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A LUTA PELA TERRA NO SUL/SUDOESTE DE MINAS GERAIS: O ESPAÇO DA
RESISTÊNCIA E O TERRITÓRIO CONQUISTADO
Arthur Rodrigues LOURENÇO
Universidade Federal de Alfenas -MG
Discente do curso de Geografia
[email protected]
Alex Cristiano de SOUZA
Universidade Federal de Alfenas-MG
Discente do curso de Geografia
[email protected]
Ana Rute do VALE
Universidade Federal de Alfenas-MG
Docente do curso de Geografia
[email protected]
INTRODUÇÃO
Este trabalho apresenta resultados parciais de uma pesquisa que está sendo feita em escala
regional - sul/sudoeste de Minas Gerais - a respeito do processo de espacialização e
territorialização da luta pela terra. A pesquisa está em desenvolvimento na UNIFAL-MG.
A espacialização da luta pela terra na região é fenômeno recente, uma vez que não há um
histórico de conflitos agrários. A primeira ocupação de terras ocorreu em 1997 e culminou
na formação do assentamento rural Primeiro do Sul em 1998, no município de Campo do
Meio-MG. Partindo da data da primeira à última ocupação de terras na região nossa análise
compreende os anos de 1997 a 2010, a partir de dados e relatos obtidos junto à direção local
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Comissão Pastoral da Terra
(CPT). Utilizamos como material os cadernos Conflitos no Campo – Brasil, que relata os
vários tipos de violência e conflitos no campo brasileiro, elaborados pela CPT desde 1986,
observação participante, aplicação de questionários semi-estruturados junto às famílias
acampadas, políticos que dão apoio aos sem-terra e demais envolvidos nos conflitos e
relatos históricos.
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Como suporte teórico, consultamos obras de autores que tratam da questão agrária
brasileira, como Andrade (1980) Fernandes (2001; 2008), Oliveira (1989), dentre outros.
A CONCEITUALIZAÇÃO DO TEMA
A concentração fundiária é historicamente um grande entrave ao desenvolvimento
social e econômico da população rural e urbana do Brasil. Embora o campo brasileiro tenha
passado por um processo de modernização da sua agricultura, sobretudo após a década de
1960 com as tecnologias advindas da Revolução Verde, a questão agrária ainda não foi
resolvida. Circunstâncias econômicas, sociais e políticas que remontam desde a época da
exploração colonialista portuguesa sobre nosso território até os dias de hoje, fazem da luta
pela terra um importante tema a ser debatido, não só na academia, mas por toda a
sociedade. Afinal, como muito bem assinala Andrade (1980) o monopólio da terra sempre
foi um importante fator que engendra a desigualdade e conflitos.
Iniciada com a invasão portuguesa sobre o território brasileiro no século XVI, a luta
pela terra é um fenômeno histórico que sempre esteve presente no campo brasileiro. Como
não houve um processo de reforma agrária a concentração da propriedade fundiária
protagonizou o não desenvolvimento econômico e social, formatou espaços e territórios,
caracterizados, sobretudo, pela lógica capitalista. Por essa razão, o fenômeno social da luta
pela terra presente em todo o território brasileiro se manifesta no espaço e no tempo com
características próprias de cada região, resultado das diferentes formas de ocupação do
território e organização espacial, dos fatores econômicos e sociais definidos pelo
desenvolvimento do capital.
A grande propriedade, sob a égide do capital e Estado sempre foi protegida e a
pequena propriedade responsável pela produção de alimentos básicos sempre foi preterida,
à margem da grande propriedade ela possibilitou o desenvolvimento e reprodução do
capitalismo no país. Os dados apresentados pelo Censo Agropecuário de 2006 mostram que
as pequenas propriedades com menos de 10 hectares que cumprem o importante papel de
abastecer o mercado interno com alimentos básicos respondem apenas por 2,7% dos
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329.941.393 hectares da área total de estabelecimentos agropecuários, enquanto as grandes
propriedades com mais de 1mil hectares concentram 43% desse total (IBGE, 2009).
Mesmo sendo o quinto país do mundo em extensão territorial, com terras em
abundância, o direito a posse e propriedade da terra é monopolizado historicamente. No
Brasil “muitos têm pouca terra e poucos têm muita terra” (Oliveira, 2003, p.137), essa
desigualdade acaba por gerar conflitos que tem raízes históricas.
Entretanto, as classes dominantes, para manter a hegemonia usam dos meios de
comunicação de massa para estabelecer uma relação entre “conflito e violência, definindo
os movimentos sociais populares que disputam a posse da terra como agentes causadores
desta violência” (SAUER; SOUZA, 2008, p. 53).
Iniciada num primeiro momento por indígenas e pelos escravos nos quilombos,
posteriormente por colonos e a partir da segunda metade do século XX por posseiros,
meeiros, arrendatários, filhos de pequenos agricultores, empregados rurais, atingidos por
barragens, comunidades tradicionais, dentre outros, a luta pela terra engloba vários atores
sociais que estão amalgamados pela expropriação imposta pelo capital. Como bem observa
Oliveira (1989, p. 15), a invasão do território brasileiro pelos portugueses com seus
interesses mercantis causaram
[…] o início da primeira luta entre desiguais. A luta do capital em
processo de expansão, desenvolvimento; em busca de acumulação ainda
que primitiva, e a luta dos “filhos do sol” em busca da manutenção do
seu espaço de vida no território invadido.
A luta pela terra ocorre quando em um mesmo território há situações contraditórias,
há diferentes interesses na exploração da terra, quando atores sociais entram em conflito. A
luta pela terra materializa esses antagonismos e faz da reforma agrária um anseio popular.
A política de reforma agrária desempenhada pelos sucessivos governos que, antes
de tudo, representam os interesses da burguesia agrária mostra de forma cabal as intenções
dos dirigentes do país em manter intacta a estrutura fundiária, mantenedora do poder dos
que possuem grandes porções de terra, ou seja, no Brasil ter terra é ter poder. Para Sauer;
Souza (2008, p.p 62-63) “O latifúndio, associado ao modelo agropecuário adotado, tem
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sido a base histórica do poder político no Brasil, como instrumento de poder e dominação
que perpetua relações de exploração e expropriação”.
Com medidas compensatórias as políticas de reforma agrária nunca tocaram a base
que sustenta a grande propriedade fundiária. As primeiras políticas de reforma agrária
foram os projetos de colonização no final do século XIX e início do século XX que
contemplavam famílias camponesas pobres vindas da Europa, posteriormente, no período
da ditadura militar, com os programas de colonização que visavam apaziguar os conflitos
agrários no Sul do País, levando famílias sem-terra para a região norte e, mais recentemente
os assentamentos de trabalhadores rurais que são conquistados através das ocupações de
terra promovidas por famílias organizadas em movimentos socioterritoriais de luta pela
terra.
Na história do Brasil, quando os camponeses organizados ameaçaram a ordem
estabelecida pelas classes dominantes, o governo não tardou em tomar medidas repressivas
e compensatórias, mas que não resolveram as contradições, desigualdades e conflitos que
configuram a questão agrária (Fernandes, 2008), de modo que as políticas de reforma
agrária que foram implantadas pelos sucessivos governos federais e estaduais não
redistribuíram terras e nem democratizou a estrutura fundiária brasileira. Expressão maior
dessas medidas no Brasil foi o Estatuto da Terra, lei de 30 de novembro de 1964, que tinha
como principal objetivo acabar com a mobilização camponesa pela reforma agrária.
A reforma agrária é definida por Veiga (1990, p. 7) como “a modificação da
estrutura agrária de um país, ou região, com vista a uma distribuição mais eqüitativa da
terra e da renda agrícola”, partindo deste conceito, as políticas de reforma agrária
implantadas não passaram de regularização fundiária e criação de assentamentos.
A geografia dos assentamentos rurais no Brasil é configurada pela geografia das
lutas no campo, ou seja, os assentamentos são implantados em áreas de intensos conflitos
agrários. Esse fenômeno corrobora o caráter compensatório desta política, mostrando que
não há vontade na realização de uma reforma agrária que venha a modificar, a romper o
fulcro da atual estrutura agrária do país. Os interesses políticos em impedir o acesso à terra
para quem quer nela trabalhar e produzir sobrepujam os anseios populares dos
trabalhadores que encampam a luta pela terra. Para Wanderley et al (1979, p. 40) “Não são
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razões econômicas que tornam a reforma agrária inviável, porém, razões eminentemente
políticas”.
Em 1996 foi criado pelo Governo Federal o Ministério Extraordinário de Política
Fundiária, como forma de agilizar o processo de criação de Projetos de Assentamentos
(PA´s), por meio da ação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA). Esse ministério não foi criado por boa vontade do governo de plantão à época,
foi criado porque o estado brasileiro havia em 1995, no massacre de Corumbiara (RO) e em
1996 no massacre de Eldorado dos Carajás (PA) promovido carnificinas contra famílias
sem-terra derramado mais sangue no campo brasileiro. Isso fez com que o Brasil sofresse
pressão internacional em relação à tomada de medidas para resolver a questão dos conflitos
no campo – leia-se massacre no campo brasileiro. Nesse contexto, houve um significativo
crescimento de criação de assentamentos rurais em todo o país.
A relação dos movimentos socioterritoriais de luta pela terra com os sucessivos
governos federais após a “redemocratização” do país pode ser analisada em períodos, mas
fica claro que em nenhum momento houve vontades reais de resolver a questão agrária.
O presidente Sarney, em 1985, apresentou o Plano Nacional de Reforma Agrária,
que pretendia assentar 1.400.000 famílias, em 1989 no final de seu governo, apenas 84.852
famílias foram assentadas. Esses assentamentos foram criados, em sua grande maioria, em
áreas de conflitos agrários, fruto das ocupações de terra promovidas, sobretudo, pelo MST.
O Governo Fernando Collor de Melo foi marcado pela repressão contra os
movimentos camponeses, de março de 1990 a outubro de 1992, poucas famílias foram
assentadas, ele havia criado o “Programa da Terra” que tinha como meta assentar 400 mil
famílias, essa meta não foi cumprida. As políticas de seu governo voltadas ao campo se
resumiram em “apoio e concessão de subsídios à agricultura empresarial e pela
criminalização das lutas dos movimentos sociais agrários” (Sauer; Souza, 2008, p.71). Este
presidente sofreu processo de impeachment em 1992.
Itamar Franco governou o Brasil de 1992 a 1994, substituiu a direção do INCRA
por pessoas ligadas à luta pela reforma agrária e reconheceu a legitimidade dos movimentos
agrários. Itamar Franco foi o primeiro presidente a receber o MST no Palácio do Planalto,
mesmo que apenas simbolicamente, ele reconhecia e tratava a luta pela terra como uma
reivindicação social. Embora Itamar Franco tenha sido mais “respeitoso” com os
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movimentos sociais agrários de luta pela terra, não houve grandes avanços na que tange a
redistribuição de terras ( SOUZA; SAUER, 2008).
No Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) a reforma agrária não foi
considerada uma política pública necessária ao desenvolvimento do Brasil. Seu governo
ficou marcado pela forte repressão contra os sem-terra, dois massacres ocorreram em sua
gestão, o massacre de Corumbiara (RO) em 1995 e o massacre de Eldorado dos Carajás
(PA) em 1996, o saldo, ao menos 29 mortos e vários feridos, muitos com sequelas
incuráveis. A política de reforma agrária de FHC era volta à contenção de conflitos agrários
e apenas estimulou a reforma agrária de mercado orientada pelo Banco Mundial. Esse
governo agravou o problema da democratização do acesso à terra com essas políticas
(SAUER; SOUZA, 2008).
O Governo Lula, vigente desde 2002, é emblemático, pois trata-se de um presidente
que foi eleito por sua trajetória de apoio as causas populares. Diversas vezes, em suas
campanhas eleitorais Lula afirmava que se tivesse que fazer uma reforma estrutural no
Brasil, essa reforma seria a reforma agrária. Mas, nesses oito anos de governo, não é isso
que foi feito, não houve nenhuma mudança estrutural no quadro social do campo brasileiro.
Embora a relação entre governo e movimentos populares, entre eles os de luta pela terra,
seja mais de diálogo, a repressão, imposta por governos estaduais, não diminuiu. Lula não
está incólume a massacres no campo, em 2004, cinco sem-terra foram mortos e vinte
ficaram gravemente feridos, quando atacados por pistoleiros a mando de latifundiários no
município de Felisburgo (MG) no norte do estado. Os recursos voltados ao agronegócio,
sobretudo às culturas de grãos como a soja e a cana-de-açúcar para a produção do etanol,
em detrimento de poucos recursos para a pequena agricultura, mostram a opção feita pelo
governo Lula de não tocar na base que sustenta as desigualdades e o poder da grande
propriedade no campo brasileiro.
A não realização da reforma agrária intensifica a luta pela terra, por meio das
ocupações as famílias sem-terra trilham o único caminho que pode levar à conquista da
terra. Esse fenômeno e corroborado por Fernandes (2008, p. 36) “Em pesquisa que
realizamos em 1998, constatamos que 83% dos assentamentos criados em 13 estados eram
resultados de ocupações de terra”.
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Entretanto, de forma contraditória, a implantação de assentamentos rurais cresce de
forma simultânea à concentração fundiária, com a reforma agrária de mercado, no momento
em que uma família é assentada várias são expropriadas e expulsas da terra.
Contudo, no Brasil a conquista da terra e a realização da reforma agrária só podem
ser vislumbradas através do enfrentamento político. Com a existência ou não de uma
política de reforma agrária a luta pela terra avança, por ser engendrada pelas contradições
do capital, que ao se desenvolver expropria o camponês. Expropriado, ele na maioria das
vezes volta ao campo, seja vendendo sua força de trabalho ao capitalista, seja através da
luta e resistência.
A ESPACIALIZAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO DA LUTA PELA TERRA NO
SUL/SUDOESTE DE MINAS GERAIS: UM BREVE HISTÓRICO
No sul/sudoeste de Minas Gerais a luta pela terra é fenômeno recente, em 1997
ocorreu a primeira ocupação de terra que culminou na formação em 1998 do assentamento
rural Primeiro do Sul, no município de Campo do Meio (MG). O latifúndio ocupado era
uma fazenda de café, a Fazenda Jatobá, que tinha cerca de 900 hectares. Atualmente o
Primeiro do Sul conta com 43 famílias que possuem lotes de 15 hectares, em média, de um
total de 888 hectares. Este assentamento foi implantado em menos de um ano, havia
interesses do proprietário da fazenda Jatobá na desapropriação de suas terras para fins de
reforma agrária, o valor oferecido e pago pelo Instituto Nacional de Reforma Agrária
(INCRA) ao proprietário foi bem superior ao valor de mercado da região, o que possibilitou
ao desapropriado se apropriar de outras terras.
Desde então, após a conquista de um território que simboliza a luta e a resistência,
uma série de ocupações vem ocorrendo nas áreas adjudicadas da ex-Usina Ariadnopólis e
Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (CAPIA) pertencentes a uma oligarquia rural de
enorme poder político em âmbito regional e estadual. As famílias sem-terra, que enfrentam
o capital e o Estado, vêm promovendo um processo de espacialização da luta pela terra no
sul/sudoeste de Minas Gerais.
A ocupação que culminou no Primeiro do Sul produziu um novo espaço e território
através dos processos geográficos, que são também processos sociais (Fernandes, 2005), a
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partir de novas relações sociais acontecem às metamorfoses no espaço. Neste caso, houve,
além da conquista de um território, a espacialização da luta pela terra, que segundo
Fernandes (2005, p.29) “é o movimento concreto das ações e sua reprodução no espaço
geográfico e no território. [...] Uma vez realizada em movimento, a espacialização torna-se
fato acontecido, impossível de ser destruído”.
Ao ocupar a fazenda Jatobá e conquistar o território – o assentamento Primeiro do
Sul – o espaço de resistência (ocupação) foi transformado em território de resistência
(assentamento) e luta, onde se recria e reproduz a luta pela terra. Para Fernandes (2001,
p.7), a implantação de um assentamento é um marco no processo de territorialização “na
conquista da terra de trabalho contra a terra de negócio e exploração”.
O assentamento é um ponto de apoio para as famílias acampadas, sobretudo, como
local de refúgio em casos de despejos, o assentamento é um território que expressa a
conquista da terra através de luta e de resistência.
Fernandes (1999, p. 241) argumenta que “a territorialização da luta pela terra é aqui
compreendida como o processo de conquista de frações do território” [...] “o processo de
territorialização é compreendido pelas ocupações de terra e conquista de assentamentos
rurais’. Deste modo, o Primeiro do Sul inicia a territorialização e espacialização da luta pela
terra na região”.
Em 1998 ocorre a primeira etapa de ocupações de terra nas áreas adjudicadas da exUsina Ariadnópolis e CAPIA. A história da família Azevedo se confunde com a do
município de Campo do Meio. O português Manoel Alves de Azevedo, fundador da cidade,
foi também o fundador da usina, criada em 1908. A Ariadnópolis viveu seu auge na década
de 1970, quando em 1975 foi criado pelo governo militar o Programa Nacional do Álcool
(Pró-álcool) recebendo fortes incentivos governamentais. Com o fim do governo militar e
as novas políticas neoliberais o grupo Irmãos Azevedo entrou em decadência. Durante o
processo de falência, iniciado no começo da década de 1990 o grupo se “desmembrou” e
fundou mais duas empresas: a Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (CAPIA) e a
Transmarreco.
No início do ano de 1998 cerca de 150 famílias ocuparam 300 hectares de terra das
áreas adjudicadas da Ariadnopólis e CAPIA e deram continuidade ao processo de
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espacialização da luta pela terra que fora iniciado um ano antes, erguendo o acampamento
Girassol.
Dessa forma, essa segunda ocupação de terra na região inseriu no espaço a
funcionalidade, ao tentar desterritorializar o capital, território da contradição, espacializou a
luta pela terra.
O território de produção da desigualdade – o latifúndio – passou a ser espaço de
produção de alimentos, dando continuidade ao processo iniciado pelo assentamento
Primeiro do Sul. Entretanto, na véspera do natal de 1998, foi expedido pela vara agrária
estadual um mandato de reintegração de posse para as áreas ocupada pelo Girassol, trágica
para aquelas famílias acampadas, no ato de reintegração as plantações foram destruídas por
tratores.
As forças políticas do latifúndio não colocaram fim ao processo de espacialização
da luta e resistência. No início de 1999, parte daquelas famílias despejadas voltaram e
ocuparam a mesma área, dando continuidade ao processo de espacialização. Reerguia o
acampamento Girassol, que posteriormente, foi fracionado, dando origem ao acampamento
Vitória da Conquista. Por divergências políticas o Girassol se desvinculou do MST e
passou a ser organizado pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura do estado de
Minas Gerais – FETAEMG –.
Até o ano de 2002, o embate entre diferentes espaços e territórios: o espaço da luta e
resistência e o território do capital eram materializados pela existência desses dois
acampamentos. O latifúndio do grupo Azevedo, na tentativa de abandonar sua marca de
improdutivo, passou a arrendar porções de terras para a produção de Soja e Mamona. Dessa
forma abandonaram o latifúndio atrasado e passaram a ser representantes do agronegócio.
O agronegócio, ao chegar à região foi se territorializando, mudando as características da
luta pela terra na região, o latifúndio atrasado fora substituído pelo agronegócio.
O ano de 2002 foi um marco na luta pela terra na região, uma vez que ocorreram 5
ocupações nas terras da Ariadnopólis e CAPIA que culminaram na formação de mais 5
acampamentos: Tiradentes, Herbert de Souza (Betinho), Fome Zero, Resistência e Chico
Mendes. Essas ocupações foram realizadas por cerca de 130 famílias, oriundas em sua
grande maioria, do Norte de Minas Gerais, para trabalhar na colheita do café e do interior
de São Paulo, sobretudo de Campinas-SP, Sumaré-SP e Hortolândia-SP.
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Nesse mesmo ano houve uma ocupação de grande importância para a
territorialização da luta pela terra no Sul de Minas Gerais, no município de Guapé (MG),
onde 105 famílias ocuparam uma área de 5.000 hectares de uma falida usina de álcool Usina Passos Maia -, formando o acampamento Santos Dias. Esta ocupação se transformou
em assentamento em 2005, o assentamento Santos Dias foi uma grande conquista para os
sem-terra. Para Fernandes (2008, p.34), a conquista da “terra, na transformação do
assentamento transforma o espaço em território, recriando o trabalho familiar e
reproduzindo a luta pela terra” pois, assentadas as famílias ainda continuam na luta pela
terra e ajudam na organização de ocupações, promovendo a territorialização.
Estas afirmações de Fernandes são corroboradas, sobretudo, pelas ações conjuntas
de apoio aos acampamentos da região realizada pelos assentamentos Primeiro do sul e
Santos Dias (tabela 1). As famílias do Santos Dias possuem lotes de 43 hectares, em média,
e realizam um importante trabalho de agroecologia na produção de café e pimenta. Ambos
os assentamentos possuem áreas de proteção ambiental.
Tabela 1 - Assentamentos no Sul/Sudoeste de Minas.
Assentamento
Município
Ocupação
Ano de
Famílias
criação
Primeiro do
Campo do
Sul
Meio
Santos Dias
Guapé
Área total
(ha)
1997
1998
43
888
2002
2005
105
5000
Fonte: CPT, 1998, 2002.
Em 2005, trinta famílias ocuparam uma área de 200 hectares e ergueram o
acampamento Irmã Dorothy. Em 2006 mais ocupações de terras ocorreram, surgindo novos
acampamentos, intensificando o processo de espacialização da luta pela terra na região.
Cerca de 40 famílias organizadas pela FETAEMG ocuparam uma área de 300 hectares,
erguendo o acampamento Sydney Dias.
Como forma de pressão para a imediata desapropriação das áreas em conflito e
destinação das terras para fins de reforma agrária, em 2005, o parque industrial da massa
falida da ex-usina foi ocupada. Como forma de retaliação por parte dos representantes da
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ex-usina Ariandnopólis e da CAPIA uma liminar de despejo foi expedida, pedindo a
reintegração de posse de uma área maior que a ocupada durante a manifestação, abarcando
a área do acampamento Tiradentes, o mais próximo da sede da massa falida. A ocupação da
sede industrial é de significativa importância geográfica à luta pela terra na região, a sede
está localizada em uma das principais vias de acesso para o assentamento Primeiro do Sul e
para alguns acampamentos. Nesta área há ainda uma escola desativada, que atendia os
filhos dos trabalhadores da ex-usina. Os sem-terra pretendiam aproveitar a infra-estrutura
da escola e utiliza-la, devido à boa localidade, que permitiria fácil acesso a maioria dos
acampados.
Até o ano de 2006, havia nove acampamentos nas terras adjudicadas, espacializando
a luta pela terra na região, quatro vinculados a FETAEMG e cinco ao MST. Estes
acampamentos criam e recriam novas organizações sociais e novos territórios de luta.
No final de 2008, cerca de 20 famílias que chegavam a Campo do Meio (MG) para
se instalarem nos acampamentos da região ocuparam outra área da massa falida, erguendo o
acampamento Rosa Luxemburgo, localizado numa área de 200 hectares.
Em 2009, no dia 18 de maio, ocorreu um fato que marcou a trajetória de luta das
famílias acampadas no Sydney Dias, Tiradentes, Irmã Dorothy, Rosa Luxemburgo, e de
todos os que encampam a luta pela terra na região.
Os representantes da CAPIA e da ex-usina Ariadnopólis não precisaram de muito
esforço para conseguirem um mandato de reintegração de posse que fora expedido pela
vara agrária estadual, como forma de retaliação à uma ação importante realizada pelos
acampados do Tiradentes: a construção de uma cerca comunitária, que delimitava toda a
área do acampamento. Mas a reintegração cobriu a área de mais 3 acampamentos,
mostrando que a intenção desse ato não era outra senão a tentativa de acabar com a luta
pela reforma agrária naquelas terras, além do Tiradentes, foram despejados o Sydney Dias,
Irmã Dorothy e Rosa Luxemburgo.
As famílias viram a polícia destruir suas plantações utilizando trator, além de
incendiar lavouras e até mesmo matarem cães das famílias sem-terra com tiros. Segundo
uma liderança local do MST, os acampados estavam para colher cerca de 1.800 sacas de
feijão, calculados por uma equipe da EMATER que havia realizado análises semanas antes
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do despejo. O assentamento Primeiro do Sul serviu de local de refúgio para 40 famílias
despejadas.
Um dos acampados que sofreu o despejo lamenta a destruição das plantações que
estavam para colher:
aí pegou os acampamentos Hebert de Souza, Chico Mendes, Tiradentes,
participando de várias reuniões, e depois de tudo organizado com
plantações e casas veio as destruição, foi outro abalo pra nós do
movimento, porque nós vivemos da terra, do que planta, do arroz, do
milho, o básico. Foram destruindo tudo o que tinha e as pessoas foram
obrigadas a mudar de lugar...
Já uma acampada que não sofreu o despejo, mas se considera uma despejada,
porque sabe que quando atacam um sem-terra, todos são atacados, se revolta com a ação do
despejo, sobretudo porque as terras da usina não produzem nenhum benefício à população.
Hoje só o latifúndio que aproveita de tudo, enquanto eles produzem as
coisas e destruíram as plantações do Doroty, do Tiradentes e estão falando
que vão fazer mais despejo. As famílias que tinham casas prontas
destruíram tudo e o latifúndio já está plantando soja lá, e é uma coisa que
não serve nada pra nós aqui, é apenas desemprego dentro do lugar porque
quando as famílias estavam nas terras eles produziam feijão, arroz, o
milho, o básico de alimentação né? Tinha também porco, galinha e agora
despejaram as famílias todas pro meio da rua, estão sofrendo e quem não
precisa, os ricos, estão plantando, que tem várias fazendas no município
que estão usufruindo destes bens.
O despejo de maio de 2009, executado pelo Estado, não teve efeitos duradouros, as
famílias sabem do papel histórico que desempenham e que o caminho que seguem é o
único que pode levar a conquista da terra.
No final de agosto de 2009, 31 famílias das 98 despejadas naquele mês de maio,
voltaram a Campo do Meio (MG), para retomar o caminho que fora interrompido,
ocuparam novamente uma área de 300 hectares da ex-usina. Com isso, é retomada a luta,
que foi abalada pelo despejo, mas em nenhum momento houve recuo dos acampados, o
Nova Conquista leva em seu nome o que representa o sonho das famílias que estão a lutar,
resistir e enfrentar o capital.
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Atualmente há sete acampamentos na região (tabela 2) que materializam a luta e
resistência e promove o processo de espacialização da luta pela terra para desterritorializar
o capital.
Tabela 2: Acampamentos no município de Campo do Meio (MG)
Acampamento
Girassol
Vitória da Conquista
Resistência
Fome Zero
Herbert de Souza (Betinho)
Chico Mendes
Nova Conquista
Ocupação
1998
1999
2002
2002
2002
2002
2009
Famílias
15
36
14
12
34
27
15
Área total (ha)
300 ha
600 ha
300 ha
250 ha
300 ha
200 ha
300 ha
Entidade
FETAEMG
MST
FETAEMG
FETAEMG
MST
MST
MST
Fonte: CPT, 1998, 1999, 2002, 2009.
Considerações finais
Um importante fato constatado na área do acampamento Nova Conquista é o
trabalho de reflorestamento feito em uma encosta que teve sua cobertura vegetal devastada
por um incêndio criminoso provocado à mando dos representantes da falida usina
Ariadnópolis, com o intento de incriminar os acampados. É importante mencionar a prática
agroecológica desenvolvida no acampamento, nas áreas de cultivo não é aplicado nenhum
tipo de agrotóxico.
Em 20 de março de 2010 houve um acontecimento importante, o 1º Encontro dos
Agricultores Familiares de Campo do Meio (MG), que também comemorava a fundação do
Sindicato dos Agricultores Familiares de Campo do Meio (MG) que congrega pequenos
agricultores do município. A direção do sindicato é composta por pessoas ligadas à luta
pela terra na região e políticos que apóiam os acampados.
A formação deste sindicato fortalece a organização dos pequenos agricultores e
soma força política aos acampados. Com a criação do sindicato vem nascendo uma relação
profícua entre acampados e pequenos agricultores da região, estes últimos estão
comparecendo nas reuniões dos acampamentos, além de estarem utilizando terras das áreas
ocupadas.
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Em relação às questões judiciais, no dia 14 de junho de 2010, ocorreu na Câmara
Municipal de Campo do Meio (MG) uma audiência pública realizada pela Comissão de
Política Agropecuária e Agroindustrial da Assembléia Legislativa de Minas Gerais. A
audiência foi solicitada pelo Deputado Estadual Padre João (PT) apoiador da luta pela terra.
Os trabalhadores conseguiram alguns avanços e na conclusão da audiência foi firmado um
acordo entre representantes da CAPIA e da Ariadnopólis, do INCRA e do MDA. Foi
marcada uma reunião para o INCRA apresentar a proposta de desapropriação ao sindico da
massa falida. Nesta reunião não foi concluído o processo de desapropriação das terras, mas
o síndico se comprometeu a não solicitar nenhuma reintegração de posse para as áreas
ocupadas.
O representante do Sindicato da Agricultura Familiar de Campo do Meio (MG) e
da direção local do MST, Sebastião Melia, comentou o bom resultado da audiência,
fazendo uma ressalva em relação ao acordo entre o síndico da CAPIA e Ariadnopólis, os
trabalhadores e o Padre João, dizendo que “apenas as promessas não são suficientes. Os
trabalhadores vão continuar em luta, até que a reforma agrária acabe com o conflito”.
O representante do MST na audiência, Silvio Netto, falou sobre a luta pela terra na
região que perdura há 12 anos, para ele, a reforma agrária nos 4 mil hectares ocupados
pelas famílias é muito importante pois, “são terras que ficaram improdutivas por muito
tempo, e que agora, com a promessa da desapropriação, as famílias poderiam produzir com
mais tranquilidade sem o terror dos despejos covardes.” Dizendo ainda que “os 12 anos de
sacrifícios das famílias sem-terra se converterá em força para a construção de um Projeto
Popular nas terras da antiga Usina”.
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