Lei aqui o procedimento.

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Pt. MP n° /20
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE ACOMPANHAMENTO
PORTARIA DE INSTAURAÇÃO
Assistência Social – pessoas em situação de rua – alteração do
Decreto Municipal nº 57.069/2016 pelo Decreto Municipal nº
57.581/2017 - situação de vulnerabilidade – garantia de direitos
humanos e direitos sociais em contexto de zeladoria urbana.
01.
Em junho de 2016 foi assinado o Decreto Municipal nº
57.069/2016, que dispõe sobre os procedimentos e o tratamento à população em situação
de rua durante a realização de ações de zeladoria urbana.
No dia 20 de janeiro último, após a troca da gestão municipal,
foi promulgado o Decreto Municipal n. 57.581/2017, que alterou o anterior, provocando
mudanças no trato dos agentes públicos da municipalidade com a população em situação de
rua na cidade.
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02.
A Assistência Social foi delineada no Brasil à luz de
marcos histórico-normativos que se iniciaram com a promulgação da Constituição Federal de
1.988, diploma que a alçou ao patamar de Política Nacional.
Em 1.993, foi promulgada a Lei Federal n. 8.742, Lei Orgânica
da Assistência Social – LOAS, que regulamentou os artigos 203 e 204 da Constituição da
República e reconheceu a Assistência Social como política pública, direito do cidadão e dever
do Estado.
De acordo com esta legislação, o poder público municipal
passou a ter a incumbência de manter serviços e programas de atenção à população de rua,
garantindo padrões básicos de dignidade e não-violência na concretização de mínimos
sociais e dos direitos de cidadania a esse segmento social.
No ano de 2004 foi instituída a Política Nacional da Assistência
Social, aprovada pela Resolução n. 145 do Conselho Nacional de Assistência Social, com o
objetivo de efetivar uma política de Estado, permanente e definida em lei, como um pilar do
Sistema de Proteção Social Brasileiro no âmbito da Seguridade Social.
No ano seguinte, instituiu-se o Sistema Único de Assistência
Social – SUAS e, em 2009, promulgou-se o Decreto Presidencial n. 7.053, que instituiu uma
Política Nacional para o Atendimento à População em Situação de Rua, bem como a
Resolução n. 109 do Conselho Nacional de Assistência Social, que aprovou a Tipificação
Nacional de Serviços Socioassistenciais.
No âmbito do município de São Paulo, cumpre mencionar a Lei
n. 12.316/97, a qual dispõe sobre a obrigatoriedade do poder público municipal de prestar
atendimento digno à população de rua na cidade.
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03.
A atuação da Promotoria de Justiça de Direitos
Humanos com atribuição em inclusão social está vinculada à garantia de efetivo respeito dos
Poderes Públicos e serviços de relevância pública aos direitos assegurados nas Constituições
Federal e Estadual, devendo atuar sob a ótica de defesa dos interesses difusos, coletivos ou
individuais homogêneos ou indisponíveis. É a conclusão que se depreende da leitura
conjugada e harmônica dos artigos 127 caput e 129, inciso II, ambos da Constituição Federal,
bem como do artigo 295, inciso XIV, da Lei Complementar nº 734/93, Lei Orgânica do
Ministério Público do Estado de São Paulo, com a redação que lhe deu a Lei Complementar
nº 1083/08.
No mesmo sentido acha-se a regulamentação interna do
Ministério Público, em especial o artigo 2º, inciso III, e o artigo 3º, inciso IV, alínea ‘a’, do Ato
Normativo nº 593/2009 – PGJ, assim como o artigo 2º do Ato Normativo PGJ-CPJ-CGMP nº
934/2015.
Ademais, dispõe o artigo 31 da Lei nº 8.742/93 (Lei Orgânica da
Assistência Social), que “cabe ao Ministério Público zelar pelo efetivo respeito aos direitos
estabelecidos nesta lei”.
Pois bem. Espera-se do Poder Público que assegure os direitos
fundamentais de segurança e inviolabilidade pessoal à população vulnerável em situação de
rua do município de São Paulo, observadas, ademais, as peculiaridades dos usuários,
conforme sua condição pessoal, familiar, de pessoa com deficiência, refugiado ou de
identidade de gênero.
E, como visto, cabe ao Ministério Público fiscalizar o
cumprimento das normais constitucionais e legais aplicáveis e, constatando eventuais
irregularidades, instar o Poder Público à adoção das providências necessárias para saná-las
e, ao mesmo tempo, acompanhar sua efetiva implantação.
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04.
Considerando que a situação das pessoas em situação
de rua é urgente e calamitosa, por conta de seus direitos fundamentais e sociais violados,
atingindo a dignidade e a integridade dessas pessoas;
Considerando que a República Federativa do Brasil possui
como seus objetivos: construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF), erradicar
a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, CF) e
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação (art. 3º, IV, CF);
Considerando que a Constituição Federal, em seu artigo 204,
inciso I, dispõe que a coordenação e a execução dos programas da Assistência Social serão
realizadas pela esfera municipal, em conjunto com a esfera estadual;
Considerando que a Constituição da República impõe a
participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das
políticas e no controle das ações de Assistência Social, em todos os níveis, nos termos de seu
artigo 204, inciso II;
Considerando que a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS
prevê, como um dos objetivos da Assistência Social, previsto em seu artigo 2º, inciso I, a
proteção social, que visa à garantia da vida, à redução de danos e à prevenção da incidência
de riscos e, em seu inciso III, a defesa de direitos, que visa garantir o pleno acesso aos
direitos no conjunto das provisões socioassistenciais;
Considerando que a Assistência Social rege-se, dentre outros,
pelo princípio do respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a
benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária,
vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade, de acordo com o inciso III do
artigo 4º da LOAS;
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Considerando que a Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS
prevê, em seu artigo 4º, inciso I, o princípio da supremacia do atendimento às necessidades
sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica;
Considerando que uma das diretrizes da Assistência Social,
prevista no artigo 5º, inciso II, da LOAS, é a participação da população, por meio de
organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos
os níveis;
Considerando que a Política Nacional para a População em
Situação de Rua prevê, como seus princípios, além da igualdade e da equidade, o respeito à
dignidade da pessoa humana, a valorização e respeito à vida e à cidadania e o atendimento
humanizado e universalizado, previstos, respectivamente, nos incisos I, III e IV do Decreto
Presidencial n. 7.053/09;
Considerando que é diretriz da Política Nacional para a
População em Situação de Rua, conforme o artigo 6º, inciso I, do Decreto Presidencial n.
7.053/09, a promoção dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e
ambientais;
Considerando que é diretriz da Política Nacional para a
População em Situação de Rua, nos termos do artigo 6º, incisos VI e VII, do Decreto
Presidencial n. 7.053/09, a participação da sociedade civil e da própria população em
situação de rua na elaboração, desenvolvimento, monitoramento e acompanhamento das
políticas públicas neste seara;
Considerando, especialmente, que é diretriz da Política
Nacional para a População em Situação de Rua, conforme o artigo 6º, inciso X, do Decreto
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Presidencial n. 7.053/09, a democratização do acesso e fruição dos espaços e serviços
públicos.
Considerando que o serviço especializado em abordagem
social, previsto na Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, busca a solução de
necessidades imediatas e a promoção da inserção na rede de serviços socioassistenciais e
das demais políticas públicas na perspectiva da garantia dos direitos.
Considerando que a Lei municipal n. 12.316 dispõe, entre seus
princípios, o respeito e a garantia à dignidade de todo e qualquer ser humano; o direito da
pessoa a ter um espaço para se localizar e referir na cidade, para ter um mínimo de
privacidade como condição inerente à sua sobrevivência, existência e cidadania; e a garantia
da supressão de todo e qualquer ato violento e de comprovação vexatória de necessidade,
nos termos, respectivamente, dos seus incisos I, II e III;
Considerando que todas essas disposições se encontram em
consonância com o princípio basilar do ordenamento jurídico brasileiro, qual seja a
dignidade da pessoa humana, previsto como fundamento da República no inciso III do artigo
1º da Constituição Federal;
05.
A Promotoria de Justiça de Direitos Humanos da Capital,
Área de Inclusão Social, instaura o presente Procedimento Administrativo de
Acompanhamento destinado a instrumentalizar o acompanhamento da prestação do
serviço socioassistencial às pessoas em situação de rua em contexto de zeladoria urbana, em
face do novo Decreto Municipal n. 57.581/2017, fazendo-o com base no artigo 4º, inciso II,
do Ato PGJ-CPJ-CGMP nº 934/2015.
E assim o faz porque é dever do Ministério Público, por meio
desta Promotoria de Justiça de Direitos Humanos, “instaurar inquérito civil ou procedimento
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preparatório, requisitar informações, exames, laudos, perícias e documentos de autoridades
municipais, estaduais e federais, da administração direta e indireta e de fundações e
associações, bem como promover ou requisitar diligências investigatórias” (artigo 2º, inciso
II, do Ato Normativo nº 593/2009 – PGJ).
06.
Pedimos à secretaria que promova o registro deste
procedimento no SIS-MP, garantindo sua publicidade por meio eletrônico no portal do sítio
do Ministério Público do Estado de São Paulo, nos termos dos artigos 5º, § 1º e artigo 8º,
ambos do Ato Normativo PGJ-CPJ-CGMP nº 934/2015.
Para instrução preliminar, pedimos à secretaria que promova a
juntada aos novos autos, dentre outros que se afigurarem pertinentes, dos seguintes
documentos:

Texto do Decreto Municipal n. 57.069/16;

Texto do Decreto Municipal n. 57.581/17.
Ademais, peço à serventia que envie ofício à Secretaria
Municipal de Assistência Social - SMADS, com os seguintes questionamentos a respeito do
recém promulgado Decreto n. 57.581/17, em face de seu substituído, o Decreto 57.069/16,
solicitando-se resposta em 30 (trinta) dias:
a) Por que o Decreto 57.069/16 foi alterado sem debate e participação social?
b) Por que foi suprimida a mediação como forma de solução de conflitos (art. 3º, inciso
IV, do Decreto n. 57.069/16)?
c) Por que foi suprimida a previsão de ampla divulgação de informações à população
(art. 3º, inciso V, do Decreto n. 57.069/16)?
d) Por que ocorreu supressão da previsão de horário para a realização de zeladoria
urbana na cidade (art. 6 do Decreto 57.069/16)?
e) Quais são os horários previstos atualmente para a realização da zeladoria urbana?
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f) Por que foi suprimida a primazia do diálogo com o morador de rua e a proibição de
atitudes coercitivas que violem a sua integridade física e moral, em caso de sua
recusa ou resistência à realização de ação por parte do Poder Público (parágrafo
único do artigo 8º do Decreto n. 57.069/16)?
g) Por que foi suprimida a proibição de o Poder Público recolher itens portáteis de
sobrevivência dos moradores de rua, em especial cobertores, colchonetes, mantas,
travesseiros e lençóis (art. 10, inciso III, do Decreto n. 57.069/16)?
h) Qual será a maneira de proceder quanto às barracas desmontáveis portadas por
moradores de rua?
i) Por que foi suprimida a previsão de consulta ao morador em situação de rua quanto
à natureza do seu bem, em caso de dúvida (art. 10, §2º, do Decreto 57.069/16)?
j) Por que foi suprimida a restrição de recolhimento dos pertences dos moradores de
somente durante o dia (art. 10, §3º, do Decreto n. 57.069/16)?
k) Qual será o critério adotado para definir os bens inservíveis ou deteriorados dos
moradores em situação de rua, que serão passíveis de descarte (art. 8º, §4º, do
Decreto n. 57.581/17)?
07.
Por derradeiro, distribuam livremente e promovam
conclusos.
São Paulo, 26 de janeiro de 2017.
BEATRIZ HELENA BUDIN FONSECA
EDUARDO FERREIRA VALERIO
1º Promotora de Justiça de Direitos
2º Promotor de Justiça de Direitos Humanos
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