781 PRODUÇÃO IN VITRO DE EMBRIÕES EM PEQUENOS

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PRODUÇÃO IN VITRO DE EMBRIÕES EM PEQUENOS RUMINANTES EXPLORADOS
NO NORDESTE DO BRASIL
Vicente José de Figueirêdo Freitas, Maria Luciana Lira de Andrade,
João Batista Cajazeiras & Juliana Vieira Luz
Laboratório de Fisiologia e Controle da Reprodução, Universidade Estadual do Ceará
Autor para correspondência: V.J.F. Freitas ([email protected]; www.lfcr.uece.br; Fax: 85 31019840)
RESUMO
Este artigo revisa as bases técnicas da produção in vitro de embriões em pequenos
ruminantes com atenção especial dada às condições encontradas no Nordeste do Brasil. A colheita
laparoscópica de oócitos em animais vivos e hormonalmente tratados indica um futuro promissor
para aplicação desta técnica em programas de melhoramento genético. Esforços futuros devem ser
realizados tanto para melhorar a maturação de oócitos como padronizar a etapa de capacitação
espermática.
Descritores: embrião, produção in vitro, caprino, ovino.
Running-title: Produção in vitro de embriões em pequenos ruminantes
I. INTRODUÇÃO
Várias conquistas foram realizadas nos últimos anos nas biotecnologias reprodutivas de
animais domésticos. Os pequenos ruminantes apresentam-se como um bom modelo para o
desenvolvimento destas tecnologias e, consequentemente, não é surpreendente que o primeiro
animal clonado por transferência nuclear de célula somática, entre as espécies domésticas, foi um
ovino.
Na indústria da reprodução de bovinos, a produção total de embriões pelo uso da colheita de
oócitos em animais vivos seguida da produção in vitro (PIV) pode ser estimada como sendo mais
eficiente que a superovulação em termos de produção de embriões congeláveis por vaca e por ano
(Merton et al., 2003). Assim, desde o nascimento de cordeiros e cabritos há 20 anos atrás (Crozet et
al., 1987), avanços recentes no conhecimento da maturação oocitária e pesquisa sobre diferentes
condições de cultivo têm levado a progressos substanciais nos sistemas de PIV (Thompson, 2000;
Cognié et al., 2004) em pequenos ruminantes.
Os métodos de PIV envolvem quatro etapas: (a) a colheita de oócitos primários de folículos
antrais; (b) a maturação in vitro (MIV) destes oócitos; (c) a fecundação in vitro (FIV) de oócitos
maturados e (d) o cultivo in vitro (CIV) dos embriões produzidos.
Esta revisão objetiva realizar uma visão geral do estado da arte da PIV de embriões em
pequenos ruminantes com ênfase nos resultados obtidos por nosso grupo trabalhando com animais
e condições encontradas no Nordeste do Brasil.
II. COLHEITA DE OÓCITOS
A colheita de oócitos de boa qualidade é a primeira etapa da prática de PIV. Em pequenos
ruminantes os métodos utilizados são: (a) slicing dos ovários ou aspiração de folículos ovarianos
pós-abate (Samake et al., 2000); (b) ovum pick-up guiada por ultra-sonografia transvaginal (Graff
et al., 1999); (c) ovum pick-up guiada por laparoscopia (LOPU) (Baldassarre et al., 2002). O
primeiro método é útil em propósitos de pesquisa, mas não pode ser aceito para uso comercial,
enquanto a abordagem por ultra-sonografia transvaginal apresenta uma baixa taxa de colheita (4,3
oócitos/doadora). A colheita de oócitos em animais vivos, realizada por LOPU, é realizada em
ovinos e caprinos (Baldassarre et al., 1996; Baldassarre et al., 2002) com uma taxa de colheita
oocitária de aproximadamente 16 oócitos/doadora.
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Em nosso laboratório, a maior dificuldade tem sido a baixa qualidade dos ovários colhidos
em abatedouro. A maior parte destes ovários é pequena e oriunda de animais em más condições
sanitárias e nutricionais.
A colheita oocitária após LOPU em fêmeas hormonalmente tratadas fornece um bom
número de oócitos/doadora/sessão. Nosso grupo tratou cabras sem raça definida com uma
impregnação de progestágeno por 11 dias associada com tratamento de dose única de FSH-eCG ou
com múltiplas injeções de FSH em doses decrescentes. O número médio (± DP) de folículos
puncionáveis foi superior em cabras tratadas com múltiplas injeções de FSH do que naquelas que
receberam o protocolo dose única: 12,5 ± 1,5 vs 9,5 ± 6,5; respectivamente. Todavia, não foram
observadas diferenças na taxa de colheita (Magalhães et al., 2006).
Fora o tratamento gonadotrófico, o intervalo entre a estimulação ovariana e a aspiração
folicular é importante e parece ótima quando os folículos são aspirados 36-48 h após a injeção de
gonadotrofina. Finalmente, para manter a aderência entre as células do cumulus e os oócitos de
ovinos e caprinos, nós rotineiramente utilizamos agulhas 20-G adaptadas a tubulação de silicone e
uma aspiração de 15 mL/minuto.
III. MATURAÇÃO IN VITRO DOS OÓCITOS
A aquisição da competência ao desenvolvimento pelos oócitos ocorre continuamente
durante a folículogênese e a influência do tamanho e atresia folicular foi revisada por Mermillod et
al. (1999).
Para o sucesso da MIV, os oócitos devem se submeter à maturação nuclear e citoplasmática
in vitro. Oócitos de caprinos e ovinos são geralmente maturados em TCM-199 tamponado e
suplementado com piruvato, soro tratado pelo calor e hormônios (FSH, LH, estradiol) (Baldassarre
et al., 1996). Taxas elevadas de maturação (80% atingindo a metáfase II) foram obtidas com
oócitos pré-selecionados em condições específicas (Galli & Moor, 1991). Em nosso laboratório, o
meio de maturação é composto de TCM-199 suplementado com cisteamina, fator de crescimento
epidermal e gentamicina. Os oócitos são maturados pela incubação neste meio a 38,5oC em
atmosfera umidificada a 5% de CO2. Nestas condições, uma taxa de maturação nuclear de 33,3% e
48,9% foi obtida para oócitos ovinos e caprinos, respectivamente.
Melhorias posteriores no meio de maturação podem resultar em melhores taxas de formação
de blastocisto após FIV para alcançar as taxas obtidas com oócitos ovulados e de blastocistos
apresentando um grau fisiológico de aberrações cromossômicas (Dieleman et al., 2002).
IV. FECUNDAÇÃO IN VITRO
A maioria de estudos utiliza o sêmen fresco e poucos experimentos com FIV são realizados
com sêmen congelado-descongelado. Em nosso laboratório, após o tempo de maturação, as células
do cumulus são gentilmente removidas por pipetagem e os oócitos são lavados em meio FIV. Os
oócitos são então colocados em placas de quatro poços contento fluido sintético de oviduto (SOF) e
soro de cabra em estro. Espermatozóides móveis são obtidos por centrifugação do sêmen em um
gradiente de Percoll (45%/90%) por 30 minutos a 900g. Os espermatozóides viáveis são incubados
por 10 minutos em meio suplementado com soro de cabra em estro inativado pelo calor para
capacitação. Este fenômeno leva à reação acrossômica causando a liberação de enzimas
proteolíticas que podem ajudar na penetração do espermatozóide no oócito. Qualquer substância
que cause a entrada de Ca++ dentro do acrossoma espermático e um aumento do pH habilita à
capacitação. A heparina pode ser adicionada ao meio para estimular a capacitação e pode também
melhorar a penetração no oócito pelo espermatozóide. Os oócitos e espermatozóides capacitados
são colocados a 38,5oC em atmosfera umidificada de 5% de CO2 por 18 horas.
V. CULTIVO IN VITRO DOS EMBRIÕES
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Embriões iniciais de pequenos ruminantes cultivados in vitro não desenvolvem após o
estádio de oito a 16 células em meios de cultivo tradicionais. Este bloqueio ocorre por volta do
momento de ativação do genoma embrionário (Pviko et al., 1995).
Três sistemas de cultivo são rotineiramente usados para PIV de pequenos ruminantes: (a)
co-cultivo com células somáticas; (b) condições semi-definidas em meio desenvolvido para as
necessidades dos embriões ou (c) desenvolvimento in vivo no oviduto. A comparação entre cocultivo e meio semi-definido demonstrou que o tratamento de cultivo não influencia a taxa de
desenvolvimento de oócitos ovinos (Holm et al., 1994) ou caprinos (Izquierdo et al., 2002).
Todavia, se os sistemas de cultivo não afetam significativamente a produção de blastocistos em
pequenos ruminantes, o ambiente do oviduto melhora significativamente a qualidade geral dos
blastocistos (Tervit et al., 1994).
Em nosso laboratório, nós utilizamos rotineiramente a sistema semi-definido para cultivo de
embriões com meio SOF suplementado com albumina sérica bovina (BSA) a 38,5oC em atmosfera
umidificada em 5%O2, 5%CO2 e 90%N2 por 5 dias.
Progressos recentes no conhecimento das necessidades do embrião em desenvolvimento
resultaram na criação de meios nos quais os componentes mudam de acordo com as necessidades
do embrião. Todavia, as diferenças entre os embriões produzidos in vivo e in vitro mostram que os
procedimentos in vitro ainda necessitam de melhorias (Tabela 1).
Tabela 1. Fertilidade ao parto e taxa de sobrevivência embrionária após transferência de embriões
caprinos frescos produzidos in vitro ou in vivo.
Método
Receptoras
Embriões
Fertilidade
Cabritos nascidos/emrbiões
transferidos
%
n
%
n
In vitro
18
36
61a
11
47a
17
In vivo
19
38
89b
17
71b
27
Valores na mesma coluna com diferentes sobrescritos diferem significativamente (P < 0,05)
Fonte: Cognié et al. (2003)
Embriões produzidos in vitro mostram uma reduzida habilidade à criopreservação e
sobrevivência após descongelação. Todavia, resultados encorajadores já foram relatados em termos
de taxa de sobrevivência após transferência de embriões ovinos (Dattena et al., 2004) e caprinos
(Traldi et al., 1999) vitrificados.
Recentemente, Cox & Alfaro (2007) testaram os procedimentos normalmente usados em
bovinos para a PIV de embriões caprinos e ovinos baseada em oócitos obtidos por LOPU. Os
autores relataram resultados comparáveis àqueles obtidos em bovinos, sugerindo que as
necessidades sejam similares para produção e desenvolvimento embrionário.
VI. CONCLUSÕES
Olhar em uma bola de cristal e predizer o futuro desenvolvimento da PIV de pequenos
ruminantes criados no Nordeste do Brasil, bem como sua aplicação comercial, não é uma atividade
muito fácil. Todavia, podemos certamente predizer que os procedimentos de colheita de oócitos em
animais vivos e melhorias nos processo de maturação e capacitação espermática continuarão a se
desenvolver e terão impactos mais importantes nos próximos anos.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) e a Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(FUNCAP) pelo apoio financeiro.
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