UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS GERAIS INSTITUTO DE LETRAS PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS por SÉRGIO NASCIMENTO DE CARVALHO A “GUERRA” NAS PALAVRAS: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA METÁFORA CONCEPTUAL NA RETÓRICA DO PRESIDENTE G. W. BUSH JR E DE SEUS COLABORADORES Tese de Doutorado em Estudos Lingüísticos, apresentada à Coordenação da Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense, para obtenção do grau de Doutor em Letras. Orientador: Profª Drª. Solange Coelho Vereza Niterói, 2º semestre de 2006. SÉRGIO NASCIMENTO DE CARVALHO A “GUERRA” NAS PALAVRAS: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA METÁFORA CONCEPTUAL NA RETÓRICA DO PRESIDENTE G. W. BUSH JR E DE SEUS COLABORADORES Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Doutor. Área de Concentração: Estudos Lingüísticos Orientador: Profª Drª Solange Coelho Vereza BANCA EXAMINADORA ______________________________________ Profª. Dra. Mara Sophia Zanotto (PUC/SP) ______________________________________ Prof Dr. Claudio Cezar Henriques (UERJ) ______________________________________ Profª. Dra. Maria Elisa Knust Silveira (UFF) ______________________________________ Profª. Dra. Vanda Maria Cardoso de Menezes (UFF) Defendida a tese: Em 15/ 12/ 06 Nota: 10 (dez) Niterói 2006 RESUMO Partindo dos princípios teóricos estabelecidos por Lakoff e Johnson (1980/2002), este estudo propõe-se a investigar, sob uma perspectiva crítica (CHARTERIS - BLACK, 2004, 2005), as metáforas conceptuais que transformam, discursivamente, fatos e/ou acontecimentos em “atos de guerra”. Exploramos a hipótese de que essas metáforas são, freqüentemente, usadas, cognitiva e lingüisticamente, para justificar uma ação ou (re) ação, com claras implicações políticas. Os acontecimentos enfocados nesta pesquisa têm como ponto de partida o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 (o chamado “11/09”), passando pelos períodos que antecederam as guerras do Afeganistão e do Iraque. O estudo investiga como a conceptualização do 11 de setembro como um “ato de guerra”, através de diferentes materializações no discurso, foi um importante instrumento no processo de justificativa das guerras que o seguiram. Este enquadramento conceptual, apoiado em outras metáforas conceptuais relacionadas à guerra, pode ser evidenciado, discursivamente, nas falas do Presidente Bush e de seus colaboradores, que, por sua vez, foram relatadas, direta ou indiretamente, na mídia americana e internacional. A análise aqui desenvolvida objetiva, assim, explorar essas falas em um corpus jornalístico (artigos do jornal diário The New York Times, publicados durante o período em foco), buscando revelar as metáforas conceptuais, os cenários (MUSOLFF, 2004) e os sistemas metafóricos (LAKOFF, 1991) que as subjazem. Procuramos mostrar, assim, como a metáfora pode desempenhar um papel relevante na formação e difusão de ideologia tão vital para a liderança política, uma vez que ela legitima conceptual e lingüisticamente, determinadas visões, ou enquadramentos, que vão ao encontro de interesses específicos (CHILTON, 1993, 2004). A pesquisa se apóia, teoricamente, nos estudos da metáfora da lingüística cognitiva (LAKOFF & JOHNSON, 1980 / 2002; LAKOFF, 1987, 1991, 2002, 2005; KÖVECSES, 2001, 2002, GIBBS e STEEN, 1994, entre outros), com ênfase nas perspectivas que enfocam os aspectos sócio-culturais (TOMASELLO,1999; KÖVECSES, 2005), discursivos (CAMERON, 1999; 2003) e ideológicos (CHARTERIS - BLACK, 2004, 2005; CHILTON, 1993, 2004 e MUSOLFF, 2004) da metáfora. Palavras-chave: metáfora conceptual; cenário; discurso político; análise crítica da metáfora ABSTRACT Based on the theoretical principles proposed by Lakoff and Johnson (1980/2002) this thesis aims at investigating, under a critical perspective (CHARTERIS-BLACK, 2004, 2005), the conceptual metaphors that transform, discursively, facts and/or events into “acts of war”. We hypothesize that these metaphors are, freque ntly, used, cognitively and linguistically, to justify an action or (re) action with clear political implications. The starting point of this research is the terrorist attacks of September 11 (known as 09/11) passing by the periods that anteceded the wars of Afghanistan and Iraq. The study investigates how the conceptualization of 09/11 as an “act of war”, realized by different materialization in discourse, was a relevant instrument in the process of justifying those wars. This conceptual frame, supported by other conceptual metaphors related to war, can be evidenced, discursively, by the speeches of President Bush and those of his collaborators. These speeches were reported directly or indirectly, in the national and international media. This analysis aims at exploring these speeches in a journalistic corpus (articles from The New York Times published during that time) trying to reveal the conceptual metaphors, the scenarios (MUSOLFF, 2004) and the metaphorical systems (LAKOFF, 1991) that underlie them. We also attempt at showing how metaphors may play a relevant role in the formation and spread of ideology so important to political leadership since they legitimize, conceptually and linguistically, specific visions, or framings, which support specific interests (CHILTON, 1993, 2004). The research is based on the cognitive metaphorical theory (LAKOFF & JOHNSON, 1980/2002; LAKOFF, 1987, 1991, 2002, 2005; KÖVECSES, 2001, 2002; GIBBS & STEEN, 1994 and others) with emphasis on the perspectives that focus the socio-cultural (TOMASELLO, 1999; KÖVECES, 2005), discursive (CAMERON, 1999, 2003) and ideological (CHARTERIS-BLACK, 2004, 2005; CHILTON, 1993, 2004 and MUSOLFF, 2004) aspects of metaphor. Keywords: conceptual metaphor; scenario; political discourse; metaphor critical analysis Para FÁBIO, meu querido filho. AGRADECIMENTOS: Quero expressar o meu reconhecimento a todos os que, pela ajuda e pelo interesse, contribuíram para a realização deste trabalho. À Professora Doutora Solange Coelho Vereza externo a minha grande e eterna gratidão pela dedicação que dispensou na orientação da minha pesquisa e pelas críticas e sugestões valiosas, que ajudaram a nortear o meu trabalho num sentido de rigor e profundidade. A ela também agradeço pelos cursos e seminários do ano curricular do curso de doutorado, a oportunidade de descoberta da fascinante e prometedora área da Lingüística Cognitiva e especificamente a metáfora. Ainda à Solange, que se tornou ao logo das orientações uma amiga, desejo pelo compartilhamento, desde o início desde trabalho de descobertas e incertezas, dúvidas e êxitos. Um especial agradecimento a CAPES/MEC e a Universidade Federal Fluminense (UFF), Coodernação da Pós-Graduação em Letras, Instituto de Letras pela oportunidade de concorrer a uma bolsa PDEE e ser selecionado na Universidade de Leeds, Inglaterra. Assim, agradeço, também, à Professora Doutora Lynne Cameron por me ter aceitado como professor-pesquisador sob sua orientação e à Professora Doutora Alice Deignan, também lotada na referida universidade, pelo enorme apoio bibliográfico indispensável para a análise da dimensão cognitivista da metáfora. Expresso ainda a minha gratidão à Margaret Taylor, coordenadora dos alunos estrangeiros de Leeds, pelo apoio logístico durante o período de minha permanência no campus e na cidade de Leeds. Dedico um agradecimento reconhecido às Professoras Doutoras Maria Elisa Knust da Silveira (UFF) e Claudia Maria de Almeida (UERJ), pelo incentivo para fazer o doutorado e a Professora Doutora Paula Lenz Costa Lima (Universidade Estadual do Ceará) que me lançou no estudo científico da metáfora e, ainda, à Professora Mestra Lois Rimoli de Faria Doria, minha querida amiga, pelo inesquecível apoio através desses anos todos de minha carreira. Dirijo uma palavra de agradecimento à minha família (meus pais) e, aos amigos, em especial, Ana Lúcia, Mozart, Regina e Ricardo, pelo apoio e por muito me ouvirem. Agradeço também as minhas colegas professoras do Setor de Língua Inglesa do Instituto de Letras da UERJ que assumiram minha carga horária no ano em que estive afastado de minhas funções para me dedicar aos estudos. Agradeço imensamente à Escola Naval, Marinha do Brasil, que acreditou em mim como profissional e me liberou pelo período de dois anos de afastamento remunerado. E, ainda, uma palavra de agradecimento à Universidade Estácio de Sá pelo meu afastamento de um semestre letivo em 2005. SUMÁRIO 1. Introdução 11 1.1 Justificativa e Apresentação do Tema 11 1.2 Objetivos 14 1.3 Organização do estudo 15 2. Conceituando a metáfora como figura de linguagem e de pensamento 17 2.1 Conceituação popular/tradicional da metáfora 17 2.2 Pressupostos da visão tradicional 21 2.3 Visões contemporâneas: redimensionando a importância da metáfora 29 2.4 Metáfora como figura de pensamento: a metáfora conceptual 30 2.5 A dimensão epistemológica da metáfora 34 2.5.1 Os mitos do objetivismo e subjetivismo 34 2.5.2 A síntese experiencialista 36 2.6. Tipos de metáforas conceptuais 38 2.6.1 Metáfora Estrutural 39 2.6.2 Metáfora ontológica 39 2.6.3 Metáfora orientacional 41 2.6.4 Metáforas primárias 42 2.6.5 Metáforas e Cenários 44 2.7 Metáfora e cultura: uma abordagem sócio-cognitivista 46 2.7.1 Introdução 46 2.7.2 Conceituação de cultura 47 2.7.3 Cultura versus Biologia 48 2.7.4 Cultura e Linguagem 49 2.7.5 Metáfora e cultura 50 2.7.6 Variação Cultural e Metáfora 53 2.7.7 Metáforas, cultura e corpo: a questão da universalidade 54 2.7.8 Considerações finais 56 3. Análise Crítica da Metáfora: Política, Discurso e Ideologia. 58 3.1 Política: Conceituações 58 3.2 A metáfora na política 59 3.3 Política, ideologia e discurso 61 3.4 Análise crítica do discurso 63 3.5 Análise crítica da metáfora 65 3.6 Visão Cognitiva versus visão pragmática da metáfora 67 3.7 Persuasão, emoção e avaliação 68 3.8 A abordagem do discurso de G.W. Bush e seus colaboradores sob a perspectiva da ACM 69 4. A guerra canônica versus a guerra cognitiva 71 4.1 Reflexões sobre a guerra 71 4.2 As limitações da guerra 73 4.3 Partes e elementos da guerra 74 4.3.1 estratégia 74 4.3.2 tática 74 4.3.3 logística 74 4.4 A guerra: uma abordagem cognitiva 75 5. Investigando a metáfora conceptual: questões metodológicas 78 6. Análise crítica da metáfora: da ausência de palavras ao ato de guerra 88 6.1 Introdução 88 6.2 Quando as palavras faltaram 89 6.3 O ACONTECIMENTO DE 11 DE SETEMBRO É CRIME 94 6.4 JUSTIÇA É RETALIAÇÃO 97 6.5 O ACONTECIMENTO “X” É UM ATO DE GUERRA 100 6.6 NAÇÃO É PESSOA 106 6.7 Ainda a guerra nas palavras: o caso do Iraque 116 6.8 Outras metáforas no corpus 127 7. Conclusão 133 8. Referências Bibliográficas 140 9. Anexos 150 Qual mestre é mais mestre no Mundo? – O mundo. ...(enigma alagoano) 1. INTRODUÇÃO 1.1 Justificativa e Apresentação do Tema A motivação inicial desta pesquisa foi o artigo “Quando as palavras perdem a força”, (O Globo, 14 de setembro de 2001, em anexo) baseado em um outro artigo escrito por Howard Kurtz, do jornal The Washington Post. Esse primeiro artigo tratava da dificuldade dos jornalistas, que estavam cobrindo o ataque aéreo de 11 de setembro em Nova Iorque, de expressar sua estupefação e choque diante do acontecido em termos que julgassem apropriados. Nesse artigo, havia o comentário feito pela crítica do The New York Times, Michiko Kakutami, ao captar a enormidade do que havia acabado de acontecer: “As palavras falharam esta semana”. Expressões do tipo: “além da compreensão”; “além de nossos piores temores”; “além da imaginação” foram ouvidas à exaustão naqueles últimos dias. Enquanto lutavam para tentar compreender e descrever os eventos da manhã daquela terça- feira, as pessoas lançavam mão de metáforas e analogias que pudessem captar o horror do que haviam visto. Entre elas, podemos citar: 1) “um círculo do inferno de Dante”; 2) “a erupção do Monte Santa Helena”; 3) “inverno nuclear” 4) “à beira da cratera de um vulcão”; 5) “maior que Hindenburg”; 6) “maior que o Titanic”, 7) “Pearl Harbor” (Havaí, em 07/12/1941, data conhecida como o “Dia da Infâmia”). O ataque aconteceu no dia 11 de setembro de 2001 às 8:45m (hora local), quando um avião Boeing 767 da companhia aérea americana American Airlines foi atirado contra uma das torres gêmeas do World Trade Center, centro financeiro dos Estados Unidos. O mundo parou para ver, pela televisão, as imagens chocantes de uma série de ações terroristas sem precedentes, que deixou a superpotência arrasada. A segunda torre do World Trade Center foi atingida após 18 minutos por outro avião que havia sido seqüestrado. Menos de duas horas depois, os dois prédios do World Trade Center, cada um com 110 andares, desabaram. Pouco antes dos prédios caírem, em Nova Iorque, um avião espatifou-se contra o Pentágono, em Washington, D.C., onde se encontra a estrutura de defesa das Forças Armadas dos Estados Unidos. Um quarto avião, que também estaria em poder de seqüestradores, caiu na Pensilvânia. Na noite do atentado, cerca de 2000 corpos já haviam sido retirados dos escombros do World Trade Center. Uma nuvem de fumaça densa e negra cobriu o sul da ilha de Manhattan, onde o World Trade Center costumava representar a própria paisagem de cartão-postal, como também, simbolicamente, o poderio econômico dos Estados Unidos. O mundo acompanhava ao vivo pela TV destroços caindo por toda parte, pessoas se jogando pelas janelas e centenas de feridos sendo encaminhados aos hospitais de Nova Iorque. O metrô foi fechado e uma multidão encheu as ruas correndo em direção oposta às torres. O pânico tomou conta de todo o país e dos mercados financeiros. Em um pequeno discurso na manhã seguinte ao ataque, o Presidente Bush prometeu vingança – “os terroristas não conseguiram atingir o nosso alicerce, nem a determinação dos Estados Unidos”. “Não faremos distinção entre os terroristas que cometeram esses atentados e quem os abriga” – continuou o presidente, sem identificar esse inimigo. O “vazio semântico” diante de um acontecimento tão chocante levara as pessoas a se reportarem, metaforicamente, a outras situações vivenciadas ou conhecidas, já legitimadas lingüisticamente, para poderem preencher esse hiato de significação referente a uma experiência totalmente inusitada. Deu-se, assim, um processo de transformação semântica de (re) significações de um fato, a princípio “inominável”, que só podia ser referido e qualificado através de múltiplas metáforas, e que passou, consensualmente, a ser visto, compreendido e referido como um “ato de guerra”. Por exemplo: 1) “... terrorists are de facto military, “combatentes” who don’t deserve the full run of constitutional rights” (Newsweek, 24/09/01). “... os terroristas são de fato militares, ‘combatentes’ que não merecem o direito pleno da constituição”. 2) “... wiping out terrorists cells in the first war of the 21st century, as Bush called it.” (Newsweek, 24/09/01) “... eliminar as células terroristas na primeira guerra do século 21, conforme Bush a denominou.” 3) “Thanks to globalization, the wars of terrorism know no borders” (Newsweek, 24/09/01) “Devido à globalização, as guerras do terrorismo não conhecem fronteiras.” 4) “...but now that war has been declared on us, we will lead the world to victory...” (NYT, 14/09/01). “... mas agora que a guerra foi declarada, levaremos o mundo à vitória”. 5) “Gerhard Schröder called the attacks “a declaration of war against the entire civilized world” (NYT, 12/09/01). “Gerhard Schröeder denominou os ataques uma declaração de guerra contra todo o mundo civilizado”. Não era de se estranhar que, a partir daí, o governo americano, “em estado de guerra”, passasse a tomar um conjunto de medidas justificado e legitimado por essa significação. A subseqüente guerra do Afeganistão colocava-se então como um ato coerente e esperado neste cenário. O jornal diário americano Philadelphia Inquirer noticiou: “O presidente G.W. Bush se referiu a atos de guerra”. Alex Houen, escritor inglês do periódico Folha 17, nos dias 14, 15 e 16 de setembro de 2002, avaliou: “Dessa maneira, ele reconheceu no seu oponente um rival político, ao mesmo tempo em que justifica qualquer retaliação americana em nome de uma guerra”. O secretário de estado americano, Colin Powell, afirmou: “Estamos em guerra”, enquanto a senadora democrata da Califórnia, Dianne Fenstein, declarou: “Isto é um ato de guerra”. Dessa forma, cria-se um consenso em torno do recém-nomeado “estado de guerra”. Referindo-se a esse consenso em torno da avaliação do ataque terrorista como um desencadeador de um estado de guerra, o jornalista Dick Polman, do jornal Philadelphia Inquirer, comentou: “Uma palavra (consenso) há muito desvalorizada no discurso político contemporâneo parece ter sido restaurada em seu significado original”. Podemos ver assim que o “vazio semântico” inicial foi dando lugar a uma alternativa conceptual que trazia consigo elementos característicos do domínio da “guerra”. Um acontecimento que, de fenômeno “indescritível”, passou a ser abordado como um ato de guerra, levou- me a observar a presença do conceito de “guerra” em vários outros acontecimentos, menos ainda relacionados à guerra, mas que pareciam, de alguma forma, desencadear “atos de guerra”. Essas observações motivaram- me a postular uma hipótese, ainda não teoricamente informada na época, de que poderia haver uma tendência de transformar determinados acontecimentos em “atos de guerra”, para que certas medidas pudessem ser tomadas, justificadas e socialmente aceitas e legitimadas. Essa hipótese embrionária pressupunha uma visão mais substancial do processo pelo qual determinados fenômenos são conceituados e vivenciados através de outros. E é assim que o conceito de metáfora surge como ferramenta epistemológica para uma investigação sistemática da questão que agora se coloca como foco da presente pesquisa. Dentro dessa perspectiva, pretende-se, com este estudo, investigar as metáforas que transformam, discursivamente, fatos/acontecimentos em “atos de guerra”. A pesquisa investiga a hipótese de que essas metáforas são, freqüentemente, usadas para justificar uma ação ou re-ação como no ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 e em outros acontecimentos, como a preparação das guerras do Afeganistão e do Iraque. 1.2 Objetivos A questão central deste trabalho é investigar as metáforas que transformam cognitiva e discursivamente fatos/acontecimentos em atos de guerra. A pesquisa investigará a hipótese de que essas me táforas são, freqüentemente, usadas para justificar uma ação ou reação, em casos amplamente divulgados na mídia, como: a) Ataque às torres gêmeas de Nova Iorque e ao prédio do Pentágono em Washington, D.C.; b) Pré - guerra do Afeganistão; c) Pré - guerra do Iraque. A metáfora conceptual enfocada na pesquisa, e que poderia ser vista como a “metáfora– mãe” ou a “metáfora guarda-chuva” (metaforicamente falando), é O ACONTECIMENTO/ EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA, sendo que “X” seria desde um ataque terrorista a uma simples discussão, como propõem Lakoff e Johnson (1980/2002, 1996). As evidências lingüísticas dessa metáfora conceptual serão extraídas de textos jornalísticos do jornal diário norte-americano The New York Times e analisadas a partir de sua natureza metafórica. Pretende-se, dessa forma, mostrar como o cenário de crime e as metáforas conceptuais da política internacional, de certo modo relacionados à metáfora central, são determinantes na cultura americana, nutrindo, como toda metáfora conceptual, não só a linguagem, mas também o pensamento e a ação (LAKOFF e JOHNSON, 1989, 1996). Além do aparato teórico da metáfora conceptual, a pesquisa fundamenta-se em teorias que seguem o paradigma sócio - cognitivista de base cultural (TOMASELLO, 1999, KÖVCESES, 2005) e ideológica (CHARTERIS - BLACK, 2004, 2005; MUSOLFF, 2004). Pela necessidade de limitar o âmbito da pesquisa, teremos como parâmetro os seguintes objetivos específicos: 1. Verificar não só a existência como a produtividade da metáfora em questão (O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA) a partir de tópicos próprios à guerra no gênero jornalístico. Para isso, analisaremos as possíveis evidências lingüísticas (marcas lingüísticas) dessa metáfora em artigos do The New York Times.1 1 A decisão de se incluírem no corpus textos jornalísticos americanos deve-se ao fato de que a metáfora central desta pesquisa surgiu a partir de um acontecimento que se deu em território americano e, portanto, descrito e divulgado em primeira instância, na mídia americana, tendo chegado até nós por meio de traduções de textos em língua inglesa. 2. Mostrar a possível onipresença da metáfora conceptual O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA na cultura americana, e as formas através das quais a metáfora determina não só uma variedade de expressões lingüísticas conceptualmente inter-relacionadas como também o desencadeamento de ações e reações. 3. Revelar ideologias, atitudes, e/ou crenças que subjazem à análise qualitativa do corpus e, conseqüentemente, o entendimento da relação entre linguagem, pensamento e contexto social. Isto é, explorar e entender a dimensão ideológica das metáforas conceptuais através da análise qualitativa. Esses objetivos nortearão o presente estudo, que será, também, apoiado nas seguintes perguntas de pesquisa, de caráter mais analítico: 1. Que metáforas de guerra podem ser identificadas nos artigos do The New York Times relacionados aos acontecimentos de 11 de setembro de 2001? 2. Se a metáfora conceptual é um aspecto inescapável do pensamento humano, quais são as possíveis interpretações e implicações dessas metáforas? 3. Como o discurso, a partir de 11 de setembro, passando pelas situações do Afeganistão e Iraque, se modificou durante aquele período? 4. Considerando o fato de que guerra está intrinsecamente relacionada à política internacional, existem evidências de outras metáforas conceptua is que podem interagir com a metáfora dominante O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA? 1.3 Organização do estudo O capítulo 2 apresenta a fundamentação teórica da pesquisa, centrada, principalmente, na teoria da metáfora conceptual desenvolvida por Lakoff e Johnson (1980/2002). Discutiremos também a importância do elemento cultural na metáfora (TOMASELLO, 1999; KÖVECSES, 2004, 2005; DEIGNAN, 2003 e GIBBS, 1994). No terceiro capítulo abordaremos a questão da ideologia através da análise crítica da metáfora (CHARTERIS - BLACK, 2004, 2005), partindo dos princípios teóricos de Fairclough (1982, 1989). O quarto capítulo ocupa-se da definição de “guerra”, no seu sentido mais “literal”2 Abrangendo sua conceituação, natureza e filosofia. O objetivo desse capítulo é mostrar como aspectos centrais do domínio- fonte3 (estratégias, táticas, logística e formas de guerra) são apropriados metaforicamente para se compreenderem outros domínios. Essa discussão se apoiará em Carl von Clausewitz (2003). Para entendermos mais profundamente a metaforização desse conceito, iremos nos remeter à proposta de George Lakoff (1991) e Tim Rohrer (1995), que sugerem uma estrutura metafórica para o conceito de guerra. Primeiramente a guerra como CONTO DE FADAS, cuja estrutura teria o vilão, a vítima e o herói (a vítima e o herói poderiam ser as mesmas pessoas), além da metáfora NAÇÃO É PESSOA, em que o Estado é visto como uma pessoa engajada nas relações sociais dentro de uma comunidade mundial. O quinto capítulo, que apresenta o aparato metodológico de nosso estudo, introduz a apresentação e a justificativa do corpus a ser utilizado na pesquisa, além da abordagem analítica a ser adotada. O sexto capítulo trata da análise e interpretação dos dados das metáforas conceptuais em foco a partir do estudo global do corpus. Uma leitura detalhada levanta os padrões dos aspectos recorrentes nos dados com base nas questões citadas anteriormente (Cf. itens 1, 2 e 3, p.14). Ainda nesse capítulo, destacam-se as metáforas conceptuais que acreditamos sustentaram os discursos enfocados na mídia envolvendo o 11 de setembro e os conflitos dele resultantes. Cabe ressaltar que apresentaremos os trechos a serem analisados em ordem cronológica a partir de 12 de setembro de 2001. Essa opção permite verificar, por exemplo, a mudança do cenário4 . O sétimo capítulo concluirá o trabalho com as considerações finais sobre os resultados da análise. As limitações e possibilidades para futuros encaminhamentos da pesquisa serão também apresentadas. 2 Pretendemos, mais adiante, introduzir a discussão do que, nesta pesquisa, se entende como “literal”. Entendemos como “domínio fonte” o domínio conceptual sobre o qual um outro domínio (o domínio alvo) é mapeado (LAKOFF, 1980/2002). 4 A categoria de cenário é apresentada como uma categoria analítica intermediária entre o nível do domínio conceptual como um todo e seus elementos individuais (MUSOLFF, 2004). Cenário, ainda segundo o autor, é um conjunto de deduções construídas/idealizadas por membros competentes de uma comunidade discursiva sobre aspectos prototípicos (participantes, papéis, enredos “dramáticos”) e avaliações sociais/éticas relacionadas aos elementos característicos de domínios conceptuais. 3 2. CONCEITUANDO A METÁFORA COMO FIGURA DE LINGUAGEM E DE PENSAMENTO Neste capítulo, discutiremos o conceito de metáfora, segundo as visões tradicional e contemporânea, e a partir dessa última enfocaremos a metáfora como figura de pensamento (LAKOFF e JOHNSON, 1980/2002, 1999; GIBBS, 1994; KÖVECSES, 2002). Mostraremos, também, o fenômeno chamado por Lakoff e Johnson (ibid) de “mito do objetivismo” e sua relação com o “mito do subjetivismo” e, em seguida, a “visão experiencialista”, alternativa proposta pelos autores acima. Trataremos do conceito de metáfora primária (LAKOFF e JOHNSON, 1999) e, em seguida, tendo como base os mesmos autores, classificaremos os tipos de metáfora em: estrutural, ontológica e orientacional. Por fim, falaremos da importância da base cultural na emergência da metáfora. A discussão a ser apresentada neste capítulo servirá como base teórica para a compreensão da natureza lingüística e conceptual da metáfora O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA e as metáforas da política internacional que interagem com a metáfora conceptual dominante da pesquisa. 2.1 Conceituação popular/tradicional da metáfora A própria formação da palavra “metáfora” indica o que ainda hoje se entende pelo termo: metaphorá. Origina-se do grego, meta = trans + phérein = levar, que significa mudança, transferência, transposição; no caso específico do fenômeno semântico, a mudança seria de um sentido próprio para um outro, figurado. Dessa forma, dois elementos estariam envolvidos nessa “transferência”, “levando” para o outro o seu sentido (FILIPAK, 1983:24). Na Enciclopédia Britânica, publicação que apresenta definições e conceituações escritas por especialistas mas voltadas para o leitor não especialista, a metáfora, é definida como “uma figura de linguagem que implica a comp aração de duas entidades diferentes” (KÖVECSES, 2002, Prefácio:vii). No dicionário Houaiss (2001:1907) o tropo seria a “designação de um objeto ou qualidade mediante uma palavra que designa outro objeto ou qualidade que tem com o primeiro uma relação de semelhança”. No Novo Aurélio (3ªed., 1999:1326), o termo é definido como “tropo que consiste na transferência de uma palavra para um âmbito semântico que não é o do objeto que ela designa, e que se fundamenta numa relação de semelhança subentendida entre o sentido próprio e o figurado; translação”. Essa visão de metáfora é compartilhada tanto pelas pessoas comuns como por vários eruditos ou especialistas em linguagem, uma vez que, como veremos a seguir, ela tem por base a tradição de se abordar a metáfora que se origina da visão aristotélica, tão influente na cultura ocidental. Aristóteles tratou da metáfora, mais direta ou indiretamente, nas suas obras Arte Retórica e Arte Poética. Tanto na retórica quanto na poética, o filósofo trabalha com a léxis (expressão), que, para nós, é o que Hjelmslev chamou de plano de expressão, e Saussure, de significante lingüístico (HJELMSLEV; SAUSSURE apud FILIPAK, 1983:20).No caso da retórica, a léxis refere-se à arte de comunicação do dia-a-dia, da persuasão do discurso público (argumentação, composição e elocução), e na poética, trata-se de uma arte de evocação imaginária (apud FILIPAK, 1983). Marques (1956:17) afirma que Aristóteles, na Poética, define a metáfora como sendo “a transposição a uma coisa do nome de uma outra coisa, efetuando-se ou do gênero à espécie, ou da espécie ao gênero, ou da espécie à espécie, ou, finalmente, por analogia”, e apresenta os seguintes exemplos como ilustrativos de cada caso: 1°. Meu navio está imóvel aqui. (Gênero à espécie) “Porque estar preso à âncora é uma espécie de imobilidade” – diz o próprio filósofo. 2°. Certamente Ulisses realizou milhares de boas ações. (Espécie a gênero). 3°. Ele tirou sua vida com o bronze, com o duro bronze ele lhe arrancou a vida. (Espécie a espécie). Aristóteles explica: “Aqui tirar equivale a arrancar, que são duas formas de tirar”. 4°. A taça é para Baco o que o escudo é para Marte. (Analogia) Ainda segundo Marques (ibid), haverá analogia, ou melhor, proporção, no entender do Estagirita, “quando o segundo termo está para o primeiro assim como o quarto está para o terceiro”, podendo-se, então, empregar o quarto em lugar do segundo e o segundo em lugar do quarto. Algumas vezes seria lícito “ajuntar, em lugar do que se fala, aquilo a que a gente se refere”. Exemplo: “A taça, escudo de Baco; o escudo, taça de Marte” (ibid:17-18). Por isso, a léxis retórica, ressalta Filipak (1983:20-21), trabalhará com metáforas lingüísticas, denotativas ou lógicas, porque essas são procedimentos característicos da léxis da retórica. Por outro lado, a léxis na poética objetiva a mímesis (imitação) na tragédia, onde os homens são melhores, e na comédia, onde os homens são inferiores. Aqui a função da léxis estará a serviço do dizer, do poemetizar no campo da subjetividade. Aristóteles conclui, então, na Retórica, que a lexis teria a função da prova, da demonstração, da função lógica, objetiva, intelectual, denotativa e na Poética, a da imitação, da função alógica, subjetiva, emocional, conotativa. Aristóteles admite, por assim dizer, metáforas denotativas (na Retórica) e metáforas conotativas (na Poética) (FILIPAK, 1983:20-21). Assim, em Aristóteles, encontramos a metáfora como uma figura que tem parte na Retórica e outra na Poética, sob a chancela da léxis. Entretanto, concluímos que a função retórica e a função poética da metáfora não coincidem. Uma é a lexis da prosa e a outra, da poesia. A provável estranheza causada pelos quatro exemplos citados acima se explica pelo fato de Aristóteles ter estudado mais a lógica do que o retórico, preocupado que estava, essencialmente, com sua “teoria do conceito”. A sua abordagem diante da metáfora, assim, “aplica-se antes a enquadrar a metáfora na sua hierarquia de gêneros e espécies, como se sabe, uma das traves mestras do seu pensamento, do que em realçar os efeitos estéticos da transposição” (MARQUES, 1956:18). Não foi só Aristóteles que tratou de metáfora na Antigüidade, mas também Cícero e Quintiliano. Em De Oratore, III, p.38 (CICERO; QUINTILIANO apud FILIPAK, 1983), Cícero afirma a necessidade da metáfora diante da indigência ou pobreza da língua – “assim como a vestimenta nasceu da necessidade de proteger o corpo do frio, para converter-se mais tarde em adorno, a metáfora, imposta no começo por causa das deficiências da língua, chegou mais tarde a ser objeto de deleites retóricos” (ibid: 34). Para ele, a metáfora era produto de algumas operações lógicas, simples transferências de noções. Quintiliano faz uso do termo translatio como o termo metaphorá. Ele afirma que “um tropo é uma transposição de uma palavra ou de uma frase da sua significação própria para uma outra significação para produzir certo efeito” (ibid: 35). Podemos ver, assim, como a visão clássica de metáfora, herdada do pensamento grego, nutre várias definições do tropo ainda usadas nos dias de hoje, principalmente aquelas que derivam do que é conhecido na literatura (como veremos adiante) como “visão tradicional da metáfora”. Recentemente, no entanto, a metáfora tem sido alvo de intenso debate entre teóricos de diversas áreas, que vêm procurando redefini- la sob vários ângulos diferentes. Vemos, por exemplo, que tanto Bülher como Richards (BÜLHER; RICHARDS apud FILIPAK, 1983:97) afirmam que a metáfora não seria somente o uso de um termo no lugar do outro, ou uma transferência de palavras, mas, sim, interação de dois fatores. Esses fatores podem ser compreendidos em Richards como um intercâmbio de idéias. “Duas idéias diferentes que colaboram juntas: o tenor (ou meaning, as idéias) e o veículo (metaphor, a imagem). Não é a relação tenor - veículo que se deve considerar, mas o tenor + veículo juntos”, uma vez que, segundo o autor, “a metáfora é essencialmente uma resultante semântica” (ibid: 97). Quando se emprega metaforicamente um termo, a diferença entre o sentido metafórico e o sentido literal está no fato de que, por exemplo,“a perna da mesa” tem somente algumas das características da perna de cavalo. “Uma mesa não caminha com as pernas, elas apenas a sustentam”. Na teoria de Richards, o focus corresponde ao tenor e o frame ao veículo. É através desses dois elementos, segundo ele, que se realiza a metáfora. Já Esnault (ESNAULT apud FILIPAK:1983:97) sustenta que “a metáfora não é uma transferência de palavras, mas uma intuição que se transfere”. Eco (1974:92) segue a tradição aristotélica quando afirma que “a metáfora é uma figura de substituição de um elemento da linguagem por outro”, enquanto Whately (WHATELY apud FILIPAK, 1983:99), apesar de concordar com Eco, acrescenta a essa definição o fato de a metáfora ser “uma palavra substituída por outra com a relação de semelhança ou analogia entre os seus significados”. Barfield (ibid:99), por sua vez, propõe que a metáfora “diz uma coisa e significa outra”, mas não explica a relação estabelecida entre as palavras. Black (1981:28) admite que dizer uma coisa e significar outra é possível através do focus metafórico, termo que recebe a carga metafórica, e o frame, a moldura constituída pelo restante do enunciado literal. Os filósofos Black (1962, 1879), Searle (1979) e Kittay (1987) afirmam que a metáfora é um assunto da linguagem, o que corrobora a visão discutida anteriormente de que a metáfora é construída através do contraste com a linguagem “literal”, e usada, principalmente, para dar ênfase poética e retórica. Assim sendo, concluímos que, dentro dessas visões, a metáfora é vista essencialmente como um princípio onipresente da linguagem. Cameron (2003:09), por sua vez, argumenta que a metáfora opera em dois campos: o lingüístico e o conceptual, acrescentando, então, os termos alternativos focus/frame e tópico/veículo. O primeiro faz um contraste semântico e o segundo refere-se ao domínio lexical e conceptual. Como veremos detalhadamente mais adiante, essa visão “conceitual” da metáfora rompe, na verdade, com todas as conceituações de metáforas vigentes até a sua introdução formal, que se deu a partir da publicação da obra Metaphors we live by (LAKOFF; JOHNSON, 1980/2002). No momento, é importante ressaltar que muitas das visões e redefinições de metáfora surgidas no século XX, apesar de acrescentarem à visão tradicional importantes elementos para a melhor compreensão desse fenômeno, ainda a vêem como um tropo com as seguintes características: 1- ela seria, primordialmente, uma figura de linguagem; 2- ela teria como base a semelhança; 3- ela envolveria dois domínios distintos; 4- ela seria basicamente usada para entender um sistema de entidades em termos de um outro (ibid). 2.2 Pressupostos da visão tradicional da metáfora Mais do que propor definições mais elaboradas ou redefinições para a metáfora, alguns estudiosos têm procurado revelar os pressupostos que sustentam as visões tradicionais da metáfora e que, de certa forma, impedem uma melhor compreensão da complexidade desse fenômeno (POLLIO, SMITH, POLLIO, 1990; KÖVECSES, 2002). Um dos pressupostos mais cristalizados é o de que a metáfora seria, exclusivamente, objeto da poesia e da retórica. Aliás, a visão tradicional remonta a Aristóteles. Lakoff (1986) se refere ao tempo dessa tradição que é mais de dois milênios.Em tempos passados, fazia-se uma distinção clara entre a linguagem poética e a linguagem do cotidiano. A primeira era vista como um dom especial dos poetas e a segunda, como a linguagem de todos, usada no dia-a-dia. Acreditava-se que o poético viria do coração, não poderia estar na mente, pois a mente seria literal (as teorias baseadas em pressupostos objetivistas ainda consideram que a mente é literal). Pollio, Smith, Pollio (1990:142) discorrem sobre os outros pressupostos que nutriram, e ainda nutrem, a visão tradicional de metáfora. São estes: 1. Figuras de linguagem tais como: metáfora, oxímoro, símile, ironia são eventos lingüísticos especiais que não ocorrem freqüentemente na fala, escrita ou pensamento. 2. O uso figurado não é útil conceptualmente: quando usado, tem o papel de ludibriar o pensamento ou de embelezar as idéias prosaicas. 3. Linguagem figurada, anomalia, tolice e uso literal são categorias psicológicas distintas da linguagem. 4. A paráfrase de uma figura de linguagem tem o mesmo significado da própria figura original. 5. A linguagem figurada depende e/ou origina-se da linguagem literal. 6. As crianças não entendem ou usam a linguagem figurada até a idade de 11 a 12 anos. 7. Há universais figurados que existem nas línguas, eras históricas e agrupamentos culturais. Os autores problematizam essas máximas, desconstruindo-as, contribuindo, assim, para o desenvolvimento de uma nova visão da metáfora que possa fazer juz à complexidade e importância cognitiva dessa figura. Apresentamos abaixo os argumentos utilizados pelos autores em sua discussão. 1) Figuras de linguagem, tais como: metáfora, oxímoro, símile, ironia são eventos lingüísticos especiais que não ocorrem freqüentemente na fala, escrita ou pensamento. Embora existissem contextos nos quais a linguagem figurada era freqüente, como a poesia, o entendimento geral era de que tais contextos, apesar de tudo, eram poéticos e, portanto, de interesse periférico. Segundo Pollio et al., as análises lingüísticas de figuras “clichés” feitas por Lakoff e Johnson (1980/2002), Johnson (1987), Lakoff e Turner (1989) “indicam que tanto a nossa linguagem como nosso sistema conceptual são amplamente metafóricos por natureza” (POLLIO et al., 1990:144). Podemos, ainda, exemplificar essa máxima citando Lakoff e Johnson (1999:123) ao dizerem que expressões do tipo “Esse relacionamento não irá a lugar nenhum” ou “O nosso relacionamento está numa encruzilhada” são expressões comuns e faladas diariamente e não exemplares da poética ou retórica. Ainda segundo os autores, essas expressões faze m parte da linguagem do dia-a-dia, porque a metáfora AMOR É UMA VIAGEM faz parte da nossa maneira comum e rotineira de conceptualizarmos e racionalizarmos o amor. 2) O uso figurado não é útil conceptualmente; quando usado, tem o papel de ludibriar o pensamento ou de embelezar as idéias prosaicas. Os autores rejeitam, nesse caso, a idéia de que a linguagem figurada seria apenas um ornamento: uma visão enraizada tanto na crítica literária como filosófica. Essa crítica é sustentada pela referência a Thomas Hobbes - o grande oponente dos tropos. O filósofo inglês do século XVII, no final do capítulo “Sobre a razão e a ciência” de seu principal trabalho Leviathan (1657), discutiu o uso da metáfora e das figuras de retórica, afirmando que eram palavras sem sentido e ambíguas. Entretanto, segundo Pollio et al. (ibid:144), talvez Hobbes não tenha percebido que usou naquela curta passagem de 67 palavras, na qual criticara o uso da metáfora, pelo menos oito figuras de linguagem. Os autores citam ainda a alusão de Darwin à grande árvore da vida para mostrar que a metáfora está presente até mesmo no discurso científico. 3) Linguagem figurada, anomalia, nonsense e uso literal são categorias psicológicas distintas da linguagem. De acordo com Pollio et al. (1990:148-149), as máximas 1 e 2 assumem que uma figura de linguagem, seja qual for a sua função, é identificável: uma pessoa que esteja fazendo uso das quatro habilidades de uma língua (falar, ouvir, ler ou escrever) distinguirá claramente entre metáfora e instâncias de anomalia, nonsense ou linguagem literal. Apesar dessa presente constatação, não é sempre o caso em que as categorias lingüísticas são categorias psicológicas e, se assim o fossem, tais distinções teriam implicações em outros processos cognitivos, tais como : percepção, aprendizagem, lembrança, etc. Ainda, segundo os autores (ibid), em termos de procedimentos experimentais, muito das pesquisas feitas sobre o uso figurativo assumiu que o sentido (sense) e o não sentido (nonsense) eram categorias claramente distintas e que a metáfora poderia também ser distinguida daquelas. Em estudos mais remotos, Miller e seus colegas (MILLER apud POLLIO et al., 1990:149; MARKS; Miller, 1964; MILLER; ISARD, 1963) examinaram o papel das violações das regras semânticas em processos cognitivos tais como lembrança, aprendizagem e percepção. Esses estudos chegaram a uma clara estrutura dos domínios semânticos ressaltando as palavras e conceitos usados nesses experimentos, assim como um perfeito entendimento das relações entre tipos de sentenças lógicas. As limitações apresentadas na interpretação desses estudos podem ser apreciadas ao examinarmos as sentenças anômalas nominalmente usadas e as categorizações atribuídas por esses sujeitos participantes da referida pesquisa. Miller e Isard (1963), por exemplo, usaram sentenças do tipo: a) The popular latin mare worked tempers. (A popular égua latina trabalhou ...) b) The odorless child inspired a chocolate audience. (A criança inodora inspirou uma platéia de chocolate) E um outro pesquisador, Steinberg (ibid:150), as sentenças: c) The man is a ram. (O homem é um carneiro) d) The mountain is a frog. (A montanha é um sapo) Pollio et al. comentam que os quatro exemplos são interpretados como sentenças metafóricas, principalmente se deixarmos que a nossa imaginação “voe”. Assim sendo, segundo os autores (ibid:149), a primeira sentença é interpretável se a ela for dada uma conotação sexual; à segunda uma visão religiosa; à terceira, uma relação interpessoal (ou sexual); e à quarta, a imagem visual de uma montanha verde. Para que se possa entender o que os sujeitos da pesquisa responderam quando a eles foi pedido que dessem interpretações para as sentenças que foram logicamente designadas como anômalas, Pollio e Burns (POLLIO; BURNS apud POLLIO et al., 1990:149) aplicaram uma série de experimentos nos quais se solicitou que os sujeitos desempenhassem duas tarefas: (a) prever sentenças anômalas nominalmente como respostas em uma situação de aprendizagem, e (b) interpretar essas sentenças de maneira que elas pudessem ser entendidas por outras pessoas. Os resultados mostraram que um grande número dos sujeitos foi capaz de atribuir interpretações que fizeram sentido no caso das sentenças anômalas; os resultados de aprendizagem indicaram que as sentenças anômalas foram mais difíceis de prever do que as sentenças naturais, sempre que os sujeitos não interpretaram as primeiras antes de ocorrer a aprendizagem. Tais resultados ressaltam Pollio et al. (1990), sugerem que anomalia e metáfora não são categorias distintas e que existem condições específicas sob as quais elas são discriminadas. Uma dessas condições é aquela que envolve um conjunto de metáforas que informa aos ouvintes que a interpretação figurada é tanto possível quanto razoável. Através desses experimentos, os autores chegaram à conclusão de que devem ser consideradas as interpretações individuais quando se fizer a distinção entre anomalia e metáfora. Alguns sujeitos classificaram as sentenças anômalas como metafóricas, enquanto outros desconsideraram a metáfora e julgaram as sentenças “literalmente”5 , nos levando a entender que o que não faz sentido para uns, poderá fazer para outros. 4) A paráfrase de uma figura de linguagem tem o mesmo significado da própria figura original. Os autores questionam a afirmativa de que a metáfora apenas substitui um conjunto de sentenças literais. A idéia de que a metáfora simplesmente substitui, ou seja, é uma paráfrase de um conjunto de sentenças literais, fundamenta a teoria de substituição da metáfora, e se essa visão for aceita, as metáforas, então, seriam dispensáveis, na medida em que não apresentam nova informação. Entretanto, segundo Pollio et al. (ibid:152), Black (1981; 1993:19-39) tem argumentado muitas vezes (primeiramente em Metaphor e, mais tarde, em More about Metaphor, onde o autor complementa o estudo anterior) contra esse ponto de vista com base na sua teoria da interação da metáfora, segundo a qual o tenor e o veículo de uma metáfora interagem para produzir um novo significado. Para o autor, uma metáfora 5 Essas descobertas trouxeram à tona a discussão entre o que é literal e figurado, na medida em que as primeiras pesquisas sobre o assunto não trataram essa distinção como problemática (MILLER e ISARD, 1963; STEINBERG, 1970 a, 1970 b:ibid:150). Lakoff (1986a:ibid), entretanto, contribui para esse debate propondo quatro significados diferentes para o que ele entende como literal. Literal 1: “literalidade convencional” (conventional literality), em que o uso literal é contrastado com o poético. Literal 2: “assunto de base literal” (subject matter literality), em que certas expressões são as mais usadas para se falar de um determinado tópico. Literal 3: “literalidade não-metafórica” (nonmetaphorical literality), ou linguagem significativa direta, em que uma palavra (conceito) nunca é entendida em termos de uma segunda palavra (ou conceito). Literal 4: “literalidade condicional verdadeira” (truth-conditional literality), em que a linguagem é usada para se referir a objetos existentes que podem ser julgados como falsos ou verdadeiros. Já o uso comum assume as seguintes regras, segundo Lakoff: Literal 1 = Literal 3, ou linguagem comum convencional, é diretamente significativa e, conseqüentemente, não metafórica. Literal 1 = Literal 4, ou linguagem convencional, é capaz de ser referir à realidade objetiva e de ser objetivamente falsa ou verdadeira. Literal 2 = literal 4, ou existe somente uma maneira objetivamente correta de se entender um assunto e uma linguagem convencional usada para falar se um assunto é capaz de ser verdadeiro ou falso. Pollio et al. (ibid:151) alertam que, para Lakoff, essas deduções têm conseqüências significativas para as teorias da metáfora: 1. termo literal serve para contrastar com o termo metafórico. Literal 1, Literal 2 e Literal 4 serão consistentes com o metafórico se as regras a, b, e c não forem usadas e, no caso de serem, somente a dedução produtiva gera novo conhecimento e, por conseguinte, não pode ser considerada um sinônimo equivalente de nenhum conjunto de sentenças literais coexistentes. Podemos acrescentar à argumentação dos autores a afirmação de Fraser, não só presente em ORTONY (1993:12), mas também em Pollio et al. (1990:152), de que uma metáfora e sua paráfrase não dizem ou significam a mesma coisa, e acreditar que a palavra figurada somente obscurece o “verdadeiro” significado de uma determinada sentença é assumir que existe um único e inequívoco verdadeiro significado independentemente de falantes e de situações. Ainda, segundo a pesquisa, ficou comprovado que indivíduos parafraseiam e interpretam de maneiras diferentes, sugerindo que o significado de uma metáfora sempre ultrapassa o campo e a natureza das paráfrases previstas para ela antes da análise lógica. 5) A linguagem figurada depende e/ou origina-se da linguagem literal. Os autores ressaltam que, ao aceitarmos a equiparação da paráfrase, assumimos que a compreensão e a produção da linguagem figurada são previsíveis a partir da análise dos seus significados literais constituintes. Essa mesma crença nos leva a acreditar que compreensão figurada começa com a tentativa do ouvinte em buscar sentido literal a partir do contexto lingüístico de uma determinada fala. Somente em casos em que a fala é literalmente passível de não interpretação, o ouvinte passa a lidar com a possibilidade de um sentido não - literal (ibid:154). Pollio et al. (1982) através de vários experimentos chegaram à conclusão de que não é mais possível afirmar que a linguagem figurada é compreendida ou produzida com base em um processo mais longo e demorado do que o envolvido no uso de clichês e da linguagem literal. Também contrário à idéia de que é preciso passar pelo significado literal para se chegar ao significado figurado, Gibbs (GIBBS apud ORTONY, 1993:75) descreve um experimento em que o pesquisador utilizou a sentença crítica “Você tem que abrir a janela?” (Must you open the window?). A sentença pode funcionar com o significado de um pedido indireto (Não abra a janela!) (Don´t open the window!) ou com o sentido literal (Precisa abrir a janela?) (Is it necessary that you open the window?). Segundo Gibbs, essas sentenças poderiam estar fora do contexto, onde o sujeito da pesquisa julgaria se uma ou outra seria apropriada, ou, então, elas apareceriam no contexto de uma das histórias fazendo com que uma das paráfrases fosse realmente a correta. Em ambos os casos, a sentença foi imediatamente seguida por uma das paráfrases e os sujeitos tiveram que julgar qual estava Literal 3 contrastará com a metafórica. significado usual do literal é em termos de uma teoria da linguagem, na qual todas as três regras são consideradas verdadeiras. correta. Os resultados mostraram que, fora de contexto, levou-se mais tempo para identificar a paráfrase do pedido indireto, confirmando, por conseguinte, o modelo seqüencial para as sentenças descontextualizadas. Os resultados, porém, mostraram que quando os pedidos indiretos acontecem no seu contexto adequado, eles são compreendidos tão rapidamente quanto a sua interpretação literal. (ibid: 75-76). 6) As crianças não entendem ou usam a linguagem figurada até a idade de 11 a 12 anos. A justificativa de que, somente a partir de 12 anos, as crianças podem entender ou produzir sentido figurado tem como base, segundo Pollio et al. (POLLIO et al., 1990:157), o pressuposto de que “crianças usam metáforas inadvertidamente”. Nesse caso, elas diriam alguma coisa que soa de modo figurado para os adultos porque não teriam noção das dificuldades comuns que se apresentam quando o falante faz uso das palavras. Por exemplo, se uma criança diz: “Meu caminhão morreu”, quando, na verdade, o caminhãozinho apenas deixou de funcionar, a criança pode não ter consciência de que usou a palavra “morrer” para um ser inanimado, e, conseqüentemente, cometeu um desvio semântico, porque não conseguiu se expressar de uma maneira lingüisticamente mais complexa. Na verdade, a criança poderia estar brincando ao dizer que seu caminhão morreu sem, de fato, entender o sentido do que disse. Pollio, Smith e Pollio (ibid) nos chamam a atenção para a diferença entre visões alternativas da linguagem figurada e as crianças, do ponto de vista do desenvolvimento cognitivo de ambos (tal como argumentado por Piaget), afirmando que o uso figurado é somente considerado como tal se ele representar um desvio deliberado e proposital do uso literal com base na compreensão, conhecimento e ramificações desse uso. Por isso, o psicólogo, argumentam Pollio et al. (ibid), considera essa sentença “Meu caminhão morreu” um erro semântico e não uma metáfora. Por outro lado, em uma visão mais funcional do fenômeno, tal como aquela apresentada por Pollio e Pickens (POLLIO; PICKENS apud POLLIO et al., 1990:157), se uma figura serve ao propósito da comunicação, mesmo que refletidamente ou não, deve ser considerada uma figura válida. Eles argumentam que ninguém teria dúvidas de que se, um adulto dissesse: “Meu carro morreu no meio de uma encruzilhada”, 6 ele estaria empregando um sentido figurado. Complementando a argumentação de que a máxima em questão é falaciosa, Rumelhart (1973) dá o exemplo ocorrido com seu filho que, em meio a uma viagem de carro com a família, disse para mãe: “Minha meia tem uma unha pendurada”. A mãe, rapidamente, sem maiores comentários, respondeu que quando chegassem em casa ela iria consertar a meia. O autor lembra que o único que percebeu tal sentido figurado foi ele. Afirma que, ali, naquele momento, uma nova metáfora acabara de ser criada e compreendida. Rumelhart adianta que essa maneira livre e fácil de usar palavras de uma forma “não literal” não é algo especial. Crianças e adultos entendem e produzem falas metafóricas constantemente. Acrescenta o autor que, caso uma criança tenha dificuldade em entender a linguagem metafórica, essa dificuldade poderia ser explicada pela concepção da situação formada pela criança, destacando os itens lexicais usados e a situação presente, e não por causa de qualquer inabilidade inerente de usar termos aprendidos em um determinado contexto em um outro. Assim, o processo de aquisição da linguagem, segundo o autor (ibid), não deveria ser entendido como um processo em que primeiro a criança aprenderia a linguagem literal e, depois desta estar bem assimilada, passaria para a linguagem não literal. Ao contrário, o processo de aquisição da linguagem pela criança envolveria a produção e a compreensão do que, para a criança, é não convencional e, provavelmente, linguagem não literal. Rumelhart acredita, assim, que os processos que envolvem a compreensão do discurso não literal fazem parte da nossa produção de linguagem e equipamento de compreensão logo muito cedo, estando longe de ser um aspecto especial da lingüística ou pragmática (ibid). Comentando sobre a questão do uso da metáfora por crianças, Cameron (1999:84) afirma que a metáfora é vista como “uma ferramenta cognitiva poderosa para as crianças aprenderem sobre o mundo em que vivem”. A autora (ibid:84), entretanto, argumenta que estudos mais recentes em sala de aula mostram que “a metáfora é muito mais evocada na busca de se expressar em uma forma mais interpessoal e afetiva”. A autora (ibid: 84) alerta, também, para o fato de que muitas pesquisas realizadas sobre crianças e metáforas quase sempre investigam a compreensão da criança de metáforas convencionais e daquelas usadas por adultos. A lingüista afirma que “devese manter uma distinção entre as metáforas produzidas por crianças e aquelas do mundo dos adultos que elas encontram em sua interação” (ibid). 7) Há universais figurados que existem nas línguas, eras históricas e agrupamentos culturais. Essa máxima sugere uma reversão no tema abordado na máxima 1, quando se argumenta que o uso figurado não é freqüente na linguagem e, conseqüentemente, não acidental na atividade cognitiva humana; no entanto, sugere uma universalidade. Lakoff e Johnson (1980/2002; JOHNSON, 1987; LAKOFF, 1987) acreditam que “os processos 6 A expressão “meu carro morreu” já está tão automatizada na língua portuguesa que poucas pessoas a tomariam como exemplo de “linguagem figurada”. Seria até difícil encontrar uma forma “literal” que tivesse o mesmo significado (“o meu carro parou, subitamente, de funcionar) e que soasse tão natural”. metafóricos estão no centro da cognição e linguagem e, assim, representam aspectos universais do funcionamento da mente humana” (POLLIO et al., 1999:160). Tomasello (1999) parece concordar com os autores acima quando argumenta que as construções lingüísticas são tipos especiais de símbolo lingüístico, e que aprender construções lingüísticas completas – símbolos lingüísticos internamente complexos e que são historicamente convencionalizados – orienta crianças em certos aspectos de suas experiências a que elas próprias não conseguiriam dar sentido se não fosse a linguagem. Ainda segundo Tomasello (1999:159), ao adquirirem a linguagem, as crianças são levadas a conceptualizar, categorizar, e esquematizar eventos de maneiras muito mais complexas do que elas poderiam, caso não estivessem engajadas na aprendizagem de uma linguagem convencional. Além disso, esses tipos de representações de eventos e esquematizações contribuiriam para a grande flexibilidade e complexidade da cognição humana. O autor, ressalta, ainda, que o mais significante mecanismo para construção metafórica parece estar fundamentado na nossa tentativa de tornar o mundo abstrato compreensível, trazendo-o para dentro de nós ou nos estendendo para dentro do mundo. O centro universal da expansão e atração metafórica deve ser o ser humano que vive, funciona e se relaciona socialmente. Além de Pollio, Smith e Pollio (1990), um outro autor que, mais de uma década mais tarde, se propõe a analisar, para depois refutar, os pressupostos que sustentam uma visão tradicional e redutora de metáfora é Kövecses (2002). Segundo o teórico, as características mais comuns do conceito tradicional seriam: 1. A metáfora é uma propriedade de palavras, um fenômeno lingüístico. 2. A metáfora é usada para alguns propósitos artísticos e retóricos. 3. A metáfora é fundamentada na semelhança entre duas entidades que são comparadas e identificadas. 4. A metáfora é um uso consciente e deliberado de palavras; o usuário deve ter um talento especial para fazê-lo, e bem. 5. A metáfora é uma figura de linguagem sem a qual podemos viver muito bem; é usada para efeitos especiais e, portanto, não é uma parte inevitável da comunicação do dia-a-dia e muito menos do pensamento e da razão. Dentro da perspectiva da visão tradicional da metáfora, fica a pergunta do por quê de uma expressão lingüística, em vez de uma outra qualquer, ser escolhida para falar metaforicamente de uma coisa. Kövecses (2002:67) responde que existe uma semelhança entre as duas entidades denotadas pelas duas expressões lingüísticas e, conseqüentemente, entre os significados das duas expressões. Desta forma, a dificuldade que restringe a produção da metáfora reside no fato de ter que haver uma semelhança entre as duas entidades comparadas. Se elas não forem semelhantes em algum aspecto, não podemos metaforicamente usar uma para falar de outra. É interessante ressaltar que, sob este ponto de vista, a semelhança também restringe a escolha de uma determinada expressão lingüística para se falar de uma outra. O autor exemplifica o fato com a expressão the roses on her cheeks, que pode suscitar alguns comentários que evidenciaram visões típicas da noção tradicional da metáfora: 1. A metáfora é decorativa ou um tipo de discurso sofisticado. Usamos a palavra roses (rosas) para falar das bochechas de alguém porque desejamos criar algum efeito especial no ouvinte ou leitor (por exemplo, uma imagem agradável). 2. A metáfora é um fenômeno lingüístico e não conceptual. Não existe o conceito de um domínio para compreender um outro. 3. A palavra roses (rosas) é usada para descrever as bochechas de uma pessoa porque existe uma semelhança entre a cor de algumas rosas (vermelha ou cor de rosa) e aquela das bochechas de alguém (também cor de rosa ou vermelho claro). 4. É esse tipo de semelhança preexistente entre duas coisas que restringe as possíveis metáforas que um falante de uma língua pode usar. Por exemplo, jamais esse falante poderia dizer “the sky on her cheeks”, tendo em vista que normalmente nos referimos à cor azul do céu, e essa cor não faz lembrar a tonalidade rosa da pele de algumas bochechas. 2.3 Visões Contemporâneas: re -dimensionando a importância da metáfora No século XX, três teorias coexistiram com o propósito de explicar como a metáfora é processada e por que é usada: duas delas, a Teoria da Substituição - que propõe que a sentença ou a palavra metafórica substitui um termo literal, que pode sempre ser substituído por uma paráfrase - e a Teoria da Comparação - que trata a metáfora como uma comparação implícita, na qual o equivalente literal da metáfora é visto como uma comparação, ou uma declaração de similaridade - fazem parte do paradigma tradicional já discutido anteriormente. É importante esclarecer aqui que essas duas teorias remontam a época de Aristóteles (RICOEUR; SEARLE , 1979). A terceira, a Teoria da Interação, apesar de não romper radicalmente com a visão tradicional (como é o caso da Teoria da Metáfora Conceptual, a ser discutida em seção mais adiante), redimensiona a importância da metáfora no processo de construção de sentidos. Essa teoria, proposta por Black, (1981, 1993) tem o propósito de justificar as novas formas de compreensão que surgem com o processo interativo da metáfora. Nessa visão, a metáfora implica um processo mental ligando Tópico e Veículo e gera significados novos e irreduzíveis, ao contrário de ativar semelhanças preexistentes, como no caso das teorias da substituição e comparação. Em outras palavras, a Teoria da Interação não aceita a idéia de uma transferência unilateral das propriedades dos significados envolvidos. Segundo Black (1981), o leitor ou ouvinte traria para a compreensão da metáfora um “complexo implicativo” de compreensões e crenças. Esse complexo interage através de processos mentais de seleção, mapeamento e organização, a fim de produzir um novo elemento que não pode ser parafraseado com equivalentes literais. Entretanto, é interessante destacar que Lakoff e Turner (1989:73-78) rejeitaram essa teoria ao entenderem que ela nega a assimetria da metáfora, na qual a transferência é unidirecional, isto é, do Veículo para o Tópico. Cabe ressaltar, todavia, as seis características enfatizadas pelos teóricos interacionistas, segundo Waggoner (1990: 90). São elas: 1- a metáfora pode criar novos significados e novas similaridades; 2- a metáfora não é equivalente ou reduzível à simile ou analogia; 3- a metáfora não é parafraseada sem a perda de significado, conteúdo ou importância; 4- os componentes da metáfora exercem uma influência recíproca entre eles, resultando, assim, na modificação de significado ou importância de ambos os componentes; 5- a metáfora compreende tanto semelhanças quanto diferenças entre os seus componentes. Mas é a metáfora como figura de pensamento que grandes passos são atribuídos a essa figura de linguagem como veremos a seguir. 2.4 Metáfora como figura de pensamento: a metáfora conceptual Apesar da enorme contribuição das várias visões, discutidas acima, que ressaltam a importância da metáfora para a comunicação e compreensão humanas, o grande divisor de águas entre o conceito tradicional e a nova visão da metáfora foi a obra publicada pelo lingüista George Lakoff e o filosófo Mark Johnson em 1980, denominada Metaphors we live by (Metáforas da Vida Cotidiana)7 . Nesse estudo, os autores discutem a natureza e a estrutura da metáfora sob uma nova perspectiva: ela é conceptual e tem grande influência em boa parte do pensamento e da ação do homem. Os autores desenvolvem a tese de que a metáfora é um fator preponderante no funcionamento da mente humana, uma vez que, sem ela, até mesmo pensar seria impossível. Os pesquisadores contestam os pressupostos até então estabelecidos de que (a) toda linguagem convencional é literal, (b) tudo pode ser descrito e entendido sem o 7 Tradução pelo Grupo de Estudos da Indeterminação e da Metáfora (GEIM, 2002). uso de metáforas, e (c) apenas a linguagem literal pode ser falsa ou verdadeira (LAKOFF, 1993). Dentre os vários atributos conferidos à metáfora, há de se ressaltar o fato de que “esta carrega consigo argumentos emocionais que nos levam a alguma ação ou pelo menos dá um suporte emocional àqueles que a usam” (MIO et al., 1996:143). A metáfora, assim, é vista como um elo entre os argumentos lógicos e emocionais. Como tal, ela nos dá aquele sentimento de que estamos nos comportando racionalmente, embora isso possa não ser o caso. Essa característica da metáfora, evidente no discurso persuasivo, tem apoio de vários pesquisadores como Bowers e Osborn (1966), Read et al (1990) e Reinsch (1971). No entanto, outros não atribuem tanta eficácia à sua função de persuasão como Bosman e Hagendoorn (1991). Segundo Cacciari (1998:147), a metáfora “dá a palavra”, por assim dizer, às partes relevantes de nossa experiência subjetiva do mundo, que de outra forma seriam difíceis de expressar. Além disso, a metáfora nos permite estender dinamicamente nossa atividade categórica (de categorização), sendo, portanto, um mecanismo - chave para modificar nossas maneiras de representar o mundo no pensamento e na linguagem. Ela é necessária epistemológica e comunicativamente. Reforçando o redimensionamento da importância cognitiva, discursiva e epistemológica da metáfora, Cameron (2003) enfatiza o seu inegável papel, no contexto educacional. Para a estudiosa, “metáforas não são somente recursos lingüísticos que ajudam a explicar conceitos, mas realmente estruturam os próprios conceitos” (2003: vi). Entretanto, a lingüista destaca o fato de que a metáfora é “imediatamente verdadeira e falsa, ao mesmo tempo disjuntivo e conectivo, comum, porém surpreendente” (ibid.). Cameron, porém, chama atenção para como as metáforas podem contribuir, mas e ao mesmo tempo limitar a compreensão. Devemos ficar, portanto, atentos às interpretações indevidas das metáforas quando usadas para explicar o conhecimento científico e profissional. A autora também ressalta (1999:77) que, na última década, o estudo da metáfora “exp lodiu”, mas pouco desse impacto se deu no campo da lingüística aplicada, apesar do importante papel desse tropo na teoria e prática do ensino e aprendizagem de língua. Dessa forma, a análise da metáfora na educação, segundo a pesquisadora, pode lançar luz sobre as diversas maneiras pelas quais participantes, sejam eles aprendizes, professores, administradores ou pais, podem conceptualizar o que fazem ou melhorar seus desempenhos (ibid:88). Entretanto, é interessante ressaltar que essa visão cognitivista da metáfora (também chamada de construtivista por Ortony, 1993) já tinha sido explorada pelo filósofo italiano Vico, muito antes de Lakoff e Johnson, entre os séculos XVII e XVIII. O pensador fazia da metáfora o principal instrumento de uma forma de apreensão do mundo, visão esta inédita naquela época. Vico não toma a metáfora no âmbito individual, como obra do gênio poético de algum indivíduo. Ao contrário, ele dá ênfase ao aspecto coletivo do pensamento metafórico ao tomar como base para suas afirmações mitos, fábulas e a poesia épica de Homero (CERDERA, 2002). A teoria da metáfora conceptual desenvolvida por Lakoff e Johnson tem como base um artigo escrito por Reddy, em 1979, no qual o autor introduz o conceito de “metáfora do canal”, que seria um tipo de me táfora conceptual. A partir dessa metáfora, segundo Green: As expressões lingüísticas (palavras, sentenças, parágrafos, livro, etc) são comparadas a vasos ou canais nos quais pensamentos, idéias, sonhos são despejados e dos quais eles podem ser retirados exatamente como foram enviados, realizando uma transferência de posse (GREEN apud ZANOTTO, 1989:15). As expressões abaixo, exemplos de expressões lingüísticas, que seriam motivadas pela “metáfora do canal” e que, portanto, a evidenciariam na linguagem (ibid:15). Exemplos: Não consigo pôr minhas idéias em palavras.Quem te deu essas idéias? Até que enfim você está conseguindo passar suas idéias para mim. Esse livro não traz muita coisa. Suas palavras não estão carregadas de convicção. Zanotto (1998:16) afirma que Green (1989:10) tem uma explicação muito feliz para essa metáfora, tão presente na linguagem ordinária: Admite-se comumente que a linguagem constitui um veículo para o pensamento, que as palavras expressam pensamentos e fazem isso univocamente. Então você tem um pensamento, põe esse pensamento em palavras, que levarão o pensamento, e qualquer pessoa racional e sensata que conheça a linguagem será capaz sem esforço de ver seu pensamento, de pegar sua idéia” (grifos de Zanotto). Para ilustrar o fato de que “a metáfora é possível na linguagem porque está presente na mente”, Lakoff e Johnson (1980/2002:46) utilizam o conceito de “tempo”, que é conceptualmente estruturado como “dinheiro”. Essa metáfora conceptual (TEMPO É DINHEIRO) é marcada, lingüisticamente, em inglês, por várias expressões, entre elas (ibid, 1980/2002: 50): Você está desperdiçando meu tempo. Você está me fazendo perder tempo. (You are wasting my time) Esta coisa (engenhosa) vai te poupar horas. (This gadget will save you hours.) Eu não tenho tempo para te dar./ Eu não tenho tempo para você. (I don’t have the time to give you.) Como você gasta seu tempo hoje em dia? Como você usa o seu tempo hoje em dia? (How do you spend your time these days?) A partir dessa visão, a metáfora, mais do que nunca, começa a ser vista como um elemento importante no processo de entendimento da própria compreensão humana, e não mais como um simples ornamento do discurso (LAKOFF; JOHNSON, 1980/2002, 1999; ORTONY, 1993; GIBBS; STEEN, 1999). Enquanto fenômeno cognitivo, as metáforas são mapeamentos entre domínios conceptuais: do domínio fonte para o domínio alvo. A estrutura DOMÍNIO ALVO É DOMÍNIO FONTE8 é usada como forma mnemônica de nomear esses mapeamentos metafóricos. Não devemos, assim, confundir o nome do mapeamento com o próprio. Mapeamento é o conjunto de correspondências conceptuais. Por exemplo, a forma mnemônica TEMPO É DINHEIRO se refere ao conjunto de correspondências conceptuais entre TEMPO e DINHEIRO. A metáfora, assim, envolve tanto os mapeamentos conceptuais quanto as expressões lingüísticas. Entretanto, na perspectiva da teoria da metáfora conceptual, a língua é secundária, no sentido de que é o mapeamento que sanciona o uso da linguagem e dos padrões de inferência do domínio fonte para o domínio alvo (LAKOFF, 1993:209). Porque o foco de interesse é o mapeamento, o termo metáfora refere-se, normalmente, ao mapeamento e não às expressões lingüísticas metafóricas (VEREZA, 2004). A língua, principalmente o léxico, seria, fundamentalmente, vista como um reflexo do sistema conceptual humano. Dessa forma, é através de um estudo detalhado da maioria das expressões lexicais relacionadas à determinados conceitos que os lingüistas cognitivos têm identificado grande parte desse sistema (KÖVECSES, 1990:41). Na visão cognitivista, falar e entender metáforas só é possível porque existem metáforas no sistema conceptual humano. Na visão tradicional, (conhecemos o mundo por meio dos objetos que o constituem; entendemos esses objetos por causa dos conceitos inerentes a eles e por meio das relações existentes entre eles; as palavras têm significados fixos; o conhecimento “objetivo” é o conhecimento real, verdadeiro), “digerir” em “digerir uma idéia”, por exemplo, não é vista como uma palavra metafórica e, sim, literal, homônima de uma outra palavra, digerir. A visão tradicional não nega a sua origem metafórica, mas entende que, uma vez convencionalizada, a palavra “digerir” morreu como uma metáfora e congelou seu significado metafórico antigo como um novo significado literal (ibid: 211-212). Por outro lado, para a lingüística cognitiva, a chamada linguagem literal está repleta de metáforas, e de forma sistemática; assim, digerir uma idéia não é uma metáfora isolada, mas parte de um grupo de outras expressões em que idéias são faladas em termos de comida (ibid:46). Exemplos: O que ele me disse me deixou com um gosto ruim na boca. O que temos nesse papel não passa de fatos crus, idéias meio cozidas e teorias subaquecidas. Não dá para engolir nenhuma dessas idéias. Ele devorou o livro. Segundo Lakoff e Johnson (1980/2002), as semelhanças entre os termos fonte e alvo não podem estar baseadas em conceitos inerentes, mas surgem como resultado de metáforas conceptuais. Dessa forma, essas semelhanças devem ser consideradas interacionais. Isto é, são definidas em termos de propriedades interacionais baseadas na percepção humana – como concepções de forma, dimensão, espaço, função, movimento, e não em termos inerentes das coisas em si. Estaríamos, assim, ampliando nossas habilidades de entender certos aspectos importantes da nossa interação com o mundo e nossa realidade. Tome-se, por exemplo, a metáfora conceptual TRABALHO É UM RECURSO (LABOR IS A RESOURCE), a partir da qual aspectos do trabalho escravo ou da mão-de-obra barata o tornam lucrativo e, por conseqüência, “bom”, uma vez que o custo deve ser sempre baixo se aceitamos a metáfora como verdade. A função da metáfora é, assim, a de estender as capacidades de comunicação e, principalmente, conceptualização do ser humano. A me táfora é uma “janela” para os sistemas de conhecimento que são relevantes e centrais em uma determinada cultura. 2.5 A dimensão epistemológica da metáfora 2.5.1 Os mitos do objetivismo e subjetivismo A visão tradicional da metáfora é sustentada pelo que Lakoff e Johnson (1980/2002) chamam de mito do subjetivismo e do objetivismo. Por trás desses mitos haveria a motivação humana para o entendimento do mundo externo e, também, de seus aspectos internos. Entendamos aqui que o termo “mito” não está sendo usado como algo pejorativo; afinal, como Lakoff e Johnson (1980/2002:185) argumentam, “os mitos oferecem- nos maneiras de compreendermos a experiência; eles organizam nossas vidas”. 8 Tecnicamente, o mapeamento é representado por DOMÍNIO ALVO para DOMÍNIO FONTE. Para os autores, a aceitação tácita do dogma da verdade absoluta (objetivismo) ou a rendição ao primado do individual e particular (subjetivismo) são visões igualmente equivocadas, constituindo o que os estudiosos chamam de mito do objetivismo e do subjetivismo. Na cultura ocidental, tem-se a impressão de que a única premissa válida é a existência de somente duas alternativas possíveis: acreditar na verdade absoluta ou fazer o mundo a sua própria imagem, sem que haja uma terceira escolha disponível (ibid:185). Lakoff e Johnson estabelecem um parâmetro entre mitos e metáforas dizendo que ambos estão presentes em todas as culturas e que as pessoas precisam de ambos para que consigam ordenar suas vidas e dar sentido ao que se encontra à volta delas. Assim como tomamos as metáforas como verdades, também fazemos em relação aos mitos. O mito do objetivismo não apenas não se reconhece como sendo um mito, como também tem como seu principal pressuposto a idéia de que os próprios mitos e as metáforas não são relevantes no que tange a busca da verdade. Ao contrário, ambos são vistos como objetos dignos de descaso: “de acordo com a visão objetivista, os mitos e as metáforas não podem ser levados a sério porque não são objetivamente verdadeiros” (Ibid:186). Por outro lado, segundo Lakoff e Johnson (1980/2002:191), a subjetividade, como a entendemos hoje, tem suas origens na progressiva hegemonia alcançada pela ciência, através da tecnologia, com o advento da Revolução Industrial. Os autores afirmam que o processo da Revolução Industrial fez vir à tona uma realidade desumana, que provocou, em contrapartida, uma reação entre poetas, artistas e filósofos que culminou com o desenvolvimento da tradição do Romantismo. A ciência, a razão e a tecnologia haviam alienado o homem dele mesmo, como os representantes do Romantismo alegavam; logo, eles viam a poesia, a arte e o retorno à natureza como uma maneira que o homem possuía para recuperar sua humanidade perdida (ibid:191-192). Os autores (1980/2002:192) observam que, ao adotar o subjetivismo, o Romantismo reforçou a dicotomia entre verdade e razão de um lado e arte e imaginação de outro. Sem dúvida, os românticos criaram um domínio para si mesmos, em que o subjetivismo continua a dominar. É interessante observar que, para os não românticos, a racionalidade é, na maioria das vezes, associada à objetividade; já para aqueles que defendem o objetivismo, ser irracional, é, sem dúvida, ser subjetivo. A subjetividade, para esses, é vista como algo através do que se pode perder o contato com a realidade objetiva. Em contrapartida, o subjetivismo, a metade complementar do objetivismo, tem como seu foco principal a capacidade do indivíduo de usar os sentidos e intuições em sua vida diária. Quando questões de real importância aparecem, acredita-se que as intuições são o melhor guia para nossas ações. Segundo Cerdera (2002), nessa linha de pensamento, a arte e a poesia, ao transcenderem a racionalidade e a objetividade, tornam-se meios de grande valia ao possibilitarem o acesso à realidade dos sentimentos e intuições. Assim sendo, a linguagem “da imaginação”, à qual a metáfora também pertence, é relevante por exercitar aspectos únicos e muito significativos em nossa experiência. Segundo Lakoff e Johnson (1980/2002), o que os mitos do objetivismo e do subjetivismo perdem é a maneira como entendemos o mundo através da nossa interação com ele (ibid:194), pois se, por um lado, o objetivismo pressupõe que existe um mundo totalmente independente do homem, por outro, o subjetivismo acredita que o homem é independente do mundo; se para o objetivismo há uma verdade absoluta e incondicional, para o subjetivismo a verdade só é obtida através da imaginação, sem interferência do mundo externo (ibid:192). Se fizermos uma relação entre esses dois mitos e a metáfora, verificaremos que, para o objetivismo, esse tropo deve ser evitado porque seus significados não são precisos e, portanto, não correspondem à realidade. A realidade só é escrita através de sentidos estáveis. Por outro lado, a metáfora, segundo o subjetivismo, é a linguagem da imaginação, e, por conseguinte, necessária para expressar os aspectos únicos e significativos de nossa experiência. Lakoff e Johnson (1980/2002) observam que, na realidade, precisamos de uma alternativa que possa, de fato, promover uma conciliação entre essas duas correntes - uma visão que, por um lado, adotasse uma perspectiva de subjetividade que não implicasse a noção de sujeito subjacente ao mito do subjetivismo, isto é, um sujeito “intuitivo”, autônomo, que chega, através de emoções, a realidades espirituais e emocionais autônomas também. Uma alternativa que, por outro lado, promovesse uma visão que, ao contrário de excluir o sujeito do real que o circunda, como no caso do objetivismo, propusesse uma relação dialética entre sujeito e realidade, um construindo o outro através da experiência do homem no mundo concreto em que vive. 2.5.2 A síntese experiencialista O experiencialismo proposto por Lakoff e Johnson (1980/2002, 1999) seria a união do objetivismo com o subjetivismo, sem a obsessão objetivista com a verdade absoluta ou a insistência subjetivista de que a imaginação é totalmente ilimitada (1980/2022:228-229). A visão experiencialista vê o homem como parte do meio em uma relação de transformação mútua por meio da interação constante de negociação, tendo como conseqüência o entendimento. Assim sendo, o entendimento do ponto de vista experiencialista oferece uma perspectiva mais abrangente nas áreas mais importantes de nossa experiência diária, conforme explicação de Lakoff e Johnson (1980/2002:232-237): 1. Comunicação interpessoal e entendimento mútuo O entendimento se faz por meio de negociação do significado, respeitando-se diferenças (culturais, pessoais, e de vida), assim como o exercício da paciência, da flexibilidade e o uso de metáforas. 2. Auto-entendimento Auto-entendimento pressupõe entendimento mútuo. Através de nossas constantes interações com o meio físico, cultural e interpessoal, atingimos o estado de autoentendimento, com auxílio apropriado de metáforas pessoais, que fazem sentido em nossas vidas. 3. Ritual O ritual é um tipo “gestalt”: uma seqüência coerente de ações estruturadas de acordo com as dimensões naturais de nossa experiência. Sendo assim, as metáforas culturais ou pessoais que utilizamos são preservadas e propagadas através de ações costumeiras, já que não se pode falar em cultura sem rituais. 4. Experiência estética Na visão experiencialista, a metáfora permite o entendimento de um tipo de experiência por meio de outro, criando coerência segundo “gestalts” impostos e estruturados de acordo com as dimensões naturais da experiência. Toda experiência nova cria novas realidades através da racionalidade imaginativa. 5. Política As ideologias, política e econômica, estão sempre delimitadas em termos metafóricos, pois escondem um aspecto da realidade em virtude de outros. Diante da dicotomia subjetivismo-objetivismo, Lakoff e Johnson (1980/2002) rejeitam o ponto de vista objetivista de que há verdade absoluta e incondicional, mas não adotam a postura subjetivista de chegar à verdade por meio da livre imaginação, propondo a união entre os binômios razão e imaginação que se encontra na concepção de metáfora por eles defendidos. Dentro da perspectiva experiencialista, os conceitos são definidos em termos de propriedades interacionais baseadas na percepção humana como concepções de forma, dimensão, espaço, função, movimento e não em termos de propriedades inerentes das coisas. Enfim, as estruturas que caracterizam a nossa experiência emergem naturalmente das nossas interações com o mundo e do mundo conosco. O sistema conceitual do homem, portanto, surge da sua experiência com o próprio corpo e o ambiente físico e cultural em que vive. Tal sistema, compartilhado pelos membros de uma comunidade lingüística, contém metáforas conceptuais, sistemáticas, geralmente inconscientes e altamente convencionais na língua – i.e., várias palavras e expressões idiomáticas dependem dessas metáforas para serem compreendidas (LAKOFF; TURNER, 1989:51). Podemos, afirmar, então, que a alternativa experiencialista oferece um novo significado aos antigos mitos. Os mitos do subjetivismo e do objetivismo inegavelmente têm uma função importante na sociedade ocidental e compartilham algumas noções fundamentais com o experiencialismo. 2.6 Tipos de metáforas conceptuais As metáforas conceptuais podem ser classificadas de acordo com as funções que elas desempenham. Assim elas podem ser: estrutural, ontológica e orientacional. Discutiremos também a metáfora primária como uma possível categorização da metáfora conceptual. 2.6.1 Metáfora Estrutural Assim como as metáforas orientacionais e ontológicas (conforme veremos mais tarde), as metáforas estruturais estão estruturadas em correlações sistemáticas em nossas experiências. Essas metáforas nos permitem fazer muito mais do que simplesmente orientar conceitos, nos refe rirmos a eles, quantificá- los, etc.; elas nos possibilitam usar um conceito altamente estruturado e claramente delineado para estruturar outro (LAKOFF; JOHNSON, 1980/2002; KÖVECSES, 2002). Segundo Kövecses (2002:33), a função cognitiva dessas metáforas é “possibilitar ao falante de entender o alvo A através da estrutura da fonte B. Esse processo ocorre através do mapeamento conceptual entre os elementos de A e aqueles de B”. Como exemplo de tais metáforas, citamos: DISCUSSÃO É GUERRA (ARGUMENT IS WAR); TEMPO É DINHEIRO (TIME IS MONEY); TEMPO É LOCOMOÇÃO (TIME IS MOTION) No último exemplo o conceito de tempo é estruturado de acordo com locomoção e espaço em termos de alguns elementos básicos: objetos físicos, seus locais e o movimento deles. O tempo presente está no mesmo local como um observador canônico. A partir daí temos os seguintes mapeamentos: Tempos são coisas. O passar do tempo é locomoção. O tempo futuro está a frente do observador; o tempo passado está atrás do observador. Uma coisa está se movendo, a outra está estacionada; a coisa estacionada é o centro dêitico. Daí termos a seguinte estrutura de Tempo. TEMPO É LOCOMOÇÃO (TIME IS MOTION) em dois casos especiais: TEMPO QUE PASSA É LOCOMOÇÃO DE UM OBJETO (TIME PASSING IS MOTION OF AN OBJECT) (e TEMPO QUE PASSA É A LOCOMOÇÃO DO OBSERVADOR ATRAVÉS DE UMA PAISAGEM) (TIME PASSING IS OBSERVER´S MOTION OVER A LANSDCAPE). 1) TEMPO QUE PASSA É LOCOMOÇÃO DE UM OBJETO (TIME PASSING IS MOTION OF AN OBJECT) a) Virá um tempo em que... (The time will come when...) b) Já faz algum tempo que... (The time has long since gone when...) c) Chegou o tempo de agir... (The time for action has arrived...) Kövecses (2002) diz que nesse tipo de exemplo em que TEMPO É LOCOMOÇÃO (TIME IS MOTION) o observador está fixo, e o tempo é um objeto que se move em relação ao observador. 2) TEMPO QUE PASSA É UMA LOCOMOÇÃO DO OBSERVADOR ATRAVÉS DE UMA PASSAGEM (TIME PASSING IS AN OBSERVER´S MOTION OVER A LANDSCAPE): a) Haverá problemas ao longo do tempo. (There’s going to be trouble along the road.) b) A permanência dele na Rússia se estendeu por muitos anos. (His stay in Russia extented over many years.) c) Ele passou o tempo muito feliz. (He passed the time happily). Kövecses (ibid) afirma que sem essa metáfora conceptual seria muito difícil imaginarmos o nosso conceitual de tempo. 2.6.2 Metáfora Ontológica Também chamada de metáfora de entidade e de substâncias (LAKOFF; JOHNSON, 1980/2002), a metáfora ontológica faz com que compreendamos nossas experiências em termos de objetos e substâncias, permitindo, assim, selecionar partes de nossa experiência e tratá- las como entidades discretas ou substâncias de uma espécie uniforme. Podemos nos referir a essas experiências, categorizá- las, agrupá- las e quantificá-las e, segundo Lakoff e Johnson (1980/2002) e Köve cses (2002), raciocinar sobre elas. As metáforas ontológicas nos capacitam a ver uma estrutura mais delineada em conceitos onde existe muito pouca ou praticamente nenhuma estrutura. Lakoff e Johnson (1980/2002) ressaltam que “essas metáforas servem a vário s propósitos e as diferenças que existem entre elas refletem os diferentes fins”. Ao consideramos, por exemplo, a experiência de aumento de preços por meio da palavra inflação, podemos vê- la como uma entidade – INFLAÇAO É UMA ENTIDADE (INFLATION IS AN ENTITY): 1) A inflação está abaixando o nosso padrão de vida. (Inflation is lowering our standard of living). 2) Se houver muito mais inflação, nós nunca sobreviveremos. (If there´s much more inflation, we´ll never survive). 3) Precisamos combater a inflação. (We need to combat inflation). As metáforas ontológicas são usadas, também, para compreendermos eventos, ações, atividades e estados. Eventos e ações são metaforicamente conceptualizados como objetos, atividades como substâncias, estados como recipientes (LAKOFF; JOHNSON, 1980/2002). Embora os autores dediquem um capítulo ao tipo de metáfora ontológica denominada “personificação”, Kövecses (2002) faz menção a essa metáfora em apenas algumas linhas da sua seção sobre metáforas ontológicas. Segundo o pesquisador, “na personificação, as qualidades humanas são atribuídas às entidades não humanas”. Por exemplo: 1) Suas teorias me esclareceram sobre o comportamento das galinhas criadas em fábricas. (His theories explained to me the behavior of chickens raised in factories) 2) A vida me passou para trás. (Life has cheated me) 3) A inflação está comendo nossos lucros.(Inflation is eating up our profits). Kövecses (2002) comenta, ainda, que a personificação faz uso de um dos melhores domínios-fonte que nós temos: nós mesmos. Ao personificarmos os não humanos como humanos, passamos a entendê- los um pouco melhor. 2.6.3 Metáfora Orientacional A metáfora orientacional, diferentemente da estrutural, não estrutura um conceito em termos de outro; ao contrário, organiza todo um sistema de conceitos em relação a um outro (LAOKOFF; JOHNSON, 1980/2002). Lakoff e Johnson (ibid:57-58) e Kövecses (2002) mostram que grande parte das metáforas está relacionada a nossa orientação espacial – noções como em cima - embaixo, dentro - fora, frente - atrás, centro - periferia –, que emerge do fato de “termos um corpo como o que temos e interagimos como interagimos com o nosso ambiente físico”. Por exemplo, a noção EM CIMA emerge porque quase todo movimento que fazemos (e.g., ficar de pé, deitar para dormir) envolve um programa motor que muda, mantém ou pressupõe a orientação EM CIMA – EMBAIXO. Essa noção gera um número grande de metáforas, tais como: ALEGRIA É PARA CIMA/TRISTEZA É PARA BAIXO Ex: Hoje estou me sentindo pra cima; Você está de alto astral; Estou na fossa; Ela está pra baixo hoje. VIRTUDE É PARA CIMA / DEPRESSÃO É PARA BAIXO Ex: Maria tem um alto padrão de comportamento; Marta tem uma mente superior; Este foi um truque baixo. De acordo com a teoria, experiências físicas diretas como essas não são, entretanto, inerentes ao tipo de corpo que temos, mas envolvem certos pressupostos culturais. No exemplo dado, a noção de verticalidade (EM CIMA-EMBAIXO) envolve o fato de vivermos em um campo gravitacional como o nosso. Alguém que vivesse em condições diferentes no espaço sideral, por exemplo, sem outro tipo de experiência, não teria a mesma noção espacial (LAKOFF; JOHNSON, 1980/2002:57). Entretanto, apesar de toda experiência ter uma base cultural, ainda é possível fazer uma distinção entre experiências mais físicas (como levantar) e experiências mais culturais (como participar de uma cerimônia de casamento). A experiência com objetos e substâncias físicas dá origem a metáforas ontológicas, que ajudam a entender outros conceitos envolvendo mais do que mera orientação, como eventos, emoções e idéias. Identificamos nossas experiências como entidades ou substâncias que, como tais, podem ser categorizadas, agrupadas e quantificadas. Por exemplo, experienciamos nosso corpo como um recipiente, que tem limites (a pele) e orientação DENTRO–E–FORA (o resto do mundo está fora). A partir dessa experiência, a noção DENTRO-E-FORA é projetada para outros objetos físicos que têm limites, bem ou mal delineados, tais como uma sala (ex: Entrei em sala) ou uma clareira na floresta (ex: Ficaram a noite inteira numa clareira da floresta), e uma série de outras coisas, tais como campos visuais (ex: Ela saiu do meu campo de visão), eventos (ex: Eles estão fora da competição) e atividades (ex: Entrei neste campo há 2 anos), que passam então a ser vistos também como recipientes com partes internas, externas e limites. 2.6.4 Metáforas Primárias Muitos estudiosos (JOHNSON, 1987; LAKOFF, 1987,1990; GIBBS, 1994; LAKOFF; JOHNSON, 1999) sugerem que grande parte do pensamento me tafórico deriva de uma experiência corpórea recorrente, isto é, o contato e as sensações corpóreas com o meio ambiente. Essas experiências aumentam a gestalt experiencial, a qual é chamada de ESQUEMA DE IMAGEM (IMAGE SCHEMA)), que são estruturas que organizam as representações mentais num nível mais geral e abstrato do que aquele em que determinadas imagens mentais são formadas (JOHNSON, 1987:23-24). O conceito consiste de pequeno número de partes e relações, através das quais podem ser estruturadas infinitas percepções, imagens, eventos, etc. Em um experimento realizado (GIBBS; COSTON, 1995; LAKOFF 1990; TURNER, 1996), solicitou-se que indivíduos imaginassem a sensação corpórea de um contêiner fechado repleto de um fluido. Posteriormente, foram feitas perguntas relacionadas à causalidade, intenção e forma com que esse procedimento foi processado mentalmente. Pôdese constatar que indivíduos tendem a fazer as mesmas inferências tanto para metáforas quanto para paráfrases literais. Tais sensações podem ser exp licadas através de intuições de cada indivíduo em relação à sua experiência corpórea. Metáforas geradas a partir dessas bases experienciais diretas (de experiências sensório- motoras) e cognitivas básicas, com pouca ou quase nenhuma influência cultural, são chamadas de metáforas primárias (GRADY, 1997b); alguns exemplos dessas metáforas são: IMPORTANTE É GRANDE (IMPORTANT IS BIG); FELIZ É PARA CIMA (HAPPY IS UP); DIFICULDADES SÃO CARGAS (DIFFICULTIES ARE BURDENS); MAIS É PARA CIMA (MORE IS UP); SIMILARIDADE É APROXIMAÇÃO (SIMILARITY IS CLOSENESS). Essas metáforas fazem parte do “inconsciente cognitivo”. As pessoas as adquirem automática e inconscientemente através do processo normal da aprendizagem e podem não ter consciência de que as possuem. Não temos controle desse processo (LAKOFF, 1980/2002:56). Por partirem de experiências universais, as metáforas primárias devem ser comuns a várias línguas. As correlações entre nossas experiências geram centenas de metáforas primárias que, por sua vez, podem se unificar e formar metáforas mais complexas (GRADY, apud JOHNSON, 1999). A unificação de metáforas primárias tem base cultural e, portanto, ao contrário das primárias, pode formar diferentes metáforas compostas nas diversas línguas (LAFOFF; JOHNSON, 1999). Esse processo é ilustrado pelos autores através de uma breve análise da metáfora primária A VIDA É UMA JORNADA. Segundo eles, há, em nossa cultura, uma preocupação de que as pessoas tenham um propósito na vida. Caso não o tenham, há algo errado. Se você não tem propósito na vida, você está “perdido” (lost), “sem direção” (without direction), “não sabendo que caminho tomar” (not knowing which way to turn). Ter propósito na vida lhe dá “objetivos para alcançar” e a força a mapear um caminho para atingir esses objetivos, como se desviar de obstáculos, etc. O resultado é a metáfora complexa que nos atinge a todos, a metáfora conceptual UMA VIDA COM PROPÓSITO É UMA VIAGEM (A PURPOSEFUL LIFE IS A JOURNEY), construída de metáforas primárias da seguinte forma: Começando da crença cultural: As pessoas supostamente têm propósitos na vida e elas devem agir no sentido de alcançá- los. As metáforas primárias são: PROPÓSITOS SÃO DESTINOS (PURPOSES ARE DESTINATIONS) AÇÕES SÃO MOVIMENTOS (ACTIONS ARE MOTIONS) A versão metafórica dessa crença cultural é: As pessoas devem ter destinos para suas vidas, e elas devem agir no sentido de alcançar esses destinos (People are supposed to have destinations in life, and they are supposed to move so as to reach those destinations) E isso se junta a um simples fato: Uma viagem longa para uma série de destinos é uma jornada (A long trip to a series of destinations is a jouney) Quando todos esses fatores se juntam, formam um mapeamento metafórico complexo: UMA VIDA COM PROPÓSITO É UMA JORNADA (A PURPOSEFUL LIFE IS A JOURNEY) UMA PESSOA QUE VIVE É UM VIAJANTE (A PERSON LIVING A LIFE IS A TRAVELER) OBJETIVOS DE VIDA SÃO DESTINOS (LIFE GOALS ARE DESTINATIONS) UM PLANO DE VIDA É UM ITINERÁRIO (A LIFE PLAN IS AN ITINERARY) Esse exemplo nos mostra que a metáfora complexa A VIDA É UMA VIAGEM é composta de quatro submetáforas. Dessa forma, levamos de um domínio para o outro nossos vastos conhecimentos sobre o domínio- fonte e todas as inferências que podemos fazer nesse domínio para o domínio-alvo. Isto quer dizer que a metáfora lingüística só é possível porque existem metáforas no sistema conceptual humano. Como elas são geradas a partir de experiências corpóreas em relação ao ambiente físico e cultural, compreendê- las equivale a entender o próprio modo de pensar e agir inerente ao homem (LAKOFF; JOHNSON, 1980/2002:05). Concluindo, diríamos que a função da metáfora é a de estender as capacidades de comunicação e conceptualização do ser humano. A metáfora é uma janela para os sistemas do conhecimento que são relevantes e centrais em uma determinada cultura. Ela está presente na linguagem do dia-a-dia, seja poética ou não, dentro de várias instâncias discursivas. A metáfora, tanto a lingüística como a conceptual, é parte importante da construção de sentidos, estruturando os nossos sistemas conceptuais e determinando, assim, nossa maneira de ver o mundo, de falar sobre ele e de agir sobre ele. É a partir dessa visão abrangente de metáfora que iremos conduzir a presente pesquisa. Ao usarmos o domínio geral de “guerra” para compreendermos e organizarmos conceptualmente outros domínios para falarmos e agirmos sobre eles, estamos seguindo os princípios da metáfora conceptual. Nenhuma outra visão de construção de sentidos parece oferecer um poder explicativo tão poderoso e com possibilidades empíricas tão promissoras para que possamos investigar o fenômeno enfocado em nosso estudo. Já que, como veremos mais detalhadamente adiante, a metáfora proposta nesta pesquisa é de natureza complexa e não primária e, portanto, não necessariamente universal, procuraremos compreender, na próxima seção, como se dá a complexa relação metáfora e cultura. 2.6.5 – Metáforas e Cenários Os tipos de metáfora conceptual discutidos acima são freqüentemente usados, por meio de suas marcas lingüísticas, como categorias analíticas na identificação e na análise de metáforas. Isto é, a metáfora conceptual distingue o aspecto conceptual (semântico) de uma metáfora de seu aspecto lingüístico – a ocorrência dela em textos empiricamente observável. Assim, pode-se dizer que em uma sentença documentada "The euro child has had a healthy birth" (= A criança euro nasceu saudável) existe uma metáfora lingüística: “The euro is a (healthy) child” (= O euro é uma criança (saudável)) e subjacente a essa manifestação lingüística existe uma metáfora conceptual que pode ser parafraseada como UMA MOEDA É UM SER VIVO. A teoria cognitiva (Lakoff, Johnson, Kövecses e outros) também concorda em grupar os conceitos em “domínios”, por exemplo: SERES VIVOS (LIVING BEING (= domínio fonte) e MOEDA CORRENTE (=domínio fonte) (MUSOLFF, 2004)). Além do conceito central de metáfora conceptual, faremos uso nesta pesquisa do conceito/categoria de cenário, tendo em vista que, como veremos adiante, essa noção surgiu como um elemento importante na análise do discurso do presidente Bush e seus colaboradores para justificar as eventuais guerras do Afeganistão e do Iraque. A categoria de cenário é apresentada como uma unidade analítica intermediária entre o nível do domínio conceptual como um todo e seus elementos individuais (ibid). Cenário, ainda, segundo o autor, é um conjunto de deduções construídas/idealizadas por membros competentes de uma comunidade discursiva sobre aspectos prototípicos (participantes, papéis, enredos “dramáticos”) e avaliações sociais/éticas relacionadas aos elementos característicos de domínios conceptuais. Essa categoria, assim, é usada para capturar o nível do subdomínio das estruturas conceptuais (ibid). Já Lakoff (1987: 285-6) define cenários como “modelos cognitivos idealizados”. O autor utiliza esse conceito, agregado ao de “sistema metafórico”, para sistematizar o enquadramento conceptual subjacente ao discurso por G. W. Bush (pai), na Guerra do Golfo, em 1990 (LAKOFF, 1991). No caso, Lakoff se apropria do sistema metafórico (uma “macro- metáfora”) CONTO DE FADAS, cuja estrutura se enquadraria à situação do Golfo. Essa mesma metáfora é identificada em nosso corpus, no Capítulo 6, uma vez que a justificativa das guerras do Afeganistão e do Iraque se faz viável por meio do preenchimento dos cenários pelos elementos da narrativa do Conto de Fadas: o vilão, o herói, a vítima e o crime (a serem referidos na análise como “sub-cenários”). Musolff (2004) argumenta que nem sempre todos os aspectos de um cenário necessariamente precisam ser preenchidos. A título de ilustração, os cenários de PAIS e FILHOS (no contexto dos diferentes países que configuram a atual União Européia) na metáfora NAÇÃO É PESSOA, determinados aspectos ficam abertos: os filhos da família européia, por exemplo, podem ter somente um dos pais, ou somente pais e não mães, ou, até mesmo, nenhum pai possivelmente identificado, como mostram os seguintes exemplos: (1) – (...) the great dream of the founding fathers of the original European communities (...). / (…) o grande sonho dos pais fundadores das comunidades européias originais (…). (2) – (…) how Western Europe’s grown-up democracies, (…)/ (…) como as democracias adultas da Europa Ocidental, (…). (3) - Europe fetes “prodigal son” (…)./ A Europa dá boas-vindas ao “filho pródigo” (...). Um outro exemplo de cenário é apresentado por Musolff (2004) ao citar Lakoff (1996) quando este identifica o domínio FAMILIA no discurso político dos E.U.A e distingue dois modelos importantes: PAI SEVERO e PAI/MÃE EDUCADOR. Musolff entende que esses modelos são “cenários” porque eles são partes relevantes do domínio e têm mínimos planos de ações com resultados indevidos. É interessante ressaltar que a categoria de cenário não é contrária, de forma alguma, a categoria ou teoria da metáfora conceptual. Ela é também compatível com a teoria de “blending” (um cenário consiste de um conjunto de espaços mentais). Sua característica marcante é que ela está relacionada a um texto empiricamente observável e testável retirado de um corpus tanto especial quanto geral. Assim, “cenários metafóricos” são categorias conceptuais tal como esquemas, domínios, etc., mas podem ser observáveis ao em vez de depender somente da abstração teórica (MUSOLFF, 2004). A categoria “cenário” mostra-se, assim, apropriada aos objetivos de nossa pesquisa por contemplar o fato de que há padrões conceptuais e configurações, como deduções sobre determinados participantes (presença de personagens), papéis e ações a serem tomadas (ibid), complementando, assim, o sistema metafórico responsável pelos aspectos cognitivos e discursivos presentes na retórica do presidente Bush e de seus colaboradores. 2.7 Metáfora e cultura: uma abordagem sócio-cognitivista 2.7.1 Introdução Pretendemos nesta seção explorar a interface entre metáfora e cultura, segundo o enfoque sócio-cognitivista. Ao compartilharmos a premissa da antropologia lingüística de que a linguagem dever ser entendida como prática cultural, não podemos deixar de discutir a noção de cultura, considerando que esta é bastante complexa (DURANTI, 1997). Entendemos que as metáforas conceptuais não são apenas ornamentos lingüísticos, mas também figuras de pensamento e, portanto, estão relacionadas diretamente à cognição (LAKOFF; JOHNSON, 1980/2002). E, se o ser humano se conhece e se faz como tal através da interface com o outro (via linguagem) - daí a relação com o social (TOMASELLO, 1999) - , podemos, então, abordar metáfora e cultura do ponto de vista da sócio-cognição, conforme veremos nas subseções seguintes. 2.7.2 Conceituação de cultura Mesmo considerando o fato de que, como afirma Deignan (2003:256), “é notoriamente difícil desenvolver uma definição operacional da noção de cultura”, é preciso partir de uma conceituação dessa noção para que possamos articulá-la à questão da metáfora. A visão popular de cultura remete à noção de “conhecimento adquirido”, principalmente através do letramento, das ciências e da literatura. Assim, sob este ponto de vista, certas pessoas teriam mais ou menos cultura do que outras. Essa visão, no entanto, foi desafiada, formalmente, já em 1871, quando Edward Tylor, em Primitive Culture, propõe a primeira definição de cultura sob o ponto de vista antropológico. Segundo Tylor, cultura seria “um complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (TYLOR, apud LARAIA, 1986:25). Duranti (1997:27) hipotetiza que, se cultura é apreendida, muito do que se entende por cultura pode ser pensado em termos de conhecimento de mundo. Segundo o autor, reconhecer objetos, lugares e pessoas não é o objetivo único daqueles que pertencem a uma determinada cultura; esses membros deveriam também compartilhar determinados padrões de pensamento e maneiras de se entender o mundo, fazendo inferências e predições por meio desses padrões. E como bem define Ward Goodernough (1964:36-39), ao resumir a visão cognitiva de cultura, cultura seria: aquilo que as pessoas têm que saber diferentemente de sua herança biológica, deve consistir do produto final da aprendizagem: conhecimento, no seu termo mais geral ... cultura é uma organização de coisas, pessoas, comportamento e emoções...” Neste estudo, adotaremos a visão de cultura apontada por Tylor, tendo em vista que entendemos que a sua perspectiva é abrangente e coerente com o que entendemos que seja a dimensão cultural de metáfora. Uma outra questão que perpassa o debate em torno da noção de cultura é a sua origem biológica ou social. Trataremos, a seguir, dessa discussão. 2.7.3 Cultura versus Biologia Em primeiro lugar, observa-se que as teorias que atribuem capacidades específicas inatas a “raças” ou a outros grupos humanos são antigas e persistentes (LARAIA, 1986). Estamos falando aqui da possibilidade de um determinismo biológico para se entender cultura. Entretanto, os antropólogos estão totalmente convencidos de que as diferenças genéticas não são determinantes das diferenças culturais. Segundo Felix Keesing (KEESING apud LARAIA, 1986:17), “não existe correlação significativa entre a distribuição dos caracteres genéticos e a distribuição dos comportamentos culturais”. A maneira como as pessoas se comportam diante da aprendizagem remete ao processo que a antropologia chama “endoculturação”. Ou seja, a mente humana não passa de uma caixa vazia quando nascemos, dotada simplesmente da capacidade ilimitada de adquirir conhecimento. Por exemplo, um homem e uma mulher agem diferentemente não em função de seus hormônios, mas por serem educados de forma diferente. Ao considerarmos a definição de Tylor acima, entendemos que ele marcava fortemente o caráter de aprendizado da cultura em oposição à idéia de cultura como aquisição inata, transmitida por mecanismos biológicos. Kroeber (1986:37), por sua vez, não refuta a idéia de que o homem depende muito de seu equipamento biológico e que, para manter-se vivo, independentemente do sistema cultural a que pertença, “ele precisa de algumas funções vitais, como a alimentação, o sono, a respiração, a atividade sexual, etc.” (ibid:38). Entretanto, a maneira de satisfazer essas funções variaria entre as culturas. Para ele, essa variedade na operacionalização de um número bastante pequeno de funções faz com que o homem seja visto como um ser fundamentalmente cultural. Os seus comportamentos não são biologicamente determinados. A genética, assim, não seria responsável pelas ações e pensamentos do homem, pois seus atos dependem totalmente de um processo de aprendizado. Na verdade, o homem desenvolveria a cultura simultaneamente ao seu equipamento fisiológico. A cultura, de fato, molda uma vida “num ser biologicamente preparado para viver enumeras vidas” (ibid:68). Essa discussão nos leva a entender que cultura não está desassociada da biologia. Elas, de fato, se complementam. Veremos mais adiante que o debate em torno da universalidade – ou não – da metáfora, ou de certas metáforas, como a metáfora primária, perpassa, também, a questão da biologia (dimensão corpórea da metáfora) e da cultura (dimensão cultural, social da metáfora). 2.7.4 Cultura e Linguagem Compartilhando a visão de Tylor, Alfred Kroeber, antropólogo americano, argumenta que não se pode realmente entender uma outra cultura a não ser que se tenha acesso a sua língua (KROEBER, 1963). A relação, assim, entre cultura e lingua (gem) é fundamental para os antropólogos lingüistas como Duranti, que chega a afirmar que “conhecer uma cultura é como conhecer uma língua e descrever uma cultura é como descrever uma língua (1997:28)”. Vale notar que, como vimos acima, língua é entendida na sua relação com as práticas discursivas que formam a cultura e que essas práticas, por sua vez, se dão através da interação entre indivíduos e grupos. A interação, mediada pela linguagem, seria, segundo Tomasello (1999), o centro da cognição humana. O homem é um domínio que se descobriu na contra – face do outro via linguagem. Ele é capaz de se ver através do outro, de partilhar intenções e desenvolver ações conjuntas. Vendo a linguagem como um dos modos da cognição humana, Tomasello afirma que as construções abstratas formam a base da criatividade lingüística da criança. Cada criança deve elaborar essas construções individualmente, da mesma forma que faz a distinção entre as falas que ouve de usuários mais experientes na língua. Isso torna as construções lingüísticas abstratas especialmente interessantes do ponto de vista da cognição, uma vez que elas estão fundamentadas tanto na aprendizagem das estruturas lingüísticas culturalmente convencionais como nas habilidades cognitivas individuais de categorização e formação de esquemas que advém, em última análise, da sua herança biológica como primatas individuais. Soma-se a isso o fato de que, segundo o antropólogo, “as construções lingüísticas abstratas levam a algumas operações cognitivas singulares sem similar no reino animal” (1999:157). Entre essas, Tomasello ressalta “a interação entre as construções lingüísticas abstratas e palavras individuais concretas” que, segundo o autor, cria novas e poderosas possibilidades para construções de elementos derivacionais, analógicos e metafóricos” (ibid), tais como: - propriedades e atividades como se fossem objetos: Azul é minha cor favorita (Blue is my favorite color), Esquiar é divertido (Skiing is fun), Descobrir o tesouro foi sorte (Discovering the treasure was lucky); - objetos e atividades como se fossem propriedades: Sua vozinha me balançou (His mousy voice shook me), Sua cabeça raspada distraiu-a (His shaven head distracted her), Sua maneira Nixoniana me ofendeu (His Nixonesque manner offended me); - objetos e propriedades como se fossem propriedades: Ela presidiu a reunião (She chaired the meeting), Ele molhou as calças (He wet his pants), O pequeno jornaleiro “abrigou” o jornal (The paperboy porched the newspaper); - eventos e objetos como se um fosse o outro: O amor é uma rosa (Love is a rose), A vida é uma viagem (Life is a journey), Um átomo é um sistema solar (An atom is a solar system); Os seres humanos criam esses tipos de analogias quando os recursos no seu inventário lingüístico são insuficientes para atender a demandas, principalmente as demandas expressivas, de uma determinada situação comunicativa. É difícil imaginar que seres humanos poderiam conceptualizar ações como objetos ou objetos como ações – ou mesmo se engajarem em qualquer atividade além das formas mais rudimentares do pensamento metafórico – se não fosse pelas demandas funcionais que recaem sobre eles, na medida em que adaptam meios convencionais de comunicação lingüística a determinadas exigências comunicativas (TOMASELLO, 1999). E, sobre o pensamento metafórico, Tomasello argumenta, ainda, que ele surge, em última análise, da interação e que está na base da cultura. Assim, dentro do paradigma sócio-cognitivista, cultura, interação e a metáfora emergem da própria comunicação humana. Assim, a visão sócio-cognitivista de cultura preconizada por Tomasello, por fazer referência ao papel da linguagem e, principalmente, à linguagem figurada na cultura tem grande relevância para o presente estudo. 2.7.5 Metáfora e Cultura É interessante ressaltar que, quando Gibbs (1999:153) se refere à base cultural da metáfora, ele destaca que tanto antropólogos como lingüistas acreditam que a presença de metáforas em expressões lingüísticas reflete não somente a operação de estruturas mentais individuais, mas também o trabalho de diferentes modelos culturais. Esses modelos culturais podem ser definidos como “esquemas culturais subjetivamente compartilhados que funcionam no intuito de interpretar experiências e guiar ações em vários domínios, incluindo eve ntos, instituições, e objetos mentais e físicos” (ibid). Ou seja, modelos culturais podem ser entendidos como uma representação de visão de mundo de uma sociedade/cultura no que tange à suas crenças, atos, maneira de falar sobre o mundo e suas próprias experiências. Boers (2003) compartilha com Deignan a visão de que a linguagem figurada de uma comunidade poder ser entendida como “uma reflexão dos padrões convencionais do pensamento daquela comunidade ou como uma visão de mundo” (2003:256). Por conseguinte, a metáfora reflete e reproduz as visões de mundo de uma comunidade. Dessa forma, o estudo cognitivo de metáforas como “esquemata” cultural é bem próximo à idéia de que não só entendemos o mundo, mas também a linguagem, em termos de protótipos, visões generalizadas ou teorias populares (Folk Theories) de experiência (DURANTI apud ROSCH, 1973, 1978). Assim, a metáfora estaria, simbioticamente, relacionada à cultura. A relação entre metáfora e cultura é também ressaltada por Lakoff e Johnson (1980/2002). Como vimos anteriormente neste trabalho, para os autores, a metáfora, longe de ser um fenômeno exclusivo da linguagem, embora a nossa linguagem cotidiana esteja repleta de metáforas, estruturaria o sistema conceptual humano, o qual, por sua vez, está edificado sobre as bases da cultura. Para os autores, a metáfora é entendida como uma caracterização da nossa experiência, na medida em que ela se adequa a outros conceitos metafóricos mais gerais, formando, portanto, um todo coerente. Os autores reconhecem também a importância da cultura no processo de formação do referido tropo, embora, em sua obra, não elaborem detalhadamente esse aspecto. Em que medida os modelos cognitivos seriam determinados sócio - culturalmente ou vice-versa ainda é fonte de grandes debates na lingüística cognitiva. Quinn (1991), por exemplo, argumenta contrariamente ao que Lakoff e Kövecses sugerem no artigo The cognitive model of anger inherent in American English (1987), afirmando que as metáforas simplesmente refletem os modelos culturais preexistentes, ao contrário dos dois outros autores, que acreditam que as metáforas constituem amplamente o modelo cultural. Quinn ilustra seu argumento usando o conceito abstrato de casamento. De acordo com a autora, a sociedade americana vê o casamento como expectativas: troca, benefício para os cônjuges e durabilidade (1991:67). Essas expectativas seriam propriedades do amor. Segundo Quinn, o conceito abstrato de amor surge literalmente de experiências básicas como a fase do bebê com suas primeiras experiências de vida e com o seu responsável, experiências essas que sustentam a concepção de amor adulto e de casamento. Dessa forma, para Quinn, nenhuma metáfora é necessária para que conceitos abstratos emerjam. O argumento da autora é de que a estrutura motivacional do amor forneceria a sua estrutura de expectativa; isto é, desejamos estar com a pessoa que amamos, preenchendo nossas carências mútuas, e que esse amor seja longo. Segundo Kövecses (2005), a análise de Quinn é incompleta já que essas experiê ncias básicas, naquela etapa de vida, carecem do conteúdo detalhado e estrutural que caracteriza o conceito de amor em adultos. Ainda segundo Lakoff e Johnson, ao usarmos expressões como “atacar uma posição”, “nova linha de ataque”, “vencer”, “ganhar terreno”, etc., estamos sistematizando a linguagem usada para falar do conceito de guerra e que, no mundo ocidental, tais expressões fazem parte do ato de discutir (LAKOFF; JONHSON, 1980/2002: 07; KÖVECSES, 2002:74-75). Por outro lado, Lakoff e Johnson explicam que, se imaginássemos uma cultura em que a discussão fosse compreendida em termos de dança, por exemplo, os participantes seriam vistos como dançarinos, cujo objetivo seria realizar a ação de forma harmônica, equilibrada e estética. Nessa cultura, as pessoas entenderiam as discussões de forma diferente, e também as realizariam e falariam sobre elas diferentemente. Nós ocidentais, no entanto, não pensaríamos, de modo algum, que essas pessoas estivessem discutindo: elas estariam fazendo alguma outra coisa. Consideraríamos estranho chamar esse ato de discussão. Talvez fosse melhor dizer que, em nossa cultura, a discussão estaria estruturada em termos de batalha e, naquela, em termos de dança (ibid:05). Outros conceitos que fazem parte do nosso repertório, como TEMPO É DINHEIRO (TIME IS MONEY), metáfora já discutida anteriormente neste estudo, só são possíveis porque o tempo em nossa cultura é considerado um bem de consumo, o que pode não acontecer em outros grupos sociais. Esses exemplos corroboram a argumentação de Deignan (2003:269) que enfatiza o papel da cultura na determinação do conteúdo e da forma de expressões metafóricas. Mas a autora, como Kövecses (2005), nos alerta que a metáfora que usamos hoje pode não refletir a compreensão atual sobre a nossa cultura. A pesquisadora afirma que muito das expressões metafóricas foram geradas a partir de determinadas situações históricas e, na medida em que elas se fossilizam, sua motivação fica, de certa maneira, pouco transparente para os falantes de uma língua. Isso, de certa forma, nos alerta para o problema do enfoque cultural na metáfora. E, neste caso, Boers (2003:235) referenda Deignan (2003) que acredita que devemos abordar a metáfora na linguagem, em sua grande parte, como uma reflexão diacrônica de cultura, e não sincrônica. E, assim, uma determinada expressão metafórica, ao longo do tempo, pode tornar-se opaca para a compreensão do falante daquela língua. Apesar de concordarmos com essa ressalva, fazemos eco, neste estudo, a autores como Kövecses (2005) que ressaltam a relação simbiótica entre metáfora e cultura. 2.7.6 Variação Cultural e Metáfora Littlemore (2003) investiga a metáfora do ponto de vista da variação entre culturas, examinando o efeito dessa variação no plano de julgamentos de valores associados ao uso de certas metáforas. Especificamente, a pesquisadora observa as dificuldades que estudantes de Bangladesh, em cursos na Grã-Bretanha, tiveram para entender as metáforas usadas por seus professores britânicos. Segundo a estudiosa, muito dos problemas ocorreram por causa de diferentes sistemas de valores, tendo em vista a diferença entre as duas culturas. Ela conclui que é importante tanto para os professores quanto para os alunos reexaminarem seus valores e ficarem atentos para um possível desentendimento ao usarem metáforas que, de uma certa forma, estão impregnadas desses julgamentos. Boers (2003), por sua vez, ressalta que, no que se refere à metáfora conceptual, a variação entre culturas tem um papel mais preponderante nas metáforas complexas ou compostas do que nas primárias (LAKOFF; TURNER, 1989; TURNER, 1995). Segundo ele, diferentemente da experiência física que subjaz as metáforas primárias, “os domínios complexos experienciais são mais de natureza cultural e, por isso, variam de lugar para lugar” (2003:233). Assim, um determinado domínio pode não estar igualmente disponível para um mapeamento metafórico em todas as culturas. Para ilustrar tal argumento, Boers (ibid) afirma que em uma comunidade distante dos Andes não se esperaria ter uma quantidade de metáforas do domínio da navegação a vela, como em inglês: “She sailed through her exams” (Ela “navegou” (voou) nas suas provas). Isso sem considerar o fato de que certas metáforas podem “sair de moda” ou novos objetos podem ser inventados pelo homem, gerando novas metáforas. A MENTE É UM COMPUTADOR (THE MIND IS A COMPUTER), por exemplo, é uma metáfora conceptual recentemente criada a partir do surgimento da eletrônica e que já licencia expressões como “Vou deletar você da minha memória”, entre outras. Podemos, ainda, exemplificar esse aspecto intercultural da metáfora citando a metáfora CASA COMUM EUROPÉIA (COMMOM EUROPEAN HOUSE), que apareceu no discurso político em várias línguas européias no final da década de 80, por ocasião do desgaste e do colapso da Guerra Fria na Europa. Essa metáfora foi introduzida por Mikhail Gobarchev durante sua visita à França em outubro de 1985. Ela surgiu para moldar o novo pensamento da então União Soviética na gestão do ex-presidente. Pensamento esse que tentava mostrar aos outros países da Europa que a União Soviética já pensava em uma Europa sem muita divisão. Entretanto, é interessante observar que essa metáfora sofreu algumas adaptações devido a diferenças culturais no que diz respeito ao conceito de “casa”. “Casas” são conceptualizadas protótipo e estereotipicamente de formas diferentes de cultura para cultura. Há variações em termos de tamanho, formato, desenho, espaço, limites, regras de entrada e saída, receber e visitar, coabitar etc. A concepção de casa e de seus desencadeamentos, a partir da metáfora em questão, não pôde ser pressuposta como conhecimento comum, pois havia risco de não acontecer uma comunicação eficaz e eficiente para a proposta do governo soviético (CHILTON; IILYN, 1993:7-13). Contudo, é interessante refletir sobre a proposta de Boers (2003:236) de que, devido à globalização econômica e cultural, as diferenças interculturais relevantes para o uso da metáfora podem, um dia, desaparecerem. O autor argumenta que se a linguagem é uma parte integrante da cultura, e se a cultura é expressa através da metáfora (ainda que indiretamente), então a comunicação intercultural se beneficiaria substancialmente de um aumento da compreensão de metáforas por parte dos educadores e aprendizes de línguas. No entanto, essa possível (mas não necessariamente provável) “universalização” cultural que levaria à “universalização” de muitas metáforas não estaria no mesmo paradigma da discussão, na literatura lingüístico-cognitivista acerca da “universalidade” de determinadas metáforas, mais especificamente, as metáforas primárias (GRADY, 1997; GIBBS et al., 2004) Essa discussão, pela sua centralidade na compreensão da relação entre metáfora e cultura, será tratada a seguir. 2.7.7 Metáforas, cultura e corpo: a questão da universalidade Kovecses (2005) argumenta que o pensamento metafórico fundamenta-se na experiência corpórea e em atividades neurológicas no cérebro. E assim, pressupondo que a metáfora tem como base o funcionamento do corpo humano e do cérebro e que, neste sentido, os seres humanos são iguais, poder-se-á concluir que a maioria das metáforas conceptuais que as pessoas usam seriam universais. Quando um conceito metafórico faz parte de uma experiência básica humana como as metáforas primárias (LAKOFF; JOHNSON, 1980/2002; LAKOFF e TURNER, 1989; TURNER; FAUCONIER, 1995) diz- se que ela tem base corpórea. Pode-se alegar, por exemplo, que conceitos espaciais que fazem parte do repertório humano, do tipo em “cima/embaixo”, “frente/trás”, “dentro/fora”, “perto/longe”, também denominados de “esquemas–imagens” (Lakoff, 1990), surgem da interação do homem com o meio-ambiente físico. Assim, quando identificamos o conceito de em cima ou para cima como alguma coisa boa e positiva, em contraste com o seu oposto embaixo ou para baixo, estaríamos apenas tomando ciência de algo já enraizado em nosso repertório sensório - motor (LAKOFF; JOHNSON, 1980/2002). Com o surgimento (ou formalização) do conceito de metáfora primária (GRADY, 1997), a possibilidade teórica da “universalidade” de determinadas metáforas ganha força, não deixando, no entanto, de representar uma hipótese polêmica na área da metáfora. Lakoff e Johnson (1999:56) observam que as metáforas primárias fazem “parte do inconsciente cognitivo”, uma vez que o ser humano adquire-as automática e inconscientemente. Os autores afirmam que, quando as experiências corpóreas no mundo são universais, as metáforas primárias correspondentes a essas experiências seriam adquiridas universalmente (LAKOFF, 1993), o que explicaria o grande número dessas metáforas em diversas línguas. Lembramos que Kovecses (2005:64), também, argumenta que não somente as metáforas primárias, mas também as complexas, podem ser universais, desde que essas últimas tenham como base experiências humanas universais. Para o momento, é importante destacar que o conceito de guerra, subjacente às expressões acima, teria uma base corpórea (agressão física) que é estendido a domínios mais abstratos como discussão, jogos, etc (RITCHIE, 2003). Ao trazermos essa discussão da universalidade das metáforas para a metáfora estrutural e central dessa pesquisa, O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA, poderíamos conjeturar que sendo o sentido de lutar um ato que envolve agressão física - experenciado desde os primórdios da nossa civilização (VANPARYS; 1995; KOULER, 2002), uma forma de garantir a própria sobrevivência do ser humano e viabilizar a possibilidade de se resguardar e, assim, perpetuar até mesmo a própria espécie -, a metáfora da guerra poderia ter uma dimensão universal e, possivelmente, uma outra que variaria interculturalmente. Por exemplo, vimos anteriormente que, segundo Lakoff e Johnson (1980/2002), a metáfora DISCUSSÃO É GUERRA - que licencia expressões como: 1- Não ganhei nunca uma discussão com ele. (I’ve never won an argument with him) 2- Ele derrubou todos os meus argumentos. (He shot down all of my arguments.) 3- Se você usar aquela estratégia, ele o aniquilará. (If you use that strategy, he’ll wipe you out.) provavelmente não seria compreendida em uma cultura que conceptualizasse discussão como dança. O que é cultural ou universal nas metáforas conceptuais é uma questão complexa e polêmica na Lingüística Cognitiva. Estudiosos como Charteris-Black (2004, 2005) defendem a variação intercultural entre metáforas e a sua determinação sócio-histórica, assumindo, assim, uma postura mais “relativista” do que “universalista” dentro do debate. As experiências socioculturais relacionadas, por exemplo, à metáfora corpo como contêiner podem muitas vezes explicar como as pessoas entram e saem de contêineres, como a saída de diferentes fluidos é compreendida, como as experiências das pessoas como contêineres afetam suas relações interpessoais e suas próprias noções de identidade e autonomia. Pesquisas nessa área poderiam revelar como as metáforas estão relacionadas ao corpo e à cultura do indivíduo, além de contribuir para a compreensão do significado de expressões lingüísticas (ibid). Em outras palavras, de acordo com o autor, até mesmo o que chamamos de “experiência física direta” acontece sempre dentro de uma vasta bagagem de pressuposições culturais. Ou seja, toda experiência, física ou não, é totalmente cultural. É a partir dessa relação entre os aspectos socioculturais da metáfora conceptual que Eubanks (2002:25) observou que “a ligação entre o cognitivo e o cultural é a maior força da teoria cognitiva da metáfora”. Da mesma forma, Gibbs (1999) rejeita a idéia de que experiências corpóreas aparentemente universais possam se interpretadas da mesma forma em culturas diferentes: “Não se pode falar ou estudar cognição separadamente das nossas interações específicas corporificadas com o mundo cultural uma vez que o que entendemos como significativo no mundo físico é altamente limitado pelas nossas crenças e valores” (GIBBS, 1999:153)9 . Podemos concluir que a inseparabilidade de mente, corpo, mundo e modelos culturais implica uma visão de metáfora em que esta emerge da interação entre todos esses fatores. Nesse sentido, Kövecses (2005:293) acredita que algumas metáforas são potencialmente universais e que outras variam entre culturas e dentro da própria cultura. Assim, afirma (2005:293) que “a metáfora é inevitavelmente conceptual, lingüística, neuro - corpórea e sociocultural ao mesmo tempo” (ibid:156). 2.7.8 Considerações finais Por tudo que já foi discutido neste capítulo, podemos concluir que o fator “cultura” será de importância crucial para a compreensão do conceito metafórico “O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA” que investigaremos como metáfora dominante, assim como aquelas relacionadas ao crime e à política internacional que interagem com a dominante. Uma de nossas hipóteses é de que essas metáforas, mesmo podendo ter uma base corpórea significativa, são geradas pela cultura e, ao mesmo tempo, determinantes dessa cultura. Dessa forma, optamos por não considerar a possibilidade da 9 “One cannot talk about, or study, cognition apart from our specific embodied interactions with the cultural world, (and this include the physical world, which is not separable from the cultural world in the important sense universalidade dessa metáfora, acreditando que sua dimensão cultural, em sua relação com seus aspectos ideológicos, como veremos mais adiante, seja mais relevante para a presente discussão. Essa afirmação pode ser corroborada com a argumentação de Deignan (2003:256) de que “cultura” pode-se fazer compreensível desde que se entenda que ela carrega as ideologias dominantes de uma comunidade. Explorar essa relação, com foco no discurso, política e ideologia, a partir de uma perspectiva cognitiva, será o objetivo do próximo capítulo. that what we see as meaningful in the physical world is highly constrained by our cultural beliefs and values” (Gibbs, 1999:153). 3. ANÁLISE CRÍTICA DA METÁFORA: POLÍTICA, DISCURSO E IDEOLOGIA 3.1 Política: Conceituações Não poderíamos deixar de discorrer sobre política em um estudo que tem o discurso político como objeto de análise. Contudo, definir política em toda sua complexidade seria uma tarefa impossível, se levarmos em conta o escopo deste estudo. Assim, consideraremos uma definição do ponto de vista do estudo tradicional da política e dos estudos do discurso político. Em primeiro lugar, a política pode ser vista como uma luta entre aqueles que querem e os que resistem ao poder. Por outro lado, a política pode ser abordada, ainda, como um meio de cooperação para resolver problemas de disputa de interesses no que diz respeito a dinheiro, influência, liberdade e fatores dessa natureza (CHILTON, 2004). Além das orientações acima, de caráter mais geral, temos que considerar uma outra distinção importante, aquela estabelecida entre os níveis macro e micro da política. No lado extremo do nível macro há as instituições políticas do Estado. Essas instituições, em um estado democrático, manifestam-se a partir de constituições, e dos códigos civil e criminal. Ligados a essas instituições encontram-se os políticos de partido, os políticos profissionais, grupos de interesses e movimentos sociais (ibid). Todas as atividades políticas, características das interações entre esses diversos grupos e instituições, não existem sem o uso da linguagem. Os profissionais da política reconhecem o papel da linguagem porque a política se faz pelo uso da linguagem e porque o seu uso tem claros efeitos na ação política. Afinal, segundo Charteris-Black (2005:xi), em sociedades democráticas, “o poder é expresso pela palavra falada ou escrita e não pelo chicote, corrente ou revólver.” Somente na linguagem e através dela pode alguém proferir comandos e ameaças, perguntar, oferecer e prometer (uma vez que o falante tenha os recursos básicos para tornar a sua fala confiável). Além disso, somente através da linguagem, associada às instituições sociais e políticas, pode-se declarar guerra, apontar culpados ou inocentes, aumentar ou diminuir taxas, etc. Já o nível micro da política envolve conflitos de interesse, esforços para cooperação entre indivíduos, gêneros e grupos sociais de vários tipos. Como Jones (1994:05) aponta: No nível micro usamos uma variedade de técnicas para que consigamos as coisas da nossa maneira: persuasão, argumento racional, estratégias irracionais, ameaças, subornos, manipulação – qualquer coisa que acreditamos que funcionará. E como Hague et al. (1998: 3-4) afirmam sobre pronunciamentos de estudantes de política, típicos também do nível micro: “A Política implica diferenças reconciliatórias através da discussão e persuasão. A comunicação é, conseqüentemente, essencial à política”. O que nos causa estranheza, todavia, é a ausência, nos estudos convencionais da política, de uma reflexão sobre o fato de que os comportamentos mencionados acima sobre o nível micro são realmente tipos de ação lingüística – o discurso. Da mesma forma, como vimos acima, as instituições de nível macro (política institucional) são formadas por ações discursivas específicas – debates parlamentares, noticiários da imprensa falada e escrita, por exemplo; ou seja, gêneros políticos institucionalizados (CHOULIARAKI, 2000). Tendo em vista a complexidade desses níveis da análise política, isto é, as múltiplas formas como os textos políticos relacionam-se a representações políticas, limitar-nos-emos a uma única estrutura do discurso político: sua dimensão metafórica, objeto de nossa pesquisa Veremos, mais adiante, como o discurso e a política estão interligados através do viés da ideologia. No momento, discutiremos, mais especificamente, como a metáfora relaciona-se à política. 3.2 A metáfora na política Vimos no capítulo anterior como a metáfora mantém uma relação dialética com a cultura. Isto é, a metáfora ao mesmo tempo determina e é determinada pela cultura. E como a cultura e a política mantêm também uma relação igualmente dialética em formações sócio – discursivas, podemos concluir que a metáfora também está intrinsecamente relacionada à política e às práticas discursivas de natureza política. Lakoff e Johnson (1980/2002: 159) argumentam que “metáforas desempenham um papel relevante na construção da realidade social e política”. E podemos ainda acrescentar o argumento de que se as nossas experiências e conceptualizações são organizadas pelas metáforas, então política, como parte do domínio social, deve ser entendida e construída metaforicamente (MUSOLFF, 2004). Desde Aristóteles, sabe-se que a metáfora é uma figura não só presente, mas característica do discurso político. Segundo Miller (MILLER apud van DIJK, 2002: 04): A metáfora é essencial ao entendimento político porque ela nos permite expandir nosso conhecimento de um mundo familiarizado para uma região que não está aberta a experiências imediatas. A metáfora é necessária ao conhecimento político, precisamente porque o significado ou realidade do mundo político transcende ao que é aberto à observação. Lembramos que, devido às restrições de comunicação pela mídia, os políticos, em particular, fazem uso da metáfora como um meio de explicar políticas de ações complexas, seja aos seus grupos ou a seus constituintes (ibid). No que se refere à dimensão política da metáfora, em uma perspectiva cognitiva e não somente de retórica, não podemos esquecer que ela já foi estudada por Lakoff (1991) e Rohrer (1995) na então guerra do Golfo I. Os autores examinaram as metáforas usadas por George W. Bush, o pai, para mostrar como aquela situação política foi conceptualizada. Lakoff, a partir de uma análise que combina um enfoque cognitivo com uma abordagem discursiva, examina a metáfora como uma estratégia para defender as políticas de ação do então governo Bush ou para se opor àquelas dos seus oponentes. A metáfora, assim, no contexto político internacional, não parece ser um recurso retórico vazio, mas, talvez, um importante recurso cognitivo - discursivo com efeitos diplomáticos. A metáfora, dessa forma, do ponto de vista cognitivo, pode funcionar como um recurso heurístico para explorar novos conceitos e ações políticas. De acordo com Chilton (1993:27), “as metáforas não são transferidas com significados fixos, mas processadas de acordo com línguas locais, formações de discurso local e interesses políticos locais”. E, como veremos posteriormente, a metáfora é uma característica importante do discurso da persuasão porque faz a mediação entre os meios de persuasão consciente e inconsciente, ou seja, entre cognição e emoção, para criar uma perspectiva moral de vida (ethos). Portanto, a metáfora, ao acessar, discursivamente, nosso sistema de valores sociais e culturais, incorporados a nossos sistemas conceptuais, torna-se um elemento essencial na legitimação do discurso político (CHARTERIS-BLACK, 2005:13). Se tivéssemos que explicar por que o discurso político é tradicionalmente metafórico, diríamos que, sendo a metáfora a transferência de significado do conhecido ou familiar para o desconhecido, o largo uso da metáfora no discurso político é um sinal de que os elementos do domínio da política são de alguma forma menos familiares ou mais obscuros do que os elementos dos domínios- fonte de que as metáforas políticas são extraídas. E aí nos perguntaríamos: qual seria a razão para a obscuridade dos fatos políticos? Por que temos que nos apoiar nas metáforas para que os fatos se revelem mais claramente? Segundo Chilton (2004), a obscuridade dos fatos políticos surge porque eles não podem ser observados diretamente através dos sentidos. Estritamente falando, fatos políticos são elementos não observáveis, e a metáfora seria uma maneira de se mover do observável, ou sensível, ao político. As metáforas políticas, assim, refletem a trajetória do nosso conhecimento do observável para o não observável ou do que nos é menos obscuro para o que é mais obscuro (ibid). Miller (1979:168) afirma que uma metáfora política pode freqüentemente ser dita em outros termos, mas é difícil evitar a sua presença na paráfrase. Assim, a carga total está na expressão lingüística que, de alguma forma, tem que induzir os ouvintes a fazerem representações mentais de algo que para eles não tem, ou somente tem, muito indiretamente, provas sensoriais. A metáfora não tem apenas essa função; ela desempenha outros papéis no discurso: um papel semântico, ao criar novos significados para as palavras; um papel cognitivo, ao desenvolver o nosso entendimento com base na analogia e o papel pragmático (com os componentes ideológicos e retóricos da metáfora) que objetiva fazer a avaliação (CHARTERIS-BLACK, 2004; 2005). Portanto, uma dimensão lingüística, cognitiva e pragmática. Entretanto, é interessante ressaltar, segundo o autor, a perda da dimensão da pragmática na análise da metáfora, a partir do interesse da semântica cognitiva em estudar aquele tropo (2004: 02). Acreditamos que com base na definição de Crystal (1985: 240) podemos explicar melhor o argumento de Charteris-Black (ibid), compreendendo a competência pragmática como habilidade para fazer escolhas apropriadas e observar restrições na interação social de forma a se comunicar de maneira efetiva e com sucesso. Enfim, a metáfora do ponto de vista cognitivo não responde o porquê da escolha daquele tropo em detrimento de outro. Daí a necessidade da pragmática. A dualidade entre função cognitiva e função pragmática da metáfora no discurso será explorada mais adiante. No momento, é importante ressaltar que qualquer discussão sobre o papel da metáfora na política requer, necessariamente, uma reflexão sobre a dimensão ideológica não só da metáfora como do discurso em geral. 3.3 Política, ideologia e discurso Várias são as definições de ideologia dependendo de se essa noção carrega um sentido explicitamente negativo (consciência falsa) ou neutro (uma percepção social abrangente e coerente do mundo) (HODGE; KRESS, 1993:15). De acordo com Charteris-Black (2005:21), “ideologia é um conjunto de idéias formuladas conscientemente que engloba uma representação organizada e sistemática do mundo e, conseqüentemente, forma as bases para se agir nesse mundo”. Segundo Fairclough (1989:02), a ideologia estaria intrinsecamente atrelada ao poder e, por isso, teria efeitos diretos na política, de um modo geral, e em políticas públicas. Por exemplo, uma ideologia racista pode ter feitos sobre políticas de moradia, trabalho e educação mais ou menos inclusivas em relação aos imigrantes. Fairclough (1995a:71) enfatiza uma outra importante, para não dizer fundamental, dimensão de ideologia: sua determinação sobre a linguagem ou o discurso. Nesse sentido, o autor vê a ideologia como “a configuração total da prática de discurso de uma sociedade ou de suas instituições” (FAIRCLOUGH, 1989:02). É no discurso que a ideologia se articula à linguagem. Segundo Meurer (1997, 2005:86-87), de acordo com a perspectiva de Foucault (1972), adotada também em Kress (1985) e Fairclough (1992), discurso é o conjunto de afirmações que, articuladas na linguagem, expressam os valores e significados das diferentes instituições. O discurso é o conjunto de princípios, valores e significados “por trás” do texto. Todo o discurso é investido de ideologias, i.e., maneiras específicas de conceber a realidade. Todo o discurso é exercício de poder e domínio de uns sobre outros. Quando os humanos interagem verbalmente, eles podem estar simplesmente sinalizando papéis sociais, limites e elos, mas muito dessa interação, seja qual for a sua função social, é feita por meio de representações do mundo, inclusive a política (CHILTON, 2004). E é em seu efeito político e ideológico que a linguagem torna-se “discurso”. Ideologia, portanto, é um conceito fundamental para entendermos as relações complexas entre discurso, contexto social e ação política. Ainda no que se refere ao elo entre ideologia e discurso, tanto van Dijk (1998:27-28; 1995:32-33) como Fairclough (1989:85) concordam que a ideologia é mais eficaz quando o seu trabalho é menos visível. E concordam entre si também ao afirmarem que a invisibilidade é alcançada quando ideologias são trazidas para o discurso não como elementos diretos, visíveis no texto, mas como construtos subjacentes. Esses, por um lado levam o produtor do texto a “textualizar” o mundo de uma determinada maneira e, por outro, levam o intérprete a interpretar o texto de uma determinada forma e não de outra. Uma vez que os modelos mentais representam o que as pessoas sabem e pensam sobre uma situação ou evento, eles essencialmente controlam o “conteúdo” ou a semântica do dis curso (van DIJK, 1998). Cabe ainda ressaltar que Charteris-Black (2005:22) acredita que uma maneira comum de comunicar ideologia é através do mito. Um mito é uma história que oferece uma explicação de muitos fenômenos que precisam ser esclarecidos. Eles poderiam versar sobre as origens do universo, as causas do bem e do mal, a origem dos elementos, do homem e da mulher ou simplesmente sobre o que acreditamos ser misterioso. O autor propõe que a análise da metáfora é uma metodologia para a identificação e descrição desse mito, mas somente a análise crítica pode levar a uma explicitação da narrativa como “um mito” em vez de “uma verdade”. A análise crítica da metáfora, assim, é um método para se entender como mitos políticos comunicam ideologia. Ou seja, a presença sistemática de metáforas no discurso político é parte de uma ideologia porque a metáfora é a intermediária entre mito e ideologia. A identificação da base conceptual de metáforas seria, então, uma forma de explicar as associações ideológicas que subjazem à metáfora. Uma vez que a avaliação é essencial à ideologia, os mitos nos quais ela é fundamentada podem ser revelados através da análise das metáforas que ocorrem nos discursos políticos (ibid). Portanto, tanto os mitos como outros construtos ideológicos como crenças, valores e opiniões combinam-se à linguagem na dimensão do discurso. Em relação a opiniões, van Dijk (1998:29) as define como sendo “crenças avaliativas”, isto é, crenças que caracterizam um conceito avaliativo. Qualquer crença que pressuponha um valor e que envolva um julgamento sobre alguém ou alguma coisa é avaliativa tal como: “X” é bom (ruim, bonito, feio, honesto, inteligente), dependendo dos valores de um grupo ou cultura. Há também as crenças factuais que, muitas vezes, pressupõem uma crença avaliativa. Acredita-se, por exemplo, que alguém seja um ladrão ou terrorista, uma crença aparentemente factual mais que uma conotação (no caso negativa) bem marcada. Obviamente, como é o caso de todos valores e julgamentos, crenças podem variar cultural e socialmente. E uma vez que grupos e interesses de grupos conflitantes sejam envolvidos, opiniões passarão a ser ideologias. Resumindo, opinião é um ato do discurso fundamentalmente persuasivo – no sentido de que ele propicia uma percepção compartilhada que transcende aquela do sistema semântico. Veremos adiante como a análise crítica da metáfora (ACM) propicia reflexões bastante esclarecedoras sobre construtos ideológicos, crenças (avaliativas ou não), atitudes e sentimentos da comunidade discursiva em que o discurso acontece. 3.4 Análise crítica do discurso Com base no que vimos anteriormente, podemos concluir que a dimensão discursiva das ideologias mostra como estas influenciam nossos textos e falas. Por essa razão, compartilhamos a crença de que o discurso exerce um papel fundamental na expressão e reprodução de ideologias. Assim, para termos alguma compreensão das ideologias que formam o pensamento e a linguagem de uma dada comunidade, é essencial que estudemos a produção discursiva dessa comunidade, ou o seu discurso. O discurso vem sendo estudado sob diversos ângulos teóricos e analíticos. Essa diversidade se reflete nas diferentes tendências da análise do discurso. Mas é na análise do discurso de linha francesa de Michael Pechêux (1982) e na análise crítica do discurso (ACD) de Norman Fairclough (1995a, 1989) que encontramos as duas principais linhas teóricas que estudam o discurso sob uma perspectiva política e ideológica. Segundo Fowler (1991), a lingüística crítica, termo precursor da ACD “propõe que a análise que usa as ferramentas lingüísticas apropriadas, e que se refere a um contexto histórico e social relevante, pode trazer à tona, para fins de identificação, uma ideologia que normalmente está escondida na habitualidade do discur so” (FOWLER, 1991: 89). Nas ciências sociais e humanas, “crítica é freqüentemente usada para se referir às perspectivas teóricas e metodológicos que objetivam alterar a ordem social e política existentes”. Para Fairclough (1989:5), “crítica é usada no sent ido especial objetivando apontar conexões que possam estar ocultas às pessoas – tais como as conexões entre linguagem, poder e ideologia”. Nessa perspectiva, o autor (ibid:1) define os dois objetivos da ACD: O primeiro (mais teórico), corrigir o grande descaso em relação à significação da linguagem na produção, manutenção e mudança nas relações sociais do poder, e o segundo (mais prático), aumentar a conscientização de como a linguagem contribui para o domínio de algumas pessoas sobre as outras, tendo em vista que a conscientização é o primeiro passo para a emancipação. Na análise do discurso “tradicional”, em contraste com a análise não-crítica, as motivações dos usuários da língua não são necessariamente exploradas, e são assumidas como neutras, a menos que sejam demonstradas de alguma forma. A ACD, ao contrário, envolve a análise ideológica do conteúdo textual que está implícito, e sempre com base no pressuposto de que textos não são tão neutros quanto podem parecer (contrapondo à análise “convencional”). Isso ocorre porque os processos sociais que levam a escolhas lingüísticas conscientes estão escondidos ou opacos em suas realizações lingüísticas (CHARTERISBLACK, 2004:30; 2005). Há de ressaltar aqui que a abordagem cognitivista, ao contrário do que alguns críticos podem acreditar, de modo algum rejeita a indissociabilidade entre discurso e ideologia, mas considera o discurso político necessariamente um produto de processos mentais individuais e coletivos. Um exemplo prático do enfoque cognitivo no discurso político encontra-se nos trabalhos de van Dijk (1990, 1993, 2002). Este enfoque se propõe a mostrar como o conhecimento político, discurso político e ideologias políticas envolvem armazenamento na memória (estrutura mental abstrata) em longo prazo, também conhecida como “esquemata” e memória sócio-política (ou semântica), constituída pelo conhecimento e pelas atitudes, ideologias, valores e normas. Nessa perspectiva, a política, cognição e o discurso são vistos de forma integrada. Van Dijk (ibid) argumenta que discurso e política podem ser relacionados de duas maneiras: (a) no nível sócio-político da descrição: processos e estruturas políticas são constituídos por eventos situados, interações e discursos de atores políticos em contextos políticos e (b) no nível sócio-cognitivo da descrição: as representações políticas compartilhadas estão relacionadas às representações individuais desses discursos, interações e contextos. Acreditamos assim que a análise crítica do discurso requer uma abordagem multidis ciplinar por envolver os estudos das relações intrínsecas entre texto, fala e cognição social, ou seja, o sistema de representações mentais e processos usados por membros de comunidades discursivas. Parte desse sistema é o conhecimento sociocultural compartilhado pelos membros de um determinado grupo, sociedade ou cultura, lembrando que membros de um grupo podem também compartilhar crenças avaliativas, tais como opiniões organizadas em atitudes sociais (van DIJK, 1997b:18). Neste estudo, rejeitamos, assim, a dicotomização entre cognição e discurso, com todas as práticas sociais e contextos culturais a este último relacionado. Por essa razão, acolhemos como referência teórico-metodológica a Análise Crítica da Metáfora (ACM) que adota essa postura mais abrangente. 3.5 Análise crítica de metáfora Segundo Vereza (2005), a Análise Crítica da Metáfora (ACM) “investiga a dimensão político- ideológica da figuratividade”. A autora acrescenta que Charteris-Black (2004, 2005) “apresenta um trabalho sólido nessa área, com alguma influência da Análise Crítica de Discurso de Fairclough” (ibid). Entretanto, as abordagens críticas nos estudos do discurso, especialmente a ACD, raramente se direcionam aos encalços cognitivos do discurso. Mais especificamente, os relatos sobre a metáfora são parcimoniosos, referindo-se, em sua maioria, às expressões metafóricas apenas como um recurso lexical ou retórico, e não como um fenômeno de natureza cognitiva (van DIJK 1998: 45; FAIRCLOUGH, 1995:70). Para Charteris-Black (2005), a análise crítica da metáfora pressupõe, ao contrário da análise puramente cognitiva, uma visão de ideologia, por um lado, e de persuasão, por outro, sendo que ambas instâncias são características essenciais do discurso político. Seguiremos essa abordagem na nossa análise de corpus por acreditarmos que a ACM trará uma contribuição substancial para a identificação das ideologias que subjazem às falas do Presidente Bush e de seus colaboradores de governo. Acreditamos que em discursos planejados, muito do pensamento é lingüística e pragmaticamente traduzido pelas metáforas que são escolhidas para formar o quadro geral do tema a ser abordado. Em conversas espontâneas, a grande parte da linguagem figurada usada resulta de processos cognitivos inconscientes subjacentes, enquanto que em discursos planejados a metáfora pode, freqüentemente, refletir decisões pragmáticas conscientes (ibid:2005). O “verdadeiro” político, aquele que usa um sistema coerente de metáforas (por exemplo: NAÇÃO É PESSOA) pode argumentar que elas são simplesmente palavras, rótulos convenientes e que apenas descrevem com precisão a natureza do fenômeno político. Mas, após a introdução do paradigma cognitivo, sabemos hoje que as metáforas não são tão somente palavras quando empregadas em partes significativas de um texto escrito ou oral. Na verdade, elas podem ser entendidas como “realidade”, possibilitando, assim, a formação de uma base e motivação para determinadas ações. Para ilustrar esse efeito “cognitivo - pragmático” da metáfora, citamos o caso descrito por Lakoff (2003) da então intervenção de Cuba em Angola, que foi vista como “expansionista” em contraste à “intervenção” dos Estados Unidos em El Salvador, que não foi considerada da mesma forma pela mídia americana e por grande parte da mídia internacional10 . Para citar um outro exemplo, enquanto os Estados Unidos lutavam para ter somente dois países como potências mundiais, na época da Guerra Fria (E.U. A e a ex-União Soviética) não havia interesse por parte do governo americano de que houvesse uma terceira potência 11 . Por ser um país rico, havia o interesse em promover a conceptualização dos países mais pobres como “crianças/infantis” (subdesenvolvidos, em desenvolvimento) e, assim, ajudá-los e “mantê- los na linha”, dando a entender que, um dia, eles seriam “grandes/maturos” (“desenvolvidos”) se aceitassem e seguissem os conselhos dos mais experientes (no caso, os americanos). Seria difícil acreditar que tais casos pudessem ser vistos como caracterização de uma realidade “objetiva”, pelo menos, no sentindo de uma realidade existente antes de sua representação por conceitos e palavras. Essas projeções, com base em interesses, acabam sendo consideradas a realidade “objetiva” sobre as quais os estados de fato, operam, embora essa não seja a única realidade possível (CHILTON, 1993, 2004). As metáforas, assim, se fazem presentes nos discursos políticos por omitirem importantes aspectos do que é real, persuadirem por meios pacíficos e refletirem um sistema compartilhado de crenças sobre o mundo e sobre o lugar da humanidade nesse mundo (CHATERIS-BLACK, 2005:xii:20). Por isso, é essencial que saibamos que realidades elas estão omitindo e quais estão ressaltando. A partir dessa perspectiva, propomos, neste trabalho, a análise crítica da metáfora no discurso político, tendo como foco principal o domínio da guerra e, como derivados desse, o do crime e o da política internacional. Através dessa análise crítica, pretendemos mostrar que líderes são capazes de mobilizar seus seguidores por meio de seus desempenho s discursivos e que, por essa razão, 10 11 http://www.alternet.org/module/printversion/2219, 01/06/2000. http://www.zmag.org/55qa.htm, 09/05/2005. . nos grandes modelos de democracia, a liderança e o poder são legitimados através do discurso. Segundo Chilton (2004:23), a metáfora tem um papel preponderante na legitimação e deslegitimação de idéias e ações. Os políticos, por exemplo, que baseiam suas metáforas no léxico de conflito – empregando palavras tais como “batalha” e “luta”, como identificadas na presente pesquisa - têm o poder de suscitar emoções como orgulho, raiva e ressentimento, que são associadas ao combate físico. Essas emoções evocam fortes sentimentos de antagonismo em relação a uma entidade que eles identificam como “os inimigos” - ou o vilão – e fortes sentimentos de lealdade e afeição a um sujeito herói, tipicamente eles mesmos (CHILTON, 2004). Assim, quando essas metáforas são usadas na política, elas transferem um conjunto de associações e crenças psicológicas, com base cultural, que temos sobre a noção de conflito para assuntos políticos, nos levando, dessa forma, a pensar sobre eles de uma forma específica. Para analisarmos esses efeitos, utilizaremos a análise crítica da metáfora, uma vez que, esta oferece um aparato adequado para se investigar sistematicamente a linguagem e o pensamento figurados a partir de um enfoque tanto cognitivo quanto pragmático do discurso. 3.6 Visão Cognitiva versus Visão Pragmática da metáfora Distinguir ou separar o papel cognitivo do pragmático na metáfora não é uma tarefa fácil. Isso porque, segundo Charteris-Black (2005), o desenvolvimento de um esquema conceptual envolve escolhas lingüísticas. Conseqüentemente, as características cognitivas da metáfora não podem ser tratadas isoladamente da sua função persuasiva no discurso. O valor do enfoque semântico-cognitivo é a adoção de um conjunto unificado de critérios para a classificação de metáforas, permitindo, assim, comparações precisas de como a metáfora é usada em diferentes domínios do discurso (ibid). A fim de entender por que uma metáfora conceptual tem preferência sobre uma outra, precisamos necessariamente considerar as intenções, crenças do falante/escritor e esses mesmos elementos em relação ao receptor dentro de contextos específicos. É um engano considerar o fato de que uma língua por ter uma sintaxe convencional, semântica e um léxico definido que as falas construídas dentro dessa organização serão compreendidas como desejadas por parte de falante/escritor (GREEN, 1989). A metáfora não é um recurso apenas do sistema semântico, mas sim uma questão que diz respeito à escolha do falante/escritor, ou seja, uma questão pragmática. Como argumenta Chilton (2004), a metáfora deve ser estudada não como parte apenas de uma teoria cognitiva, mas também dentro de sua relação com o discurso (CHILTON, 1993: 08). Para isso, é necessário compreender as três principais dimensões discursivas da metáfora: a persuasão, a emoção e a avaliação. 3.7 Persuasão, Emoção e Avaliação Hague et al., citando Miller, (1991:390), sugerem que o processo político envolve tipicamente persuasão (uma função do discurso de múltiplas camadas que é o produto de uma interação complexa entre intenção, escolha lingüística e contexto – aspectos da pragmática considerados na nossa pesquisa) (CHARTERIS-BLACK, 2005: 30; GREEN, 1989) e barganha. No que se refere à persuasão, podemos concebê-la como processo comunicativo interativo em que a mensagem do emissor objetiva influenciar as crenças, atitudes e comportamento do seu receptor (ibid). Na persuasão, o papel ativo do emissor é caracterizado por intenções deliberadas: persuasão não ocorre por acaso, mas é motivada pelo propósito comunicativo do emissor. Embora o papel do receptor seja passivo, para que a persuasão seja mais bem sucedida a mensagem precisa atender aos seus desejos, necessidades e imaginação. (ibid: 09-10). Na verdade, o processo comunicativo da persuasão nos leva à noção clássica de pathos: a habilidade do falante/escritor em levar emoções ao público (ibid:13). A metáfora, portanto, é vista como um tropo eficaz em realizar o objetivo subjacente de persuadir o ouvinte/leitor por parte do falante/escritor por causa do seu potencial de nos emocionar. Goatly (1997:158), citando MacCormac (1990), enfatiza a importância do impacto emocional da metáfora e argumenta que é por isso que ela é muita usada na poesia e em outros gêneros literários. Por causa do potencial da metáfora de suscitar a emoção, ela é muito freqüentemente usada na linguagem persuasiva; entretanto, o efeito de determinadas metáforas variará de acordo com a percepção lingüística e pragmática do usuário da língua. Afinal, a metáfora se respalda na interpretação (CHARTERIS-BLACK, 2004). Hunston e Tompson (2005:05) se referem ao papel da metáfora na avaliação, um termo amplo para designar atitudes, pontos de vistas ou sentimentos por parte do falante/escritor sobre aquilo que estão falando. A metáfora também se refere à articulação de pontos de vistas e de como nos posicionamos discursivamente em relação a eles. Isso, talvez, explique uma relação bem próxima entre avaliação e metáfora. Há um outro aspecto discursivo - pragmático da metáfora que é ressaltado por Cameron e Low (1999b:86): A metáfora não somente encobre uma proposição do discurso direto, como se nada literal fosse dito, mas ela tem a vantagem inestimável de combinar o fato de que o falante não pode ser responsabilizado pela mensagem, com o respaldo de que há uma mensagem proposta que não pode ser discutida abertamente. Com base nessa afirmação, não concordamos inteiramente com Carter (1997:145) quando diz que “a metáfora é um risco criativo”. Freqüentemente, e em particular no discurso persuasivo, a metáfora reduz o risco, salvaguardando a face. Enfim, como podemos observar, partiremos para a nossa análise de corpus com a proposta de um enfoque que contempla a lingüística cognitiva, a pragmática e a análise crítica do discurso. Vimos que a metáfora tem um importante papel persuasivo ao evocar respostas de grande impacto emotivo, priorizando uma determinada interpretação de um texto em lugar de outra. E é esse papel que constitui a base ideológica e retórica da metáfora. Para ilustrar o efeito ideológico da escolha de determinadas metáforas e não de outras, citamos o uso de “terrorismo” e “cruzada”, a partir de diferentes conceitos subjacentes ao uso da metáfora. Enquanto G. W. Bush usou o conceito metafórico POLITICA É RELIGIÃO, bin Laden usou o conceito metafórico CONFLITO É RELIGIÃO (ROHRER, 2004). Entendemos que esses conceitos estão relacionados à noção de Clausewitz (2003) de que GUERRA É POLÍTICA CONTEMPLADA DE OUTRAS MANEIRAS para mostrar que o conceito de terrorismo emerge de uma interação entre os domínios da política, religião e conflito. Isso é interessante porque se terrorismo pode ser interpretado tanto pelo viés político como pelo religioso, tornase claro, então, que há uma construção de base ideológica. Isso mostra, assim, que a metáfora pode ser usada para explorar e legitimar ideologias. 3.8 A abordagem do discurso de G W. Bush Jr e de seus colaboradores sob a perspectiva da ACM Com base no que foi discutido neste capítulo, focaremos as falas do Presidente Bush e de seus aliados desde 12 de setembro de 2001, passando pelas pré- guerras do Afeganistão e Iraque sob uma perspectiva da análise crítica da metáfora, dando destaque a ideologia e crença através da análise das metáforas referentes a crime, guerra e política internacional. Assim sendo, pretendemos realizar uma análise micro (materialidade do discurso) em articulação com o macro (instâncias ideológicas e suas relações com as metáforas conceptuais que de certa forma estão representadas por mitos). Como a metáfora se dá por meio de mapeamentos de elementos de um domínio fonte para os de domínio alvo, consideraremos necessário, antes mesmo da análise, explorarmos, no capítulo a seguir, aspectos do domínio fonte “guerra” que consideramos relevantes, uma vez que servirão de base para as conceptualizações metafóricas em foco nesta pesquisa. 4. A GUERRA CANÔNICA VERSUS A GUERRA COGNITIVA “Eu sou a mãe de todas as cousas, a grande força que gera e transforma as sociedades; eu sou seu mais poderoso meio de expressão. Tribunal da História, eu peso, eu julgo e modelo o mundo; eu faço os Deuses e os Reis, os senhores e os escravos. Eu fascino os Homens, e mesmo a Paz vive por mim fascinada”. Eu os posso colocar frente a frente, até a morte, o Irmão contra Irmão, eu posso arrancar aos milhares e milhões o Filho do Pai, o Esposo da Esposa, a todos exaltando o seu sacrifício. Desde que o Homem existe, e ao correr dos séculos, eu tenho, sobre o planeta Terra, feito eclodir, sem descontinuidades marcantes, a flama brilhante de meus incêndios e o estrondo de minhas batalhas. Não há ano, não há lugar onde eu não tenha aparecido. Eu tenho sido a grande ilusão: as nações me tomavam por meio, mas era eu que finalmente lhes impunha meus fins inesperados, desfazendo regimes, estados e sociedades; os exércitos me preparavam e, nos seus confrontos, acreditavam me conquistar, mas eu era que, em último recurso, desfazia os exércitos, pois nenhum sairia ileso do caminho de minhas batalhas. Eu sou um fim, que se mascara em meio” (BOUTHOUL; CARRIERE, 1979:13). Quando o homem primitivo habitava este planeta, a luta já fazia parte do seu cotidiano. Ele lutava contra a natureza para vencer as adversidades do meio em que vivia, além de capturar animais para sua sobrevivência. Enfim, era uma luta pela preservação da vida. Além disso, a convivência com o seu semelhante e a intolerância geraram desentendimentos, discórdias e brigas entre irmãos – pela disputa de alimentos, de fêmeas, de espaço ou mesmo para a satisfação de suas paixões e outros interesses. E, dessa forma, o uso da violência passou a ser comum também entre os homens, em lutas pessoais e de grupos (CARMO CESAR, 2004:1). Estava, assim, inventada a guerra, ou seja, “um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade” (CLAUSEWITZ, 2003: 7). Já para Preston e Wise:4) a guerra pode ser definida como “qualquer conflito entre grupos rivais, por força das armas ou outros meios, que tenha reivindicações para ser reconhecido como um conflito legal”. Para melhor entendermos esse fenômeno, apresentaremos na próxima seção, alguns dos elementos que, a princípio, caracterizariam o conceito canônico de guerra, ou seja, a guerra “literal”, tendo em vista que a metáfora conceptual central dessa pesquisa (O EVENTO/ACONTECIMENTO “X” É UM ATO DE GUERRA) tem a “guerra” como seu domínio- fonte. 4.1 Reflexões sobre a guerra De acordo com Carmo Cesar (ibid:5), “a natureza da guerra primitiva está intimamente relacionada ao estado da organização social, política e econômica da sociedade primitiva”. Há mudança nos métodos de se fazer a guerra se ocorrem mudanças na organização de grupo ou como resultado de influências de outras culturas. Tal mudança pode surgir do domínio de uma técnica ou da evolução das instituições políticas, como a realeza. Nas sociedades mais progressistas, a guerra é uma condição que é distinguível de muitas outras formas de violência pelo fato de que ela é uma forma legitimada de comportamento por parte de certos grupos da comunidade (ibid). A guerra, então, é um fenômeno social, cultural, político ou militar? Afinal, o que é a guerra? Qual a sua natureza? Sua filosofia? Há muito, o homem se preocupa em compreender a arte da guerra, e alguns pensadores vêm refletindo e registrando suas idéias sobre esse fenômeno complexo. Entre esses pensadores, Sun Tzu, um filósofo e também general, propôs teorias de como conduzir soldados há 2500 anos, na China. Seu tratado, conhecido como A Arte da Guerra, trata da condução da guerra, da preparação de planos, variações de táticas, manobras, ataque pelo fogo, além de apresentar a máxima aparentemente paradoxal em relação à característica central da guerra: “O mérito supremo consiste em quebrar a resistência do inimigo sem lutar” (ibid). Em 1895, Clauwsevitz (1780-1831), após as guerras napoleônicas, começava a escrever uma obra que viria a ser um clássico – Da Guerra. Dentre as afirmações do escritor, resultado de suas experiências bélicas que nos ajudam a entender a natureza do fenômeno, podemos destacar: “A guerra é um ato de violência com a finalidade de fazer o nosso oponente obedecer à nossa vontade”. “O desarmamento ou destruição do inimigo... ou ameaça disto... dever ser sempre o objetivo da guerra”. “... na guerra, cada facção tenta dominar a outra, há uma ação recíproca que pode chegar até a extremo”. A relação entre, a guerra, o poder e a política também é ressaltada por Clausewitz (ibid): “A guerra é um ato político... e também um eficiente instrumento político, uma continuação do intercâmbio político e uma forma diferente de executá- lo”. “Em nenhuma circunstância a guerra dever ser considerada uma coisa independente. A política está intimamente ligada a todo o desenrolar da guerra e exerce contínua influência sobre ela”. “O mundo é um conjunto de Estados, cada qual com uma lei para si próprio. O objetivo da política internacional é o poder. O poder é obtido e conservado por meio da violência” (CLAUWSEVITZ, 2003:10). Clausewitz (ibid: XIII) afirma ainda que “a guerra é encarada como um instrumento racional de política nacional”. As palavras “racional”, “instrumento” e “nacional” são os conceitos–chave do seu paradigma. Segundo o autor, a decisão de empreender a guerra “deveria” ser racional, no sentindo de que deveria ser baseada numa avaliação de custos e benefícios da guerra. A seguir, a guerra “deveria” ser instrumental, isto é, deveria ser empreendida com vista à alcançar-se um objetivo. Desse modo, tanto a estratégia como as táticas devem ser dirigidas para um só fim, que é a vitória. Por último, a guerra “deveria” ser nacional, para que o seu objetivo seja a satisfação dos interesses de um Estado nacional e para que se justifique que todo o esforço de uma nação seja mobilizado a serviço do objetivo militar. Assim é a filosofia de Clausewitz para a guerra (2003). E, assim, iremos encontrar essa transformação de um ato de guerra em um fenômeno de interesse nacional quando se apresenta um ato de violência forçando o oponente (também visto como “inimigo”) a obedecer aos nossos interesses. Como veremos em nossa análise, isso acontece nos atentados de 11 de setembro: as torres gêmeas foram tratadas, metonimicamente, como nação, daí o apoio “nacional” às futuras retaliações dos Estados Unidos. Clausewitz acredita que falar em guerra sem falar de política internacional é algo incompreensível. Os agentes das relações internacionais são Estados soberanos que, para todos os efeitos práticos, podem ser considerados como pessoas. O desencadear da guerra ou a conclusão da paz eram objeto de discussão por parte dos soberanos com base nos conselhos dos seus estados- maiores quanto a possíveis lucros e perdas (ibid). A guerra seria nada mais do que uma análise de custo e benefício. E é exatamente aqui que encontramos a metáfora conceptual GUERRA É POLÍTICA CONTEMPLADA DE OUTRAS MANEIRAS. Como veremos mais adiante, observamos, em nossa pesquisa, que a filosofia dessa metáfora é uma das mais predominantes no discurso sobre política internacional do presidente norteamericano, George W. Bush Jr e de seus colaboradores. Ainda de acordo com Clausewitz, a guerra é uma combinação dos aspectos militar e político – a luta pelo poder; para ele, é uma condição fundamental da existência humana. Contudo, na sua filosofia da guerra, Clausewitz dá prioridade à autoridade civil sobre a militar, partindo do princípio de que os militares devem servir ao Estado, e não vice-versa, e o Estado deve se orientar quase exclusivamente em direção àquilo que acreditam ser o interesse nacional do país (2003: LXV). Nas atuais democracias, as decisões dos líderes, eleitos pelo povo, adquirem grande legitimidade, já que esses líderes respaldam suas ações na representatividade conferida pelo voto. Isso não quer dizer, no entanto, que decisões políticas e militares não tenham que ser justificadas para ganharem legitimidade. O que não fica claro aqui é se sempre os interesses da nação são de fato os interesses da sociedade de um modo geral ou de seus dirigentes. Como veremos mais adiante, nos parece que os Estados Unidos fazem ressurgir a filosofia política da guerra de Clausewitz em seus últimos conflitos e, particularmente, nas invasões do Afeganistão e do Iraque, acionando, discursivamente, seus sistemas metafóricos para justificar tais eventos/acontecimentos bélicos. 4.2 As limitações da guerra A principal característica da guerra é o emprego da violência. Quando os meios pacíficos não conseguem resolver uma disputa entre dois grupos humanos, a luta passa a ser utilizada como instrumento de força de imposição da vontade de um sobre o outro, através da qual se pretende alcançar a vitória. No âmbito de uma sociedade organizada, pode-se dizer que quando a ação diplomática falha em alcançar os objetos políticos, o Estado recorre à ação bélica, ou seja, ao emprego ostensivo e violento do poder, que passa a ser entendido como a aptidão para fazer a guerra (CAMINHA, 1980: 20). A guerra, ou seja, o uso da violência, segundo Carmo Silva (2004: 3), “quando inevitável, deve ser, entretanto, um meio através do qual se deseja obter um fim, a solução de um conflito, e não um fim em si mesmo”. Uma vez que o homem é um ser inteligente e criativo, ele tenderá a aperfeiçoar os instrumentos de luta e os métodos de empregá-los. No inicio do Neolítico, por exemplo, há 10 mil anos, “quatro novas armas tremendamente poderosas entraram em cena: a funda, a adaga, a clava e o arco, permitindo ao homem, a partir de então, manter a distância” (KEEGAN, 1995: 136-157). A guerra, portanto, “é um processo evolutivo e as armas tendem a alcançar um poder de destruição cada vez maior” (CARMO SILVA, 2004:3). Além das restrições morais e éticas, pelo menos dois outros tipos de fatores limitam a guerra, afetando suas operações e diminuindo seu alcance, intensidade e duração (ibid): Fatores geográficos ou permanentes: tempo, clima, estações, terreno, vegetação; e Fatores conjunturais ou contingentes: dificuldades de suprimento, provisionamento, aquartelamento e equipamento. Normalmente, no plano de guerra, a derrota do inimigo, ou seja, a destruição de suas forças militares, é o objetivo capital do ato de guerra (CLAUSEWITZ, 2003: 825). Mas, infelizmente, hoje a atualização da guerra de Clausewitz é a guerra total, isto é, o genocídio (CLAUSEWITZ, 2003: lxvii). O manual ROCT da Força Aérea dos Estados Unidos, “Fundamentals of Aerospace Weapons Systems” (Fundamentos de Sistemas de Armas Aeroespaciais), define um “alvo militar” da seguinte maneira: “Qualquer pessoa (destaque nosso), coisa, idéia (sic.), entidade ou localidade escolhida para ser destruída, inativa ou tornada inutilizável por meio de armas que reduzirão ou destruirão a vontade ou capacidade do inimigo de resistir”. Em nossa análise das marcas lingüísticas das metáforas conceptuais ligadas ao domínio da guerra, levaremos em conta essas considerações que buscam explicitar as características do domínio- fonte “guerra”. 4.3 Partes e elementos da guerra Segundo Carmo Cesar (2004), a guerra, em que se confundem a ciência (conhecimento sistemático e ordenado), a arte (execução prática, dependente da habilidade) e a técnica (aplicação de métodos e processos), compreende três elementos fundamentais: 4.3.1 Estratégia: Denominada a “arte dos generais”, é a parte responsável pelo planejamento e execução da guerra como um todo e de suas operações militares de grande vulto. Ela escolhe onde, quando e como empregar as forças e travar o combate. 4.3.2 Tática: Parte da guerra que aplica as forças no campo de batalha. Ela é essencialmente técnica, pois trata da disposição e da manobra das forças durante o combate deste ou na iminência e de como realizar o engajamento e travar a luta, seguindo métodos e procedimentos específicos. 4.3.3 Logística: Responsável pelo movimento de todos os recursos necessários às forças militares. A ela cabe o planejamento e a execução de todas as atividades relativas ao: suprimento e manutenção de material; recrutamento, formação, qualificação e adestramento de pessoal; transporte e movimentação de material e pessoal para a área de combate (mais uma vez lembramos que não havia área de combate definida na época); além de apoio e assistência moral e psicológica necessários à manutenção da eficiência combativa. Carmo Cesar (2004:5), citando Fonseca e Silva (1978), argumenta que: a estratégia é a combinação de esforços e direções para ganhar a guerra (guerras em que não houve vitórias claramente declaradas), a tática, a combinação de choque físico, fogo e movimento para ganhar a batalha e, finalmente, a logística, a combinação de meios no tempo e no espaço para ganhar a guerra e as batalhas. Devemos associar o tempo à estratégia, durante à tática e sempre à logística, mas as três devem interagir, pois o fracasso de um pode acarretar sua própria derrota” (grifos do autor). Todos esses elementos considerados acima fazem parte da elaboração do plano de uma guerra, que, por sua vez, é base de um ponto de vista militar. E quando o ponto de vista militar se coloca frente no ponto de vista político, quem se submete a quem? Segundo Clausewitz (2003: 873), a subordinação do ponto de vista político no ponto de vista da guerra seria um absurdo, visto que foi a política que preparou a guerra: a política é a faculdade intelectual, e a guerra é só o instrumento, e não inverso. A guerra nada mais é do que a manifestação da própria política. Concluímos nos perguntando se as características de guerra apontadas aqui estavam presentes tanto no atentado de 11 de setembro quanto nas invasões do Afeganistão e do Iraque. Como já afirmamos no Capítulo I, podemos constatar, pelos relatos da mídia, que o ataque às Torres Gêmeas e ao Pentágono foi sendo gradualmente conceptualizado como um “ato de guerra”. Pretendemos, nesta pesquisa, mostrar como metáforas conceptuais foram acionadas para promover essa transformação e como, a partir dessa “ressignificação”, as invasões do Afeganistão e do Iraque foram justificadas discursivamente por meio de metáforas. 4.4 A guerra: uma abordagem cognitiva Lakoff (1991, 2002, 2003) identificou e analisou algumas das metáforas conceptuais que nutriram o discurso sobre a guerra do Golfo de 1990. Poderíamos, assim, dizer que a visão cognitiva da guerra foi colocada, formalmente, em discussão. Para efeito de ilustração, citamos a metáfora NAÇÃO É PESSOA, que, segundo Lakoff (2002: 71), é freqüentemente usada para justificar a “guerra justa e moral” aliada a duas narrativas que têm a estrutura dos contos de fadas clássicos: a história da autodefesa e a história do resgate. Em cada uma delas temos a presença de um herói, um crime, uma vítima e um vilão. Na história da autodefesa, o herói e a vítima são os mesmos. Em ambas as histórias, o vilão é sempre diabólico e irracional e o herói não pode ponderar com o vilão. Não é dada nenhuma outra opção ao herói a não ser lutar e derrotar o vilão, ou mesmo matá- lo e, conseqüentemente, resgatar a vítima (LAKOFF, 1991). Em ambas as histórias, a vítima tem que ser inocente, estando além de qualquer reprovação; o crime é de responsabilidade do vilão, e o herói equilibra a moral do conflito matando o primeiro. Sendo ambas as partes nações-pessoas, então as histórias da autodefesa e do resgate tornam-se formas de uma guerra justa para a nação- herói. De acordo com Lakoff (2003), é como se o herói fosse um “aliviador de dores”. O “alívio” é a forma de afastar a dor ou o mal, graças ao “aliviador” (ibid:32). A isso os lingüistas cognitivos chamam de “moldura”. É uma estrutura mental que usamos para dar coerência cognitiva a experiências. A moldura do “alívio” é um exemplo de um cenário de resgate onde existe um herói (o aliviador), a vítima (o aflito), um crime (a aflição), um vilão (a causa da aflição) e um resgate (o alívio). O herói é sempre bom, o vilão sempre mal e a vítima, depois do resgate, deve gratidão ao herói (ibid). A existência de um vilão é, portanto, um fator essencial na moldura da guerra, que, por sua vez, apoiar-se-ia na moldura do “conto de fadas”. Esse vilão, no caso da guerra canônica, é lingüisticamente caracterizado pelo termo “oponente”, “inimigo” ou “adversário”, como podemos verificar pelas afirmações sobre a guerra citadas anteriormente. E no cenário internacional, os oponentes de uma guerra ou “os grupos rivais” enquadrar-se-iam como “nações inimigas” ou “grupos étnicos inimigos”. No caso das 1ª e 2ª guerras mundiais, por exemplo, temos um claro caso de nações em guerra. Na Segunda Guerra Mundial, os países europeus dividiram-se em três blocos: de um lado, isolada, a Rússia Comunista; de outro, democracias liberais, junto com a Inglaterra e a França; por fim, os Estados Fascistas (Itália e Alemanha) e, mais tarde, os Estados Unidos, com a ajuda de países aliados. A moldura da guerra, assim, a partir da estrutura do “conto de fadas”, coloca as nações como “inimigos” (dependendo do ponto de vista, uma como herói, a outra como vilã), e como motivo do conflito, a autodefesa e/ou o resgate. Nesta pesquisa, partimos da hipótese de que o evento de 11 de setembro precisou ser conceptualizado e lingüisticamente resignificado como um “ato de guerra” (um inimigo atacando a nação-herói, deixando vítimas) para que uma retaliação, também de guerra, fosse justificada como: a) autodefesa (no Afeganistão, a caça a bin Laden e à Al’Qaeda; no Iraque, a procura das supostas armas de destruição em massa) e b) resgate (das vítimas, no próprio país, dos Talibãs – caso do Afeganistão –, ou da ditadura de Saddam Hussein – no caso do Iraque). O objetivo da nossa análise é mostrar, assim, de que modo a moldura do CONTO DE FADA (uma metáfora conceptual complexa) e do domínio- fonte da guerra serviram de base conceitual para uma série de metáforas (conceptuais e lingüísticas) que estruturam o discurso do presidente Bus h e de seus colaboradores, particularmente as justificativas discursivas para as invasões que promoveram. No capítulo seguinte trataremos da metodologia em que a análise (cap. 6) a ser desenvolvida foi baseada. 5. INVESTIGANDO A METÁFORA CONCEPTUAL: QUESTÕES METODOLÓGICAS Neste capítulo descreveremos a metodologia aplicada à pesquisa no que diz respeito ao processo de escolha dos textos e o sistema aplicado para a anotação dos dados. O objetivo principal dessa análise é tentar responder às perguntas de pesquisa propostas (ver abaixo). Abaixo apresentaremos três objetivos gerais do estudo: 1. Mostrar como a metáfora conceptual dominante O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA (de uma perspectiva de visão cognitiva, o que mais importa em uma metáfora é a sua natureza conceptual que se evidencia nas falas do Presidente George W. Bush Jr e de seus colaboradores). Ao usarmos o termo “colaboradores” estamos nos referindo a membros diretos do governo Bush e seus aliados internos ou externos, em discurso relatado, direta ou indiretamente, nos artigos do jornal diário americano The New York Times. A minha hipótese é que essas falas, em seu conjunto, fazem parte de um ou mais cenários metafóricos usados como justificativa para convencer a sociedade americana e a comunidade internacional de que as guerras do Afeganistão, principalmente, e a do Iraque foram conseqüências daquele “ato de guerra”. 2. Revelar ideologias, atitudes e crenças que subjazem aos discursos enfocados por meio da análise qualitativa do corpus. 3. Aprofundar, a partir das revelações do item 2, o entendimento da relação entre linguagem, pensamento e contexto social. Assim, pretendemos, de um modo geral, explorar e compreender as dimensões discursiva e ideológica das metáforas conceptuais. PERGUNTAS DE PESQUISA 1. Que metáforas de guerra podem ser identificadas nos artigos do The New York Times relacionados aos acontecimentos de 11 de setembro de 2001? 2. Se a metáfora conceptual é um aspecto inescapável do pensamento humano, quais são as possíveis interpretações e implicações dessas metáforas? 3. Como o discurso, a partir de 11 de setembro, passando pelas situações do Afeganistão e Iraque, se modificou durante aquele período? 4. Considerando o fato de que guerra está intrinsecamente relacionada à política internacional, existem evidências de outras metáforas conceptuais que podem interagir com a metáfora dominante O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA? Entendemos que, recentemente, um grande número de pesquisadores está mais interessado na forma como a metáfora é criada, entendida e aplicada, o que, de acordo com Gibbs (1999), ainda pode ser uma tarefa desafiadora. Segundo o autor, há várias formas de se abordar a metáfora no discurso, o que pode, de certa maneira, intimidar alguns pesquisadores dessa área do conhecimento. Gibbs (ibid:30) propõe a seguinte lista com as possíveis abordagens da metáfora no âmbito dos estudos lingüísticos. De acordo com o autor, a pesquisa sobre a metáfora pode seguir uma das linhas gerais abaixo: - Distinguir diferentes tipos de metáfora na linguagem. - Distinguir metáfora de metonímia. - Distinguir entre os processos e os produtos da metáfora. - Distinguir processamento da metáfora de processamento metafórico. - Distinguir como a metáfora interage. - Reconhecer a motivação para a metáfora no pensamento e na linguagem no pensamento e na linguagem. Nesta pesquisa, seguiremos primeira das linhas de investigação propostas, na tarefa de identificar e analisar as metáforas conceptuais em artigos jornalísticos, em língua inglesa, na área da política, tendo como foco os acontecimentos e desdobramentos de 11/09. A metodologia adotada será teórico-descritiva de cunho qualitativa. DEFINIÇÃO DO CORPUS O corpus consiste de 76 artigos, perfazendo um total de aproximadamente 83.117 palavras. O uso da metáfora no discurso da mídia para caracterizar o domínio semântico de guerra é investigado no gênero de mídia – artigos de jornal diário publicados no jornal americano The New York Times (NYT) no período entre 11 de setembro de 2001 a 19 de março de 2003 (dia em que as bombas pela primeira vez caíram sobre a cidade de Bagdá). Decidimos escolher o corpus dentre das notícias categorizadas de “hard news” (BELL, 1991:12; FEDLER et al., 2001:112). Esse tipo de gênero foi escolhido devido à proeminência cultural da linguagem da mídia impressa e de sua categorização de não ficção. Como argumenta van Dijk (1982:12), entre quase todas as formas de texto impresso, as da mídia de massa são as mais difusas, se não as mais influentes, quando julgadas pelos critérios de força de ação dos receptores. No que diz respeito à escolha do jornal citado como fonte de corpus da pesquisa, podemos justificar: a) Fundação do jornal: 1851. b) Ampla circulação nos Estados Unidos e facilmente encontrado “on line”. É o terceiro maior jornal dos Estados Unidos em circulação (atrás do “USA Today” e do “The Wall Street Jornal”), com aproximadamente 1,1 milhão de exemplares nos dias de semana e 1,7 milhão aos domingos. É interessante observar que estes números são muito semelha ntes aos de dez anos atrás: permaneceram estáveis, enquanto a maioria dos diários dos Estados Unidos e do mundo perdeu circulação (ibid). O NYT tornou-se conhecido pelo volume e qualidade de suas informações. Seu lema tradicional é “All the news that’s fit to print” (“Todas as notícias que merecem ser impressas”). Sua cobertura internacional é a mais abrangente da imprensa mundial. c) É um jornal da cidade de Nova Iorque, onde os acontecimentos as Tôrres Gêmeas aconteceram (11/09/01), embora o jornal também tenha coberto o Pentágono (11/09/01) em Washington, D. C. e, naturalmente, os prelúdios das guerras do Afeganistão (8/10/01) e do Iraque (19/03/03). d) O jornal é recordista em número de prêmios Pulitzer em jornalismo pela cobertura dos eventos de 11 de setembro (NYT, o de abril de 2002). e) É considerado um jornal recordista e de reputação consagrada em excelência jornalística (WINFIELD et al, 2002). Considerado um jornal de tendência liberal, embora sua posição esteja ancorada no centro do espectro político, mostra-se preocupado com a isenção informativa; para oferecer um equilíbrio opinativo, tem colunistas de todas as colaborações políticas. PROCEDIMENTOS NAS ESCOLHAS DOS TEXTOS A seleção de textos- fonte se deu através dos artigos do The New York Times (linguagem do século 21, inglês escrito, variante dos Estados Unidos). Nos artigos, enfocaremos o discurso relatado direta e indiretamente do Presidente Bush e de seus principais colaboradores. Só consideraremos artigos do The New York Times disponíveis em forma eletrônica para facilitar a coletas de dados. ANÁLISE DO CORPUS A análise desenvolveu-se com base em Cameron (2003), Cameron e Low (1999), Charteris-Black (2004, 2005), Deignan (1999), Lakoff (1991), Lakoff e Johnson (1980/2002), e Musolff (2004): 1) Identificação dos textos da pesquisa: (a) os textos foram escolhidos no período compreendido entre 11 de setembro de 2001 e 19 de março de 2003; (b) não selecionamos artigos que não estejam diretamente ligados aos eventos mencionados acima porque estariam além dos propósitos da pesquisa. Assim sendo, esses textos compreendem o seguinte período histórico: a) os Estados Unidos condenam os ataques (11/09/01); alerta máxima de segurança foi acionado no país (12/09/01); b) conselheiros ficaram divididos sobre a possibilidade de retaliação (20/09/01); c) os Estados Unidos declaram guerra ao Afeganistão (09/10/01); d) inspetores da ONU tentam encontrar provas de armas de destruição em massa no Iraque, conforme acusação da administração Bush e colaboradores (01/03/03); e) os Estados Unidos e a Grã-Bretanha pressionam a ONU para uma imediata Resolução do Conselho de Segurança relativa a uma guerra contra o Iraque (07/03/03); f) outros membros do Conselho de Segurança, como a França, Alemanha e Rússia, tentam obter mais tempo para as inspeções de armas (07/03/03); g) os Estados Unidos e Grã-Bretanha continuam a enviar tropas para o Golfo Pérsico (19/03/03); h) Presidente Bush e sua administração tentam obter o apoio da sociedade americana pra a guerra contra o Iraque (19/03/03). 2) Identificação da metáfora: Identificar e separar cada texto (artigo de jornal) que apresente metáforas lingüísticas no contexto/cenário de crime, guerra e política internacional. Os textos foram trabalhados manualmente, a partir de uma identificação de palavraschave metafóricas relacionadas a crime (crime) (e.g., punishment, crime, murder, victim, perpetrator, judgment), war (guerra) (e.g., invasion, attack, kill, victim, defeat,) diretamente relacionadas à metáfora conceptual dominante O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA, assim como palavras-chave metafóricas relacionadas à política internacional (ex.: outlaw, home territory, friends, bully). 3) Identificação dos elementos metafóricos dos não metafóricos. 4) Interpretação da metáfora: “Trata-se de estabelecer uma relação entre metáforas e os fatores cognitivos e pragmáticos que as determinam (CHARTERIS - BLACK, 2004: 37; GREEN, 1989. Isto envolve a identificação de metáforas conceptuais. Neste estágio “é possível considerar como as escolhas de metáforas são pro-ativas na construção importante de uma representação social” (ibid:38). 5) Explicação da metáfora: trata-se da “identificação da agência social que está envolvida na sua produção e no seu papel social de persuasão”. É através da identificação da função do discurso que a metáfora nos permite estabelecer sua motivação ideológica e retórica. (ibid:39). 6) Após a conclusão das etapas acima, organizaremos o trabalho de acordo com as metáforas conceptuais proeminentes, dos cenários (A categoria “cenário” faz parte da análise na medida em que é uma categoria analítica intermediária entre o nível do domínio conceptual como um todo e os seus elementos individuais (MUSOLFF, 2004) e sistemas metafóricos (LAKOFF, 1991) que estruturam o discurso enfocado, com comentários sobre suas possíveis ideologias subjacentes e exemplos lingüísticos encontrados no corpus. UMA PERSPECTIVA DISCURSIVA NA LINGUAGEM RELATADA Já que o corpus desse trabalho consiste de falas do presidente George Bush e de seus colaboradores, direcionadas aos eventos de 11 de setembro de 2001, nas cidades de Nova Iorque e Washington, D.C., e as conseqüentes guerras do Afeganistão e do Iraque, é necessário explicitarmos as diferentes formas como essas falas foram relatadas no jornal americano The New York Times. Como vimos anteriormente neste estudo, a fala é a distinção marcante entre o primata humano e o não - humano (TOMASELLO, 1999). Dentre os diversos tipos e gêneros de fala, uma é tipicamente humana: somente o ser humano pode se referir a ele mesmo e ao outro. A força e a flexibilidade da linguagem é extremamente ampliada quando ela é capaz de se referir a uma fala dentro de outra. E esse processo é feito através de inúmeras formas. O nosso corpus consiste apenas o do que Bush e seus colaboradores falaram sobre os eventos de 11 de setembro (os atentados às Torres Gêmeas e ao Pentágono nos Estados Unidos) e o que aconteceu a partir de então – as invasões do Afeganistão e do Iraque. Como apoio teórico, para nossas escolhas, adotaremos o enfoque de Geoff Thompson (1994, 1996) - Voz, Mensagem, Sinal, Atitude e subcategorias. Thompson aborda o discurso do ponto de vista funcional e não estrutural. De acordo com o autor, ao citar Martin (1992:16), relatar o discurso constitui uma das “difusões semânticas” ou “motivos semânticos” que “permeiam a gramática”, sendo modalidade e causação outros exemplos. Cada motivo semântico é composto de um grupo de significados que estão relacionados semanticamente, mas que podem ser realizados através de muitas formas estruturais. Assim sendo, é difícil mostrar o valor semântico a que esses grupos estão relacionados, a menos que sejam enfocados de cima (discurso) e não de baixo (estrutura). Ainda segundo Thompson, a ênfase tradicional sobre o discurso direto e indireto e a relação entre eles acontece possivelmente pelo interesse pela seqüência de tempos e backshift (segundo Quirk; Greenbaum (1973:342), seria a alteração de tempo no sintagma verbal do discurso indireto: presente para passado, passado para passado perfeito, por exemplo). Para ilustrar a preferência pelo enfoque discursivo, Thompson argumenta que, de um ponto de vista puramente gramatical, a relação entre uma citação e uma sentença relatada pode ser aprofundada de uma maneira que não é verdadeira. Nas sentenças do mesmo evento de linguagem : A woman wished a heart attack on me two days ago, didn’t she? She said, “I hope you have a heart attack.” (Uma mulher me desejou um ataque cardíaco, não foi? Ela disse, “Espero que tenha um ataque cardíaco”). O exemplo, diz Thompson, indica um dos fatos cruciais com que o enfoque gramatical raramente consegue lidar: muitos relatos são expressos por várias estruturas além de citações ou sentenças relatadas. Assim, como Thompson argumenta, enfocar gr amaticalmente o discurso relatado é limitar-se à sua estrutura identificável. Entretanto, o autor acredita que é desejável organizar uma lista o mais extensa possível de características estruturais e lexicais que possam ser usadas para identificar os sinais de relato. É inquestionável que a análise do discurso do relato jornalístico e, mais especificamente, da relação entre o relato e a linguagem original, e a análise lingüística da linguagem relatada têm um papel importante na compreensão da linguagem jornalística (van DIJK, 1988; FAIRCLOUGH, 1992; SEMINO; SHORT, 1981). Thompson entende como linguagem relatada qualquer trecho de linguagem em que o falante ou escritor de alguma maneira sinaliza a outra voz entrando no texto, seja de uma forma explícita, camuflada ou ambígua. Um conjunto de critérios funcionais é usado para a identificação de discursos relatados (MAINGUENEAU, 1991). Tal enfoque dá conta de um número maior de relatos, incluindo aqueles que normalmente não são contemplados no que está associado ao que chamamos de “discurso indireto”. Na verdade, não há uma base formal consistente para identificar uma gama enorme de categorias como discurso relatado. O enfoque lexical parece ser mais promissor, uma vez que um grande número de casos de discurso relatado está associado à presença de sinais lexicais claramente identificáveis, como os verbos que relatam. Entretanto, embora o enfoque lexical possa ser esclarecido mais facilmente do que o enfoque estrutural, nos exemplos 1, 2, 3, 4: (1) It’s a case of “reform or die”, according to Jasper Becker. (É um caso de “reformar ou morrer”, de acordo com Jasper Becker.) (2) The King congratulated him again on his patriotism and loyalty. (O Rei parabenizou-o novamente por seu patriotismo e lealdade) (3) In Paris you must, apparently, have a lover or a dog. (Em Paris, aparentemente, você deve ter um amante ou um cachorro). (4) Jackie Mann, his wife says, has not been awfully well lately. (Jackie Mann, diz sua esposa, não está muito bem ultimamente.) (5) He was eighteen this year so he was able to vote. He was going to vote Labour, he didn’t like Mrs. Thatcher. (Ele fez 18 anos este ano e pode votar. Ele iria votar no partido dos Trabalhadores, ele não gostava da Sra. Thatcher.) ele não resolve o número (5), que é, contudo, um caso claro de relato de discurso, exatamente como os outros exemplos o são. Assim sendo, a preferência por um enfoque mais abrangente de tipos de discurso relatado nos ajuda a inserir essas formas discursivas nos seus contextos mais amplos de significações da linguagem, possibilitando uma maior compreensão da natureza desses discursos. Thompson (1994) afirma que há três tipos básicos para se referir a outros trechos do discurso, a seguir: 1) repetir parte do discurso mais ou menos como foi originalmente dito-citação ou discurso direto: Ex: “I’d forgotten he was a gourmet cook ,” Walter joked. (“Esqueci que ele era um cozinheiro de alto nível”, brincou Walter). 2) relatar parte do discurso usando suas próprias palavras: discurso relatado ou discurso indireto: Ex: He admitted that much work still needed to be done. (Ele admitiu que havia muito trabalho a ser feito.) 3) relatar a ocorrência de uma parte do discurso sem realmente dizer o que foi dito ou escrito. (relatos de discurso): Ex: In Sweden, Descartes was forced to rise at 5:00 am. in cold weather in order to converse with the queen.(Na Suécia, Descartes era obrigado a levantar-se às 5 da manhã no inverno para conversar com a rainha) Ainda de acordo com Thompson (1996:507), o discurso “original” nos aponta a pessoa que está sendo relatada e o que ele/ela disse, enquanto o evento relatado nos mostra o relator e o fato que ele/ela está relatando sobre o que um outro disse. A partir daí, o relator pode escolher e identificar quatro dimensões relativamente independentes: (a) voz (quem ou o que está apresentado como a fonte do discurso relatado); (b) mensagem (a maneira pela qual a função ou o conteúdo do discurso “original” é apresentado); (c) sinal (a maneira pela qual o relator afirma que se trata de um discurso relatado); (d) atitude (a avaliação da mensagem ou do falante original pelo relator). Na presente pesquisa somente consideraremos voz aquele trecho do discurso que possa ser usualmente identificado ou atribuído claramente ao emissor da fala “original”; isto é, com a presença de sinais de relato identificáveis, pois, assim, acreditamos, teremos uma credibilidade maior na atribuição do verdadeiro emissor das falas, evitando dúvidas quanto às fontes de ideologias atreladas às metáforas conceptuais identificadas naqueles discursos. Assim, em voz, trabalharemos somente com os grupos a seguir, dentre outros identificados por Thompson (ibid): o próprio (self); o(s) outro(s) especificado(s) (specified other(s) e o(s) outro(s) não especificado(s) (unspecified others)). É importante ressaltar que no último grupo, embora o falante/escritor opte por não especificar a fonte, essa mesma fonte é, em princípio, identificável. O contexto pode, de fato, tornar a fonte completamente não ambígua, por exemplo: (a) It was claimed that the platypus laid eggs. (Afirmou-se que os ornitorrincos colocam ovos). Os cientistas que fizeram a declaração já foram anteriormente mencionados. No que diz respeito, à mensagem, optaremos somente por aqueles grupos que, de certa forma, deixam clara a maneira como a mensagem pode ser tratada. Isto é, até onde a mensagem apresentada está perto do ato de escrever ou falar “original” do falante/escritor. Neste estudo faremos uso da: (A) Citação, normalmente reconhecida pelo uso de aspas ou outras convenções especializadas como: traço, recuado em ambas as margens, etc); por exemplo (a) I said, “I’m going out.” (Eu disse, “Estou saindo.”) (b) I say, “Well I’m not committing myself to either till I find out what Liz wants us to do” – I put it in a nicer way, I think. (Eu digo, “Bem eu não vou me comprometer com nenhum dos dois até que eu descubra o que a Liz quer que nós façamos” – Eu coloco isso de uma forma mais suave, eu acho.) (B) Paráfrase do tipo: (a) “He wrote that the situation was neither new nor surprising.” (Ele escreveu que a situação não era nem nova nem surpreendente.) (b) “According to Simom, they spent an interesting evening looking at photos.” (Segundo Simon, eles passaram uma noite interessante vendo fotos.) (c) “He ordered her to keep silent.” (Ele mandou que ela fizesse silêncio). Muito embora os sinais da interação original não estejam presentes no relato, não há dificuldade alguma de se atribuir o significado da paráfrase ao falante /escritor. As paráfrases estão tradicionalmente relacionadas à categoria do “discurso indireto”, segundo Thompson (1996:515). C) Sumário: (a) Tom’s boss demanded a pledge of loyalty from him. (O chefe do Tom exigiu dele um voto de lealdade.) (b) He apoligized for disturbing their Sunday dinner. (Ele pediu desculpas por ter tumultuado o seu jantar de domingo.) Thompson nos alerta para o grau de semelhança entre a paráfrase e o sumário conforme: (a) Life is full of the promise of spring. Yet the French are grumbling that they have too much time off to enjoy all this. (Paráfrase) (A vida é repleta de promessas de primavera. Contudo os franceses estão reclamando que eles têm muito tempo para aproveitar tudo isso). Aqui o foco está no que os franceses estão dizendo. (b) People were grumbling about a sick economy as they celebrated the bicentennial. (Sumário) (As pessoas reclamavam de uma economia fraca enquanto celebravam o bicentenário). Neste caso, o foco está na explicação do porquê eles estão reclamando. Sem dúvida, tem-se uma indicação do que foi dito. A forma como o relator sinaliza um trecho do discurso de outro na mensagem pode ser variada também. Por exemplo: (a) British Coal said it could only damage the industry. (A companhia Britânica de Carvão disse que isto só poderia prejudicar a indústria). (b) She sat calmly through the film despite the usherette’s protestations that she was under age. (Ela sentou-se calmamente assistindo ao filme apesar dos protestos do lanterninha de que ela era menor de idade). (c) Then he said gently, “How have you been, Hannah?” (Então ele disse gentilmente, “Como está, Hannah?)”. (d) Her complaint was that the meeting had been boring. (Sua reclamação foi de que a reunião tinha sido chata.) (e) As Voisin points out, without earthworms there would be no civilisation. (Como Voisin apontou, sem minhocas não haveria civilização.) (f) But she could not really see herself with whatever it was: vase, or rug or necklace, trying to sell it. No, that was out. (Mas ela não pôde realmente se ver como o que quer que fosse: tentando vender um vaso, ou tapete ou cordão. Não, isso era impossível.) (g) She is “good with people”, a talent that Evelyn envies. (Ela é “boa com pessoas”, um talento que Evelyn inveja). Ainda de acordo com Thompson (1996), há a avaliação do relator em relação ao discurso relatado. Logo, a escolha de verbos como reclamou, criticou, elogiou, por exemplo, indicam a avaliação do escritor acerca da força ilocucionária da mensagem relatada (é só um comentário de “X” ou, por exemplo, uma crítica/elogio de “X”). Entretanto, fica claro que tal dimensão avaliativa não faz parte do escopo desta pesquisa, uma vez que a atitude do jornalista face à verdade ou à propriedade do discurso relatado é, na maior parte dos casos, irrelevante para o nosso propósito. Com bases nesses procedimentos metodológicos aqui relatados, desenvolveremos a análise de corpus no próximo capítulo. 6. ANÁLISE CRÍTICA DA METÁFORA: DA AUSÊNCIA DE PALAVRAS AO ATO DE GUERRA 6.1 Introdução. Considerando, como vimos no capítulo anterior, o papel determinante da metáfora em moldar consciências (LAKOFF, 1996), uma análise das metáforas conceptuais subjacentes aos relatos envolvendo os atentados de 11 de setembro de 2001 e os acontecimentos anteriores às guerras do Afeganistão e Iraque pode nos ajudar a compreender como a aceitação e o apoio da maioria dos americanos a essas guerras foram, em parte, determinados pela linguagem metafórica presente na mídia, na época. Os fatores históricos determinantes da aprovação das guerras mencionadas pelo público de modo geral foram extremamente complexos, e não é a nossa intenção atribuir essa recepção favorável apenas às metáforas por meio das quais as guerras foram apresentadas. Entretanto, uma análise da linguagem figurada usada em diversos textos sobre a crise em questão no jornal The New York Times, a fonte de pesquisa deste trabalho, indica um papel claro dessas metáforas como ferramentas, diretas ou indiretas, de persuasão. Como já afirmamos, as expressões metafóricas citadas neste estudo foram publicadas pelo The New York Times durante o período entre 12 de setembro de 2001 a 20 de março de 2003, quando eclodiu a guerra do Iraque propriamente dita. Depois de analisar essas expressões, verifiquei que poderiam ser licenciadas por diferentes metáforas conceptuais, do tipo estrutural, sendo a mais central e abrangente “O ACONTECIMENTO/EVENTO ”X” É UM ATO DE GUERRA”12 . Quando os leitores se deparam com várias expressões lingüísticas motivadas por essa metáfora, eles estão, de uma certa forma, sendo convidados a enfocar as características de um acontecimento/evento como um “ato de guerra”. A inevitabilidade de uma guerra, em grande parte construída discursivamente, pode diluir possíveis questionamentos sobre as verdadeiras razões para a guerra ou, até mesmo, justificar determinados eventos, mesmo que criminosos, como atos suficientes para se estar em guerra. 12 A metáfora o ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA não se enquadraria como exemplo clássico de uma metáfora conceptual, em que tanto o domínio fonte quanto o domínio alvo teria uma natureza especificada e uma incongruência entre esses dois domínios (CAMERON, 2003). A metáfora A VIDA É UM VIAGEM, por exemplo, tem ambos os seus domínios explicitados e incongruentes entre si. Na metáfora aqui proposta, o domínio alvo, na verdade, seria qualquer acontecimento, que não representasse um verdadeiro ato de guerra, de acordo com o que foi exposto a respeito das características da guerra canônica no Capítulo 4, mas que fosse cognitiva e discursivamente concebido como tal, provavelmente por razões políticas e pragmáticas. Nesta pesquisa, especificamente, o lugar “X” seria os ataques às Torres Gêmeas e ao prédio de Pentágono e as armas de destruição em massa (ADMs), por exemplo. Vários outros acontecimentos (como combate à dengue, à inflação, à corrupção, etc) são, com freqüência, enquadrados como ato de guerra. Estudá-los estaria além do escopo dessa pesquisa; no entanto, a metáfora aqui proposta pretende indicar a produtividade desse enquadramento. Finalmente, a destruição em todos sentidos decorrentes de uma guerra, seja perda material ou de vidas, fica, por assim dizer, neutralizada. Como a metáfora, segundo Charteris - Black (2005), reestrutura o entendimento conceptual do leitor sobre a guerra, ela pode “reenquadrar”13 o que é real para esse leitor naquilo que ele entende por guerra. Porque as pessoas agem em termos do que é real para elas, essa nova “realidade” tem implicações que vão além dos meros pensamentos dos leitores: “Tiramos conclusões, determinamos objetivos, estabelecemos compromissos e excluímos planos, tudo isso com base em como, em parte, estruturamos nossa experiência, consciente ou inconscientemente, por meio da metáfora” (LAKOFF e JONHSON, 1980/2002:145-146,158). Apesar de estar respaldado, empiricamente, nas marcas lingüísticas das metáforas conceptuais que proponho para mapear conceptual e ideologicamente o discurso sobre os acontecimentos enfocados, tenho consciência de que poderá haver outras leituras alternativas àquela que aqui apresento. Considerando que a análise crítica da metáfora pressupõe a inevitabilidade de um recorte subjetivo e ideológico, outros leitores poderão ver outras relações que não necessariamente estão presentes naquelas metáforas por mim identificadas. Assim, usarei a primeira pessoa do singular, sempre que necessário, para deixar claro que as metáforas conceptuais aqui enfocadas e suas ideologias subjacentes são, em última análise, frutos desse recorte. 6.2 Quando as palavras faltaram Esta análise seguirá uma organização cronológica, para que o processo de (re) significação relatado e discursivamente construído pela mídia em torno do acontecimento de 11 de setembro de 2001, possa ser identificado. Parto da convicção de que metáforas conceptuais, por meio de suas marcas lingüísticas, foram essenciais nesse processo. No entanto, os momentos que seguiram, imediatamente, ao acontecido às Torres e ao Pentágono, foram marcados, sobremaneira, por uma perplexidade diante do horror deixado pela ousadia, sem precedentes, de um grupo terrorista contra a nação mais poderosa do mundo. Como vimos na introdução deste trabalho, a reação ao ataque de 11/09, em primeiro lugar, foi marcada, discursivamente, pela expressão da incredulidade, de sentimentos 13 Usamos aqui o conceito de “reenquadramento” introduzido por Reddy (1979; 1993). subjetivos e de julgamentos explícitos sobre o acontecimento. A incredulidade e a “falta de palavras” para descrever tanto o choque inicial quanto o acontecimento em si foram assim expressos por jornalistas do NYT: 1. – “But mere words were inadequate vessels to contain the sense of shock and horror that people felt.” (R.W.Apple Jr, jornalista do NYT)14 “Mas simples palavras foram veículos inadequados para espelhar o choque e horror que as pessoas sentiram”. 2. – “but no resonant phrase emerged to define yesterday´s tragedy...” (Dan Rather, comentador de notícias)15 “mas nenhuma frase significante surgiu para definir a tragédia de ontem...” A metáfora do conduto (REDDY, 1979) foi aqui acionada: palavras são recipientes que contém significados. Mas neste caso, os recipientes se mostraram inadequados diante da dimensão do significado. A linguagem se volta também para a sua função expressiva: cidadãos comuns e autoridades expressam suas emoções diante da “magnitude do acontecimento”: 3. – “I cannot believe what I am seeing...I just feel so overwhelmingly weary, a weariness that goes deeper inside.” (Rob Roddy, um sobrevivente do atentado de Oklahoma).16 “Não acredito no que estou vendo... Eu simplesmente me sinto extramamente desgastado, um desgaste que cai bem fundo”. As autoridades políticas, militares e eclesiásticas também ficaram perplexas com o evento que abalou o mundo naquele dia, expressando, explicitamente, seus sentimentos: 4. – “It´s just shocking,” (Senator Sam Brownback, Republican of Kansas.”17 “É simplesmente um choque”, comentou o senador Sam Brownback, republicano de Kansas. 14 NYT, National Desk, A Day Of Terror: News Analysis; Awaiting the Aftershocks, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Co lumn 4). 15 NYT, National Desk, A Day Of Terror: Critic’s Notebook; Live Images Make Viewers Witnesses to Horror, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 25, Column 3). 16 NYT, National Desk, A Day Of Terror: Vulnerability; Physical and Psychological Paralysis of Nation, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 18, Column 1). 17 NYT, National Desk, A Day Of Terror: The Federal Government; Driven Underground, Administration and Congressional Officials Stay on the Job, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 5, Column 1) 5. – “I can’t believe what I’ve seen.” (Comandante Nelson) 18 “Não acredito no que estou vendo”. 6. – “... an unspeakable horror. ”(Papa João Paulo II)19 “O Papa João Paulo II... um horror indescritível”. A perplexidade e a emoção envolveram autoridades de outros países: 7. – “Through its official news agency, Xinhua, China expressed its “horror” at the terrorist attack,....”20 “Através da sua agência oficial de notícias, Xinhua, a China expressou o seu” horror “aos ataques terroristas,...” 8. – “Jacques Chirac...he felt “immense emotion” over these “monstrous bombings.”(Presidente da França)21 “Jacques Chirac... sentiu uma emoção avassaladora em relação a esses bombardeiros monstruosos”. 9. – “Queen Elizabeth expressed “growing disbelief and total shock.”22 “A Rainha Elizabeth expressou “grande descrença e completo choque”. 10. – “Prime minister Junichiro Koizumi expressed “greater anger” and said “these acts of terrorism should not be forgiven.”23 “O Primeiro ministro Junichiro Koizumi expressou uma ‘grande raiva’ e disse “estes atos de terrorismo não devem ser esquecidos”. 18 NYT, National Desk, A Day Of Terror: Vulnerability; Physical and Psychological Paralysis of Nation, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 18, Column 1). 19 NYT, National Desk, A Day Of Terror: The World’s Reactions; European Nations Stand With U.S., Ready to Respond, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 23, Column 3). 20 NYT, National Desk, A Day Of Terror: The World’s Reaction; European Nations Stand With U.S., Ready to Respond, 12/09/01(Late Edition – Final, Section A, Page 23, Column 3) 21 NYT, National Desk, A Day of Terror: The World’s Reaction; European Nations Stand With U.S., Ready to Respond, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 23, Column 3). 22 NYT, National Desk, Reaction From Around the World, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 23, Column 3) 23 NYT, National Desk, Reaction From Around the World, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 23, Column 3.) 11. – Cuba- The government expressed its “pain” and “solidarity” with its longtime adversary and offered air and medical facilities to help.24 “Cuba – O governo expressou sua “dor” e “solidariedade” ao seu adversário de longa data e ofereceu- lhe ajuda aérea e médica.” 12. – “...this unbelievable, despicable act on America.” (Presidente Bush em entrevista com jorna listas depois de conferência telefônica com o governador e o prefeito de Nova Iorque)25 “Esse ato inacreditável e desprezível sobre a América”. Conceptualizar o acontecimento (definir cognitiva e lingüisticamente seus contornos históricos e políticos) não foi um processo imediato, no caso do dramático acontecimento de 11 de setembro: 13. – “... the magnitude of this is probably beyond what´s in most people’s imaginations.”(John D. Podesta, funcionário graduado da Casa Branca no governo de Bill Clinton) 26 “... a magnitude disso está provavelmente além da imaginação das pessoas.” 14. – “...before people understood the enormity of this...” (Mustafa B. Hamarneh, diretor do Centro de Estudos Estratégicos da Universidade da Jordânia)27 “...antes que as pessoas entendessem a enormidade disso...” Essas expressões de perplexidade e indignação, marcadas por metáforas ontológicas relacionados a emoções como descrença, tristeza, choque e raiva, que nos “enchem” (filled us with...), são acompanhadas de um julgamento, ainda subjetivo (indicado pelo uso de adjetivos como despicable, horrible, terrible, cowardly, horrific) do evento em si: 15. – “...have filled us with disbelief, terrible sadness and a quiet, unyielding anger.” (Presidente Bush ao se dirigir à nação na noite do atentado).28 24 NYT, National Desk, Reaction From Around the World, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 23, Column 3.) 25 NYT, National Desk, Excerpts From President’s Remarks on Investigation Into Attacks 14/09/2001 (Late Edition – Final, Section A, Page 18, Column 1) 26 NYT, National Desk, A Day Of Terror: The Federal Government; Driven Underground, Administration and Congressional Officials Stay on the Job, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 5, Column 1). 27 NYT, National Desk, After the Attacks: the Mideast; Arabs Voice Somber Tones And Speculate On a Reprisal, 14/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 20, Column 6). 28 NYT, National Desk, A Day Of Terror; Bush’s Remarks to the Nation on the Terrorist Attacks, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 4, Column 1). “... nos encheu de descrença, uma tristeza terrível e uma raiva silenciosa e não complacente”. 16. – “The United States... in the face of this terrible act,” Defense Secretary Donald H. Rumsfeld said from the Pentagon,...”29 “Os Estados Unidos... perante esse ato terrível”, o secretário de defesa, Donald H. Rumsfeld disse do Pentágono,.... 17. – “Today’s despicable acts were an assault on our people,...” (Senador Tom Daschle, líder no Senado)30 “Os atos inacreditáveis de hoje fo ram uma agressão ao nosso povo,...” 18. – “... by these horrific and cowardly acts.” (Senador Tom Daschle, Líder do Senado)31 “... por estes atos horrendos e covardes”. 19. – “...by this horrible tragedy.” (John Ashcroft, Ministro da Justiça)32 “..., por esta tragédia horrível.” 20. – ...President Vladimir V. Putin... and said he supported a tough response to the “barbaric acts.”33 ... Presidente Vladimir V. Putin... e disse que apoiaria uma resposta dura a esses “atos bárbaros.” 21. – “...this unbelievable, despicable act on America.” (Presidente Bush em entrevista com jornalistas depois de conferência telefônica com o governador e o prefeito de Nova Yorque)34 “Esse ato desprezível e inacreditável contra a América”. 29 NYT, National Desk, A Day Of Terror: The Federal Government; Driven Underground, Administration and Congressional Officials Stay on the Job, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 5, Column 1) 30 NYT, National Desk, A Day Of Terror: Verbatim; Bush Aides Speak Out On Attacks, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section 4, Page 4, Column 6). 31 NYT, National Desk, A Day Of Terror: Verbatim; Bush Aides Speak Out On Attacks, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section 4, Page 4, Column 6). 32 (rodapé: NYT, National Desk, A Day Of Terror: Verbatim; Bush Aides Speak Out On Attacks, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section 4, Page 4, Column 6). 33 NYT, National Desk, Reaction From Around the World, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 23, Column 3). Como forma de escapar dessa vagueza conceptual e semântica, o Senador Schumer, parlamentar pelo estado de Nova Iorque, encontra no ataque dos japoneses aos americanos, no Havaí, durante a Segunda Guerra Mundial, um “domínio fonte” para mapear (cognitiva e lingüisticamente) o ataque às Torres Gêmeas e ao Pentágono. O apelo à guerra, via metáfora, estava feito: 22. – “This is Pearl Harbor, 21st century.” (Fala do Senador Charles E. Schumer, democrata de Nova Iorque)35 “Isto é a Pearl Harbor do século XXI”. 6.3 O ACONTECIMENTO 11 DE SETEMBRO É CRIME Havia uma preocupação da administração do presidente Bush e seus colaboradores no sentido de emoldurar e enquadrar o acontecimento/evento de 11 de setembro de 2001 o mais rapidamente possível. Isto é, um acontecimento daquela natureza com sérias implicações políticas deveria receber um enquadramento conceptual a ser discursivamente legitimado, compatível com os interesses oficiais. De início, uma configuração de crime (O ACONTECIMENTO “X” É UM CRIME) pode ser observada, conforme os exemplos abaixo: “crime” (crime) com “vítimas” (victims) e “perpetradores” (perpetrators), “murderes” (assassinos) a “serem trazidos à justiça” (brought to justice) e “punidos” (punished), respectivamente: 23. – “Theses acts of mass murder were intended to...” (Discurso do Presidente Bush na noite de 11/09)36 “Esses atos de assassinatos em massa tiveram a intenção de...”. 24. – “...to bring the people responsible for these acts, these crimes, to justice.” (John Ascroft, Ministro da Justiça)37 “levar essas pessoas responsáveis por esses atos, esses crimes, à justiça.” 34 NYT, National Desk, Excerpts From President’s Remarks on Investigation Into Attacks 14/09/2001 (Late Edition – Final, Section A, Page 18, Column 1). 35 NYT, National Desk A Day Of Terror: Critic’s Notebook; Live Images Make Viewers Witnesses to Horror, 12/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 25, Column 3). 36 NYT, National Desk, A Day Of Terror; Bush’s Remarks to the Nation on the Terrorists Attacks, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 4, Column 1). 37 NYT, National Desk, A Day of Terror: Verbatim; Bush Aides Speak Out on Attacks, 12/ 09/ 01 (Late Edition – Final, Section 4, Page 4, Column 6). 25. – “Attorney Gen. John Ashcroft...confidently said that... investigators were” beginning to understand the ways in which this terrible crime was committed.”38 “O procurador- geral da justiça, general John Ashcroft... confidencialmente disse que... os investigadores estavam ‘começando a entender os caminhos pelos quais este crime terrível foi cometido.” No cenário de crime é evidente que os criminosos sejam identificados e, assim, temos perpetradores e/ou assassinos: 26. – “If the United States... the perpetrators of today’s attacks, said Richard C. Holbrooke, ambassador to the United Nations under Clinton administration,....”39 “Se os Estados Unidos... os perpetradores dos ataques de hoje, disse Richard C. Holbrooke, embaixador das Nações Unidas na administração Clinton,...”. 27. – “...” said François L. Heisbourg, director of the French Foundation for Strategic Research in Paris: “We can’t even officially call it a war. For one thing, that would make terrorists soldiers, not murderers,”40 “...” disse, em Paris, François L. Heisbourg, diretor da Fundação Francesa para Pesquisa Estratégica. “Não podemos nem mesmo oficialmente chamar de guerra. Principalmente porque isso faria dos terroristas soldados e não assassinos”. O julgamento de crime para o choque das aeronaves contra as torres gêmeas traria para a sociedade americana o entendimento de que os Estados Unidos, metonimicamente41 , era a maior vítima. 28. – We were all victims of this attack,” said Belgium’s foreign minister, Louis Michel,...”42 “Nós fomos todos vítimas deste ataque ”, disse o ministro das relações exteriores da Bélgica, Louis Michel...” 38 NYT, National Desk, After The Attacks: The Overview; Long Battle Seen, 16/09/01 (Late Edition – Final, Section 1, Page 1, Column 6). 39 NYT, National Desk, A Day Of Terror: News Analysis; Awaiting the Aftershocks, 12/09/01 (Late EditionFinal, Section A, Page 1, Column 4). 40 NYT, Foreign Desk, A Nation Challenged: The Allies; NATO, Though Supportive, Has Little to Offer Militarily, 20/09/01 (Late Edition- Final, Section B, Page 5, Column 5). 41 As vítimas reais e diretas do atentado foram as quase 3000 pessoas mortas, como conseqüência do ataque às Torres Gêmeas, ao Pentágono e ao avião que caiu no estado da Pensilvânia. Mas, a metonímia “nação por cidadãos dessa nação” faz dos Estados Unidos a vítima máxima dos atentados de 121/09. 42 NYT, National Desk, After The Attacks: The Alliance; For First time, NATO Invokes Joint Defense Pact With U.S., 13/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 17, Column 5). A condição de vítima provê ao governo Bush e aliados uma legitimidade para suas ações. A vítima tem o direito moral de se defender. Para tal, é necessário identificar os malfeitores e levá- los a julgamento: 29. – “... our full support to the effort to bring those responsible to justice.” (Tom Daschle, Líder do Senado)43 “o nosso total apoio aos esforços de levar os responsáveis à justiça.” 30. – “... to find those responsible and to bring them to justice.” (Discurso do Presidente Bush na noite de 11/09)44 “... encontrar os responsáveis e indiciá- los”. 31. – “...to bring the people responsible for these acts, these crimes, to justice.” (John Ascroft, Ministro da Justiça)45 “… levar a julgamento as pessoas responsáveis por esses atos, esses crimes”. 32. – “In a statement, the ministers said they “spare no efforts to help identify, bring to justice and punish those responsible.”(Ministros estrangeiros da União Européia)46 “Numa declaração, os ministros disseram que eles “não poupam esforços para ajudar a identificar e punir os responsáveis”. 33. – Mr. Bush,..., said the best way to bring those responsible for the Sept 11 terrorist attacks to justice was” to ask for the cooperation of citizens... who may be tired of having the Taliban regime.”47 O Sr. Bush..., afirmou que a melhor maneira de levar aos tribunais os responsáveis pelos ataques terroristas de 11 de setembro seria pedir a cooperação dos cidadãos... que podem estar cansados do regime Talibã. 43 NYT, National Desk, A Day of Terror; Bush Aides Speak Out On Attacks, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section 4, Page 4, Column 6). 44 NYT, National Desk, A Day Of Terror; Bush’s Remarks to the Nation on the Terrorist Attacks, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 4, Column 1). 45 NYT, National Desk, A Day of Terror: Verbatim; Bush Aides Speak Out on Attacks, 12/ 09/ 01 (Late Edition – Final, Section 4, Page 4, Column 6) 46 NYT, National Desk, After The Attacks: The Alliance; For First time, NATO Invokes Joint Defense Pact With U.S., 13/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 17, Column 5). 47 NYT, National Desk, A Nation Challenged: The White House; Bush Steps Up Appeal to Afghans To Rid their Country of Taliban, 26/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 4). No cenário (MUDOLFF, 2004) de crime, quando se julgam os criminosos, após sua identificação, espera-se que estes sejam punidos pelos atos que cometeram. A punição não é aleatória: ela é legitimada dentre do enquadramento “crime”, que requer “justiça”, que, por sua vez, confere autoridade e legitimidade à punição. Note que há uma avaliação de fundo religioso: o ataque como “evil”: 34. – “President Bush...would... punish those responsible for the evil...”48 “O Presidente Bush... puniria os responsáveis pelo mal....” 35. – “President Vladimir V. Putin expressed anger over what he called the “barbarous terrorist acts against wholly innocent people” and said that “such an inhuman act should not go unpunished.”49 “O Presidente Vladimir V. Putin expressou raiva sobre o que chamou de ‘bárbaros ataques terroristas contra pessoas totalmente inocentes’ e disse que “tal ato desumano não deveria ficar impune”. 36. – “In a statement, the ministers said they “spare no efforts to help identify, bring to justice and punish those responsible.” (Ministros Estrangeiros da União Européia)50 “Numa declaração, os ministros disseram que eles ”não poupam esforços para ajudar a identificar, levar a julgamento e punir aqueles responsáveis”. 6.4 JUSTIÇA É RETALIAÇÃO Dentro do cenário (MUDOLFF, 2004) do crime, no entanto, para haver justiça é necessário, em primeiro lugar, identificar o criminoso, uma vez que tanto o crime em si (o ataque às Torres Gêmeas e ao Pentágono) como a vítima que, metonimicamente, foi enquadrada como o povo americano (nação americana), já haviam sido conceptualmente demarcados. Mas não era absolutamente claro quem havia sido, de fato, o(s) real (ais) criminoso(s), a não ser algo vago como “o (s) terrorista(s)”: 37. – “President Jiang Zemin said he was “shocked”... while the Foreign Ministry said China “opposed all manner” of terrorism.” 51 48 NYT, National Desk, U.S. Attacked; President Vows to Exact Punishment for “Evil”. “, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section a, Page 1, Column 4). 49 NYT, National Desk, A Day Of Terror: The Threat; Bush Aides Say Attacks Don’t Recast Shield Debate, 12/09/01 (Late Edition- Final, Section A, Page 24, Column 6). 50 NYT, National Desk, After The Attacks: The Alliance; For First time, NATO Invokes Joint Defense Pact With U.S., 13/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 17, Column 5). “Presidente Jiang Zemin disse que estava ”chocado”... enquanto o Ministério das Relações Exteriores disse que a China “opõe-se a toda forma” de terrorismo.” 38. – “President Mohammad Khatami condemned “terrorist ” attacks on the United States.”52 “O Presidente Mohammad Khatami condenou os ataques “terroristas” aos Estados Unidos,...” Prender e julgar os “terroristas” /criminosos à justiça para que fossem punidos não seria uma tarefa fácil; talvez fosse impossível. No entanto, até mesmo antes dos bombeiros acabarem com as chamas do Pentágono, militares e civis já tratavam de traçar um plano de retaliação (NYT, 13/11/01, Pg A 15). Acreditando que o mal está solto no mundo, a administração Bush e colaboradores entenderam que os responsáveis por esse crime às Torres Gêmeas e ao Pentágono não deveriam ser necessariamente julgados, mas sim, pagarem pelo que fizeram. Lakoff (2002) elabora a distinção entre os conceitos retaliação e vingança.O primeiro é efeito da ação de uma autoridade e o segundo implica fazer justiça pelas próprias mãos. A identificação real dos culpados pelo 11 de setembro e seus mentores e patrocinadores permanece ainda uma questão em aberto. O que fica claro é que havia um grande desejo por parte da administração Bush de “vingança” pelos atos identificados como “terrorismo”: 39. – “Prime minister Ariel Sharon declared a national day of mourning for today in solidarity with the United States and urged the world to fight terrorism.”53 “O Primeiro Ministro Ariel Sharon declarou hoje dia de luto em solidariedade aos Estados Unidos e incitou o mundo a lutar contra o terrorismo.” 40. – “Mr. Bush told the vice president according to the account of an aide. “... they are not going to like me as president. Somebody is going to pay.”, 54 51 NYT, National Desk, Reaction From Around the World, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 23, Column 3.). 52 NYT, National Desk, Reaction From Around the World, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 23, Column 3.) 53 NYT, National Desk, Reaction From Around the World, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 23, Column 3.) “O Sr. Bush disse ao vice-presidente de acordo com o relato de uma auxiliar. “... eles não irão gostar de mim como presidente. Alguém irá pagar”. 41. – “...”, Mr. Bush said. “But they have stirred up the might of the American people, and we’re going to get them.”55 “...”, disse o Sr. Bush. “Mas eles mexeram com a força do povo americano, e nós iremos pegá-los”. 42. – “This is a great nation”, Mr. Bush said. “And we’re going to get them.”,56 “Esta é uma grande nação”, disse o Sr. Bush. “... e nós os pegaremos”. 43. – “...the retaliatory attacks that President Bush has vowed to carry out.”(Juramento atribuído ao Presidente Bush) 57 “... ataques de retaliação que o Presidente Bush jurou levar a efeito”. Apesar da indefinição do inimigo (“they”, “somebody”, “them”), fica claro que a grande nação estaria pronta para a retaliação contra o “outro”.É interessante notar a vagueza proposicional da expressão “get them” (pegá- los, matá- los, puni- los), como também o uso de “pay” como “sofrer as conseqüências de seus atos”, o que me leva a identificar a metáfora conceptual: PUNIÇÃO É PAGAMENTO. A retaliação seria um sentimento que muitos membros da administração Bush inicialmente compartilharam: 44. – Ms. Rice recalled that the president... “And we’re going to go after it,” she recalled him saying, “and we’re no going to lose focus.”58 A Srta. Rice lembrou que o presidente... “E nós iremos atrás disso”, ela o relembrou dizendo, “e não iremos perder o foco”. 54 NYT, National Desk, After The Attacks: The Events; In four Days, a National Crisis Changes Bush’s Presidency, 16/09/01 (Late Edition – Final, Section 1, Page 1, Column 5). 55 NYT, National Desk, After The Attacks: The Events; In four Days, a National Crisis Changes Bush’s Presidency, 16/09/01 (Late Edition – Final, Section 1, Page 1, Column 5). 56 NYT, National Desk, After The Attacks: The Events; In Four Days, a National Crisis Changes Bush’s Presidency, 16/09/01 (Late Edition – Final, Section 1, Page 1, Column 5). 57 NYT, National Desk, A Nation Challenged: The Military; Pentagon Activates First Wave of Guardesmen and Reservists, 18/09/01 (Late Edition- final, Section B, Page 7, column 3). 58 NYT, National Desk, After The Attacks: The Events; In Four Days, a National Crisis Changes Bush’s Presidency, 16/09/01 (Late Edition – Final, Section 1, Page 1, Column 5). 45. – President Bush told the American military today to get ready for a long war....59 O Presidente Bush disse aos militares hoje para ficarem de prontidão para uma guerra longa.... 46. – “...those who have brought forth this evil deed will pay the price.” (J. Dennis Hastert, Speaker of the House)60 “...os que fizeram este mal pagarão o preço.” (J.Dennis Hastert, Presidente da Assembléia Legislativa). 6.5 O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA O cenário “crime” não poderia ser levado às últimas conseqüências (justiça-punição) uma vez que não havia, ainda, um criminoso definido: quem eram os terroristas? Os responsáveis pelo ato em si (seqüestro do avião, ataque às Torres e ao Pentágono) haviam morrido, juntos com as outras vítimas. Esses não mais poderiam ser levados à justiça, interrogados e punidos. Era necessário direcionar a retaliação para outros alvos: os supostos mentores do ataque e as nações, que também, supostamente, abrigavam esses mentores. O enquadramento inicial como crime ressaltava o fato de que não havia elementos que justificassem uma situação de guerra. Colin Powell (na época Secretário de Estado norteamericano), no início, argumentava que “nenhuma tropa deveria ser enviada sem objetivos específicos, uma definição clara e atingível de vitória – e compromissos em abertos, sem direcionamentos” (LAKOFF, 2005:04). Ele sugeriu o enquadramento de “crime”, primeiramente, para os eventos de 11 de setembro (ibid:04). Esse enquadramento justifica uma busca internacional aos criminosos, permite “ações militares” quando as forças armadas são necessárias e direciona o foco para inteligência, diplomacia, política, economia, religião, sistema bancário e etc. Porém, o enquadramento de crime não oferece poderes adicionais ao presidente, além de implicar julgamentos em corte internacional, dando amplos poderes àquela corte sobre as instituições americanas. Cabe lembrar que três dias após os atentados o congresso americano aprovou a Resolução SJ 23 que autorizava o uso de forças armadas americanas contra os responsáveis pelos ataques. Durante esse tempo, os membros da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) apoiaram os Estados Unidos devido ao acordo que previa que um ataque a um país membro da OTAN seria considerado um ataque a todos os outros membros. 59 NYT, National Desk, After The Attacks: The Overview; Long Battle Seen, 16/09/01 (Late Edition – Final, Section 1, Page 1, Column 6). 60 NYT, National Desk, A Day Of Terror: Verbatim; Bush Aides Speak Out On Attacks, 19/09/01 (Late Edition – final, Section 4, Page 4, column 6). Assim, o cenário de crime foi dando lugar ao cenário de guerra: O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA: 47. – “...two or three hours worth of war”. (Fala do Senador Charles E. Schumer, democrata de Nova Iorque),61 “...duas ou três horas de guerra.” 48. – “NATO also made clear...it was prepared to see some acts of terrorism as act of war.”(A OTAN declarou ao NYT)62 “A OTAN tornou claro... foi preparado para ver alguns atos de terrorismo como atos de guerra.” 49. – “..., that an act of war was declared on the United States of America.” (Presidente Bush com repórteres em uma entrevista telefônica com o governador e o prefeito de Nova Iorque)63 ”..., que um ato de guerra foi declarado aos Estados Unidos da América”. 50. – “Chris Patten, the European Union’s external relations commissioner... He called the “attacks” an act of war by a madman.” (Chris Patten, comissioná rio das relações exteriores da União Européia)64 “Chris Patten, comissionário das relações externas da União Européia... ele chamou os “ataques” um ato de guerra de um louco.” 51. – “Not only has someone conducted an act of war on us,” Mr. Bush told reporters...,65 “Não somente alguém nos levou a um ato de guerra, o Sr. Bush disse aos repórteres”. 61 NYT, National Desk, A Day Of Terror: Critic’s Notebook; Live Images Make Viewers Witnesses to Horror, 12/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 25, Column 3). 62 NYT, National Desk, After The Attacks: The Alliance; For The First Time, NATO Invokes Joint Defense Pact With U.S, 13/09/01 (Late edition – final, Section A, Page 17, Column 5). 63 NYT, National Desk, Excerpts From President’s Remarks Into Investigation Into Attacks, 14/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 18, Column 1). 64 NYT, National Desk, A Day of Terror: The World’s Reaction; European Nations Stand with U.S., Ready to Respond, 14/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 23, Column 3). 65 NYT, National Desk, A Nation Challenged: Congress; Bush and Leaders Confer on Way To Bolster Weakened Economy, 20/09/01 (Late Edition – Final, Section B, Page 1, Column 1). O ataque como ato de guerra é interpretado como uma declaração de guerra contra os Estados Unidos e, até mesmo, “contra o mundo civilizado”: 52. – “Gerhard Schröder called the attacks ‘a declaration of war’ against the entire civilized world.” (G. Schröder, primeiro ministro da Alemanha)66 “Gerhard Schröeder chamou os ataques de ‘uma declaração de guerra’ contra todo o mundo civilizado”. 53. – “Shortly afterward, in his weekly radio address, he warned that ‘those who make war on the United States have chosen their destruction’.”(he = Presidente Bush) 67 “Logo após sua conversa de rádio, ele advertiu que ‘aqueles que declaram guerra aos Estados Unidos escolheram a sua própria destruição’”. Dentro desse enquadramento conceptual estruturado pela metáfora “O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA”, a população percebeu que estava diante de uma situação de guerra, e não de crime. É de se destacar que essa situação não se enquadra no que é, canonicamente, entendido como guerra, como visto no capítulo dedicado a definições de guerra. Não havia exército inimigo, regimentos, tanques, navios, força aérea, campo de batalhas, alvos estratégicos e nenhum ato de vitória claramente identificado na ocasião do ataque do 11/09. Não se vêem elementos para uma guerra “literalmente falando”. Segundo Lakoff (2001:05), “uma vez que o conceito de ‘guerra’ não se enquadra, há uma busca frenética por metáforas”. E por que as metáforas de guerra? O conceito “guerra” evoca a idéia de que a nação estaria sob um ataque militar - um ataque que só pode ser respondido militarmente, usando as forças armadas, aviões, bombas, etc. A configuração de uma guerra implica poderes especiais de guerra para o presidente, que se torna o chefe de Estado. Evoca também um sentimento de patriotismo inquestionável e uma desejada identidade nacional. E a configuração de guerra inclui um fim ao evento: ao vencê- la, a missão está concluída: 54. – “...but now that war was declared on us, we will lead the world to victory...” (Entrevista do Presidente Bush concedida aos repórteres após conferência telefônica com governador e prefeito de Nova Iorque)68 66 NYT, National Desk, A Day of Terror: The World’s Reaction; European Nations Stand With U.S., Ready to Respond 12/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 23, Column 3). 67 NYT, National Desk, After the Attacks: the Overview; Long Battle Seen, 16/09/01, p.1 (Late Edition – Final, Section 1, Page 1, Column 6). “... mas agora que nos declararam guerra foi declarada a nós, levaremos o mundo à vitória”. “Artigo 5 (...) diz “um ataque armado contra....” Enfim, o enquadramento de guerra é conveniente por justificar uma série de políticas a serem seguidas como também seus conseqüentes custos: custo financeiro e a provável morte de jovens soldados e, possivelmente, de civis inocentes. A guerra justifica, ainda, tortura, tribunais militares e processos não julgados a tempo; justifica amedrontar a população com alertas em amarelo, laranja e verde. Entretanto, “atos de guerra” são tipicamente recíprocos a outros “atos de guerra” – mas guerra contra quem? Nenhum país foi responsabilizado pelos eventos de 11/09, mas os Estados Unidos, contudo, estavam certos de que tinham um “inimigo” - um “inimigo sem face” que personificava o “mal”: 55. – “Secondly, they understand that, unlike previous wars, this enemy likes to hide.” (Presidente Bush com repórteres em uma conferência telefônica com o governador e o prefeito de Nova Iorque)69 “Em segundo lugar, eles entendem que, diferentemente das guerras anteriores, este inimigo gosta de se esconder”. E contra àquele mal a América iria à guerra. O estado de guerra é legitimado: 56. – “Secretary Powell... the United States feels itself to be at war but is also seeking allies in that battle.” (C. Powell, Secretário de Estado americano)70 “O Secretário Powell... os Estados Unidos se sentem em guerra, mas estão também procurando aliados naquela batalha.” 57. – “The American people made a judgment today – we are at war, “Secretary Powell told one television interviewer today. “What they believe they saw clearly was an act of war.” (Secretário de Estado Colin Powell)71 68 NYT, National Desk, Excerpts From President’s Remarks Into Investigation Into Attacks, 14/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 18, Column 1). 69 NYT, National Desk, Excerpts From President’s Remarks Into Investigation Into Attacks, 14/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 18, Column 1). 70 NYT, National Desk, After The Attacks: The Diplomacy; Powe ll Says It Clearly: No Middle Ground on Terrorism, 13/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 17, Column 1). 71 NYT, National Desk, After The Attacks: The Diplomacy; Powell Says It Clearly: No Middle Ground on Terrorism, 13/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 17, Column 1). “O povo americano fez um julgamento hoje – estamos em guerra, disse hoje o secretário Powell a um entrevistador de televisão. O que eles acreditam que viram foi claramente um ato de guerra”. 58. – “Serious talk of war, which could be heard today from President Bush.”(Blaine Harden, jornalista do NYT)72 “Conversas sérias sobre guerra, o que se pode ouvir hoje do President Bush”. 59. – Mr. Bush said point-blank: ”We’re at war. There’s been an act of war declared upon America by terrorists...”73 O Sr. Bush disse claramente: “Estamos em guerra. Declarou-se um ato de guerra à América pelos terroristas,...”. 60. – ... what Mr. Bush is bluntly calling war74 ... o que o Sr. Bush está claramente chamando de guerra. 61. – “A day after proclaiming flatly that the nation was “at war.”, President Bush...”75 “Um dia após proclamar claramente que a nação estava ‘em guerra’, o Presidente Bush...” E este estado de guerra foi prontamente reconhecido por aliados importantes: 62. – “... Tony Blair...Britain would stand alongside the US... in the battle against ”76 “… Tony Blair… A Grã-Bretanha ficará do lado dos E.U. A... na batalha contra...” 63. – “...”European Union foreign ministers and NATO ambassadors planned separate meetings on Wednesday to discuss what can be done in a common battle against terrorism.” (Ministros de Relações Exteriores e Embaixadores da OTAN)77 72 NYT, National Desk, After The Attacks: The Reaction; For Many, Sorrow Turns to Anger and Talk to Vengeance,14/09/01 (Late edition – final, Section A, Page 15, Column 1). 73 NYT, National Desk, After The Attacks: The Events; In Four Days, a National Crisis Changes Bush’s Presidency, 16/09/01 (Late Edition – Final, Section 1, Page 1, Column 5) 74 NYT, National Desk, After the Attacks: the Overview;Long Battle Seen, 16/09/01 (Late Edition-Final, Section 1, Page 1, Column 6). 75 NYT, National Desk, After the Attacks: The White House; Bush Warns of a Wrathful, Shadowy and Inventive War, 17/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 2, Column 1). 76 NYT, National Desk, Reaction From Around the World, 12/09/01 (Late Edition- Final, Section A, Page 25, Column 3). 77 NYT, National Desk, A Day of Terror: The World’s Reaction; European Nations Stand With U.S., Ready to Respond, 12/09/01 (Late edition – final, Section A, Page 23, Column 3). “Os ministros do exterior da União Européia e os embaixadores da OTAN, planejaram reuniões separadas, na quarta-feira, para discutir o que poderá ser feito numa batalha comum contra o terrorismo. A partir do enquadramento da guerra haveria a defesa e o ataque: 64. – “A great people has been been moved to defend a great nation”. (Presidente Bush) 78 “Um grande povo se mobilizou para defender uma grande nação”. 65. – ... in his radio address, he warned, “those who make war on the United States have chosen their own destruction.”( he = Presidente Bush) 79 ... no seu programa de rádio, ele alertou que “aqueles que declaram guerra aos Estados Unidos escolheram a sua própria destruição.” (ele = Presidente Bush) 66. – “ … the Pentagon is describing what it is needed to fight it …”80 “… O Pentágono descreve o que é necessário para lutar contra ele...” O enquadramento de guerra, no entanto, é elaborado, a princípio, a partir de um cenário ainda não muito claro, uma vez que nem todos os elementos característicos desse cenário haviam sido configurados. Para compreendermos melhor a natureza desses elementos típicos do cenário/enquadramento conceptual de guerra (uma guerra justa, ou a ser justificada), podemos nos remeter à metáfora (ou “sistema metafórico”) proposta por Lakoff (1991) com referência à guerra do Golfo (1990/1991). Lakoff acredita “que a maneira mais natural de se justificar moralmente uma guerra é sobrepor a estrutura do conto de fadas a uma dada situação” (1991:5). De acordo com o autor, os personagens deste sistema seriam: o vilão, a vítima e o herói, e estes dois últimos poderiam ser a mesma pessoa. 78 NYT, National Desk, A Day Of Terror;Bush’s Remarks to the Nation on the Terrorist Attacks, 12/09/01 (Late Edition-Final, Section A, Page 4, Column 1) 79 NYT, National Desk, After The Attacks: The Events; In Four Days, a National Crisis Changes Bush’s Presidency, 16/09/01 (Late Edition – Final, Section 1, Page 1, Column 5) 80 NYT, National Desk, After the Attack: The Military; Pentagon Drafts a Shopping List for Waging a War on Terrorism, 16/09/01 (Late edition-final, Section 1, Page 6, Column 5) No caso do ataque e reação (a “situação”) de 11/09, a vítima e o herói foram conceptualizados como um só: os Estados Unidos da América. Como já foi dito acima, o herói (os E.U.A) não iria à guerra apenas pela retaliação motivada pela morte das quase 3.000 vítimas diretas dos ataques do 11/09. Metonimicamente, essas vítimas passaram a simbolizar o povo americano, que, por sua vez, deu lugar à nação/estado para conduzir o processo retaliatório. No entanto, a nação é dialeticamente ressignificada a partir da metáfora NAÇÃO É PESSOA, que por sua relevância no cenário da guerra, aqui enfocada, será explorada a seguir. 6.6 NAÇÃO É PESSOA Uma das metáforas conceptuais que mais se faz presente no discurso político é NAÇÃO É PESSOA (LAKOFF, 1991; ROHRER, 1995:117). Ela domina o pensamento da política internacional.É compreensível que assim o seja, pois organizações de todos os tipos tendem a ser personificadas. O discurso jurídico fala de corporações como “pessoas legais”. Uma vez que os Estados se tornaram a forma mais poderosa da organização política e têm suas origens na força do indivíduo, não surpreende que essa metáfora seja encontrada. (CHILTON e LAKOFF, 1995:37). Cabe ainda observar que esse tropo pode ser visto com uma metonímia por muitos, mas que, no caso da política internacional, ela se configura como metáfora (LAKOFF, 2005; ROHRER, 1995). Ainda de acordo com Rohrer (ibid:35), esta metáfora: está profundamente enraizada na nossa cultura e ela compartilha desdobramentos com tantas outras metáforas que é difícil imaginar conceptualizar nação como qualquer outra coisa e ainda propicia um relato rico e coerente da política de uma nação. Roher (ibid) sugere que Platão a usou em Crito: política é naturalmente a extensão de nossos corpos em um espaço político imaginário. Esta metáfora já foi usada pelo Presidente Bush – Pai, na guerra do Golfo I, em 1991, e mais recentemente ela retorna aos eventos envolvendo os ataques às Torres Gêmeas e ao Pentágono (2001), Afeganistão (2001) e Iraque (2003) pelo Presidente Bush – Filho. Ela tem um papel preponderante na justificativa das guerras naqueles dois países, aliado ao fato de que o Presidente Bush, filho, também, assim como o pai, se respalda nas personificações dos Estados Unidos com intuito de evocar sentimentos patrióticos em tempos de crise (CHARTERIS-BLACK, 2005:174). Lakoff (2005:01) alerta que NAÇÃO É PESSOA é uma metáfora persuasiva, poderosa e faz parte de um elaborado sistema metafórico. Ela é parte de uma metáfora da comunidade internacional (povoada por NAÇÃO-PESSOAS), em que as nações amigas se engajam em relacionamentos sociais do tipo: nações hostis, amigas, estados desonestos, etc. Estados também são vistos como tendo personalidades: eles podem ser confiáveis ou não, agressivos ou pacíficos, estáveis ou paranóicos, cooperados ou intransigentes, empreendedores ou não (CHILTON e LAKOFF, 1995:39). Esta metáfora está imbuída da noção de interesse nacional: assim como é do interesse de uma pessoa ser saudável e forte, é também do interesse da NAÇÃO-PESSOA ser economicamente saudável e militarmente forte. É este o significado de “interesse nacional”. Entendo que esta metáfora é usada pela administração Bush e colaboradores externos com a finalidade de dar e encorajar apoio à sua política, fortalecer e reforçar uma imagem do inimigo. É muito comum atribuir à NAÇÃO-PESSOA desejos naturais, tais como desejar que os outros sejam como nós mesmos. Ainda dentro dessa concepção de NAÇÃO É PESSOA, experiências culturais específicas podem contribuir para o domínio- fonte dessa metáfora. Nos Estados Unidos, a comunidade mundial é freqüentemente conceptualizada como um tipo de cidade fronteiriça, com estados cumpridores de leis (o próprio Estados Unidos aliados aos países por eles favorecidos) e estados marginalizados (talvez “loucos”, “selvagens”, “irracionais”, etc.). A política estrangeira vê a saúde de um “estado-pessoa” em termos de riqueza nacional e a força do estado-pessoa como força militar – em vez de, digamos, a saúde ou bemestar de seus cidadãos individualmente. Assim, os Estados se relacionam de uma forma humana, cordial ou conflituosa. Esta metáfora possibilita que a guerra seja um ajuste de contas, a partir de um desequilíbrio moral por parte de um determinado Estado, apoiando, assim, a legitimação da guerra. A transformação dos Estados Unidos em estado-pessoa reforça o sentimento de identidade nacional da sociedade americana. Essa metáfora, de base ontológica, estabelece uma relação entre o domínio fonte (a pessoa) e domínio alvo (o Estado). O Estado, como uma pessoa, se comporta como qualquer ser humano. Ele está sujeito às mazelas da vida, e, assim, torna-se a vítima principal dos atentados. 67. – “Today America has experienced one of the greatest tragedies....” (John Ascroft, Ministro da Justiça)81 “Hoje a América sofreu uma das maiores tragédias...” 81 NYT, National Desk, A Day of Terror: Verbatim; Bush Aides Speak Out On Attacks, 12/09/01 (Late edition – Final, Section 4, Page 4, Column 6). 68. – “But one thing that happens here in this place is when America suffers, and when people perpetrate acts against this country,....” (J. Dennis Hastert, Speaker of the House)82 “O que acontece aqui neste lugar é quando a América sofre, e quando pessoas perpetram atos contra este país,...” 69. – “These acts of mass murder... to frighten our nation...” (Discurso do Presidente Bush na noite de 11/09)83 “Estes atos de assassinato em massa... para assustar a nossa nação...” 70. – “Today our nation saw evil,...” (Discurso do Presidente Bush na noite de 11/09)84 “Hoje a nossa nação viu o mal,...” Essa condição de humanização de uma nação, como vítima, faz com que esta tenha amigos, vizinhos, inimigos, etc.que se solidarizam com sua dor: 71. – “He said that Italy was with America in its sorrow and would be with America in its response.” (Silvio Berlusconi, Primeiro Ministro da Itália)85 “Ele disse que a Itália estava com a América na sua dor e estaria com a América na sua determinação”. 72. – “America and our friends and allies join...” (Discurso do Presidente Bush na noite de 11/09)86 “A América e nossos amigos e aliados juntam-se...”. 73. – “Mr. Bush added:.... But this administration, along with those friends of ours who....”(Fala do Presidente Bush)87 82 NYT, National Desk, A Day of Terror: Verbatim; Bush Aides Speak Out On Attacks, 12/09/01 (Late edition – Final, Section 4, Page 4, Column 6). 83 NYT, National Desk, A Day Of Terror; Bush’s Remarks to the Nation on the Terrorist Attacks, 12/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 4, Column 1). 84 NYT, National Desk, A Day Of Terror; Bush’s Remarks to the Nation on the Terrorist Attacks, 12/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 4, Column 1). 85 NYT, National Desk, A Day of Terror: The World’s Reaction:; European Nations Stand With U.S., Ready to Respond,12/09/01 (Late edition - final, Section A, Page 23, Column 3). 86 NYT, National Desk, A Day Of terror; Bush’s Remarks to the Nation on the Terrorist Attacks, 12/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 4, Column 1). 87 NYT, National Desk, After the Attacks: The White House; Bush Warns of a Wrathful, Shadowy and Inventive War, 17/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 2, Column 1). “O Sr. Bush acrescentou:.... Mas esta administração, junto com aqueles nossos amigos que....” 74. – “Turkey is a friend,” Mr. Bush said, “....”(Fala do Presidente Bush)88 “A Turquia é amiga”, disse o Sr. Bush, “....” A nação-pessoa, uma vez tendo os seus interesses violados, tem o dever de se defender. Assim a vítima torna-se o herói: 75. – “America has stood down enemies before,...”. (Discurso do Presidente Bush na noite de 11/09)89 “A América já derrubou inimigos antes,...” 76. – “President Bush... vowed that the United States would hunt down and punish those....”90 “Presidente Bush... jurou que os Estados Unidos caçariam e puniriam aqueles....” 77. – “... that the United States exercise its right to self-defense and to protect United States citizens both at home an abroad,...” (Texto da Resolução em conjunto deliberando o uso das Forças Armadas, dos Estados Unidos, aprovado pela Câmara e o Senado daquele país)91 “.. que os Estados Unidos exerçam seu direito de autodefesa e protejam cidadãos americanos tanto em casa quanto no estrangeiro,...” A nação-pessoa quando se sente ameaçada tem o direito de avaliar a forma como se defenderá do inimigo até mesmo procurando amigos, aliados para se fortalecer, se for caso: 78. – “..., Lord Robertson added: “The country attacked has to make decisions, it has to be the one that asks for help.The United States is still assessing the evidence available. They are the one to make that judgment.”92 88 NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President; President Readies U.S. For Prospect Of Imminent War, 18/09/01 (Late edition – final, Section A, Page 1, Column 6). 89 NYT, National Desk, A Day Of Terror; B ush’s Remarks to the Nation on the Terrorist Attacks, 12/ 09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 4, Column 1). 90 NYT, National Desk, U.S. Attacked; President Vows to Exact Punishment for “Evil”.”12/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 4, Column 4). 91 NYT, National Desk, After the Attacks; Text of Joint Resolution Allowing Military Action, 15/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 16, Column 5). 92 NYT, National Desk, After The Attacks: The Alliance; For First Time, NATO Invokes Joint Defense Pacat With U.S., 12/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 17, Column 5). “..., Lord Robertson acrescentou: “O país atacado tem de tomar decisões, ele tem de ser aquele que pede ajuda. Os Estados Unidos ainda estão avaliando as provas disponíveis. São eles que farão o julgamento”. 79. – “Secretary Powell... the United States feels itself to be at war but is also seeking allies in that battle.”93 “O Secretário Powell... os Estados Unidos se sentem em guerra, mas estão também procurando aliados naquela batalha”. O herói, assim, estava pronto para a retaliação. No entanto, a configuração do inimigo não estava clara. Como justificar apenas um “estado de guerra”, como vimos anteriormente, (“we are at war”), mas com real ataque militar, com todos os seus custos, se o outro extremo do cenário (o inimigo), o alvo da ação do herói, não havia sido definido?: 80. – “It is important, as we battle this enemy, to conduct ourselves that way.” (Presidente Bush com repórteres em uma entrevista telefonada com o governador e o prefeito de Nova Iorque)94 “É importante, enquanto lutamos contra este inimigo, nos conduzirmos desta maneira”. 81. – “To authorize the use of United States Armed Forces against those responsible for the recent attacks launched against the United States.”[ Texto da Joint Resolution (Resolução em conjunto deliberando ação militar, aprovada pela Câmara e Senado dos Estados Unidos)95 “Autorizar o uso das Forças Armadas dos Estados Unidos contra os responsáveis pelos recentes ataques contra os Estados Unidos.” 82. – “We will rid the world of the evil-doers,” Mr. Bush said,...” (Fala do Presidente Bush) 96 “Livraremos o mundo dos mal-feitores”, disse o Sr. Bush,...” 93 NYT, National Desk, After The Attacks: The Diplomacy; Powell Says It Clearly: No Middle Ground on Terrorism, 13/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 17, Column 1). 94 NYT, National Desk, Excerpts From President’s Remarks Into Investigation Into Attacks, 14/09/01 (Late edition – Final, Section A, Page 18, Column 1). 95 NYT, National Desk, After the Attacks; Text of Joint Resolution Allowing Military Action, 15/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 16, Column 5). 96 NYT, National Desk, After The Attacks: The White House; Bush Warns of a Wrathful, Shadowy and Inventive War, 17/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 2, Column 1). 83. – “... Mr. Bush has said will be a prolonged war against those who carried the attacks.” (Fala do Presidente Bush) 97 “... o Sr. Bush disse que será uma longa guerra contra aqueles que efetuaram os ataques”. 84. – “President Bush’s father …. told a Boston audience, “... should this most recent surprise attack erase the concept in some quarters that America can somehow go it alone in the fight against terrorism....”98 “O pai do Presidente Bush... disse a uma platéia em Boston, “... esse recente ataque surpresa deveria apagar o conceito em algumas partes do mundo de que a América poderá ficar sozinha na luta contra o terrorismo...” A preposição “against” (contra) após o verbo “battle” (batalhar, lutar) caracterizaria o inimigo: terrorismo, inimigo, os responsáveis pelo ataque e “mal-feitores”. Como (contra) atacar militarmente inimigos tão vagos? A ocupação desse lugar desconfortavelmente indefinido deu-se, em primeiro lugar, por meio da nomeação de um vilão concreto e da organização de que era líder: 85. – Mr.Bush identified Osama bin Laden,..., as “prime suspect ” in the attacks...,99 O Sr Bush identificou Osama bin Laden,..., como o “primeiro suspeito” aos ataques,... 86. – “Mr. Cheney, Mr. Rumsfled and Mr. Powell all said,...that evidence pointed out to Mr. bib Laden and his AlQaeda organization as responsible for last week’s attacks.” (Falas do Sr. Cheney, Sr. Rumsfeld e Sr. Powell, Vice-Presidente, Secretário de Defesa e Secretário de Estado, respectivamente)100 “Sr. Cheney, Sr. Remsfeld e Sr. Powell todos afirmaram que,... que indícios apontaram o Sr. bin Laden e sua organização Al Qaeda como responsáveis pelos ataques da última semana.” 97 NYT, National Desk, A Nation Challenged: the Military; Pentagon Activates First Wave of Guardsmen and Reservists, 18/09/01 (Late edition – Final), Section B, Page 7, Column 3). 98 NYT, Foreign Desk, A Nation Challenged: The Diplomacy; World Leaders List Conditions On Cooperation, 19/09/01 (Late Edition-Final, Section A, Page1, Column 2). 99 NYT, National Desk, After The Attacks: The Overview; Long Battle Seen, 16/09/01, (Late Edition – final, Section 1, Page 1, Column 6). 100 NYT, National Desk, After The Attacks: The White House; Bush Warns of a Wrathful, Shadowy and Inventive War, 17/09/01. (Late Edition – Final, Section A, Page 2, Column 1). 87. – After the attacks on the World Trade Center and the Pentagon, the Bush administration quickly named Osama bin Laden as the leading suspect…”101 “Depois dos ataques ao World Trade Center e ao Pentágono, a administração Bush rapidamente indicou Osama bin Laden como o principal suspeito.” O ciclo do Conto de Fadas não pode ainda justificar uma ação militar, considerando que o inimigo, mesmo agora, supostamente identificado, não pode ser, de fato, atacado militarmente. Esse dilema é resolvido quando uma nação, o Afeganistão, por meio de seus líderes talibãs, coloca-se como “protetora- guardiã” dos inimigos. Assim: 88. – But American intelligence officials believe that Mr. bin Laden’s ties with the Taliban are increasingly close and that his freedom of movement may have increased in recent months.102 Mas membros da inteligência americana acreditam que os laços do Sr. bin Laden com o Talibã estão se estreitando e que sua liberdade de movimento pode ter aumentado nos últimos meses. 89. – “Secretary Powell said that United States officials expected to contact Taliban leaders in Afghanistan to demand they expel Mr. Bin Laden’s organization, which has been operating there for several years.” “They must help us destroy this organization, Secretary Powell said. (Secretário de Estado C. Powell)103 “O secretário Powell disse que funcionários dos Estados Unidos esperavam contatar líderes do Talibã para perdir-lhes que expulsassem a organização de bin Laden, que opera naquele país há vários anos.” “Eles devem nos ajudar a destruir essa organização”, disse o secretário Powell. 90. – ...the national security adviser, Condoleeza Rice, agreed, adding that the Taliban would” face the wrath of an international coalition” if they failed to turn over Mr. bin Laden. 104 101 NYT, Metropolitan Desk, A Nation Changelled; The Investigation So Far, 07/10/09 (Late Edition – Final, Section B, Page 4, Column 4). 102 NYT, National Desk, A Day Of Terror: The Afghans; Condemning Attacks, Taliban Says bin Lasden Not Involved, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 23, Column 3). 103 NYT, National Desk, After The Attacks: The White House; Bush Warns of a Wrathful, Shadowy and Inventive War, 17/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 2, Column 1). 104 NYT, Foreign Desk, A Nation Challenged: The Intelligence; U.S. Certain That bin Laden Remains Inside Afghanistan, 24/09/01 (Late Edition- Final, Section B, Page 2, Column 1). ...a conselheira para assuntos de segurança nacional, Condoleeza Rice, concordou, dizendo que o Talibã “enfrentaria a ira de uma coalizão internacional” se eles não entregassem o Sr. bin Laden. 91. – For three weeks, Mr..Bush had issued ultimatums, threats to capture Osama bin Laden “dead or alive” (in Afghanistan) and warnings to Americans that they were in for a long war.105 Durante três semanas, o Sr. Bush emitiu ultimatos, ameaças para capturar Osama bin Laden “vivo ou morto” (no Afeganistão) e alertas aos americanos de que estavam envolvidos em uma longa guerra. O cenário Conto de Fadas, para se justificar uma guerra, é assim, rapidamente, configurado em todos os elementos essenciais, sugeridos por Lakoff (1991). “Um ato criminoso é cometido (ataque do 11/09) por um vilão (bin Laden/Al Q’aeda, que não podem ser diretamente atacados; Talibãs / Afeganistão, que podem ser atacados) contra uma vítima (pessoas que morreram no 11/09, povo americano, nação americana, E.U.A) e o herói (E.U.A), sozinho ou com ajudantes (aliados)” (LAKOFF, 1991:5, parênteses nossos). A ação-resposta militar “literaliza”, dessa forma, o cenário de guerra: 92. – “President Bush told the American military today to get ready for a long war. 106 “O Presidente Bush disse aos militares hoje para ficarem de prontidão para uma guerra longa....” 93. – The administration, however, is preparing a powerful military strike...107 A administração, entretanto, está preparando um ataque militar poderoso... O presidente Bush admite que há um lugar onde essa guerra se desenvolve: 94. – The Pentagon is surveying a host of unattractive military options as officials seek to fulfill presidential and public expectations to strike back quickly and decisively. 108 105 NYT, Foreign Desk, A Nation Challenged: The Planning; Quitly, Carefully, President Worked Toward a Decision on Attack-Aid Combination, 08/10/01 (Late Edition – Final, Section B, Page 6, Column 1). 106 NYT, National Desk, After The Attacks: The Overview; Long Battle Seen, 16/09/01 (Late Edition – Final, Section 1, Page 1, Column 6). O Pentágono está pesquisando uma quantidade de opções militares impopulares, na medida em que funcionários procuram satisfazer as expectativas presidenciais e do povo de revidar com ataque rápido e decisivamente. 95. – His conclusion, the office said, was that the first American strikes would probably involve air attacks from bases elsewhere, including ships in the Arabian Sea...2 Sua conclusão, o funcionário disse, foi de que os primeiros ataques americanos provavelmente envolveriam ataques aéreos em diferentes bases, incluindo navios no Mar da Arábia,... 96. – President Bush decided early last week that the bombing of Afghanistan would probably begin on Sunday, administration officials said. 3 Funcionários da administração disseram que o Presidente Bush decidiu no início da semana passada que o bombardeio do Afeganistão começaria provavelmente no domingo. Mesmo havendo vozes que questionam a legitimidade deste cenário: 97. – “... Anna Lindh and Joschka Fischer, both suggested that it was early to talk of military action when so little was known about the origins of the attacks.” (Os ministros da Relações Exteriores da Suécia e Alemanha, respectivamente)109 “... Anna Lindh e Joschka Fischer sugeriram que era cedo para se falar de ações de guerra quando tão pouco se sabia das origens dos ataques.” 98. – Reading a statement from the Foreign Affairs Ministry in Kabul.... “We want to say to the American people... the impacts and consequences and untoward problems of a war,” he said.110 107 NYT, Foreign Desk, After The Attacks: the Strategy; A New War And Its Scale, 17/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 4). 108 NYT, Fo reign Desk, A Nation Challanged: Washington; Bush’s Advisers Split on Scope Of Retaliation., 20/09/01 (Late Edition-Final, Section A, Page 1, Column 5). 2 NYT, Foreign Desk, A Nation Challenged: The Neighbour; U.S. Officers Are Meeting In Islamabad On War Plans, 25/09/01 (Late Edition – Final, Section B, Page 1, Column 1). 3 NYT, Foreign Desk, A Nation Challenged: The Planning; Quitly, Carefully, President Worked Toward a Decision on Attack-Aid Combination, 08/10/01 (Late Edition – Final, Section B, Page 6, Column 1). 109 NYT, National Desk, After The Attacks: the Alliance; For The First Time, NATO Invokes Joint Defense Pact With U.S, 13/09/01 (Late edition – final, Section A, Page 17, Column 5). 110 NYT, Foreign Desk, A Nation Challenged: The Neighbor; U.S. Officers Are Meeting In Islamabad, 25/09/01 (Late Edition – Final, Section B, Page 1, Column 1). Ao ler uma declaração do Ministério dos Assuntos Estrangeiros, em Kabul.... Queremos dize ao povo americano... os impactos e conseqüências e problemas que advém de uma guerra,” ele disse. 99. – The White House also announced today that Mr. Bush would meet on Wednesday with Pio Laghi, a retired cardinal sent by Pope John Paul II to Mr. Bush to make “every effort” to avoid war.111 A Casa Branca também anunciou hoje que o Sr.Bush se encontraria na quarta- feira com Pio Laghi, um cardeal aposentado enviado a Bush pelo Papa João Paulo II para que “faça todos os esforços” para evitar guerra. A invasão foi tão bem justificada por meio de enquadramento conceptual e discursivamente bem sucedida que recebeu forte apoio internacional: 100. – Belgium’s prime minister, Guy Verhofstadt, said European states were now prepared to join military actions “against states harboring or supporting terrorists.”112 O Primeiro Ministro da Bélgica, Guy Verhofsdat, declarou que os Estados estavam agora preparados para se integrarem em ações militares “contra estados que acolhem e apoiam terroristas.” 101. – ..., Mr. Bush greeted the Prime Minister Jean Chrétien of Canada at the White House today, embracing him as “brother” who was willing to share the burden of the fight.113 ..., na Casa Branca, o Sr. Bush saudou o Primeiro Ministro Jean Chrétien do Canadá que se mostrou desejoso de compartilhar o ônus da luta. Dessa forma, acredito que a primeira ação/reação concreta de retaliação (invasão do Afeganistão) foi em grande parte justificada e recebeu apoio maciço do povo americano por ter sido legitimada por meio da construção conceptual e discursiva de um cenário de guerra estruturado, fundamentalmente, pela metáfora do Conto de Fadas (LAKOFF, 1991). 111 NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: Attack Strategy; Top General Sees Plan to Shock Iraq Into Surrendering, 05/03/02 (Late Edition-Final, Section A, Page 1, Column 1). 112 NYT, Foreign Desk, A Nation Challenged: Cooperation; U.S. Sanctions On Islamabad Will Be Lifted., 22/09/01 (Late Edition – final, Section A, Page 1, Column 5). 113 NYT, Foreign Desk, A Nation Challanged: Diplomacy; U.S. Prepares to Brief NATO on Strategy to Fight bin Laden, 25/09/01 (Late Edition – Final, Section B, Page 2, Column 1). 6.7 Ainda a guerra nas palavras: o caso do Iraque Como vimos no capítulo 3, a análise crítica da metáfora parte do pressuposto de que o contexto sócio-histórico não só define como em grande parte é definido pelo discurso e pelas estruturas sócio-cognitivas, incluindo a metáfora conceptual, que subjazem a ele (LAKOFF e JOHNSON, 1980/2002; CHARTERIS - BLACK, 2004, 2005 e MUSOLFF, 2004). Por essa razão não posso deixar de situar historicamente, mesmo que o recorte apresentado não seja exaustivamente detalhado e aprofundado, os acontecimentos a que as metáforas aqui enfocadas se referem. Como é sabido, o ataque ao Afeganistão não cumpriu com o seu suposto objetivo, que era capturar o mentor dos atos criminosos de 11/09. No entanto, esta ofensiva militar não foi ressignificada como um fracasso: o governo Bush argumentou que a desestabilização do regime talibã muito contribuiria para o desmantelamento da rede Al’Qaeda, organização terrorista liderada por Osama bin Laden e, supostamente, envolvida diretamente nos ataques de 11/09 (MANN, 2003). No que diz respeito à reestruturação do sistema metafórico do Conto de Fadas, a partir do resultado, a princípio frustrante do ponto de vista da “retaliação” promovida pelo herói, houve um deslocamento do eixo “vítima”. O herói continuava o mesmo (E.U.A), mas a figura da vítima deixou de ser representada apenas pela nação americana, passando a incluir o próprio povo afegão, supostamente oprimido pelo regime talibã (o inimigo). No cenário do Conto de Fadas, o subcenário “resgate” (libertar as vítimas: os afegãos) sub stituiu o subcenário “retaliação”, que, originalmente motivou “a resposta militar” (ibid). A mudança (ou re-enquadramento) de subcenários (resgate/retaliação) e dos eixos principais do sistema metafórico do Conto de Fadas (ato criminoso/ameaça – vítima – vilão – herói) parece ter sido também uma característica do discurso que justificou a guerra do Iraque, que sucedeu a do Afeganistão. Como vimos na análise anterior, a relação, cognitiva e discursivamente justificada, entre a ofensiva militar no Afeganistão e o 11/09, era muito clara no cenário Conto de Fadas: a vítima/herói iria capturar o vilão e assim promover a retaliação. No caso da ofensiva militar no Iraque, o cenário não parecia ser tão propício a um enquadramento neste sistema metafórico. E parto da convicção de que, sem um enquadramento neste sistema, a guerra dificilmente se justifica, pelo menos na cultura ocidental, que compartilha os pressupostos da guerra “literal” (CLAUSEWITZ, 2003) e da guerra “metafórica” (LAKOFF, 1991). Não me cabe aqui tecer considerações sobre as razões “reais” que levaram os E.U.A a invadir o Iraque: há teorias que as situam dentro de um grande projeto de “Império”, (CHOMSKY, 2004; MANN, 2003) ou que as vinculam a interesses econômicos e geopolíticos envolvendo o petróleo iraquiano (MOORE, 2004). Parto do pressuposto, porém, de que a decisão do governo Bush de invadir o Iraque (que parece ter tido motivações inclusive antes do 11/09, MANN, 2003) beneficiou-se do “clima de medo” nos E.U.A gerado a partir do 11/09 (CHOMSKY, 2004). A guerra do Iraque, no entanto, requereu uma justificativa bem mais elaborada do que a do Afeganistão. Uma evidência disso é que, ao contrário dessa última, que foi legitimada pelo Conselho de Segurança da ONU e obteve apoio da maior parte dos países ocidentais, a ofensiva americana no Iraque não foi sancionada pela ONU e foi apoiada por um número bem menor de aliados: 102. – Secretary General Kofi Annan warned today that if the United States fails to win approval from the Security Council for an attack on Iraq, Washington’s decision to act alone or outside the Council would violate the United Nations charter.114 O Secretário Geral Kofi Annan advertiu hoje que se os Estados Unidos não conseguir aprovação do Conselho de Segurança para um ataque ao Iraque, a decisão de Washington de agir sozinho ou fora do Conselho violaria a Carta das Nações Unidas. 103. – Diplomats... met here today, with the foreign ministers of France, Germany and Russia... arguing that the planned American –led invasion to disarm Iraq and oust Saddam Hussein had no basis in international law.115 Diplomatas... encontraram-se aqui hoje, com os ministros das Relações Exteriores da França, Alemanha e Rússia... defendendo que a invasão planejada e liderada pelos americanos para desarmar o Iraque e expulsar Saddam Hussein não tem base no direito internacional. 104. – ..., Foreign Minister Igor S. Ivanov of Russia said “not one of these decisions authorizes the right to use force against Iraq outside the United Nations charter.”116 114 NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: United Nations; Ann Says U.S. Will Violate Charter if It Acts Without Approval , 11/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 10, Column 1) 115 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: United Nations; Critics Say U. S. Lacks Legal Basis for Attack, 20/03/03 (Late Edition- final, Section A, Page 19, Column 1) 116 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: United Nations; Critics Say U.S. Lacks Legal Basis for Attack, 20/03/03 (Late Edition-Final, Section A, Page 19, Column 1) ..., o Ministro das Relações Exteriores Igor S. Ivanov da Rússia disse que “nenhuma dessas decisões autoriza o direito de usar força contra o Iraque sem o aval da carta das Nações Unidas.” Mas como justificar cognitiva e discursivamente a decisão de invadir o Iraque? Novamente, podemos observar como o sistema metafórico do Conto de Fadas é, para isso, acionado. Em primeiro lugar a triangulação vítima – vilão- ato criminoso não estava absolutamente nítida. Quem era a vítima do estado iraquiano? Temos aqui duas possibilidades que foram discursivamente exploradas por Bush e seus colaboradores: CENÁRIO 1: Vítima: o próprio povo iraquiano (oprimido pelo regime imposto por um ditador) Vilão: Saddam Hussein Ato Criminoso: tirania/opressão Herói: (o libertador: os E.U.A) Subcenário: resgate (do povo iraquiano, estabelecimento da democracia). Esse cenário, com todos os seus elementos cognitivos, foi marcado discursivamente: 105. – “Mr. Bush also reiterated the argument... the installation of a democratic government in Iraq may act as a catalyst for the spread of democracy in a region dominated by autocratic governments, many of them American allies.” (Atribuído ao Presidente Bush) 117 “ O Sr. Bush reiterou o argumento... a instalação de um governo democrático no Iraque pode agir como um catalisador para espalhar (difundir) a democracia em uma região dominada por governos autocratas, muito deles aliados americanos.” 106. – “The president refused to say.... Instead, he referred to plans to ease the burdens of ordinary Iraqis, promising that a post-Hussein government would respect minority rights and...” (Atribuído ao Presidente Bush) 118 117 NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President; President Readies U.S. For Prospect Of Imminent War, 07/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 6). 118 NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President;President Readies U.S. For Prospect Of Imminent War, 07/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 6). “O presidente recusou-se a dizer..... Em vez disso, referiu-se aos planos que aliviariam a carga do povo do Iraque, prometendo que um governo pós - Hussein respeitaria os direitos da minoria e....” 107. – To the Iraqi people, Mr Bush gave notice that he would soon begin an invasion that he said would liberate them from a murderous regime119 Ao povo iraquiano, o Sr. Bush informou que muito em breve ele começaria uma invasão que os libertaria de um regime assassino. 108. – Aircraft packed with radio transmitters.... “We are fighting for a just cause to liberate a persecuted people, and to guarantee the American people’s security,” the broadcast said.120 Um avião C-130 equipado com transmissores de rádio.... “Estamos lutando por uma causa justa para liberar um povo perseguido, e para garantir a segurança do povo americano,” informou o comunicado. Esse cenário, entretanto, que coloca os E.U.A como herói, representante da democracia, como em uma “cruzada” iria libertar o povo oprimido pela tirania, ainda não justificaria, sozinho, a ida à guerra. Afinal, este cenário excluía a possibilidade dos E.U.A como vítima (real ou em potencial), em um cenário resgate. E países, a princípio, não invadem outros países para interferir apenas em questões internas. Esta possibilidade, apesar de presente em outros momentos históricos, não mais justifica, na cultura das democracias ocidentais contemporâneas, uma ofensiva militar (MANN, 2003). Um outro cenário é então, paralelamente, ativado; um cenário que, ainda dentro do sistema metafórico do Conto de Fadas, possa contemplar a possibilidade de enquadrar os E.U.A como vítima, mesmo que em potencial. Nesse enquadramento, o vilão continua sendo Saddam Hussein, mas o ato criminoso não mais seria a sua tirania contra o povo iraquiano, e sim o possível ataque a países vizinhos e ao próprio mundo ocidental por meio das chamadas armas de destruição em massa (ADM), supostamente escondidas pelo ditador. Se ele não as entregasse, o Iraque seria atacado pelo herói (E.U.A). Nesse caso, o subcenário seria de retaliação, e não mais de resgate. 119 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: The President; Bush Gives Hussein 48 Hours, and Vows to Act, 18/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 6) 120 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: The Troops; War Imminent as Hussein Rejects Ultimatum, 19/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 6) CENÁRIO 2: Vítima: (em potencial): países vizinhos, mundo ocidental, E.U.A Vilão: Saddam Hussein Ato Criminoso: (em potencial): presença de ADM Herói: (os E.U.A) Subcenário: retaliação 109. – One American diplomat said... Mr. Blix arrive in Baghdad,... and simply demand that Iraq present its weapons....121 Um diplomata americano disse... o Sr. Blix chegasse em Bagdá,..., e simplesmente exigisse que o Iraque entregasse suas armas.... 110. – Some administration officials said they hoped that efforts might still highlight Iraq’s many failures to disarm.122 Alguns funcionários da administração disseram que esperavam que os esforços pudessem ressaltar as muitas tentativas de desarmamento do Iraque. 111. – “The president repeatedly stated that Iraq had failed to disarm. “This is a fact,“, he said. ”It cannot be denied.”(Fala do Presidente Bush) 123 “O Presidente repetidamente declarou que o Iraque deixou de desarmar-se. “Isto é um fato,” ele disse. “Não se pode negar.” 112. – President Bush, in his weekly radio address today,..., declaring that Iraq” is still violating the demands of the United States by refusing to disarm.”124 O Presidente Bush, no seu programa de radio hoje,..., declarando que o Iraque “está ainda violando as exigências das Nações Unidas ao recusar desarmar-se.” 113. – The administration has assigned top priority to the hunt for weapons of mass destruction, officials said.125 121 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: United Nations; To White House, Inspector Is Now More a Dead End Than a Guidespot, 02/03/02 (Late Edition – Final, Section 1, Page 13, Column 1) 122 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: United Nations; To White House, Inspector Is Now More a Dead End Than a Guidespot, 02/03/02 (Late Edition – Final, Section 1, Page 13, Column 1) 123 NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President; President Readies U.S. for Pros pect of Imminent War, 07/03/03 (Late Edition-Final, Section A, Page 1, Column 6). 124 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: Disarmament; Baghdad Resumes Dismantling Arms, But Lists Demands , 09/03/03 (Late Edition – Final, Section 1, Page 1, Column 6) 125 NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: Disarming Saddam Hussein; Teams of Experts to Hunt Iraq Arms , 19/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 1) A administração determinou prioridade máxima na caça às armas de destruição de massas, funcionários declararam. 114. – After months of relatively fruitless international inspections, the discovery of such arms, officials said, would vindicate the administration’s decision to go to war to disarm Iraq.126 Depois de meses de inspeções internacionais relativamente infrutíferas, a descobertas de tais armas, declararam os funcionários, sustentaria a decisão da administração de ir à guerra para desarmar o Iraque. O herói torna-se a vítima em potencial: 115. – “President Bush prepared the country tonight... against Iraq, declaring that Suddam Hussein posed a direct threat to the security of the United States...) (Fala do Presidente Bush) 127 “O Presidente Bush preparou o país hoje à noite... contra o Iraque, declarando que Suddam Hussein é uma ameaça direta à segurança dos Estados Unidos....” 116. – “Mr. Bush..., saying Mr. Hussein posed a comparable danger.”(Fala do Presidente Bush) 128 “O Sr. Bush..., dizendo que o Sr. Hussein apresentou um perigo comparável.” 117. – “While portraying Iraq as the most urgent threat, Mr. Bush referred...” (Atribuído ao Presidente Bush)129 Ao retratar o Iraque como a ameaça mais urgente, o Sr. Bush referiu-se” 118. – “But Mr. Bush said that... on confronting Iraq and the dangers it poses.”(Fala do Presidente Bush) 129 126 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: Disarming Saddam Hussein; Teams of Experts To Hunt Iraq Arms , 19/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 1) 127 NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President; President Readies U.S. for Prospect of Imminent War, 07/03/03 (Late Edition-Final, Section a, Page 1, Colun 6). 128 NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President; President Readies U.S. for Prospect of Imminent War, 07/03/03 (Late Edition-Final, Section A, Page 1, Column 6). 129 NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President; President Readies U.S. for Prospect of Imminent War, 07/03/03 (Late Edition-Final, Section A, Page 1, Column 6). 129 NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President; President Readies U.S. for Prospect of Imminent War, 07/03/03 (Late Edition-Final, Section A, Page 1, Column 6). “Mas o Sr. Bush disse que... ao confrontar o Iraque e os perigos que ele apresenta.” 119. – “... Jack Straw... that Mr. Hussein had lost his last chance to disarm...” (Fala do Ministro das Relações exteriores da Grã-Bretanha)130 “... Jack Straw... que o Sr. Hussein perdeu a sua última chance de desarmar-se....” A justificativa do ataque ao Iraque se delineia a partir da recusa do “vilão” de abrir mão daquilo que supostamente tornaria real o ato criminoso: as ADMs. Essa aparente recusa enquadra-se no cenário como o “ato criminoso”, dando a entender que a guerra em eminência poderia ser evitada pelo próprio vilão. 120. – Mr. Bush... saying clearly that Mr. Hussein had to go. He also... invited Mr. Hussein to exile himself. “That’d be fine with me, just so long as Iraq disarms after he’s exiled.”(Fala do Presidente Bush)131 O Sr. Bush... dizendo claramente que o Sr. Hussein tinha de ir. Ele também... convidou o Sr. Hussein a ele mesmo se exilar. “Tudo bem comigo, desde que o Iraque se desarme depois que ele se exilar.” 121. – “... I wish that Suddam Hussein had listened to the demands of the world and disarmed. That was my hope.”(Fala do Presidente Bush) 132 “... Quisera que Suddam Hussein atendesse aos pedidos do mundo e se desarmasse”. 122. – “... Mr. Bush warned, “The risk of doing nothing, the risk of hoping that Saddam Hussein changes his mind and becomes a gentle soul, the risk that somehow that inaction will make the world safer, is a risk that I’m not willing to take for the American people.”133 “... o Sr. Bush alertou, “O risco de fazer nada, o risco de se desejar que Saddam Hussein mude de idéia e se torne uma alma bondosa, o risco de que de alguma forma aquela inércia fará o mundo mais seguro é um risco que não desejo assumir para o povo americano”. 130 NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President; President Imminent War, 07/03/03 (Late Edition-Final, Section A, Page 1, Column 6). 131 NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President; President Imminent War, 07/03/03 (Late Edition-Final, Section A, Page 1, Column 6). 132 NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President; President Imminent War, 07/03/03 (Late Edition-Final, Section A, Page 1, Column 6). 133 NYT, Foreign Desk, Threats and Responses: The President; President Imminent War, 07/03/03 (Late Edition-Final, Section A, Page 1, Column 6). Readies U.S. for Prospect of Re adies U.S. for Prospect of Readies U.S. for Prospect of Readies U.S. for Prospect of 123. – “Students at hundreds of high schools and colleges nationwide are planning a walkout on Wednesday to protest the Bush administration’s plans for war in Iraq.”134 “Centenas de estudantes do ensino médio e faculdades, em âmbito nacional, estão planejando uma passeata na quarta-feira em protesto contra os planos da administração Bush para a guerra do Iraque.” A suposta recusa, assim, justifica o cenário “retaliação” como “autodefesa”: 124. – The president put the United States on heightened alert for terrorist reprisals and prepared the American people for a war he said was an act of self-defense against a country that had ties to terrorits and was still trying amass, hide and develop biological, chemical and nuclear weapons”. Instead of drifting along toward tragedy, we will set a course toward safety,” Mr. Bush said.135 O presidente colocou os Estados Unidos em alta alerta face às respostas terroristas e preparou o povo americano para uma guerra que ele disse ser um ato de autodefesa contra um país que tinha laços com terroristas e ainda estava tentando acumular, esconder e desenvolver armas biológicas, químicas e nucleares.”Ao invés de ficar à deriva entregue a uma tragédia, nós nos conduziremos à segurança”, ele declarou. Mas o subcenário “resgate”, com o povo iraquiano como vítima, não é descartado, complementando o quadro de justificativas. São dois cenários metafóricos que, juntos, emolduram cognitiva e discursivamente a justificativa da invasão do Iraque: 125. – To the Iraqi people, Mr Bush gave notice that he would soon begin an invasion that he said would liberate them from a murderous regime, and to the Iraqi military he issued a stark warning against using chemical and biological weapons or destroying their nation’s oil wells.136 Ao povo iraquiano, o Sr. Bush avisou que ele muito em breve começaria uma invasão que os libertaria de um regime assassino, e ao militarismo iraquiano fez um duro alerta contra o uso de armas químicas e biológicas ou destruição de seus poços de petróleo. 134 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: Dissent; Student Groups Plan Walkout To Protest War, 01/03/02 (Late Edition – Final, Section A, Page 10, Column 1) 135 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: The President; Bush Gives Hussein 48 Hours, and Vows to Act, 18/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 6) Devido à fragilidade do novo cenário “retaliação”, que dependia da configuração das ADMs como “ato criminoso”, mas cuja real existência estava longe de ser comprovada (os inspetores da ONU nada encontraram em território iraquiano), tanto a ONU quanto os países, mesmo os tradicionais/aliados, e até mesmo políticos e cidadãos americanos posicionaram-se contra a guerra: 126. – ... President Hosni Mubarak of Egypt. In remarks broadcast on Monday night, he implored the United States not to undertake military action that might kill innocent civilians, divide Christians against Muslims and further inflame attitudes against American policy in the region. 137 ...o Presidente Hosni Mubarak do Egito. Nas suas considerações irradiadas na segunda- feira à noite, ele implorou aos Estados Unidos que não desempenhassem uma ação militar que pudesse matar civis inocentes, dividir Cristãos contra Muçulmanos e ainda excitar atitudes contra a política americana na região. 127. – “We’re walking out of our classes because it’s completely ridiculous that students in Iraq,..., will have to face the consequences of a unilateral war,” said Amanda Flott, a University of Kansas student....”138 “Estamos saindo das salas porque é completamente ridículo que estudantes no Iraque,..., terão que enfrentar as conseqüências de uma guerra unilateral, “disse Amanda Flott, uma estudante da Universidade de Kansas...” 128. – In Russia,... Sergei Karaganov, a political analyst, said in a recent interview that an American- led attack on Iraq “may lead to the disintegration of the international antiterrorist coalition and to instability in the region.”139 Na Russia,... Sergei Karaganov, um analista político, afirmou em entrevista recente que um ataque americano ao Iraque “pode levar a desintegração da coalizão internacional antiterrorista e instabilidade à região”. 136 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: The President; Bush Gives Hussein 48 Hours, and Vows to Act, 18/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 6). 137 NYT, Foreign Desk, A Nation Challenged: The Diplomacy; World Leaders List Conditions On Cooperation, 19/09/01 (Late Edition-Final, Section A, Page1, Column 2). 138 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: Dissent; Student Groups Plan Walkout To Protest War, 01/03/02 (Late Edition – Final, Section A, Page 10, Column 1). 139 NYT, Foreign Desk, As U.S. Pursues a Verbal War Agaisnt Iraq, Other Nations Raise Their Voices, 01/09/02 (Late Edition – Final, Section 1, Page 16, Column 1) 129. – The two Democratic leaders of Congress said today that it would be premature for the United States to initiate armed conflict with Iraq, with Senator Tom Daschle accusing President Bush of “rushing to war” without exhausting other remedies.140 Os dois líderes democráticos do Congresso disseram hoje que seria prematuro para os Estados Unidos iniciar um conflito armado contra o Iraque, com o Senador Tom Daschle acusando o Presidente Bush de “correr para a guerra” sem esgotar outros remédios. 130. – “Our situation has put us into a more isolated position than I ever anticipated,” said Mr. Daschle, who said the United States would face a “significant risk” if it moved against Iraq with only scattered international support.140 “Nossa situação nos colocou em uma posição muito mais isolada do que eu jamais pude prever”, declarou o Sr. Daschle, que disse que os Estados Unidos enfrentaria um “risco significativo” se invadissem o Iraque somente com um fraco apoio internacional. 131. – An editorial in the leading newspaper Babel, lashed out that at the United States and Britain for pushing for war while other nations were taking a more restrained approach. It said the two countries “insist on swimming against the current”141 Um editorial no jornal de liderança Babel atacou violentamente os Estados Unidos e a Grã-Bretanha por estarem incentivando uma guerra enquanto as outras nações estavam adotando um enfoque mais cauteloso. O jornal afirma que os dois países “insistem em nadar contra a corrente”. 132. – “We are all afraid because we expect we could be attacked at any minute,” said Raghad Majid, a 23- year-old art student. “They want to attack no matter what.”142 “Estamos todos com medo porque poderemos ser atacados a qualquer momento”, declarou Raghad Mijid, um estudante de arte de 23 anos. “Eles querem atacar não importa o quê”. 140 NYT, National Desk, Threats And Responses: Congress; Top Democrats Say a War Against Iraq Is Premature, 07/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 15, Column 6) 140 NYT, National Desk, Threats And Responses: Congress; Top Democrats Say a War Against Iraq Is Premature, 07/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 15, Column 6) 141 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: Disarmament; Baghdad Resumes Dismantling Arms, But Lists Demands , 09/03/03 (Late Edition – Final, Section 1, Page 1, Column 6) 142 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: Disarmament; Baghdad Resumes Dismantling Arms, But Lists Demands , 09/03/03 (Late Edition – Final, Section 1, Page 1, Column 6) 133. – “Canada said it would not allow its troops to take part in the absence of a new United Nations resolution.”143 O Canadá declarou que, na falta de uma nova resolução das Nações Unidas, não permitiria que suas tropas participassem..... 134. – “China’s new premier, Wen Jiabao, called Tuesday for “every effort” to avoid military conflict in Iraq...”144 O primeiro ministro da China, Wen Jiabao, pediu terça- feira “todos os esforços” para evitar um conflito militar no Iraque.... 135. – “Robin Cook,... who was leader of the House of Commons, resigned from Mr. Blair’s cabinet, saying was “wrong to embark on military action without broad international support.”145 Robin Cook,... que foi líder da Câmara dos Comuns, renunciou do gabinete do Sr. Bush dizendo que foi “errado investir em uma ação militar sem um amplo apoio internacional.” 136. – “The United Nations secretary general, Kofi Annan, emphasized the human consequences of war, saying the Iraqis were “heavily dependent on the food ratio which is handed out each month to every family in the country.”…146 O Secretário –Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, enfatizou as conseqüências humanas da guerra, afirmando que os Iraquianos eram “plenamente dependentes de alimentos que são entregues mensalmente para cada família no país”... 137. – “Diplomats... met here today, with the foreign ministers of France, Germany and Russia... arguing that the planned American –led invasion to disarm Iraq and oust Saddam Hussein had no basis in international law.”147 Diplomatas... encontraram-se aqui hoje, com os ministros das Relações Exteriores da França, Alemanha e Rússia... defendendo que a invasão planejada e liderada pelos 143 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: The President; Bush Gives Husssein 48 Hours, and Vows to Act, 18/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column6) 144 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: The President; Bush Gives Husssein 48 Hours, and Vows to Act, 18/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column6) 145 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: The President; Bush Gives Husssein 48 Hours, and Vows to Act, 18/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column6) 146 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: United Nations; Critics Say U.S. Lacks Legal Basis for Attack, 20/03/03 (Late Edition-Final, Section A, Page 19, Column 1) americanos para desarmar o Iraque e expulsar Saddam Hussein não tem base no direito internacional. Apesar desse clima desfavorável, os E.U.A e seus poucos aliados invadem o Iraque, literalizando, mais uma vez a guerra: 138. – “Prime Minister John Howard of Australia authorized troops from his country to fight alongside the American and British against Iraq”. 148 O Primeiro Ministro da Austrália John Howard autorizou tropas de seu país a lutar junto às tropas americanas e britânicas contra o Iraque. 139. – “… military officials said American Special Operations forces had deployed from their bases on secret missions into Iraq, signaling that the invasion was imminent”. 149 ..., funcionários militares disseram que as forças de Operações Especiais Americanas distribuíram tropas de suas bases em missões secretas ao Iraque, sinalizando que a invasão era iminente. A fragilidade do cenário “retaliação” é logo evidenciada. As armas não são encontradas, deixando claro a construção discursiva daquele enquadramento. Resta apenas o cenário “resgate”. Saddam Hussein é preso e a “democracia” supostamente estabelecida com as eleições de 2004. A vítima libertada pelo herói, entretanto, não legitima o resgate, mostrando em vários conflitos internos a vulnerabilidade da democracia imposta. Os cenários metafóricos justificaram a invasão, mas não foram suficientes para garantir ao herói a plena vitória. Não se pode dizer que houve qualquer resgate ou retaliação. 6.8 Outras metáforas no corpus Como pudemos observar na análise até aqui desenvolvida, o sistema metafórico do Conto de Fadas, com seus enquadramentos específicos, apoiados, em muitos casos, na metáfora NAÇÃO/ESTADO É PESSOA, parece subjazer aos discursos e justificativas em torno do 11 de setembro e seus desdobramentos bélicos. 147 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: United Nations; Critics Say U. S. Lacks Legal Basis for Attack, 20/03/03 (Late Edition- final, Section A, Page 19, Column 1) 148 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: The President; Bush Gives Hussein 48 Hours, and Vows to Act, 18/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 6) 149 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: The Troops; War Imminent as Hussein Rejects Ultimatum, 19/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 6) No que diz respeito, às conceptualizações metafóricas de guerra, outras metáforas parecem coexistir com a do Conto de Fadas, algumas vezes reforçando-a ou, pelo menos, estabelecendo tanto a coerência metafórica a que Lakoff e Johnson (1980/2002) se referem quanto a consistência ideológica do cenário (MUSOLFF, 2004) de guerra. A metáfora conceptual GUERRA É JOGO, por exemplo, foi evidenciada no corpus: 140 – “But Mr. Bush said that... to force countries to ‘show their cards’ on confronting Iraq... ”. (Fala do Presidente)150 “Mas o Sr. Bush disse que... forçar os países a mostrarem seus trunfos ao confrontarem o Iraque... ”. 141 – “Admiral Kelly said,..., “The game could begin at any time”.151 O Almirante Kelly disse,..., “O jogo poderia começar a qualquer momento”. A metáfora do jogo de cartas, no primeiro exemplo, evidencia elementos da cultura americana (jogos de azar), sendo amplamente marcada na linguagem cotidiana da língua inglesa (variação americana). No segundo caso, tornar a guerra um jogo esconde alguns elementos do domínio alvo (mortes, destruição), realçando o aspecto “competitivo” da guerra. O jogo, por sua vez, é tradicionalmente conceptualizado como guerra: na maior parte das vezes, há vitoriosos e derrotados e o objetivo da competição é, como na guerra, a vitória. Mas, a metáfora reversa, a guerra como um jogo, coloca, de uma certa forma, a nação como um time, unindo jogadores (forças militares) e torcida (a nação que assiste e torce) em um único desejo: a derrota do adversário. Outra metáfora que aparece no corpus é a da GUERRA É RELIGIÃO, evidenciada, em primeiro lugar, pela freqüente caracterização do inimigo (vilão) como evil, que remete ao maniqueísmo religioso entre “bem X mal”, sendo que o lugar do “bem” é reservado ao herói, no caso, os EUA: 142 – “We will stand together... those who have brought forth this evil deed....” (J. Dennis Has tert, Speaker of the House)152 150 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: The President; President Readies U.S. For Prospect Of Imminent War, 07/03/03 (Late edition – Final, Section A, Page 1, Column 6). 151 NYT, Foreign Desk, Threats And Responses: The Troops; War Imminent as Hussein Rejects Ultimatum, 19/03/03 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 6) 152 NYT, National Desk, A Day Of Terror: Verbatim; Bush Aides Speak Out On Attacks, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section 4, Page 4, Column 6). “Ficaremos juntos de pé... aqueles que trouxeram essa ação perversa, da maldade”. 143 – “Today our nation saw evil,...” (Fala do Presidente Bush ao se dirigir à nação na noite do atentado)153 “Hoje a nossa nação viu a maldade”. 144 – “The search is under way... who are behind these evil acts.” (Fala do Presidente Bush na noite do ataque)154 “A busca continua... aqueles que estão por trás destes atos perversos/do mal.” 145 – “President Bush,... and punish those responsible for the ‘evil, despicable acts of terror’ which he said, took thousands of American lives”.155 O Presidente Bush,... e punir aqueles responsáveis pelos “atos de terror perversos/do mal, o que ele disse ter levado milhares de vidas americanas.” 146 – “The British prime minister, Tony Blair, expressed disgust, saying: “This mass terrorism is the new evil in our world today”.156 O primeiro ministro britânico, Tony Blair, expressou revolta, dizendo: “este terrorismo em massa é o novo mal no nosso mundo hoje”. 147 – “This is a new kind of evil”, Mr. Bush said at the White House157 . “Isto é um novo tipo do mal”, o Sr. Bush disse na Casa Branca. 148 – “We will rid the world of the evil-doers,” Mr. Bush said,...”158 “Nós livraremos o mundo desses fazedores do mal”, disse o Sr. Bush,... 153 NYT, National Desk, A Day Of Terror; Bush’s Remarks to the Nation on the Terrorist Attacks, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 4, Column 1). 154 NYT, National Desk, A Day Of Terror; Bush’s Remarks to the Nation on the Terrorist Attacks, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 4, Column 1). 155 NYT, National Desk, U.S. Attacked; President Vows to Exact Punishment for “Evil”, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 1, Column 4). 156 NYT, National Desk, A Day Of Terror: The World’s Reaction; European Nations Stand With U.S., Ready to Respond, 12/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 23, Column 3). 157 NYT, National Desk, After The Attcks: The White House; Bush Warns of a Wrathful, Shadowy and Inventive War, 17/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 2, Column 1). 158 NYT, National Desk, After The Attcks: The White House; Bush Warns of a Wrathful, Shadowy and Inventive War, 17/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 2, Column 1). 149 – “This is a new kind of evil,” Mr. Bush said at the White House after a weekend war council...” (Fala do Presidente Bush) 159 “Este é um novo tipo de mal, disse o Presidente Bush na Casa Branca depois de um conselho de guerra no final de semana...” O uso da metáfora lingüística crusade160 pelo presidente Bush, logo após os ataques de 11/09, parece ressaltar uma possível natureza religiosa da retaliação que estava por vir: 150 – “President Bush and his senior advisers...it would be a war... that nations failing to join the crusade..., as Vice President Dick Cheney put it.” (Vice-Presidente, Dick Cheney) 161 “O Presidente Bush e seus mais altos conselheiros... seria uma guerra... que as nações que deixassem de unir-se à cruzada..., conforme colocou o Vice Presidente, Dick Cheney.” 151 – “Mr. Bush said at the White House... the American people are beginning to understand, this crusade,... .” (O presidente dos Estados Unidos disse na Casa Branca)162 “O senhor Bush disse na Casa Branca... o povo americano está começando a entender, esta cruzada,...”. Esta referência direta à guerra como cruzada foi criticada pelos assessores do presidente, que julgaram politicamente inadequado usar o mesmo conceito de “guerra santa” (e seu equivalente islâmico “jihad”), tão fortemente associado à motivação religiosa dos terroristas para os ataques: 159 NYT, National Desk, After The Attacks: The White House; Bush Warns of a Wrathful, Shadowy and Inventive War, 17/09/01 (Late Edition – Final, Section A, Page 2, Column 1). 160 É muito comum haver interpretações imprecisas sobre as Cruzadas. Elas são geralmente apresentadas como uma série de guerras santas contra o Islamismo comandadas por papas poderosos e loucos e lutadas por religiosos fanáticos. O que existe então de verdadeiro sobre as Cruzadas? Estudiosos ainda estão pesquisando o fato, mas alguma certeza já se aponta sobre elas. Para o Oriente, as Cruzadas foram inquestionavelmente guerras defensivas. Elas foram uma resposta direta à agressão muçulmana – uma tentativa de reconquistar ou defender as terras cristãs conquistadas por muçulmanos. Assim as Cruzadas surgiram. Elas foram a resposta de mais de quarto séculos de conquistas pelos muçulmanos de dois -terços do velho mundo cristão. Em dado momento, o Cristianismo, como uma fé e uma cultura, teve que se defender ou se submeter ao Islamismo. As Cruzadas desempenharam assim um papel de autodefesa (MADDEN, 2002: http://www.crisismagazine.com/april2002/cover.htm) 161 NYT, National Desk, After The Attacks: The White House; Bush Warns of a Wrathful, Shadowy and Inventive War, 17/09/01 (Late Edition – final, Section A, Page 2, Column 1) 162 NYT, National Desk, After the Attacks: The White House; Bush Warns of a Wrathful, Shadowy and Inventive War, 17/09/01 (Late Edition – final, Section A, Page 2, Column 1) 152 – “The signed statement attributed to Mr. bin Laden referred to a “new JewishChristian crusader campaign that is led by the chief crusader Bush under the banner of the cross.” It said, “we ask God to make us defeat the infidels and oppressors and to crush the new Jewish-Christian crusader campaign on the land of Pakistan and Afghanistan. ”163 O documento assinado e atribuído ao Sr. Bin Laden referiu-se a “uma nova campanha de uma cruzada judaica–cristã que é liderada pelo cruzador chefe, Bush, sob a bandeira da cruz.” Dizia o documento: “Pedimos a Deus que faça com que derrotemos os infiéis e opressores e que esmaguemos a nova campanha de uma cruzada judaica – cristã na terra do Paquistão e Afeganistão”. Isso explica o fato de o Presidente Bush não ter mais se referido a sua retaliação como “cruzada” (ROCHA, no prelo). Marcas de outras metáforas referentes à guerra podem ser encontradas no corpus, como PROTEÇÃO É ESCUDO: 153 – “... and the air force took additional measures to shield both cities, said Aleksander Drobyshevsky, an air force spokesman.”164 ... e a força aérea tomou mais medidas para proteger (escudar) ambas as cidades, disse Aleksander Drobyshevsky, um porta-voz da força aérea. 154 – “An hour after the first jetliner crashed into the WTC, the Pentagon’s top policy official, Douglas J. Feith, said the ballistic missile defense shield... could not prevent the kind of assaults that occurred in New York and Washington today.”165 Uma hora depois do primeiro jato atingiu o WTC, o funcionário graduado do Pentágono, Douglas J. Feith, disse que o escudo balístico de defesa contra mísseis... não pode prevenir o tipo de ataques que ocorreram em Nova Iorque e Washington hoje. 163 NYT, Foreign Desk, A Nation Challenged: The Neighbor; U.S. Officers Are Meeting In Islamabad On War Plans, 25/09/01 (Late Edition – Final, Section B, Page 1, Column1) 164 NYT, National Desk, A Day Of Terror: The Threat; Bush Aides Say Attacks Don’t Recast Shield Debate, 12/09/01 (Late Edition-Final, Section A, Page 24, Column 4). 165 NYT, National Desk, A Day Of Terror: The Threat; Bush Aides Say Attacks Don’t Recast Shield Debate, 12/09/01 (Late Edition-Final, Section A, Page 24, Column 4). No entanto, apesar de evidenciar a nítida tendência, da metáfora, de mapear cognitivamente um domínio alvo, mais vago e abstrato, a partir de um domínio fonte mais concreto (LAKOFF e JOHNSON, 1980/2002), essas metáforas não parecem ser relevantes para a nossa análise crítica da metáfora. Esses tropos não parecem fazer parte de uma estrutura ideológica que sustenta os enquadramentos aqui enfocados que, como a análise aqui desenvolvida parece ter evidenciado, estruturam, em grande parte, o discurso do Presidente Bush e de seus colaboradores, discurso esse que ajudou a promover a justificativa das ofensivas militares após os acontecimentos de 11 de setembro. 7. CONCLUSÃO Esta pesquisa teve como proposta entender o papel e o funcionamento das metáforas conceptuais que, de acordo com a nossa hipótese de trabalho, subjazem ao discurso político do Presidente Bush e de seus colaboradores em torno dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 e de seus desdobramentos bélicos: ou seja, as guerras do Afeganistão e do Iraque. Para isso, uma análise de um corpus com trechos desse discurso, retirados de artigos publicados no jornal The New York Times publicados durante o período enfocado, foi desenvolvida. A análise foi apresentada, no capítulo anterior, e muitas observações e conclusões resultantes desta análise foram ali mesmo descritas. No entanto, algumas dessas conclusões merecem tratamento mais sistemático para que possamos tentar compreender o fenômeno analisado a partir de uma perspectiva geral coerente. Sendo assim, volto às minhas três perguntas de pesquisa para verificar de que forma a análise forneceu subsídios para esclarecêlas: 1- Que metáforas de guerra podem ser identificadas nos artigos do The New York Times que tratam do conceito de guerra relacionados aos acontecimentos de 11 de setembro de 2001? 2- Se a metáfora conceptual é um aspecto inescapável do pensamento humano, quais são as possíveis interpretações e implicações dessas metáforas? Como que o discurso a partir de 11 de setembro, passando pelas situações do Afeganistão e Iraque se modificaram durante aquele período? 3- Considerando o fato de que guerra está intrinsecamente relacionada à política internacional, existem evidências de outras metáforas conceptuais que podem interagir com a metáfora dominante O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA? Em relação ao enquadramento metafórico dos acontecimentos de 11 de setembro de 2001, um continuum de conceptualizações pôde ser observado. O choque inicial gerou o que identificamos como um “vazio semântico” diante do horror e do ineditismo da situação histórica. Dar sentido discursivo àquele fato parecia, de início, ser tão difícil quanto expressar os sentimentos diante do acontecimento. No entanto, esse vazio não podia durar muito: era necessário significar para poder agir. Os dados mostraram dois cenários que foram sendo cognitiva e lingüisticamente construídos: o cenário do crime e o cená rio da guerra, ambos marcados lingüisticamente. O primeiro cenário, que enquadrava os ataques como crime e, conseqüentemente, os terroristas como criminosos (assassinos), impossibilitava uma ação efetiva e politicamente energética por parte do governo Bush. Assim, em pouco tempo, os acontecimentos de 11/09 passaram a ser conceptualizados e explicitamente referidos como um “ato de guerra”. A metáfora central “O ACONTECIMENTO X É UM ATO DE GUERRA” foi, assim, determinante para todo o cenário de guerra (cognit ivo e factual) que se consolidou daí adiante. Um ato de guerra cria um estado de guerra: “We are at war”, declarou o presidente. A justificativa para a ofensiva militar, tanto no Afeganistão quanto no Iraque, se deu através do sistema metafórico “Conto de Fadas”, que, como pôde ser observado nos dados, mostrou-se como o enquadramento conceptual mais central nesse processo. No primeiro caso, foi necessário mapear os elementos básicos do Conto de Fadas: o ato criminoso, o vilão (os Talibãs, assim enquadrados, metonimicamente, por, supostamente, abrigarem bin Laden e darem apoio logístico à organização Al Qaeda), a vítima (os E.U.A) e o herói (os E.U.A.). Esse subcenário de retaliação deu lugar ao subcenário resgate, em que o lugar da vítima é ocupado pelo próprio povo Afegão, oprimido pelo vilão: os Talibãs. A análise mostrou também como um cenário semelhante enquadrou cognitiva e lingüisticamente a justificativa para a guerra do Iraque. Com a introdução do elemento “armas de destruição em massa” (ADM) o cenário do Conto de Fadas se estabelece, apoiado em dois subcenários. O primeiro seria o de retaliação, em que a vítima em potencial seriam os países vizinhos e, em última análise, os países ocidentais, e o ato criminoso um possível ataque com as ADMs e/ou a recusa de entregá-las, se é que existiam. O segundo seria o do resgate, em que a vítima seria o povo iraquiano e o ato criminoso a tirania do ditador sobre seu povo. Em ambos subcenários, o vilão e o herói seriam os mesmos: Saddam Hussein e os E.U.A e seus aliados, respectivamente. Em ambos os cenários, a metáfora NAÇÃO É PESSOA aparece marcada lingüisticamente com freqüência, mostrando ser central na construção de um enquadramento conceptual de guerra. Esta metáfora, muito usada no cenário Conto de Fadas, enquadra, principalmente, os EUA como pessoa/vítima, pessoa/herói e seus aliados como pessoas amigas. Essa metáfora, como argumenta Lakoff, (1991) ressalta o esforço para que o povo, metonimicamente marcado como nação, se veja como uma unidade, escondendo assim a complexa estrutura social interna desse mesmo país. O autor afirma que, em momentos de guerra, esconder essa complexidade, da qual fariam parte elementos como “composição étnica, rivalidade religiosa, partidos políticos, meio-ambiente, e a influência do militarismo e empresas multinacionais” (1991: 3), ajuda a promover a unidade almejada pelos líderes. Sob a perspectiva dessa metáfora, guerra torna-se uma “luta entre duas pessoas, uma forma de combate mão-a- mão” (ibid.), cenário que esvazia os embates internos e aciona os antagonismos intersubjetivos que as pessoas experienciam no seu dia a dia. Esse tipo de luta, cognitivamente mais próxima das experiências dos indivíduos, faz parte também de uma metáfora marcada lingüisticamente no corpus, a metáfora GUERRA É JOGO, que tem efeito similares. Já a metáfora GUERRA É RELIGIÃO foi inicialmente evocada quando o Presidente BUSH se referiu a uma “cruzada” contra o inimigo; no entanto, a caracterização deste inimigo como “evil”, amplamente utilizada, reafirma a condição de “virtude” do herói, criando assim uma coerência com o cenário do Conto de Fadas. Outras metáforas conceptuais referentes à guerra foram identificadas, porém não analisadas, por não termos considerado-as relevantes dentro dos cenários que abrigaram a ideologia subjacente ao discurso que promoveu a guerra. Em relação aos objetivos propostos para este estudo, a análise também ofereceu subsídios para explorá- los: Objetivo 1: Verificar como a metáfora conceptual dominante O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA foi evidenciada nas falas do Presidente G.W. Bush e de seus colaboradores nos artigos do jornal diário americano The New York Times para convencer a sociedade americana e o mundo de que as guerras do Afeganistão e Iraque fizeram parte daquela “guerra”. A análise dos dados indicou um re-enquadramento conceptual, lingüisticamente marcado, dos acontecimentos de 11/09: de crime para um ato de guerra. Essa conceptualização desencadeou um cenário mais amplo: um “estado de guerra” que, por sua vez, legitimou a possibilidade de uma ofensiva militar, também justificada pelo sistema metafórico “Conto de Fadas”. A metáfora O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA, assim, ao promover, através do discurso, a conceptualização dos acontecimentos de 11/09 como um ato de guerra, mostrou-se determinante para a série de enquadramentos subseqüentes, também no cenário de guerra, que motivaram e justificaram outros atos de guerra. A hipótese que surge como conseqüência deste estudo é a de que esta me táfora licencia vários enquadramentos de eventos específicos como “guerra” para criar na comunidade um sentimento de unidade (como o de patriotismo que normalmente acompanha uma guerra) para que uma determinada (re) ação possa ser justificada e “abraçada” pela mesma comunidade. Um exemplo ilustrativo, não desenvolvido neste estudo, é a campanha discursivamente promovida como “guerra ao mosquito da dengue”, lançada, recentemente, no Estado do Rio de Janeiro: o inimigo, o mosquito da dengue, ameaça à nação como um inimigo. Dessa forma, há de se mobilizar a população para adotar “estratégias de guerra” e se defender e atacar (combater) tal inimigo. Objetivo 2: Revelar ideologias, atitudes e crenças que subjazem ao corpus e, conseqüentemente, aprofundar o entendimento da relação entre linguagem, pensamento e contexto social. Isto é, explorar e entender a dimensão ideológica das metáforas conceptuais através da análise qualitativa. Ao propor, por meio da análise aqui desenvolvida, enquadramentos metafóricos (metáforas conceptuais, sistemas metafóricos e cenários) que subjazem às falas que constituíram o corpus da pesquisa, entendo que, ao mesmo tempo, pretendo revelar as ideologias que motivam esses enquadramentos e os discursos dele provenientes. Como já foi falado aqui, em vários momentos, a cognição não é autônoma em relação ao contexto cultural e político; afinal, o social e o cognitivo mantêm uma relação de interdependência (TURNER, 2002) que é evidenciada no discurso. No que diz respeito, ao discurso político propriamente dito, a questão ideológica parece se revelar mais nitidamente; afinal, como vimos anteriormente neste estudo, a política, em sociedades democráticas, se faz, essencialmente, pelo uso da linguagem, já que o seu uso tem claros efeitos na ação política: “o poder é expresso pela palavra falada ou escrita e não pelo chicote, corrente ou revólver” (CHARTERIS - BLACK, 2005:xi). Enquadramentos cognitivos são marcados discursivamente, caracterizando o nível micro da política, ou seja a persuasão, argumentos racionais e manipulação (JONES,1994). Assim, caracterizar o evento de 11/09 como um ato de guerra, tratar a nação como uma pessoa e justificar, cognitiva e lingüisticamente as ofensivas militares a partir do cenário do Conto de Fadas têm uma motivação ideológica e efeitos políticos nítidos. Isso se dá pela razão exposta no capítulo 3, que vale aqui repetir: as metáforas se fazem presentes nos discursos políticos por omitirem importantes aspectos do que é real, persuadirem por meios pacíficos e refletirem um sistema compartilhado de crenças sobre o mundo e sobre o lugar da humanidade nesse mundo (CHATERIS-BLACK, 2005: xii:20). Por isso, é essencial que saibamos que realidades elas estão omitindo e quais estão ressaltando. No entanto, as metáforas aqui enfocadas não são apenas fruto de uma ideologia originada no pensamento de determinados grupos políticos e usadas, retoricamente, em discursos isolados. Como vimos anteriormente (capítulo dois), as metáforas não refletem a operação de estruturas mentais ou estratégias discursivas individuais, mas, principalmente, são motivadas por diferentes modelos culturais. Esses modelos culturais podem ser definidos como “esquemas culturais subjetivamente compartilhados que funcionam no intuito de interpretar experiênc ias e guiar ações em vários domínios, incluindo eventos, instituições, e objetos mentais e físicos” (GIBBS, 1999:153). Ou seja, modelos culturais podem ser entendidos como uma representação da visão de mundo de uma sociedade/cultura no que tange à suas crenças, atos, maneira de falar sobre o mundo e suas próprias experiências. Nessa perspectiva, as metáforas de guerra refletem também modelos culturais. Lakoff e Johnson, por exemplo, acreditam que ao usarmos expressões como “atacar uma posição”, “nova linha de ataque”, “vencer”, “ganhar terreno”, etc., estamos sistematizando a linguagem usada para falar do conceito de guerra e que, no mundo ocidental, tais expressões fazem parte do ato de discutir (LAKOFF ; JONHSON, 1980/2002: 07; KÖVECSES, 2002:74-75). Assim, a inseparabilidade da mente, do corpo, da ideologia e de modelos culturais implica uma visão de metáfora em que esta emerge da interação entre todos esses fatores. No caso da análise das metáforas de guerra aqui desenvolvida, ressaltei as dimensões cognitiva e política já que o foco do estudo, por adotarmos uma perspectiva crítica, foi mais direcionado para a instância ideológica da metáfora . Gostaria de tecer algumas considerações finais no que diz respeito à metodologia da pesquisa e algumas possíveis limitações dela decorrente. No decorrer da análise, a abordagem mais convencional de identificação da metáfora, na perspectiva cognitiva, não se mostrou suficiente para relevar as macro-estruturas que surgiram como elementos (unidades de análise) relevantes: os cenários (MUSOLFF, 2004) e sistemas metafóricos (LAKOFF,1991). Em uma análise mais tradicional, a identificação de metáforas conceptuais implica a seleção de marcas lingüísticas por elas licenciadas. Isso aconteceu ao tratarmos das metáforas NAÇÃO É UMA PESSOA, GUERRA É RELIGIÃO, GUERRA É JOGO e na metáfora central O ACONTECIMENTO/EVENTO “X” É UM ATO DE GUERRA, uma vez que havia muitas expressões lingüísticas que as marcavam. No entanto, o sistema metafórico CONTO DE FADAS, com os subcenários resgate e retaliação, foi identificado não por marcas isoladas, mas pela identificação dos elementos que os estruturam (herói, vilão, etc.), que não eram necessariamente expressões lingüísticas metafóricas. Isso pode ser visto como uma limitação empírica, pois o cenário é construído, em última análise, por uma interpretação do analista. Apesar de correr este risco, acredito que esta proposta, também adotada em Lakoff (1991), possa dar conta de aspectos cognitivos importantes que estruturam o discurso em um caráter mais amplo. Buscar revelar esses aspectos não é tarefa fácil, no entanto, a partir do momento que a metáfora adquiriu um estatuto de figura de pensamento (e um pensamento sociocultural e ideologicamente inserido) e não só de linguagem, a tarefa do pesquisador tornou-se, empiricamente, mais complexa, mas, ao meu ver, bem mais instigante. Acredito, assim, que este estudo tenha contribuído para a pesquisa na área da metáfora em geral e, mais especificamente, para a compreensão do papel da metáfora no discurso, entendendo discurso aqui como a instância onde a cognição, a cultura e a ideologia se manifestam lingüisticamente. O território à frente ainda é bastante vasto, denso e de difícil acesso: mas como viajante (A VIDA É UMA VIAGEM) espero que desenvolvamos instrumentos cada vez mais eficazes para explorá-lo. 8. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA AITCHISON, J. Words in the mind: an introduction to the mental lexicon. 2ed, Oxford, UK, Cambridge, USA: Blackwell, 1994. ANDRESKI, S. 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