Serviço de Cirurgia Geral da Divisão de Clínica Cirúrgica III Terminalidade da Vida na UTI Dr. Mauro Hilkner Médico Intensivista Doutor em Emergências Clínicas - FMUSP Departamento de Neurologia Divisão de Clínica Neurocirúrgica Divisão de Neurologia Clínica HCFMUSP CONFLITOS DE INTERESSE NENHUM Anjo da Morte - Horace Vernet - 1851 A morte da Virgem – Caravaggio 1605 - 06 Terminalidade da Vida “Tudo tem seu tempo, o momento oportuno para todo propósito debaixo do sol. Tempo de nascer, tempo de morrer”. Eclesiastes (Ec. 3; 1 e 2). Século III a.C. Bíblia de Jerusalém. São Paulo, 1973 Vinicius de Moraes Chega um belo dia de qualquer semana Alguém bate na porta, é um telegrama Ela está chamando, é um telegrama Pra uns ela vem cedo, Pra outros ela vem tarde, É que, cedo ou tarde, ela chega de repente Chega pro covarde, chega pro valente Só que ninguém gosta de ir na frente Mas, atravesse a morte sem medo. 1950 - UTI Unidades de Terapia Intensiva Objetivo: internação de pcts gravemente enfermos, pelos quais há tratamento. UTI Salas de recuperação 1920 - Johns Hopkins Hospital 1930: Tuebingen, Alemanha 1950: Pittsburgh, Baltimore, Toronto Epidemia de poliomielite Brasil 1967 Dr. Antonio Tufik Simão – HSPE RJ Dr. Peter Josef Safar - 1958 Peter J. Safar (1924-2003) CPR Pcts inconscientes - 1958 Extensão da cabeça (head tilt) Elevação do queixo (chin lift) Extensão da mandíbula (jaw thrust) ABC reanimação - vias aéreas, respiração e compressão torácica em reanimação moderna e hipotermia 3 indicações para o Prêmio Nobel de Medicina Peter Josef Safar Patrick Kochanek, director of the Safar Center for Resuscitation Research in Pittsburgh “If a person looked hopeless... he'd be the first to say, `Is it appropriate to give CPR?'” Safar, concerned that the technique he worked hard to teach was being used unthinkingly in every instance of cardiopulmonary arrest, wrote: “CPCR is for the person with a heart and brain too good to die.” Avanços tecnológicos permitem adiar o momento da morte Distanásia Situação de equilíbrio Pessoa (Fisicamente enferma) Ato Médico • A pessoa deseja o que a medicina pode oferecer • A medicina oferece o que a pessoa deseja Conflito Pessoa A pessoa deseja muito mais do que a medicina pode oferecer (Fisicamente enferma) Ato Médico Conflito A medicina oferece muito mais do que a pessoa deseja • Futilidade terapêutica • Distanásia Pessoa (Fisicamente enferma) Ato Médico Quando os médicos não discutem 1- “ A PORNOGRAFIA DA MORTE” - 1995, Geoffrey Gorer, Sociólogo Inglês Luto, morte e morrer: banidos e proscritos da sociedade atual. Início do século XIX todos, incluindo crianças, estavam familiarizados com a morte. Os nascimentos, no entanto, assim como as relações sexuais eram considerados pornográficos. The Washington Post - John H. Flashen – médico, 1991 “Escolhendo Morte ou Mamba na UTI” Ficção 3 missionários religiosos, prisioneiros de canibais Chefe: morte ou mamba ? 2 deles: mamba !! Morte ou mamba? Souberam, então, que mamba era uma cobra venenosa cuja picada impunha enorme e insuportável sofrimento antes de culminar, após algumas horas, em morte. Viveram, assim, uma longa agonia antes do final. Terceiro Missionário Rogou ao chefe canibal que lhe concedesse a morte. Recebeu como resposta que a teria sem dúvida, porém, precedida de um pouquinho de mamba. A questão apresentada pelo autor aos médicos é sobre a quantidade de mamba imposta diariamente a inúmeros pacientes internados em UTIs Cuidados médicos Espiritual Psicossocial Pessoa Ato Médico (Fisicamente enferma) Eficácia Toxicidade Potencial •Autonomia •Sacralidade da vida •Beneficência •Não-maleficência •Justiça (Equidade) Custo Responsabilidade social Custos - EUA PIB USD 17 trilhões Saúde → 12% - USD 2,04 trilhões UTI – 20% - 408 USD bilhões DMOS – 20% Não-sobreviventes: 100 mil USD por pct. Sobreviventes: 500 mil USD por pct. Custos elevados e atos médicos “Está em questão o verdadeiro significado e o lugar da medicina na sociedade e a extensão da autoridade que essa sociedade outorga aos profissionais da saúde”. Rubin SB. When doctors say no: the battleground of medical futility. Bloomington: Indiana University Press; 1998 Onera: previdência, pensões, planos de saúde aposentadoria, dentre outros Prejudica: tratamentos e pacientes viáveis Mortalidade Incertezas do julgamento clínico – arte médica Avanço tecnológico e ambiente da UTI: Índices numéricos com 15% de erro quanto à sobrevivência ou morte Kirby, RR; Civetta, JM:Critical care outcome, 1988 Mesma taxa para prospectivas do julgamento clínico Civetta, JM: Does clinical judgement correctly allocate surgical intensive care? Crit Care Med 1983 Rodman, GH: How accurate is clinical judgement Julgamento clínico não pode ser colocado de lado Reconhecimento: a expressão da arte médica é dependente da educação médica e da experiência Soluções tecnológicas não resolvem os problemas do tratamento prolongado em UTI Média etária 79,3 anos UTI Há tratamento E há cura?? Há prognóstico??? Conflitos Juramento Hipocrático Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Medicina Paternalista Pai > Filho Paternalismo benevolente Saber = poder Eu sei, eu decido o que é melhor para você Bioética e Saúde Surgimento da figura do paciente como sujeito moral! Não mais subordinado à autoridade ou ao paternalismo do médico Princípios da Bioética Autonomia – Anomia - Heteronomia Beneficência Não-maleficência Justiça: imparcialidade na distribuição de recursos “Que não façamos para alguns o que não estamos dispostos, ou somos incapazes, de fazer a todos”. Autonomia O indivíduo autônomo age livremente de acordo com um plano de ação que ele mesmo escolheu. O indivíduo que age autonomamente deve: - Ter seus próprios pontos de vista; - Fazer suas próprias opções - Agir de acordo com os seus valores e crenças pessoais. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA RESOLUÇÃO CFM Nº 1.995, 9 DE AGOSTO DE 2012 Diário Oficial da União; Poder Executivo; Brasília, 31 ago. 2012, Seção 1, p.269270 Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Art. 1º Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade Tese Clássica “O médico não deve abandonar nunca seu paciente e deve continuar tentando tudo enquanto houver o mínimo sinal de vida”. Termo “vivo” não constitui mais um conceito simples Antes da UTI: o processo de morrer era misericordiosamente curto Distanásia Obstinação, diagnóstica e terapêutica, e tem uma forte conotação de autoritarismo. Indica o prolongamento do processo da morte, por meio de tratamentos (extraordinários) que apenas têm o objetivo de prolongar a vida biológica do doente. RESOLUÇÃO CFM Nº 1.931, DE 17 DE SETEMBRO DE 2009 Diário Oficial da União; Poder Executivo, Brasília, DF, 24 set. 2009. Seção I, p. 90-2 Capítulo V – RELAÇÃO COM PACIENTES E FAMILIARES É vedado ao médico: Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal. Condutas distanásicas-justificativas A convicção acrítica de que a vida é um bem pelo qual se deve "lutar" até ao limite, não levando em consideração a qualidade da vida; O desprezo e a ignorância pela vontade do doente e de seus familiares; A angústia do médico diante do insucesso terapêutico e a resistência em aceitar a morte do doente. Dr. Renato Buzzonetti Na manhã de sábado, 02/04, pelas 7:30h foi celebrada a missa na sua presença e já começava a revelar indícios, embora descontínuos, de comprometimento de seu estado de consciência. Pelas 15:30h, com voz fraquíssima e em língua polaca, pediu: “Deixem-me partir para o Senhor! Os médicos se deram conta de que o fim era iminente e que qualquer novo procedimento terapêutico seria inútil (distanásico). Às 21:37h, exalou seu último suspiro”. Papa João Paulo II Papa João Paulo II Derradeiros momentos: Abdicou: Em seus aposentos no Vaticano Da improvável melhora Ouvia preces da multidão Médicos e equipe multidisciplinar Praça São Pedro Suporte de UTI Conforto das orações Hospitais em Roma Processo de morrer Ensino médico predominante Regimes rígidos das disciplinas Matriz curricular acolhe saberes reflexivos e críticos? Há estímulo para saberes reflexivos? Consideram valores do próprio paciente? Há omissão nos conflitos morais complexos? Informações: dos monitores / história pessoal ????? Como o paciente chega a UTI? Pronto Socorro Enfermarias Centro Cirúrgico Conflitos Intensivistas Como o paciente chega a UTI? 1- Pronto Socorro – trazido por familiares – residência SAMU Asilos, casas de repouso Vaga solicitada por médico Como o paciente chega a UTI? 2- Enfermarias vagas solicitadas internamente médicos, enfermeiros e familiares Como o paciente chega a UTI? 3-Centro Cirúrgico urgência ou eletiva cirurgião e/ou anestesista Como o paciente chega a UTI? Todos distanásicos???? Intensivistas? Conflitos: financeiros, legais, éticos, religiosos, terminalidade da vida, morais, utilização de recursos caros e escassos, I/I/N Temor: Judicialização da Medicina Ortotanásia Suspender ou não iniciar procedimentos e tratamentos. Os médicos não têm o dever de manter procedimentos desnecessários (fúteis), contrariando a vontade do paciente ORTOTANÁSIA Outlook 2003.lnk orto = correto JHTorres Ortotanásia e processo de morrer Insegurança dos médicos Despreparados para avaliar os complexos conflitos morais Pacientes Outro lado: Cresce a sedução pelos procedimentos tecnológicos Decresce o reconhecimento na competência médica Judicialização Temor atual Documentos e Tempo Tempo disponível para conversar e ouvir Prontuários: anotações precisas Estado de saúde e orientações aos familiares Nome dos familiares Envolvimento da equipe Coragem e segurança profissional Communication with dying patients – perception of intensive care units nurses in Brazil 2002 -entrevistas semi-estruturadas 10 enfermeiras de UTI clínicas e cirúrgicas – HCFMUSP Resultados: 1- o valor da comunicação com pacientes terminais; 2-os obstáculos encontrados durante este processo; 3-a necessidade de identificar as demandas individuais de cada paciente, 4- ser capaz de utilizar a comunicação como ferramenta no cuidado paliativo do paciente moribundo. Araujo, MMT; Silva, MJP Conclusões: 1- Enfermeiros na UTI consideram que a comunicação com os pacientes moribundos é uma fonte terapêutica efetiva, 2- Próprias dificuldades de comunicação com pacientes moribundos, 3- Mal preparados para a tarefa e, muitas vezes, distanciando-se dos pacientes por sua incapacidade de lidar com seus próprios sentimentos, que foram trazidos pela confrontação com a iminência da morte. 4- Resultados corroboraram os achados de outros estudos e revelaram um aspecto educacional na formação em enfermagem que merece consideração séria. Alerta “Caregivers of patients who received any agressive care were at higher risk for developing a major depressive disorder, experiencing regret, and feeling unprepared for the patient’s death”. ORTOTANÁSIA DOENTE EM FASE TERMINAL DE ENFERMIDADE GRAVE E INCURÁVEL (irreversibilidade e não transitoriedade) O MÉDICO PODE EVITAR O RESULTADO MORTE ?!?!? HÁ POSSIBILIDADE DE SE EVITAR A MORTE ?!?! NÃO JHTorres ORTOTANÁSIA DOENÇA GRAVE E INCURÁVEL PACIENTE EM ESTADO TERMINAL SUSPENDER OU NÃO INICIAR PROCEDIMENTOS E TRATAMENTOS NÃO HÁ OMISSÃO RELEVANTE NÃO HÁ POSSIBILIDADE DE EVITAR A MORTE NÃO HÁ DEVER JURÍDICO DE EVITAR A MORTE NÃO HÁ HOMICÍDIO POR OMISSÃO JHTorres Distanásia O prolongamento fútil do tempo de vida Sem qualidade de vida “O TÉDIO ENTRE A VIDA E A MORTE. COMO TOMAR A MELHOR CONDUTA? E A EU TANÁSIA” Caronte Muito obrigado! Mauro Hilkner