O meio ambiente do trabalho e as constituições

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Autora: Laura Martins Maia de Andrade
I - Introdução
O Direito Ambiental não deve ser concebido a partir de
um enquadramento rígido, como ocorre com outros ramos do
Direito. Basta verificar que as normas que o compõem
inserem-se nos mais variados diplomas legais e atuam
sobre as relações sociais estabelecidas com os elementos
do meio de ordem natural, artificial, cultural ou do
trabalho.
Assim, defende-se a preservação do equilíbrio ambiental
na legislação atinente ao uso dos agrotóxicos(Lei
7.802/89), no Código de Trânsito Brasileiro(Lei
9.503/97), na Consolidação das Leis do Trabalho(
Capítulo V, Título II), na Lei Penal Ambiental( Lei
9605/98), no Código de Defesa do Consumidor( Lei
8078/90), entre tantos outros, abordando matéria civil,
penal e administrativa, sempre de conformidade com o
Capítulo VI, do Título VIII, da Constituição Federal,
que cuida especificamente do meio ambiente.
Cristiane Derani contribui para a compreensão do
movimento específico do Direito Ambiental, que define
como "transversal", explicando que: "Ele perpassa todo o
ordenamento jurídico, não lhe cabendo delimitação rígida
e estática. A ele é característico o movimento próprio
das sociedades que integra"1.
II - Competência em matéria ambiental
O federalismo é forma de organização estatal
caracterizada pela autonomia política dos entes que a
constituem. A adoção do federalismo implica na atuação
de cada unidade federada como centro autônomo de poder
político e administrativo.
A Constituição Federal, ao disciplinar a vida do Estado
Democrático de Direito Brasileiro, repartiu as
atribuições de cada membro da Federação, estabelecendo
as respectivas competências, em seus artigos 21 a 30, de
acordo com o princípio da predominância dos interesses.
Os artigos 23, 24 e 30, da Carta Constitucional,
determinam respectivamente as competências comum
administrativa(art.23) e legislativa concorrente( arts.
24 e 30) da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios, no que diz respeito à defesa do meio
ambiente e da saúde.
III - Meio ambiente do trabalho
A correlação entre meio ambiente e saúde emerge do
próprio texto do caput do art. 225 constitucional ao
afirmar que a preservação do meio ambiente equilibrado
é "essencial à sadia qualidade de vida."
Ora, segundo Edis Milaré2: "Em linguagem técnica, meio
ambiente é ' a combinação de todas as coisas e fatores
externos ao indivíduo ou população de indivíduos em
questão'. Mais exatamente, é constituído por seres
bióticos e abióticos e suas relações e interações. Não é
mero espaço, é a realidade complexa". Referida definição
ajusta-se à definição legal de meio ambiente, constante
do art. 3°, I, da Lei 6.938/81, legislação esta que
estabeleceu a política nacional do meio ambiente e que
foi quase totalmente recepcionada pela Constituição
Federal de 1988.
Posto isto, e considerando a determinação endereçada
pelo inciso VIII, do art. 200, da Carta Magna, ao
Sistema Único de Saúde, no sentido deste colaborar na
conservação e defesa do meio ambiente, notadamente do
meio ambiente do trabalho, dentre as disposições
específicas à SAÚDE, conclui-se que a saúde e o meio,
que a influencia, mantém permanente e estreita relação
entre si.
O meio ambiente não pode ser fracionado: é o todo
externo à pessoa humana. Pode-se, no entanto, realçar os
seus mais relevantes aspectos, como no artigo
constitucional acima citado, em que foi dada clara
ênfase ao meio ambiente do trabalho.
O respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento da
República Federativa do Brasil, como preconiza o art.
1°, III, da Carta de 1988, bem como o respeito ao
trabalho, manifestação do caráter gregário que preside
as relações humanas desde tempos remotos, impõe
considerar que as atividades humanas produtivas, em
benefício da sociedade, não podem ser realizadas em
condições adversas à saúde, alçada à condição de direito
social fundamental pelo artigo 6°, também presente na
Norma Maior.
O meio ambiente do trabalho deve permitir a preservação
da integridade física e psicológica do trabalhador,
compatibilizando os meios de produção com o equilíbrio
ambiental interno aos locais onde se desenvolvem as
atividades laborativas. Trata-se do direito à vida, bem
indissociável à saúde, que lhe atribui a necessária
qualidade, resultando que o bem jurídico ambiental
tutelado, quando se trata especificamente do aspecto
relativo ao meio ambiente do trabalho, é a saúde.
IV - As constituições estaduais
Voltando aos artigos 23, 24 e 30 da Constituição da
República, verifica-se que:
a) No art. 23 - competência material comum entre União,
Estados, Distrito Federal e Municípios - o inciso II
determina que todos estes entes federados cuidem da
saúde da população e o inciso VI, preconiza que devem
proteger o meio ambiente e combater a poluição em
qualquer de suas formas.
b) No art. 24 - competência legislativa concorrente
entre União, Estados e Distrito Federal - o inciso VI
permite que legislem sobre a proteção do meio ambiente e
controle da poluição, o inciso VIII que disciplinem
adequadamente a responsabilidade por dano ao meio
ambiente e o inciso XII que estabeleçam normas acerca da
proteção e defesa da saúde.
c) No art. 30, I e II, resta estabelecida a competência
dos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse
local e suplementar as legislações federal e estadual.
Como ficou dito acima, o bem jurídico tutelado pelas
normas ambientais, no meio em que a pessoa humana
desenvolve suas atividades produtivas, é a saúde e não o
trabalho subordinado. A competência para legislar sobre
trabalho, regido por contrato próprio, é da União,
consoante dispõe o art. 22, I, da Carta Magna. Referida
competência engloba apenas os aspectos contratuais,
pecuniários e processais relativos ao exercício do
trabalho subordinado.
Entretanto, quando se trata de proteger a vida, a saúde
e a dignidade da pessoa que trabalha, em relação direta
com a influência proveniente do meio ambiente em que
esta se ativa, a competência tanto material como
legislativa diz respeito ao meio ambiente e à saúde,
competindo aos demais entes federados, além da União,
como prevêem os artigos 23. 24 e 30, da Lei Maior, acima
aludidos, zelar pela proteção do meio em que o
trabalhador exerce suas atividades, bem como buscar a
preservação da saúde humana.
Retomando aquilo que inicialmente foi dito sobre o
movimento transversal do Direito Ambiental, presente nos
mais diversos diplomas legais, perpassando todo o
ordenamento jurídico, verifica-se que a Consolidação das
Leis do Trabalho, no Capítulo V, do Título II, que cuida
da segurança e medicina do trabalho, não contém apenas
normas endereçadas àquele que está sob contrato de
trabalho, em sentido estrito, mas normas ambientais
relacionadas à prática de qualquer trabalho, em defesa
da saúde, ao buscar a manutenção de um meio ambiente
propício à incolumidade física do obreiro.
Releva notar que o art. 154, da CLT, prevê não bastar
obediência ao disposto no Capítulo V, mas determina que
o empregador ou todo aquele que se utiliza, a qualquer
título, da força de trabalho humana cumpra as
disposições relativas à matéria concernente à saúde do
trabalhador, no meio ambiente laboral, incluídas em
códigos de obras ou regulamentos sanitários dos Estados
ou Municípios, em que se situem seus estabelecimentos.
O Professor Doutor Celso Antônio Pacheco Fiorillo3
assevera que " ...jamais se deve restringir a proteção
ambiental trabalhista a relações de natureza unicamente
empregatícia"(...) " O que interessa é a proteção ao
meio ambiente onde o trabalho humano é prestado, seja em
que condição for....".
Valentin Carrion4 admite expressamente que: "União,
Estados e Distrito Federal podem legislar
concorrentemente sobre proteção e defesa da saúde(CF,
art. 24, XII);"
E os Estados vêm legislando sobre matéria de saúde no
trabalho, inserindo normas de observância obrigatória,
em seus territórios, nas respectivas Constituições.
A seguir, são mencionadas disposições específicas sobre
a matéria, constantes de algumas Constituições
Estaduais, que primaram na elaboração de normas
atinentes à saúde do trabalhador, no meio ambiente em
que este exerce suas atividades.
1. Constituição do Estado de São Paulo.
O artigo 220, § 1°, presente na Seção II, do Capítulo
II, do Título VII, ao cuidar da Saúde, estabelece: "As
ações e os serviços de preservação da saúde abrangem o
meio ambiente natural, os locais públicos e de trabalho."
Significativas são as disposições presentes no art. 223
ao determinar ao sistema único de saúde: a) no inciso
II, a identificação e controle dos fatores determinantes
e condicionantes da saúde individual e coletiva,
mediante ações referentes à saúde do trabalhador, de
acordo com previsão contida na alínea "c"; b) no inciso
VI, a colaboração na proteção do meio ambiente,
incluindo o do trabalho, a partir de atuação no processo
produtivo para garantir o acesso dos trabalhadores às
informações respeitantes a atividades que comportem
riscos à saúde e a métodos de controle e adoção de
medidas preventivas de acidentes e doenças do trabalho.
Em decorrência desse espectro de proteção conferido ao
meio ambiente do trabalho, a Constituição Paulista
estipula, no art. 229 § 3°, que o Estado atuará para
garantir a saúde e a segurança dos empregados no
ambiente de trabalho.
O §4°, deste mesmo artigo, assegura a cooperação dos
sindicatos de trabalhadores nas ações de vigilância
sanitária desenvolvidas no local de trabalho e o § 2°
garante a interrupção de atividades que coloquem em
risco a integridade do trabalhador, o que equivale à
garantia de paralisação do trabalho, para a manutenção
da salubridade do meio ambiente, como meio de defesa,
sem a necessidade do cumprimento das exigências
procedimentais, especialmente de prazos, estabelecidas
pela Lei 7.783/89, que disciplina a greve, tendo em
vista a expressa autorização constitucional de
paralisação do trabalho na defesa de bem indispensável à
manutenção da vida e de sua sadia qualidade: a saúde.
2. Constituição do Estado do Rio de Janeiro.
O art. 290, inciso X, estabelece na alínea "c"
o "controle e fiscalização dos ambientes e processos de
trabalho nos órgãos e empresas públicas e privadas,
incluindo os departamentos médicos", na alínea "d"
assegura "direito de recusa ao trabalho em ambientes sem
controle adequado de riscos, assegurada a permanência no
emprego" e na línea "h" determina a "intervenção,
interrompendo as atividades em local de trabalho em que
haja risco iminente ou naqueles em que tenham ocorrido
graves danos à saúde do trabalhador."
Oferece, por conseguinte, ao trabalhador dois
importantes meios de defesa da higidez do meio ambiente
do trabalho: a paralisação das atividades em casos de
riscos não controlados, sem maiores óbices ou exigências
legais, e a intervenção estatal no sentido de
interromper atividades em locais de trabalho com
acentuado risco à saúde humana.
3. Constituição do Estado do Amazonas.
O § 2°, do artigo 229, da Constituição do Amazonas,
consagra taxativamente, a proteção ao meio ambiente do
trabalho, pois, se no caput do artigo dispõe que: "
Todos têm direito ao meio ambiente equilibrado,
essencial à sadia qualidade devida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo", no §2° já aludido especifica: " Esse
direito estende-se ao ambiente de trabalho, ficando o
Poder Público obrigado a garantir essa condição contra
qualquer ação nociva à saúde física e mental do
trabalhador".
4. Constituição do Estado da Bahia.
O art. 218 desta Constituição Estadual dispõe
expressamente: " O direito ao ambiente saudável inclui o
ambiente de trabalho, ficando o Estado obrigado a
garantir e proteger o trabalhador contra toda e qualquer
condição nociva à sua saúde física e mental."
O art. 239 determina às empresas que submetam,
periodicamente, seus empregados expostos a substâncias
químicas, tóxicas ou radioativas a exames médicos
individuais.
V - Conclusão
Acima foram citados trechos de Constituições Estaduais,
que desenvolveram e aplicaram normas da Constituição
Federal, e que, por vezes, reiteram disposições já
existentes em portarias do Ministério do Trabalho ou da
Saúde e Previdência Social; contudo, sua origem lhes
atribui força cogente fundamental, pois explicitadas em
normas constituintes dos Estados-Membros, que atribuem
aos poderes públicos, bem como aos exercentes de
atividade econômica, deveres indeclináveis a serem
cumpridos, que não se circunscrevem à abstenção de
molestar o trabalhador, no ambiente em que desenvolve
suas atividades, mas exigem ações positivas no sentido
de prevenir danos à saúde, mantendo permanente
vigilância sobre os locais, métodos e interações
detectados entre os mais variados agentes que permeiam a
atividade humana produtiva.
São, e devem ser, fundamentos invocados por
trabalhadores e seus representantes - mormente os
sindicatos profissionais, de conformidade com o
preceituado no art. 8°, III e 10, da Carta
Constitucional - na defesa intransigente do direito à
vida, qualificada por condições adequadas de saúde, no
meio ambiente de trabalho.
1 "Direito Ambiental Econômico" , p.84.
2 "Direito do Ambiente" - p. 52, apud Bernard J.
Nebel, "Environmental Science. The way the world
works.", Englewood Cliffs Hall, 1990, p. 576.
3 " Curso de Direito Ambiental Brasileiro"- p. 211.
4 "Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho" - p.
158, nota de n° 3.
Bibliografia
1 DERANI, Cristiane - "Direito Ambiental Econômico" Editora Max Limonad - 1997.
2 MILARÉ, Edis - "Direito do Ambiente" - Editora Revista
dos Tribunais - 2000.
3 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco - "Curso de Direito
Ambiental Brasileiro" - Editora Saraiva - 2000.
4 CARRION, Valentin - "Comentários à Consolidação das
Leis do Trabalho" - Editora Saraiva - 2000- 23ª edição.
Site:
www.gentevidaeconsumo.org.br/dir_ambiental
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