ANÁLISE DO COMPORTAMENTO OPERAÇÕES ESTABELECEDORAS: UM CONCEITO DE MOTIVAÇÃO 27 2 RACHEL NUNES DA CUNHA GEISON ISIDRO-MARINHO O emprego do conceito de motivação como termo técnico da psicologia requer precisão seja qual for o referencial teórico e metodológico utilizado, de modo a dirimir a ambigüidade que o termo encerra na linguagem coloquial. Historicamente, as variáveis motivacionais têm sido consideradas como determinantes da ação humana, aspecto que manteve o conceito de motivação como um tópico vigente na psicologia. O que torna esse tema fascinante e desafiador para os psicólogos é compreender a que esse conceito se refere no amplo arcabouço teórico, conceitual e metodológico da psicologia. A questão fundamental está no tratamento e na descrição das variáveis controladoras do comportamento. Análises sobre o papel da motivação na explicação do comportamento têm conduzido a várias concepções teóricas e metodológicas que refletem os esforços da psicologia para elucidar uma pergunta básica: por que os homens comportam-se da maneira como o fazem? O estudo do tópico de motivação nos conduz à discussão sobre a natureza das variáveis motivacionais que têm sido caracterizadas tanto como processos internos quanto como eventos do ambiente externo. Essas diferenças ocorrem porque a psicologia apresenta diversidades na definição de seu objeto de estudo, de sua metodologia e de seus pressupostos epistemológicos. Para os analistas do comportamento, as variáveis motivacionais são variáveis ambientais. Um fator complicador é que “motivação”, como um termo da linguagem coloquial, pode apresentar ambigüidades pelas várias acepções do verbete na língua portuguesa. O dicionário eletrônico do Instituto Antônio Houaiss (2001) da língua portuguesa traz o verbete motivação como um substantivo feminino, e na acepção de “ato ou efeito de motivar”, o verbete é definido em termos jurídico, lingüístico e semiótico e psicológico. Na rubrica da psicologia, apresenta como significado um “conjunto de processos que dão ao comportamento uma intensidade, uma direção determinada e uma forma de desenvolvimento próprias da atividade individual”. Tal definição é apresentada no referido dicionário como: 1. motivação altruísta, aquela “que considera ou favorece o bem-estar de outrem”; 2. motivação de eficácia, aquela relacionada à competência (capacidade). O dicionário indica como sinônimo e variantes a consulta do verbete “causa”. Douglas Mook, em seu livro Motivation – The organization of action (edição de 1987), preocupa-se com a forma como as diferentes abordagens do conceito de motivação têm sido apresentadas. Refere-se, por exemplo, às controvérsias e às questões teóricas que, às vezes, são apresentadas uma em oposição à outra, a exemplo de impulsos versus instintos (padrões-fixos-deação), impulso animal versus teorias cognitivas, pesquisa com humanos versus com organismos não-humanos. Para Mook, esse modo de com- 28 ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS. paração pode levar-nos a negligenciar algumas possibilidades de interface que, por exemplo, as pesquisas com organismos não-humanos e humanos têm, como nos tópicos sobre fome, sede, afeiçoamento ou simpatia e desamparo. Não podemos negar essas divergências e devemos ter o cuidado para não pôr uma teoria contra outra, porque poderemos cometer erros de natureza lógica, epistemológica e conceitual. Talvez o maior equívoco seja perder as possibilidades de interface entre diferentes concepções que podem proporcionar uma visão nova ou um melhoramento – ou maior esclarecimento – do conceito de motivação com todo o rigor que a pesquisa exige para descaracterizar o uso coloquial do termo motivação. O conceito de motivação passou por várias acepções ao longo do tempo – tais como instinto, impulso e a retomada do conceito de instinto pelos etologistas –, mas, sem dúvida alguma o termo impulso foi o que teve maior impacto. Esse impacto é refletido, por exemplo, na postura dos analistas do comportamento ao definir o conceito de motivação sem fazer referência ao termo impulso, de modo a dissipar a base mentalista ou organísmica que o termo recebeu dos behavioristas metodológicos, como, por exemplo, Clark Hull (1884-1952). Quando o conceito de impulso tinha um status fortemente mentalista ou organísmico, Skinner, em seu livro publicado em 1938, The behavior of organisms – An experimental analysis, dedicou dois capítulos a este conceito (Capítulo 9 – “Drive” e Capítulo 10 – “Drive and conditioning: The interactions of two variables”), nos quais fornece uma abordagem essencialmente objetiva sobre o tópico. Segundo Skinner, o problema que temos com o conceito de impulso é a natureza causal de propriedades internas que foi atribuída a essa variável. Skinner (1938, 1953/2000) trata a motivação em termos de operações de privação, saciação e estimulação aversiva, enfatizando essas operações como variáveis ambientais controladoras do comportamento. Skinner (1938, 1953/2000), posteriormente Keller e Schoenfeld (1950/1974), Millenson (1967) e Millenson e Leslie (1979) referem-se ao termo impulso como um evento do meio ambiente, ou seja, como a descrição de uma operação que pode ser executada sobre o organismo (p. ex.: privá-lo de alimento, aumentar a temperatura do ambiente acima das condições adequadas de adaptação e conforto). Verificamos, portanto, que a questão crucial que gera as divergências na definição do termo motivação está na concepção da causalidade do comportamento dos organismos. Skinner (1953/2000, p. 24) abordou os termos causa e efeito em ciência a partir de uma relação funcional, uma causa foi definida como “uma mudança em uma variável independente” e um efeito foi definido como “uma mudança em uma variável dependente”. Dessa forma, para ele, a relação de “causa e efeito” foi transformada em uma relação funcional. Para descrever uma relação funcional entre o organismo e o ambiente, Skinner desenvolveu um instrumento conceitual que se tornou a ferramenta básica do analista do comportamento: as contingências de reforço. Para garantir a especificidade de um termo, na acepção psicológica faz-se necessário um conjunto de ferramentas intelectuais e experimentais, constituído de conceitos básicos e de princípios que norteiem uma análise sistemática e funcional do comportamento. Essa exigência está presente na abordagem analítico-comportamental do conceito de motivação, denominada de Operações Estabelecedoras. OPERAÇÕES ESTABELECEDORAS O termo operações estabelecedoras, como um conceito de motivação, será abordado, considerando os aspectos históricos, metodológicos e teóricos das pesquisas básica e aplicada. Considerações históricas Keller e Schoenfeld (1950/1974) enfatizaram a necessidade de se conceituar a motivação como variáveis ambientais controladoras do comportamento de forma a evitar o conceito de impulso como variável interna, conforme defendido pelos behavioristas metodológicos, e de acordo com o empreendimento científico de Skinner denominado de Análise ANÁLISE DO COMPORTAMENTO Experimental do Comportamento. Keller e Schoenfeld chamavam a atenção dos analistas do comportamento para outros eventos ambientais, além dos eventos reforçadores, ao se fazer uma análise de contingências. O aspecto ressaltado nessa advertência refere-se ao fato de que para um objeto funcionar eficazmente como reforçador, faz-se necessário que um outro evento ambiental estabeleça sua eficácia. Assim, Keller e Schoenfeld introduziram o conceito de operação estabelecedora para identificar esses eventos ambientais e demonstrar sua função motivacional. Ao empregarem o termo operação estabelecedora (primeiro uso do termo) para definir a motivação na abordagem analítico-comportamental, Keller e Schoenfeld (1950/1974) demonstraram que podemos tratar a variável motivacional como uma variável independente, que pode ser manipulada de maneira experimental. Definir motivação como operações estabelecedoras implica poder executar certas operações sobre o organismo (p. ex.: privá-lo de alimento), as quais têm como efeitos uma mudança momentânea da efetividade de um evento como reforçador e uma mudança momentânea da freqüência de qualquer comportamento que tenha sido seguido por esse evento reforçador. Keller e Schoenfeld (1950/1974) preocuparam-se em definir o termo impulso não como estímulo nem como resposta, usando-o como um recurso de linguagem para descrever um conjunto de relações. Por exemplo, impulso não poderia ser confundido com estímulos internos (câimbras estomacais que acompanham a privação de alimento). Esses estímulos são discriminativos para a resposta verbal “tenho fome” (operante verbal – tato). O impulso também não poderia ser confundido com uma resposta produzida pela operação de privação, por exemplo, o comportamento de comprar um lanche. Para Keller e Schoenfeld, o impulso seria mais adequadamente definido como um conjunto de relações entre o organismo e o ambiente – operações estabelecedoras. Ao lidar com o conceito de motivação, Millenson (1967) e Millenson e Leslie (1979) também enfatizaram o papel das variáveis ambientais. Para eles, a motivação correspon- 29 deria a operações de impulso, as quais teriam a função de alterar o valor dos reforçadores. Esses autores classificaram em dois tipos as operações de impulso: “(1) uma [operação] que tem a função de reduzir ou eliminar o valor reforçador (saciação) e (2) outra que trabalha para aumentar o valor dos reforçadores (privação)” (Millenson, 1967, p. 366). Preocupado também com a precisão dos conceitos e com a forma de enunciar relações funcionais que abrangem interações do indivíduo com o ambiente, Michael (1982, 1993) retomou o conceito de operação estabelecedora, proposto por Keller e Schoenfeld (1950/ 1974), para definir motivação na análise do comportamento. Em sua análise, Michael incluiu as variáveis motivacionais aprendidas que não foram explicitamente tratadas por Skinner (1938, 1953/2000), Keller e Schoenfeld (1950/1974), Millenson (1967) e Millenson e Leslie (1979), os quais se limitaram a discutir as variáveis motivacionais filogeneticamente determinadas (da Cunha, 1993). Michael fez uma importante contribuição para a análise do comportamento, ao estabelecer um novo instrumento conceitual e metodológico, caracterizado como operações estabelecedoras aprendidas, com implicações para as pesquisas básica e aplicada (da Cunha, 1993, 1995; Iwata, Smith, e Michael, 2000; Sundberg, 1993). Skinner não utilizou o termo operação estabelecedora para tratar do conceito de motivação, tratando-o em termos de privação/ saciação e estimulação aversiva. Por outro lado, pode-se dizer que Skinner (1938, 1953/2000), Keller e Schoenfeld (1950/1974), Millenson (1967) e Millenson e Leslie (1979) deram o mesmo tratamento para as variáveis motivacionais como controladoras do comportamento, ou seja, as variáveis motivacionais foram tratadas como variáveis ambientais (da Cunha, 1993, 1995, 2000). Definição Michael (1993) define uma operação estabelecedora como uma variável ambiental em função de seus dois principais efeitos, denominados de efeito estabelecedor do reforço 30 ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS. e efeito evocativo. O efeito estabelecedor do reforço é caracterizado pela alteração momentânea da efetividade reforçadora de algum objeto, evento ou estímulo; o efeito evocativo, por sua vez, é caracterizado pela alteração momentânea da freqüência de um tipo de comportamento que tem sido reforçado por aquele objeto, evento ou estímulo. É importante enfatizar que a definição do conceito é feita a partir dos efeitos que a variável motivacional exerce sobre o comportamento do organismo (da Cunha, 1993, 1995, 2002; Keller e Schoenfeld, 1950/1974; Michael, 1993, 2000). Uma operação estabelecedora é um evento ambiental que está correlacionado filogenética e ontogeneticamente com a eficácia do reforço ou da punição e que evoca ou suprime um tipo de comportamento que tenha sido reforçado ou punido por esse evento (privação ou saciação são exemplos de operações estabelecedoras). Skinner (1953/ 2000) cita alguns exemplos de efeitos sobre o comportamento exercidos por essas operações estabelecedoras: (a) restringindo-se a ingestão de água (privação), pode-se aumentar a probabilidade de uma criança beber leite; (b) servindo-se grandes quantidades de pão de boa qualidade antes do jantar (saciação), pode-se diminuir a probabilidade de um cliente reclamar da pequena quantidade de comida servida no jantar. Refinamento do conceito de operações estabelecedoras Michael (1982) tratou o conceito de motivação como estímulo estabelecedor (SE), o qual teria a função de modificar a efetividade de um outro estímulo como reforçador e de evocar um tipo de comportamento que tenha sido reforçado por aquele estímulo. Em 1993, o termo estímulo estabelecedor foi substituído pelo termo operação estabelecedora como uma forma genérica de se referir à variável motivacional. A partir da classificação de dois tipos de operações estabelecedoras e da efetivação de uma taxonomia comportamental, Michael sistematizou o conceito de motivação. As operações estabelecedoras de privação e saciação trabalham em direções opostas. A privação de algum objeto implica um período de tempo de acesso restrito a esse objeto, seja ele alimento, água ou qualquer outra condição de estímulo, como, por exemplo, interações sociais. Entretanto as operações ambientais que trabalham na direção oposta da privação podem variar para um ou outro estímulo e, assim, o termo saciação pode não ser útil. Portanto, Michael (2000) propõe um refinamento conceitual da terminologia motivação, introduzindo o termo operações abolidoras para fazer referência àquelas operações ambientais que suprimem a efetividade de um evento reforçador e a ocorrência de comportamentos que tenham sido reforçados por esse evento reforçador. Classificação Michael (1993) propôs a classificação das operações estabelecedoras em duas categorias: Operações estabelecedoras incondicionadas São de origem filogenética e variam de espécie para espécie. Os efeitos de alteração da eficácia do reforço que esse tipo de operação estabelecedora produz abrangem eventos ou estímulos reforçadores incondicionados, por isso Michael denominou essas operações de operações estabelecedoras incondicionadas. Nascemos com a capacidade de termos nossos comportamentos reforçáveis por alimentos ou pela cessação ou redução de estímulos aversivos, sendo que determinados aspectos do ambiente podem aumentar ou reduzir a eficácia desses reforços. Embora esses reforços sejam incondicionados, o comportamento evocado por uma operação estabelecedora incondicionada (verificado pelo efeito evocativo) é sempre aprendido. Por exemplo, a privação de água torna a água mais efetiva como forma de reforçador para os mamíferos, como resultado dessa operação, sem que haja história de apren- ANÁLISE DO COMPORTAMENTO dizagem. Porém o repertório comportamental para adquirir água é sempre aprendido por esses organismos. A seguir, apresentamos exemplos de operações estabelecedoras incondicionadas e seus respectivos efeitos: 1. Saciação de alimento. Esta operação tem como efeito estabelecedor do reforço a diminuição, momentânea, da eficácia do alimento como reforçador e, como efeito evocativo, a diminuição, momentânea, da freqüência de qualquer tipo de comportamento que tenha sido reforçado por algum alimento. Por exemplo, em uma refeição, comer do prato principal até a saciação pode diminuir a eficácia reforçadora da sobremesa e suprimir a freqüência do comportamento de consumo desta. 2. Privação de alimento. Esta operação tem como efeito estabelecedor do reforço, o aumento momentâneo da eficácia do alimento como evento reforçador, e seu efeito evocativo é demonstrado pelo aumento, também momentâneo, de qualquer tipo de comportamento que tenha sido reforçado por alimento. Privando um indivíduo de alimento, por exemplo, pode-se alterar a eficácia reforçadora do alimento e aumentar a freqüência do comportamento de preparar um lanche. 3. Aumento da temperatura. Esta operação quando está acima do nível normal das condições de adaptação e de conforto tem como efeito estabelecedor do reforço a diminuição do nível da temperatura como um evento reforçador eficaz. O efeito evocativo é verificado pelo aumento momentâneo da freqüência de qualquer comportamento que tenha sido reforçado pela diminuição do nível da temperatura. Um exemplo seria ligar o ventilador em um dia de calor insuportável. 31 4. Diminuição da temperatura. Esta operação quando está abaixo do nível normal das condições de adaptação e de conforto tem como efeito estabelecedor do reforço o aumento do nível da temperatura como um evento reforçador eficaz. O efeito evocativo é verificado pelo aumento momentâneo da freqüência de qualquer comportamento que tenha sido reforçado pelo aumento do nível da temperatura (p. ex.: ligar o ar quente do carro na presença de uma temperatura muito baixa). 5. Estimulação dolorosa. Esta operação tem como efeito estabelecedor do reforço o aumento da eficácia momentânea da cessação ou da remoção do estímulo doloroso, e o efeito evocativo é demonstrado pelo aumento momentâneo de qualquer tipo de comportamento que tenha sido reforçado pela cessação ou pela remoção da estimulação dolorosa (p. ex.: tomar um analgésico em função de uma forte dor de cabeça). Michael (1993) identificou nove tipos de operações estabelecedoras incondicionadas, a saber: estimulação dolorosa; diminuição da temperatura abaixo das condições de adaptação e de conforto, aumento da temperatura acima das condições de adaptação e de conforto; variáveis relacionadas ao reforçamento do comportamento sexual. Os outros cinco tipos de operações estão relacionados às operações de privação e de saciação de água, de alimento, de oxigênio, de atividade e de sono. Operações estabelecedoras condicionadas São de origem ontogenética e, portanto, relacionadas à história de reforçamento de cada organismo. A distinção entre as operações estabelecedoras incondicionadas e as condicionadas é feita com base no efeito estabelecedor do reforço, pois o evento reforçador 32 ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS. pode ser inato ou aprendido. No que concerne às operações estabelecedoras condicionadas, elas têm recebido maior atenção dos pesquisadores na tarefa de demonstração empírica e foram classificadas por Michael (1993) em três tipos: 1. Operação estabelecedora condicionada substituta. Esta operação referese a uma relação simples, envolvendo uma correlação temporal de um evento, previamente neutro, que sistematicamente antecede uma operação estabelecedora incondicionada ou condicionada e, como resultado desse emparelhamento, aquele evento neutro adquire a característica motivacional da operação estabelecedora com a qual fora emparelhado (adquire suas funções evocativas e funções de estabelecimento do valor do reforço). Por exemplo, ao emparelhar uma luz (estímulo neutro para a função motivacional) com a redução de temperatura (operação estabelecedora incondicionada), seria esperado que a luz adquirisse não só as funções respondentes (eliciadoras) ou reforçadoras/punitivas, como também as funções motivacionais da redução da temperatura. A presença dessa luz deveria estabelecer o aumento da temperatura como uma forma eficaz de reforçamento e evocar qualquer tipo de comportamento que tenha sido reforçado pelo aumento da temperatura. 2. Operação estabelecedora condicionada reflexiva. Esta envolve uma relação mais complexa em que um evento ou estímulo sistematicamente precede alguma forma de estimulação aversiva e, se esse estímulo é removido antes da ocorrência da estimulação aversiva, a estimulação aversiva deixa de ocorrer. Os procedimentos de esquiva sinalizada são exemplos desse tipo de operação estabelecedora. De acordo com Michael (1993), o evento ou estímulo sinalizador da esquiva funciona como uma variável motivacional do tipo condicionada reflexiva, e não como um estímulo discriminativo, como enfatiza a literatura sobre esquiva sinalizada (ver o Capítulo 7 para uma discussão detalhada do papel do estímulo sinal na esquiva). A denominação condicionada reflexiva para esse tipo de operação devese ao fato de que o próprio estímulo antecedente motivacional adquire a capacidade de estabelecer sua própria remoção como uma forma efetiva de reforçador condicionado e evoca qualquer tipo de comportamento que tenha produzido a supressão desse estímulo reforçador condicionado. Por exemplo, a luz do painel de um automóvel que indica a quantidade de combustível disponível no tanque possui as propriedades motivacionais de uma operação estabelecedora condicionada reflexiva. Essa luz acesa, aviso de que o combustível está na reserva, estabelece a sua remoção como uma forma de reforço efetivo, pois sua presença esteve pareada com a aversividade de ter o automóvel sem gasolina. Além disso, evoca o comportamento de abastecer o carro, o qual tem sido reforçado pela remoção da luz acesa. 3. Operação estabelecedora condicionada transitiva. Esta operação é a relação mais complexa e foi relacionada por Michael (1993) com o conceito de reforçador condicionado condicional. A efetividade de muitas formas de reforçadores positivos condicionados podem depender de uma condição de estímulo antecedente (operação estabelecedora condicionada transitiva), na qual esses reforçadores positivos condicionados tiveram sua eficácia estabelecida. O estabelecimento da eficácia desses reforçadores depende de uma ANÁLISE DO COMPORTAMENTO história individual do organismo. Por exemplo, um aparelho de telefone público é ocasião para o comportamento de fazer uma ligação telefônica. Porém, em relação ao cartão telefônico, o aparelho funciona como uma operação estabelecedora condicionada transitiva porque estabelece o cartão como uma forma efetiva de reforço e evoca o comportamento de procurá-lo na carteira. A demonstração empírica desse tipo de operação estabelecedora tem recebido atenção de alguns pesquisadores com trabalhos publicados (McPherson e Osborne, 1968; 1988) e de outros pesquisadores com trabalhos não-publicados (McPherson, Trapp e Osborne, 1984; Osborne e Mcpherson, 1986; Alling, 1990; da Cunha, 1993 – estes dois últimos citados em da Cunha, 1995). Essas demonstrações empíricas têm utilizado pombos como sujeitos experimentais e têm, de certa forma, demonstrado, com algum sucesso, o desenvolvimento de procedimentos experimentais para investigar operações estabelecedoras condicionadas transitivas como uma variável ambiental e uma variável motivacional controladora do comportamento. Nesses procedimentos têm sido difícil distinguir a função motivacional de um evento ambiental (a suposta operação estabelecedora condicionada transitiva) de sua função discriminativa, caracterizando assim, como aspecto fundamental dessa linha de pesquisa, o desenvolvimento de procedimentos que nos permitam demostrar empiricamente essa distinção. Surge, assim, uma nova área de investigação na análise experimental do comportamento que possibilita aos analistas do comportamento estudar a motivação como uma variável independente e não apenas contextual (da Cunha, 1993; 1995; 33 2000; Iwata, Smith e Michael, 2000; Sundberg, 1993). Relação entre os conceitos de operação estabelecedora (OE) e de estímulo discriminativo (SD) Os conceitos de operação estabelecedora e de estímulo discriminativo estão relacionados, pois ambos são eventos antecedentes ao comportamento e têm, de forma diferenciada, implicações com a conseqüência. A análise funcional do comportamento tem sido, geralmente, realizada com ênfase no SD e, conseqüentemente, a unidade de análise utilizada tem sido a contingência de três termos. Para se fazer uma análise funcional mais adequada do comportamento, considerando as funções motivacionais e discriminativas dos estímulos antecedentes, faz-se necessário incluir a OE como um quarto elemento da contingência. A inclusão de mais um termo na relação de contingência implica a necessidade de distinção das funções discriminativa e motivacional do estímulo antecedente. Nesse sentido, o conceito de SD é fundamental para a compreensão e para a demonstração empírica do conceito de OE. Os estímulos discriminativos são, em geral, denominados como sinais ou pistas para uma determinada ação, à medida que sinalizam as ocasiões em que as respostas terão certas conseqüências e, portanto, ocasionam comportamento. O conceito de SD tem sido correlacionado às condições antecedentes que são ocasião para a resposta levando-se em consideração apenas a condição em que uma dada resposta será reforçada. Michael (1982), entretanto, retoma o conceito de SD enfatizando as suas duas condições de estímulo: uma condição de estímulo SD, em que, dada a efetividade de um evento como reforçador, a ocorrência de um determinado comportamento será seguida pelo reforço; e uma condição de estímulo SΔ, em que, dada a efetividade daquele evento reforçador, a ocorrência desse mesmo comportamento não será reforçada. Isto é, o conceito de SD envolve uma história específica de treino discriminativo com duas condições de estímulos antecedentes relacionadas à dis- 34 ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS. ponibilidade diferencial de reforçamento (Michael, 1993). Como resultado do treino discriminativo, o SD evoca um dado comportamento com uma história de reforçamento diante desse estímulo, enquanto o SΔ não evoca o mesmo comportamento. Em resumo, o SD apresenta uma função evocativa sobre o comportamento devido a uma história de correlação temporal com o reforço. Em uma dada situação experimental, por exemplo, a função evocativa do SD pode ser claramente observada. Em uma caixa operante, equipada com uma barra, um bebedouro e uma lâmpada localizada acima da barra, um rato privado de água é submetido ao treino discriminativo. Quando a lâmpada acima da barra está acesa (presença de luz), as respostas de pressão à barra são seguidas por água como reforço. Por outro lado, quando a lâmpada está apagada (ausência de luz), nenhuma conseqüência é dada ao mesmo comportamento do animal. Após algumas exposições a essas condições, o rato exibe o comportamento de pressão à barra apenas na presença da luz. Diante da luz como condição de estímulo SD, o comportamento de pressão à barra é reforçado e, portanto, quando a luz está presente o comportamento é evocado. Diante da ausência de luz (condição de estímulo SΔ), o comportamento de pressão à barra não é exibido, pois não há uma história de reforçamento por água nessa condição. O conceito de OE, no entanto, está relacionado à efetividade do evento reforçador. Para Michael (1993), a OE como condição de estímulo antecedente altera momentaneamente a efetividade de um reforço e evoca comportamentos relacionados historicamente com esse reforço. A privação de água, por exemplo, altera a efetividade reforçadora da água, e qualquer comportamento que a produza é fortalecido. Na situação experimental anteriormente citada, a privação alterou o valor da água como reforço, que ao seguir o comportamento de pressão à barra passou a selecioná-lo. Por outro lado, além de estabelecer o valor do reforço, a OE evoca o comportamento de pressão à barra, pois há uma relação histórica entre aquele comportamento e o reforço, cuja efetividade é estabelecida pela privação. Semelhantemente ao SD, a OE possui a função evocativa do comportamento, que, por vezes, é confundida com a função evocativa do SD. O que diferencia as referidas condições de estímulo antecedente é a função estabelecedora do reforço, a qual é apresentada somente pela OE. Essa função é imprescindível para que, em um treino discriminativo, o SD adquira a função evocativa. No exemplo anterior, o controle discriminativo só foi possível porque havia um reforço efetivo – água – e assim o comportamento de discriminar entre a ausência e a presença de luz foi observado. Nesse sentido, pode-se verificar que a OE aumentou a efetividade evocativa do SD, o que, para Michael (1993), seria um terceiro efeito da OE. A privação como OE tem uma função motivacional, e a presença da luz (SD) tem uma função discriminativa. Em situações laboratoriais, a clareza na distinção da OE e do SD requer mais estudos empíricos. Em situações aplicadas, essa distinção é obscurecida, algumas vezes, por variáveis como, por exemplo, a história de vida particular do organismo. Considerar a história do organismo é considerar as relações das quais resultam as operações estabelecedoras condicionadas (OEC). Diante dessas condições, a distinção de uma OEC e um SD pode tornar-se difícil. No seguinte contexto aplicado, por exemplo, qual seria a função antecedente de um pneu furado de um automóvel para o comportamento de trocá-lo ou de procurar por uma borracharia? Em um primeiro momento, podese considerar essa condição de estímulo como sendo SD, pois é a ocasião para trocar o pneu pelo estepe. Entretanto o pneu furado altera a efetividade reforçadora do estepe e de todos os objetos (ferramentas) relacionados com a ação de trocar o pneu, bem como de qualquer placa de sinalização que indique a presença de borracharia – função motivacional. Nesse caso, o pneu furado funciona como uma operação estabelecedora condicionada transitiva que estabelece o valor reforçador condicionado de alguns estímulos. A consideração precipitada apenas da função evocativa do pneu furado implicaria o equívoco de deixar de lado a função motivacional que essa condição de estímulo ANÁLISE DO COMPORTAMENTO tem sobre a definição de certos objetos como reforçadores. Outro exemplo a ser considerado na distinção da OE e do SD consiste nos procedimentos de esquiva sinalizada. Um rato na caixa experimental recebe choques (Ss aversivos) em um intervalo de tempo variável de um minuto (VT 1 min). Antes da apresentação de cada choque, um som é apresentado. Ao pressionar a barra, o animal interrompe a apresentação do som e do choque. No entanto, se a pressão à barra ocorrer na presença do som apenas, essa resposta pode prevenir a apresentação do estímulo aversivo (choque). Nesse procedimento, o som e o choque são considerados operações estabelecedoras reflexivas condicionada e incondicionada, respectivamente, e não estímulos discriminativos (Michael, 1993). O som, ao ser apresentado junto com o choque, adquire as funções necessárias para que sua presença evoque respostas de evitação. Para ser considerado um SD, a situação experimental deveria possuir uma condição de estímulo análoga à condição SΔ. Na presença do som, a resposta de esquiva é evocada, pois há uma conseqüência reforçadora imediata – a eliminação do som. Supondo um paralelo com a situação de SΔ, a ausência do som impossibilita o reforçamento negativo por sua própria remoção – “a efetividade do reforçador negativo depende diretamente da presença do estímulo aversivo condicionado” (Miguel, 2000, p. 262), ou seja, depende da presença do som. O mesmo ocorre na situação de fuga do choque em que o reforçador negativo só se torna efetivo quando o choque está presente. Na ausência do estímulo aversivo (suposto SΔ), não há reforço negativo, portanto não há reforço efetivo. Nesse sentido, o choque não é um SD. Tanto o som quanto o choque estabelecem sua própria remoção como formas de reforço efetivo e evocam comportamentos que tenham uma relação histórica com esses reforços e, assim sendo, devem ser identificados como OEs. Paralelamente à situação experimental, no contexto aplicado, a distinção entre SD e OE em situações de esquiva também é possível. Nos Transtornos de Ansiedade, como o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), por 35 exemplo, observa-se uma pessoa emitir inúmeras vezes uma série de comportamentos com função de esquiva, como lavar as mãos, o verificar o fechamento do registro do botijão de gás e conferir o fechamento de portas e de janelas. As condições dos estímulos antecedentes a esses comportamentos (p. ex.: mãos sujas ou algum tempo sem contato com água e sabão, registro de gás aberto, portas e janelas abertas ou destrancadas ou qualquer outra condição relacionada ao comportamento obsessivo) não são SD para as respostas ditas compulsivas. Essas condições de estímulo são operações estabelecedoras condicionadas reflexivas que estabelecem a efetividade reforçadora das conseqüências do comportamento compulsivo, semelhantemente à presença do som ou do choque, nas condições laboratoriais. Nesse caso, supor uma situação análoga à condição de SΔ é tão inviável quanto na situação experimental anteriormente descrita. Em resumo, o SD apresenta uma função, a função evocativa do comportamento ou discriminativa – na presença do estímulo discriminativo há o aumento na probabilidade de ocorrência do comportamento por causa de uma história de correlação entre a condição de SD e o reforçamento, e entre a condição de SΔ e o não-reforçamento. Por outro lado, conforme indicado por Michael (1993), a OE apresenta quatro diferentes efeitos comuns relacionados à função motivacional. São eles: 1. Efeito estabelecedor do reforço: uma OE aumenta momentaneamente a efetividade reforçadora/punidora de um estímulo. A privação de água torna a água um evento reforçador eficaz. 2. Efeito evocativo/supressivo direto da OE sobre o comportamento: evocação/supressão imediata da OE sobre os comportamentos que tenham uma relação histórica com o reforçador/punidor cuja efetividade fora alterada em (1). A privação de água evoca o comportamento de pressão à barra que tem sido historicamente reforçado por água. 36 ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS. 3. Efeito da OE sobre a efetividade evocativa/supressiva do SD: aumento na efetividade evocativa/supressiva dos estímulos discriminativos correlacionados com o reforçador/ punidor em (1). No treino discriminativo, a privação de água aumenta a efetividade evocativa da luz como SD, pois a luz tem uma correlação com a água. 4. Efeito da OE sobre o reforçamento/ punição condicionado: aumento da efetividade reforçadora/punidora de reforçadores/punidores condicionados cuja efetividade depende de (1). Na seguinte cadeia comportamental – um som – puxar a corrente → luz → pressionar a barra → água–, o som aumenta a efetividade da luz como reforço condicionado, que tem uma relação histórica com água (reforçador incondicionado) e o som também evoca o comportamento de puxar a corrente, devido a relação dessa resposta com um reforço efetivo (luz). Contribuições da pesquisa básica Da Cunha (1993) identificou e classificou os primeiros procedimentos experimentais para investigar os efeitos de operações estabelecedoras, realizados no laboratório animal, enfatizando as operações estabelecedoras condicionadas transitivas. Entre eles temos os apresentados a seguir. Procedimento de três discos McPherson e Osborne (1986, 1988) utilizaram um procedimento de tentativa discreta com três discos de respostas para pombos. Ao início de cada tentativa, o disco da direita era iluminado. A primeira resposta nesse disco tinha como conseqüência a iluminação do disco central. Uma vez iluminado o disco central, bicadas no disco da direita não tinham conseqüências. O disco da esquerda era iluminado em função de um esquema VT. Quando o disco da esquerda estava iluminado, uma resposta no disco central era reforçada por alimento. Respostas adicionais de bicar o disco central não tinham conseqüências programadas. O término de cada tentativa ocorria com o acesso ao alimento, que era seguido por um intervalo entre tentativas (ITI). Durante o ITI, todos os discos permaneciam escuros. O reforço para a resposta de bicar o disco da direita foi a iluminação do disco central (um reforço condicionado, estabelecido por sua relação com o alimento). O estímulo antecedente à resposta de bicar o disco da direita foi a iluminação do disco da esquerda (suposta OEC transitiva). Quando o disco da esquerda não estava iluminado, bicar o disco da direita não estabelecia o valor da iluminação do disco central como reforçador. De acordo com a concepção teórica de Michael (1982, 1993), a iluminação do disco da esquerda deveria funcionar como uma OEC transitiva, por estabelecer a iluminação do disco central com uma forma efetiva de reforçador condicionado (efeito estabelecedor do reforço) e evocar a resposta de bicar o disco da direita (efeito evocativo). A efetividade reforçadora do disco central estava condicionada à iluminação do disco da esquerda. Um efeito eficaz da operação estabelecedora deveria produzir um desempenho que consistia em esperar a iluminação do disco da esquerda, então, bicar o disco da direita, cuja conseqüência imediata era a iluminação do disco central e, finalmente, bicar o disco central, que resultava em alimento. McPherson e Osborne (1986) verificaram que o controle não foi evidente depois de 60 ou mais sessões. Apenas um entre quatro pombos demonstrou o desempenho previsto. No segundo estudo (McPherson e Osborne, 1988) alterou-se o tempo de iluminação dos discos do centro e da esquerda, visando a um maior controle dos estímulos antecedentes. Quando o disco da esquerda era iluminado, em média 12 s depois da iluminação do disco central, o controle pela OEC (iluminação do disco da esquerda) sobre a resposta no disco da direita foi, em geral, muito fraco. Os experimentos de McPherson e Osborne (1986, 1988) trouxeram contribuições para o início das pesquisas experimentais sobre o con- ANÁLISE DO COMPORTAMENTO ceito de operações estabelecedoras, pois foram analisadas as dificuldades que o procedimento de três chaves apresentava. Entre essas dificuldades, há a possibilidade de que as contingências nos três discos permitam uma interpretação de automodelagem de alguns aspectos do desempenho, porque as respostas de bicar os discos da direita e do centro foram automodeladas e, uma vez que esses discos foram iluminados, assim permaneciam até o término da tentativa. Outro fator que talvez tenha dificultado a demonstração empírica dos efeitos da OE foi o fato de a iluminação do disco central (reforço condicionado para a resposta do disco da direita) permanecer até a obtenção do alimento. Essa situação poderia reduzir o contato com tentativas sem uso do disco central quando o disco da esquerda estava escuro. Se a iluminação do disco central fosse estabelecida em alguns segundos, seria possível um maior controle da função motivacional do disco da esquerda. Essa característica do procedimento também fez com que a suposta OEC funcionasse como um estímulo discriminativo para bicar o disco central quando o mesmo estava iluminado antes da condição de OEC. Procedimento de pedal-e-disco Alling (1990) utilizou um procedimento com topografias de respostas diferentes. A resposta de pressionar um pedal produzia um reforço condicionado, e a resposta de bicar um disco produzia um reforço incondicionado. Esse procedimento consistia em uma cadeia de duas respostas: a resposta de pressionar o pedal produzia a mudança da cor da luz acima do pedal – de branca para vermelha – (reforço condicionado), e a resposta de bicar o disco produzia 3 s de ração para pombos (reforço incondicionado). Uma única resposta no pedal tinha como conseqüência a apresentação do reforço condicionado por 5 s (luz do pedal). Uma única resposta no disco da esquerda, na presença da luz vermelha (luz do pedal), produzia alimento por 5 s, dependendo da condição da iluminação da câmara experimental que deveria funcionar como a suposta OEC transitiva para a resposta de pressionar o 37 pedal. A luz da câmara apagada foi definida como ausência da OE. Quatro pombos foram distribuídos em dois grupos a fim de balancear as condições experimentais: para o Grupo 1, a presença de luz ambiente funcionava como presença da OEC, e sua ausência funcionava como ausência da OEC; para o Grupo 2, as condições experimentais foram invertidas. Cada tentativa experimental começava com a condição de não-OEC, sendo a condição de OEC gerada com base em um esquema de VT 60 s. Quando a condição de OEC começava, ela permanecia em efeito até a obtenção de alimento. O desempenho esperado era não pressionar o pedal até que a condição de OEC (luz ambiente acesa ou apagada, dependendo do grupo) estivesse presente, então, a resposta no pedal produziria a mudança de cor da luz do pedal de branca para vermelha e, se em 5 s o pombo bicasse o disco da esquerda, essa resposta seria seguida por 3 s de acesso ao alimento. Todos os quatro pombos desenvolveram o desempenho previsto (em 90% ou mais das tentativas verificou-se que a resposta no pedal ocorria na presença da suposta condição de OEC). Na segunda fase – o teste – removeu-se a conseqüência para a resposta no pedal, de modo que a luz branca estava sempre presente (luz do pedal). Como resultado dessa mudança, esperava-se que ocorresse a quebra na cadeia comportamental, o que não foi observado. A luz da câmara experimental pode ter funcionado como um estímulo discriminativo e não como uma OEC para a resposta no pedal. Supõe-se que a cadeia de duas respostas tenha funcionado como um único bloco de resposta, pois um esquema de razão fixa (FR 1) controlava a resposta de pressionar o pedal e, provavelmente, a resposta no disco estivesse mais sob o controle da luz da câmara experimental do que da luz produzida pela resposta no pedal. Outro aspecto que pode ter contribuído para esse resultado foi o uso de dois estímulos visuais, pois a condição de iluminação (luz/escuro) poderia criar condições de estímulos diferentes quando a luz do pedal estivesse branca ou vermelha. Por exemplo, a luz vermelha acima do pedal poderia ser caracterizada como uma condição de estímulo 38 ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS. diferente se a câmara operante estivesse iluminada ou escura. A terceira fase consistiu em retomar as condições experimentais da primeira fase para se verificar a recuperação da resposta sob as duas condições experimentais. Como resultados dessa fase, os quatro pombos retomaram a resposta no pedal na presença da OEC em 90% ou mais das tentativas. Para dar continuidade aos estudos experimentais de OECs transitivas, da Cunha (1993) utilizou um esquema de razão variável (VR 6) para controlar a resposta de pressionar o pedal que produzia a mudança da luz do pedal (de branca para vermelha) por 5 s. Um estímulo auditivo funcionava como a suposta OEC (um som tipo bip), cuja apresentação foi controlada por um esquema de tempo randômico (RT 1 min). Quatro pombos foram distribuídos em dois grupos: para um grupo, a presença do som era a suposta OEC e, para o outro, sua ausência era a suposta OEC; seus opostos estabeleciam a condição de não-OEC. A medida comportamental dos estudos anteriores foi o percentual de tentativas sem erro (McPherson e Osborne, 1986, 1988; Alling, 1990). Da Cunha (1993) verificou que a taxa de respostas era uma medida mais sensível do que a percentagem de tentativas sem erro ao introduzir um esquema de reforçamento intermitente para a resposta de pressionar o pedal. Para todos os sujeitos, verificou-se nitidamente que a taxa de respostas de pressão ao pedal na condição de OEC foi maior do que na condição de não-OEC. A taxa de respostas de pressão ao pedal na presença da suposta OEC variou de 24 a 27 resp/min, enquanto a taxa de respostas de pressão ao pedal na ausência da suposta OEC variou de 2 a 8 resp/ min, considerando os dados dos quatro sujeitos. A segunda fase teve como objetivo testar o controle da suposta variável motivacional, removendo o evento reforçador condicionado da resposta de pressão ao pedal (luz vermelha do pedal). Esperava-se uma deterioração da cadeia comportamental durante a fase de teste, sendo esse resultado observado apenas para dois dos quatro pombos. Os demais sujeitos desenvolveram um padrão de pressionar o pedal várias vezes e, então, bicar o disco. A terceira fase do procedimento consistia na reto- mada da Fase 1. Algumas falhas nesse procedimento também foram observadas; por exemplo, não havia uma contingência punitiva para as respostas de mudança do pedal para o disco. Verificou-se que os dois sujeitos que mantiveram a resposta no pedal depois da remoção do reforçador condicionado tiveram, acidentalmente, as respostas de mudança reforçadas. Observou-se, também, que o decréscimo da taxa de respostas na condição de não-OEC poderia ter sido mascarado pelo efeito da extinção presente nessa mesma condição. Esses estudos contribuíram com sugestões para refinamentos de delineamentos experimentais e têm reafirmado a importância da distinção dos controles discriminativo e motivacional dos estímulos antecedentes para se demonstrar com clareza os efeitos de uma operação estabelecedora. Contribuições da pesquisa aplicada Segundo Sundberg (1993), o conceito de OE é útil e relevante para a análise funcional do comportamento, permitindo que a intervenção dos analistas do comportamento seja mais efetiva. A OE exerce um importante papel na relação de contingência, uma vez que estabelece a efetividade da conseqüência. É sabido dos analistas do comportamento que a relação de contingência (antecedente – comportamento – conseqüência) é fortalecida quando uma conseqüência reforçadora efetiva é apresentada ao comportamento. A efetividade dessa conseqüência é alterada pela OE que estabelece o valor do reforço e evoca comportamentos relacionados historicamente com esse reforço. As conseqüências terão efeitos sobre o comportamento somente se forem efetivas como reforçadores ou punidores, cabendo à OE estabelecer essa efetividade; portanto, é de fundamental importância considerar a inclusão da OE como mais um elemento da relação de contingência. Como veremos, a pesquisa aplicada tem muito a dizer sobre a relevância do conceito. Na tentativa de explicar tanto a ocorrência de comportamentos quanto a efetividade das conseqüências que os mantém, analistas do comportamento vêm, cada vez mais, incluin- ANÁLISE DO COMPORTAMENTO do o conceito de OE na unidade de análise funcional. Um exemplo disso é a publicação de um volume do Journal of Applied Behavior Analysis (JABA) inteiramente dedicado a discussões sobre operações estabelecedoras na análise aplicada do comportamento (JABA, 2000, 33 [4]). Para estimular pesquisas sobre o tema, Iwata e colaboradores (2000) sugerem três grandes temas de pesquisa para a avaliação das influências da OE sobre o comportamento em contextos aplicados: a) demonstrações gerais das influências da OE sobre o comportamento; b) uso da manipulação da OE para clarificar os resultados de avaliações comportamentais; c) tentativa de melhorar o repertório comportamental do sujeito pela incorporação de manipulações da OE como componente do tratamento. Friman (2000) apresenta uma demonstração de que objetos chamados de transacionais – objetos que facilitam a transição de crianças jovens de uma fase de dependência para autonomia – podem ocasionar comportamentos que sugerem a participação de uma OE. O autor observou uma criança com o comportamento de chupar o dedo, sob duas condições: em uma condição, a criança estava no berço sozinha (ausência de estimulação social) e, na outra, ela estava no colo de um adulto (presença de estimulação social). Nessas condições, o comportamento de chupar o dedo foi observado em sessões de linha de base (ausência de um pedaço de pano) e sessões de teste (presença de um pedaço de pano). Os resultados mostraram que o comportamento de chupar o dedo na presença do pedaço de pano ocorria mais freqüentemente quando a criança estava no berço do que quando estava no colo. Durante a linha de base, nas duas condições de estimulação a percentagem de intervalos de chupar o dedo foi zero. A presença do pedaço de pano pode ter funcionado como uma OE para o comportamento de chupar o dedo, uma vez que esse objeto poderia ter alterado a efetividade reforçadora da conseqüência des- 39 se comportamento. Friman discute que a efetividade reforçadora dessa conseqüência possa ter ocorrido em função de uma OEC (pedaço pano), pois o processo pelo qual o objeto altera a efetividade reforçadora de chupar o dedo, mesmo sendo desconhecido, parece ser aprendido. McCommas, Hoch, Paone e El-Roy (2000) indicaram que exigências ambientais poderiam funcionar como operações estabelecedoras que evocavam comportamentos agressivos, autolesivos e perturbadores, reforçados negativamente, em crianças com diagnóstico de deficiências intelectuais. Essas exigências envolviam a realização de tarefas acadêmicas difíceis, repetitivas ou em uma seqüência determinada por um adulto. A manipulação experimental consistiu na presença e na ausência da suposta OE com três crianças. A primeira criança, que apresentava dificuldade em operações matemáticas, foi exposta às seguintes condições: a) disponibilidade de uma folha de papel com as contas a serem realizadas; b) disponibilidade de uma folha de papel com as contas, incluindo um ábaco e uma calculadora. A segunda criança foi exposta a estas condições: a) realização de tarefas repetitivas; b) realização de tarefas não-repetitivas. A terceira criança foi exposta às seguintes condições: a) escolha por um adulto da seqüência de tarefas acadêmicas; b) escolha pela criança da seqüência de tarefas. Os resultados mostraram que a maneira como as tarefas acadêmicas foram exigidas funcionou como operação estabelecedora. Diante da segunda condição, os comportamentos-problema não foram observados, sendo essa condição favorável à emissão de comportamentos acadêmicos mais adequados. 40 ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS. A intervenção do analista do comportamento com o objetivo de reduzir a ocorrência de comportamentos inadequados mantidos por reforçamento negativo torna-se efetiva quando o conceito de operação estabelecedora é utilizado. Smith e Iwata (1997) discutiriam que comportamentos estereotipados e autolesivos são padrões comportamentais que podem ser controlados pela remoção de exigências sociais. A exigência social funciona como uma operação estabelecedora que determina sua própria remoção como uma forma efetiva de reforço (OEC reflexiva). A dificuldade de uma tarefa, a complexidade do comportamento exigido para essa tarefa e a imprevisibilidade de eventos ambientais são exemplos de exigências sociais. Uma primeira estratégia para a redução de comportamentos estereotipados e autolesivos evocados nessas situações seria a mudança das exigências ambientais para condições de menor aversividade (apresentação de tarefas mais simples, por exemplo). Uma segunda estratégia seria o uso do esquema de reforço diferencial de outros comportamentos (DRO). O terapeuta pode reforçar os comportamentos mais adequados e submeter os comportamentos estereotipados e autolesivos à extinção. Por exemplo, permitir a fuga de uma exigência social diante de uma solicitação verbal e não diante de um comportamento autolesivo. Uma terceira estratégia seria utilizar esquemas de reforçamento independente da resposta (p. ex.: os estudos de Durand e Crimmins, 1988; McGill, 1999). Durand e Crimmins (1988) e McGill (1999) sugerem que comportamentos-problema mantidos por atenção, em geral são apresentados em ambientes caracterizados pela escassez de contato social. A carência produzida por um ambiente com essa natureza pode ser considerada uma operação estabelecedora que torna a atenção um reforço efetivo. Se, no passado, a autolesão e a agressão foram reforçadas pela atenção social, obviamente a privação de atenção evocará o comportamento tido como problema. Entretanto, se a carência de contato social (operação estabelecedora) for substituída por uma condição de maior acesso ao reforçamento social, pela liberação de aten- ção em esquemas de tempo fixo (FT), os comportamentos autolesivos e agressivos podem diminuir de freqüência. Essa diminuição na freqüência comportamental ocorre devido à diminuição da efetividade da atenção como reforço, o que corresponde a uma operação abolidora. Em um estudo envolvendo a manipulação da operação estabelecedora como estratégia de tratamento de comportamentos-problema, Kahng, Iwata, Thompson e Hanley (2000) forneceram evidências de que a apresentação de reforçamento social em esquema de reforçamento de tempo fixo (FT) promove a redução desses comportamentos. Duas condições experimentais foram apresentadas a três indivíduos com diagnóstico de Retardo Mental. Na condição FT-EXT houve a liberação de reforços sociais de acordo com um esquema FT e extinção para a ocorrência de comportamentos-problema, durante 10 min. Na condição EXT subseqüente não houve liberação de reforços sociais durante 20 min. As condições experimentais foram manipuladas dentro de uma mesma sessão. Os resultados da condição FT-EXT revelaram que a apresentação do reforço sob o esquema FT contribuiu para a redução dos comportamentos-problema, em função de dois possíveis efeitos: primeiro, o reforçamento sob esquema FT pode ter gerado um efeito semelhante à saciação, devido ao acesso freqüente ao reforço; segundo, a extinção que ocorria simultaneamente pode ter sido a responsável pela diminuição na freqüência do comportamento. A condição EXT visou a testar se esses resultados ocorreram em função da saciação ou da extinção. Se ocorresse um aumento inicial na freqüência dos comportamentos-problema, poderia ser dito que a saciação foi a responsável pela redução desses comportamentos durante o reforçamento sob o esquema FT. Caso contrário, os resultados obtidos pela extinção poderiam ser explicados. Os resultados indicaram que diante da condição EXT, o comportamento-problema permaneceu com baixa freqüência. Esse dado sugere que os efeitos da extinção durante a apresentação do esquema FT podem ter permanecido durante a condição EXT. Assim, a transição entre as condições FT-EXT (reforço presente) ANÁLISE DO COMPORTAMENTO e EXT (reforço ausente) pode não ter sido relevante para evocar o comportamento-problema. Os autores discutem ainda que a dificuldade de utilização de esquemas FT deve-se ao fato de que nesses esquemas há um componente de extinção presente, o qual obscurece os efeitos diferenciados da saciação e da extinção, embora ambos os efeitos possam ser responsáveis pela redução da freqüência do comportamento (ver também Hagopian, Crockett, van Stone, DeLeon e Bowman, 2000). Implicações do conceito de operações estabelecedoras para a clínica A clínica analítico-comportamental é caracterizada por uma proposta de intervenção que visa não só à mudança de comportamentos, mas à identificação das variáveis que os mantém. Skinner (1953/2000) afirmou que não se pode esperar uma explicação adequada do comportamento sem que suas relações com essas variáveis sejam analisadas. O clínico analítico-comportamental que está interessado em fazer uma intervenção adequada no contexto terapêutico deve ter clareza dos diferentes papéis das variáveis das quais o comportamento é função. Os problemas comportamentais têm sido explicados com base na contingência tríplice (antecedente – comportamento – conseqüência), em que os eventos antecedentes históricos e atuais são identificados sem, às vezes, serem distinguidos como eventos com funções comportamentais particulares. Skinner (1953/2000, p. 34) chamou a atenção para certos eventos ambientais que têm funções específicas sobre o comportamento. Esses eventos podem atuar no sentido de, certamente, produzir comportamento: É decididamente falsa a afirmação de que se pode levar um cavalo até a água, mas que não se pode fazê-lo beber. Privando-o de água por algum tempo, poderemos estar “absolutamente certos” de que o cavalo irá bebê-la assim que chegar até ela. Essa afirmação revela a presença da privação (OE) como variável determinante do comportamento. É claro que outras variáveis 41 (história de condicionamento, potencial biológico) também participam do processo de produção de comportamento, mas é notório o papel da OE. Desse modo, a clareza do papel dessa variável permitirá uma intervenção mais efetiva do terapeuta analítico-comportamental. Sundberg (1993) sugere que o analista do comportamento, ao incluir a análise da OE no contexto clínico, como um termo a mais na relação de contingência, poderá: a) tatear as operações estabelecedoras no ambiente natural de vida do cliente; b) manipular as operações estabelecedoras no momento em que podem estar atuando com maior força; c) distinguir seus efeitos motivacionais dos efeitos discriminativos sobre o comportamento. No contexto de vida humana, são observadas algumas operações estabelecedoras comuns. Carências afetivas (atenção, sexo, reconhecimento social, prestígio, popularidade, entre outras), carência de bens de consumo (roupas, automóveis, imóveis entre outras), carência de lazer e diversão são situações que exercem papel de operações estabelecedoras, as quais estabelecem a efetividade reforçadora de certos estímulos, objetos ou eventos. Ao realizar a coleta de dados, o terapeuta deve identificar e tatear as possíveis operações estabelecedoras em atuação, bem como verificar seus efeitos sobre os padrões de comportamento apresentados por seu cliente. Em alguns casos de escassez de contatos sociais (carência de atenção e de reconhecimento), por exemplo, o indivíduo pode apresentar padrões de comportamento de insistência e cobrança queixosa em relação ao outro. Esses comportamentos podem, inclusive, ocorrer na relação terapêutica (p. ex.: um cliente que descreve que ninguém se interessa ou se preocupa com ele e, fitando os olhos do terapeuta, diz enfaticamente: “Ninguém me ama!”). Esse comportamento pode consistir em um mando disfarçado de tato. O terapeuta pode apresentar estímulos discriminativos, na presença dos quais a disponibilidade diferencial de reforço social é maior do que na sua ausên- 42 ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS. cia e, portanto, o comportamento verbal é evocado. No entanto a privação de afeto (OE) parece ser a variável controladora da queixa em relação aos outros, que, na verdade, está sendo dirigida ao terapeuta. Uma estratégia a ser utilizada pelo clínico analítico-comportamental, em casos desse tipo, poderá ser o reforço diferencial de outras iniciativas comportamentais do cliente (DRO) e a liberação de reforço social em esquemas de tempo fixo (FT), o que pode minimizar os efeitos da carência afetiva por meio de um efeito contrário à operação de privação (saciação). Minimizados os efeitos da carência afetiva, o terapeuta poderá modelar comportamentos mais adequados no repertório comportamental do cliente, começando, por exemplo, pela clareza na comunicação do que se quer: “Valorize-me! Dê-me amor!”. Michael (1993) define uma OE com base em seus efeitos momentâneos (efeito evocativo e efeito estabelecedor do reforço), considerando apenas eventos temporalmente próximos. Daugher e Hackbert (2000), entretanto, discutem a possibilidade de que eventos temporalmente distantes funcionam como operações estabelecedoras, as quais apresentam um efeito mais duradouro. Esse efeito poderia ser considerado em termos de cognição e de emoção. Eventos como a perda de um grande amor, abuso sexual, trauma, seqüestro, entre outros, são eventos que geram fortes emoções e que alteram a efetividade reforçadora/punidora de outros eventos ambientais, inclusive a longo prazo. Instruções verbais como “mantenha-se longe do casamento, você pode sofrer” ou “você tem de ser o melhor” estabelecem o valor de certos objetos, eventos ou condições de estímulo como reforçadores, valor esse que também pode perpetuar-se na vida de uma pessoa. Essas condições, em geral, quando observadas no contexto clínico, caracterizam os efeitos de uma OE a longo prazo. Skinner (1953/ 2000) afirma que as relações entre as variáveis ambientais e o comportamento, que delas é função, são quase sempre complexas e sutis, adquiridas a partir de uma história de interação do organismo com o ambiente. Diante dessa ótica, Daugher e Hackbert sugerem uma análise de relações possivelmente sutis que preci- sam de esclarecimentos resultantes de muita reflexão. As relações entre operações estabelecedoras e estados emocionais podem ser complexas e intrincadas. Contextos históricos de grave privação de alimento podem manter comportamentos de estocagem de alimento, sem que haja necessidade. O mesmo pode acontecer com indivíduos submetidos a privações de afeto por períodos prolongados. Esses indivíduos podem apresentar alta freqüência de comportamentos reforçados por afeto, mesmo em situações em que não haja carência, e sentimentos de menos valia e rejeição, os quais se perpetuam por longos períodos na vida. Clientes que apresentam histórias prolongadas de carência afetiva, rejeições, ridicularizações e críticas têm, em certos eventos ambientais, reforçadores/punidores efetivos. A história de interação prolongada efetivamente determina as funções comportamentais de relações sociais e interpessoais afetivas como reforçadores e do isolamento ou solidão como punidores. Por exemplo, um dos autores atendeu um cliente que apresentava um quadro de pânico e observou a presença de respostas emocionais típicas e de padrões de esquiva das situações que provocam essas respostas emocionais. O cliente queixava-se de medo de morte iminente quando se deparava com situações de viagens de avião do casal ou do cônjuge, de necessidade de andar de elevador ou de ter de sair da sua cidade por mais de dois dias. Os dados a respeito de sua história de vida indicaram a presença prolongada de críticas e de ridicularizações dos familiares, desqualificação de qualquer iniciativa comportamental do cliente e carência afetiva em relação aos pais e irmãos. Esse contexto de desproteção afetiva (operação estabelecedora) alterou tanto a efetividade reforçadora de qualquer interação social e interpessoal afetiva de cuidado e proteção quanto a efetividade punidora de situações de isolamento, de avaliação, de críticas e de rejeições. Essas situações, no contexto do referido cliente, provocavam respostas emocionais de pânico e evocavam comportamentos de esquiva. Em casos de depressão, a persistência de níveis insuficientes de reforçamento, a perda ANÁLISE DO COMPORTAMENTO de grandes fontes de reforço e o excesso de punições e de estimulações aversivas produzem efeitos comportamentais, como, por exemplo, diminuir a freqüência de comportamentos adequados, eliciar reações emocionais negativas e alterar a efetividade de conseqüências de certos comportamentos. Essas condições de estímulos, como operações estabelecedoras, podem estabelecer a efetividade reforçadora da atenção, da valorização, da assistência e de cuidados especiais, além de potencializar o valor reforçador do alimento, do isolamento, do sono, de drogas ou álcool. E, ainda, as contingências geradoras da depressão podem abolir a efetividade reforçadora da interação social, do trabalho e de atividades de lazer (Daugher e Hackbert, 2000). Em geral, os comportamentos depressivos são reforçados negativamente. Por exemplo, a esquiva pode ser reforçada pela prevenção de interações sociais, uma vez que esses tipos de interações, no passado, estiveram relacionadas a algum tipo de crítica negativa. Por outro lado, os comportamentos depressivos podem ser reforçados positivamente pela atenção, pelos cuidados e pela assistência de parentes mais próximos. Uma estratégia de atuação terapêutica, em casos de depressão, seria apresentar o reforço social contingente aos comportamentos mais adequados e não aos comportamentos depressivos. Dessa forma, o aumento na densidade de reforçamento de outros comportamentos pode produzir o aumento na freqüência de comportamentos mais funcionais e a diminuição na freqüência dos comportamentos depressivos. A partir dessa intervenção, podese modelar comportamentos mais funcionais no repertório comportamental do cliente, de modo que as contingências de reforço naturais mantenham esses comportamentos em alta freqüência. Na terapia, os comportamentos verbais do cliente e do terapeuta são de fundamental importância. A audiência não-punitiva estabelecida no contexto terapêutico permite ao cliente falar a respeito de sua vida e de suas experiências sem o risco do julgamento. A verbalização de certos eventos traumáticos permite a diminuição de seu impacto negativo sobre a vida do cliente, por um processo de 43 dessensibilização, no qual os estímulos eliciadores relacionados à situação traumática perdem gradualmente o poder eliciador de respostas emocionais negativas. Esse processo de dessensibilização e de extinção respondente altera as funções reforçadoras positivas e negativas de certas contingências relevantes na vida do cliente, permitindo o aumento na freqüência de alguns comportamentos adequados e a diminuição na freqüência de comportamentos inadequados. Esses comportamentos estão relacionados às contingências de reforço cuja efetividade é alterada pela verbalização. Portanto, a alteração da OE funciona como um ponto-chave para uma intervenção efetiva por parte do analista do comportamento junto aos casos clínicos apresentados no consultório de psicologia, na tentativa de melhorar o repertório comportamental do cliente e, conseqüentemente, sua qualidade de vida. CONCLUSÃO Um dos aspectos fundamentais da proposta de Michael é a possibilidade de a análise do comportamento investigar o controle de variáveis motivacionais, como variáveis independentes, proporcionando, de certa forma, o resgate do tópico de motivação nesta abordagem. As operações estabelecedoras designam um instrumento conceitual e metodológico para o estudo experimental do tópico de motivação. O maior impacto do conceito de operação estabelecedora tem sido sobre a análise aplicada do comportamento, considerando os vários contextos de aplicação. Segundo Iwata e colaboradores (2000), vários temas de pesquisa estão envolvidos na aplicação da operação estabelecedora. Para esses autores, as pesquisas de manipulação da variável motivacional, como componente relevante para a análise funcional do comportamento, são as mais importantes porque podem potencializar as intervenções. Inúmeras são as possibilidades de aplicação do conceito de operação estabelecedora na análise do comportamento, como, por exemplo, nos contextos de medicina comportamental, de clínica, de educação, de organizações, de esportes, entre outros. Inde- 44 ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS. pendentemente do contexto em que ocorra, o comportamento sempre será o mesmo – um fenômeno natural determinado por variáveis ambientais. A tarefa do analista do comportamento é identificar e analisar as relações entre o comportamento e os eventos ambientais para, assim, programar contingências de reforçamento efetivas em sua prática em quaisquer um desses contextos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alling, K. L. (1990). 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