob a
perspectiva da ACM
69
4. A guerra canônica versus a guerra cognitiva
71
4.1 Reflexões sobre a guerra
71
4.2 As limitações da guerra
73
4.3 Partes e elementos da guerra
74
4.3.1 estratégia
74
4.3.2 tática
74
4.3.3 logística
74
4.4 A guerra: uma abordagem cognitiva
75
5. Investigando a metáfora conceptual: questões metodológicas
78
6. Análise crítica da metáfora: da ausência de palavras ao ato de guerra
88
6.1 Introdução
88
6.2 Quando as palavras faltaram
89
6.3 O ACONTECIMENTO DE 11 DE SETEMBRO É CRIME
94
6.4 JUSTIÇA É RETALIAÇÃO
97
6.5 O ACONTECIMENTO “X” É UM ATO DE GUERRA
100
6.6 NAÇÃO É PESSOA
106
6.7 Ainda a guerra nas palavras: o caso do Iraque
116
6.8 Outras metáforas no corpus
127
7. Conclusão
133
8. Referências Bibliográficas
140
9. Anexos
150
Qual mestre é mais mestre no Mundo?
– O mundo.
...(enigma alagoano)
1. INTRODUÇÃO
1.1 Justificativa e Apresentação do Tema
A motivação inicial desta pesquisa foi o artigo “Quando as palavras perdem a força”, (O
Globo, 14 de setembro de 2001, em anexo) baseado em um outro artigo escrito por Howard
Kurtz, do jornal The Washington Post. Esse primeiro artigo tratava da dificuldade dos
jornalistas, que estavam cobrindo o ataque aéreo de 11 de setembro em Nova Iorque, de
expressar sua estupefação e choque diante do acontecido em termos que julgassem
apropriados. Nesse artigo, havia o comentário feito pela crítica do The New York Times,
Michiko Kakutami, ao captar a enormidade do que havia acabado de acontecer: “As palavras
falharam esta semana”. Expressões do tipo: “além da compreensão”; “além de nossos piores
temores”; “além da imaginação” foram ouvidas à exaustão naqueles últimos dias. Enquanto
lutavam para tentar compreender e descrever os eventos da manhã daquela terça- feira, as
pessoas lançavam mão de metáforas e analogias que pudessem captar o horror do que haviam
visto. Entre elas, podemos citar:
1) “um círculo do inferno de Dante”;
2) “a erupção do Monte Santa Helena”;
3) “inverno nuclear”
4) “à beira da cratera de um vulcão”;
5) “maior que Hindenburg”;
6) “maior que o Titanic”,
7) “Pearl Harbor” (Havaí, em 07/12/1941, data conhecida como o “Dia da Infâmia”).
O ataque aconteceu no dia 11 de setembro de 2001 às 8:45m (hora local), quando um
avião Boeing 767 da companhia aérea americana American Airlines foi atirado contra uma
das torres gêmeas do World Trade Center, centro financeiro dos Estados Unidos. O mundo
parou para ver, pela televisão, as imagens chocantes de uma série de ações terroristas sem
precedentes, que deixou a superpotência arrasada. A segunda torre do World Trade Center foi
atingida após 18 minutos por outro avião que havia sido seqüestrado. Menos de duas horas
depois, os dois prédios do World Trade Center, cada um com 110 andares, desabaram. Pouco
antes dos prédios caírem, em Nova Iorque, um avião espatifou-se contra o Pentágono, em
Washington, D.C., onde se encontra a estrutura de defesa das Forças Armadas dos Estados
Unidos. Um quarto avião, que também estaria em poder de seqüestradores, caiu na
Pensilvânia. Na noite do atentado, cerca de 2000 corpos já haviam sido retirados dos
escombros do World Trade Center.
Uma nuvem de fumaça densa e negra cobriu o sul da ilha de Manhattan, onde o World
Trade Center costumava representar a própria paisagem de cartão-postal, como também,
simbolicamente, o poderio econômico dos Estados Unidos. O mundo acompanhava ao vivo
pela TV destroços caindo por toda parte, pessoas se jogando pelas janelas e centenas de
feridos sendo encaminhados aos hospitais de Nova Iorque. O metrô foi fechado e uma
multidão encheu as ruas correndo em direção oposta às torres. O pânico tomou conta de todo
o país e dos mercados financeiros. Em um pequeno discurso na manhã seguinte ao ataque, o
Presidente Bush prometeu vingança – “os terroristas não conseguiram atingir o nosso alicerce,
nem a determinação dos Estados Unidos”. “Não faremos distinção entre os terroristas que
cometeram esses atentados e quem os abriga” – continuou o presidente, sem identificar esse
inimigo.
O “vazio semântico” diante de um acontecimento tão chocante levara as pessoas a se
reportarem, metaforicamente, a outras situações vivenciadas ou conhecidas, já legitimadas
lingüisticamente, para poderem preencher esse hiato de significação referente a uma
experiência totalmente inusitada. Deu-se, assim, um processo de transformação semântica de
(re) significações de um fato, a princípio “inominável”, que só podia ser referido e qualificado
através de múltiplas metáforas, e que passou, consensualmente, a ser visto, compreendido e
referido como um “ato de guerra”. Por exemplo:
1) “... terrorists are de facto military, “combatentes” who don’t deserve the full run of
constitutional rights” (Newsweek, 24/09/01).
“... os terroristas são de fato militares, ‘combatentes’ que não merecem o direito pleno da
constituição”.
2) “... wiping out terrorists cells in the first war of the 21st century, as Bush called it.”
(Newsweek, 24/09/01)
“... eliminar as células terroristas na primeira guerra do século 21, conforme Bush a
denominou.”
3) “Thanks to globalization, the wars of terrorism know no borders” (Newsweek, 24/09/01)
“Devido à globalização, as guerras do terrorismo não conhecem fronteiras.”
4) “...but now that war has been declared on us, we will lead the world to victory...” (NYT,
14/09/01).
“... mas agora que a guerra foi declarada, levaremos o mundo à vitória”.
5) “Gerhard Schröder called the attacks “a declaration of war against the entire civilized
world” (NYT, 12/09/01).
“Gerhard Schröeder denominou os ataques uma declaração de guerra contra todo o mundo
civilizado”.
Não era de se estranhar que, a partir daí, o governo americano, “em estado de guerra”,
passasse a tomar um conjunto de medidas justificado e legitimado por essa significação.
A subseqüente guerra do Afeganistão colocava-se então como um ato coerente e
esperado neste cenário. O jornal diário americano Philadelphia Inquirer noticiou: “O
presidente G.W. Bush se referiu a atos de guerra”. Alex Houen, escritor inglês do periódico
Folha 17, nos dias 14, 15 e 16 de setembro de 2002, avaliou: “Dessa maneira, ele reconheceu
no seu oponente um rival político, ao mesmo tempo em que justifica qualquer retaliação
americana em nome de uma guerra”. O secretário de estado americano, Colin Powell,
afirmou: “Estamos em guerra”, enquanto a senadora democrata da Califórnia, Dianne
Fenstein, declarou: “Isto é um ato de guerra”. Dessa forma, cria-se um consenso em torno do
recém-nomeado “estado de guerra”. Referindo-se a esse consenso em torno da avaliação do
ataque terrorista como um desencadeador de um estado de guerra, o jornalista Dick Polman,
do jornal Philadelphia Inquirer, comentou: “Uma palavra (consenso) há muito desvalorizada
no discurso político contemporâneo parece ter sido restaurada em seu significado original”.
Podemos ver assim que o “vazio semântico” inicial foi dando lugar a uma alternativa
conceptual que trazia consigo elementos característicos do domínio da “guerra”. Um
acontecimento que, de fenômeno “indescritível”, passou a ser abordado como um ato de
guerra, levou- me a observar a presença do conceito de “guerra” em vários outros
acontecimentos, menos ainda relacionados à guerra, mas que pareciam, de alguma forma,
desencadear “atos de guerra”.
Essas observações motivaram- me a postular uma hipótese, ainda não teoricamente
informada na época, de que poderia haver uma tendência de transformar determinados
acontecimentos em “atos de guerra”, para que certas medidas pudessem ser tomadas,
justificadas e socialmente aceitas e legitimadas. Essa hipótese embrionária pressupunha uma
visão mais substancial do processo pelo qual determinados fenômenos são conceituados e
vivenciados através de outros. E é assim que o conceito de metáfora surge como ferramenta
epistemológica para uma investigação sistemática da questão que agora se coloca como foco
da presente pesquisa.
Dentro dessa perspectiva, pretende-se, com este estudo, investigar as metáforas que
transformam, discursivamente, fatos/acontecimentos em “atos de guerra”. A pesquisa
investiga a hipótese de que essas metáforas são, freqüentemente, usadas para justificar uma
ação ou re-ação como no ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 e em outros
acontecimentos, como a preparação das guerras do Afeganistão e do Iraque.
1.2 Objetivos
A questão central deste trabalho é investigar as metáforas que transformam cognitiva e
discursivamente fatos/acontecimentos em atos de guerra. A pesquisa investigará a hipótese de
que essas me táforas são, freqüentemente, usadas para justificar uma ação ou reação, em casos
amplamente divulgados na mídia, como:
a) Ataque às torres gêmeas de Nova Iorque e ao prédio do Pentágono em Washington, D.C.;
b) Pré - guerra do Afeganistão;
c) Pré - guerra do Iraque.
A metáfora conceptual enfocada na pesquisa, e que poderia ser vista como a “metáfora–
mãe” ou a “metáfora guarda-chuva” (metaforicamente falando), é O ACONTECIMENTO/
EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA, sendo que “X” seria desde um ataque terrorista a
uma simples discussão, como propõem Lakoff e Johnson (1980/2002, 1996). As evidências
lingüísticas dessa metáfora conceptual serão extraídas de textos jornalísticos do jornal diário
norte-americano The New York Times e analisadas a partir de sua natureza metafórica.
Pretende-se, dessa forma, mostrar como o cenário de crime e as metáforas conceptuais da
política internacional, de certo modo relacionados à metáfora central, são determinantes na
cultura americana, nutrindo, como toda metáfora conceptual, não só a linguagem, mas
também o pensamento e a ação (LAKOFF e JOHNSON, 1989, 1996). Além do aparato
teórico da metáfora conceptual, a pesquisa fundamenta-se em teorias que seguem o paradigma
sócio - cognitivista de base cultural (TOMASELLO, 1999, KÖVCESES, 2005) e ideológica
(CHARTERIS - BLACK, 2004, 2005; MUSOLFF, 2004).
Pela necessidade de limitar o âmbito da pesquisa, teremos como parâmetro os seguintes
objetivos específicos:
1. Verificar não só a existência como a produtividade da metáfora em questão (O
ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA) a partir de tópicos
próprios à guerra no gênero jornalístico. Para isso, analisaremos as possíveis
evidências lingüísticas (marcas lingüísticas) dessa metáfora em artigos do The New
York Times.1
1
A decisão de se incluírem no corpus textos jornalísticos americanos deve-se ao fato de que a metáfora central
desta pesquisa surgiu a partir de um acontecimento que se deu em território americano e, portanto, descrito e
divulgado em primeira instância, na mídia americana, tendo chegado até nós por meio de traduções de textos em
língua inglesa.
2. Mostrar
a
possível
onipresença
da
metáfora
conceptual
O
ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA na cultura americana,
e as formas através das quais a metáfora determina não só uma variedade de
expressões
lingüísticas
conceptualmente
inter-relacionadas
como
também
o
desencadeamento de ações e reações.
3. Revelar ideologias, atitudes, e/ou crenças que subjazem à análise qualitativa do corpus
e, conseqüentemente, o entendimento da relação entre linguagem, pensamento e
contexto social. Isto é, explorar e entender a dimensão ideológica das metáforas
conceptuais através da análise qualitativa.
Esses objetivos nortearão o presente estudo, que será, também, apoiado nas seguintes
perguntas de pesquisa, de caráter mais analítico:
1. Que metáforas de guerra podem ser identificadas nos artigos do The New York
Times relacionados aos acontecimentos de 11 de setembro de 2001?
2. Se a metáfora conceptual é um aspecto inescapável do pensamento humano, quais
são as possíveis interpretações e implicações dessas metáforas?
3.
Como o discurso, a partir de 11 de setembro, passando pelas situações do
Afeganistão e Iraque, se modificou durante aquele período?
4. Considerando o fato de que guerra está intrinsecamente relacionada à política
internacional, existem evidências de outras metáforas conceptua is que podem interagir
com a metáfora dominante O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE
GUERRA?
1.3 Organização do estudo
O capítulo 2 apresenta a fundamentação teórica da pesquisa, centrada, principalmente,
na teoria da metáfora conceptual desenvolvida por Lakoff e Johnson (1980/2002).
Discutiremos também a importância do elemento cultural na metáfora (TOMASELLO, 1999;
KÖVECSES, 2004, 2005; DEIGNAN, 2003 e GIBBS, 1994).
No terceiro capítulo abordaremos a questão da ideologia através da análise crítica da
metáfora (CHARTERIS - BLACK, 2004, 2005), partindo dos princípios teóricos de
Fairclough (1982, 1989).
O quarto capítulo ocupa-se da definição de “guerra”, no seu sentido mais “literal”2
Abrangendo sua conceituação, natureza e filosofia. O objetivo desse capítulo é mostrar como
aspectos centrais do domínio- fonte3 (estratégias, táticas, logística e formas de guerra) são
apropriados metaforicamente para se compreenderem outros domínios. Essa discussão se
apoiará em Carl von Clausewitz (2003). Para entendermos mais profundamente a
metaforização desse conceito, iremos nos remeter à proposta de George Lakoff (1991) e Tim
Rohrer (1995), que sugerem uma estrutura metafórica para o conceito de guerra.
Primeiramente a guerra como CONTO DE FADAS, cuja estrutura teria o vilão, a vítima e o
herói (a vítima e o herói poderiam ser as mesmas pessoas), além da metáfora NAÇÃO É
PESSOA, em que o Estado é visto como uma pessoa engajada nas relações sociais dentro de
uma comunidade mundial.
O quinto capítulo, que apresenta o aparato metodológico de nosso estudo, introduz a
apresentação e a justificativa do corpus a ser utilizado na pesquisa, além da abordagem
analítica a ser adotada.
O sexto capítulo trata da análise e interpretação dos dados das metáforas conceptuais em
foco a partir do estudo global do corpus. Uma leitura detalhada levanta os padrões dos
aspectos recorrentes nos dados com base nas questões citadas anteriormente (Cf. itens 1, 2 e
3, p.14). Ainda nesse capítulo, destacam-se as metáforas conceptuais que acreditamos
sustentaram os discursos enfocados na mídia envolvendo o 11 de setembro e os conflitos dele
resultantes. Cabe ressaltar que apresentaremos os trechos a serem analisados em ordem
cronológica a partir de 12 de setembro de 2001. Essa opção permite verificar, por exemplo, a
mudança do cenário4 .
O sétimo capítulo concluirá o trabalho com as considerações finais sobre os resultados
da análise. As limitações e possibilidades para futuros encaminhamentos da pesquisa serão
também apresentadas.
2
Pretendemos, mais adiante, introduzir a discussão do que, nesta pesquisa, se entende como “literal”.
Entendemos como “domínio fonte” o domínio conceptual sobre o qual um outro domínio (o domínio alvo) é
mapeado (LAKOFF, 1980/2002).
4
A categoria de cenário é apresentada como uma categoria analítica intermediária entre o nível do domínio
conceptual como um todo e seus elementos individuais (MUSOLFF, 2004). Cenário, ainda segundo o autor, é
um conjunto de deduções construídas/idealizadas por membros competentes de uma comunidade discursiva
sobre aspectos prototípicos (participantes, papéis, enredos “dramáticos”) e avaliações sociais/éticas relacionadas
aos elementos característicos de domínios conceptuais.
3
2. CONCEITUANDO A METÁFORA COMO FIGURA DE LINGUAGEM E DE
PENSAMENTO
Neste capítulo, discutiremos o conceito de metáfora, segundo as visões tradicional e
contemporânea, e a partir dessa última enfocaremos a metáfora como figura de pensamento
(LAKOFF e JOHNSON, 1980/2002, 1999; GIBBS, 1994; KÖVECSES, 2002). Mostraremos,
também, o fenômeno chamado por Lakoff e Johnson (ibid) de “mito do objetivismo” e sua
relação com o “mito do subjetivismo” e, em seguida, a “visão experiencialista”, alternativa
proposta pelos autores acima. Trataremos do conceito de metáfora primária (LAKOFF e
JOHNSON, 1999) e, em seguida, tendo como base os mesmos autores, classificaremos os
tipos de metáfora em: estrutural, ontológica e orientacional. Por fim, falaremos da importância
da base cultural na emergência da metáfora.
A discussão a ser apresentada neste capítulo servirá como base teórica para a
compreensão
da
natureza
lingüística
e
conceptual
da
metáfora
O
ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA e as metáforas da política
internacional que interagem com a metáfora conceptual dominante da pesquisa.
2.1 Conceituação popular/tradicional da metáfora
A própria formação da palavra “metáfora” indica o que ainda hoje se entende pelo
termo: metaphorá. Origina-se do grego, meta = trans + phérein = levar, que significa
mudança, transferência, transposição; no caso específico do fenômeno semântico, a mudança
seria de um sentido próprio para um outro, figurado. Dessa forma, dois elementos estariam
envolvidos nessa “transferência”, “levando” para o outro o seu sentido (FILIPAK, 1983:24).
Na Enciclopédia Britânica, publicação que apresenta definições e conceituações
escritas por especialistas mas voltadas para o leitor não especialista, a metáfora, é definida
como “uma figura de linguagem que implica a comp aração de duas entidades diferentes”
(KÖVECSES, 2002, Prefácio:vii). No dicionário Houaiss (2001:1907) o tropo seria a
“designação de um objeto ou qualidade mediante uma palavra que designa outro objeto ou
qualidade que tem com o primeiro uma relação de semelhança”. No Novo Aurélio (3ªed.,
1999:1326), o termo é definido como “tropo que consiste na transferência de uma palavra
para um âmbito semântico que não é o do objeto que ela designa, e que se fundamenta numa
relação de semelhança subentendida entre o sentido próprio e o figurado; translação”. Essa
visão de metáfora é compartilhada tanto pelas pessoas comuns como por vários eruditos ou
especialistas em linguagem, uma vez que, como veremos a seguir, ela tem por base a tradição
de se abordar a metáfora que se origina da visão aristotélica, tão influente na cultura ocidental.
Aristóteles tratou da metáfora, mais direta ou indiretamente, nas suas obras Arte
Retórica e Arte Poética. Tanto na retórica quanto na poética, o filósofo trabalha com a léxis
(expressão), que, para nós, é o que Hjelmslev chamou de plano de expressão, e Saussure, de
significante lingüístico (HJELMSLEV; SAUSSURE apud FILIPAK, 1983:20).No caso da
retórica, a léxis refere-se à arte de comunicação do dia-a-dia, da persuasão do discurso
público (argumentação, composição e elocução), e na poética, trata-se de uma arte de
evocação imaginária (apud FILIPAK, 1983).
Marques (1956:17) afirma que Aristóteles, na Poética, define a metáfora como sendo
“a transposição a uma coisa do nome de uma outra coisa, efetuando-se ou do gênero à
espécie, ou da espécie ao gênero, ou da espécie à espécie, ou, finalmente, por analogia”, e
apresenta os seguintes exemplos como ilustrativos de cada caso:
1°. Meu navio está imóvel aqui. (Gênero à espécie) “Porque estar preso à âncora é
uma espécie de imobilidade” – diz o próprio filósofo.
2°. Certamente Ulisses realizou milhares de boas ações. (Espécie a gênero).
3°. Ele tirou sua vida com o bronze, com o duro bronze ele lhe arrancou a vida.
(Espécie a espécie). Aristóteles explica: “Aqui tirar equivale a arrancar, que são duas
formas de tirar”.
4°. A taça é para Baco o que o escudo é para Marte. (Analogia)
Ainda segundo Marques (ibid), haverá analogia, ou melhor, proporção, no entender do
Estagirita, “quando o segundo termo está para o primeiro assim como o quarto está para o
terceiro”, podendo-se, então, empregar o quarto em lugar do segundo e o segundo em lugar do
quarto. Algumas vezes seria lícito “ajuntar, em lugar do que se fala, aquilo a que a gente se
refere”. Exemplo: “A taça, escudo de Baco; o escudo, taça de Marte” (ibid:17-18).
Por isso, a léxis retórica, ressalta Filipak (1983:20-21), trabalhará com metáforas
lingüísticas, denotativas ou lógicas, porque essas são procedimentos característicos da léxis
da retórica. Por outro lado, a léxis na poética objetiva a mímesis (imitação) na tragédia, onde
os homens são melhores, e na comédia, onde os homens são inferiores. Aqui a função da léxis
estará a serviço do dizer, do poemetizar no campo da subjetividade. Aristóteles conclui, então,
na Retórica, que a lexis teria a função da prova, da demonstração, da função lógica, objetiva,
intelectual, denotativa e na Poética, a da imitação, da função alógica, subjetiva, emocional,
conotativa. Aristóteles admite, por assim dizer, metáforas denotativas (na Retórica) e
metáforas conotativas (na Poética) (FILIPAK, 1983:20-21).
Assim, em Aristóteles, encontramos a metáfora como uma figura que tem parte na
Retórica e outra na Poética, sob a chancela da léxis. Entretanto, concluímos que a função
retórica e a função poética da metáfora não coincidem. Uma é a lexis da prosa e a outra, da
poesia.
A provável estranheza causada pelos quatro exemplos citados acima se explica pelo
fato de Aristóteles ter estudado mais a lógica do que o retórico, preocupado que estava,
essencialmente, com sua “teoria do conceito”. A sua abordagem diante da metáfora, assim,
“aplica-se antes a enquadrar a metáfora na sua hierarquia de gêneros e espécies, como se sabe,
uma das traves mestras do seu pensamento, do que em realçar os efeitos estéticos da
transposição” (MARQUES, 1956:18).
Não foi só Aristóteles que tratou de metáfora na Antigüidade, mas também Cícero e
Quintiliano. Em De Oratore, III, p.38 (CICERO; QUINTILIANO apud FILIPAK, 1983),
Cícero afirma a necessidade da metáfora diante da indigência ou pobreza da língua – “assim
como a vestimenta nasceu da necessidade de proteger o corpo do frio, para converter-se mais
tarde em adorno, a metáfora, imposta no começo por causa das deficiências da língua, chegou
mais tarde a ser objeto de deleites retóricos” (ibid: 34). Para ele, a metáfora era produto de
algumas operações lógicas, simples transferências de noções. Quintiliano faz uso do termo
translatio como o termo metaphorá. Ele afirma que “um tropo é uma transposição de uma
palavra ou de uma frase da sua significação própria para uma outra significação para produzir
certo efeito” (ibid: 35).
Podemos ver, assim, como a visão clássica de metáfora, herdada do pensamento
grego, nutre várias definições do tropo ainda usadas nos dias de hoje, principalmente aquelas
que derivam do que é conhecido na literatura (como veremos adiante) como “visão tradicional
da metáfora”.
Recentemente, no entanto, a metáfora tem sido alvo de intenso debate entre teóricos de
diversas áreas, que vêm procurando redefini- la sob vários ângulos diferentes. Vemos, por
exemplo, que tanto Bülher como Richards (BÜLHER; RICHARDS apud FILIPAK, 1983:97)
afirmam que a metáfora não seria somente o uso de um termo no lugar do outro, ou uma
transferência de palavras, mas, sim, interação de dois fatores. Esses fatores podem ser
compreendidos em Richards como um intercâmbio de idéias. “Duas idéias diferentes que
colaboram juntas: o tenor (ou meaning, as idéias) e o veículo (metaphor, a imagem). Não é a
relação tenor - veículo que se deve considerar, mas o tenor + veículo juntos”, uma vez que,
segundo o autor, “a metáfora é essencialmente uma resultante semântica” (ibid: 97). Quando
se emprega metaforicamente um termo, a diferença entre o sentido metafórico e o sentido
literal está no fato de que, por exemplo,“a perna da mesa” tem somente algumas das
características da perna de cavalo. “Uma mesa não caminha com as pernas, elas apenas a
sustentam”. Na teoria de Richards, o focus corresponde ao tenor e o frame ao veículo. É
através desses dois elementos, segundo ele, que se realiza a metáfora. Já Esnault (ESNAULT
apud FILIPAK:1983:97) sustenta que “a metáfora não é uma transferência de palavras, mas
uma intuição que se transfere”.
Eco (1974:92) segue a tradição aristotélica quando afirma que “a metáfora é uma
figura de substituição de um elemento da linguagem por outro”, enquanto Whately
(WHATELY apud FILIPAK, 1983:99), apesar de concordar com Eco, acrescenta a essa
definição o fato de a metáfora ser “uma palavra substituída por outra com a relação de
semelhança ou analogia entre os seus significados”. Barfield (ibid:99), por sua vez, propõe
que a metáfora “diz uma coisa e significa outra”, mas não explica a relação estabelecida entre
as palavras. Black (1981:28) admite que dizer uma coisa e significar outra é possível através
do focus metafórico, termo que recebe a carga metafórica, e o frame, a moldura constituída
pelo restante do enunciado literal.
Os filósofos Black (1962, 1879), Searle (1979) e Kittay (1987) afirmam que a
metáfora é um assunto da linguagem, o que corrobora a visão discutida anteriormente de que
a metáfora é construída através do contraste com a linguagem “literal”, e usada,
principalmente, para dar ênfase poética e retórica. Assim sendo, concluímos que, dentro
dessas visões, a metáfora é vista essencialmente como um princípio onipresente da
linguagem.
Cameron (2003:09), por sua vez, argumenta que a metáfora opera em dois campos: o
lingüístico e o conceptual, acrescentando, então, os termos alternativos focus/frame e
tópico/veículo. O primeiro faz um contraste semântico e o segundo refere-se ao domínio
lexical e conceptual. Como veremos detalhadamente mais adiante, essa visão “conceitual” da
metáfora rompe, na verdade, com todas as conceituações de metáforas vigentes até a sua
introdução formal, que se deu a partir da publicação da obra Metaphors we live by (LAKOFF;
JOHNSON, 1980/2002). No momento, é importante ressaltar que muitas das visões e redefinições de metáfora surgidas no século XX, apesar de acrescentarem à visão tradicional
importantes elementos para a melhor compreensão desse fenômeno, ainda a vêem como um
tropo com as seguintes características:
1- ela seria, primordialmente, uma figura de linguagem;
2- ela teria como base a semelhança;
3- ela envolveria dois domínios distintos;
4- ela seria basicamente usada para entender um sistema de entidades em termos de
um outro (ibid).
2.2 Pressupostos da visão tradicional da metáfora
Mais do que propor definições mais elaboradas ou redefinições para a metáfora,
alguns estudiosos têm procurado revelar os pressupostos que sustentam as visões tradicionais
da metáfora e que, de certa forma, impedem uma melhor compreensão da complexidade desse
fenômeno (POLLIO, SMITH, POLLIO, 1990; KÖVECSES, 2002).
Um dos pressupostos mais cristalizados é o de que a metáfora seria, exclusivamente,
objeto da poesia e da retórica. Aliás, a visão tradicional remonta a Aristóteles. Lakoff (1986)
se refere ao tempo dessa tradição que é mais de dois milênios.Em tempos passados, fazia-se
uma distinção clara entre a linguagem poética e a linguagem do cotidiano. A primeira era
vista como um dom especial dos poetas e a segunda, como a linguagem de todos, usada no
dia-a-dia. Acreditava-se que o poético viria do coração, não poderia estar na mente, pois a
mente seria literal (as teorias baseadas em pressupostos objetivistas ainda consideram que a
mente é literal). Pollio, Smith, Pollio (1990:142) discorrem sobre os outros pressupostos que
nutriram, e ainda nutrem, a visão tradicional de metáfora. São estes:
1. Figuras de linguagem tais como: metáfora, oxímoro, símile, ironia são eventos
lingüísticos especiais que não ocorrem freqüentemente na fala, escrita ou pensamento.
2. O uso figurado não é útil conceptualmente: quando usado, tem o papel de ludibriar
o pensamento ou de embelezar as idéias prosaicas.
3. Linguagem figurada, anomalia, tolice e uso literal são categorias psicológicas
distintas da linguagem.
4. A paráfrase de uma figura de linguagem tem o mesmo significado da própria figura
original.
5. A linguagem figurada depende e/ou origina-se da linguagem literal.
6. As crianças não entendem ou usam a linguagem figurada até a idade de 11 a 12
anos.
7. Há universais figurados que existem nas línguas, eras históricas e agrupamentos
culturais.
Os autores problematizam essas máximas, desconstruindo-as, contribuindo, assim,
para o desenvolvimento de uma nova visão da metáfora que possa fazer juz à complexidade e
importância cognitiva dessa figura. Apresentamos abaixo os argumentos utilizados pelos
autores em sua discussão.
1) Figuras de linguagem, tais como: metáfora, oxímoro, símile, ironia são eventos
lingüísticos especiais que não ocorrem freqüentemente na fala, escrita ou pensamento.
Embora existissem contextos nos quais a linguagem figurada era freqüente, como a
poesia, o entendimento geral era de que tais contextos, apesar de tudo, eram poéticos e,
portanto, de interesse periférico.
Segundo Pollio et al., as análises lingüísticas de figuras “clichés” feitas por Lakoff e
Johnson (1980/2002), Johnson (1987), Lakoff e Turner (1989) “indicam que tanto a nossa
linguagem como nosso sistema conceptual são amplamente metafóricos por natureza”
(POLLIO et al., 1990:144).
Podemos, ainda, exemplificar essa máxima citando Lakoff e Johnson (1999:123) ao
dizerem que expressões do tipo “Esse relacionamento não irá a lugar nenhum” ou “O nosso
relacionamento está numa encruzilhada” são expressões comuns e faladas diariamente e não
exemplares da poética ou retórica. Ainda segundo os autores, essas expressões faze m parte da
linguagem do dia-a-dia, porque a metáfora AMOR É UMA VIAGEM faz parte da nossa
maneira comum e rotineira de conceptualizarmos e racionalizarmos o amor.
2) O uso figurado não é útil conceptualmente; quando usado, tem o papel de ludibriar
o pensamento ou de embelezar as idéias prosaicas.
Os autores rejeitam, nesse caso, a idéia de que a linguagem figurada seria apenas um
ornamento: uma visão enraizada tanto na crítica literária como filosófica. Essa crítica é
sustentada pela referência a Thomas Hobbes - o grande oponente dos tropos. O filósofo inglês
do século XVII, no final do capítulo “Sobre a razão e a ciência” de seu principal trabalho
Leviathan (1657), discutiu o uso da metáfora e das figuras de retórica, afirmando que eram
palavras sem sentido e ambíguas. Entretanto, segundo Pollio et al. (ibid:144), talvez Hobbes
não tenha percebido que usou naquela curta passagem de 67 palavras, na qual criticara o uso
da metáfora, pelo menos oito figuras de linguagem. Os autores citam ainda a alusão de
Darwin à grande árvore da vida para mostrar que a metáfora está presente até mesmo no
discurso científico.
3) Linguagem figurada, anomalia, nonsense e uso literal são categorias psicológicas
distintas da linguagem.
De acordo com Pollio et al. (1990:148-149), as máximas 1 e 2 assumem que uma
figura de linguagem, seja qual for a sua função, é identificável: uma pessoa que esteja fazendo
uso das quatro habilidades de uma língua (falar, ouvir, ler ou escrever) distinguirá claramente
entre metáfora e instâncias de anomalia, nonsense ou linguagem literal. Apesar dessa
presente constatação, não é sempre o caso em que as categorias lingüísticas são categorias
psicológicas e, se assim o fossem, tais distinções teriam implicações em outros processos
cognitivos, tais como : percepção, aprendizagem, lembrança, etc.
Ainda, segundo os autores (ibid), em termos de procedimentos experimentais, muito
das pesquisas feitas sobre o uso figurativo assumiu que o sentido (sense) e o não sentido
(nonsense) eram categorias claramente distintas e que a metáfora poderia também ser
distinguida daquelas. Em estudos mais remotos, Miller e seus colegas (MILLER apud
POLLIO et al., 1990:149; MARKS; Miller, 1964; MILLER; ISARD, 1963) examinaram o
papel das violações das regras semânticas em processos cognitivos tais como lembrança,
aprendizagem e percepção. Esses estudos chegaram a uma clara estrutura dos domínios
semânticos ressaltando as palavras e conceitos usados nesses experimentos, assim como um
perfeito entendimento das relações entre tipos de sentenças lógicas.
As limitações apresentadas na interpretação desses estudos podem ser apreciadas ao
examinarmos as sentenças anômalas nominalmente usadas e as categorizações atribuídas por
esses sujeitos participantes da referida pesquisa. Miller e Isard (1963), por exemplo, usaram
sentenças do tipo:
a) The popular latin mare worked tempers. (A popular égua latina trabalhou ...)
b) The odorless child inspired a chocolate audience. (A criança inodora inspirou uma
platéia de chocolate)
E um outro pesquisador, Steinberg (ibid:150), as sentenças:
c) The man is a ram. (O homem é um carneiro)
d) The mountain is a frog. (A montanha é um sapo)
Pollio et al. comentam que os quatro exemplos são interpretados como sentenças
metafóricas, principalmente se deixarmos que a nossa imaginação “voe”. Assim sendo,
segundo os autores (ibid:149), a primeira sentença é interpretável se a ela for dada uma
conotação sexual; à segunda uma visão religiosa; à terceira, uma relação interpessoal (ou
sexual); e à quarta, a imagem visual de uma montanha verde.
Para que se possa entender o que os sujeitos da pesquisa responderam quando a eles
foi pedido que dessem interpretações para as sentenças que foram logicamente designadas
como anômalas, Pollio e Burns (POLLIO; BURNS apud POLLIO et al., 1990:149) aplicaram
uma série de experimentos nos quais se solicitou que os sujeitos desempenhassem duas
tarefas: (a) prever sentenças anômalas nominalmente como respostas em uma situação de
aprendizagem, e (b) interpretar essas sentenças de maneira que elas pudessem ser entendidas
por outras pessoas. Os resultados mostraram que um grande número dos sujeitos foi capaz de
atribuir interpretações que fizeram sentido no caso das sentenças anômalas; os resultados de
aprendizagem indicaram que as sentenças anômalas foram mais difíceis de prever do que as
sentenças naturais, sempre que os sujeitos não interpretaram as primeiras antes de ocorrer a
aprendizagem.
Tais resultados ressaltam Pollio et al. (1990), sugerem que anomalia e metáfora não
são categorias distintas e que existem condições específicas sob as quais elas são
discriminadas. Uma dessas condições é aquela que envolve um conjunto de metáforas que
informa aos ouvintes que a interpretação figurada é tanto possível quanto razoável.
Através desses experimentos, os autores chegaram à conclusão de que devem ser
consideradas as interpretações individuais quando se fizer a distinção entre anomalia e
metáfora. Alguns sujeitos classificaram as sentenças anômalas como metafóricas, enquanto
outros desconsideraram a metáfora e julgaram as sentenças “literalmente”5 , nos levando a
entender que o que não faz sentido para uns, poderá fazer para outros.
4) A paráfrase de uma figura de linguagem tem o mesmo significado da própria figura
original.
Os autores questionam a afirmativa de que a metáfora apenas substitui um conjunto de
sentenças literais. A idéia de que a metáfora simplesmente substitui, ou seja, é uma paráfrase
de um conjunto de sentenças literais, fundamenta a teoria de substituição da metáfora, e se
essa visão for aceita, as metáforas, então, seriam dispensáveis, na medida em que não
apresentam nova informação. Entretanto, segundo Pollio et al. (ibid:152), Black (1981;
1993:19-39) tem argumentado muitas vezes (primeiramente em Metaphor e, mais tarde, em
More about Metaphor, onde o autor complementa o estudo anterior) contra esse ponto de
vista com base na sua teoria da interação da metáfora, segundo a qual o tenor e o veículo de
uma metáfora interagem para produzir um novo significado. Para o autor, uma metáfora
5
Essas descobertas trouxeram à tona a discussão entre o que é literal e figurado, na medida em que as primeiras
pesquisas sobre o assunto não trataram essa distinção como problemática (MILLER e ISARD, 1963;
STEINBERG, 1970 a, 1970 b:ibid:150). Lakoff (1986a:ibid), entretanto, contribui para esse debate propondo
quatro significados diferentes para o que ele entende como literal.
Literal 1: “literalidade convencional” (conventional literality), em que o uso literal é contrastado com o poético.
Literal 2: “assunto de base literal” (subject matter literality), em que certas expressões são as mais usadas para se
falar de um determinado tópico.
Literal 3: “literalidade não-metafórica” (nonmetaphorical literality), ou linguagem significativa direta, em que
uma palavra (conceito) nunca é entendida em termos de uma segunda palavra (ou conceito).
Literal 4: “literalidade condicional verdadeira” (truth-conditional literality), em que a linguagem é usada para se
referir a objetos existentes que podem ser julgados como falsos ou verdadeiros.
Já o uso comum assume as seguintes regras, segundo Lakoff:
Literal 1 = Literal 3, ou linguagem comum convencional, é diretamente significativa e, conseqüentemente, não
metafórica.
Literal 1 = Literal 4, ou linguagem convencional, é capaz de ser referir à realidade objetiva e de ser
objetivamente falsa ou verdadeira.
Literal 2 = literal 4, ou existe somente uma maneira objetivamente correta de se entender um assunto e uma
linguagem convencional usada para falar se um assunto é capaz de ser verdadeiro ou falso.
Pollio et al. (ibid:151) alertam que, para Lakoff, essas deduções têm conseqüências significativas para as teorias
da metáfora: 1. termo literal serve para contrastar com o termo metafórico. Literal 1, Literal 2 e Literal 4 serão
consistentes com o metafórico se as regras a, b, e c não forem usadas e, no caso de serem, somente a dedução
produtiva gera novo conhecimento e, por conseguinte, não pode ser considerada um sinônimo
equivalente de nenhum conjunto de sentenças literais coexistentes.
Podemos acrescentar à argumentação dos autores a afirmação de Fraser, não só
presente em ORTONY (1993:12), mas também em Pollio et al. (1990:152), de que uma
metáfora e sua paráfrase não dizem ou significam a mesma coisa, e acreditar que a palavra
figurada somente obscurece o “verdadeiro” significado de uma determinada sentença é
assumir que existe um único e inequívoco verdadeiro significado independentemente de
falantes e de situações. Ainda, segundo a pesquisa, ficou comprovado que indivíduos
parafraseiam e interpretam de maneiras diferentes, sugerindo que o significado de uma
metáfora sempre ultrapassa o campo e a natureza das paráfrases previstas para ela antes da
análise lógica.
5) A linguagem figurada depende e/ou origina-se da linguagem literal.
Os autores ressaltam que, ao aceitarmos a equiparação da paráfrase, assumimos que a
compreensão e a produção da linguagem figurada são previsíveis a partir da análise dos seus
significados literais constituintes. Essa mesma crença nos leva a acreditar que compreensão
figurada começa com a tentativa do ouvinte em buscar sentido literal a partir do contexto
lingüístico de uma determinada fala. Somente em casos em que a fala é literalmente passível
de não interpretação, o ouvinte passa a lidar com a possibilidade de um sentido não - literal
(ibid:154).
Pollio et al. (1982) através de vários experimentos chegaram à conclusão de que não é
mais possível afirmar que a linguagem figurada é compreendida ou produzida com base em
um processo mais longo e demorado do que o envolvido no uso de clichês e da linguagem
literal.
Também contrário à idéia de que é preciso passar pelo significado literal para se
chegar ao significado figurado, Gibbs (GIBBS apud ORTONY, 1993:75) descreve um
experimento em que o pesquisador utilizou a sentença crítica “Você tem que abrir a janela?”
(Must you open the window?). A sentença pode funcionar com o significado de um pedido
indireto (Não abra a janela!) (Don´t open the window!) ou com o sentido literal (Precisa abrir
a janela?) (Is it necessary that you open the window?). Segundo Gibbs, essas sentenças
poderiam estar fora do contexto, onde o sujeito da pesquisa julgaria se uma ou outra seria
apropriada, ou, então, elas apareceriam no contexto de uma das histórias fazendo com que
uma das paráfrases fosse realmente a correta. Em ambos os casos, a sentença foi
imediatamente seguida por uma das paráfrases e os sujeitos tiveram que julgar qual estava
Literal 3 contrastará com a metafórica. significado usual do literal é em termos de uma teoria da linguagem, na
qual todas as três regras são consideradas verdadeiras.
correta. Os resultados mostraram que, fora de contexto, levou-se mais tempo para identificar a
paráfrase do pedido indireto, confirmando, por conseguinte, o modelo seqüencial para as
sentenças descontextualizadas. Os resultados, porém, mostraram que quando os pedidos
indiretos acontecem no seu contexto adequado, eles são compreendidos tão rapidamente
quanto a sua interpretação literal. (ibid: 75-76).
6) As crianças não entendem ou usam a linguagem figurada até a idade de 11 a 12
anos.
A justificativa de que, somente a partir de 12 anos, as crianças podem entender ou
produzir sentido figurado tem como base, segundo Pollio et al. (POLLIO et al., 1990:157), o
pressuposto de que “crianças usam metáforas inadvertidamente”. Nesse caso, elas diriam
alguma coisa que soa de modo figurado para os adultos porque não teriam noção das
dificuldades comuns que se apresentam quando o falante faz uso das palavras. Por exemplo,
se uma criança diz: “Meu caminhão morreu”, quando, na verdade, o caminhãozinho apenas
deixou de funcionar, a criança pode não ter consciência de que usou a palavra “morrer” para
um ser inanimado, e, conseqüentemente, cometeu um desvio semântico, porque não
conseguiu se expressar de uma maneira lingüisticamente mais complexa. Na verdade, a
criança poderia estar brincando ao dizer que seu caminhão morreu sem, de fato, entender o
sentido do que disse.
Pollio, Smith e Pollio (ibid) nos chamam a atenção para a diferença entre visões
alternativas da linguagem figurada e as crianças, do ponto de vista do desenvolvimento
cognitivo de ambos (tal como argumentado por Piaget), afirmando que o uso figurado é
somente considerado como tal se ele representar um desvio deliberado e proposital do uso
literal com base na compreensão, conhecimento e ramificações desse uso.
Por isso, o psicólogo, argumentam Pollio et al. (ibid), considera essa sentença “Meu
caminhão morreu” um erro semântico e não uma metáfora. Por outro lado, em uma visão mais
funcional do fenômeno, tal como aquela apresentada por Pollio e Pickens (POLLIO;
PICKENS apud POLLIO et al., 1990:157), se uma figura serve ao propósito da comunicação,
mesmo que refletidamente ou não, deve ser considerada uma figura válida. Eles argumentam
que ninguém teria dúvidas de que se, um adulto dissesse: “Meu carro morreu no meio de uma
encruzilhada”, 6 ele estaria empregando um sentido figurado.
Complementando a argumentação de que a máxima em questão é falaciosa, Rumelhart
(1973) dá o exemplo ocorrido com seu filho que, em meio a uma viagem de carro com a
família, disse para mãe: “Minha meia tem uma unha pendurada”. A mãe, rapidamente, sem
maiores comentários, respondeu que quando chegassem em casa ela iria consertar a meia. O
autor lembra que o único que percebeu tal sentido figurado foi ele. Afirma que, ali, naquele
momento, uma nova metáfora acabara de ser criada e compreendida. Rumelhart adianta que
essa maneira livre e fácil de usar palavras de uma forma “não literal” não é algo especial.
Crianças e adultos entendem e produzem falas metafóricas constantemente. Acrescenta o
autor que, caso uma criança tenha dificuldade em entender a linguagem metafórica, essa
dificuldade poderia ser explicada pela concepção da situação formada pela criança,
destacando os itens lexicais usados e a situação presente, e não por causa de qualquer
inabilidade inerente de usar termos aprendidos em um determinado contexto em um outro.
Assim, o processo de aquisição da linguagem, segundo o autor (ibid), não deveria ser
entendido como um processo em que primeiro a criança aprenderia a linguagem literal e,
depois desta estar bem assimilada, passaria para a linguagem não literal. Ao contrário, o
processo de aquisição da linguagem pela criança envolveria a produção e a compreensão do
que, para a criança, é não convencional e, provavelmente, linguagem não literal. Rumelhart
acredita, assim, que os processos que envolvem a compreensão do discurso não literal fazem
parte da nossa produção de linguagem e equipamento de compreensão logo muito cedo,
estando longe de ser um aspecto especial da lingüística ou pragmática (ibid).
Comentando sobre a questão do uso da metáfora por crianças, Cameron (1999:84)
afirma que a metáfora é vista como “uma ferramenta cognitiva poderosa para as crianças
aprenderem sobre o mundo em que vivem”. A autora (ibid:84), entretanto, argumenta que
estudos mais recentes em sala de aula mostram que “a metáfora é muito mais evocada na
busca de se expressar em uma forma mais interpessoal e afetiva”.
A autora (ibid: 84) alerta, também, para o fato de que muitas pesquisas realizadas
sobre crianças e metáforas quase sempre investigam a compreensão da criança de
metáforas convencionais e daquelas usadas por adultos. A lingüista afirma que “devese manter uma distinção entre as metáforas produzidas por crianças e aquelas do
mundo dos adultos que elas encontram em sua interação” (ibid).
7) Há universais figurados que existem nas línguas, eras históricas e agrupamentos
culturais.
Essa máxima sugere uma reversão no tema abordado na máxima 1, quando se
argumenta que o uso figurado não é freqüente na linguagem e, conseqüentemente, não
acidental na atividade cognitiva humana; no entanto, sugere uma universalidade. Lakoff e
Johnson (1980/2002; JOHNSON, 1987; LAKOFF, 1987) acreditam que “os processos
6
A expressão “meu carro morreu” já está tão automatizada na língua portuguesa que poucas pessoas a tomariam
como exemplo de “linguagem figurada”. Seria até difícil encontrar uma forma “literal” que tivesse o mesmo
significado (“o meu carro parou, subitamente, de funcionar) e que soasse tão natural”.
metafóricos estão no centro da cognição e linguagem e, assim, representam aspectos
universais do funcionamento da mente humana” (POLLIO et al., 1999:160).
Tomasello (1999) parece concordar com os autores acima quando argumenta que as
construções lingüísticas são tipos especiais de símbolo lingüístico, e que aprender construções
lingüísticas completas – símbolos lingüísticos internamente complexos e que são
historicamente convencionalizados – orienta crianças em certos aspectos de suas experiências
a que elas próprias não conseguiriam dar sentido se não fosse a linguagem. Ainda segundo
Tomasello (1999:159), ao adquirirem a linguagem, as crianças são levadas a conceptualizar,
categorizar, e esquematizar eventos de maneiras muito mais complexas do que elas poderiam,
caso não estivessem engajadas na aprendizagem de uma linguagem convencional. Além disso,
esses tipos de representações de eventos e esquematizações contribuiriam para a grande
flexibilidade e complexidade da cognição humana. O autor, ressalta, ainda, que o mais
significante mecanismo para construção metafórica parece estar fundamentado na nossa
tentativa de tornar o mundo abstrato compreensível, trazendo-o para dentro de nós ou nos
estendendo para dentro do mundo. O centro universal da expansão e atração metafórica deve
ser o ser humano que vive, funciona e se relaciona socialmente. Além de Pollio, Smith e
Pollio (1990), um outro autor que, mais de uma década mais tarde, se propõe a analisar, para
depois refutar, os pressupostos que sustentam uma visão tradicional e redutora de metáfora é
Kövecses (2002). Segundo o teórico, as características mais comuns do conceito tradicional
seriam:
1. A metáfora é uma propriedade de palavras, um fenômeno lingüístico.
2. A metáfora é usada para alguns propósitos artísticos e retóricos.
3. A metáfora é fundamentada na semelhança entre duas entidades que são
comparadas e identificadas.
4. A metáfora é um uso consciente e deliberado de palavras; o usuário deve ter um
talento especial para fazê-lo, e bem.
5. A metáfora é uma figura de linguagem sem a qual podemos viver muito bem; é
usada para efeitos especiais e, portanto, não é uma parte inevitável da comunicação
do dia-a-dia e muito menos do pensamento e da razão.
Dentro da perspectiva da visão tradicional da metáfora, fica a pergunta do por quê de
uma expressão lingüística, em vez de uma outra qualquer, ser escolhida para falar
metaforicamente de uma coisa. Kövecses (2002:67) responde que existe uma semelhança
entre as duas entidades denotadas pelas duas expressões lingüísticas e, conseqüentemente,
entre os significados das duas expressões. Desta forma, a dificuldade que restringe a produção
da metáfora reside no fato de ter que haver uma semelhança entre as duas entidades
comparadas. Se elas não forem semelhantes em algum aspecto, não podemos metaforicamente
usar uma para falar de outra. É interessante ressaltar que, sob este ponto de vista, a
semelhança também restringe a escolha de uma determinada expressão lingüística para se
falar de uma outra. O autor exemplifica o fato com a expressão the roses on her cheeks, que
pode suscitar alguns comentários que evidenciaram visões típicas da noção tradicional da
metáfora:
1. A metáfora é decorativa ou um tipo de discurso sofisticado. Usamos a palavra roses
(rosas) para falar das bochechas de alguém porque desejamos criar algum efeito
especial no ouvinte ou leitor (por exemplo, uma imagem agradável).
2. A metáfora é um fenômeno lingüístico e não conceptual. Não existe o conceito de
um domínio para compreender um outro.
3. A palavra roses (rosas) é usada para descrever as bochechas de uma pessoa
porque existe uma semelhança entre a cor de algumas rosas (vermelha ou cor de
rosa) e aquela das bochechas de alguém (também cor de rosa ou vermelho claro).
4. É esse tipo de semelhança preexistente entre duas coisas que restringe as possíveis
metáforas que um falante de uma língua pode usar. Por exemplo, jamais esse falante
poderia dizer “the sky on her cheeks”, tendo em vista que normalmente nos referimos
à cor azul do céu, e essa cor não faz lembrar a tonalidade rosa da pele de algumas
bochechas.
2.3 Visões Contemporâneas: re -dimensionando a importância da metáfora
No século XX, três teorias coexistiram com o propósito de explicar como a metáfora é
processada e por que é usada: duas delas, a Teoria da Substituição - que propõe que a
sentença ou a palavra metafórica substitui um termo literal, que pode sempre ser substituído
por uma paráfrase - e a Teoria da Comparação - que trata a metáfora como uma comparação
implícita, na qual o equivalente literal da metáfora é visto como uma comparação, ou uma
declaração de similaridade - fazem parte do paradigma tradicional já discutido anteriormente.
É importante esclarecer aqui que essas duas teorias remontam a época de Aristóteles
(RICOEUR; SEARLE , 1979). A terceira, a Teoria da Interação, apesar de não romper
radicalmente com a visão tradicional (como é o caso da Teoria da Metáfora Conceptual, a ser
discutida em seção mais adiante), redimensiona a importância da metáfora no processo de
construção de sentidos.
Essa teoria, proposta por Black, (1981, 1993) tem o propósito de justificar as novas
formas de compreensão que surgem com o processo interativo da metáfora. Nessa visão, a
metáfora implica um processo mental ligando Tópico e Veículo e gera significados novos e
irreduzíveis, ao contrário de ativar semelhanças preexistentes, como no caso das teorias da
substituição e comparação. Em outras palavras, a Teoria da Interação não aceita a idéia de
uma transferência unilateral das propriedades dos significados envolvidos. Segundo Black
(1981), o leitor ou ouvinte traria para a compreensão da metáfora um “complexo implicativo”
de compreensões e crenças. Esse complexo interage através de processos mentais de seleção,
mapeamento e organização, a fim de produzir um novo elemento que não pode ser
parafraseado com equivalentes literais. Entretanto, é interessante destacar que Lakoff e Turner
(1989:73-78) rejeitaram essa teoria ao entenderem que ela nega a assimetria da metáfora, na
qual a transferência é unidirecional, isto é, do Veículo para o Tópico.
Cabe
ressaltar,
todavia,
as
seis
características
enfatizadas
pelos
teóricos
interacionistas, segundo Waggoner (1990: 90). São elas:
1- a metáfora pode criar novos significados e novas similaridades;
2- a metáfora não é equivalente ou reduzível à simile ou analogia;
3- a metáfora não é parafraseada sem a perda de significado, conteúdo ou importância;
4- os componentes da metáfora exercem uma influência recíproca entre eles, resultando,
assim, na modificação de significado ou importância de ambos os componentes;
5- a metáfora compreende tanto semelhanças quanto diferenças entre os seus
componentes.
Mas é a metáfora como figura de pensamento que grandes passos são atribuídos a essa
figura de linguagem como veremos a seguir.
2.4 Metáfora como figura de pensamento: a metáfora conceptual
Apesar da enorme contribuição das várias visões, discutidas acima, que ressaltam a
importância da metáfora para a comunicação e compreensão humanas, o grande divisor de
águas entre o conceito tradicional e a nova visão da metáfora foi a obra publicada pelo
lingüista George Lakoff e o filosófo Mark Johnson em 1980, denominada Metaphors we live
by (Metáforas da Vida Cotidiana)7 . Nesse estudo, os autores discutem a natureza e a estrutura
da metáfora sob uma nova perspectiva: ela é conceptual e tem grande influência em boa parte
do pensamento e da ação do homem. Os autores desenvolvem a tese de que a metáfora é um
fator preponderante no funcionamento da mente humana, uma vez que, sem ela, até mesmo
pensar seria impossível. Os pesquisadores contestam os pressupostos até então estabelecidos
de que (a) toda linguagem convencional é literal, (b) tudo pode ser descrito e entendido sem o
7
Tradução pelo Grupo de Estudos da Indeterminação e da Metáfora (GEIM, 2002).
uso de metáforas, e (c) apenas a linguagem literal pode ser falsa ou verdadeira (LAKOFF,
1993).
Dentre os vários atributos conferidos à metáfora, há de se ressaltar o fato de que “esta
carrega consigo argumentos emocionais que nos levam a alguma ação ou pelo menos dá um
suporte emocional àqueles que a usam” (MIO et al., 1996:143). A metáfora, assim, é vista
como um elo entre os argumentos lógicos e emocionais. Como tal, ela nos dá aquele
sentimento de que estamos nos comportando racionalmente, embora isso possa não ser o caso.
Essa característica da metáfora, evidente no discurso persuasivo, tem apoio de vários
pesquisadores como Bowers e Osborn (1966), Read et al (1990) e Reinsch (1971). No
entanto, outros não atribuem tanta eficácia à sua função de persuasão como Bosman e
Hagendoorn (1991).
Segundo Cacciari (1998:147), a metáfora “dá a palavra”, por assim dizer, às partes
relevantes de nossa experiência subjetiva do mundo, que de outra forma seriam difíceis de
expressar. Além disso, a metáfora nos permite estender dinamicamente nossa atividade
categórica (de categorização), sendo, portanto, um mecanismo - chave para modificar nossas
maneiras de representar o mundo no pensamento e na linguagem. Ela é necessária
epistemológica e comunicativamente.
Reforçando
o
redimensionamento
da
importância
cognitiva,
discursiva
e
epistemológica da metáfora, Cameron (2003) enfatiza o seu inegável papel, no contexto
educacional. Para a estudiosa, “metáforas não são somente recursos lingüísticos que ajudam a
explicar conceitos, mas realmente estruturam os próprios conceitos” (2003: vi). Entretanto, a
lingüista destaca o fato de que a metáfora é “imediatamente verdadeira e falsa, ao mesmo
tempo disjuntivo e conectivo, comum, porém surpreendente” (ibid.). Cameron, porém, chama
atenção para como as metáforas podem contribuir, mas e ao mesmo tempo limitar a
compreensão. Devemos ficar, portanto, atentos às interpretações indevidas das metáforas
quando usadas para explicar o conhecimento científico e profissional. A autora também
ressalta (1999:77) que, na última década, o estudo da metáfora “exp lodiu”, mas pouco desse
impacto se deu no campo da lingüística aplicada, apesar do importante papel desse tropo na
teoria e prática do ensino e aprendizagem de língua. Dessa forma, a análise da metáfora na
educação, segundo a pesquisadora, pode lançar luz sobre as diversas maneiras pelas quais
participantes, sejam eles aprendizes, professores, administradores ou pais, podem
conceptualizar o que fazem ou melhorar seus desempenhos (ibid:88).
Entretanto, é interessante ressaltar que essa visão cognitivista da metáfora (também
chamada de construtivista por Ortony, 1993) já tinha sido explorada pelo filósofo italiano
Vico, muito antes de Lakoff e Johnson, entre os séculos XVII e XVIII. O pensador fazia da
metáfora o principal instrumento de uma forma de apreensão do mundo, visão esta inédita
naquela época. Vico não toma a metáfora no âmbito individual, como obra do gênio poético
de algum indivíduo. Ao contrário, ele dá ênfase ao aspecto coletivo do pensamento metafórico
ao tomar como base para suas afirmações mitos, fábulas e a poesia épica de Homero
(CERDERA, 2002).
A teoria da metáfora conceptual desenvolvida por Lakoff e Johnson tem como base
um artigo escrito por Reddy, em 1979, no qual o autor introduz o conceito de “metáfora do
canal”, que seria um tipo de me táfora conceptual. A partir dessa metáfora, segundo Green:
As expressões lingüísticas (palavras, sentenças, parágrafos, livro, etc) são comparadas
a vasos ou canais nos quais pensamentos, idéias, sonhos são despejados e dos quais
eles podem ser retirados exatamente como foram enviados, realizando uma
transferência de posse (GREEN apud ZANOTTO, 1989:15).
As expressões abaixo, exemplos de expressões lingüísticas, que seriam motivadas pela
“metáfora do canal” e que, portanto, a evidenciariam na linguagem (ibid:15). Exemplos:
Não consigo pôr minhas idéias em palavras.Quem te deu essas idéias?
Até que enfim você está conseguindo passar suas idéias para mim.
Esse livro não traz muita coisa.
Suas palavras não estão carregadas de convicção.
Zanotto (1998:16) afirma que Green (1989:10) tem uma explicação muito feliz para
essa metáfora, tão presente na linguagem ordinária:
Admite-se comumente que a linguagem constitui um veículo para o pensamento, que
as palavras expressam pensamentos e fazem isso univocamente. Então você tem um
pensamento, põe esse pensamento em palavras, que levarão o pensamento, e qualquer
pessoa racional e sensata que conheça a linguagem será capaz sem esforço de ver seu
pensamento, de pegar sua idéia” (grifos de Zanotto).
Para ilustrar o fato de que “a metáfora é possível na linguagem porque está presente na
mente”, Lakoff e Johnson (1980/2002:46) utilizam o conceito de “tempo”, que é
conceptualmente estruturado como “dinheiro”. Essa metáfora conceptual (TEMPO É
DINHEIRO) é marcada, lingüisticamente, em inglês, por várias expressões, entre elas (ibid,
1980/2002: 50):
Você está desperdiçando meu tempo. Você está me fazendo perder tempo. (You are
wasting my time)
Esta coisa (engenhosa) vai te poupar horas. (This gadget will save you hours.)
Eu não tenho tempo para te dar./ Eu não tenho tempo para você. (I don’t have the time
to give you.)
Como você gasta seu tempo hoje em dia? Como você usa o seu tempo hoje em dia?
(How do you spend your time these days?)
A partir dessa visão, a metáfora, mais do que nunca, começa a ser vista como um
elemento importante no processo de entendimento da própria compreensão humana, e não
mais como um simples ornamento do discurso (LAKOFF; JOHNSON, 1980/2002, 1999;
ORTONY, 1993; GIBBS; STEEN, 1999).
Enquanto fenômeno cognitivo, as metáforas são mapeamentos entre domínios
conceptuais: do domínio fonte para o domínio alvo. A estrutura DOMÍNIO ALVO É
DOMÍNIO FONTE8 é usada como forma mnemônica de nomear esses mapeamentos
metafóricos. Não devemos, assim, confundir o nome do mapeamento com o próprio.
Mapeamento é o conjunto de correspondências conceptuais. Por exemplo, a forma
mnemônica TEMPO É DINHEIRO se refere ao conjunto de correspondências conceptuais
entre TEMPO e DINHEIRO.
A metáfora, assim, envolve tanto os mapeamentos conceptuais quanto as expressões
lingüísticas. Entretanto, na perspectiva da teoria da metáfora conceptual, a língua é
secundária, no sentido de que é o mapeamento que sanciona o uso da linguagem e dos padrões
de inferência do domínio fonte para o domínio alvo (LAKOFF, 1993:209). Porque o foco de
interesse é o mapeamento, o termo metáfora refere-se, normalmente, ao mapeamento e não às
expressões lingüísticas metafóricas (VEREZA, 2004). A língua, principalmente o léxico,
seria, fundamentalmente, vista como um reflexo do sistema conceptual humano. Dessa forma,
é através de um estudo detalhado da maioria das expressões lexicais relacionadas à
determinados conceitos que os lingüistas cognitivos têm identificado grande parte desse
sistema (KÖVECSES, 1990:41).
Na visão cognitivista, falar e entender metáforas só é possível porque existem
metáforas no sistema conceptual humano. Na visão tradicional, (conhecemos o mundo por
meio dos objetos que o constituem; entendemos esses objetos por causa dos conceitos
inerentes a eles e por meio das relações existentes entre eles; as palavras têm significados
fixos; o conhecimento “objetivo” é o conhecimento real, verdadeiro), “digerir” em “digerir
uma idéia”, por exemplo, não é vista como uma palavra metafórica e, sim, literal, homônima
de uma outra palavra, digerir. A visão tradicional não nega a sua origem metafórica, mas
entende que, uma vez convencionalizada, a palavra “digerir” morreu como uma metáfora e
congelou seu significado metafórico antigo como um novo significado literal (ibid: 211-212).
Por outro lado, para a lingüística cognitiva, a chamada linguagem literal está repleta de
metáforas, e de forma sistemática; assim, digerir uma idéia não é uma metáfora isolada, mas
parte de um grupo de outras expressões em que idéias são faladas em termos de comida
(ibid:46). Exemplos:
O que ele me disse me deixou com um gosto ruim na boca.
O que temos nesse papel não passa de fatos crus, idéias meio cozidas e teorias
subaquecidas.
Não dá para engolir nenhuma dessas idéias.
Ele devorou o livro.
Segundo Lakoff e Johnson (1980/2002), as semelhanças entre os termos fonte e alvo
não podem estar baseadas em conceitos inerentes, mas surgem como resultado de metáforas
conceptuais. Dessa forma, essas semelhanças devem ser consideradas interacionais. Isto é, são
definidas em termos de propriedades interacionais baseadas na percepção humana – como
concepções de forma, dimensão, espaço, função, movimento, e não em termos inerentes das
coisas em si. Estaríamos, assim, ampliando nossas habilidades de entender certos aspectos
importantes da nossa interação com o mundo e nossa realidade.
Tome-se, por exemplo, a metáfora conceptual TRABALHO É UM RECURSO
(LABOR IS A RESOURCE), a partir da qual aspectos do trabalho escravo ou da mão-de-obra
barata o tornam lucrativo e, por conseqüência, “bom”, uma vez que o custo deve ser sempre
baixo se aceitamos a metáfora como verdade.
A função da metáfora é, assim, a de estender as capacidades de comunicação e,
principalmente, conceptualização do ser humano. A me táfora é uma “janela” para os sistemas
de conhecimento que são relevantes e centrais em uma determinada cultura.
2.5 A dimensão epistemológica da metáfora
2.5.1 Os mitos do objetivismo e subjetivismo
A visão tradicional da metáfora é sustentada pelo que Lakoff e Johnson (1980/2002)
chamam de mito do subjetivismo e do objetivismo. Por trás desses mitos haveria a motivação
humana para o entendimento do mundo externo e, também, de seus aspectos internos.
Entendamos aqui que o termo “mito” não está sendo usado como algo pejorativo;
afinal, como Lakoff e Johnson (1980/2002:185) argumentam, “os mitos oferecem- nos
maneiras de compreendermos a experiência; eles organizam nossas vidas”.
8
Tecnicamente, o mapeamento é representado por DOMÍNIO ALVO para DOMÍNIO FONTE.
Para os autores, a aceitação tácita do dogma da verdade absoluta (objetivismo) ou a
rendição ao primado do individual e particular (subjetivismo) são visões igualmente
equivocadas, constituindo o que os estudiosos chamam de mito do objetivismo e do
subjetivismo. Na cultura ocidental, tem-se a impressão de que a única premissa válida é a
existência de somente duas alternativas possíveis: acreditar na verdade absoluta ou fazer o
mundo a sua própria imagem, sem que haja uma terceira escolha disponível (ibid:185). Lakoff
e Johnson estabelecem um parâmetro entre mitos e metáforas dizendo que ambos estão
presentes em todas as culturas e que as pessoas precisam de ambos para que consigam ordenar
suas vidas e dar sentido ao que se encontra à volta delas. Assim como tomamos as metáforas
como verdades, também fazemos em relação aos mitos. O mito do objetivismo não apenas
não se reconhece como sendo um mito, como também tem como seu principal pressuposto a
idéia de que os próprios mitos e as metáforas não são relevantes no que tange a busca da
verdade. Ao contrário, ambos são vistos como objetos dignos de descaso: “de acordo com a
visão objetivista, os mitos e as metáforas não podem ser levados a sério porque não são
objetivamente verdadeiros” (Ibid:186).
Por outro lado, segundo Lakoff e Johnson (1980/2002:191), a subjetividade, como a
entendemos hoje, tem suas origens na progressiva hegemonia alcançada pela ciência, através
da tecnologia, com o advento da Revolução Industrial. Os autores afirmam que o processo da
Revolução Industrial fez vir à tona uma realidade desumana, que provocou, em contrapartida,
uma reação entre poetas, artistas e filósofos que culminou com o desenvolvimento da tradição
do Romantismo.
A ciência, a razão e a tecnologia haviam alienado o homem dele mesmo, como os
representantes do Romantismo alegavam; logo, eles viam a poesia, a arte e o retorno à
natureza como uma maneira que o homem possuía para recuperar sua humanidade perdida
(ibid:191-192).
Os autores (1980/2002:192) observam que, ao adotar o subjetivismo, o Romantismo
reforçou a dicotomia entre verdade e razão de um lado e arte e imaginação de outro. Sem
dúvida, os românticos criaram um domínio para si mesmos, em que o subjetivismo continua a
dominar.
É interessante observar que, para os não românticos, a racionalidade é, na maioria das
vezes, associada à objetividade; já para aqueles que defendem o objetivismo, ser irracional, é,
sem dúvida, ser subjetivo. A subjetividade, para esses, é vista como algo através do que se
pode perder o contato com a realidade objetiva.
Em contrapartida, o subjetivismo, a metade complementar do objetivismo, tem como
seu foco principal a capacidade do indivíduo de usar os sentidos e intuições em sua vida
diária. Quando questões de real importância aparecem, acredita-se que as intuições são o
melhor guia para nossas ações. Segundo Cerdera (2002), nessa linha de pensamento, a arte e a
poesia, ao transcenderem a racionalidade e a objetividade, tornam-se meios de grande valia ao
possibilitarem o acesso à realidade dos sentimentos e intuições. Assim sendo, a linguagem “da
imaginação”, à qual a metáfora também pertence, é relevante por exercitar aspectos únicos e
muito significativos em nossa experiência.
Segundo Lakoff e Johnson (1980/2002), o que os mitos do objetivismo e do
subjetivismo perdem é a maneira como entendemos o mundo através da nossa interação com
ele (ibid:194), pois se, por um lado, o objetivismo pressupõe que existe um mundo totalmente
independente do homem, por outro, o subjetivismo acredita que o homem é independente do
mundo; se para o objetivismo há uma verdade absoluta e incondicional, para o subjetivismo a
verdade só é obtida através da imaginação, sem interferência do mundo externo (ibid:192).
Se fizermos uma relação entre esses dois mitos e a metáfora, verificaremos que, para o
objetivismo, esse tropo deve ser evitado porque seus significados não são precisos e, portanto,
não correspondem à realidade. A realidade só é escrita através de sentidos estáveis. Por outro
lado, a metáfora, segundo o subjetivismo, é a linguagem da imaginação, e, por conseguinte,
necessária para expressar os aspectos únicos e significativos de nossa experiência.
Lakoff e Johnson (1980/2002) observam que, na realidade, precisamos de uma
alternativa que possa, de fato, promover uma conciliação entre essas duas correntes - uma
visão que, por um lado, adotasse uma perspectiva de subjetividade que não implicasse a noção
de sujeito subjacente ao mito do subjetivismo, isto é, um sujeito “intuitivo”, autônomo, que
chega, através de emoções, a realidades espirituais e emocionais autônomas também. Uma
alternativa que, por outro lado, promovesse uma visão que, ao contrário de excluir o sujeito
do real que o circunda, como no caso do objetivismo, propusesse uma relação dialética entre
sujeito e realidade, um construindo o outro através da experiência do homem no mundo
concreto em que vive.
2.5.2 A síntese experiencialista
O experiencialismo proposto por Lakoff e Johnson (1980/2002, 1999) seria a união do
objetivismo com o subjetivismo, sem a obsessão objetivista com a verdade absoluta ou a
insistência subjetivista de que a imaginação é totalmente ilimitada (1980/2022:228-229). A
visão experiencialista vê o homem como parte do meio em uma relação de transformação
mútua por meio da interação constante de negociação, tendo como conseqüência o
entendimento.
Assim sendo, o entendimento do ponto de vista experiencialista oferece uma
perspectiva mais abrangente nas áreas mais importantes de nossa experiência diária, conforme
explicação de Lakoff e Johnson (1980/2002:232-237):
1. Comunicação interpessoal e entendimento mútuo
O entendimento se faz por meio de negociação do significado, respeitando-se
diferenças (culturais, pessoais, e de vida), assim como o exercício da paciência, da
flexibilidade e o uso de metáforas.
2. Auto-entendimento
Auto-entendimento pressupõe entendimento mútuo. Através de nossas constantes
interações com o meio físico, cultural e interpessoal, atingimos o estado de autoentendimento, com auxílio apropriado de metáforas pessoais, que fazem sentido em
nossas vidas.
3. Ritual
O ritual é um tipo “gestalt”: uma seqüência coerente de ações estruturadas de acordo
com as dimensões naturais de nossa experiência. Sendo assim, as metáforas culturais
ou pessoais que utilizamos são preservadas e propagadas através de ações costumeiras,
já que não se pode falar em cultura sem rituais.
4. Experiência estética
Na visão experiencialista, a metáfora permite o entendimento de um tipo de
experiência por meio de outro, criando coerência segundo “gestalts” impostos e
estruturados de acordo com as dimensões naturais da experiência. Toda experiência
nova cria novas realidades através da racionalidade imaginativa.
5. Política
As ideologias, política e econômica, estão sempre delimitadas em termos metafóricos,
pois escondem um aspecto da realidade em virtude de outros.
Diante da dicotomia subjetivismo-objetivismo, Lakoff e Johnson (1980/2002) rejeitam
o ponto de vista objetivista de que há verdade absoluta e incondicional, mas não adotam a
postura subjetivista de chegar à verdade por meio da livre imaginação, propondo a união entre
os binômios razão e imaginação que se encontra na concepção de metáfora por eles
defendidos. Dentro da perspectiva experiencialista, os conceitos são definidos em termos de
propriedades interacionais baseadas na percepção humana como concepções de forma,
dimensão, espaço, função, movimento e não em termos de propriedades inerentes das coisas.
Enfim, as estruturas que caracterizam a nossa experiência emergem naturalmente das nossas
interações com o mundo e do mundo conosco. O sistema conceitual do homem, portanto,
surge da sua experiência com o próprio corpo e o ambiente físico e cultural em que vive. Tal
sistema, compartilhado pelos membros de uma comunidade lingüística, contém metáforas
conceptuais, sistemáticas, geralmente inconscientes e altamente convencionais na língua –
i.e., várias palavras e expressões idiomáticas dependem dessas metáforas para serem
compreendidas (LAKOFF; TURNER, 1989:51).
Podemos, afirmar, então, que a alternativa experiencialista oferece um novo
significado aos antigos mitos. Os mitos do subjetivismo e do objetivismo inegavelmente têm
uma função importante na sociedade ocidental e compartilham algumas noções fundamentais
com o experiencialismo.
2.6 Tipos de metáforas conceptuais
As metáforas conceptuais podem ser classificadas de acordo com as funções que elas
desempenham. Assim elas podem ser: estrutural, ontológica e orientacional. Discutiremos
também a metáfora primária como uma possível categorização da metáfora conceptual.
2.6.1 Metáfora Estrutural
Assim como as metáforas orientacionais e ontológicas (conforme veremos mais
tarde), as metáforas estruturais estão estruturadas em correlações sistemáticas em nossas
experiências. Essas metáforas nos permitem fazer muito mais do que simplesmente orientar
conceitos, nos refe rirmos a eles, quantificá- los, etc.; elas nos possibilitam usar um conceito
altamente estruturado e claramente delineado para estruturar outro (LAKOFF; JOHNSON,
1980/2002; KÖVECSES, 2002). Segundo Kövecses (2002:33), a função cognitiva dessas
metáforas é “possibilitar ao falante de entender o alvo A através da estrutura da fonte B. Esse
processo ocorre através do mapeamento conceptual entre os elementos de A e aqueles de B”.
Como exemplo de tais metáforas, citamos: DISCUSSÃO É GUERRA (ARGUMENT IS
WAR); TEMPO É DINHEIRO (TIME IS MONEY); TEMPO É LOCOMOÇÃO (TIME IS
MOTION)
No último exemplo o conceito de tempo é estruturado de acordo com locomoção e
espaço em termos de alguns elementos básicos: objetos físicos, seus locais e o movimento
deles. O tempo presente está no mesmo local como um observador canônico. A partir daí
temos os seguintes mapeamentos:
Tempos são coisas.
O passar do tempo é locomoção.
O tempo futuro está a frente do observador; o tempo passado está atrás do observador.
Uma coisa está se movendo, a outra está estacionada; a coisa estacionada é o centro
dêitico.
Daí termos a seguinte estrutura de Tempo. TEMPO É LOCOMOÇÃO (TIME IS
MOTION) em dois casos especiais: TEMPO QUE PASSA É LOCOMOÇÃO DE UM
OBJETO (TIME PASSING IS MOTION OF AN OBJECT) (e TEMPO QUE PASSA É A
LOCOMOÇÃO DO OBSERVADOR ATRAVÉS DE UMA PAISAGEM) (TIME PASSING
IS OBSERVER´S MOTION OVER A LANSDCAPE).
1) TEMPO QUE PASSA É LOCOMOÇÃO DE UM OBJETO (TIME PASSING IS
MOTION OF AN OBJECT)
a) Virá um tempo em que... (The time will come when...)
b) Já faz algum tempo que... (The time has long since gone when...)
c) Chegou o tempo de agir... (The time for action has arrived...)
Kövecses (2002) diz que nesse tipo de exemplo em que TEMPO É LOCOMOÇÃO
(TIME IS MOTION) o observador está fixo, e o tempo é um objeto que se move em relação ao
observador.
2) TEMPO QUE PASSA É UMA LOCOMOÇÃO DO OBSERVADOR ATRAVÉS
DE UMA PASSAGEM (TIME PASSING IS AN OBSERVER´S MOTION OVER A
LANDSCAPE):
a) Haverá problemas ao longo do tempo. (There’s going to be trouble along the road.)
b) A permanência dele na Rússia se estendeu por muitos anos. (His stay in Russia
extented over many years.)
c) Ele passou o tempo muito feliz. (He passed the time happily).
Kövecses (ibid) afirma que sem essa metáfora conceptual seria muito difícil
imaginarmos o nosso conceitual de tempo.
2.6.2 Metáfora Ontológica
Também chamada de metáfora de entidade e de substâncias (LAKOFF; JOHNSON,
1980/2002), a metáfora ontológica faz com que compreendamos nossas experiências em
termos de objetos e substâncias, permitindo, assim, selecionar partes de nossa experiência e
tratá- las como entidades discretas ou substâncias de uma espécie uniforme. Podemos nos
referir a essas experiências, categorizá- las, agrupá- las e quantificá-las e, segundo Lakoff e
Johnson (1980/2002) e Köve cses (2002), raciocinar sobre elas.
As metáforas ontológicas nos capacitam a ver uma estrutura mais delineada em
conceitos onde existe muito pouca ou praticamente nenhuma estrutura. Lakoff e Johnson
(1980/2002) ressaltam que “essas metáforas servem a vário s propósitos e as diferenças que
existem entre elas refletem os diferentes fins”. Ao consideramos, por exemplo, a experiência
de aumento de preços por meio da palavra inflação, podemos vê- la como uma entidade –
INFLAÇAO É UMA ENTIDADE (INFLATION IS AN ENTITY):
1) A inflação está abaixando o nosso padrão de vida. (Inflation is lowering our
standard of living).
2) Se houver muito mais inflação, nós nunca sobreviveremos. (If there´s much more
inflation, we´ll never survive).
3) Precisamos combater a inflação. (We need to combat inflation).
As metáforas ontológicas são usadas, também, para compreendermos eventos, ações,
atividades e estados. Eventos e ações são metaforicamente conceptualizados como objetos,
atividades como substâncias, estados como recipientes (LAKOFF; JOHNSON, 1980/2002).
Embora os autores dediquem um capítulo ao tipo de metáfora ontológica denominada
“personificação”, Kövecses (2002) faz menção a essa metáfora em apenas algumas linhas da
sua seção sobre metáforas ontológicas. Segundo o pesquisador, “na personificação, as
qualidades humanas são atribuídas às entidades não humanas”. Por exemplo:
1) Suas teorias me esclareceram sobre o comportamento das galinhas criadas em
fábricas. (His theories explained to me the behavior of chickens raised in factories)
2) A vida me passou para trás. (Life has cheated me)
3) A inflação está comendo nossos lucros.(Inflation is eating up our profits).
Kövecses (2002) comenta, ainda, que a personificação faz uso de um dos melhores
domínios-fonte que nós temos: nós mesmos. Ao personificarmos os não humanos como
humanos, passamos a entendê- los um pouco melhor.
2.6.3 Metáfora Orientacional
A metáfora orientacional, diferentemente da estrutural, não estrutura um conceito em
termos de outro; ao contrário, organiza todo um sistema de conceitos em relação a um outro
(LAOKOFF; JOHNSON, 1980/2002).
Lakoff e Johnson (ibid:57-58) e Kövecses (2002) mostram que grande parte das
metáforas está relacionada a nossa orientação espacial – noções como em cima - embaixo,
dentro - fora, frente - atrás, centro - periferia –, que emerge do fato de “termos um corpo
como o que temos e interagimos como interagimos com o nosso ambiente físico”. Por
exemplo, a noção EM CIMA emerge porque quase todo movimento que fazemos (e.g., ficar
de pé, deitar para dormir) envolve um programa motor que muda, mantém ou pressupõe a
orientação EM CIMA – EMBAIXO. Essa noção gera um número grande de metáforas, tais
como:
ALEGRIA É PARA CIMA/TRISTEZA É PARA BAIXO
Ex: Hoje estou me sentindo pra cima; Você está de alto astral; Estou na fossa; Ela está
pra baixo hoje.
VIRTUDE É PARA CIMA / DEPRESSÃO É PARA BAIXO
Ex: Maria tem um alto padrão de comportamento; Marta tem uma mente superior;
Este foi um truque baixo.
De acordo com a teoria, experiências físicas diretas como essas não são, entretanto,
inerentes ao tipo de corpo que temos, mas envolvem certos pressupostos culturais. No
exemplo dado, a noção de verticalidade (EM CIMA-EMBAIXO) envolve o fato de vivermos
em um campo gravitacional como o nosso. Alguém que vivesse em condições diferentes no
espaço sideral, por exemplo, sem outro tipo de experiência, não teria a mesma noção espacial
(LAKOFF; JOHNSON, 1980/2002:57). Entretanto, apesar de toda experiência ter uma base
cultural, ainda é possível fazer uma distinção entre experiências mais físicas (como levantar) e
experiências mais culturais (como participar de uma cerimônia de casamento).
A experiência com objetos e substâncias físicas dá origem a metáforas ontológicas,
que ajudam a entender outros conceitos envolvendo mais do que mera orientação, como
eventos, emoções e idéias. Identificamos nossas experiências como entidades ou substâncias
que, como tais, podem ser categorizadas, agrupadas e quantificadas. Por exemplo,
experienciamos nosso corpo como um recipiente, que tem limites (a pele) e orientação
DENTRO–E–FORA (o resto do mundo está fora). A partir dessa experiência, a noção
DENTRO-E-FORA é projetada para outros objetos físicos que têm limites, bem ou mal
delineados, tais como uma sala (ex: Entrei em sala) ou uma clareira na floresta (ex: Ficaram a
noite inteira numa clareira da floresta), e uma série de outras coisas, tais como campos
visuais (ex: Ela saiu do meu campo de visão), eventos (ex: Eles estão fora da competição) e
atividades (ex: Entrei neste campo há 2 anos), que passam então a ser vistos também como
recipientes com partes internas, externas e limites.
2.6.4 Metáforas Primárias
Muitos estudiosos (JOHNSON, 1987; LAKOFF, 1987,1990; GIBBS, 1994; LAKOFF;
JOHNSON, 1999) sugerem que grande parte do pensamento me tafórico deriva de uma
experiência corpórea recorrente, isto é, o contato e as sensações corpóreas com o meio
ambiente. Essas experiências aumentam a gestalt experiencial, a qual é chamada de
ESQUEMA DE IMAGEM (IMAGE SCHEMA)), que são estruturas que organizam as
representações mentais num nível mais geral e abstrato do que aquele em que determinadas
imagens mentais são formadas (JOHNSON, 1987:23-24). O conceito consiste de pequeno
número de partes e relações, através das quais podem ser estruturadas infinitas percepções,
imagens, eventos, etc. Em um experimento realizado (GIBBS; COSTON, 1995; LAKOFF
1990; TURNER, 1996), solicitou-se que indivíduos imaginassem a sensação corpórea de um
contêiner fechado repleto de um fluido. Posteriormente, foram feitas perguntas relacionadas à
causalidade, intenção e forma com que esse procedimento foi processado mentalmente. Pôdese constatar que indivíduos tendem a fazer as mesmas inferências tanto para metáforas quanto
para paráfrases literais. Tais sensações podem ser exp licadas através de intuições de cada
indivíduo em relação à sua experiência corpórea.
Metáforas geradas a partir dessas bases experienciais diretas (de experiências
sensório- motoras) e cognitivas básicas, com pouca ou quase nenhuma influência cultural, são
chamadas de metáforas primárias (GRADY, 1997b); alguns exemplos dessas metáforas são:
IMPORTANTE É GRANDE (IMPORTANT IS BIG); FELIZ É PARA CIMA (HAPPY IS
UP); DIFICULDADES SÃO CARGAS (DIFFICULTIES ARE BURDENS); MAIS É PARA
CIMA (MORE IS UP); SIMILARIDADE É APROXIMAÇÃO (SIMILARITY IS
CLOSENESS). Essas metáforas fazem parte do “inconsciente cognitivo”. As pessoas as
adquirem automática e inconscientemente através do processo normal da aprendizagem e
podem não ter consciência de que as possuem. Não temos controle desse processo (LAKOFF,
1980/2002:56).
Por partirem de experiências universais, as metáforas primárias devem ser comuns a
várias línguas. As correlações entre nossas experiências geram centenas de metáforas
primárias que, por sua vez, podem se unificar e formar metáforas mais complexas (GRADY,
apud JOHNSON, 1999). A unificação de metáforas primárias tem base cultural e, portanto, ao
contrário das primárias, pode formar diferentes metáforas compostas nas diversas línguas
(LAFOFF; JOHNSON, 1999). Esse processo é ilustrado pelos autores através de uma breve
análise da metáfora primária A VIDA É UMA JORNADA. Segundo eles, há, em nossa
cultura, uma preocupação de que as pessoas tenham um propósito na vida. Caso não o
tenham, há algo errado. Se você não tem propósito na vida, você está “perdido” (lost), “sem
direção” (without direction), “não sabendo que caminho tomar” (not knowing which way to
turn). Ter propósito na vida lhe dá “objetivos para alcançar” e a força a mapear um caminho
para atingir esses objetivos, como se desviar de obstáculos, etc.
O resultado é a metáfora complexa que nos atinge a todos, a metáfora conceptual
UMA VIDA COM PROPÓSITO É UMA VIAGEM (A PURPOSEFUL LIFE IS A
JOURNEY), construída de metáforas primárias da seguinte forma:
Começando da crença cultural:
As pessoas supostamente têm propósitos na vida e elas devem agir no sentido de
alcançá- los.
As metáforas primárias são:
PROPÓSITOS SÃO DESTINOS (PURPOSES ARE DESTINATIONS)
AÇÕES SÃO MOVIMENTOS (ACTIONS ARE MOTIONS)
A versão metafórica dessa crença cultural é:
As pessoas devem ter destinos para suas vidas, e elas devem agir no sentido de
alcançar esses destinos (People are supposed to have destinations in life, and they are
supposed to move so as to reach those destinations)
E isso se junta a um simples fato:
Uma viagem longa para uma série de destinos é uma jornada (A long trip to a series of
destinations is a jouney)
Quando todos esses fatores se juntam, formam um mapeamento metafórico complexo:
UMA VIDA COM PROPÓSITO É UMA JORNADA (A PURPOSEFUL LIFE IS A
JOURNEY)
UMA PESSOA QUE VIVE É UM VIAJANTE (A PERSON LIVING A LIFE IS A
TRAVELER)
OBJETIVOS DE VIDA SÃO DESTINOS (LIFE GOALS ARE DESTINATIONS)
UM PLANO DE VIDA É UM ITINERÁRIO (A LIFE PLAN IS AN ITINERARY)
Esse exemplo nos mostra que a metáfora complexa A VIDA É UMA VIAGEM é
composta de quatro submetáforas.
Dessa forma, levamos de um domínio para o outro nossos vastos conhecimentos sobre
o domínio- fonte e todas as inferências que podemos fazer nesse domínio para o domínio-alvo.
Isto quer dizer que a metáfora lingüística só é possível porque existem metáforas no
sistema conceptual humano. Como elas são geradas a partir de experiências corpóreas em
relação ao ambiente físico e cultural, compreendê- las equivale a entender o próprio modo de
pensar e agir inerente ao homem (LAKOFF; JOHNSON, 1980/2002:05).
Concluindo, diríamos que a função da metáfora é a de estender as capacidades de
comunicação e conceptualização do ser humano. A metáfora é uma janela para os sistemas do
conhecimento que são relevantes e centrais em uma determinada cultura. Ela está presente na
linguagem do dia-a-dia, seja poética ou não, dentro de várias instâncias discursivas. A
metáfora, tanto a lingüística como a conceptual, é parte importante da construção de sentidos,
estruturando os nossos sistemas conceptuais e determinando, assim, nossa maneira de ver o
mundo, de falar sobre ele e de agir sobre ele.
É a partir dessa visão abrangente de metáfora que iremos conduzir a presente pesquisa.
Ao usarmos o domínio geral de “guerra” para compreendermos e organizarmos
conceptualmente outros domínios para falarmos e agirmos sobre eles, estamos seguindo os
princípios da metáfora conceptual. Nenhuma outra visão de construção de sentidos parece
oferecer um poder explicativo tão poderoso e com possibilidades empíricas tão promissoras
para que possamos investigar o fenômeno enfocado em nosso estudo.
Já que, como veremos mais detalhadamente adiante, a metáfora proposta nesta
pesquisa é de natureza complexa e não primária e, portanto, não necessariamente universal,
procuraremos compreender, na próxima seção, como se dá a complexa relação metáfora e
cultura.
2.6.5 – Metáforas e Cenários
Os tipos de metáfora conceptual discutidos acima são freqüentemente usados, por meio
de suas marcas lingüísticas, como categorias analíticas na identificação e na análise de
metáforas. Isto é, a metáfora conceptual distingue o aspecto conceptual (semântico) de uma
metáfora de seu aspecto lingüístico – a ocorrência dela em textos empiricamente observável.
Assim, pode-se dizer que em uma sentença documentada "The euro child has had a healthy
birth" (= A criança euro nasceu saudável) existe uma metáfora lingüística: “The euro is a
(healthy) child” (= O euro é uma criança (saudável)) e subjacente a essa manifestação
lingüística existe uma metáfora conceptual que pode ser parafraseada como UMA MOEDA É
UM SER VIVO.
A teoria cognitiva (Lakoff, Johnson, Kövecses e outros) também concorda em grupar os
conceitos em “domínios”, por exemplo: SERES VIVOS (LIVING BEING (= domínio fonte)
e MOEDA CORRENTE (=domínio fonte) (MUSOLFF, 2004)).
Além do conceito central de metáfora conceptual, faremos uso nesta pesquisa do
conceito/categoria de cenário, tendo em vista que, como veremos adiante, essa noção surgiu
como um elemento importante na análise do discurso do presidente Bush e seus colaboradores
para justificar as eventuais guerras do Afeganistão e do Iraque.
A categoria de cenário é apresentada como uma unidade analítica intermediária entre o
nível do domínio conceptual como um todo e seus elementos individuais (ibid). Cenário,
ainda, segundo o autor, é um conjunto de deduções construídas/idealizadas por membros
competentes de uma comunidade discursiva sobre aspectos prototípicos (participantes, papéis,
enredos “dramáticos”) e avaliações sociais/éticas relacionadas aos elementos característicos
de domínios conceptuais. Essa categoria, assim, é usada para capturar o nível do subdomínio
das estruturas conceptuais (ibid). Já Lakoff (1987: 285-6) define cenários como “modelos
cognitivos idealizados”. O autor utiliza esse conceito, agregado ao de “sistema metafórico”,
para sistematizar o enquadramento conceptual subjacente ao discurso por G. W. Bush (pai),
na Guerra do Golfo, em 1990 (LAKOFF, 1991). No caso, Lakoff se apropria do sistema
metafórico (uma “macro- metáfora”) CONTO DE FADAS, cuja estrutura se enquadraria à
situação do Golfo. Essa mesma metáfora é identificada em nosso corpus, no Capítulo 6, uma
vez que a justificativa das guerras do Afeganistão e do Iraque se faz viável por meio do
preenchimento dos cenários pelos elementos da narrativa do Conto de Fadas: o vilão, o herói,
a vítima e o crime (a serem referidos na análise como “sub-cenários”).
Musolff (2004) argumenta que nem sempre todos os aspectos de um cenário
necessariamente precisam ser preenchidos. A título de ilustração, os cenários de PAIS e
FILHOS (no contexto dos diferentes países que configuram a atual União Européia) na
metáfora NAÇÃO É PESSOA, determinados aspectos ficam abertos: os filhos da família
européia, por exemplo, podem ter somente um dos pais, ou somente pais e não mães, ou, até
mesmo, nenhum pai possivelmente identificado, como mostram os seguintes exemplos:
(1)
– (...) the great dream of the founding fathers of the original European
communities (...). / (…) o grande sonho dos pais fundadores das comunidades
européias originais (…).
(2)
– (…) how Western Europe’s grown-up democracies, (…)/ (…) como
as democracias adultas da Europa Ocidental, (…).
(3)
- Europe fetes “prodigal son” (…)./ A Europa dá boas-vindas ao “filho
pródigo” (...).
Um outro exemplo de cenário é apresentado por Musolff (2004) ao citar Lakoff (1996)
quando este identifica o domínio FAMILIA no discurso político dos E.U.A e distingue dois
modelos importantes: PAI SEVERO e PAI/MÃE EDUCADOR. Musolff entende que esses
modelos são “cenários” porque eles são partes relevantes do domínio e têm mínimos planos
de ações com resultados indevidos.
É interessante ressaltar que a categoria de cenário não é contrária, de forma alguma, a
categoria ou teoria da metáfora conceptual. Ela é também compatível com a teoria de
“blending” (um cenário consiste de um conjunto de espaços mentais). Sua característica
marcante é que ela está relacionada a um texto empiricamente observável e testável retirado
de um corpus tanto especial quanto geral. Assim, “cenários metafóricos” são categorias
conceptuais tal como esquemas, domínios, etc., mas podem ser observáveis ao em vez de
depender somente da abstração teórica (MUSOLFF, 2004).
A categoria “cenário” mostra-se, assim, apropriada aos objetivos de nossa pesquisa por
contemplar o fato de que há padrões conceptuais e configurações, como deduções sobre
determinados participantes (presença de personagens), papéis e ações a serem tomadas (ibid),
complementando, assim, o sistema metafórico responsável pelos aspectos cognitivos e
discursivos presentes na retórica do presidente Bush e de seus colaboradores.
2.7 Metáfora e cultura: uma abordagem sócio-cognitivista
2.7.1 Introdução
Pretendemos nesta seção explorar a interface entre metáfora e cultura, segundo o
enfoque sócio-cognitivista. Ao compartilharmos a premissa da antropologia lingüística de que
a linguagem dever ser entendida como prática cultural, não podemos deixar de discutir a
noção de cultura, considerando que esta é bastante complexa (DURANTI, 1997).
Entendemos que as metáforas conceptuais não são apenas ornamentos lingüísticos,
mas também figuras de pensamento e, portanto, estão relacionadas diretamente à cognição
(LAKOFF; JOHNSON, 1980/2002). E, se o ser humano se conhece e se faz como tal através
da interface com o outro (via linguagem) - daí a relação com o social (TOMASELLO, 1999) -
, podemos, então, abordar metáfora e cultura do ponto de vista da sócio-cognição, conforme
veremos nas subseções seguintes.
2.7.2 Conceituação de cultura
Mesmo considerando o fato de que, como afirma Deignan (2003:256), “é
notoriamente difícil desenvolver uma definição operacional da noção de cultura”, é preciso
partir de uma conceituação dessa noção para que possamos articulá-la à questão da metáfora.
A visão popular de cultura remete à noção de “conhecimento adquirido”,
principalmente através do letramento, das ciências e da literatura. Assim, sob este ponto de
vista, certas pessoas teriam mais ou menos cultura do que outras.
Essa visão, no entanto, foi desafiada, formalmente, já em 1871, quando Edward Tylor,
em Primitive Culture, propõe a primeira definição de cultura sob o ponto de vista
antropológico. Segundo Tylor, cultura seria “um complexo que inclui conhecimentos,
crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo
homem como membro de uma sociedade” (TYLOR, apud LARAIA, 1986:25). Duranti
(1997:27) hipotetiza que, se cultura é apreendida, muito do que se entende por cultura pode
ser pensado em termos de conhecimento de mundo. Segundo o autor, reconhecer objetos,
lugares e pessoas não é o objetivo único daqueles que pertencem a uma determinada cultura;
esses membros deveriam também compartilhar determinados padrões de pensamento e
maneiras de se entender o mundo, fazendo inferências e predições por meio desses padrões. E
como bem define Ward Goodernough (1964:36-39), ao resumir a visão cognitiva de cultura,
cultura seria:
aquilo que as pessoas têm que saber diferentemente de sua herança biológica, deve
consistir do produto final da aprendizagem: conhecimento, no seu termo mais geral ...
cultura é uma organização de coisas, pessoas, comportamento e emoções...”
Neste estudo, adotaremos a visão de cultura apontada por Tylor, tendo em vista que
entendemos que a sua perspectiva é abrangente e coerente com o que entendemos que seja a
dimensão cultural de metáfora.
Uma outra questão que perpassa o debate em torno da noção de cultura é a sua origem
biológica ou social. Trataremos, a seguir, dessa discussão.
2.7.3 Cultura versus Biologia
Em primeiro lugar, observa-se que as teorias que atribuem capacidades específicas
inatas a “raças” ou a outros grupos humanos são antigas e persistentes (LARAIA, 1986).
Estamos falando aqui da possibilidade de um determinismo biológico para se entender
cultura. Entretanto, os antropólogos estão totalmente convencidos de que as diferenças
genéticas não são determinantes das diferenças culturais. Segundo Felix Keesing (KEESING
apud LARAIA, 1986:17), “não existe correlação significativa entre a distribuição dos
caracteres genéticos e a distribuição dos comportamentos culturais”.
A maneira como as pessoas se comportam diante da aprendizagem remete ao processo
que a antropologia chama “endoculturação”. Ou seja, a mente humana não passa de uma caixa
vazia quando nascemos, dotada simplesmente da capacidade ilimitada de adquirir
conhecimento. Por exemplo, um homem e uma mulher agem diferentemente não em função
de seus hormônios, mas por serem educados de forma diferente.
Ao considerarmos a definição de Tylor acima, entendemos que ele marcava
fortemente o caráter de aprendizado da cultura em oposição à idéia de cultura como aquisição
inata, transmitida por mecanismos biológicos.
Kroeber (1986:37), por sua vez, não refuta a idéia de que o homem depende muito de
seu equipamento biológico e que, para manter-se vivo, independentemente do sistema cultural
a que pertença, “ele precisa de algumas funções vitais, como a alimentação, o sono, a
respiração, a atividade sexual, etc.” (ibid:38). Entretanto, a maneira de satisfazer essas
funções variaria entre as culturas. Para ele, essa variedade na operacionalização de um
número bastante pequeno de funções faz com que o homem seja visto como um ser
fundamentalmente cultural. Os seus comportamentos não são biologicamente determinados. A
genética, assim, não seria responsável pelas ações e pensamentos do homem, pois seus atos
dependem totalmente de um processo de aprendizado.
Na verdade, o homem desenvolveria a cultura simultaneamente ao seu equipamento
fisiológico. A cultura, de fato, molda uma vida “num ser biologicamente preparado para viver
enumeras vidas” (ibid:68).
Essa discussão nos leva a entender que cultura não está desassociada da biologia. Elas,
de fato, se complementam. Veremos mais adiante que o debate em torno da universalidade –
ou não – da metáfora, ou de certas metáforas, como a metáfora primária, perpassa, também, a
questão da biologia (dimensão corpórea da metáfora) e da cultura (dimensão cultural, social
da metáfora).
2.7.4 Cultura e Linguagem
Compartilhando a visão de Tylor, Alfred Kroeber, antropólogo americano, argumenta
que não se pode realmente entender uma outra cultura a não ser que se tenha acesso a sua
língua (KROEBER, 1963).
A relação, assim, entre cultura e lingua (gem) é fundamental para os antropólogos
lingüistas como Duranti, que chega a afirmar que “conhecer uma cultura é como conhecer
uma língua e descrever uma cultura é como descrever uma língua (1997:28)”. Vale notar que,
como vimos acima, língua é entendida na sua relação com as práticas discursivas que formam
a cultura e que essas práticas, por sua vez, se dão através da interação entre indivíduos e
grupos. A interação, mediada pela linguagem, seria, segundo Tomasello (1999), o centro da
cognição humana. O homem é um domínio que se descobriu na contra – face do outro via
linguagem. Ele é capaz de se ver através do outro, de partilhar intenções e desenvolver ações
conjuntas.
Vendo a linguagem como um dos modos da cognição humana, Tomasello afirma que
as construções abstratas formam a base da criatividade lingüística da criança. Cada criança
deve elaborar essas construções individualmente, da mesma forma que faz a distinção entre as
falas que ouve de usuários mais experientes na língua. Isso torna as construções lingüísticas
abstratas especialmente interessantes do ponto de vista da cognição, uma vez que elas estão
fundamentadas tanto na aprendizagem das estruturas lingüísticas culturalmente convencionais
como nas habilidades cognitivas individuais de categorização e formação de esquemas que
advém, em última análise, da sua herança biológica como primatas individuais. Soma-se a
isso o fato de que, segundo o antropólogo, “as construções lingüísticas abstratas levam a
algumas operações cognitivas singulares sem similar no reino animal” (1999:157).
Entre essas, Tomasello ressalta “a interação entre as construções lingüísticas abstratas
e palavras individuais concretas” que, segundo o autor, cria novas e poderosas possibilidades
para construções de elementos derivacionais, analógicos e metafóricos” (ibid), tais como:
-
propriedades e atividades como se fossem objetos: Azul é minha cor favorita (Blue is my
favorite color), Esquiar é divertido (Skiing is fun), Descobrir o tesouro foi sorte
(Discovering the treasure was lucky);
-
objetos e atividades como se fossem propriedades: Sua vozinha me balançou (His mousy
voice shook me), Sua cabeça raspada distraiu-a (His shaven head distracted her), Sua
maneira Nixoniana me ofendeu (His Nixonesque manner offended me);
-
objetos e propriedades como se fossem propriedades: Ela presidiu a reunião (She chaired
the meeting), Ele molhou as calças (He wet his pants), O pequeno jornaleiro “abrigou” o
jornal (The paperboy porched the newspaper);
-
eventos e objetos como se um fosse o outro: O amor é uma rosa (Love is a rose), A vida é
uma viagem (Life is a journey), Um átomo é um sistema solar (An atom is a solar system);
Os seres humanos criam esses tipos de analogias quando os recursos no seu inventário
lingüístico são insuficientes para atender a demandas, principalmente as demandas
expressivas, de uma determinada situação comunicativa. É difícil imaginar que seres humanos
poderiam conceptualizar ações como objetos ou objetos como ações – ou mesmo se
engajarem em qualquer atividade além das formas mais rudimentares do pensamento
metafórico – se não fosse pelas demandas funcionais que recaem sobre eles, na medida em
que adaptam meios convencionais de comunicação lingüística a determinadas exigências
comunicativas (TOMASELLO, 1999). E, sobre o pensamento metafórico, Tomasello
argumenta, ainda, que ele surge, em última análise, da interação e que está na base da cultura.
Assim, dentro do paradigma sócio-cognitivista, cultura, interação e a metáfora emergem da
própria comunicação humana.
Assim, a visão sócio-cognitivista de cultura preconizada por Tomasello, por fazer
referência ao papel da linguagem e, principalmente, à linguagem figurada na cultura tem
grande relevância para o presente estudo.
2.7.5 Metáfora e Cultura
É interessante ressaltar que, quando Gibbs (1999:153) se refere à base cultural da
metáfora, ele destaca que tanto antropólogos como lingüistas acreditam que a presença de
metáforas em expressões lingüísticas reflete não somente a operação de estruturas mentais
individuais, mas também o trabalho de diferentes modelos culturais. Esses modelos culturais
podem ser definidos como “esquemas culturais subjetivamente compartilhados que funcionam
no intuito de interpretar experiências e guiar ações em vários domínios, incluindo eve ntos,
instituições, e objetos mentais e físicos” (ibid). Ou seja, modelos culturais podem ser
entendidos como uma representação de visão de mundo de uma sociedade/cultura no que
tange à suas crenças, atos, maneira de falar sobre o mundo e suas próprias experiências.
Boers (2003) compartilha com Deignan a visão de que a linguagem figurada de uma
comunidade poder ser entendida como “uma reflexão dos padrões convencionais do
pensamento daquela comunidade ou como uma visão de mundo” (2003:256). Por
conseguinte, a metáfora reflete e reproduz as visões de mundo de uma comunidade.
Dessa forma, o estudo cognitivo de metáforas como “esquemata” cultural é bem
próximo à idéia de que não só entendemos o mundo, mas também a linguagem, em termos de
protótipos, visões generalizadas ou teorias populares (Folk Theories) de experiência
(DURANTI apud ROSCH, 1973, 1978). Assim, a metáfora estaria, simbioticamente,
relacionada à cultura.
A relação entre metáfora e cultura é também ressaltada por Lakoff e Johnson
(1980/2002). Como vimos anteriormente neste trabalho, para os autores, a metáfora, longe de
ser um fenômeno exclusivo da linguagem, embora a nossa linguagem cotidiana esteja repleta
de metáforas, estruturaria o sistema conceptual humano, o qual, por sua vez, está edificado
sobre as bases da cultura. Para os autores, a metáfora é entendida como uma caracterização da
nossa experiência, na medida em que ela se adequa a outros conceitos metafóricos mais
gerais, formando, portanto, um todo coerente. Os autores reconhecem também a importância
da cultura no processo de formação do referido tropo, embora, em sua obra, não elaborem
detalhadamente esse aspecto.
Em que medida os modelos cognitivos seriam determinados sócio - culturalmente ou
vice-versa ainda é fonte de grandes debates na lingüística cognitiva. Quinn (1991), por
exemplo, argumenta contrariamente ao que Lakoff e Kövecses sugerem no artigo The
cognitive model of anger inherent in American English (1987), afirmando que as metáforas
simplesmente refletem os modelos culturais preexistentes, ao contrário dos dois outros
autores, que acreditam que as metáforas constituem amplamente o modelo cultural. Quinn
ilustra seu argumento usando o conceito abstrato de casamento.
De acordo com a autora, a sociedade americana vê o casamento como expectativas:
troca, benefício para os cônjuges e durabilidade (1991:67). Essas expectativas seriam
propriedades do amor. Segundo Quinn, o conceito abstrato de amor surge literalmente de
experiências básicas como a fase do bebê com suas primeiras experiências de vida e com o
seu responsável, experiências essas que sustentam a concepção de amor adulto e de
casamento. Dessa forma, para Quinn, nenhuma metáfora é necessária para que conceitos
abstratos emerjam. O argumento da autora é de que a estrutura motivacional do amor
forneceria a sua estrutura de expectativa; isto é, desejamos estar com a pessoa que amamos,
preenchendo nossas carências mútuas, e que esse amor seja longo.
Segundo Kövecses (2005), a análise de Quinn é incompleta já que essas experiê ncias
básicas, naquela etapa de vida, carecem do conteúdo detalhado e estrutural que caracteriza o
conceito de amor em adultos.
Ainda segundo Lakoff e Johnson, ao usarmos expressões como “atacar uma posição”,
“nova linha de ataque”, “vencer”, “ganhar terreno”, etc., estamos sistematizando a linguagem
usada para falar do conceito de guerra e que, no mundo ocidental, tais expressões fazem parte
do ato de discutir (LAKOFF; JONHSON, 1980/2002: 07; KÖVECSES, 2002:74-75).
Por outro lado, Lakoff e Johnson explicam que, se imaginássemos uma cultura em que
a discussão fosse compreendida em termos de dança, por exemplo, os participantes seriam
vistos como dançarinos, cujo objetivo seria realizar a ação de forma harmônica, equilibrada e
estética. Nessa cultura, as pessoas entenderiam as discussões de forma diferente, e também as
realizariam e falariam sobre elas diferentemente. Nós ocidentais, no entanto, não pensaríamos,
de modo algum, que essas pessoas estivessem discutindo: elas estariam fazendo alguma outra
coisa. Consideraríamos estranho chamar esse ato de discussão. Talvez fosse melhor dizer que,
em nossa cultura, a discussão estaria estruturada em termos de batalha e, naquela, em termos
de dança (ibid:05).
Outros conceitos que fazem parte do nosso repertório, como TEMPO É DINHEIRO
(TIME IS MONEY), metáfora já discutida anteriormente neste estudo, só são possíveis porque
o tempo em nossa cultura é considerado um bem de consumo, o que pode não acontecer em
outros grupos sociais.
Esses exemplos corroboram a argumentação de Deignan (2003:269) que enfatiza o
papel da cultura na determinação do conteúdo e da forma de expressões metafóricas. Mas a
autora, como Kövecses (2005), nos alerta que a metáfora que usamos hoje pode não refletir a
compreensão atual sobre a nossa cultura. A pesquisadora afirma que muito das expressões
metafóricas foram geradas a partir de determinadas situações históricas e, na medida em que
elas se fossilizam, sua motivação fica, de certa maneira, pouco transparente para os falantes
de uma língua. Isso, de certa forma, nos alerta para o problema do enfoque cultural na
metáfora. E, neste caso, Boers (2003:235) referenda Deignan (2003) que acredita que
devemos abordar a metáfora na linguagem, em sua grande parte, como uma reflexão
diacrônica de cultura, e não sincrônica. E, assim, uma determinada expressão metafórica, ao
longo do tempo, pode tornar-se opaca para a compreensão do falante daquela língua.
Apesar de concordarmos com essa ressalva, fazemos eco, neste estudo, a autores como
Kövecses (2005) que ressaltam a relação simbiótica entre metáfora e cultura.
2.7.6 Variação Cultural e Metáfora
Littlemore (2003) investiga a metáfora do ponto de vista da variação entre culturas,
examinando o efeito dessa variação no plano de julgamentos de valores associados ao uso de
certas metáforas. Especificamente, a pesquisadora observa as dificuldades que estudantes de
Bangladesh, em cursos na Grã-Bretanha, tiveram para entender as metáforas usadas por seus
professores britânicos. Segundo a estudiosa, muito dos problemas ocorreram por causa de
diferentes sistemas de valores, tendo em vista a diferença entre as duas culturas. Ela conclui
que é importante tanto para os professores quanto para os alunos reexaminarem seus valores e
ficarem atentos para um possível desentendimento ao usarem metáforas que, de uma certa
forma, estão impregnadas desses julgamentos.
Boers (2003), por sua vez, ressalta que, no que se refere à metáfora conceptual, a
variação entre culturas tem um papel mais preponderante nas metáforas complexas ou
compostas do que nas primárias (LAKOFF; TURNER, 1989; TURNER, 1995). Segundo ele,
diferentemente da experiência física que subjaz as metáforas primárias, “os domínios
complexos experienciais são mais de natureza cultural e, por isso, variam de lugar para lugar”
(2003:233). Assim, um determinado domínio pode não estar igualmente disponível para um
mapeamento metafórico em todas as culturas. Para ilustrar tal argumento, Boers (ibid) afirma
que em uma comunidade distante dos Andes não se esperaria ter uma quantidade de metáforas
do domínio da navegação a vela, como em inglês: “She sailed through her exams” (Ela
“navegou” (voou) nas suas provas). Isso sem considerar o fato de que certas metáforas podem
“sair de moda” ou novos objetos podem ser inventados pelo homem, gerando novas
metáforas. A MENTE É UM COMPUTADOR (THE MIND IS A COMPUTER), por exemplo,
é uma metáfora conceptual recentemente criada a partir do surgimento da eletrônica e que já
licencia expressões como “Vou deletar você da minha memória”, entre outras.
Podemos, ainda, exemplificar esse aspecto intercultural da metáfora citando a
metáfora CASA COMUM EUROPÉIA (COMMOM EUROPEAN HOUSE), que apareceu no
discurso político em várias línguas européias no final da década de 80, por ocasião do
desgaste e do colapso da Guerra Fria na Europa. Essa metáfora foi introduzida por Mikhail
Gobarchev durante sua visita à França em outubro de 1985. Ela surgiu para moldar o novo
pensamento da então União Soviética na gestão do ex-presidente. Pensamento esse que
tentava mostrar aos outros países da Europa que a União Soviética já pensava em uma Europa
sem muita divisão. Entretanto, é interessante observar que essa metáfora sofreu algumas
adaptações devido a diferenças culturais no que diz respeito ao conceito de “casa”. “Casas”
são conceptualizadas protótipo e estereotipicamente de formas diferentes de cultura para
cultura. Há variações em termos de tamanho, formato, desenho, espaço, limites, regras de
entrada e saída, receber e visitar, coabitar etc. A concepção de casa e de seus
desencadeamentos, a partir da metáfora em questão, não pôde ser pressuposta como
conhecimento comum, pois havia risco de não acontecer uma comunicação eficaz e eficiente
para a proposta do governo soviético (CHILTON; IILYN, 1993:7-13).
Contudo, é interessante refletir sobre a proposta de Boers (2003:236) de que, devido à
globalização econômica e cultural, as diferenças interculturais relevantes para o uso da
metáfora podem, um dia, desaparecerem. O autor argumenta que se a linguagem é uma parte
integrante da cultura, e se a cultura é expressa através da metáfora (ainda que indiretamente),
então a comunicação intercultural se beneficiaria substancialmente de um aumento da
compreensão de metáforas por parte dos educadores e aprendizes de línguas. No entanto, essa
possível (mas não necessariamente provável) “universalização” cultural que levaria à
“universalização” de muitas metáforas não estaria no mesmo paradigma da discussão, na
literatura lingüístico-cognitivista acerca da “universalidade” de determinadas metáforas, mais
especificamente, as metáforas primárias (GRADY, 1997; GIBBS et al., 2004) Essa discussão,
pela sua centralidade na compreensão da relação entre metáfora e cultura, será tratada a
seguir.
2.7.7 Metáforas, cultura e corpo: a questão da universalidade
Kovecses (2005) argumenta que o pensamento metafórico fundamenta-se na
experiência corpórea e em atividades neurológicas no cérebro. E assim, pressupondo que a
metáfora tem como base o funcionamento do corpo humano e do cérebro e que, neste sentido,
os seres humanos são iguais, poder-se-á concluir que a maioria das metáforas conceptuais que
as pessoas usam seriam universais.
Quando um conceito metafórico faz parte de uma experiência básica humana como as
metáforas primárias (LAKOFF; JOHNSON, 1980/2002; LAKOFF e TURNER, 1989;
TURNER; FAUCONIER, 1995) diz- se que ela tem base corpórea.
Pode-se alegar, por exemplo, que conceitos espaciais que fazem parte do repertório
humano, do tipo em “cima/embaixo”, “frente/trás”, “dentro/fora”, “perto/longe”, também
denominados de “esquemas–imagens” (Lakoff, 1990), surgem da interação do homem com o
meio-ambiente físico. Assim, quando identificamos o conceito de em cima ou para cima como
alguma coisa boa e positiva, em contraste com o seu oposto embaixo ou para baixo,
estaríamos apenas tomando ciência de algo já enraizado em nosso repertório sensório - motor
(LAKOFF; JOHNSON, 1980/2002).
Com o surgimento (ou formalização) do conceito de metáfora primária (GRADY,
1997), a possibilidade teórica da “universalidade” de determinadas metáforas ganha força, não
deixando, no entanto, de representar uma hipótese polêmica na área da metáfora.
Lakoff e Johnson (1999:56) observam que as metáforas primárias fazem “parte do
inconsciente
cognitivo”,
uma
vez
que
o
ser
humano
adquire-as
automática
e
inconscientemente. Os autores afirmam que, quando as experiências corpóreas no mundo são
universais, as metáforas primárias correspondentes a essas experiências seriam adquiridas
universalmente (LAKOFF, 1993), o que explicaria o grande número dessas metáforas em
diversas línguas.
Lembramos que Kovecses (2005:64), também, argumenta que não somente as
metáforas primárias, mas também as complexas, podem ser universais, desde que essas
últimas tenham como base experiências humanas universais.
Para o momento, é importante destacar que o conceito de guerra, subjacente às
expressões acima, teria uma base corpórea (agressão física) que é estendido a domínios mais
abstratos como discussão, jogos, etc (RITCHIE, 2003).
Ao trazermos essa discussão da universalidade das metáforas para a metáfora
estrutural e central dessa pesquisa, O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE
GUERRA, poderíamos conjeturar que sendo o sentido de lutar um ato que envolve agressão
física - experenciado desde os primórdios da nossa civilização (VANPARYS; 1995;
KOULER, 2002), uma forma de garantir a própria sobrevivência do ser humano e viabilizar a
possibilidade de se resguardar e, assim, perpetuar até mesmo a própria espécie -, a metáfora
da guerra poderia ter uma dimensão universal e, possivelmente, uma outra que variaria
interculturalmente. Por exemplo, vimos anteriormente que, segundo Lakoff e Johnson
(1980/2002), a metáfora DISCUSSÃO É GUERRA - que licencia expressões como:
1- Não ganhei nunca uma discussão com ele. (I’ve never won an argument with him)
2- Ele derrubou todos os meus argumentos. (He shot down all of my arguments.)
3- Se você usar aquela estratégia, ele o aniquilará. (If you use that strategy, he’ll wipe you
out.)
provavelmente não seria compreendida em uma cultura que conceptualizasse discussão como
dança. O que é cultural ou universal nas metáforas conceptuais é uma questão complexa e
polêmica na Lingüística Cognitiva.
Estudiosos como Charteris-Black (2004, 2005) defendem a variação intercultural entre
metáforas e a sua determinação sócio-histórica, assumindo, assim, uma postura mais
“relativista” do que “universalista” dentro do debate. As experiências socioculturais
relacionadas, por exemplo, à metáfora corpo como contêiner podem muitas vezes explicar
como as pessoas entram e saem de contêineres, como a saída de diferentes fluidos é
compreendida, como as experiências das pessoas como contêineres afetam suas relações
interpessoais e suas próprias noções de identidade e autonomia. Pesquisas nessa área
poderiam revelar como as metáforas estão relacionadas ao corpo e à cultura do indivíduo,
além de contribuir para a compreensão do significado de expressões lingüísticas (ibid).
Em outras palavras, de acordo com o autor, até mesmo o que chamamos de
“experiência física direta” acontece sempre dentro de uma vasta bagagem de pressuposições
culturais. Ou seja, toda experiência, física ou não, é totalmente cultural.
É a partir dessa relação entre os aspectos socioculturais da metáfora conceptual que
Eubanks (2002:25) observou que “a ligação entre o cognitivo e o cultural é a maior força da
teoria cognitiva da metáfora”.
Da mesma forma, Gibbs (1999) rejeita a idéia de que experiências corpóreas
aparentemente universais possam se interpretadas da mesma forma em culturas diferentes:
“Não se pode falar ou estudar cognição separadamente das nossas interações
específicas corporificadas com o mundo cultural uma vez que o que entendemos como
significativo no mundo físico é altamente limitado pelas nossas crenças e valores”
(GIBBS, 1999:153)9 .
Podemos concluir que a inseparabilidade de mente, corpo, mundo e modelos culturais
implica uma visão de metáfora em que esta emerge da interação entre todos esses fatores.
Nesse sentido, Kövecses (2005:293) acredita que algumas metáforas são potencialmente
universais e que outras variam entre culturas e dentro da própria cultura. Assim, afirma
(2005:293) que “a metáfora é inevitavelmente conceptual, lingüística, neuro - corpórea e
sociocultural ao mesmo tempo” (ibid:156).
2.7.8 Considerações finais
Por tudo que já foi discutido neste capítulo, podemos concluir que o fator “cultura”
será
de
importância
crucial
para
a
compreensão
do
conceito
metafórico
“O
ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA” que investigaremos como
metáfora dominante, assim como aquelas relacionadas ao crime e à política internacional que
interagem com a dominante. Uma de nossas hipóteses é de que essas metáforas, mesmo
podendo ter uma base corpórea significativa, são geradas pela cultura e, ao mesmo tempo,
determinantes dessa cultura. Dessa forma, optamos por não considerar a possibilidade da
9
“One cannot talk about, or study, cognition apart from our specific embodied interactions with the cultural
world, (and this include the physical world, which is not separable from the cultural world in the important sense
universalidade dessa metáfora, acreditando que sua dimensão cultural, em sua relação com
seus aspectos ideológicos, como veremos mais adiante, seja mais relevante para a presente
discussão. Essa afirmação pode ser corroborada com a argumentação de Deignan (2003:256)
de que “cultura” pode-se fazer compreensível desde que se entenda que ela carrega as
ideologias dominantes de uma comunidade. Explorar essa relação, com foco no discurso,
política e ideologia, a partir de uma perspectiva cognitiva, será o objetivo do próximo
capítulo.
that what we see as meaningful in the physical world is highly constrained by our cultural beliefs and values”
(Gibbs, 1999:153).
3. ANÁLISE CRÍTICA DA METÁFORA: POLÍTICA, DISCURSO E IDEOLOGIA
3.1 Política: Conceituações
Não poderíamos deixar de discorrer sobre política em um estudo que tem o discurso
político como objeto de análise. Contudo, definir política em toda sua complexidade seria
uma tarefa impossível, se levarmos em conta o escopo deste estudo. Assim, consideraremos
uma definição do ponto de vista do estudo tradicional da política e dos estudos do discurso
político. Em primeiro lugar, a política pode ser vista como uma luta entre aqueles que querem
e os que resistem ao poder. Por outro lado, a política pode ser abordada, ainda, como um meio
de cooperação para resolver problemas de disputa de interesses no que diz respeito a dinheiro,
influência, liberdade e fatores dessa natureza (CHILTON, 2004).
Além das orientações acima, de caráter mais geral, temos que considerar uma outra
distinção importante, aquela estabelecida entre os níveis macro e micro da política.
No lado extremo do nível macro há as instituições políticas do Estado. Essas
instituições, em um estado democrático, manifestam-se a partir de constituições, e dos
códigos civil e criminal. Ligados a essas instituições encontram-se os políticos de partido, os
políticos profissionais, grupos de interesses e movimentos sociais (ibid).
Todas as atividades políticas, características das interações entre esses diversos grupos
e instituições, não existem sem o uso da linguagem. Os profissionais da política reconhecem o
papel da linguagem porque a política se faz pelo uso da linguagem e porque o seu uso tem
claros efeitos na ação política. Afinal, segundo Charteris-Black (2005:xi), em sociedades
democráticas, “o poder é expresso pela palavra falada ou escrita e não pelo chicote, corrente
ou revólver.”
Somente na linguagem e através dela pode alguém proferir comandos e ameaças,
perguntar, oferecer e prometer (uma vez que o falante tenha os recursos básicos para tornar a
sua fala confiável). Além disso, somente através da linguagem, associada às instituições
sociais e políticas, pode-se declarar guerra, apontar culpados ou inocentes, aumentar ou
diminuir taxas, etc.
Já o nível micro da política envolve conflitos de interesse, esforços para cooperação
entre indivíduos, gêneros e grupos sociais de vários tipos. Como Jones (1994:05) aponta:
No nível micro usamos uma variedade de técnicas para que consigamos as coisas da
nossa maneira: persuasão, argumento racional, estratégias irracionais, ameaças,
subornos, manipulação – qualquer coisa que acreditamos que funcionará.
E como Hague et al. (1998: 3-4) afirmam sobre pronunciamentos de estudantes de
política, típicos também do nível micro: “A Política implica diferenças reconciliatórias
através da discussão e persuasão. A comunicação é, conseqüentemente, essencial à política”.
O que nos causa estranheza, todavia, é a ausência, nos estudos convencionais da
política, de uma reflexão sobre o fato de que os comportamentos mencionados acima sobre o
nível micro são realmente tipos de ação lingüística – o discurso. Da mesma forma, como
vimos acima, as instituições de nível macro (política institucional) são formadas por ações
discursivas específicas – debates parlamentares, noticiários da imprensa falada e escrita, por
exemplo; ou seja, gêneros políticos institucionalizados (CHOULIARAKI, 2000).
Tendo em vista a complexidade desses níveis da análise política, isto é, as múltiplas
formas como os textos políticos relacionam-se a representações políticas, limitar-nos-emos a
uma única estrutura do discurso político: sua dimensão metafórica, objeto de nossa pesquisa
Veremos, mais adiante, como o discurso e a política estão interligados através do viés
da ideologia. No momento, discutiremos, mais especificamente, como a metáfora relaciona-se
à política.
3.2 A metáfora na política
Vimos no capítulo anterior como a metáfora mantém uma relação dialética com a
cultura. Isto é, a metáfora ao mesmo tempo determina e é determinada pela cultura. E como a
cultura e a política mantêm também uma relação igualmente dialética em formações sócio –
discursivas, podemos concluir que a metáfora também está intrinsecamente relacionada à
política e às práticas discursivas de natureza política. Lakoff e Johnson (1980/2002: 159)
argumentam que “metáforas desempenham um papel relevante na construção da realidade
social e política”. E podemos ainda acrescentar o argumento de que se as nossas experiências
e conceptualizações são organizadas pelas metáforas, então política, como parte do domínio
social, deve ser entendida e construída metaforicamente (MUSOLFF, 2004).
Desde Aristóteles, sabe-se que a metáfora é uma figura não só presente, mas
característica do discurso político.
Segundo Miller (MILLER apud van DIJK, 2002: 04):
A metáfora é essencial ao entendimento político porque ela nos permite expandir
nosso conhecimento de um mundo familiarizado para uma região que não está aberta a
experiências imediatas. A metáfora é necessária ao conhecimento político,
precisamente porque o significado ou realidade do mundo político transcende ao que é
aberto à observação.
Lembramos que, devido às restrições de comunicação pela mídia, os políticos, em
particular, fazem uso da metáfora como um meio de explicar políticas de ações complexas,
seja aos seus grupos ou a seus constituintes (ibid).
No que se refere à dimensão política da metáfora, em uma perspectiva cognitiva e não
somente de retórica, não podemos esquecer que ela já foi estudada por Lakoff (1991) e Rohrer
(1995) na então guerra do Golfo I. Os autores examinaram as metáforas usadas por George
W. Bush, o pai, para mostrar como aquela situação política foi conceptualizada. Lakoff, a
partir de uma análise que combina um enfoque cognitivo com uma abordagem discursiva,
examina a metáfora como uma estratégia para defender as políticas de ação do então governo
Bush ou para se opor àquelas dos seus oponentes. A metáfora, assim, no contexto político
internacional, não parece ser um recurso retórico vazio, mas, talvez, um importante recurso
cognitivo - discursivo com efeitos diplomáticos.
A metáfora, dessa forma, do ponto de vista cognitivo, pode funcionar como um
recurso heurístico para explorar novos conceitos e ações políticas. De acordo com Chilton
(1993:27), “as metáforas não são transferidas com significados fixos, mas processadas de
acordo com línguas locais, formações de discurso local e interesses políticos locais”.
E, como veremos posteriormente, a metáfora é uma característica importante do
discurso da persuasão porque faz a mediação entre os meios de persuasão consciente e
inconsciente, ou seja, entre cognição e emoção, para criar uma perspectiva moral de vida
(ethos). Portanto, a metáfora, ao acessar, discursivamente, nosso sistema de valores sociais e
culturais, incorporados a nossos sistemas conceptuais, torna-se um elemento essencial na
legitimação do discurso político (CHARTERIS-BLACK, 2005:13).
Se tivéssemos que explicar por que o discurso político é tradicionalmente metafórico,
diríamos que, sendo a metáfora a transferência de significado do conhecido ou familiar para o
desconhecido, o largo uso da metáfora no discurso político é um sinal de que os elementos do
domínio da política são de alguma forma menos familiares ou mais obscuros do que os
elementos dos domínios- fonte de que as metáforas políticas são extraídas. E aí nos
perguntaríamos: qual seria a razão para a obscuridade dos fatos políticos? Por que temos que
nos apoiar nas metáforas para que os fatos se revelem mais claramente?
Segundo Chilton (2004), a obscuridade dos fatos políticos surge porque eles não
podem ser observados diretamente através dos sentidos. Estritamente falando, fatos políticos
são elementos não observáveis, e a metáfora seria uma maneira de se mover do observável, ou
sensível, ao político. As metáforas políticas, assim, refletem a trajetória do nosso
conhecimento do observável para o não observável ou do que nos é menos obscuro para o que
é mais obscuro (ibid). Miller (1979:168) afirma que uma metáfora política pode
freqüentemente ser dita em outros termos, mas é difícil evitar a sua presença na paráfrase.
Assim, a carga total está na expressão lingüística que, de alguma forma, tem que
induzir os ouvintes a fazerem representações mentais de algo que para eles não tem, ou
somente tem, muito indiretamente, provas sensoriais. A metáfora não tem apenas essa função;
ela desempenha outros papéis no discurso: um papel semântico, ao criar novos significados
para as palavras; um papel cognitivo, ao desenvolver o nosso entendimento com base na
analogia e o papel pragmático (com os componentes ideológicos e retóricos da metáfora) que
objetiva fazer a avaliação (CHARTERIS-BLACK, 2004; 2005). Portanto, uma dimensão
lingüística, cognitiva e pragmática.
Entretanto, é interessante ressaltar, segundo o autor, a perda da dimensão da
pragmática na análise da metáfora, a partir do interesse da semântica cognitiva em estudar
aquele tropo (2004: 02). Acreditamos que com base na definição de Crystal (1985: 240)
podemos explicar melhor o argumento de Charteris-Black (ibid), compreendendo a
competência pragmática como habilidade para fazer escolhas apropriadas e observar
restrições na interação social de forma a se comunicar de maneira efetiva e com sucesso.
Enfim, a metáfora do ponto de vista cognitivo não responde o porquê da escolha daquele
tropo em detrimento de outro. Daí a necessidade da pragmática.
A dualidade entre função cognitiva e função pragmática da metáfora no discurso será
explorada mais adiante. No momento, é importante ressaltar que qualquer discussão sobre o
papel da metáfora na política requer, necessariamente, uma reflexão sobre a dimensão
ideológica não só da metáfora como do discurso em geral.
3.3 Política, ideologia e discurso
Várias são as definições de ideologia dependendo de se essa noção carrega um sentido
explicitamente negativo (consciência falsa) ou neutro (uma percepção social abrangente e
coerente do mundo) (HODGE; KRESS, 1993:15). De acordo com Charteris-Black (2005:21),
“ideologia é um conjunto de idéias formuladas conscientemente que engloba uma
representação organizada e sistemática do mundo e, conseqüentemente, forma as bases para
se agir nesse mundo”. Segundo Fairclough (1989:02), a ideologia estaria intrinsecamente
atrelada ao poder e, por isso, teria efeitos diretos na política, de um modo geral, e em políticas
públicas. Por exemplo, uma ideologia racista pode ter feitos sobre políticas de moradia,
trabalho e educação mais ou menos inclusivas em relação aos imigrantes.
Fairclough (1995a:71) enfatiza uma outra importante, para não dizer fundamental,
dimensão de ideologia: sua determinação sobre a linguagem ou o discurso.
Nesse sentido, o autor vê a ideologia como “a configuração total da prática de discurso
de uma sociedade ou de suas instituições” (FAIRCLOUGH, 1989:02).
É no discurso que a ideologia se articula à linguagem. Segundo Meurer (1997,
2005:86-87), de acordo com a perspectiva de Foucault (1972), adotada também em Kress
(1985) e Fairclough (1992), discurso
é o conjunto de afirmações que, articuladas na linguagem, expressam os valores e
significados das diferentes instituições. O discurso é o conjunto de princípios, valores
e significados “por trás” do texto. Todo o discurso é investido de ideologias, i.e.,
maneiras específicas de conceber a realidade. Todo o discurso é exercício de poder e
domínio de uns sobre outros.
Quando os humanos interagem verbalmente, eles podem estar simplesmente
sinalizando papéis sociais, limites e elos, mas muito dessa interação, seja qual for a sua
função social, é feita por meio de representações do mundo, inclusive a política (CHILTON,
2004). E é em seu efeito político e ideológico que a linguagem torna-se “discurso”.
Ideologia, portanto, é um conceito fundamental para entendermos as relações
complexas entre discurso, contexto social e ação política.
Ainda no que se refere ao elo entre ideologia e discurso, tanto van Dijk (1998:27-28;
1995:32-33) como Fairclough (1989:85) concordam que a ideologia é mais eficaz quando o
seu trabalho é menos visível. E concordam entre si também ao afirmarem que a invisibilidade
é alcançada quando ideologias são trazidas para o discurso não como elementos diretos,
visíveis no texto, mas como construtos subjacentes. Esses, por um lado levam o produtor do
texto a “textualizar” o mundo de uma determinada maneira e, por outro, levam o intérprete a
interpretar o texto de uma determinada forma e não de outra. Uma vez que os modelos
mentais representam o que as pessoas sabem e pensam sobre uma situação ou evento, eles
essencialmente controlam o “conteúdo” ou a semântica do dis curso (van DIJK, 1998).
Cabe ainda ressaltar que Charteris-Black (2005:22) acredita que uma maneira comum
de comunicar ideologia é através do mito. Um mito é uma história que oferece uma
explicação de muitos fenômenos que precisam ser esclarecidos. Eles poderiam versar sobre as
origens do universo, as causas do bem e do mal, a origem dos elementos, do homem e da
mulher ou simplesmente sobre o que acreditamos ser misterioso.
O autor propõe que a análise da metáfora é uma metodologia para a identificação e
descrição desse mito, mas somente a análise crítica pode levar a uma explicitação da narrativa
como “um mito” em vez de “uma verdade”. A análise crítica da metáfora, assim, é um método
para se entender como mitos políticos comunicam ideologia. Ou seja, a presença sistemática
de metáforas no discurso político é parte de uma ideologia porque a metáfora é a
intermediária entre mito e ideologia. A identificação da base conceptual de metáforas seria,
então, uma forma de explicar as associações ideológicas que subjazem à metáfora. Uma vez
que a avaliação é essencial à ideologia, os mitos nos quais ela é fundamentada podem ser
revelados através da análise das metáforas que ocorrem nos discursos políticos (ibid).
Portanto, tanto os mitos como outros construtos ideológicos como crenças, valores e
opiniões combinam-se à linguagem na dimensão do discurso. Em relação a opiniões, van Dijk
(1998:29) as define como sendo “crenças avaliativas”, isto é, crenças que caracterizam um
conceito avaliativo. Qualquer crença que pressuponha um valor e que envolva um julgamento
sobre alguém ou alguma coisa é avaliativa tal como: “X” é bom (ruim, bonito, feio, honesto,
inteligente), dependendo dos valores de um grupo ou cultura. Há também as crenças factuais
que, muitas vezes, pressupõem uma crença avaliativa. Acredita-se, por exemplo, que alguém
seja um ladrão ou terrorista, uma crença aparentemente factual mais que uma conotação (no
caso negativa) bem marcada.
Obviamente, como é o caso de todos valores e julgamentos, crenças podem variar
cultural e socialmente. E uma vez que grupos e interesses de grupos conflitantes sejam
envolvidos, opiniões passarão a ser ideologias. Resumindo, opinião é um ato do discurso
fundamentalmente persuasivo – no sentido de que ele propicia uma percepção compartilhada
que transcende aquela do sistema semântico.
Veremos adiante como a análise crítica da metáfora (ACM) propicia reflexões bastante
esclarecedoras sobre construtos ideológicos, crenças (avaliativas ou não), atitudes e
sentimentos da comunidade discursiva em que o discurso acontece.
3.4 Análise crítica do discurso
Com base no que vimos anteriormente, podemos concluir que a dimensão discursiva
das ideologias mostra como estas influenciam nossos textos e falas. Por essa razão,
compartilhamos a crença de que o discurso exerce um papel fundamental na expressão e
reprodução de ideologias. Assim, para termos alguma compreensão das ideologias que
formam o pensamento e a linguagem de uma dada comunidade, é essencial que estudemos a
produção discursiva dessa comunidade, ou o seu discurso.
O discurso vem sendo estudado sob diversos ângulos teóricos e analíticos. Essa
diversidade se reflete nas diferentes tendências da análise do discurso. Mas é na análise do
discurso de linha francesa de Michael Pechêux (1982) e na análise crítica do discurso (ACD)
de Norman Fairclough (1995a, 1989) que encontramos as duas principais linhas teóricas que
estudam o discurso sob uma perspectiva política e ideológica. Segundo Fowler (1991), a
lingüística crítica, termo precursor da ACD “propõe que a análise que usa as ferramentas
lingüísticas apropriadas, e que se refere a um contexto histórico e social relevante, pode trazer
à tona, para fins de identificação, uma ideologia que normalmente está escondida na
habitualidade do discur so” (FOWLER, 1991: 89).
Nas ciências sociais e humanas, “crítica é freqüentemente usada para se referir às
perspectivas teóricas e metodológicos que objetivam alterar a ordem social e política
existentes”. Para Fairclough (1989:5), “crítica é usada no sent ido especial objetivando apontar
conexões que possam estar ocultas às pessoas – tais como as conexões entre linguagem, poder
e ideologia”.
Nessa perspectiva, o autor (ibid:1) define os dois objetivos da ACD:
O primeiro (mais teórico), corrigir o grande descaso em relação à significação da
linguagem na produção, manutenção e mudança nas relações sociais do poder, e o
segundo (mais prático), aumentar a conscientização de como a linguagem contribui
para o domínio de algumas pessoas sobre as outras, tendo em vista que a
conscientização é o primeiro passo para a emancipação.
Na análise do discurso “tradicional”, em contraste com a análise não-crítica, as
motivações dos usuários da língua não são necessariamente exploradas, e são assumidas como
neutras, a menos que sejam demonstradas de alguma forma. A ACD, ao contrário, envolve a
análise ideológica do conteúdo textual que está implícito, e sempre com base no pressuposto
de que textos não são tão neutros quanto podem parecer (contrapondo à análise
“convencional”). Isso ocorre porque os processos sociais que levam a escolhas lingüísticas
conscientes estão escondidos ou opacos em suas realizações lingüísticas (CHARTERISBLACK, 2004:30; 2005).
Há de ressaltar aqui que a abordagem cognitivista, ao contrário do que alguns críticos
podem acreditar, de modo algum rejeita a indissociabilidade entre discurso e ideologia, mas
considera o discurso político necessariamente um produto de processos mentais individuais e
coletivos. Um exemplo prático do enfoque cognitivo no discurso político encontra-se nos
trabalhos de van Dijk (1990, 1993, 2002). Este enfoque se propõe a mostrar como o
conhecimento político, discurso político e ideologias políticas envolvem armazenamento na
memória (estrutura mental abstrata) em longo prazo, também conhecida como “esquemata” e
memória sócio-política (ou semântica), constituída pelo conhecimento e pelas atitudes,
ideologias, valores e normas. Nessa perspectiva, a política, cognição e o discurso são vistos de
forma integrada.
Van Dijk (ibid) argumenta que discurso e política podem ser relacionados de duas
maneiras: (a) no nível sócio-político da descrição: processos e estruturas políticas são
constituídos por eventos situados, interações e discursos de atores políticos em contextos
políticos e (b) no nível sócio-cognitivo da descrição: as representações políticas
compartilhadas estão relacionadas às representações individuais desses discursos, interações e
contextos.
Acreditamos assim que a análise crítica do discurso requer uma abordagem
multidis ciplinar por envolver os estudos das relações intrínsecas entre texto, fala e cognição
social, ou seja, o sistema de representações mentais e processos usados por membros de
comunidades discursivas. Parte desse sistema é o conhecimento sociocultural compartilhado
pelos membros de um determinado grupo, sociedade ou cultura, lembrando que membros de
um grupo podem também compartilhar crenças avaliativas, tais como opiniões organizadas
em atitudes sociais (van DIJK, 1997b:18).
Neste estudo, rejeitamos, assim, a dicotomização entre cognição e discurso, com todas
as práticas sociais e contextos culturais a este último relacionado. Por essa razão, acolhemos
como referência teórico-metodológica a Análise Crítica da Metáfora (ACM) que adota essa
postura mais abrangente.
3.5 Análise crítica de metáfora
Segundo Vereza (2005), a Análise Crítica da Metáfora (ACM) “investiga a dimensão
político- ideológica da figuratividade”. A autora acrescenta que Charteris-Black (2004, 2005)
“apresenta um trabalho sólido nessa área, com alguma influência da Análise Crítica de
Discurso de Fairclough” (ibid). Entretanto, as abordagens críticas nos estudos do discurso,
especialmente a ACD, raramente se direcionam aos encalços cognitivos do discurso. Mais
especificamente, os relatos sobre a metáfora são parcimoniosos, referindo-se, em sua maioria,
às expressões metafóricas apenas como um recurso lexical ou retórico, e não como um
fenômeno de natureza cognitiva (van DIJK 1998: 45; FAIRCLOUGH, 1995:70).
Para Charteris-Black (2005), a análise crítica da metáfora pressupõe, ao contrário da
análise puramente cognitiva, uma visão de ideologia, por um lado, e de persuasão, por outro,
sendo que ambas instâncias são características essenciais do discurso político. Seguiremos
essa abordagem na nossa análise de corpus por acreditarmos que a ACM trará uma
contribuição substancial para a identificação das ideologias que subjazem às falas do
Presidente Bush e de seus colaboradores de governo.
Acreditamos que em discursos planejados, muito do pensamento é lingüística e
pragmaticamente traduzido pelas metáforas que são escolhidas para formar o quadro geral do
tema a ser abordado. Em conversas espontâneas, a grande parte da linguagem figurada usada
resulta de processos cognitivos inconscientes subjacentes, enquanto que em discursos
planejados a metáfora pode, freqüentemente, refletir decisões pragmáticas conscientes
(ibid:2005).
O “verdadeiro” político, aquele que usa um sistema coerente de metáforas (por
exemplo: NAÇÃO É PESSOA) pode argumentar que elas são simplesmente palavras, rótulos
convenientes e que apenas descrevem com precisão a natureza do fenômeno político. Mas,
após a introdução do paradigma cognitivo, sabemos hoje que as metáforas não são tão
somente palavras quando empregadas em partes significativas de um texto escrito ou oral. Na
verdade, elas podem ser entendidas como “realidade”, possibilitando, assim, a formação de
uma base e motivação para determinadas ações.
Para ilustrar esse efeito “cognitivo - pragmático” da metáfora, citamos o caso descrito
por Lakoff (2003) da então intervenção de Cuba em Angola, que foi vista como
“expansionista” em contraste à “intervenção” dos Estados Unidos em El Salvador, que não foi
considerada da mesma forma pela mídia americana e por grande parte da mídia
internacional10 . Para citar um outro exemplo, enquanto os Estados Unidos lutavam para ter
somente dois países como potências mundiais, na época da Guerra Fria (E.U. A e a ex-União
Soviética) não havia interesse por parte do governo americano de que houvesse uma terceira
potência 11 . Por ser um país rico, havia o interesse em promover a conceptualização dos países
mais pobres como “crianças/infantis” (subdesenvolvidos, em desenvolvimento) e, assim,
ajudá-los e “mantê- los na linha”, dando a entender que, um dia, eles seriam
“grandes/maturos” (“desenvolvidos”) se aceitassem e seguissem os conselhos dos mais
experientes (no caso, os americanos). Seria difícil acreditar que tais casos pudessem ser vistos
como caracterização de uma realidade “objetiva”, pelo menos, no sentindo de uma realidade
existente antes de sua representação por conceitos e palavras. Essas projeções, com base em
interesses, acabam sendo consideradas a realidade “objetiva” sobre as quais os estados de
fato, operam, embora essa não seja a única realidade possível (CHILTON, 1993, 2004).
As metáforas, assim, se fazem presentes nos discursos políticos por omitirem
importantes aspectos do que é real, persuadirem por meios pacíficos e refletirem um sistema
compartilhado de crenças sobre o mundo e sobre o lugar da humanidade nesse mundo
(CHATERIS-BLACK, 2005:xii:20). Por isso, é essencial que saibamos que realidades elas
estão omitindo e quais estão ressaltando.
A partir dessa perspectiva, propomos, neste trabalho, a análise crítica da metáfora no
discurso político, tendo como foco principal o domínio da guerra e, como derivados desse, o
do crime e o da política internacional.
Através dessa análise crítica, pretendemos mostrar que líderes são capazes de
mobilizar seus seguidores por meio de seus desempenho s discursivos e que, por essa razão,
10
11
http://www.alternet.org/module/printversion/2219, 01/06/2000.
http://www.zmag.org/55qa.htm, 09/05/2005. .
nos grandes modelos de democracia, a liderança e o poder são legitimados através do
discurso. Segundo Chilton (2004:23), a metáfora tem um papel preponderante na legitimação
e deslegitimação de idéias e ações. Os políticos, por exemplo, que baseiam suas metáforas no
léxico de conflito – empregando palavras tais como “batalha” e “luta”, como identificadas na
presente pesquisa - têm o poder de suscitar emoções como orgulho, raiva e ressentimento, que
são associadas ao combate físico. Essas emoções evocam fortes sentimentos de antagonismo
em relação a uma entidade que eles identificam como “os inimigos” - ou o vilão – e fortes
sentimentos de lealdade e afeição a um sujeito herói, tipicamente eles mesmos (CHILTON,
2004).
Assim, quando essas metáforas são usadas na política, elas transferem um conjunto de
associações e crenças psicológicas, com base cultural, que temos sobre a noção de conflito
para assuntos políticos, nos levando, dessa forma, a pensar sobre eles de uma forma
específica.
Para analisarmos esses efeitos, utilizaremos a análise crítica da metáfora, uma vez que,
esta oferece um aparato adequado para se investigar sistematicamente a linguagem e o
pensamento figurados a partir de um enfoque tanto cognitivo quanto pragmático do discurso.
3.6 Visão Cognitiva versus Visão Pragmática da metáfora
Distinguir ou separar o papel cognitivo do pragmático na metáfora não é uma tarefa
fácil. Isso porque, segundo Charteris-Black (2005), o desenvolvimento de um esquema
conceptual envolve escolhas lingüísticas. Conseqüentemente, as características cognitivas da
metáfora não podem ser tratadas isoladamente da sua função persuasiva no discurso. O valor
do enfoque semântico-cognitivo é a adoção de um conjunto unificado de critérios para a
classificação de metáforas, permitindo, assim, comparações precisas de como a metáfora é
usada em diferentes domínios do discurso (ibid).
A fim de entender por que uma metáfora conceptual tem preferência sobre uma outra,
precisamos necessariamente considerar as intenções, crenças do falante/escritor e esses
mesmos elementos em relação ao receptor dentro de contextos específicos. É um engano
considerar o fato de que uma língua por ter uma sintaxe convencional, semântica e um léxico
definido que as falas construídas dentro dessa organização serão compreendidas como
desejadas por parte de falante/escritor (GREEN, 1989). A metáfora não é um recurso apenas
do sistema semântico, mas sim uma questão que diz respeito à escolha do falante/escritor, ou
seja, uma questão pragmática. Como argumenta Chilton (2004), a metáfora deve ser estudada
não como parte apenas de uma teoria cognitiva, mas também dentro de sua relação com o
discurso (CHILTON, 1993: 08). Para isso, é necessário compreender as três principais
dimensões discursivas da metáfora: a persuasão, a emoção e a avaliação.
3.7 Persuasão, Emoção e Avaliação
Hague et al., citando Miller, (1991:390), sugerem que o processo político envolve
tipicamente persuasão (uma função do discurso de múltiplas camadas que é o produto de uma
interação complexa entre intenção, escolha lingüística e contexto – aspectos da pragmática
considerados na nossa pesquisa) (CHARTERIS-BLACK, 2005: 30; GREEN, 1989) e
barganha. No que se refere à persuasão, podemos concebê-la como processo comunicativo
interativo em que a mensagem do emissor objetiva influenciar as crenças, atitudes e
comportamento do seu receptor (ibid). Na persuasão, o papel ativo do emissor é caracterizado
por intenções deliberadas: persuasão não ocorre por acaso, mas é motivada pelo propósito
comunicativo do emissor. Embora o papel do receptor seja passivo, para que a persuasão seja
mais bem sucedida a mensagem precisa atender aos seus desejos, necessidades e imaginação.
(ibid: 09-10).
Na verdade, o processo comunicativo da persuasão nos leva à noção clássica de
pathos: a habilidade do falante/escritor em levar emoções ao público (ibid:13).
A metáfora, portanto, é vista como um tropo eficaz em realizar o objetivo subjacente
de persuadir o ouvinte/leitor por parte do falante/escritor por causa do seu potencial de nos
emocionar. Goatly (1997:158), citando MacCormac (1990), enfatiza a importância do impacto
emocional da metáfora e argumenta que é por isso que ela é muita usada na poesia e em
outros gêneros literários. Por causa do potencial da metáfora de suscitar a emoção, ela é muito
freqüentemente usada na linguagem persuasiva; entretanto, o efeito de determinadas
metáforas variará de acordo com a percepção lingüística e pragmática do usuário da língua.
Afinal, a metáfora se respalda na interpretação (CHARTERIS-BLACK, 2004). Hunston e
Tompson (2005:05) se referem ao papel da metáfora na avaliação, um termo amplo para
designar atitudes, pontos de vistas ou sentimentos por parte do falante/escritor sobre aquilo
que estão falando. A metáfora também se refere à articulação de pontos de vistas e de como
nos posicionamos discursivamente em relação a eles. Isso, talvez, explique uma relação bem
próxima entre avaliação e metáfora.
Há um outro aspecto discursivo - pragmático da metáfora que é ressaltado por
Cameron e Low (1999b:86):
A metáfora não somente encobre uma proposição do discurso direto, como se nada
literal fosse dito, mas ela tem a vantagem inestimável de combinar o fato de que o
falante não pode ser responsabilizado pela mensagem, com o respaldo de que há uma
mensagem proposta que não pode ser discutida abertamente.
Com base nessa afirmação, não concordamos inteiramente com Carter (1997:145)
quando diz que “a metáfora é um risco criativo”. Freqüentemente, e em particular no discurso
persuasivo, a metáfora reduz o risco, salvaguardando a face.
Enfim, como podemos observar, partiremos para a nossa análise de corpus com a
proposta de um enfoque que contempla a lingüística cognitiva, a pragmática e a análise crítica
do discurso. Vimos que a metáfora tem um importante papel persuasivo ao evocar respostas
de grande impacto emotivo, priorizando uma determinada interpretação de um texto em lugar
de outra. E é esse papel que constitui a base ideológica e retórica da metáfora. Para ilustrar o
efeito ideológico da escolha de determinadas metáforas e não de outras, citamos o uso de
“terrorismo” e “cruzada”, a partir de diferentes conceitos subjacentes ao uso da metáfora.
Enquanto G. W. Bush usou o conceito metafórico POLITICA É RELIGIÃO, bin Laden usou
o conceito metafórico CONFLITO É RELIGIÃO (ROHRER, 2004). Entendemos que esses
conceitos estão relacionados à noção de Clausewitz (2003) de que GUERRA É POLÍTICA
CONTEMPLADA DE OUTRAS MANEIRAS para mostrar que o conceito de terrorismo
emerge de uma interação entre os domínios da política, religião e conflito. Isso é interessante
porque se terrorismo pode ser interpretado tanto pelo viés político como pelo religioso, tornase claro, então, que há uma construção de base ideológica. Isso mostra, assim, que a metáfora
pode ser usada para explorar e legitimar ideologias.
3.8 A abordagem do discurso de G W. Bush Jr e de seus colaboradores sob a
perspectiva da ACM
Com base no que foi discutido neste capítulo, focaremos as falas do Presidente Bush e
de seus aliados desde 12 de setembro de 2001, passando pelas pré- guerras do Afeganistão e
Iraque sob uma perspectiva da análise crítica da metáfora, dando destaque a ideologia e
crença através da análise das metáforas referentes a crime, guerra e política internacional.
Assim sendo, pretendemos realizar uma análise micro (materialidade do discurso) em
articulação com o macro (instâncias ideológicas e suas relações com as metáforas conceptuais
que de certa forma estão representadas por mitos).
Como a metáfora se dá por meio de mapeamentos de elementos de um domínio fonte
para os de domínio alvo, consideraremos necessário, antes mesmo da análise, explorarmos, no
capítulo a seguir, aspectos do domínio fonte “guerra” que consideramos relevantes, uma vez
que servirão de base para as conceptualizações metafóricas em foco nesta pesquisa.
4. A GUERRA CANÔNICA VERSUS A GUERRA COGNITIVA
“Eu sou a mãe de todas as cousas, a grande força que gera e transforma as
sociedades; eu sou seu mais poderoso meio de expressão. Tribunal da História, eu
peso, eu julgo e modelo o mundo; eu faço os Deuses e os Reis, os senhores e os
escravos. Eu fascino os Homens, e mesmo a Paz vive por mim fascinada”.
Eu os posso colocar frente a frente, até a morte, o Irmão contra Irmão, eu posso
arrancar aos milhares e milhões o Filho do Pai, o Esposo da Esposa, a todos
exaltando o seu sacrifício.
Desde que o Homem existe, e ao correr dos séculos, eu tenho, sobre o planeta Terra,
feito eclodir, sem descontinuidades marcantes, a flama brilhante de meus incêndios e
o estrondo de minhas batalhas. Não há ano, não há lugar onde eu não tenha
aparecido.
Eu tenho sido a grande ilusão: as nações me tomavam por meio, mas era eu que
finalmente lhes impunha meus fins inesperados, desfazendo regimes, estados e
sociedades; os exércitos me preparavam e, nos seus confrontos, acreditavam me
conquistar, mas eu era que, em último recurso, desfazia os exércitos, pois nenhum
sairia ileso do caminho de minhas batalhas. Eu sou um fim, que se mascara em meio”
(BOUTHOUL; CARRIERE, 1979:13).
Quando o homem primitivo habitava este planeta, a luta já fazia parte do seu
cotidiano. Ele lutava contra a natureza para vencer as adversidades do meio em que vivia,
além de capturar animais para sua sobrevivência. Enfim, era uma luta pela preservação da
vida. Além disso, a convivência com o seu semelhante e a intolerância geraram
desentendimentos, discórdias e brigas entre irmãos – pela disputa de alimentos, de fêmeas, de
espaço ou mesmo para a satisfação de suas paixões e outros interesses. E, dessa forma, o uso
da violência passou a ser comum também entre os homens, em lutas pessoais e de grupos
(CARMO CESAR, 2004:1).
Estava, assim, inventada a guerra, ou seja, “um ato de violência destinado a forçar o
adversário a submeter-se à nossa vontade” (CLAUSEWITZ, 2003: 7). Já para Preston e
Wise:4) a guerra pode ser definida como “qualquer conflito entre grupos rivais, por força das
armas ou outros meios, que tenha reivindicações para ser reconhecido como um conflito
legal”.
Para melhor entendermos esse fenômeno, apresentaremos na próxima seção, alguns
dos elementos que, a princípio, caracterizariam o conceito canônico de guerra, ou seja, a
guerra “literal”, tendo em vista que a metáfora conceptual central dessa pesquisa (O
EVENTO/ACONTECIMENTO “X” É UM ATO DE GUERRA) tem a “guerra” como seu
domínio- fonte.
4.1 Reflexões sobre a guerra
De acordo com Carmo Cesar (ibid:5), “a natureza da guerra primitiva está
intimamente relacionada ao estado da organização social, política e econômica da sociedade
primitiva”. Há mudança nos métodos de se fazer a guerra se ocorrem mudanças na
organização de grupo ou como resultado de influências de outras culturas. Tal mudança pode
surgir do domínio de uma técnica ou da evolução das instituições políticas, como a realeza.
Nas sociedades mais progressistas, a guerra é uma condição que é distinguível de
muitas outras formas de violência pelo fato de que ela é uma forma legitimada de
comportamento por parte de certos grupos da comunidade (ibid).
A guerra, então, é um fenômeno social, cultural, político ou militar? Afinal, o que é a
guerra? Qual a sua natureza? Sua filosofia? Há muito, o homem se preocupa em compreender
a arte da guerra, e alguns pensadores vêm refletindo e registrando suas idéias sobre esse
fenômeno complexo. Entre esses pensadores, Sun Tzu, um filósofo e também general, propôs
teorias de como conduzir soldados há 2500 anos, na China.
Seu tratado, conhecido como A Arte da Guerra, trata da condução da guerra, da
preparação de planos, variações de táticas, manobras, ataque pelo fogo, além de apresentar a
máxima aparentemente paradoxal em relação à característica central da guerra:
“O mérito supremo consiste em quebrar a resistência do inimigo sem lutar” (ibid).
Em 1895, Clauwsevitz (1780-1831), após as guerras napoleônicas, começava a
escrever uma obra que viria a ser um clássico – Da Guerra. Dentre as afirmações do escritor,
resultado de suas experiências bélicas que nos ajudam a entender a natureza do fenômeno,
podemos destacar:
“A guerra é um ato de violência com a finalidade de fazer o nosso oponente obedecer
à nossa vontade”.
“O desarmamento ou destruição do inimigo... ou ameaça disto... dever ser sempre o
objetivo da guerra”.
“... na guerra, cada facção tenta dominar a outra, há uma ação recíproca que pode
chegar até a extremo”.
A relação entre, a guerra, o poder e a política também é ressaltada por Clausewitz
(ibid):
“A guerra é um ato político... e também um eficiente instrumento político, uma
continuação do intercâmbio político e uma forma diferente de executá- lo”.
“Em nenhuma circunstância a guerra dever ser considerada uma coisa independente. A
política está intimamente ligada a todo o desenrolar da guerra e exerce contínua
influência sobre ela”.
“O mundo é um conjunto de Estados, cada qual com uma lei para si próprio. O
objetivo da política internacional é o poder. O poder é obtido e conservado por meio
da violência” (CLAUWSEVITZ, 2003:10).
Clausewitz (ibid: XIII) afirma ainda que “a guerra é encarada como um instrumento
racional de política nacional”. As palavras “racional”, “instrumento” e “nacional” são os
conceitos–chave do seu paradigma. Segundo o autor, a decisão de empreender a guerra
“deveria” ser racional, no sentindo de que deveria ser baseada numa avaliação de custos e
benefícios da guerra. A seguir, a guerra “deveria” ser instrumental, isto é, deveria ser
empreendida com vista à alcançar-se um objetivo. Desse modo, tanto a estratégia como as
táticas devem ser dirigidas para um só fim, que é a vitória. Por último, a guerra “deveria” ser
nacional, para que o seu objetivo seja a satisfação dos interesses de um Estado nacional e para
que se justifique que todo o esforço de uma nação seja mobilizado a serviço do objetivo
militar. Assim é a filosofia de Clausewitz para a guerra (2003). E, assim, iremos encontrar
essa transformação de um ato de guerra em um fenômeno de interesse nacional quando se
apresenta um ato de violência forçando o oponente (também visto como “inimigo”) a
obedecer aos nossos interesses. Como veremos em nossa análise, isso acontece nos atentados
de 11 de setembro: as torres gêmeas foram tratadas, metonimicamente, como nação, daí o
apoio “nacional” às futuras retaliações dos Estados Unidos.
Clausewitz acredita que falar em guerra sem falar de política internacional é algo
incompreensível. Os agentes das relações internacionais são Estados soberanos que, para
todos os efeitos práticos, podem ser considerados como pessoas. O desencadear da guerra ou
a conclusão da paz eram objeto de discussão por parte dos soberanos com base nos conselhos
dos seus estados- maiores quanto a possíveis lucros e perdas (ibid). A guerra seria nada mais
do que uma análise de custo e benefício. E é exatamente aqui que encontramos a metáfora
conceptual GUERRA É POLÍTICA CONTEMPLADA DE OUTRAS MANEIRAS. Como
veremos mais adiante, observamos, em nossa pesquisa, que a filosofia dessa metáfora é uma
das mais predominantes no discurso sobre política internacional do presidente norteamericano, George W. Bush Jr e de seus colaboradores.
Ainda de acordo com Clausewitz, a guerra é uma combinação dos aspectos militar e
político – a luta pelo poder; para ele, é uma condição fundamental da existência humana.
Contudo, na sua filosofia da guerra, Clausewitz dá prioridade à autoridade civil sobre a
militar, partindo do princípio de que os militares devem servir ao Estado, e não vice-versa, e o
Estado deve se orientar quase exclusivamente em direção àquilo que acreditam ser o interesse
nacional do país (2003: LXV). Nas atuais democracias, as decisões dos líderes, eleitos pelo
povo, adquirem grande legitimidade, já que esses líderes respaldam suas ações na
representatividade conferida pelo voto. Isso não quer dizer, no entanto, que decisões políticas
e militares não tenham que ser justificadas para ganharem legitimidade. O que não fica claro
aqui é se sempre os interesses da nação são de fato os interesses da sociedade de um modo
geral ou de seus dirigentes. Como veremos mais adiante, nos parece que os Estados Unidos
fazem ressurgir a filosofia política da guerra de Clausewitz em seus últimos conflitos e,
particularmente, nas invasões do Afeganistão e do Iraque, acionando, discursivamente, seus
sistemas metafóricos para justificar tais eventos/acontecimentos bélicos.
4.2 As limitações da guerra
A principal característica da guerra é o emprego da violência. Quando os meios
pacíficos não conseguem resolver uma disputa entre dois grupos humanos, a luta passa a ser
utilizada como instrumento de força de imposição da vontade de um sobre o outro, através da
qual se pretende alcançar a vitória. No âmbito de uma sociedade organizada, pode-se dizer
que quando a ação diplomática falha em alcançar os objetos políticos, o Estado recorre à ação
bélica, ou seja, ao emprego ostensivo e violento do poder, que passa a ser entendido como a
aptidão para fazer a guerra (CAMINHA, 1980: 20). A guerra, ou seja, o uso da violência,
segundo Carmo Silva (2004: 3), “quando inevitável, deve ser, entretanto, um meio através do
qual se deseja obter um fim, a solução de um conflito, e não um fim em si mesmo”.
Uma vez que o homem é um ser inteligente e criativo, ele tenderá a aperfeiçoar os
instrumentos de luta e os métodos de empregá-los. No inicio do Neolítico, por exemplo, há 10
mil anos, “quatro novas armas tremendamente poderosas entraram em cena: a funda, a adaga,
a clava e o arco, permitindo ao homem, a partir de então, manter a distância” (KEEGAN,
1995: 136-157). A guerra, portanto, “é um processo evolutivo e as armas tendem a alcançar
um poder de destruição cada vez maior” (CARMO SILVA, 2004:3).
Além das restrições morais e éticas, pelo menos dois outros tipos de fatores limitam a
guerra, afetando suas operações e diminuindo seu alcance, intensidade e duração (ibid):
Fatores geográficos ou permanentes: tempo, clima, estações, terreno, vegetação; e
Fatores conjunturais ou contingentes: dificuldades de suprimento, provisionamento,
aquartelamento e equipamento.
Normalmente, no plano de guerra, a derrota do inimigo, ou seja, a destruição de suas
forças militares, é o objetivo capital do ato de guerra (CLAUSEWITZ, 2003: 825).
Mas, infelizmente, hoje a atualização da guerra de Clausewitz é a guerra total, isto é, o
genocídio (CLAUSEWITZ, 2003: lxvii). O manual ROCT da Força Aérea dos Estados
Unidos, “Fundamentals of Aerospace Weapons Systems” (Fundamentos de Sistemas de
Armas Aeroespaciais), define um “alvo militar” da seguinte maneira: “Qualquer pessoa
(destaque nosso), coisa, idéia (sic.), entidade ou localidade escolhida para ser destruída,
inativa ou tornada inutilizável por meio de armas que reduzirão ou destruirão a vontade ou
capacidade do inimigo de resistir”.
Em nossa análise das marcas lingüísticas das metáforas conceptuais ligadas ao
domínio da guerra, levaremos em conta essas considerações que buscam explicitar as
características do domínio- fonte “guerra”.
4.3 Partes e elementos da guerra
Segundo Carmo Cesar (2004), a guerra, em que se confundem a ciência
(conhecimento sistemático e ordenado), a arte (execução prática, dependente da habilidade) e
a técnica (aplicação de métodos e processos), compreende três elementos fundamentais:
4.3.1 Estratégia:
Denominada a “arte dos generais”, é a parte responsável pelo planejamento e execução
da guerra como um todo e de suas operações militares de grande vulto. Ela escolhe onde,
quando e como empregar as forças e travar o combate.
4.3.2 Tática:
Parte da guerra que aplica as forças no campo de batalha. Ela é essencialmente
técnica, pois trata da disposição e da manobra das forças durante o combate deste ou na
iminência e de como realizar o engajamento e travar a luta, seguindo métodos e
procedimentos específicos.
4.3.3 Logística:
Responsável pelo movimento de todos os recursos necessários às forças militares. A
ela cabe o planejamento e a execução de todas as atividades relativas ao: suprimento e
manutenção de material; recrutamento, formação, qualificação e adestramento de pessoal;
transporte e movimentação de material e pessoal para a área de combate (mais uma vez
lembramos que não havia área de combate definida na época); além de apoio e assistência
moral e psicológica necessários à manutenção da eficiência combativa.
Carmo Cesar (2004:5), citando Fonseca e Silva (1978), argumenta que:
a estratégia é a combinação de esforços e direções para ganhar a guerra (guerras em
que não houve vitórias claramente declaradas), a tática, a combinação de choque
físico, fogo e movimento para ganhar a batalha e, finalmente, a logística, a
combinação de meios no tempo e no espaço para ganhar a guerra e as batalhas.
Devemos associar o tempo à estratégia, durante à tática e sempre à logística, mas as
três devem interagir, pois o fracasso de um pode acarretar sua própria derrota” (grifos
do autor).
Todos esses elementos considerados acima fazem parte da elaboração do plano de
uma guerra, que, por sua vez, é base de um ponto de vista militar. E quando o ponto de vista
militar se coloca frente no ponto de vista político, quem se submete a quem? Segundo
Clausewitz (2003: 873), a subordinação do ponto de vista político no ponto de vista da guerra
seria um absurdo, visto que foi a política que preparou a guerra: a política é a faculdade
intelectual, e a guerra é só o instrumento, e não inverso. A guerra nada mais é do que a
manifestação da própria política.
Concluímos nos perguntando se as características de guerra apontadas aqui estavam
presentes tanto no atentado de 11 de setembro quanto nas invasões do Afeganistão e do
Iraque. Como já afirmamos no Capítulo I, podemos constatar, pelos relatos da mídia, que o
ataque às Torres Gêmeas e ao Pentágono foi sendo gradualmente conceptualizado como um
“ato de guerra”. Pretendemos, nesta pesquisa, mostrar como metáforas conceptuais foram
acionadas para promover essa transformação e como, a partir dessa “ressignificação”, as
invasões do Afeganistão e do Iraque foram justificadas discursivamente por meio de
metáforas.
4.4 A guerra: uma abordagem cognitiva
Lakoff (1991, 2002, 2003) identificou e analisou algumas das metáforas conceptuais
que nutriram o discurso sobre a guerra do Golfo de 1990. Poderíamos, assim, dizer que a
visão cognitiva da guerra foi colocada, formalmente, em discussão. Para efeito de ilustração,
citamos a metáfora NAÇÃO É PESSOA, que, segundo Lakoff (2002: 71), é freqüentemente
usada para justificar a “guerra justa e moral” aliada a duas narrativas que têm a estrutura dos
contos de fadas clássicos: a história da autodefesa e a história do resgate. Em cada uma delas
temos a presença de um herói, um crime, uma vítima e um vilão. Na história da autodefesa, o
herói e a vítima são os mesmos. Em ambas as histórias, o vilão é sempre diabólico e irracional
e o herói não pode ponderar com o vilão. Não é dada nenhuma outra opção ao herói a não ser
lutar e derrotar o vilão, ou mesmo matá- lo e, conseqüentemente, resgatar a vítima (LAKOFF,
1991). Em ambas as histórias, a vítima tem que ser inocente, estando além de qualquer
reprovação; o crime é de responsabilidade do vilão, e o herói equilibra a moral do conflito
matando o primeiro. Sendo ambas as partes nações-pessoas, então as histórias da autodefesa e
do resgate tornam-se formas de uma guerra justa para a nação- herói. De acordo com Lakoff
(2003), é como se o herói fosse um “aliviador de dores”. O “alívio” é a forma de afastar a dor
ou o mal, graças ao “aliviador” (ibid:32).
A isso os lingüistas cognitivos chamam de “moldura”. É uma estrutura mental que
usamos para dar coerência cognitiva a experiências. A moldura do “alívio” é um exemplo de
um cenário de resgate onde existe um herói (o aliviador), a vítima (o aflito), um crime (a
aflição), um vilão (a causa da aflição) e um resgate (o alívio). O herói é sempre bom, o vilão
sempre mal e a vítima, depois do resgate, deve gratidão ao herói (ibid).
A existência de um vilão é, portanto, um fator essencial na moldura da guerra, que, por
sua vez, apoiar-se-ia na moldura do “conto de fadas”. Esse vilão, no caso da guerra canônica,
é lingüisticamente caracterizado pelo termo “oponente”, “inimigo” ou “adversário”, como
podemos verificar pelas afirmações sobre a guerra citadas anteriormente.
E no cenário internacional, os oponentes de uma guerra ou “os grupos rivais”
enquadrar-se-iam como “nações inimigas” ou “grupos étnicos inimigos”.
No caso das 1ª e 2ª guerras mundiais, por exemplo, temos um claro caso de nações em
guerra.
Na Segunda Guerra Mundial, os países europeus dividiram-se em três blocos: de um
lado, isolada, a Rússia Comunista; de outro, democracias liberais, junto com a Inglaterra e a
França; por fim, os Estados Fascistas (Itália e Alemanha) e, mais tarde, os Estados Unidos,
com a ajuda de países aliados.
A moldura da guerra, assim, a partir da estrutura do “conto de fadas”, coloca as nações
como “inimigos” (dependendo do ponto de vista, uma como herói, a outra como vilã), e como
motivo do conflito, a autodefesa e/ou o resgate.
Nesta pesquisa, partimos da hipótese de que o evento de 11 de setembro precisou ser
conceptualizado e lingüisticamente resignificado como um “ato de guerra” (um inimigo
atacando a nação-herói, deixando vítimas) para que uma retaliação, também de guerra, fosse
justificada como: a) autodefesa (no Afeganistão, a caça a bin Laden e à Al’Qaeda; no Iraque,
a procura das supostas armas de destruição em massa) e b) resgate (das vítimas, no próprio
país, dos Talibãs – caso do Afeganistão –, ou da ditadura de Saddam Hussein – no caso do
Iraque).
O objetivo da nossa análise é mostrar, assim, de que modo a moldura do CONTO DE
FADA (uma metáfora conceptual complexa) e do domínio- fonte da guerra serviram de base
conceitual para uma série de metáforas (conceptuais e lingüísticas) que estruturam o discurso
do presidente Bus h e de seus colaboradores, particularmente as justificativas discursivas para
as invasões que promoveram.
No capítulo seguinte trataremos da metodologia em que a análise (cap. 6) a ser
desenvolvida foi baseada.
5. INVESTIGANDO A METÁFORA CONCEPTUAL: QUESTÕES METODOLÓGICAS
Neste capítulo descreveremos a metodologia aplicada à pesquisa no que diz respeito
ao processo de escolha dos textos e o sistema aplicado para a anotação dos dados. O objetivo
principal dessa análise é tentar responder às perguntas de pesquisa propostas (ver abaixo).
Abaixo apresentaremos três objetivos gerais do estudo:
1. Mostrar como a metáfora conceptual dominante O ACONTECIMENTO/EVENTO
“X” É UM ATO DE GUERRA (de uma perspectiva de visão cognitiva, o que mais
importa em uma metáfora é a sua natureza conceptual que se evidencia nas falas do
Presidente George W. Bush Jr e de seus colaboradores). Ao usarmos o termo
“colaboradores” estamos nos referindo a membros diretos do governo Bush e seus
aliados internos ou externos, em discurso relatado, direta ou indiretamente, nos artigos
do jornal diário americano The New York Times. A minha hipótese é que essas falas,
em seu conjunto, fazem parte de um ou mais cenários metafóricos usados como
justificativa para convencer a sociedade americana e a comunidade internacional de
que as guerras do Afeganistão, principalmente, e a do Iraque foram conseqüências
daquele “ato de guerra”.
2. Revelar ideologias, atitudes e crenças que subjazem aos discursos enfocados por meio
da análise qualitativa do corpus.
3. Aprofundar, a partir das revelações do item 2, o entendimento da relação entre
linguagem, pensamento e contexto social. Assim, pretendemos, de um modo geral,
explorar e compreender as dimensões discursiva e ideológica das metáforas
conceptuais.
PERGUNTAS DE PESQUISA
1. Que metáforas de guerra podem ser identificadas nos artigos do The New York
Times relacionados aos acontecimentos de 11 de setembro de 2001?
2. Se a metáfora conceptual é um aspecto inescapável do pensamento humano, quais
são as possíveis interpretações e implicações dessas metáforas?
3. Como o discurso, a partir de 11 de setembro, passando pelas situações do
Afeganistão e Iraque, se modificou durante aquele período?
4. Considerando o fato de que guerra está intrinsecamente relacionada à política
internacional, existem evidências de outras metáforas conceptuais que podem interagir
com a metáfora dominante O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE
GUERRA?
Entendemos que, recentemente, um grande número de pesquisadores está mais
interessado na forma como a metáfora é criada, entendida e aplicada, o que, de acordo com
Gibbs (1999), ainda pode ser uma tarefa desafiadora. Segundo o autor, há várias formas de se
abordar a metáfora no discurso, o que pode, de certa maneira, intimidar alguns pesquisadores
dessa área do conhecimento.
Gibbs (ibid:30) propõe a seguinte lista com as possíveis abordagens da metáfora no
âmbito dos estudos lingüísticos. De acordo com o autor, a pesquisa sobre a metáfora pode
seguir uma das linhas gerais abaixo:
- Distinguir diferentes tipos de metáfora na linguagem.
- Distinguir metáfora de metonímia.
- Distinguir entre os processos e os produtos da metáfora.
- Distinguir processamento da metáfora de processamento metafórico.
- Distinguir como a metáfora interage.
- Reconhecer a motivação para a metáfora no pensamento e na linguagem no
pensamento e na linguagem.
Nesta pesquisa, seguiremos primeira das linhas de investigação propostas, na tarefa de
identificar e analisar as metáforas conceptuais em artigos jornalísticos, em língua inglesa, na
área da política, tendo como foco os acontecimentos e desdobramentos de 11/09.
A metodologia adotada será teórico-descritiva de cunho qualitativa.
DEFINIÇÃO DO CORPUS
O corpus consiste de 76 artigos, perfazendo um total de aproximadamente 83.117
palavras.
O uso da metáfora no discurso da mídia para caracterizar o domínio semântico de
guerra é investigado no gênero de mídia – artigos de jornal diário publicados no jornal
americano The New York Times (NYT) no período entre 11 de setembro de 2001 a 19 de
março de 2003 (dia em que as bombas pela primeira vez caíram sobre a cidade de Bagdá).
Decidimos escolher o corpus dentre das notícias categorizadas de “hard news” (BELL,
1991:12; FEDLER et al., 2001:112). Esse tipo de gênero foi escolhido devido à proeminência
cultural da linguagem da mídia impressa e de sua categorização de não ficção.
Como argumenta van Dijk (1982:12), entre quase todas as formas de texto impresso,
as da mídia de massa são as mais difusas, se não as mais influentes, quando julgadas pelos
critérios de força de ação dos receptores.
No que diz respeito à escolha do jornal citado como fonte de corpus da pesquisa,
podemos justificar:
a) Fundação do jornal: 1851.
b) Ampla circulação nos Estados Unidos e facilmente encontrado “on line”. É o
terceiro maior jornal dos Estados Unidos em circulação (atrás do “USA Today” e
do “The Wall Street Jornal”), com aproximadamente 1,1 milhão de exemplares
nos dias de semana e 1,7 milhão aos domingos. É interessante observar que estes
números são muito semelha ntes aos de dez anos atrás: permaneceram estáveis,
enquanto a maioria dos diários dos Estados Unidos e do mundo perdeu circulação
(ibid). O NYT tornou-se conhecido pelo volume e qualidade de suas informações.
Seu lema tradicional é “All the news that’s fit to print” (“Todas as notícias que
merecem ser impressas”). Sua cobertura internacional é a mais abrangente da
imprensa mundial.
c) É um jornal da cidade de Nova Iorque, onde os acontecimentos as Tôrres Gêmeas
aconteceram (11/09/01), embora o jornal também tenha coberto o Pentágono
(11/09/01) em Washington, D. C. e, naturalmente, os prelúdios das guerras do
Afeganistão (8/10/01) e do Iraque (19/03/03).
d) O jornal é recordista em número de prêmios Pulitzer em jornalismo pela cobertura
dos eventos de 11 de setembro (NYT, o de abril de 2002).
e) É considerado um jornal recordista e de reputação consagrada em excelência
jornalística (WINFIELD et al, 2002). Considerado um jornal de tendência liberal,
embora sua posição esteja ancorada no centro do espectro político, mostra-se
preocupado com a isenção informativa; para oferecer um equilíbrio opinativo, tem
colunistas de todas as colaborações políticas.
PROCEDIMENTOS NAS ESCOLHAS DOS TEXTOS
A seleção de textos- fonte se deu através dos artigos do The New York Times
(linguagem do século 21, inglês escrito, variante dos Estados Unidos). Nos artigos,
enfocaremos o discurso relatado direta e indiretamente do Presidente Bush e de seus
principais colaboradores. Só consideraremos artigos do The New York Times disponíveis em
forma eletrônica para facilitar a coletas de dados.
ANÁLISE DO CORPUS
A análise desenvolveu-se com base em Cameron (2003), Cameron e Low (1999),
Charteris-Black (2004, 2005), Deignan (1999), Lakoff (1991), Lakoff e Johnson (1980/2002),
e Musolff (2004):
1) Identificação dos textos da pesquisa: (a) os textos foram escolhidos no período
compreendido entre 11 de setembro de 2001 e 19 de março de 2003; (b) não
selecionamos artigos que não estejam diretamente ligados aos eventos mencionados
acima porque estariam além dos propósitos da pesquisa. Assim sendo, esses textos
compreendem o seguinte período histórico:
a) os Estados Unidos condenam os ataques (11/09/01);
alerta máxima de segurança foi acionado no país (12/09/01);
b) conselheiros ficaram divididos sobre a possibilidade de retaliação (20/09/01);
c) os Estados Unidos declaram guerra ao Afeganistão (09/10/01);
d) inspetores da ONU tentam encontrar provas de armas de destruição em massa no
Iraque, conforme acusação da administração Bush e colaboradores (01/03/03);
e) os Estados Unidos e a Grã-Bretanha pressionam a ONU para uma imediata
Resolução do Conselho de Segurança relativa a uma guerra contra o Iraque (07/03/03);
f) outros membros do Conselho de Segurança, como a França, Alemanha e Rússia,
tentam obter mais tempo para as inspeções de armas (07/03/03);
g) os Estados Unidos e Grã-Bretanha continuam a enviar tropas para o Golfo Pérsico
(19/03/03);
h) Presidente Bush e sua administração tentam obter o apoio da sociedade americana
pra a guerra contra o Iraque (19/03/03).
2) Identificação da metáfora: Identificar e separar cada texto (artigo de jornal) que
apresente metáforas lingüísticas no contexto/cenário de crime, guerra e política
internacional.
Os textos foram trabalhados manualmente, a partir de uma identificação de palavraschave metafóricas relacionadas a crime (crime) (e.g., punishment, crime, murder, victim,
perpetrator, judgment), war (guerra) (e.g., invasion, attack, kill, victim, defeat,) diretamente
relacionadas à metáfora conceptual dominante O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM
ATO DE GUERRA, assim como palavras-chave metafóricas relacionadas à política
internacional (ex.: outlaw, home territory, friends, bully).
3) Identificação dos elementos metafóricos dos não metafóricos.
4) Interpretação da metáfora: “Trata-se de estabelecer uma relação entre metáforas e
os fatores cognitivos e pragmáticos que as determinam (CHARTERIS - BLACK,
2004: 37; GREEN, 1989. Isto envolve a identificação de metáforas conceptuais. Neste
estágio “é possível considerar como as escolhas de metáforas são pro-ativas na
construção importante de uma representação social” (ibid:38).
5) Explicação da metáfora: trata-se da “identificação da agência social que está
envolvida na sua produção e no seu papel social de persuasão”. É através da
identificação da função do discurso que a metáfora nos permite estabelecer sua
motivação ideológica e retórica. (ibid:39).
6) Após a conclusão das etapas acima, organizaremos o trabalho de acordo com as
metáforas conceptuais proeminentes, dos cenários (A categoria “cenário” faz parte da
análise na medida em que é uma categoria analítica intermediária entre o nível do
domínio conceptual como um todo e os seus elementos individuais (MUSOLFF, 2004)
e sistemas metafóricos (LAKOFF, 1991) que estruturam o discurso enfocado, com
comentários sobre suas possíveis ideologias subjacentes e exemplos lingüísticos
encontrados no corpus.
UMA PERSPECTIVA DISCURSIVA NA LINGUAGEM RELATADA
Já que o corpus desse trabalho consiste de falas do presidente George Bush e de seus
colaboradores, direcionadas aos eventos de 11 de setembro de 2001, nas cidades de Nova
Iorque e Washington, D.C., e as conseqüentes guerras do Afeganistão e do Iraque, é
necessário explicitarmos as diferentes formas como essas falas foram relatadas no jornal
americano The New York Times.
Como vimos anteriormente neste estudo, a fala é a distinção marcante entre o primata
humano e o não - humano (TOMASELLO, 1999). Dentre os diversos tipos e gêneros de fala,
uma é tipicamente humana: somente o ser humano pode se referir a ele mesmo e ao outro.
A força e a flexibilidade da linguagem é extremamente ampliada quando ela é capaz
de se referir a uma fala dentro de outra. E esse processo é feito através de inúmeras formas. O
nosso corpus consiste apenas o do que Bush e seus colaboradores falaram sobre os eventos de
11 de setembro (os atentados às Torres Gêmeas e ao Pentágono nos Estados Unidos) e o que
aconteceu a partir de então – as invasões do Afeganistão e do Iraque.
Como apoio teórico, para nossas escolhas, adotaremos o enfoque de Geoff Thompson
(1994, 1996) - Voz, Mensagem, Sinal, Atitude e subcategorias.
Thompson aborda o discurso do ponto de vista funcional e não estrutural. De acordo
com o autor, ao citar Martin (1992:16), relatar o discurso constitui uma das “difusões
semânticas” ou “motivos semânticos” que “permeiam a gramática”, sendo modalidade e
causação outros exemplos. Cada motivo semântico é composto de um grupo de significados
que estão relacionados semanticamente, mas que podem ser realizados através de muitas
formas estruturais. Assim sendo, é difícil mostrar o valor semântico a que esses grupos estão
relacionados, a menos que sejam enfocados de cima (discurso) e não de baixo (estrutura).
Ainda segundo Thompson, a ênfase tradicional sobre o discurso direto e indireto e a
relação entre eles acontece possivelmente pelo interesse pela seqüência de tempos e backshift
(segundo Quirk; Greenbaum (1973:342), seria a alteração de tempo no sintagma verbal do
discurso indireto: presente para passado, passado para passado perfeito, por exemplo). Para
ilustrar a preferência pelo enfoque discursivo, Thompson argumenta que, de um ponto de
vista puramente gramatical, a relação entre uma citação e uma sentença relatada pode ser
aprofundada de uma maneira que não é verdadeira. Nas sentenças do mesmo evento de
linguagem :
A woman wished a heart attack on me two days ago, didn’t she? She said, “I hope you
have a heart attack.” (Uma mulher me desejou um ataque cardíaco, não foi? Ela disse,
“Espero que tenha um ataque cardíaco”).
O exemplo, diz Thompson, indica um dos fatos cruciais com que o enfoque gramatical
raramente consegue lidar: muitos relatos são expressos por várias estruturas além de citações
ou sentenças relatadas. Assim, como Thompson argumenta, enfocar gr amaticalmente o
discurso relatado é limitar-se à sua estrutura identificável. Entretanto, o autor acredita que é
desejável organizar uma lista o mais extensa possível de características estruturais e lexicais
que possam ser usadas para identificar os sinais de relato.
É inquestionável que a análise do discurso do relato jornalístico e, mais
especificamente, da relação entre o relato e a linguagem original, e a análise lingüística da
linguagem relatada têm um papel importante na compreensão da linguagem jornalística (van
DIJK, 1988; FAIRCLOUGH, 1992; SEMINO; SHORT, 1981).
Thompson entende como linguagem relatada qualquer trecho de linguagem em que o
falante ou escritor de alguma maneira sinaliza a outra voz entrando no texto, seja de uma
forma explícita, camuflada ou ambígua. Um conjunto de critérios funcionais é usado para a
identificação de discursos relatados (MAINGUENEAU, 1991). Tal enfoque dá conta de um
número maior de relatos, incluindo aqueles que normalmente não são contemplados no que
está associado ao que chamamos de “discurso indireto”.
Na verdade, não há uma base formal consistente para identificar uma gama enorme de
categorias como discurso relatado. O enfoque lexical parece ser mais promissor, uma vez que
um grande número de casos de discurso relatado está associado à presença de sinais lexicais
claramente identificáveis, como os verbos que relatam. Entretanto, embora o enfoque lexical
possa ser esclarecido mais facilmente do que o enfoque estrutural, nos exemplos 1, 2, 3, 4:
(1) It’s a case of “reform or die”, according to Jasper Becker. (É um caso de
“reformar ou morrer”, de acordo com Jasper Becker.)
(2) The King congratulated him again on his patriotism and loyalty. (O Rei
parabenizou-o novamente por seu patriotismo e lealdade)
(3) In Paris you must, apparently, have a lover or a dog. (Em Paris, aparentemente,
você deve ter um amante ou um cachorro).
(4) Jackie Mann, his wife says, has not been awfully well lately. (Jackie Mann, diz sua
esposa, não está muito bem ultimamente.)
(5) He was eighteen this year so he was able to vote. He was going to vote Labour,
he didn’t like Mrs. Thatcher. (Ele fez 18 anos este ano e pode votar. Ele iria votar no
partido dos Trabalhadores, ele não gostava da Sra. Thatcher.)
ele não resolve o número (5), que é, contudo, um caso claro de relato de discurso,
exatamente como os outros exemplos o são. Assim sendo, a preferência por um enfoque mais
abrangente de tipos de discurso relatado nos ajuda a inserir essas formas discursivas nos seus
contextos mais amplos de significações da linguagem, possibilitando uma maior compreensão
da natureza desses discursos.
Thompson (1994) afirma que há três tipos básicos para se referir a outros trechos do
discurso, a seguir:
1) repetir parte do discurso mais ou menos como foi originalmente dito-citação ou
discurso direto:
Ex: “I’d forgotten he was a gourmet cook ,” Walter joked. (“Esqueci que ele era um
cozinheiro de alto nível”, brincou Walter).
2) relatar parte do discurso usando suas próprias palavras: discurso relatado ou
discurso indireto:
Ex: He admitted that much work still needed to be done. (Ele admitiu que havia muito
trabalho a ser feito.)
3) relatar a ocorrência de uma parte do discurso sem realmente dizer o que foi dito ou
escrito. (relatos de discurso):
Ex: In Sweden, Descartes was forced to rise at 5:00 am. in cold weather in order to
converse with the queen.(Na Suécia, Descartes era obrigado a levantar-se às 5 da
manhã no inverno para conversar com a rainha)
Ainda de acordo com Thompson (1996:507), o discurso “original” nos aponta a
pessoa que está sendo relatada e o que ele/ela disse, enquanto o evento relatado nos mostra o
relator e o fato que ele/ela está relatando sobre o que um outro disse. A partir daí, o relator
pode escolher e identificar quatro dimensões relativamente independentes:
(a) voz (quem ou o que está apresentado como a fonte do discurso relatado);
(b) mensagem (a maneira pela qual a função ou o conteúdo do discurso “original” é
apresentado);
(c) sinal (a maneira pela qual o relator afirma que se trata de um discurso relatado);
(d) atitude (a avaliação da mensagem ou do falante original pelo relator).
Na presente pesquisa somente consideraremos voz aquele trecho do discurso que possa
ser usualmente identificado ou atribuído claramente ao emissor da fala “original”; isto é, com
a presença de sinais de relato identificáveis, pois, assim, acreditamos, teremos uma
credibilidade maior na atribuição do verdadeiro emissor das falas, evitando dúvidas quanto às
fontes de ideologias atreladas às metáforas conceptuais identificadas naqueles discursos.
Assim, em voz, trabalharemos somente com os grupos a seguir, dentre outros
identificados por Thompson (ibid): o próprio (self); o(s) outro(s) especificado(s) (specified
other(s) e o(s) outro(s) não especificado(s) (unspecified others)). É importante ressaltar que
no último grupo, embora o falante/escritor opte por não especificar a fonte, essa mesma fonte
é, em princípio, identificável. O contexto pode, de fato, tornar a fonte completamente não
ambígua, por exemplo:
(a) It was claimed that the platypus laid eggs. (Afirmou-se que os ornitorrincos
colocam ovos). Os cientistas que fizeram a declaração já foram anteriormente
mencionados.
No que diz respeito, à mensagem, optaremos somente por aqueles grupos que, de certa
forma, deixam clara a maneira como a mensagem pode ser tratada. Isto é, até onde a
mensagem apresentada está perto do ato de escrever ou falar “original” do falante/escritor.
Neste estudo faremos uso da:
(A) Citação, normalmente reconhecida pelo uso de aspas ou outras convenções
especializadas como: traço, recuado em ambas as margens, etc); por exemplo
(a) I said, “I’m going out.” (Eu disse, “Estou saindo.”)
(b) I say, “Well I’m not committing myself to either till I find out what Liz wants us to
do” – I put it in a nicer way, I think. (Eu digo, “Bem eu não vou me comprometer com
nenhum dos dois até que eu descubra o que a Liz quer que nós façamos” – Eu coloco
isso de uma forma mais suave, eu acho.)
(B) Paráfrase do tipo:
(a) “He wrote that the situation was neither new nor surprising.” (Ele escreveu que a
situação não era nem nova nem surpreendente.)
(b) “According to Simom, they spent an interesting evening looking at photos.”
(Segundo Simon, eles passaram uma noite interessante vendo fotos.)
(c) “He ordered her to keep silent.” (Ele mandou que ela fizesse silêncio).
Muito embora os sinais da interação original não estejam presentes no relato, não há
dificuldade alguma de se atribuir o significado da paráfrase ao falante /escritor. As paráfrases
estão tradicionalmente relacionadas à categoria do “discurso indireto”, segundo Thompson
(1996:515).
C) Sumário:
(a) Tom’s boss demanded a pledge of loyalty from him. (O chefe do Tom exigiu dele
um voto de lealdade.)
(b) He apoligized for disturbing their Sunday dinner. (Ele pediu desculpas por ter
tumultuado o seu jantar de domingo.)
Thompson nos alerta para o grau de semelhança entre a paráfrase e o sumário
conforme:
(a) Life is full of the promise of spring. Yet the French are grumbling that they have
too much time off to enjoy all this. (Paráfrase) (A vida é repleta de promessas de
primavera. Contudo os franceses estão reclamando que eles têm muito tempo para
aproveitar tudo isso). Aqui o foco está no que os franceses estão dizendo.
(b) People were grumbling about a sick economy as they celebrated the bicentennial.
(Sumário) (As pessoas reclamavam de uma economia fraca enquanto celebravam o
bicentenário). Neste caso, o foco está na explicação do porquê eles estão reclamando.
Sem dúvida, tem-se uma indicação do que foi dito.
A forma como o relator sinaliza um trecho do discurso de outro na mensagem pode ser
variada também. Por exemplo:
(a) British Coal said it could only damage the industry. (A companhia Britânica de
Carvão disse que isto só poderia prejudicar a indústria).
(b) She sat calmly through the film despite the usherette’s protestations that she was
under age. (Ela sentou-se calmamente assistindo ao filme apesar dos protestos do
lanterninha de que ela era menor de idade).
(c) Then he said gently, “How have you been, Hannah?” (Então ele disse gentilmente,
“Como está, Hannah?)”.
(d) Her complaint was that the meeting had been boring. (Sua reclamação foi de que
a reunião tinha sido chata.)
(e) As Voisin points out, without earthworms there would be no civilisation. (Como
Voisin apontou, sem minhocas não haveria civilização.)
(f) But she could not really see herself with whatever it was: vase, or rug or necklace,
trying to sell it. No, that was out. (Mas ela não pôde realmente se ver como o que quer
que fosse: tentando vender um vaso, ou tapete ou cordão. Não, isso era impossível.)
(g) She is “good with people”, a talent that Evelyn envies. (Ela é “boa com pessoas”,
um talento que Evelyn inveja).
Ainda de acordo com Thompson (1996), há a avaliação do relator em relação ao
discurso relatado. Logo, a escolha de verbos como reclamou, criticou, elogiou, por exemplo,
indicam a avaliação do escritor acerca da força ilocucionária da mensagem relatada (é só um
comentário de “X” ou, por exemplo, uma crítica/elogio de “X”). Entretanto, fica claro que tal
dimensão avaliativa não faz parte do escopo desta pesquisa, uma vez que a atitude do
jornalista face à verdade ou à propriedade do discurso relatado é, na maior parte dos casos,
irrelevante para o nosso propósito.
Com bases nesses procedimentos metodológicos aqui relatados, desenvolveremos a
análise de corpus no próximo capítulo.
6. ANÁLISE CRÍTICA DA METÁFORA: DA AUSÊNCIA DE PALAVRAS AO ATO DE GUERRA
6.1 Introdução.
Considerando, como vimos no capítulo anterior, o papel determinante da metáfora em
moldar consciências (LAKOFF, 1996), uma análise das metáforas conceptuais subjacentes
aos relatos envolvendo os atentados de 11 de setembro de 2001 e os acontecimentos
anteriores às guerras do Afeganistão e Iraque pode nos ajudar a compreender como a
aceitação e o apoio da maioria dos americanos a essas guerras foram, em parte, determinados
pela linguagem metafórica presente na mídia, na época.
Os fatores históricos determinantes da aprovação das guerras mencionadas pelo
público de modo geral foram extremamente complexos, e não é a nossa intenção atribuir essa
recepção favorável apenas às metáforas por meio das quais as guerras foram apresentadas.
Entretanto, uma análise da linguagem figurada usada em diversos textos sobre a crise em
questão no jornal The New York Times, a fonte de pesquisa deste trabalho, indica um papel
claro dessas metáforas como ferramentas, diretas ou indiretas, de persuasão.
Como já afirmamos, as expressões metafóricas citadas neste estudo foram publicadas
pelo The New York Times durante o período entre 12 de setembro de 2001 a 20 de março de
2003, quando eclodiu a guerra do Iraque propriamente dita. Depois de analisar essas
expressões, verifiquei que poderiam ser licenciadas por diferentes metáforas conceptuais, do
tipo estrutural, sendo a mais central e abrangente “O ACONTECIMENTO/EVENTO ”X” É
UM ATO DE GUERRA”12 . Quando os leitores se deparam com várias expressões lingüísticas
motivadas por essa metáfora, eles estão, de uma certa forma, sendo convidados a enfocar as
características de um acontecimento/evento como um “ato de guerra”. A inevitabilidade de
uma guerra, em grande parte construída discursivamente, pode diluir possíveis
questionamentos sobre as verdadeiras razões para a guerra ou, até mesmo, justificar
determinados eventos, mesmo que criminosos, como atos suficientes para se estar em guerra.
12
A metáfora o ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA não se enquadraria como
exemplo clássico de uma metáfora conceptual, em que tanto o domínio fonte quanto o domínio alvo teria uma
natureza especificada e uma incongruência entre esses dois domínios (CAMERON, 2003). A metáfora A VIDA
É UM VIAGEM, por exemplo, tem ambos os seus domínios explicitados e incongruentes entre si. Na metáfora
aqui proposta, o domínio alvo, na verdade, seria qualquer acontecimento, que não representasse um verdadeiro
ato de guerra, de acordo com o que foi exposto a respeito das características da guerra canônica no Capítulo 4,
mas que fosse cognitiva e discursivamente concebido como tal, provavelmente por razões políticas e
pragmáticas. Nesta pesquisa, especificamente, o lugar “X” seria os ataques às Torres Gêmeas e ao prédio de
Pentágono e as armas de destruição em massa (ADMs), por exemplo. Vários outros acontecimentos (como
combate à dengue, à inflação, à corrupção, etc) são, com freqüência, enquadrados como ato de guerra. Estudá-los
estaria além do escopo dessa pesquisa; no entanto, a metáfora aqui proposta pretende indicar a produtividade
desse enquadramento.
Finalmente, a destruição em todos sentidos decorrentes de uma guerra, seja perda material ou
de vidas, fica, por assim dizer, neutralizada.
Como a metáfora, segundo Charteris - Black (2005), reestrutura o entendimento
conceptual do leitor sobre a guerra, ela pode “reenquadrar”13 o que é real para esse leitor
naquilo que ele entende por guerra. Porque as pessoas agem em termos do que é real para
elas, essa nova “realidade” tem implicações que vão além dos meros pensamentos dos
leitores: “Tiramos conclusões, determinamos objetivos, estabelecemos compromissos e
excluímos planos, tudo isso com base em como, em parte, estruturamos nossa experiência,
consciente ou inconscientemente, por meio da metáfora” (LAKOFF e JONHSON,
1980/2002:145-146,158).
Apesar de estar respaldado, empiricamente, nas marcas lingüísticas das metáforas
conceptuais que proponho para mapear conceptual e ideologicamente o discurso sobre os
acontecimentos enfocados, tenho consciência de que poderá haver outras leituras alternativas
àquela que aqui apresento.
Considerando que a análise crítica da metáfora pressupõe a inevitabilidade de um
recorte subjetivo e ideológico, outros leitores poderão ver outras relações que não
necessariamente estão presentes naquelas metáforas por mim identificadas. Assim, usarei a
primeira pessoa do singular, sempre que necessário, para deixar claro que as metáforas
conceptuais aqui enfocadas e suas ideologias subjacentes são, em última análise, frutos desse
recorte.
6.2 Quando as palavras faltaram
Esta análise seguirá uma organização cronológica, para que o processo de (re)
significação relatado e discursivamente construído pela mídia em torno do acontecimento de
11 de setembro de 2001, possa ser identificado.
Parto da convicção de que metáforas conceptuais, por meio de suas marcas
lingüísticas, foram essenciais nesse processo.
No entanto, os momentos que seguiram, imediatamente, ao acontecido às Torres e ao
Pentágono, foram marcados, sobremaneira, por uma perplexidade diante do horror deixado
pela ousadia, sem precedentes, de um grupo terrorista contra a nação mais poderosa do
mundo.
Como vimos na introdução deste trabalho, a reação ao ataque de 11/09, em primeiro
lugar, foi marcada, discursivamente, pela expressão da incredulidade, de sentimentos
13
Usamos aqui o conceito de “reenquadramento” introduzido por Reddy (1979; 1993).
subjetivos e de julgamentos explícitos sobre o acontecimento. A incredulidade e a “falta de
palavras” para descrever tanto o choque inicial quanto o acontecimento em si foram assim
expressos por jornalistas do NYT:
1. – “But mere words were inadequate vessels to contain the sense of shock and
horror that people felt.” (R.W.Apple Jr, jornalista do NYT)14
“Mas simples palavras foram veículos inadequados para espelhar o choque e horror
que as pessoas sentiram”.
2. – “but no resonant phrase emerged to define yesterday´s tragedy...” (Dan Rather,
comentador de notícias)15
“mas nenhuma frase significante surgiu para definir a tragédia de ontem...”
A metáfora do conduto (REDDY, 1979) foi aqui acionada: palavras são recipientes
que contém significados. Mas neste caso, os recipientes se mostraram inadequados diante da
dimensão do significado.
A linguagem se volta também para a sua função expressiva: cidadãos comuns e
autoridades expressam suas emoções diante da “magnitude do acontecimento”:
3. – “I cannot believe what I am seeing...I just feel so overwhelmingly weary, a
weariness that goes deeper inside.” (Rob Roddy, um sobrevivente do atentado de
Oklahoma).16
“Não acredito no que estou vendo... Eu simplesmente me sinto extramamente
desgastado, um desgaste que cai bem fundo”.
As autoridades políticas, militares e eclesiásticas também ficaram perplexas com o
evento que abalou o mundo naquele dia, expressando, explicitamente, seus sentimentos:
4. – “It´s just shocking,” (Senator Sam Brownback, Republican of Kansas.”17
“É simplesmente um choque”, comentou o senador Sam Brownback, republicano de
Kansas.
14
NYT, National Desk, A Day Of Terror: News Analysis; Awaiting the Aftershocks, 12/09/01 (Late Edition
– Final, Section A, Page 1, Co lumn 4).
15
NYT, National Desk, A Day Of Terror: Critic’s Notebook; Live Images Make Viewers Witnesses to
Horror, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 25, Column 3).
16
NYT, National Desk, A Day Of Terror: Vulnerability; Physical and Psychological Paralysis of Nation,
12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 18, Column 1).
17
NYT, National Desk, A Day Of Terror: The Federal Government; Driven Underground, Administration
and Congressional Officials Stay on the Job, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 5, Column 1)
5. – “I can’t believe what I’ve seen.” (Comandante Nelson) 18
“Não acredito no que estou vendo”.
6. – “... an unspeakable horror. ”(Papa João Paulo II)19
“O Papa João Paulo II... um horror indescritível”.
A perplexidade e a emoção envolveram autoridades de outros países:
7. – “Through its official news agency, Xinhua, China expressed its “horror” at the
terrorist attack,....”20
“Através da sua agência oficial de notícias, Xinhua, a China expressou o seu” horror
“aos ataques terroristas,...”
8. – “Jacques Chirac...he felt “immense emotion” over these “monstrous
bombings.”(Presidente da França)21
“Jacques Chirac... sentiu uma emoção avassaladora em relação a esses bombardeiros
monstruosos”.
9. – “Queen Elizabeth expressed “growing disbelief and total shock.”22
“A Rainha Elizabeth expressou “grande descrença e completo choque”.
10. – “Prime minister Junichiro Koizumi expressed “greater anger” and said “these
acts of terrorism should not be forgiven.”23
“O Primeiro ministro Junichiro Koizumi expressou uma ‘grande raiva’ e disse “estes
atos de terrorismo não devem ser esquecidos”.
18
NYT, National Desk, A Day Of Terror: Vulnerability; Physical and Psychological Paralysis of Nation,
12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 18, Column 1).
19
NYT, National Desk, A Day Of Terror: The World’s Reactions; European Nations Stand With U.S.,
Ready to Respond, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 23, Column 3).
20
NYT, National Desk, A Day Of Terror: The World’s Reaction; European Nations Stand With U.S.,
Ready to Respond, 12/09/01(Late Edition – Final, Section A, Page 23, Column 3)
21
NYT, National Desk, A Day of Terror: The World’s Reaction; European Nations Stand With U.S.,
Ready to Respond, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 23, Column 3).
22
NYT, National Desk, Reaction From Around the World, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page
23, Column 3)
23
NYT, National Desk, Reaction From Around the World, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page
23, Column 3.)
11. – Cuba- The government expressed its “pain” and “solidarity” with its longtime
adversary and offered air and medical facilities to help.24
“Cuba – O governo expressou sua “dor” e “solidariedade” ao seu adversário de longa
data e ofereceu- lhe ajuda aérea e médica.”
12. – “...this unbelievable, despicable act on America.” (Presidente Bush em entrevista
com jorna listas depois de conferência telefônica com o governador e o prefeito de
Nova Iorque)25
“Esse ato inacreditável e desprezível sobre a América”.
Conceptualizar o acontecimento (definir cognitiva e lingüisticamente seus contornos
históricos e políticos) não foi um processo imediato, no caso do dramático acontecimento de
11 de setembro:
13. – “... the magnitude of this is probably beyond what´s in most people’s
imaginations.”(John D. Podesta, funcionário graduado da Casa Branca no governo de
Bill Clinton) 26
“... a magnitude disso está provavelmente além da imaginação das pessoas.”
14. – “...before people understood the enormity of this...” (Mustafa B. Hamarneh,
diretor do Centro de Estudos Estratégicos da Universidade da Jordânia)27
“...antes que as pessoas entendessem a enormidade disso...”
Essas expressões de perplexidade e indignação, marcadas por metáforas ontológicas
relacionados a emoções como descrença, tristeza, choque e raiva, que nos “enchem” (filled us
with...), são acompanhadas de um julgamento, ainda subjetivo (indicado pelo uso de adjetivos
como despicable, horrible, terrible, cowardly, horrific) do evento em si:
15. – “...have filled us with disbelief, terrible sadness and a quiet, unyielding anger.”
(Presidente Bush ao se dirigir à nação na noite do atentado).28
24
NYT, National Desk, Reaction From Around the World, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page
23, Column 3.)
25
NYT, National Desk, Excerpts From President’s Remarks on Investigation Into Attacks 14/09/2001 (Late
Edition – Final, Section A, Page 18, Column 1)
26
NYT, National Desk, A Day Of Terror: The Federal Government; Driven Underground, Administration
and Congressional Officials Stay on the Job, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 5, Column 1).
27
NYT, National Desk, After the Attacks: the Mideast; Arabs Voice Somber Tones And Speculate On a
Reprisal, 14/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 20, Column 6).
28
NYT, National Desk, A Day Of Terror; Bush’s Remarks to the Nation on the Terrorist Attacks, 12/09/01
(Late Edition – Final, Section A, Page 4, Column 1).
“... nos encheu de descrença, uma tristeza terrível e uma raiva silenciosa e não
complacente”.
16. – “The United States... in the face of this terrible act,” Defense Secretary Donald
H. Rumsfeld said from the Pentagon,...”29
“Os Estados Unidos... perante esse ato terrível”, o secretário de defesa, Donald H.
Rumsfeld disse do Pentágono,....
17. – “Today’s despicable acts were an assault on our people,...” (Senador Tom
Daschle, líder no Senado)30
“Os atos inacreditáveis de hoje fo ram uma agressão ao nosso povo,...”
18. – “... by these horrific and cowardly acts.” (Senador Tom Daschle, Líder do
Senado)31
“... por estes atos horrendos e covardes”.
19. – “...by this horrible tragedy.” (John Ashcroft, Ministro da Justiça)32
“..., por esta tragédia horrível.”
20. – ...President Vladimir V. Putin... and said he supported a tough response to the
“barbaric acts.”33
... Presidente Vladimir V. Putin... e disse que apoiaria uma resposta dura a esses “atos
bárbaros.”
21. – “...this unbelievable, despicable act on America.” (Presidente Bush em entrevista
com jornalistas depois de conferência telefônica com o governador e o prefeito de
Nova Yorque)34
“Esse ato desprezível e inacreditável contra a América”.
29
NYT, National Desk, A Day Of Terror: The Federal Government; Driven Underground, Administration
and Congressional Officials Stay on the Job, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 5, Column 1)
30
NYT, National Desk, A Day Of Terror: Verbatim; Bush Aides Speak Out On Attacks, 12/09/01 (Late
Edition – Final, Section 4, Page 4, Column 6).
31
NYT, National Desk, A Day Of Terror: Verbatim; Bush Aides Speak Out On Attacks, 12/09/01 (Late
Edition – Final, Section 4, Page 4, Column 6).
32
(rodapé: NYT, National Desk, A Day Of Terror: Verbatim; Bush Aides Speak Out On Attacks, 12/09/01
(Late Edition – Final, Section 4, Page 4, Column 6).
33
NYT, National Desk, Reaction From Around the World, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page
23, Column 3).
Como forma de escapar dessa vagueza conceptual e semântica, o Senador Schumer,
parlamentar pelo estado de Nova Iorque, encontra no ataque dos japoneses aos americanos, no
Havaí, durante a Segunda Guerra Mundial, um “domínio fonte” para mapear (cognitiva e
lingüisticamente) o ataque às Torres Gêmeas e ao Pentágono. O apelo à guerra, via metáfora,
estava feito:
22. – “This is Pearl Harbor, 21st century.” (Fala do Senador Charles E. Schumer,
democrata de Nova Iorque)35
“Isto é a Pearl Harbor do século XXI”.
6.3 O ACONTECIMENTO 11 DE SETEMBRO É CRIME
Havia uma preocupação da administração do presidente Bush e seus colaboradores no
sentido de emoldurar e enquadrar o acontecimento/evento de 11 de setembro de 2001 o mais
rapidamente possível. Isto é, um acontecimento daquela natureza com sérias implicações
políticas deveria receber um enquadramento conceptual a ser discursivamente legitimado,
compatível com os interesses oficiais. De início, uma configuração de crime (O
ACONTECIMENTO “X” É UM CRIME) pode ser observada, conforme os exemplos abaixo:
“crime” (crime) com “vítimas” (victims) e “perpetradores” (perpetrators), “murderes”
(assassinos) a “serem trazidos à justiça” (brought to justice) e “punidos” (punished),
respectivamente:
23. – “Theses acts of mass murder were intended to...” (Discurso do Presidente Bush
na noite de 11/09)36
“Esses atos de assassinatos em massa tiveram a intenção de...”.
24. – “...to bring the people responsible for these acts, these crimes, to justice.” (John
Ascroft, Ministro da Justiça)37
“levar essas pessoas responsáveis por esses atos, esses crimes, à justiça.”
34
NYT, National Desk, Excerpts From President’s Remarks on Investigation Into Attacks 14/09/2001 (Late
Edition – Final, Section A, Page 18, Column 1).
35
NYT, National Desk A Day Of Terror: Critic’s Notebook; Live Images Make Viewers Witnesses to
Horror, 12/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 25, Column 3).
36
NYT, National Desk, A Day Of Terror; Bush’s Remarks to the Nation on the Terrorists Attacks,
12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 4, Column 1).
37
NYT, National Desk, A Day of Terror: Verbatim; Bush Aides Speak Out on Attacks, 12/ 09/ 01 (Late
Edition – Final, Section 4, Page 4, Column 6).
25. – “Attorney Gen. John Ashcroft...confidently said that... investigators were”
beginning to understand the ways in which this terrible crime was committed.”38
“O procurador- geral da justiça, general John Ashcroft... confidencialmente disse que...
os investigadores estavam ‘começando a entender os caminhos pelos quais este crime
terrível foi cometido.”
No cenário de crime é evidente que os criminosos sejam identificados e, assim, temos
perpetradores e/ou assassinos:
26. – “If the United States... the perpetrators of today’s attacks, said Richard C.
Holbrooke, ambassador to the United Nations under Clinton administration,....”39
“Se os Estados Unidos... os perpetradores dos ataques de hoje, disse Richard C.
Holbrooke, embaixador das Nações Unidas na administração Clinton,...”.
27. – “...” said François L. Heisbourg, director of the French Foundation for Strategic
Research in Paris: “We can’t even officially call it a war. For one thing, that would
make terrorists soldiers, not murderers,”40
“...” disse, em Paris, François L. Heisbourg, diretor da Fundação Francesa para
Pesquisa Estratégica. “Não podemos nem mesmo oficialmente chamar de guerra.
Principalmente porque isso faria dos terroristas soldados e não assassinos”.
O julgamento de crime para o choque das aeronaves contra as torres gêmeas traria para
a sociedade americana o entendimento de que os Estados Unidos, metonimicamente41 , era a
maior vítima.
28. – We were all victims of this attack,” said Belgium’s foreign minister, Louis
Michel,...”42
“Nós fomos todos vítimas deste ataque ”, disse o ministro das relações exteriores da
Bélgica, Louis Michel...”
38
NYT, National Desk, After The Attacks: The Overview; Long Battle Seen, 16/09/01 (Late Edition – Final,
Section 1, Page 1, Column 6).
39
NYT, National Desk, A Day Of Terror: News Analysis; Awaiting the Aftershocks, 12/09/01 (Late EditionFinal, Section A, Page 1, Column 4).
40
NYT, Foreign Desk, A Nation Challenged: The Allies; NATO, Though Supportive, Has Little to Offer
Militarily, 20/09/01 (Late Edition- Final, Section B, Page 5, Column 5).
41
As vítimas reais e diretas do atentado foram as quase 3000 pessoas mortas, como conseqüência do ataque às
Torres Gêmeas, ao Pentágono e ao avião que caiu no estado da Pensilvânia. Mas, a metonímia “nação por
cidadãos dessa nação” faz dos Estados Unidos a vítima máxima dos atentados de 121/09.
42
NYT, National Desk, After The Attacks: The Alliance; For First time, NATO Invokes Joint Defense Pact
With U.S., 13/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 17, Column 5).
A condição de vítima provê ao governo Bush e aliados uma legitimidade para suas
ações. A vítima tem o direito moral de se defender. Para tal, é necessário identificar os
malfeitores e levá- los a julgamento:
29. – “... our full support to the effort to bring those responsible to justice.” (Tom
Daschle, Líder do Senado)43
“o nosso total apoio aos esforços de levar os responsáveis à justiça.”
30. – “... to find those responsible and to bring them to justice.” (Discurso do
Presidente Bush na noite de 11/09)44
“... encontrar os responsáveis e indiciá- los”.
31. – “...to bring the people responsible for these acts, these crimes, to justice.” (John
Ascroft, Ministro da Justiça)45
“… levar a julgamento as pessoas responsáveis por esses atos, esses crimes”.
32. – “In a statement, the ministers said they “spare no efforts to help identify, bring to
justice and punish those responsible.”(Ministros estrangeiros da União Européia)46
“Numa declaração, os ministros disseram que eles “não poupam esforços para ajudar
a identificar e punir os responsáveis”.
33. – Mr. Bush,..., said the best way to bring those responsible for the Sept 11 terrorist
attacks to justice was” to ask for the cooperation of citizens... who may be tired of
having the Taliban regime.”47
O Sr. Bush..., afirmou que a melhor maneira de levar aos tribunais os responsáveis
pelos ataques terroristas de 11 de setembro seria pedir a cooperação dos cidadãos...
que podem estar cansados do regime Talibã.
43
NYT, National Desk, A Day of Terror; Bush Aides Speak Out On Attacks, 12/09/01 (Late Edition – Final,
Section 4, Page 4, Column 6).
44
NYT, National Desk, A Day Of Terror; Bush’s Remarks to the Nation on the Terrorist Attacks, 12/09/01
(Late Edition – Final, Section A, Page 4, Column 1).
45
NYT, National Desk, A Day of Terror: Verbatim; Bush Aides Speak Out on Attacks, 12/ 09/ 01 (Late
Edition – Final, Section 4, Page 4, Column 6)
46
NYT, National Desk, After The Attacks: The Alliance; For First time, NATO Invokes Joint Defense Pact
With U.S., 13/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 17, Column 5).
47
NYT, National Desk, A Nation Challenged: The White House; Bush Steps Up Appeal to Afghans To Rid
their Country of Taliban, 26/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 4).
No cenário (MUDOLFF, 2004) de crime, quando se julgam os criminosos, após sua
identificação, espera-se que estes sejam punidos pelos atos que cometeram. A punição não é
aleatória: ela é legitimada dentre do enquadramento “crime”, que requer “justiça”, que, por
sua vez, confere autoridade e legitimidade à punição. Note que há uma avaliação de fundo
religioso: o ataque como “evil”:
34. – “President Bush...would... punish those responsible for the evil...”48
“O Presidente Bush... puniria os responsáveis pelo mal....”
35. – “President Vladimir V. Putin expressed anger over what he called the “barbarous
terrorist acts against wholly innocent people” and said that “such an inhuman act
should not go unpunished.”49
“O Presidente Vladimir V. Putin expressou raiva sobre o que chamou de ‘bárbaros
ataques terroristas contra pessoas totalmente inocentes’ e disse que “tal ato desumano
não deveria ficar impune”.
36. – “In a statement, the ministers said they “spare no efforts to help identify, bring to
justice and punish those responsible.” (Ministros Estrangeiros da União Européia)50
“Numa declaração, os ministros disseram que eles ”não poupam esforços para ajudar a
identificar, levar a julgamento e punir aqueles responsáveis”.
6.4 JUSTIÇA É RETALIAÇÃO
Dentro do cenário (MUDOLFF, 2004) do crime, no entanto, para haver justiça é
necessário, em primeiro lugar, identificar o criminoso, uma vez que tanto o crime em si (o
ataque às Torres Gêmeas e ao Pentágono) como a vítima que, metonimicamente, foi
enquadrada como o povo americano (nação americana), já haviam sido conceptualmente
demarcados. Mas não era absolutamente claro quem havia sido, de fato, o(s) real (ais)
criminoso(s), a não ser algo vago como “o (s) terrorista(s)”:
37. – “President Jiang Zemin said he was “shocked”... while the Foreign Ministry said
China “opposed all manner” of terrorism.” 51
48
NYT, National Desk, U.S. Attacked; President Vows to Exact Punishment for “Evil”. “, 12/09/01 (Late
Edition – Final, Section a, Page 1, Column 4).
49
NYT, National Desk, A Day Of Terror: The Threat; Bush Aides Say Attacks Don’t Recast Shield Debate,
12/09/01 (Late Edition- Final, Section A, Page 24, Column 6).
50
NYT, National Desk, After The Attacks: The Alliance; For First time, NATO Invokes Joint Defense Pact
With U.S., 13/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 17, Column 5).
“Presidente Jiang Zemin disse que estava ”chocado”... enquanto o Ministério das
Relações Exteriores disse que a China “opõe-se a toda forma” de terrorismo.”
38. – “President Mohammad Khatami condemned “terrorist ” attacks on the United
States.”52
“O Presidente Mohammad Khatami condenou os ataques “terroristas” aos Estados
Unidos,...”
Prender e julgar os “terroristas” /criminosos à justiça para que fossem punidos não
seria uma tarefa fácil; talvez fosse impossível. No entanto, até mesmo antes dos bombeiros
acabarem com as chamas do Pentágono, militares e civis já tratavam de traçar um plano de
retaliação (NYT, 13/11/01, Pg A 15). Acreditando que o mal está solto no mundo, a
administração Bush e colaboradores entenderam que os responsáveis por esse crime às Torres
Gêmeas e ao Pentágono não deveriam ser necessariamente julgados, mas sim, pagarem pelo
que fizeram. Lakoff (2002) elabora a distinção entre os conceitos retaliação e vingança.O
primeiro é efeito da ação de uma autoridade e o segundo implica fazer justiça pelas próprias
mãos.
A identificação real dos culpados pelo 11 de setembro e seus mentores e
patrocinadores permanece ainda uma questão em aberto. O que fica claro é que havia um
grande desejo por parte da administração Bush de “vingança” pelos atos identificados como
“terrorismo”:
39. – “Prime minister Ariel Sharon declared a national day of mourning for today in
solidarity with the United States and urged the world to fight terrorism.”53
“O Primeiro Ministro Ariel Sharon declarou hoje dia de luto em solidariedade aos
Estados Unidos e incitou o mundo a lutar contra o terrorismo.”
40. – “Mr. Bush told the vice president according to the account of an aide. “... they
are not going to like me as president. Somebody is going to pay.”, 54
51
NYT, National Desk, Reaction From Around the World, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page
23, Column 3.).
52
NYT, National Desk, Reaction From Around the World, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page
23, Column 3.)
53
NYT, National Desk, Reaction From Around the World, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page
23, Column 3.)
“O Sr. Bush disse ao vice-presidente de acordo com o relato de uma auxiliar. “... eles
não irão gostar de mim como presidente. Alguém irá pagar”.
41. – “...”, Mr. Bush said. “But they have stirred up the might of the American people,
and we’re going to get them.”55
“...”, disse o Sr. Bush. “Mas eles mexeram com a força do povo americano, e nós
iremos pegá-los”.
42. – “This is a great nation”, Mr. Bush said. “And we’re going to get them.”,56
“Esta é uma grande nação”, disse o Sr. Bush. “... e nós os pegaremos”.
43. – “...the retaliatory attacks that President Bush has vowed to carry out.”(Juramento
atribuído ao Presidente Bush) 57
“... ataques de retaliação que o Presidente Bush jurou levar a efeito”.
Apesar da indefinição do inimigo (“they”, “somebody”, “them”), fica claro que a
grande nação estaria pronta para a retaliação contra o “outro”.É interessante notar a vagueza
proposicional da expressão “get them” (pegá- los, matá- los, puni- los), como também o uso de
“pay” como “sofrer as conseqüências de seus atos”, o que me leva a identificar a metáfora
conceptual: PUNIÇÃO É PAGAMENTO.
A retaliação seria um sentimento que muitos membros da administração Bush
inicialmente compartilharam:
44. – Ms. Rice recalled that the president... “And we’re going to go after it,” she
recalled him saying, “and we’re no going to lose focus.”58
A Srta. Rice lembrou que o presidente... “E nós iremos atrás disso”, ela o relembrou
dizendo, “e não iremos perder o foco”.
54
NYT, National Desk, After The Attacks: The Events; In four Days, a National Crisis Changes Bush’s
Presidency, 16/09/01 (Late Edition – Final, Section 1, Page 1, Column 5).
55
NYT, National Desk, After The Attacks: The Events; In four Days, a National Crisis Changes Bush’s
Presidency, 16/09/01 (Late Edition – Final, Section 1, Page 1, Column 5).
56
NYT, National Desk, After The Attacks: The Events; In Four Days, a National Crisis Changes Bush’s
Presidency, 16/09/01 (Late Edition – Final, Section 1, Page 1, Column 5).
57
NYT, National Desk, A Nation Challenged: The Military; Pentagon Activates First Wave of Guardesmen
and Reservists, 18/09/01 (Late Edition- final, Section B, Page 7, column 3).
58
NYT, National Desk, After The Attacks: The Events; In Four Days, a National Crisis Changes Bush’s
Presidency, 16/09/01 (Late Edition – Final, Section 1, Page 1, Column 5).
45. – President Bush told the American military today to get ready for a long war....59
O Presidente Bush disse aos militares hoje para ficarem de prontidão para uma guerra
longa....
46. – “...those who have brought forth this evil deed will pay the price.” (J. Dennis
Hastert, Speaker of the House)60
“...os que fizeram este mal pagarão o preço.” (J.Dennis Hastert, Presidente da
Assembléia Legislativa).
6.5 O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA
O cenário “crime” não poderia ser levado às últimas conseqüências (justiça-punição)
uma vez que não havia, ainda, um criminoso definido: quem eram os terroristas? Os
responsáveis pelo ato em si (seqüestro do avião, ataque às Torres e ao Pentágono) haviam
morrido, juntos com as outras vítimas. Esses não mais poderiam ser levados à justiça,
interrogados e punidos. Era necessário direcionar a retaliação para outros alvos: os supostos
mentores do ataque e as nações, que também, supostamente, abrigavam esses mentores. O
enquadramento inicial como crime ressaltava o fato de que não havia elementos que
justificassem uma situação de guerra. Colin Powell (na época Secretário de Estado norteamericano), no início, argumentava que “nenhuma tropa deveria ser enviada sem objetivos
específicos, uma definição clara e atingível de vitória – e compromissos em abertos, sem
direcionamentos” (LAKOFF, 2005:04). Ele sugeriu o enquadramento de “crime”,
primeiramente, para os eventos de 11 de setembro (ibid:04). Esse enquadramento justifica
uma busca internacional aos criminosos, permite “ações militares” quando as forças armadas
são necessárias e direciona o foco para inteligência, diplomacia, política, economia, religião,
sistema bancário e etc.
Porém, o enquadramento de crime não oferece poderes adicionais ao presidente, além
de implicar julgamentos em corte internacional, dando amplos poderes àquela corte sobre as
instituições americanas. Cabe lembrar que três dias após os atentados o congresso americano
aprovou a Resolução SJ 23 que autorizava o uso de forças armadas americanas contra os
responsáveis pelos ataques. Durante esse tempo, os membros da OTAN (Organização do
Tratado do Atlântico Norte) apoiaram os Estados Unidos devido ao acordo que previa que um
ataque a um país membro da OTAN seria considerado um ataque a todos os outros membros.
59
NYT, National Desk, After The Attacks: The Overview; Long Battle Seen, 16/09/01 (Late Edition – Final,
Section 1, Page 1, Column 6).
60
NYT, National Desk, A Day Of Terror: Verbatim; Bush Aides Speak Out On Attacks, 19/09/01 (Late
Edition – final, Section 4, Page 4, column 6).
Assim, o cenário de crime foi dando lugar ao cenário de guerra: O
ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA:
47. – “...two or three hours worth of war”. (Fala do Senador Charles E. Schumer,
democrata de Nova Iorque),61
“...duas ou três horas de guerra.”
48. – “NATO also made clear...it was prepared to see some acts of terrorism as act of
war.”(A OTAN declarou ao NYT)62
“A OTAN tornou claro... foi preparado para ver alguns atos de terrorismo como atos
de guerra.”
49. – “..., that an act of war was declared on the United States of America.”
(Presidente Bush com repórteres em uma entrevista telefônica com o governador e o
prefeito de Nova Iorque)63
”..., que um ato de guerra foi declarado aos Estados Unidos da América”.
50. – “Chris Patten, the European Union’s external relations commissioner... He called
the “attacks” an act of war by a madman.” (Chris Patten, comissioná rio das relações
exteriores da União Européia)64
“Chris Patten, comissionário das relações externas da União Européia... ele chamou os
“ataques” um ato de guerra de um louco.”
51. – “Not only has someone conducted an act of war on us,” Mr. Bush told
reporters...,65
“Não somente alguém nos levou a um ato de guerra, o Sr. Bush disse aos repórteres”.
61
NYT, National Desk, A Day Of Terror: Critic’s Notebook; Live Images Make Viewers Witnesses to
Horror, 12/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 25, Column 3).
62
NYT, National Desk, After The Attacks: The Alliance; For The First Time, NATO Invokes Joint Defense
Pact With U.S, 13/09/01 (Late edition – final, Section A, Page 17, Column 5).
63
NYT, National Desk, Excerpts From President’s Remarks Into Investigation Into Attacks, 14/09/01 (Late
edition – Final, Section A, Page 18, Column 1).
64
NYT, National Desk, A Day of Terror: The World’s Reaction; European Nations Stand with U.S., Ready
to Respond, 14/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 23, Column 3).
65
NYT, National Desk, A Nation Challenged: Congress; Bush and Leaders Confer on Way To Bolster
Weakened Economy, 20/09/01 (Late Edition – Final, Section B, Page 1, Column 1).
O ataque como ato de guerra é interpretado como uma declaração de guerra contra os
Estados Unidos e, até mesmo, “contra o mundo civilizado”:
52. – “Gerhard Schröder called the attacks ‘a declaration of war’ against the entire
civilized world.” (G. Schröder, primeiro ministro da Alemanha)66
“Gerhard Schröeder chamou os ataques de ‘uma declaração de guerra’ contra todo o
mundo civilizado”.
53. – “Shortly afterward, in his weekly radio address, he warned that ‘those who make
war on the United States have chosen their destruction’.”(he = Presidente Bush) 67
“Logo após sua conversa de rádio, ele advertiu que ‘aqueles que declaram guerra aos
Estados Unidos escolheram a sua própria destruição’”.
Dentro
desse
enquadramento
conceptual
estruturado
pela
metáfora
“O
ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA”, a população percebeu que
estava diante de uma situação de guerra, e não de crime. É de se destacar que essa situação
não se enquadra no que é, canonicamente, entendido como guerra, como visto no capítulo
dedicado a definições de guerra. Não havia exército inimigo, regimentos, tanques, navios,
força aérea, campo de batalhas, alvos estratégicos e nenhum ato de vitória claramente
identificado na ocasião do ataque do 11/09. Não se vêem elementos para uma guerra
“literalmente falando”. Segundo Lakoff (2001:05), “uma vez que o conceito de ‘guerra’ não
se enquadra, há uma busca frenética por metáforas”. E por que as metáforas de guerra?
O conceito “guerra” evoca a idéia de que a nação estaria sob um ataque militar - um
ataque que só pode ser respondido militarmente, usando as forças armadas, aviões, bombas,
etc. A configuração de uma guerra implica poderes especiais de guerra para o presidente, que
se torna o chefe de Estado. Evoca também um sentimento de patriotismo inquestionável e
uma desejada identidade nacional. E a configuração de guerra inclui um fim ao evento: ao
vencê- la, a missão está concluída:
54. – “...but now that war was declared on us, we will lead the world to victory...”
(Entrevista do Presidente Bush concedida aos repórteres após conferência telefônica
com governador e prefeito de Nova Iorque)68
66
NYT, National Desk, A Day of Terror: The World’s Reaction; European Nations Stand With U.S.,
Ready to Respond 12/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 23, Column 3).
67
NYT, National Desk, After the Attacks: the Overview; Long Battle Seen, 16/09/01, p.1 (Late Edition –
Final, Section 1, Page 1, Column 6).
“... mas agora que nos declararam guerra foi declarada a nós, levaremos o mundo à
vitória”.
“Artigo 5 (...) diz “um ataque armado contra....”
Enfim, o enquadramento de guerra é conveniente por justificar uma série de políticas a
serem seguidas como também seus conseqüentes custos: custo financeiro e a provável morte
de jovens soldados e, possivelmente, de civis inocentes. A guerra justifica, ainda, tortura,
tribunais militares e processos não julgados a tempo; justifica amedrontar a população com
alertas em amarelo, laranja e verde. Entretanto, “atos de guerra” são tipicamente recíprocos a
outros “atos de guerra” – mas guerra contra quem? Nenhum país foi responsabilizado pelos
eventos de 11/09, mas os Estados Unidos, contudo, estavam certos de que tinham um
“inimigo” - um “inimigo sem face” que personificava o “mal”:
55. – “Secondly, they understand that, unlike previous wars, this enemy likes to hide.”
(Presidente Bush com repórteres em uma conferência telefônica com o governador e o
prefeito de Nova Iorque)69
“Em segundo lugar, eles entendem que, diferentemente das guerras anteriores, este
inimigo gosta de se esconder”.
E contra àquele mal a América iria à guerra. O estado de guerra é legitimado:
56. – “Secretary Powell... the United States feels itself to be at war but is also seeking
allies in that battle.” (C. Powell, Secretário de Estado americano)70
“O Secretário Powell... os Estados Unidos se sentem em guerra, mas estão também
procurando aliados naquela batalha.”
57. – “The American people made a judgment today – we are at war, “Secretary
Powell told one television interviewer today. “What they believe they saw clearly was
an act of war.” (Secretário de Estado Colin Powell)71
68
NYT, National Desk, Excerpts From President’s Remarks Into Investigation Into Attacks, 14/09/01 (Late
edition – Final, Section A, Page 18, Column 1).
69
NYT, National Desk, Excerpts From President’s Remarks Into Investigation Into Attacks, 14/09/01 (Late
edition – Final, Section A, Page 18, Column 1).
70
NYT, National Desk, After The Attacks: The Diplomacy; Powe ll Says It Clearly: No Middle Ground on
Terrorism, 13/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 17, Column 1).
71
NYT, National Desk, After The Attacks: The Diplomacy; Powell Says It Clearly: No
Middle Ground on Terrorism, 13/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 17, Column
1).
“O povo americano fez um julgamento hoje – estamos em guerra, disse hoje o
secretário Powell a um entrevistador de televisão. O que eles acreditam que viram foi
claramente um ato de guerra”.
58. – “Serious talk of war, which could be heard today from President Bush.”(Blaine
Harden, jornalista do NYT)72
“Conversas sérias sobre guerra, o que se pode ouvir hoje do President Bush”.
59. – Mr. Bush said point-blank: ”We’re at war. There’s been an act of war declared
upon America by terrorists...”73
O Sr. Bush disse claramente: “Estamos em guerra. Declarou-se um ato de guerra à
América pelos terroristas,...”.
60. – ... what Mr. Bush is bluntly calling war74
... o que o Sr. Bush está claramente chamando de guerra.
61. – “A day after proclaiming flatly that the nation was “at war.”, President Bush...”75
“Um dia após proclamar claramente que a nação estava ‘em guerra’, o Presidente
Bush...”
E este estado de guerra foi prontamente reconhecido por aliados importantes:
62. – “... Tony Blair...Britain would stand alongside the US... in the battle against ”76
“… Tony Blair… A Grã-Bretanha ficará do lado dos E.U. A... na batalha contra...”
63. – “...”European Union foreign ministers and NATO ambassadors planned separate
meetings on Wednesday to discuss what can be done in a common battle against
terrorism.” (Ministros de Relações Exteriores e Embaixadores da OTAN)77
72
NYT, National Desk, After The Attacks: The Reaction; For Many, Sorrow Turns to Anger and Talk to
Vengeance,14/09/01 (Late edition – final, Section A, Page 15, Column 1).
73
NYT, National Desk, After The Attacks: The Events; In Four Days, a National Crisis Changes Bush’s
Presidency, 16/09/01 (Late Edition – Final, Section 1, Page 1, Column 5)
74
NYT, National Desk, After the Attacks: the Overview;Long Battle Seen, 16/09/01 (Late Edition-Final,
Section 1, Page 1, Column 6).
75
NYT, National Desk, After the Attacks: The White House; Bush Warns of a Wrathful, Shadowy and
Inventive War, 17/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 2, Column 1).
76
NYT, National Desk, Reaction From Around the World, 12/09/01 (Late Edition- Final, Section A, Page 25,
Column 3).
77
NYT, National Desk, A Day of Terror: The World’s Reaction; European Nations Stand With U.S.,
Ready to Respond, 12/09/01 (Late edition – final, Section A, Page 23, Column 3).
“Os ministros do exterior da União Européia e os embaixadores da OTAN, planejaram
reuniões separadas, na quarta-feira, para discutir o que poderá ser feito numa batalha
comum contra o terrorismo.
A partir do enquadramento da guerra haveria a defesa e o ataque:
64. – “A great people has been been moved to defend a great nation”. (Presidente
Bush) 78
“Um grande povo se mobilizou para defender uma grande nação”.
65. – ... in his radio address, he warned, “those who make war on the United States
have chosen their own destruction.”( he = Presidente Bush) 79
...
no seu programa de rádio, ele alertou que “aqueles que declaram guerra aos
Estados Unidos escolheram a sua própria destruição.” (ele = Presidente Bush)
66. – “ … the Pentagon is describing what it is needed to fight it …”80
“… O Pentágono descreve o que é necessário para lutar contra ele...”
O enquadramento de guerra, no entanto, é elaborado, a princípio, a partir de um
cenário ainda não muito claro, uma vez que nem todos os elementos característicos desse
cenário haviam sido configurados.
Para
compreendermos
melhor
a
natureza
desses
elementos
típicos
do
cenário/enquadramento conceptual de guerra (uma guerra justa, ou a ser justificada), podemos
nos remeter à metáfora (ou “sistema metafórico”) proposta por Lakoff (1991) com referência
à guerra do Golfo (1990/1991). Lakoff acredita “que a maneira mais natural de se justificar
moralmente uma guerra é sobrepor a estrutura do conto de fadas a uma dada situação”
(1991:5).
De acordo com o autor, os personagens deste sistema seriam: o vilão, a vítima e o
herói, e estes dois últimos poderiam ser a mesma pessoa.
78
NYT, National Desk, A Day Of Terror;Bush’s Remarks to the Nation on the Terrorist Attacks, 12/09/01
(Late Edition-Final, Section A, Page 4, Column 1)
79
NYT, National Desk, After The Attacks: The Events; In Four Days, a National Crisis Changes Bush’s
Presidency, 16/09/01 (Late Edition – Final, Section 1, Page 1, Column 5)
80
NYT, National Desk, After the Attack: The Military; Pentagon Drafts a Shopping List for Waging a War
on Terrorism, 16/09/01 (Late edition-final, Section 1, Page 6, Column 5)
No caso do ataque e reação (a “situação”) de 11/09, a vítima e o herói foram
conceptualizados como um só: os Estados Unidos da América.
Como já foi dito acima, o herói (os E.U.A) não iria à guerra apenas pela retaliação
motivada pela morte das quase 3.000 vítimas diretas dos ataques do 11/09. Metonimicamente,
essas vítimas passaram a simbolizar o povo americano, que, por sua vez, deu lugar à
nação/estado para conduzir o processo retaliatório. No entanto, a nação é dialeticamente
ressignificada a partir da metáfora NAÇÃO É PESSOA, que por sua relevância no cenário da
guerra, aqui enfocada, será explorada a seguir.
6.6 NAÇÃO É PESSOA
Uma das metáforas conceptuais que mais se faz presente no discurso político é
NAÇÃO É PESSOA (LAKOFF, 1991; ROHRER, 1995:117). Ela domina o pensamento da
política internacional.É compreensível que assim o seja, pois organizações de todos os tipos
tendem a ser personificadas. O discurso jurídico fala de corporações como “pessoas legais”.
Uma vez que os Estados se tornaram a forma mais poderosa da organização política e têm
suas origens na força do indivíduo, não surpreende que essa metáfora seja encontrada.
(CHILTON e LAKOFF, 1995:37). Cabe ainda observar que esse tropo pode ser visto com
uma metonímia por muitos, mas que, no caso da política internacional, ela se configura como
metáfora (LAKOFF, 2005; ROHRER, 1995).
Ainda de acordo com Rohrer (ibid:35), esta metáfora:
está profundamente enraizada na nossa cultura e ela compartilha desdobramentos com
tantas outras metáforas que é difícil imaginar conceptualizar nação como qualquer
outra coisa e ainda propicia um relato rico e coerente da política de uma nação.
Roher (ibid) sugere que Platão a usou em Crito: política é naturalmente a extensão de
nossos corpos em um espaço político imaginário.
Esta metáfora já foi usada pelo Presidente Bush – Pai, na guerra do Golfo I, em 1991,
e mais recentemente ela retorna aos eventos envolvendo os ataques às Torres Gêmeas e ao
Pentágono (2001), Afeganistão (2001) e Iraque (2003) pelo Presidente Bush – Filho. Ela tem
um papel preponderante na justificativa das guerras naqueles dois países, aliado ao fato de que
o Presidente Bush, filho, também, assim como o pai, se respalda nas personificações dos
Estados Unidos com intuito de evocar sentimentos patrióticos em tempos de crise
(CHARTERIS-BLACK, 2005:174).
Lakoff (2005:01) alerta que NAÇÃO É PESSOA é uma metáfora persuasiva, poderosa
e faz parte de um elaborado sistema metafórico. Ela é parte de uma metáfora da comunidade
internacional (povoada por NAÇÃO-PESSOAS), em que as nações amigas se engajam em
relacionamentos sociais do tipo: nações hostis, amigas, estados desonestos, etc. Estados
também são vistos como tendo personalidades: eles podem ser confiáveis ou não, agressivos
ou pacíficos, estáveis ou paranóicos, cooperados ou intransigentes, empreendedores ou não
(CHILTON e LAKOFF, 1995:39). Esta metáfora está imbuída da noção de interesse nacional:
assim como é do interesse de uma pessoa ser saudável e forte, é também do interesse da
NAÇÃO-PESSOA ser economicamente saudável e militarmente forte. É este o significado de
“interesse nacional”. Entendo que esta metáfora é usada pela administração Bush e
colaboradores externos com a finalidade de dar e encorajar apoio à sua política, fortalecer e
reforçar uma imagem do inimigo.
É muito comum atribuir à NAÇÃO-PESSOA desejos naturais, tais como desejar que
os outros sejam como nós mesmos. Ainda dentro dessa concepção de NAÇÃO É PESSOA,
experiências culturais específicas podem contribuir para o domínio- fonte dessa metáfora. Nos
Estados Unidos, a comunidade mundial é freqüentemente conceptualizada como um tipo de
cidade fronteiriça, com estados cumpridores de leis (o próprio Estados Unidos aliados aos
países por eles favorecidos) e estados marginalizados (talvez “loucos”, “selvagens”,
“irracionais”, etc.).
A política estrangeira vê a saúde de um “estado-pessoa” em termos de riqueza
nacional e a força do estado-pessoa como força militar – em vez de, digamos, a saúde ou bemestar de seus cidadãos individualmente.
Assim, os Estados se relacionam de uma forma humana, cordial ou conflituosa. Esta
metáfora possibilita que a guerra seja um ajuste de contas, a partir de um desequilíbrio moral
por parte de um determinado Estado, apoiando, assim, a legitimação da guerra.
A transformação dos Estados Unidos em estado-pessoa reforça o sentimento de
identidade nacional da sociedade americana. Essa metáfora, de base ontológica, estabelece
uma relação entre o domínio fonte (a pessoa) e domínio alvo (o Estado). O Estado, como uma
pessoa, se comporta como qualquer ser humano. Ele está sujeito às mazelas da vida, e, assim,
torna-se a vítima principal dos atentados.
67. – “Today America has experienced one of the greatest tragedies....” (John Ascroft,
Ministro da Justiça)81
“Hoje a América sofreu uma das maiores tragédias...”
81
NYT, National Desk, A Day of Terror: Verbatim; Bush Aides Speak Out On Attacks, 12/09/01 (Late
edition – Final, Section 4, Page 4, Column 6).
68. – “But one thing that happens here in this place is when America suffers, and when
people perpetrate acts against this country,....” (J. Dennis Hastert, Speaker of the
House)82
“O que acontece aqui neste lugar é quando a América sofre, e quando pessoas
perpetram atos contra este país,...”
69. – “These acts of mass murder... to frighten our nation...” (Discurso do Presidente
Bush na noite de 11/09)83
“Estes atos de assassinato em massa... para assustar a nossa nação...”
70. – “Today our nation saw evil,...” (Discurso do Presidente Bush na noite de
11/09)84
“Hoje a nossa nação viu o mal,...”
Essa condição de humanização de uma nação, como vítima, faz com que esta tenha
amigos, vizinhos, inimigos, etc.que se solidarizam com sua dor:
71. – “He said that Italy was with America in its sorrow and would be with America in
its response.” (Silvio Berlusconi, Primeiro Ministro da Itália)85
“Ele disse que a Itália estava com a América na sua dor e estaria com a América na
sua determinação”.
72. – “America and our friends and allies join...” (Discurso do Presidente Bush na
noite de 11/09)86
“A América e nossos amigos e aliados juntam-se...”.
73. – “Mr. Bush added:.... But this administration, along with those friends of ours
who....”(Fala do Presidente Bush)87
82
NYT, National Desk, A Day of Terror: Verbatim; Bush Aides Speak Out On Attacks, 12/09/01 (Late
edition – Final, Section 4, Page 4, Column 6).
83
NYT, National Desk, A Day Of Terror; Bush’s Remarks to the Nation on the Terrorist Attacks, 12/09/01
(Late edition – Final, Section A, Page 4, Column 1).
84
NYT, National Desk, A Day Of Terror; Bush’s Remarks to the Nation on the Terrorist Attacks, 12/09/01
(Late edition – Final, Section A, Page 4, Column 1).
85
NYT, National Desk, A Day of Terror: The World’s Reaction:; European Nations Stand With U.S.,
Ready to Respond,12/09/01 (Late edition - final, Section A, Page 23, Column 3).
86
NYT, National Desk, A Day Of terror; Bush’s Remarks to the Nation on the Terrorist Attacks, 12/09/01
(Late edition – Final, Section A, Page 4, Column 1).
87
NYT, National Desk, After the Attacks: The White House; Bush Warns of a Wrathful,
Shadowy and Inventive War, 17/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 2, Column 1).
“O Sr. Bush acrescentou:.... Mas esta administração, junto com aqueles nossos amigos
que....”
74. – “Turkey is a friend,” Mr. Bush said, “....”(Fala do Presidente Bush)88
“A Turquia é amiga”, disse o Sr. Bush, “....”
A nação-pessoa, uma vez tendo os seus interesses violados, tem o dever de se
defender. Assim a vítima torna-se o herói:
75. – “America has stood down enemies before,...”. (Discurso do Presidente Bush na
noite de 11/09)89
“A América já derrubou inimigos antes,...”
76. – “President Bush... vowed that the United States would hunt down and punish
those....”90
“Presidente Bush... jurou que os Estados Unidos caçariam e puniriam aqueles....”
77. – “... that the United States exercise its right to self-defense and to protect United
States citizens both at home an abroad,...” (Texto da Resolução em conjunto
deliberando o uso das Forças Armadas, dos Estados Unidos, aprovado pela Câmara e o
Senado daquele país)91
“.. que os Estados Unidos exerçam seu direito de autodefesa e protejam cidadãos
americanos tanto em casa quanto no estrangeiro,...”
A nação-pessoa quando se sente ameaçada tem o direito de avaliar a forma como se
defenderá do inimigo até mesmo procurando amigos, aliados para se fortalecer, se for caso:
78. – “..., Lord Robertson added: “The country attacked has to make decisions, it has
to be the one that asks for help.The United States is still assessing the evidence
available. They are the one to make that judgment.”92
88
NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President; President Readies U.S. For Prospect Of
Imminent War, 18/09/01 (Late edition – final, Section A, Page 1, Column 6).
89
NYT, National Desk, A Day Of Terror; B ush’s Remarks to the Nation on the Terrorist Attacks, 12/ 09/01
(Late edition – Final, Section A, Page 4, Column 1).
90
NYT, National Desk, U.S. Attacked; President Vows to Exact Punishment for “Evil”.”12/09/01 (Late
edition – Final, Section A, Page 4, Column 4).
91
NYT, National Desk, After the Attacks; Text of Joint Resolution Allowing Military Action, 15/09/01 (Late
Edition – Final, Section A, Page 16, Column 5).
92
NYT, National Desk, After The Attacks: The Alliance; For First Time, NATO Invokes Joint Defense
Pacat With U.S., 12/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 17, Column 5).
“..., Lord Robertson acrescentou: “O país atacado tem de tomar decisões, ele tem de
ser aquele que pede ajuda. Os Estados Unidos ainda estão avaliando as provas
disponíveis. São eles que farão o julgamento”.
79. – “Secretary Powell... the United States feels itself to be at war but is also seeking
allies in that battle.”93
“O Secretário Powell... os Estados Unidos se sentem em guerra, mas estão também
procurando aliados naquela batalha”.
O herói, assim, estava pronto para a retaliação. No entanto, a configuração do inimigo
não estava clara. Como justificar apenas um “estado de guerra”, como vimos anteriormente,
(“we are at war”), mas com real ataque militar, com todos os seus custos, se o outro extremo
do cenário (o inimigo), o alvo da ação do herói, não havia sido definido?:
80. – “It is important, as we battle this enemy, to conduct ourselves that way.”
(Presidente Bush com repórteres em uma entrevista telefonada com o governador e o
prefeito de Nova Iorque)94
“É importante, enquanto lutamos contra este inimigo, nos conduzirmos desta
maneira”.
81. – “To authorize the use of United States Armed Forces against those responsible
for the recent attacks launched against the United States.”[ Texto da Joint Resolution
(Resolução em conjunto deliberando ação militar, aprovada pela Câmara e Senado dos
Estados Unidos)95
“Autorizar o uso das Forças Armadas dos Estados Unidos contra os responsáveis pelos
recentes ataques contra os Estados Unidos.”
82. – “We will rid the world of the evil-doers,” Mr. Bush said,...” (Fala do Presidente
Bush) 96
“Livraremos o mundo dos mal-feitores”, disse o Sr. Bush,...”
93
NYT, National Desk, After The Attacks: The Diplomacy; Powell Says It Clearly: No Middle Ground on
Terrorism, 13/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 17, Column 1).
94
NYT, National Desk, Excerpts From President’s Remarks Into Investigation Into Attacks, 14/09/01 (Late
edition – Final, Section A, Page 18, Column 1).
95
NYT, National Desk, After the Attacks; Text of Joint Resolution Allowing Military Action, 15/09/01 (Late
Edition – Final, Section A, Page 16, Column 5).
96
NYT, National Desk, After The Attacks: The White House; Bush Warns of a Wrathful,
Shadowy and Inventive War, 17/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 2, Column 1).
83. – “... Mr. Bush has said will be a prolonged war against those who carried the
attacks.” (Fala do Presidente Bush) 97
“... o Sr. Bush disse que será uma longa guerra contra aqueles que efetuaram os
ataques”.
84. – “President Bush’s father …. told a Boston audience, “... should this most recent
surprise attack erase the concept in some quarters that America can somehow go it
alone in the fight against terrorism....”98
“O pai do Presidente Bush... disse a uma platéia em Boston, “... esse recente ataque
surpresa deveria apagar o conceito em algumas partes do mundo de que a América
poderá ficar sozinha na luta contra o terrorismo...”
A preposição “against” (contra) após o verbo “battle” (batalhar, lutar) caracterizaria o
inimigo: terrorismo, inimigo, os responsáveis pelo ataque e “mal-feitores”. Como (contra)
atacar militarmente inimigos tão vagos?
A ocupação desse lugar desconfortavelmente indefinido deu-se, em primeiro lugar, por
meio da nomeação de um vilão concreto e da organização de que era líder:
85. – Mr.Bush identified Osama bin Laden,..., as “prime suspect ” in the attacks...,99
O Sr Bush identificou Osama bin Laden,..., como o “primeiro suspeito” aos ataques,...
86. – “Mr. Cheney, Mr. Rumsfled and Mr. Powell all said,...that evidence pointed out
to Mr. bib Laden and his AlQaeda organization as responsible for last week’s
attacks.” (Falas do Sr. Cheney, Sr. Rumsfeld e Sr. Powell, Vice-Presidente, Secretário
de Defesa e Secretário de Estado, respectivamente)100
“Sr. Cheney, Sr. Remsfeld e Sr. Powell todos afirmaram que,... que indícios
apontaram o Sr. bin Laden e sua organização Al Qaeda como responsáveis pelos
ataques da última semana.”
97
NYT, National Desk, A Nation Challenged: the Military; Pentagon Activates First Wave of Guardsmen
and Reservists, 18/09/01 (Late edition – Final), Section B, Page 7, Column 3).
98
NYT, Foreign Desk, A Nation Challenged: The Diplomacy; World Leaders List Conditions On
Cooperation, 19/09/01 (Late Edition-Final, Section A, Page1, Column 2).
99
NYT, National Desk, After The Attacks: The Overview; Long Battle Seen, 16/09/01, (Late Edition – final,
Section 1, Page 1, Column 6).
100
NYT, National Desk, After The Attacks: The White House; Bush Warns of a Wrathful, Shadowy and
Inventive War, 17/09/01. (Late Edition – Final, Section A, Page 2, Column 1).
87. – After the attacks on the World Trade Center and the Pentagon, the Bush
administration quickly named Osama bin Laden as the leading suspect…”101
“Depois dos ataques ao World Trade Center e ao Pentágono, a administração Bush
rapidamente indicou Osama bin Laden como o principal suspeito.”
O ciclo do Conto de Fadas não pode ainda justificar uma ação militar, considerando
que o inimigo, mesmo agora, supostamente identificado, não pode ser, de fato, atacado
militarmente. Esse dilema é resolvido quando uma nação, o Afeganistão, por meio de seus
líderes talibãs, coloca-se como “protetora- guardiã” dos inimigos. Assim:
88. – But American intelligence officials believe that Mr. bin Laden’s ties with the
Taliban are increasingly close and that his freedom of movement may have increased
in recent months.102
Mas membros da inteligência americana acreditam que os laços do Sr. bin Laden com
o Talibã estão se estreitando e que sua liberdade de movimento pode ter aumentado
nos últimos meses.
89. – “Secretary Powell said that United States officials expected to contact Taliban
leaders in Afghanistan to demand they expel Mr. Bin Laden’s organization, which has
been operating there for several years.” “They must help us destroy this organization,
Secretary Powell said. (Secretário de Estado C. Powell)103
“O secretário Powell disse que funcionários dos Estados Unidos esperavam contatar
líderes do Talibã para perdir-lhes que expulsassem a organização de bin Laden, que
opera naquele país há vários anos.” “Eles devem nos ajudar a destruir essa
organização”, disse o secretário Powell.
90. – ...the national security adviser, Condoleeza Rice, agreed, adding that the Taliban
would” face the wrath of an international coalition” if they failed to turn over Mr. bin
Laden. 104
101
NYT, Metropolitan Desk, A Nation Changelled; The Investigation So Far, 07/10/09 (Late Edition – Final,
Section B, Page 4, Column 4).
102
NYT, National Desk, A Day Of Terror: The Afghans; Condemning Attacks, Taliban Says bin Lasden
Not Involved, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 23, Column 3).
103
NYT, National Desk, After The Attacks: The White House; Bush Warns of a Wrathful, Shadowy and
Inventive War, 17/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 2, Column 1).
104
NYT, Foreign Desk, A Nation Challenged: The Intelligence; U.S. Certain That bin
Laden Remains Inside Afghanistan, 24/09/01 (Late Edition- Final, Section B, Page 2,
Column 1).
...a conselheira para assuntos de segurança nacional, Condoleeza Rice, concordou,
dizendo que o Talibã “enfrentaria a ira de uma coalizão internacional” se eles não
entregassem o Sr. bin Laden.
91. – For three weeks, Mr..Bush had issued ultimatums, threats to capture Osama bin
Laden “dead or alive” (in Afghanistan) and warnings to Americans that they were in
for a long war.105
Durante três semanas, o Sr. Bush emitiu ultimatos, ameaças para capturar Osama bin
Laden “vivo ou morto” (no Afeganistão) e alertas aos americanos de que estavam
envolvidos em uma longa guerra.
O cenário Conto de Fadas, para se justificar uma guerra, é assim, rapidamente,
configurado em todos os elementos essenciais, sugeridos por Lakoff (1991).
“Um ato criminoso é cometido (ataque do 11/09) por um vilão (bin Laden/Al Q’aeda,
que não podem ser diretamente atacados; Talibãs / Afeganistão, que podem ser atacados)
contra uma vítima (pessoas que morreram no 11/09, povo americano, nação americana,
E.U.A) e o herói (E.U.A), sozinho ou com ajudantes (aliados)” (LAKOFF, 1991:5, parênteses
nossos).
A ação-resposta militar “literaliza”, dessa forma, o cenário de guerra:
92. – “President Bush told the American military today to get ready for a long war. 106
“O Presidente Bush disse aos militares hoje para ficarem de prontidão para uma
guerra longa....”
93. – The administration, however, is preparing a powerful military strike...107
A administração, entretanto, está preparando um ataque militar poderoso...
O presidente Bush admite que há um lugar onde essa guerra se desenvolve:
94. – The Pentagon is surveying a host of unattractive military options as officials seek
to fulfill presidential and public expectations to strike back quickly and decisively. 108
105
NYT, Foreign Desk, A Nation Challenged: The Planning; Quitly, Carefully, President Worked Toward
a Decision on Attack-Aid Combination, 08/10/01 (Late Edition – Final, Section B, Page 6, Column 1).
106
NYT, National Desk, After The Attacks: The Overview; Long Battle Seen, 16/09/01 (Late Edition – Final,
Section 1, Page 1, Column 6).
O Pentágono está pesquisando uma quantidade de opções militares impopulares, na
medida em que funcionários procuram satisfazer as expectativas presidenciais e do
povo de revidar com ataque rápido e decisivamente.
95. – His conclusion, the office said, was that the first American strikes would
probably involve air attacks from bases elsewhere, including ships in the Arabian
Sea...2
Sua conclusão, o funcionário disse, foi de que os primeiros ataques americanos
provavelmente envolveriam ataques aéreos em diferentes bases, incluindo navios no
Mar da Arábia,...
96. – President Bush decided early last week that the bombing of Afghanistan would
probably begin on Sunday, administration officials said. 3
Funcionários da administração disseram que o Presidente Bush decidiu no início da
semana passada que o bombardeio do Afeganistão começaria provavelmente no
domingo.
Mesmo havendo vozes que questionam a legitimidade deste cenário:
97. – “... Anna Lindh and Joschka Fischer, both suggested that it was early to talk of
military action when so little was known about the origins of the attacks.” (Os
ministros da Relações Exteriores da Suécia e Alemanha, respectivamente)109
“... Anna Lindh e Joschka Fischer sugeriram que era cedo para se falar de ações de
guerra quando tão pouco se sabia das origens dos ataques.”
98. – Reading a statement from the Foreign Affairs Ministry in Kabul.... “We want to
say to the American people... the impacts and consequences and untoward problems
of a war,” he said.110
107
NYT, Foreign Desk, After The Attacks: the Strategy; A New War And Its Scale, 17/09/01 (Late Edition –
Final, Section A, Page 1, Column 4).
108
NYT, Fo reign Desk, A Nation Challanged: Washington; Bush’s Advisers Split on Scope Of Retaliation.,
20/09/01 (Late Edition-Final, Section A, Page 1, Column 5).
2
NYT, Foreign Desk, A Nation Challenged: The Neighbour; U.S. Officers Are Meeting In Islamabad On
War Plans, 25/09/01 (Late Edition – Final, Section B, Page 1, Column 1).
3
NYT, Foreign Desk, A Nation Challenged: The Planning; Quitly, Carefully, President Worked Toward a
Decision on Attack-Aid Combination, 08/10/01 (Late Edition – Final, Section B, Page 6, Column 1).
109
NYT, National Desk, After The Attacks: the Alliance; For The First Time, NATO Invokes Joint Defense
Pact With U.S, 13/09/01 (Late edition – final, Section A, Page 17, Column 5).
110
NYT, Foreign Desk, A Nation Challenged: The Neighbor; U.S. Officers Are Meeting In Islamabad,
25/09/01 (Late Edition – Final, Section B, Page 1, Column 1).
Ao ler uma declaração do Ministério dos Assuntos Estrangeiros, em Kabul....
Queremos dize ao povo americano... os impactos e conseqüências e problemas que
advém de uma guerra,” ele disse.
99. – The White House also announced today that Mr. Bush would meet on
Wednesday with Pio Laghi, a retired cardinal sent by Pope John Paul II to Mr. Bush to
make “every effort” to avoid war.111
A Casa Branca também anunciou hoje que o Sr.Bush se encontraria na quarta- feira
com Pio Laghi, um cardeal aposentado enviado a Bush pelo Papa João Paulo II para
que “faça todos os esforços” para evitar guerra.
A invasão foi tão bem justificada por meio de enquadramento conceptual e
discursivamente bem sucedida que recebeu forte apoio internacional:
100. – Belgium’s prime minister, Guy Verhofstadt, said European states were now
prepared to join military actions “against states harboring or supporting terrorists.”112
O Primeiro Ministro da Bélgica, Guy Verhofsdat, declarou que os Estados estavam
agora preparados para se integrarem em ações militares “contra estados que acolhem
e apoiam terroristas.”
101. – ..., Mr. Bush greeted the Prime Minister Jean Chrétien of Canada at the White
House today, embracing him as “brother” who was willing to share the burden of the
fight.113
..., na Casa Branca, o Sr. Bush saudou o Primeiro Ministro Jean Chrétien do Canadá
que se mostrou desejoso de compartilhar o ônus da luta.
Dessa forma, acredito que a primeira ação/reação concreta de retaliação (invasão do
Afeganistão) foi em grande parte justificada e recebeu apoio maciço do povo americano por
ter sido legitimada por meio da construção conceptual e discursiva de um cenário de guerra
estruturado, fundamentalmente, pela metáfora do Conto de Fadas (LAKOFF, 1991).
111
NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: Attack Strategy; Top General Sees Plan to Shock Iraq Into
Surrendering, 05/03/02 (Late Edition-Final, Section A, Page 1, Column 1).
112
NYT, Foreign Desk, A Nation Challenged: Cooperation; U.S. Sanctions On Islamabad Will Be Lifted.,
22/09/01 (Late Edition – final, Section A, Page 1, Column 5).
113
NYT, Foreign Desk, A Nation Challanged: Diplomacy; U.S. Prepares to Brief NATO on Strategy to
Fight bin Laden, 25/09/01 (Late Edition – Final, Section B, Page 2, Column 1).
6.7 Ainda a guerra nas palavras: o caso do Iraque
Como vimos no capítulo 3, a análise crítica da metáfora parte do pressuposto de que o
contexto sócio-histórico não só define como em grande parte é definido pelo discurso e pelas
estruturas sócio-cognitivas, incluindo a metáfora conceptual, que subjazem a ele (LAKOFF e
JOHNSON, 1980/2002; CHARTERIS - BLACK, 2004, 2005 e MUSOLFF, 2004).
Por essa razão não posso deixar de situar historicamente, mesmo que o recorte
apresentado não seja exaustivamente detalhado e aprofundado, os acontecimentos a que as
metáforas aqui enfocadas se referem.
Como é sabido, o ataque ao Afeganistão não cumpriu com o seu suposto objetivo, que
era capturar o mentor dos atos criminosos de 11/09. No entanto, esta ofensiva militar não foi
ressignificada como um fracasso: o governo Bush argumentou que a desestabilização do
regime talibã muito contribuiria para o desmantelamento da rede Al’Qaeda, organização
terrorista liderada por Osama bin Laden e, supostamente, envolvida diretamente nos ataques
de 11/09 (MANN, 2003).
No que diz respeito à reestruturação do sistema metafórico do Conto de Fadas, a partir
do resultado, a princípio frustrante do ponto de vista da “retaliação” promovida pelo herói,
houve um deslocamento do eixo “vítima”. O herói continuava o mesmo (E.U.A), mas a figura
da vítima deixou de ser representada apenas pela nação americana, passando a incluir o
próprio povo afegão, supostamente oprimido pelo regime talibã (o inimigo). No cenário do
Conto de Fadas, o subcenário “resgate” (libertar as vítimas: os afegãos) sub stituiu o
subcenário “retaliação”, que, originalmente motivou “a resposta militar” (ibid).
A mudança (ou re-enquadramento) de subcenários (resgate/retaliação) e dos eixos
principais do sistema metafórico do Conto de Fadas (ato criminoso/ameaça – vítima – vilão –
herói) parece ter sido também uma característica do discurso que justificou a guerra do Iraque,
que sucedeu a do Afeganistão.
Como vimos na análise anterior, a relação, cognitiva e discursivamente justificada,
entre a ofensiva militar no Afeganistão e o 11/09, era muito clara no cenário Conto de Fadas:
a vítima/herói iria capturar o vilão e assim promover a retaliação.
No caso da ofensiva militar no Iraque, o cenário não parecia ser tão propício a um
enquadramento neste sistema metafórico. E parto da convicção de que, sem um
enquadramento neste sistema, a guerra dificilmente se justifica, pelo menos na cultura
ocidental, que compartilha os pressupostos da guerra “literal” (CLAUSEWITZ, 2003) e da
guerra “metafórica” (LAKOFF, 1991).
Não me cabe aqui tecer considerações sobre as razões “reais” que levaram os E.U.A a
invadir o Iraque: há teorias que as situam dentro de um grande projeto de “Império”,
(CHOMSKY, 2004; MANN, 2003) ou que as vinculam a interesses econômicos e
geopolíticos envolvendo o petróleo iraquiano (MOORE, 2004). Parto do pressuposto, porém,
de que a decisão do governo Bush de invadir o Iraque (que parece ter tido motivações
inclusive antes do 11/09, MANN, 2003) beneficiou-se do “clima de medo” nos E.U.A gerado
a partir do 11/09 (CHOMSKY, 2004).
A guerra do Iraque, no entanto, requereu uma justificativa bem mais elaborada do que
a do Afeganistão. Uma evidência disso é que, ao contrário dessa última, que foi legitimada
pelo Conselho de Segurança da ONU e obteve apoio da maior parte dos países ocidentais, a
ofensiva americana no Iraque não foi sancionada pela ONU e foi apoiada por um número bem
menor de aliados:
102. – Secretary General Kofi Annan warned today that if the United States fails to
win approval from the Security Council for an attack on Iraq, Washington’s decision
to act alone or outside the Council would violate the United Nations charter.114
O Secretário Geral Kofi Annan advertiu hoje que se os Estados Unidos não conseguir
aprovação do Conselho de Segurança para um ataque ao Iraque, a decisão de
Washington de agir sozinho ou fora do Conselho violaria a Carta das Nações Unidas.
103. – Diplomats... met here today, with the foreign ministers of France, Germany and
Russia... arguing that the planned American –led invasion to disarm Iraq and oust
Saddam Hussein had no basis in international law.115
Diplomatas... encontraram-se aqui hoje, com os ministros das Relações Exteriores da
França, Alemanha e Rússia... defendendo que a invasão planejada e liderada pelos
americanos para desarmar o Iraque e expulsar Saddam Hussein não tem base no
direito internacional.
104. – ..., Foreign Minister Igor S. Ivanov of Russia said “not one of these decisions
authorizes the right to use force against Iraq outside the United Nations charter.”116
114
NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: United Nations; Ann Says U.S. Will Violate Charter if It
Acts Without Approval , 11/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 10, Column 1)
115
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: United Nations; Critics Say U. S. Lacks Legal Basis for
Attack, 20/03/03 (Late Edition- final, Section A, Page 19, Column 1)
116
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: United Nations; Critics Say U.S. Lacks Legal Basis for
Attack, 20/03/03 (Late Edition-Final, Section A, Page 19, Column 1)
..., o Ministro das Relações Exteriores Igor S. Ivanov da Rússia disse que “nenhuma
dessas decisões autoriza o direito de usar força contra o Iraque sem o aval da carta
das Nações Unidas.”
Mas como justificar cognitiva e discursivamente a decisão de invadir o Iraque?
Novamente, podemos observar como o sistema metafórico do Conto de Fadas é, para isso,
acionado.
Em primeiro lugar a triangulação vítima – vilão- ato criminoso não estava
absolutamente nítida. Quem era a vítima do estado iraquiano? Temos aqui duas possibilidades
que foram discursivamente exploradas por Bush e seus colaboradores:
CENÁRIO 1:
Vítima: o próprio povo iraquiano (oprimido pelo regime imposto por um ditador)
Vilão: Saddam Hussein
Ato Criminoso: tirania/opressão
Herói: (o libertador: os E.U.A)
Subcenário: resgate (do povo iraquiano, estabelecimento da democracia).
Esse cenário, com todos os seus elementos cognitivos, foi marcado discursivamente:
105. – “Mr. Bush also reiterated the argument... the installation of a democratic
government in Iraq may act as a catalyst for the spread of democracy in a region
dominated by autocratic governments, many of them American allies.” (Atribuído ao
Presidente Bush) 117 “
O Sr. Bush reiterou o argumento... a instalação de um governo democrático no Iraque
pode agir como um catalisador para espalhar (difundir) a democracia em uma região
dominada por governos autocratas, muito deles aliados americanos.”
106. – “The president refused to say.... Instead, he referred to plans to ease the
burdens of ordinary Iraqis, promising that a post-Hussein government would respect
minority rights and...” (Atribuído ao Presidente Bush) 118
117
NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President; President Readies U.S. For Prospect Of
Imminent War, 07/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 6).
118
NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President;President Readies U.S. For Prospect Of
Imminent War, 07/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 6).
“O presidente recusou-se a dizer..... Em vez disso, referiu-se aos planos que aliviariam
a carga do povo do Iraque, prometendo que um governo pós - Hussein respeitaria os
direitos da minoria e....”
107. – To the Iraqi people, Mr Bush gave notice that he would soon begin an invasion
that he said would liberate them from a murderous regime119
Ao povo iraquiano, o Sr. Bush informou que muito em breve ele começaria uma
invasão que os libertaria de um regime assassino.
108. – Aircraft packed with radio transmitters.... “We are fighting for a just cause to
liberate a persecuted people, and to guarantee the American people’s security,” the
broadcast said.120
Um avião C-130 equipado com transmissores de rádio.... “Estamos lutando por uma
causa justa para liberar um povo perseguido, e para garantir a segurança do povo
americano,” informou o comunicado.
Esse cenário, entretanto, que coloca os E.U.A como herói, representante da
democracia, como em uma “cruzada” iria libertar o povo oprimido pela tirania, ainda não
justificaria, sozinho, a ida à guerra. Afinal, este cenário excluía a possibilidade dos E.U.A
como vítima (real ou em potencial), em um cenário resgate. E países, a princípio, não
invadem outros países para interferir apenas em questões internas. Esta possibilidade, apesar
de presente em outros momentos históricos, não mais justifica, na cultura das democracias
ocidentais contemporâneas, uma ofensiva militar (MANN, 2003).
Um outro cenário é então, paralelamente, ativado; um cenário que, ainda dentro do
sistema metafórico do Conto de Fadas, possa contemplar a possibilidade de enquadrar os
E.U.A como vítima, mesmo que em potencial.
Nesse enquadramento, o vilão continua sendo Saddam Hussein, mas o ato criminoso
não mais seria a sua tirania contra o povo iraquiano, e sim o possível ataque a países vizinhos
e ao próprio mundo ocidental por meio das chamadas armas de destruição em massa (ADM),
supostamente escondidas pelo ditador. Se ele não as entregasse, o Iraque seria atacado pelo
herói (E.U.A). Nesse caso, o subcenário seria de retaliação, e não mais de resgate.
119
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: The President; Bush Gives Hussein 48 Hours, and Vows to
Act, 18/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 6)
120
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: The Troops; War Imminent as Hussein Rejects
Ultimatum, 19/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 6)
CENÁRIO 2:
Vítima: (em potencial): países vizinhos, mundo ocidental, E.U.A
Vilão: Saddam Hussein
Ato Criminoso: (em potencial): presença de ADM
Herói: (os E.U.A)
Subcenário: retaliação
109. – One American diplomat said... Mr. Blix arrive in Baghdad,... and simply
demand that Iraq present its weapons....121
Um diplomata americano disse... o Sr. Blix chegasse em Bagdá,..., e simplesmente
exigisse que o Iraque entregasse suas armas....
110. – Some administration officials said they hoped that efforts might still highlight
Iraq’s many failures to disarm.122
Alguns funcionários da administração disseram que esperavam que os esforços
pudessem ressaltar as muitas tentativas de desarmamento do Iraque.
111. – “The president repeatedly stated that Iraq had failed to disarm. “This is a fact,“,
he said. ”It cannot be denied.”(Fala do Presidente Bush) 123
“O Presidente repetidamente declarou que o Iraque deixou de desarmar-se. “Isto é um
fato,” ele disse. “Não se pode negar.”
112. – President Bush, in his weekly radio address today,..., declaring that Iraq” is still
violating the demands of the United States by refusing to disarm.”124
O Presidente Bush, no seu programa de radio hoje,..., declarando que o Iraque “está
ainda violando as exigências das Nações Unidas ao recusar desarmar-se.”
113. – The administration has assigned top priority to the hunt for weapons of mass
destruction, officials said.125
121
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: United Nations; To White House, Inspector Is Now More
a Dead End Than a Guidespot, 02/03/02 (Late Edition – Final, Section 1, Page 13, Column 1)
122
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: United Nations; To White House, Inspector Is Now More
a Dead End Than a Guidespot, 02/03/02 (Late Edition – Final, Section 1, Page 13, Column 1)
123
NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President; President Readies U.S. for Pros pect of
Imminent War, 07/03/03 (Late Edition-Final, Section A, Page 1, Column 6).
124
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: Disarmament; Baghdad Resumes Dismantling Arms, But
Lists Demands , 09/03/03 (Late Edition – Final, Section 1, Page 1, Column 6)
125
NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: Disarming Saddam Hussein; Teams of Experts to Hunt
Iraq Arms , 19/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 1)
A administração determinou prioridade máxima na caça às armas de destruição de
massas, funcionários declararam.
114. – After months of relatively fruitless international inspections, the discovery of
such arms, officials said, would vindicate the administration’s decision to go to war to
disarm Iraq.126
Depois de meses de inspeções internacionais relativamente infrutíferas, a descobertas
de tais armas, declararam os funcionários, sustentaria a decisão da administração de ir
à guerra para desarmar o Iraque.
O herói torna-se a vítima em potencial:
115. – “President Bush prepared the country tonight... against Iraq, declaring that
Suddam Hussein posed a direct threat to the security of the United States...) (Fala do
Presidente Bush) 127
“O Presidente Bush preparou o país hoje à noite... contra o Iraque, declarando que
Suddam Hussein é uma ameaça direta à segurança dos Estados Unidos....”
116. – “Mr. Bush..., saying Mr. Hussein posed a comparable danger.”(Fala do
Presidente Bush) 128
“O Sr. Bush..., dizendo que o Sr. Hussein apresentou um perigo comparável.”
117. – “While portraying Iraq as the most urgent threat, Mr. Bush referred...”
(Atribuído ao Presidente Bush)129
Ao retratar o Iraque como a ameaça mais urgente, o Sr. Bush referiu-se”
118. – “But Mr. Bush said that... on confronting Iraq and the dangers it poses.”(Fala
do Presidente Bush) 129
126
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: Disarming Saddam Hussein; Teams of Experts To Hunt
Iraq Arms , 19/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 1)
127
NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President; President Readies U.S. for Prospect of
Imminent War, 07/03/03 (Late Edition-Final, Section a, Page 1, Colun 6).
128
NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President; President Readies U.S. for Prospect of
Imminent War, 07/03/03 (Late Edition-Final, Section A, Page 1, Column 6).
129
NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President; President Readies U.S. for Prospect of
Imminent War, 07/03/03 (Late Edition-Final, Section A, Page 1, Column 6).
129
NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President; President Readies U.S.
for Prospect of Imminent War, 07/03/03 (Late Edition-Final, Section A, Page 1, Column 6).
“Mas o Sr. Bush disse que... ao confrontar o Iraque e os perigos que ele apresenta.”
119. – “... Jack Straw... that Mr. Hussein had lost his last chance to disarm...” (Fala do
Ministro das Relações exteriores da Grã-Bretanha)130
“... Jack Straw... que o Sr. Hussein perdeu a sua última chance de desarmar-se....”
A justificativa do ataque ao Iraque se delineia a partir da recusa do “vilão” de abrir
mão daquilo que supostamente tornaria real o ato criminoso: as ADMs. Essa aparente recusa
enquadra-se no cenário como o “ato criminoso”, dando a entender que a guerra em eminência
poderia ser evitada pelo próprio vilão.
120. – Mr. Bush... saying clearly that Mr. Hussein had to go. He also... invited Mr.
Hussein to exile himself. “That’d be fine with me, just so long as Iraq disarms after
he’s exiled.”(Fala do Presidente Bush)131
O Sr. Bush... dizendo claramente que o Sr. Hussein tinha de ir. Ele também...
convidou o Sr. Hussein a ele mesmo se exilar. “Tudo bem comigo, desde que o Iraque
se desarme depois que ele se exilar.”
121. – “... I wish that Suddam Hussein had listened to the demands of the world and
disarmed. That was my hope.”(Fala do Presidente Bush) 132
“... Quisera que Suddam Hussein atendesse aos pedidos do mundo e se desarmasse”.
122. – “... Mr. Bush warned, “The risk of doing nothing, the risk of hoping that
Saddam Hussein changes his mind and becomes a gentle soul, the risk that somehow
that inaction will make the world safer, is a risk that I’m not willing to take for the
American people.”133
“... o Sr. Bush alertou, “O risco de fazer nada, o risco de se desejar que Saddam
Hussein mude de idéia e se torne uma alma bondosa, o risco de que de alguma forma
aquela inércia fará o mundo mais seguro é um risco que não desejo assumir para o
povo americano”.
130
NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President; President
Imminent War, 07/03/03 (Late Edition-Final, Section A, Page 1, Column 6).
131
NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President; President
Imminent War, 07/03/03 (Late Edition-Final, Section A, Page 1, Column 6).
132
NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President; President
Imminent War, 07/03/03 (Late Edition-Final, Section A, Page 1, Column 6).
133
NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President; President
Imminent War, 07/03/03 (Late Edition-Final, Section A, Page 1, Column 6).
Readies U.S. for Prospect of
Re adies U.S. for Prospect of
Readies U.S. for Prospect of
Readies U.S. for Prospect of
123. – “Students at hundreds of high schools and colleges nationwide are planning a
walkout on Wednesday to protest the Bush administration’s plans for war in Iraq.”134
“Centenas de estudantes do ensino médio e faculdades, em âmbito nacional, estão
planejando uma passeata na quarta-feira em protesto contra os planos da administração
Bush para a guerra do Iraque.”
A suposta recusa, assim, justifica o cenário “retaliação” como “autodefesa”:
124. – The president put the United States on heightened alert for terrorist reprisals
and prepared the American people for a war he said was an act of self-defense against
a country that had ties to terrorits and was still trying amass, hide and develop
biological, chemical and nuclear weapons”. Instead of drifting along toward tragedy,
we will set a course toward safety,” Mr. Bush said.135
O presidente colocou os Estados Unidos em alta alerta face às respostas terroristas e
preparou o povo americano para uma guerra que ele disse ser um ato de autodefesa
contra um país que tinha laços com terroristas e ainda estava tentando acumular,
esconder e desenvolver armas biológicas, químicas e nucleares.”Ao invés de ficar à
deriva entregue a uma tragédia, nós nos conduziremos à segurança”, ele declarou.
Mas o subcenário “resgate”, com o povo iraquiano como vítima, não é descartado,
complementando o quadro de justificativas. São dois cenários metafóricos que, juntos,
emolduram cognitiva e discursivamente a justificativa da invasão do Iraque:
125. – To the Iraqi people, Mr Bush gave notice that he would soon begin an invasion
that he said would liberate them from a murderous regime, and to the Iraqi military he
issued a stark warning against using chemical and biological weapons or destroying
their nation’s oil wells.136
Ao povo iraquiano, o Sr. Bush avisou que ele muito em breve começaria uma invasão
que os libertaria de um regime assassino, e ao militarismo iraquiano fez um duro
alerta contra o uso de armas químicas e biológicas ou destruição de seus poços de
petróleo.
134
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: Dissent; Student Groups Plan Walkout To Protest War,
01/03/02 (Late Edition – Final, Section A, Page 10, Column 1)
135
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: The President; Bush Gives Hussein 48 Hours, and Vows to
Act, 18/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 6)
Devido à fragilidade do novo cenário “retaliação”, que dependia da configuração das
ADMs como “ato criminoso”, mas cuja real existência estava longe de ser comprovada (os
inspetores da ONU nada encontraram em território iraquiano), tanto a ONU quanto os países,
mesmo os tradicionais/aliados, e até mesmo políticos e cidadãos americanos posicionaram-se
contra a guerra:
126. – ... President Hosni Mubarak of Egypt. In remarks broadcast on Monday night,
he implored the United States not to undertake military action that might kill innocent
civilians, divide Christians against Muslims and further inflame attitudes against
American policy in the region. 137
...o Presidente Hosni Mubarak do Egito. Nas suas considerações irradiadas na
segunda- feira à noite, ele implorou aos Estados Unidos que não desempenhassem uma
ação militar que pudesse matar civis inocentes, dividir Cristãos contra Muçulmanos e
ainda excitar atitudes contra a política americana na região.
127. – “We’re walking out of our classes because it’s completely ridiculous that
students in Iraq,..., will have to face the consequences of a unilateral war,” said
Amanda Flott, a University of Kansas student....”138
“Estamos saindo das salas porque é completamente ridículo que estudantes no
Iraque,..., terão que enfrentar as conseqüências de uma guerra unilateral, “disse
Amanda Flott, uma estudante da Universidade de Kansas...”
128. – In Russia,... Sergei Karaganov, a political analyst, said in a recent interview that
an American- led attack on Iraq “may lead to the disintegration of the international
antiterrorist coalition and to instability in the region.”139
Na Russia,... Sergei Karaganov, um analista político, afirmou em entrevista recente
que um ataque americano ao Iraque “pode levar a desintegração da coalizão
internacional antiterrorista e instabilidade à região”.
136
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: The President; Bush Gives Hussein 48 Hours, and Vows to
Act, 18/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 6).
137
NYT, Foreign Desk, A Nation Challenged: The Diplomacy; World Leaders List Conditions On
Cooperation, 19/09/01 (Late Edition-Final, Section A, Page1, Column 2).
138
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: Dissent; Student Groups Plan Walkout To Protest War,
01/03/02 (Late Edition – Final, Section A, Page 10, Column 1).
139
NYT, Foreign Desk, As U.S. Pursues a Verbal War Agaisnt Iraq, Other Nations Raise Their Voices,
01/09/02 (Late Edition – Final, Section 1, Page 16, Column 1)
129. – The two Democratic leaders of Congress said today that it would be premature
for the United States to initiate armed conflict with Iraq, with Senator Tom Daschle
accusing President Bush of “rushing to war” without exhausting other remedies.140
Os dois líderes democráticos do Congresso disseram hoje que seria prematuro para os
Estados Unidos iniciar um conflito armado contra o Iraque, com o Senador Tom
Daschle acusando o Presidente Bush de “correr para a guerra” sem esgotar outros
remédios.
130. – “Our situation has put us into a more isolated position than I ever anticipated,”
said Mr. Daschle, who said the United States would face a “significant risk” if it
moved against Iraq with only scattered international support.140
“Nossa situação nos colocou em uma posição muito mais isolada do que eu jamais
pude prever”, declarou o Sr. Daschle, que disse que os Estados Unidos enfrentaria um
“risco significativo” se invadissem o Iraque somente com um fraco apoio
internacional.
131. – An editorial in the leading newspaper Babel, lashed out that at the United States
and Britain for pushing for war while other nations were taking a more restrained
approach. It said the two countries “insist on swimming against the current”141
Um editorial no jornal de liderança Babel atacou violentamente os Estados Unidos e a
Grã-Bretanha por estarem incentivando uma guerra enquanto as outras nações estavam
adotando um enfoque mais cauteloso. O jornal afirma que os dois países “insistem em
nadar contra a corrente”.
132. – “We are all afraid because we expect we could be attacked at any minute,” said
Raghad Majid, a 23- year-old art student. “They want to attack no matter what.”142
“Estamos todos com medo porque poderemos ser atacados a qualquer momento”,
declarou Raghad Mijid, um estudante de arte de 23 anos. “Eles querem atacar não
importa o quê”.
140
NYT, National Desk, Threats And Responses: Congress; Top Democrats Say a War Against Iraq Is
Premature, 07/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 15, Column 6)
140
NYT, National Desk, Threats And Responses: Congress; Top Democrats Say a War Against Iraq Is
Premature, 07/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 15, Column 6)
141
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: Disarmament; Baghdad Resumes Dismantling Arms, But
Lists Demands , 09/03/03 (Late Edition – Final, Section 1, Page 1, Column 6)
142
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: Disarmament; Baghdad Resumes Dismantling Arms, But
Lists Demands , 09/03/03 (Late Edition – Final, Section 1, Page 1, Column 6)
133. – “Canada said it would not allow its troops to take part in the absence of a new
United Nations resolution.”143
O Canadá declarou que, na falta de uma nova resolução das Nações Unidas, não
permitiria que suas tropas participassem.....
134. – “China’s new premier, Wen Jiabao, called Tuesday for “every effort” to avoid
military conflict in Iraq...”144
O primeiro ministro da China, Wen Jiabao, pediu terça- feira “todos os esforços” para
evitar um conflito militar no Iraque....
135. – “Robin Cook,... who was leader of the House of Commons, resigned from Mr.
Blair’s cabinet, saying was “wrong to embark on military action without broad
international support.”145
Robin Cook,... que foi líder da Câmara dos Comuns, renunciou do gabinete do Sr.
Bush dizendo que foi “errado investir em uma ação militar sem um amplo apoio
internacional.”
136. – “The United Nations secretary general, Kofi Annan, emphasized the human
consequences of war, saying the Iraqis were “heavily dependent on the food ratio
which is handed out each month to every family in the country.”…146
O Secretário –Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, enfatizou as conseqüências
humanas da guerra, afirmando que os Iraquianos eram “plenamente dependentes de
alimentos que são entregues mensalmente para cada família no país”...
137. – “Diplomats... met here today, with the foreign ministers of France, Germany
and Russia... arguing that the planned American –led invasion to disarm Iraq and oust
Saddam Hussein had no basis in international law.”147
Diplomatas... encontraram-se aqui hoje, com os ministros das Relações Exteriores da
França, Alemanha e Rússia... defendendo que a invasão planejada e liderada pelos
143
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: The President; Bush Gives Husssein 48 Hours, and Vows
to Act, 18/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column6)
144
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: The President; Bush Gives Husssein 48 Hours, and Vows
to Act, 18/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column6)
145
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: The President; Bush Gives Husssein 48 Hours, and Vows
to Act, 18/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column6)
146
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: United Nations; Critics Say U.S. Lacks Legal Basis for
Attack, 20/03/03 (Late Edition-Final, Section A, Page 19, Column 1)
americanos para desarmar o Iraque e expulsar Saddam Hussein não tem base no
direito internacional.
Apesar desse clima desfavorável, os E.U.A e seus poucos aliados invadem o Iraque,
literalizando, mais uma vez a guerra:
138. – “Prime Minister John Howard of Australia authorized troops from his country
to fight alongside the American and British against Iraq”. 148
O Primeiro Ministro da Austrália John Howard autorizou tropas de seu país a lutar
junto às tropas americanas e britânicas contra o Iraque.
139. – “… military officials said American Special Operations forces had deployed
from their bases on secret missions into Iraq, signaling that the invasion was
imminent”. 149
..., funcionários militares disseram que as forças de Operações Especiais Americanas
distribuíram tropas de suas bases em missões secretas ao Iraque, sinalizando que a
invasão era iminente.
A fragilidade do cenário “retaliação” é logo evidenciada. As armas não são
encontradas, deixando claro a construção discursiva daquele enquadramento. Resta apenas o
cenário “resgate”. Saddam Hussein é preso e a “democracia” supostamente estabelecida com
as eleições de 2004. A vítima libertada pelo herói, entretanto, não legitima o resgate,
mostrando em vários conflitos internos a vulnerabilidade da democracia imposta. Os cenários
metafóricos justificaram a invasão, mas não foram suficientes para garantir ao herói a plena
vitória. Não se pode dizer que houve qualquer resgate ou retaliação.
6.8 Outras metáforas no corpus
Como pudemos observar na análise até aqui desenvolvida, o sistema metafórico do
Conto de Fadas, com seus enquadramentos específicos, apoiados, em muitos casos, na
metáfora NAÇÃO/ESTADO É PESSOA, parece subjazer aos discursos e justificativas em
torno do 11 de setembro e seus desdobramentos bélicos.
147
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: United Nations; Critics Say U. S. Lacks Legal Basis for
Attack, 20/03/03 (Late Edition- final, Section A, Page 19, Column 1)
148
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: The President; Bush Gives Hussein 48 Hours, and Vows to
Act, 18/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 6)
149
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: The Troops; War Imminent as Hussein Rejects
Ultimatum, 19/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 6)
No que diz respeito, às conceptualizações metafóricas de guerra, outras metáforas
parecem coexistir com a do Conto de Fadas, algumas vezes reforçando-a ou, pelo menos,
estabelecendo tanto a coerência metafórica a que Lakoff e Johnson (1980/2002) se referem
quanto a consistência ideológica do cenário (MUSOLFF, 2004) de guerra.
A metáfora conceptual GUERRA É JOGO, por exemplo, foi evidenciada no corpus:
140 – “But Mr. Bush said that... to force countries to ‘show their cards’ on confronting
Iraq... ”. (Fala do Presidente)150
“Mas o Sr. Bush disse que... forçar os países a mostrarem seus trunfos ao
confrontarem o Iraque... ”.
141 – “Admiral Kelly said,..., “The game could begin at any time”.151
O Almirante Kelly disse,..., “O jogo poderia começar a qualquer momento”.
A metáfora do jogo de cartas, no primeiro exemplo, evidencia elementos da cultura
americana (jogos de azar), sendo amplamente marcada na linguagem cotidiana da língua
inglesa (variação americana). No segundo caso, tornar a guerra um jogo esconde alguns
elementos do domínio alvo (mortes, destruição), realçando o aspecto “competitivo” da guerra.
O jogo, por sua vez, é tradicionalmente conceptualizado como guerra: na maior parte das
vezes, há vitoriosos e derrotados e o objetivo da competição é, como na guerra, a vitória. Mas,
a metáfora reversa, a guerra como um jogo, coloca, de uma certa forma, a nação como um
time, unindo jogadores (forças militares) e torcida (a nação que assiste e torce) em um único
desejo: a derrota do adversário.
Outra metáfora que aparece no corpus é a da GUERRA É RELIGIÃO, evidenciada,
em primeiro lugar, pela freqüente caracterização do inimigo (vilão) como evil, que remete ao
maniqueísmo religioso entre “bem X mal”, sendo que o lugar do “bem” é reservado ao herói,
no caso, os EUA:
142 – “We will stand together... those who have brought forth this evil deed....” (J.
Dennis Has tert, Speaker of the House)152
150
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: The President; President Readies U.S. For Prospect Of
Imminent War, 07/03/03 (Late edition – Final, Section A, Page 1, Column 6).
151
NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: The Troops; War Imminent as Hussein Rejects
Ultimatum, 19/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 6)
152
NYT, National Desk, A Day Of Terror: Verbatim; Bush Aides Speak Out On Attacks,
12/09/01 (Late Edition – Final, Section 4, Page 4, Column 6).
“Ficaremos juntos de pé... aqueles que trouxeram essa ação perversa, da maldade”.
143 – “Today our nation saw evil,...” (Fala do Presidente Bush ao se dirigir à nação na
noite do atentado)153
“Hoje a nossa nação viu a maldade”.
144 – “The search is under way... who are behind these evil acts.” (Fala do Presidente
Bush na noite do ataque)154
“A busca continua... aqueles que estão por trás destes atos perversos/do mal.”
145 – “President Bush,... and punish those responsible for the ‘evil, despicable acts of
terror’ which he said, took thousands of American lives”.155
O Presidente Bush,... e punir aqueles responsáveis pelos “atos de terror perversos/do
mal, o que ele disse ter levado milhares de vidas americanas.”
146 – “The British prime minister, Tony Blair, expressed disgust, saying: “This mass
terrorism is the new evil in our world today”.156
O primeiro ministro britânico, Tony Blair, expressou revolta, dizendo: “este terrorismo
em massa é o novo mal no nosso mundo hoje”.
147 – “This is a new kind of evil”, Mr. Bush said at the White House157 .
“Isto é um novo tipo do mal”, o Sr. Bush disse na Casa Branca.
148 – “We will rid the world of the evil-doers,” Mr. Bush said,...”158
“Nós livraremos o mundo desses fazedores do mal”, disse o Sr. Bush,...
153
NYT, National Desk, A Day Of Terror; Bush’s Remarks to the Nation on the Terrorist Attacks, 12/09/01
(Late Edition – Final, Section A, Page 4, Column 1).
154
NYT, National Desk, A Day Of Terror; Bush’s Remarks to the Nation on the Terrorist Attacks, 12/09/01
(Late Edition – Final, Section A, Page 4, Column 1).
155
NYT, National Desk, U.S. Attacked; President Vows to Exact Punishment for “Evil”, 12/09/01 (Late
Edition – Final, Section A, Page 1, Column 4).
156
NYT, National Desk, A Day Of Terror: The World’s Reaction; European Nations Stand With U.S.,
Ready to Respond, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 23, Column 3).
157
NYT, National Desk, After The Attcks: The White House; Bush Warns of a Wrathful, Shadowy and
Inventive War, 17/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 2, Column 1).
158
NYT, National Desk, After The Attcks: The White House; Bush Warns of a Wrathful,
Shadowy and Inventive War, 17/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 2, Column 1).
149 – “This is a new kind of evil,” Mr. Bush said at the White House after a weekend
war council...” (Fala do Presidente Bush) 159
“Este é um novo tipo de mal, disse o Presidente Bush na Casa Branca depois de um
conselho de guerra no final de semana...”
O uso da metáfora lingüística crusade160 pelo presidente Bush, logo após os ataques de 11/09,
parece ressaltar uma possível natureza religiosa da retaliação que estava por vir:
150 – “President Bush and his senior advisers...it would be a war... that nations failing
to join the crusade..., as Vice President Dick Cheney put it.” (Vice-Presidente, Dick
Cheney) 161
“O Presidente Bush e seus mais altos conselheiros... seria uma guerra... que as nações
que deixassem de unir-se à cruzada..., conforme colocou o Vice Presidente, Dick
Cheney.”
151 – “Mr. Bush said at the White House... the American people are beginning to
understand, this crusade,... .” (O presidente dos Estados Unidos disse na Casa
Branca)162
“O senhor Bush disse na Casa Branca... o povo americano está começando a entender,
esta cruzada,...”.
Esta referência direta à guerra como cruzada foi criticada pelos assessores do
presidente, que julgaram politicamente inadequado usar o mesmo conceito de “guerra santa”
(e seu equivalente islâmico “jihad”), tão fortemente associado à motivação religiosa dos
terroristas para os ataques:
159
NYT, National Desk, After The Attacks: The White House; Bush Warns of a Wrathful, Shadowy and
Inventive War, 17/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 2, Column 1).
160
É muito comum haver interpretações imprecisas sobre as Cruzadas. Elas são geralmente apresentadas como
uma série de guerras santas contra o Islamismo comandadas por papas poderosos e loucos e lutadas por
religiosos fanáticos.
O que existe então de verdadeiro sobre as Cruzadas? Estudiosos ainda estão pesquisando o fato, mas alguma
certeza já se aponta sobre elas. Para o Oriente, as Cruzadas foram inquestionavelmente guerras defensivas. Elas
foram uma resposta direta à agressão muçulmana – uma tentativa de reconquistar ou defender as terras cristãs
conquistadas por muçulmanos.
Assim as Cruzadas surgiram. Elas foram a resposta de mais de quarto séculos de conquistas pelos muçulmanos
de dois -terços do velho mundo cristão. Em dado momento, o Cristianismo, como uma fé e uma cultura, teve que
se defender ou se submeter ao Islamismo. As Cruzadas desempenharam assim um papel de autodefesa
(MADDEN, 2002: http://www.crisismagazine.com/april2002/cover.htm)
161
NYT, National Desk, After The Attacks: The White House; Bush Warns of a Wrathful, Shadowy and
Inventive War, 17/09/01 (Late Edition – final, Section A, Page 2, Column 1)
162
NYT, National Desk, After the Attacks: The White House; Bush Warns of a Wrathful, Shadowy and
Inventive War, 17/09/01 (Late Edition – final, Section A, Page 2, Column 1)
152 – “The signed statement attributed to Mr. bin Laden referred to a “new JewishChristian crusader campaign that is led by the chief crusader Bush under the banner of
the cross.” It said, “we ask God to make us defeat the infidels and oppressors and to
crush the new Jewish-Christian crusader campaign on the land of Pakistan and
Afghanistan. ”163
O documento assinado e atribuído ao Sr. Bin Laden referiu-se a “uma nova campanha
de uma cruzada judaica–cristã que é liderada pelo cruzador chefe, Bush, sob a
bandeira da cruz.” Dizia o documento: “Pedimos a Deus que faça com que derrotemos
os infiéis e opressores e que esmaguemos a nova campanha de uma cruzada judaica –
cristã na terra do Paquistão e Afeganistão”.
Isso explica o fato de o Presidente Bush não ter mais se referido a sua retaliação como
“cruzada” (ROCHA, no prelo).
Marcas de outras metáforas referentes à guerra podem ser encontradas no corpus,
como PROTEÇÃO É ESCUDO:
153 – “... and the air force took additional measures to shield both cities, said
Aleksander Drobyshevsky, an air force spokesman.”164
... e a força aérea tomou mais medidas para proteger (escudar) ambas as cidades, disse
Aleksander Drobyshevsky, um porta-voz da força aérea.
154 – “An hour after the first jetliner crashed into the WTC, the Pentagon’s top policy
official, Douglas J. Feith, said the ballistic missile defense shield... could not prevent
the kind of assaults that occurred in New York and Washington today.”165
Uma hora depois do primeiro jato atingiu o WTC, o funcionário graduado do
Pentágono, Douglas J. Feith, disse que o escudo balístico de defesa contra mísseis...
não pode prevenir o tipo de ataques que ocorreram em Nova Iorque e Washington
hoje.
163
NYT, Foreign Desk, A Nation Challenged: The Neighbor; U.S. Officers Are Meeting In Islamabad On
War Plans, 25/09/01 (Late Edition – Final, Section B, Page 1, Column1)
164
NYT, National Desk, A Day Of Terror: The Threat; Bush Aides Say Attacks Don’t Recast Shield
Debate, 12/09/01 (Late Edition-Final, Section A, Page 24, Column 4).
165
NYT, National Desk, A Day Of Terror: The Threat; Bush Aides Say Attacks Don’t Recast Shield
Debate, 12/09/01 (Late Edition-Final, Section A, Page 24, Column 4).
No entanto, apesar de evidenciar a nítida tendência, da metáfora, de mapear
cognitivamente um domínio alvo, mais vago e abstrato, a partir de um domínio fonte mais
concreto (LAKOFF e JOHNSON, 1980/2002), essas metáforas não parecem ser relevantes
para a nossa análise crítica da metáfora. Esses tropos não parecem fazer parte de uma
estrutura ideológica que sustenta os enquadramentos aqui enfocados que, como a análise aqui
desenvolvida parece ter evidenciado, estruturam, em grande parte, o discurso do Presidente
Bush e de seus colaboradores, discurso esse que ajudou a promover a justificativa das
ofensivas militares após os acontecimentos de 11 de setembro.
7. CONCLUSÃO
Esta pesquisa teve como proposta entender o papel e o funcionamento das metáforas
conceptuais que, de acordo com a nossa hipótese de trabalho, subjazem ao discurso político
do Presidente Bush e de seus colaboradores em torno dos ataques terroristas de 11 de
setembro de 2001 e de seus desdobramentos bélicos: ou seja, as guerras do Afeganistão e do
Iraque. Para isso, uma análise de um corpus com trechos desse discurso, retirados de artigos
publicados no jornal The New York Times publicados durante o período enfocado, foi
desenvolvida.
A análise foi apresentada, no capítulo anterior, e muitas observações e conclusões
resultantes desta análise foram ali mesmo descritas. No entanto, algumas dessas conclusões
merecem tratamento mais sistemático para que possamos tentar compreender o fenômeno
analisado a partir de uma perspectiva geral coerente. Sendo assim, volto às minhas três
perguntas de pesquisa para verificar de que forma a análise forneceu subsídios para esclarecêlas:
1- Que metáforas de guerra podem ser identificadas nos artigos do The New York
Times que tratam do conceito de guerra relacionados aos acontecimentos de 11 de
setembro de 2001?
2- Se a metáfora conceptual é um aspecto inescapável do pensamento humano, quais
são as possíveis interpretações e implicações dessas metáforas? Como que o discurso
a partir de 11 de setembro, passando pelas situações do Afeganistão e Iraque se
modificaram durante aquele período?
3- Considerando o fato de que guerra está intrinsecamente relacionada à política
internacional, existem evidências de outras metáforas conceptuais que podem
interagir com a metáfora dominante O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO
DE GUERRA?
Em relação ao enquadramento metafórico dos acontecimentos de 11 de setembro de
2001, um continuum de conceptualizações pôde ser observado.
O choque inicial gerou o que identificamos como um “vazio semântico” diante do
horror e do ineditismo da situação histórica. Dar sentido discursivo àquele fato parecia, de
início, ser tão difícil quanto expressar os sentimentos diante do acontecimento.
No entanto, esse vazio não podia durar muito: era necessário significar para poder
agir. Os dados mostraram dois cenários que foram sendo cognitiva e lingüisticamente
construídos: o cenário do crime e o cená rio da guerra, ambos marcados lingüisticamente. O
primeiro cenário, que enquadrava os ataques como crime e, conseqüentemente, os terroristas
como criminosos (assassinos), impossibilitava uma ação efetiva e politicamente energética
por parte do governo Bush. Assim, em pouco tempo, os acontecimentos de 11/09 passaram a
ser conceptualizados e explicitamente referidos como um “ato de guerra”. A metáfora central
“O ACONTECIMENTO X É UM ATO DE GUERRA” foi, assim, determinante para todo o
cenário de guerra (cognit ivo e factual) que se consolidou daí adiante. Um ato de guerra cria
um estado de guerra: “We are at war”, declarou o presidente.
A justificativa para a ofensiva militar, tanto no Afeganistão quanto no Iraque, se deu
através do sistema metafórico “Conto de Fadas”, que, como pôde ser observado nos dados,
mostrou-se como o enquadramento conceptual mais central nesse processo. No primeiro caso,
foi necessário mapear os elementos básicos do Conto de Fadas: o ato criminoso, o vilão (os
Talibãs, assim enquadrados, metonimicamente, por, supostamente, abrigarem bin Laden e
darem apoio logístico à organização Al Qaeda), a vítima (os E.U.A) e o herói (os E.U.A.).
Esse subcenário de retaliação deu lugar ao subcenário resgate, em que o lugar da vítima é
ocupado pelo próprio povo Afegão, oprimido pelo vilão: os Talibãs.
A análise mostrou também como um cenário semelhante enquadrou cognitiva e
lingüisticamente a justificativa para a guerra do Iraque. Com a introdução do elemento “armas
de destruição em massa” (ADM) o cenário do Conto de Fadas se estabelece, apoiado em dois
subcenários. O primeiro seria o de retaliação, em que a vítima em potencial seriam os países
vizinhos e, em última análise, os países ocidentais, e o ato criminoso um possível ataque com
as ADMs e/ou a recusa de entregá-las, se é que existiam. O segundo seria o do resgate, em
que a vítima seria o povo iraquiano e o ato criminoso a tirania do ditador sobre seu povo. Em
ambos subcenários, o vilão e o herói seriam os mesmos: Saddam Hussein e os E.U.A e seus
aliados, respectivamente.
Em ambos os cenários, a metáfora NAÇÃO É PESSOA aparece marcada
lingüisticamente com freqüência, mostrando ser central na construção de um enquadramento
conceptual de guerra. Esta metáfora, muito usada no cenário Conto de Fadas, enquadra,
principalmente, os EUA como pessoa/vítima, pessoa/herói e seus aliados como pessoas
amigas. Essa metáfora, como argumenta Lakoff, (1991) ressalta o esforço para que o povo,
metonimicamente marcado como nação, se veja como uma unidade, escondendo assim a
complexa estrutura social interna desse mesmo país. O autor afirma que, em momentos de
guerra, esconder essa complexidade, da qual fariam parte elementos como “composição
étnica, rivalidade religiosa, partidos políticos, meio-ambiente, e a influência do militarismo e
empresas multinacionais” (1991: 3), ajuda a promover a unidade almejada pelos líderes. Sob a
perspectiva dessa metáfora, guerra torna-se uma “luta entre duas pessoas, uma forma de
combate mão-a- mão” (ibid.), cenário que esvazia os embates internos e aciona os
antagonismos intersubjetivos que as pessoas experienciam no seu dia a dia.
Esse tipo de luta, cognitivamente mais próxima das experiências dos indivíduos, faz
parte também de uma metáfora marcada lingüisticamente no corpus, a metáfora GUERRA É
JOGO, que tem efeito similares.
Já a metáfora GUERRA É RELIGIÃO foi inicialmente evocada quando o Presidente
BUSH se referiu a uma “cruzada” contra o inimigo; no entanto, a caracterização deste inimigo
como “evil”, amplamente utilizada, reafirma a condição de “virtude” do herói, criando assim
uma coerência com o cenário do Conto de Fadas.
Outras metáforas conceptuais referentes à guerra foram identificadas, porém não
analisadas, por não termos considerado-as relevantes dentro dos cenários que abrigaram a
ideologia subjacente ao discurso que promoveu a guerra.
Em relação aos objetivos propostos para este estudo, a análise também ofereceu
subsídios para explorá- los:
Objetivo 1:
Verificar como a metáfora conceptual dominante O ACONTECIMENTO/EVENTO
“X” É UM ATO DE GUERRA foi evidenciada nas falas do Presidente G.W. Bush e de seus
colaboradores nos artigos do jornal diário americano The New York Times para convencer a
sociedade americana e o mundo de que as guerras do Afeganistão e Iraque fizeram parte
daquela “guerra”.
A análise dos dados indicou um re-enquadramento conceptual, lingüisticamente
marcado, dos acontecimentos de 11/09: de crime para um ato de guerra. Essa
conceptualização desencadeou um cenário mais amplo: um “estado de guerra” que, por sua
vez, legitimou a possibilidade de uma ofensiva militar, também justificada pelo sistema
metafórico “Conto de Fadas”.
A metáfora O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA, assim,
ao promover, através do discurso, a conceptualização dos acontecimentos de 11/09 como um
ato de guerra, mostrou-se determinante para a série de enquadramentos subseqüentes, também
no cenário de guerra, que motivaram e justificaram outros atos de guerra.
A hipótese que surge como conseqüência deste estudo é a de que esta me táfora
licencia vários enquadramentos de eventos específicos como “guerra” para criar na
comunidade um sentimento de unidade (como o de patriotismo que normalmente acompanha
uma guerra) para que uma determinada (re) ação possa ser justificada e “abraçada” pela
mesma comunidade. Um exemplo ilustrativo, não desenvolvido neste estudo, é a campanha
discursivamente promovida como “guerra ao mosquito da dengue”, lançada, recentemente, no
Estado do Rio de Janeiro: o inimigo, o mosquito da dengue, ameaça à nação como um
inimigo. Dessa forma, há de se mobilizar a população para adotar “estratégias de guerra” e se
defender e atacar (combater) tal inimigo.
Objetivo 2:
Revelar ideologias, atitudes e crenças que subjazem ao corpus e, conseqüentemente,
aprofundar o entendimento da relação entre linguagem, pensamento e contexto social. Isto é,
explorar e entender a dimensão ideológica das metáforas conceptuais através da análise
qualitativa.
Ao propor, por meio da análise aqui desenvolvida, enquadramentos metafóricos
(metáforas conceptuais, sistemas metafóricos e cenários) que subjazem às falas que
constituíram o corpus da pesquisa, entendo que, ao mesmo tempo, pretendo revelar as
ideologias que motivam esses enquadramentos e os discursos dele provenientes.
Como já foi falado aqui, em vários momentos, a cognição não é autônoma em relação
ao contexto cultural e político; afinal, o social e o cognitivo mantêm uma relação de
interdependência (TURNER, 2002) que é evidenciada no discurso.
No que diz respeito, ao discurso político propriamente dito, a questão ideológica
parece se revelar mais nitidamente; afinal, como vimos anteriormente neste estudo, a política,
em sociedades democráticas, se faz, essencialmente, pelo uso da linguagem, já que o seu uso
tem claros efeitos na ação política: “o poder é expresso pela palavra falada ou escrita e não
pelo chicote, corrente ou revólver” (CHARTERIS - BLACK, 2005:xi).
Enquadramentos cognitivos são marcados discursivamente, caracterizando o nível
micro da política, ou seja a persuasão, argumentos racionais e manipulação (JONES,1994).
Assim, caracterizar o evento de 11/09 como um ato de guerra, tratar a nação como uma
pessoa e justificar, cognitiva e lingüisticamente as ofensivas militares a partir do cenário do
Conto de Fadas têm uma motivação ideológica e efeitos políticos nítidos. Isso se dá pela razão
exposta no capítulo 3, que vale aqui repetir: as metáforas se fazem presentes nos discursos
políticos por omitirem importantes aspectos do que é real, persuadirem por meios pacíficos e
refletirem um sistema compartilhado de crenças sobre o mundo e sobre o lugar da
humanidade nesse mundo (CHATERIS-BLACK, 2005: xii:20). Por isso, é essencial que
saibamos que realidades elas estão omitindo e quais estão ressaltando.
No entanto, as metáforas aqui enfocadas não são apenas fruto de uma ideologia
originada no pensamento de determinados grupos políticos e usadas, retoricamente, em
discursos isolados. Como vimos anteriormente (capítulo dois), as metáforas não refletem a
operação de estruturas mentais ou estratégias discursivas individuais, mas, principalmente,
são motivadas por diferentes modelos culturais. Esses modelos culturais podem ser definidos
como “esquemas culturais subjetivamente compartilhados que funcionam no intuito de
interpretar experiênc ias e guiar ações em vários domínios, incluindo eventos, instituições, e
objetos mentais e físicos” (GIBBS, 1999:153). Ou seja, modelos culturais podem ser
entendidos como uma representação da visão de mundo de uma sociedade/cultura no que
tange à suas crenças, atos, maneira de falar sobre o mundo e suas próprias experiências.
Nessa perspectiva, as metáforas de guerra refletem também modelos culturais. Lakoff
e Johnson, por exemplo, acreditam que ao usarmos expressões como “atacar uma posição”,
“nova linha de ataque”, “vencer”, “ganhar terreno”, etc., estamos sistematizando a linguagem
usada para falar do conceito de guerra e que, no mundo ocidental, tais expressões fazem parte
do ato de discutir (LAKOFF ; JONHSON, 1980/2002: 07; KÖVECSES, 2002:74-75).
Assim, a inseparabilidade da mente, do corpo, da ideologia e de modelos culturais
implica uma visão de metáfora em que esta emerge da interação entre todos esses fatores. No
caso da análise das metáforas de guerra aqui desenvolvida, ressaltei as dimensões cognitiva e
política já que o foco do estudo, por adotarmos uma perspectiva crítica, foi mais direcionado
para a instância ideológica da metáfora .
Gostaria de tecer algumas considerações finais no que diz respeito à metodologia da
pesquisa e algumas possíveis limitações dela decorrente.
No decorrer da análise, a abordagem mais convencional de identificação da metáfora,
na perspectiva cognitiva, não se mostrou suficiente para relevar as macro-estruturas que
surgiram como elementos (unidades de análise) relevantes: os cenários (MUSOLFF, 2004) e
sistemas metafóricos (LAKOFF,1991). Em uma análise mais tradicional, a identificação de
metáforas conceptuais implica a seleção de marcas lingüísticas por elas licenciadas. Isso
aconteceu ao tratarmos das metáforas NAÇÃO É UMA PESSOA, GUERRA É RELIGIÃO,
GUERRA É JOGO e na metáfora central O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO
DE GUERRA, uma vez que havia muitas expressões lingüísticas que as marcavam. No
entanto, o sistema metafórico CONTO DE FADAS, com os subcenários resgate e retaliação,
foi identificado não por marcas isoladas, mas pela identificação dos elementos que os
estruturam (herói, vilão, etc.), que não eram necessariamente expressões lingüísticas
metafóricas. Isso pode ser visto como uma limitação empírica, pois o cenário é construído, em
última análise, por uma interpretação do analista. Apesar de correr este risco, acredito que esta
proposta, também adotada em Lakoff (1991), possa dar conta de aspectos cognitivos
importantes que estruturam o discurso em um caráter mais amplo. Buscar revelar esses
aspectos não é tarefa fácil, no entanto, a partir do momento que a metáfora adquiriu um
estatuto de figura de pensamento (e um pensamento sociocultural e ideologicamente inserido)
e não só de linguagem, a tarefa do pesquisador tornou-se, empiricamente, mais complexa,
mas, ao meu ver, bem mais instigante.
Acredito, assim, que este estudo tenha contribuído para a pesquisa na área da metáfora
em geral e, mais especificamente, para a compreensão do papel da metáfora no discurso,
entendendo discurso aqui como a instância onde a cognição, a cultura e a ideologia se
manifestam lingüisticamente. O território à frente ainda é bastante vasto, denso e de difícil
acesso: mas como viajante (A VIDA É UMA VIAGEM) espero que desenvolvamos
instrumentos cada vez mais eficazes para explorá-lo.
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