operações estabelecedoras: um conceito de motivação

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ANÁLISE DO COMPORTAMENTO
OPERAÇÕES ESTABELECEDORAS:
UM CONCEITO DE MOTIVAÇÃO
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2
RACHEL NUNES DA CUNHA
GEISON ISIDRO-MARINHO
O emprego do conceito de motivação
como termo técnico da psicologia requer precisão seja qual for o referencial teórico e metodológico utilizado, de modo a dirimir a ambigüidade que o termo encerra na linguagem
coloquial.
Historicamente, as variáveis motivacionais têm sido consideradas como determinantes da ação humana, aspecto que manteve o
conceito de motivação como um tópico vigente na psicologia. O que torna esse tema fascinante e desafiador para os psicólogos é compreender a que esse conceito se refere no amplo arcabouço teórico, conceitual e metodológico da psicologia. A questão fundamental está
no tratamento e na descrição das variáveis
controladoras do comportamento. Análises sobre o papel da motivação na explicação do comportamento têm conduzido a várias concepções
teóricas e metodológicas que refletem os esforços da psicologia para elucidar uma pergunta básica: por que os homens comportam-se
da maneira como o fazem? O estudo do tópico
de motivação nos conduz à discussão sobre a
natureza das variáveis motivacionais que têm
sido caracterizadas tanto como processos internos quanto como eventos do ambiente externo. Essas diferenças ocorrem porque a psicologia apresenta diversidades na definição de
seu objeto de estudo, de sua metodologia e de
seus pressupostos epistemológicos. Para os analistas do comportamento, as variáveis motivacionais são variáveis ambientais.
Um fator complicador é que “motivação”,
como um termo da linguagem coloquial, pode
apresentar ambigüidades pelas várias acepções
do verbete na língua portuguesa. O dicionário
eletrônico do Instituto Antônio Houaiss (2001)
da língua portuguesa traz o verbete motivação
como um substantivo feminino, e na acepção
de “ato ou efeito de motivar”, o verbete é definido em termos jurídico, lingüístico e semiótico e psicológico. Na rubrica da psicologia,
apresenta como significado um “conjunto de
processos que dão ao comportamento uma intensidade, uma direção determinada e uma
forma de desenvolvimento próprias da atividade individual”. Tal definição é apresentada
no referido dicionário como:
1. motivação altruísta, aquela “que
considera ou favorece o bem-estar
de outrem”;
2. motivação de eficácia, aquela relacionada à competência (capacidade). O dicionário indica como sinônimo e variantes a consulta do verbete “causa”.
Douglas Mook, em seu livro Motivation –
The organization of action (edição de 1987), preocupa-se com a forma como as diferentes abordagens do conceito de motivação têm sido apresentadas. Refere-se, por exemplo, às controvérsias e às questões teóricas que, às vezes, são apresentadas uma em oposição à outra, a exemplo
de impulsos versus instintos (padrões-fixos-deação), impulso animal versus teorias cognitivas,
pesquisa com humanos versus com organismos
não-humanos. Para Mook, esse modo de com-
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ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS.
paração pode levar-nos a negligenciar algumas
possibilidades de interface que, por exemplo, as
pesquisas com organismos não-humanos e humanos têm, como nos tópicos sobre fome, sede,
afeiçoamento ou simpatia e desamparo. Não
podemos negar essas divergências e devemos
ter o cuidado para não pôr uma teoria contra
outra, porque poderemos cometer erros de natureza lógica, epistemológica e conceitual. Talvez o maior equívoco seja perder as possibilidades de interface entre diferentes concepções que
podem proporcionar uma visão nova ou um melhoramento – ou maior esclarecimento – do conceito de motivação com todo o rigor que a pesquisa exige para descaracterizar o uso coloquial do termo motivação.
O conceito de motivação passou por várias acepções ao longo do tempo – tais como
instinto, impulso e a retomada do conceito de
instinto pelos etologistas –, mas, sem dúvida alguma o termo impulso foi o que teve maior impacto. Esse impacto é refletido, por exemplo,
na postura dos analistas do comportamento ao
definir o conceito de motivação sem fazer referência ao termo impulso, de modo a dissipar a
base mentalista ou organísmica que o termo
recebeu dos behavioristas metodológicos, como,
por exemplo, Clark Hull (1884-1952).
Quando o conceito de impulso tinha um
status fortemente mentalista ou organísmico,
Skinner, em seu livro publicado em 1938, The
behavior of organisms – An experimental
analysis, dedicou dois capítulos a este conceito (Capítulo 9 – “Drive” e Capítulo 10 – “Drive
and conditioning: The interactions of two variables”), nos quais fornece uma abordagem
essencialmente objetiva sobre o tópico. Segundo Skinner, o problema que temos com o conceito de impulso é a natureza causal de propriedades internas que foi atribuída a essa variável. Skinner (1938, 1953/2000) trata a motivação em termos de operações de privação,
saciação e estimulação aversiva, enfatizando
essas operações como variáveis ambientais
controladoras do comportamento.
Skinner (1938, 1953/2000), posteriormente Keller e Schoenfeld (1950/1974),
Millenson (1967) e Millenson e Leslie (1979)
referem-se ao termo impulso como um evento
do meio ambiente, ou seja, como a descrição
de uma operação que pode ser executada sobre o organismo (p. ex.: privá-lo de alimento,
aumentar a temperatura do ambiente acima
das condições adequadas de adaptação e conforto). Verificamos, portanto, que a questão
crucial que gera as divergências na definição
do termo motivação está na concepção da causalidade do comportamento dos organismos.
Skinner (1953/2000, p. 24) abordou os termos causa e efeito em ciência a partir de uma
relação funcional, uma causa foi definida como
“uma mudança em uma variável independente” e um efeito foi definido como “uma mudança em uma variável dependente”. Dessa
forma, para ele, a relação de “causa e efeito”
foi transformada em uma relação funcional.
Para descrever uma relação funcional entre o
organismo e o ambiente, Skinner desenvolveu
um instrumento conceitual que se tornou a ferramenta básica do analista do comportamento: as contingências de reforço.
Para garantir a especificidade de um termo, na acepção psicológica faz-se necessário
um conjunto de ferramentas intelectuais e experimentais, constituído de conceitos básicos
e de princípios que norteiem uma análise sistemática e funcional do comportamento. Essa
exigência está presente na abordagem analítico-comportamental do conceito de motivação,
denominada de Operações Estabelecedoras.
OPERAÇÕES ESTABELECEDORAS
O termo operações estabelecedoras, como
um conceito de motivação, será abordado, considerando os aspectos históricos, metodológicos
e teóricos das pesquisas básica e aplicada.
Considerações históricas
Keller e Schoenfeld (1950/1974) enfatizaram a necessidade de se conceituar a motivação como variáveis ambientais controladoras do comportamento de forma a evitar o
conceito de impulso como variável interna, conforme defendido pelos behavioristas metodológicos, e de acordo com o empreendimento
científico de Skinner denominado de Análise
ANÁLISE DO COMPORTAMENTO
Experimental do Comportamento. Keller e
Schoenfeld chamavam a atenção dos analistas
do comportamento para outros eventos
ambientais, além dos eventos reforçadores, ao
se fazer uma análise de contingências. O aspecto ressaltado nessa advertência refere-se ao
fato de que para um objeto funcionar eficazmente como reforçador, faz-se necessário que
um outro evento ambiental estabeleça sua eficácia. Assim, Keller e Schoenfeld introduziram
o conceito de operação estabelecedora para
identificar esses eventos ambientais e demonstrar sua função motivacional.
Ao empregarem o termo operação estabelecedora (primeiro uso do termo) para definir
a motivação na abordagem analítico-comportamental, Keller e Schoenfeld (1950/1974)
demonstraram que podemos tratar a variável
motivacional como uma variável independente, que pode ser manipulada de maneira experimental. Definir motivação como operações
estabelecedoras implica poder executar certas
operações sobre o organismo (p. ex.: privá-lo
de alimento), as quais têm como efeitos uma
mudança momentânea da efetividade de um
evento como reforçador e uma mudança momentânea da freqüência de qualquer comportamento que tenha sido seguido por esse evento
reforçador.
Keller e Schoenfeld (1950/1974) preocuparam-se em definir o termo impulso não como
estímulo nem como resposta, usando-o como
um recurso de linguagem para descrever um
conjunto de relações. Por exemplo, impulso não
poderia ser confundido com estímulos internos (câimbras estomacais que acompanham a
privação de alimento). Esses estímulos são
discriminativos para a resposta verbal “tenho
fome” (operante verbal – tato). O impulso também não poderia ser confundido com uma resposta produzida pela operação de privação, por
exemplo, o comportamento de comprar um
lanche. Para Keller e Schoenfeld, o impulso
seria mais adequadamente definido como um
conjunto de relações entre o organismo e o ambiente – operações estabelecedoras.
Ao lidar com o conceito de motivação,
Millenson (1967) e Millenson e Leslie (1979)
também enfatizaram o papel das variáveis
ambientais. Para eles, a motivação correspon-
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deria a operações de impulso, as quais teriam
a função de alterar o valor dos reforçadores.
Esses autores classificaram em dois tipos as
operações de impulso: “(1) uma [operação]
que tem a função de reduzir ou eliminar o valor reforçador (saciação) e (2) outra que trabalha para aumentar o valor dos reforçadores
(privação)” (Millenson, 1967, p. 366).
Preocupado também com a precisão dos
conceitos e com a forma de enunciar relações
funcionais que abrangem interações do indivíduo com o ambiente, Michael (1982, 1993)
retomou o conceito de operação estabelecedora, proposto por Keller e Schoenfeld (1950/
1974), para definir motivação na análise do
comportamento. Em sua análise, Michael
incluiu as variáveis motivacionais aprendidas
que não foram explicitamente tratadas por
Skinner (1938, 1953/2000), Keller e Schoenfeld (1950/1974), Millenson (1967) e Millenson
e Leslie (1979), os quais se limitaram a discutir
as variáveis motivacionais filogeneticamente
determinadas (da Cunha, 1993). Michael fez
uma importante contribuição para a análise do
comportamento, ao estabelecer um novo instrumento conceitual e metodológico, caracterizado como operações estabelecedoras aprendidas, com implicações para as pesquisas básica e aplicada (da Cunha, 1993, 1995; Iwata,
Smith, e Michael, 2000; Sundberg, 1993).
Skinner não utilizou o termo operação
estabelecedora para tratar do conceito de motivação, tratando-o em termos de privação/
saciação e estimulação aversiva. Por outro lado,
pode-se dizer que Skinner (1938, 1953/2000),
Keller e Schoenfeld (1950/1974), Millenson
(1967) e Millenson e Leslie (1979) deram o
mesmo tratamento para as variáveis motivacionais como controladoras do comportamento,
ou seja, as variáveis motivacionais foram tratadas como variáveis ambientais (da Cunha,
1993, 1995, 2000).
Definição
Michael (1993) define uma operação
estabelecedora como uma variável ambiental
em função de seus dois principais efeitos, denominados de efeito estabelecedor do reforço
30
ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS.
e efeito evocativo. O efeito estabelecedor do
reforço é caracterizado pela alteração momentânea da efetividade reforçadora de algum
objeto, evento ou estímulo; o efeito evocativo,
por sua vez, é caracterizado pela alteração
momentânea da freqüência de um tipo de comportamento que tem sido reforçado por aquele
objeto, evento ou estímulo. É importante enfatizar que a definição do conceito é feita a
partir dos efeitos que a variável motivacional
exerce sobre o comportamento do organismo (da Cunha, 1993, 1995, 2002; Keller e
Schoenfeld, 1950/1974; Michael, 1993, 2000).
Uma operação estabelecedora é um
evento ambiental que está correlacionado
filogenética e ontogeneticamente com a eficácia do reforço ou da punição e que evoca
ou suprime um tipo de comportamento que
tenha sido reforçado ou punido por esse evento (privação ou saciação são exemplos de operações estabelecedoras). Skinner (1953/
2000) cita alguns exemplos de efeitos sobre o
comportamento exercidos por essas operações
estabelecedoras: (a) restringindo-se a ingestão
de água (privação), pode-se aumentar a probabilidade de uma criança beber leite; (b) servindo-se grandes quantidades de pão de boa
qualidade antes do jantar (saciação), pode-se
diminuir a probabilidade de um cliente reclamar da pequena quantidade de comida servida no jantar.
Refinamento do conceito
de operações estabelecedoras
Michael (1982) tratou o conceito de motivação como estímulo estabelecedor (SE), o
qual teria a função de modificar a efetividade
de um outro estímulo como reforçador e de
evocar um tipo de comportamento que tenha
sido reforçado por aquele estímulo. Em 1993,
o termo estímulo estabelecedor foi substituído
pelo termo operação estabelecedora como uma
forma genérica de se referir à variável motivacional. A partir da classificação de dois tipos
de operações estabelecedoras e da efetivação
de uma taxonomia comportamental, Michael
sistematizou o conceito de motivação.
As operações estabelecedoras de privação
e saciação trabalham em direções opostas. A
privação de algum objeto implica um período
de tempo de acesso restrito a esse objeto, seja
ele alimento, água ou qualquer outra condição de estímulo, como, por exemplo, interações
sociais. Entretanto as operações ambientais que
trabalham na direção oposta da privação podem variar para um ou outro estímulo e, assim, o termo saciação pode não ser útil. Portanto, Michael (2000) propõe um refinamento conceitual da terminologia motivação, introduzindo o termo operações abolidoras para
fazer referência àquelas operações ambientais
que suprimem a efetividade de um evento
reforçador e a ocorrência de comportamentos
que tenham sido reforçados por esse evento
reforçador.
Classificação
Michael (1993) propôs a classificação
das operações estabelecedoras em duas categorias:
Operações estabelecedoras incondicionadas
São de origem filogenética e variam de
espécie para espécie. Os efeitos de alteração
da eficácia do reforço que esse tipo de operação estabelecedora produz abrangem eventos
ou estímulos reforçadores incondicionados, por
isso Michael denominou essas operações de
operações estabelecedoras incondicionadas.
Nascemos com a capacidade de termos nossos
comportamentos reforçáveis por alimentos ou
pela cessação ou redução de estímulos aversivos, sendo que determinados aspectos do
ambiente podem aumentar ou reduzir a eficácia desses reforços. Embora esses reforços sejam incondicionados, o comportamento evocado por uma operação estabelecedora incondicionada (verificado pelo efeito evocativo) é
sempre aprendido. Por exemplo, a privação de
água torna a água mais efetiva como forma de
reforçador para os mamíferos, como resultado
dessa operação, sem que haja história de apren-
ANÁLISE DO COMPORTAMENTO
dizagem. Porém o repertório comportamental
para adquirir água é sempre aprendido por
esses organismos.
A seguir, apresentamos exemplos de operações estabelecedoras incondicionadas e seus
respectivos efeitos:
1. Saciação de alimento. Esta operação
tem como efeito estabelecedor do reforço a diminuição, momentânea, da
eficácia do alimento como reforçador e, como efeito evocativo, a diminuição, momentânea, da freqüência de qualquer tipo de comportamento que tenha sido reforçado por
algum alimento. Por exemplo, em
uma refeição, comer do prato principal até a saciação pode diminuir a
eficácia reforçadora da sobremesa e
suprimir a freqüência do comportamento de consumo desta.
2. Privação de alimento. Esta operação
tem como efeito estabelecedor do reforço, o aumento momentâneo da
eficácia do alimento como evento
reforçador, e seu efeito evocativo é
demonstrado pelo aumento, também momentâneo, de qualquer tipo
de comportamento que tenha sido
reforçado por alimento. Privando
um indivíduo de alimento, por
exemplo, pode-se alterar a eficácia
reforçadora do alimento e aumentar a freqüência do comportamento
de preparar um lanche.
3. Aumento da temperatura. Esta operação quando está acima do nível
normal das condições de adaptação
e de conforto tem como efeito estabelecedor do reforço a diminuição
do nível da temperatura como um
evento reforçador eficaz. O efeito
evocativo é verificado pelo aumento momentâneo da freqüência de
qualquer comportamento que tenha
sido reforçado pela diminuição do
nível da temperatura. Um exemplo
seria ligar o ventilador em um dia
de calor insuportável.
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4. Diminuição da temperatura. Esta
operação quando está abaixo do nível normal das condições de adaptação e de conforto tem como efeito
estabelecedor do reforço o aumento do nível da temperatura como um
evento reforçador eficaz. O efeito
evocativo é verificado pelo aumento momentâneo da freqüência de
qualquer comportamento que tenha
sido reforçado pelo aumento do nível da temperatura (p. ex.: ligar o
ar quente do carro na presença de
uma temperatura muito baixa).
5. Estimulação dolorosa. Esta operação
tem como efeito estabelecedor do reforço o aumento da eficácia momentânea da cessação ou da remoção do
estímulo doloroso, e o efeito evocativo é demonstrado pelo aumento
momentâneo de qualquer tipo de
comportamento que tenha sido reforçado pela cessação ou pela remoção da estimulação dolorosa (p. ex.:
tomar um analgésico em função de
uma forte dor de cabeça).
Michael (1993) identificou nove tipos
de operações estabelecedoras incondicionadas, a saber: estimulação dolorosa; diminuição da temperatura abaixo das condições
de adaptação e de conforto, aumento da temperatura acima das condições de adaptação
e de conforto; variáveis relacionadas ao
reforçamento do comportamento sexual. Os
outros cinco tipos de operações estão relacionados às operações de privação e de
saciação de água, de alimento, de oxigênio,
de atividade e de sono.
Operações estabelecedoras condicionadas
São de origem ontogenética e, portanto,
relacionadas à história de reforçamento de cada
organismo. A distinção entre as operações
estabelecedoras incondicionadas e as condicionadas é feita com base no efeito estabelecedor do reforço, pois o evento reforçador
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ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS.
pode ser inato ou aprendido. No que concerne
às operações estabelecedoras condicionadas,
elas têm recebido maior atenção dos pesquisadores na tarefa de demonstração empírica e
foram classificadas por Michael (1993) em três
tipos:
1. Operação estabelecedora condicionada substituta. Esta operação referese a uma relação simples, envolvendo uma correlação temporal de um
evento, previamente neutro, que sistematicamente antecede uma operação estabelecedora incondicionada ou condicionada e, como resultado desse emparelhamento, aquele evento neutro adquire a característica motivacional da operação
estabelecedora com a qual fora emparelhado (adquire suas funções
evocativas e funções de estabelecimento do valor do reforço). Por
exemplo, ao emparelhar uma luz
(estímulo neutro para a função motivacional) com a redução de temperatura (operação estabelecedora
incondicionada), seria esperado que
a luz adquirisse não só as funções
respondentes (eliciadoras) ou reforçadoras/punitivas, como também as
funções motivacionais da redução
da temperatura. A presença dessa
luz deveria estabelecer o aumento
da temperatura como uma forma eficaz de reforçamento e evocar qualquer tipo de comportamento que
tenha sido reforçado pelo aumento
da temperatura.
2. Operação estabelecedora condicionada reflexiva. Esta envolve uma relação mais complexa em que um evento ou estímulo sistematicamente
precede alguma forma de estimulação aversiva e, se esse estímulo é
removido antes da ocorrência da
estimulação aversiva, a estimulação
aversiva deixa de ocorrer. Os procedimentos de esquiva sinalizada são
exemplos desse tipo de operação
estabelecedora. De acordo com
Michael (1993), o evento ou estímulo sinalizador da esquiva funciona
como uma variável motivacional do
tipo condicionada reflexiva, e não
como um estímulo discriminativo,
como enfatiza a literatura sobre esquiva sinalizada (ver o Capítulo 7
para uma discussão detalhada do
papel do estímulo sinal na esquiva).
A denominação condicionada reflexiva para esse tipo de operação devese ao fato de que o próprio estímulo
antecedente motivacional adquire a
capacidade de estabelecer sua própria remoção como uma forma efetiva de reforçador condicionado e
evoca qualquer tipo de comportamento que tenha produzido a supressão desse estímulo reforçador
condicionado. Por exemplo, a luz do
painel de um automóvel que indica
a quantidade de combustível disponível no tanque possui as propriedades motivacionais de uma operação estabelecedora condicionada reflexiva. Essa luz acesa, aviso de que
o combustível está na reserva, estabelece a sua remoção como uma forma de reforço efetivo, pois sua presença esteve pareada com a aversividade de ter o automóvel sem gasolina. Além disso, evoca o comportamento de abastecer o carro, o qual
tem sido reforçado pela remoção da
luz acesa.
3. Operação estabelecedora condicionada transitiva. Esta operação é a relação mais complexa e foi relacionada
por Michael (1993) com o conceito
de reforçador condicionado condicional. A efetividade de muitas
formas de reforçadores positivos
condicionados podem depender de
uma condição de estímulo antecedente (operação estabelecedora condicionada transitiva), na qual esses
reforçadores positivos condicionados tiveram sua eficácia estabelecida. O estabelecimento da eficácia
desses reforçadores depende de uma
ANÁLISE DO COMPORTAMENTO
história individual do organismo.
Por exemplo, um aparelho de telefone público é ocasião para o comportamento de fazer uma ligação telefônica. Porém, em relação ao cartão telefônico, o aparelho funciona
como uma operação estabelecedora
condicionada transitiva porque estabelece o cartão como uma forma
efetiva de reforço e evoca o comportamento de procurá-lo na carteira.
A demonstração empírica desse tipo
de operação estabelecedora tem recebido atenção de alguns pesquisadores com trabalhos publicados
(McPherson e Osborne, 1968; 1988)
e de outros pesquisadores com trabalhos não-publicados (McPherson,
Trapp e Osborne, 1984; Osborne e
Mcpherson, 1986; Alling, 1990; da
Cunha, 1993 – estes dois últimos
citados em da Cunha, 1995). Essas
demonstrações empíricas têm utilizado pombos como sujeitos experimentais e têm, de certa forma, demonstrado, com algum sucesso, o
desenvolvimento de procedimentos
experimentais para investigar operações estabelecedoras condicionadas transitivas como uma variável
ambiental e uma variável motivacional controladora do comportamento. Nesses procedimentos têm
sido difícil distinguir a função motivacional de um evento ambiental (a
suposta operação estabelecedora
condicionada transitiva) de sua
função discriminativa, caracterizando assim, como aspecto fundamental dessa linha de pesquisa, o desenvolvimento de procedimentos
que nos permitam demostrar empiricamente essa distinção. Surge, assim, uma nova área de investigação na análise experimental do
comportamento que possibilita aos
analistas do comportamento estudar a motivação como uma variável independente e não apenas
contextual (da Cunha, 1993; 1995;
33
2000; Iwata, Smith e Michael,
2000; Sundberg, 1993).
Relação entre os conceitos de operação
estabelecedora (OE) e de estímulo
discriminativo (SD)
Os conceitos de operação estabelecedora
e de estímulo discriminativo estão relacionados, pois ambos são eventos antecedentes ao
comportamento e têm, de forma diferenciada,
implicações com a conseqüência. A análise funcional do comportamento tem sido, geralmente, realizada com ênfase no SD e, conseqüentemente, a unidade de análise utilizada tem sido
a contingência de três termos. Para se fazer
uma análise funcional mais adequada do comportamento, considerando as funções motivacionais e discriminativas dos estímulos antecedentes, faz-se necessário incluir a OE como
um quarto elemento da contingência. A inclusão de mais um termo na relação de contingência implica a necessidade de distinção das
funções discriminativa e motivacional do estímulo antecedente. Nesse sentido, o conceito
de SD é fundamental para a compreensão e para
a demonstração empírica do conceito de OE.
Os estímulos discriminativos são, em geral, denominados como sinais ou pistas para
uma determinada ação, à medida que sinalizam as ocasiões em que as respostas terão certas conseqüências e, portanto, ocasionam comportamento. O conceito de SD tem sido correlacionado às condições antecedentes que são
ocasião para a resposta levando-se em consideração apenas a condição em que uma dada
resposta será reforçada. Michael (1982), entretanto, retoma o conceito de SD enfatizando
as suas duas condições de estímulo: uma condição de estímulo SD, em que, dada a efetividade de um evento como reforçador, a ocorrência de um determinado comportamento será
seguida pelo reforço; e uma condição de estímulo SΔ, em que, dada a efetividade daquele
evento reforçador, a ocorrência desse mesmo
comportamento não será reforçada. Isto é, o
conceito de SD envolve uma história específica
de treino discriminativo com duas condições
de estímulos antecedentes relacionadas à dis-
34
ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS.
ponibilidade diferencial de reforçamento
(Michael, 1993). Como resultado do treino
discriminativo, o SD evoca um dado comportamento com uma história de reforçamento diante desse estímulo, enquanto o SΔ não evoca o
mesmo comportamento. Em resumo, o SD apresenta uma função evocativa sobre o comportamento devido a uma história de correlação temporal com o reforço.
Em uma dada situação experimental, por
exemplo, a função evocativa do SD pode ser claramente observada. Em uma caixa operante,
equipada com uma barra, um bebedouro e uma
lâmpada localizada acima da barra, um rato
privado de água é submetido ao treino discriminativo. Quando a lâmpada acima da barra
está acesa (presença de luz), as respostas de
pressão à barra são seguidas por água como
reforço. Por outro lado, quando a lâmpada está
apagada (ausência de luz), nenhuma conseqüência é dada ao mesmo comportamento do
animal. Após algumas exposições a essas condições, o rato exibe o comportamento de pressão à barra apenas na presença da luz. Diante
da luz como condição de estímulo SD, o comportamento de pressão à barra é reforçado e,
portanto, quando a luz está presente o comportamento é evocado. Diante da ausência de
luz (condição de estímulo SΔ), o comportamento de pressão à barra não é exibido, pois não
há uma história de reforçamento por água nessa condição.
O conceito de OE, no entanto, está relacionado à efetividade do evento reforçador.
Para Michael (1993), a OE como condição de
estímulo antecedente altera momentaneamente a efetividade de um reforço e evoca comportamentos relacionados historicamente com
esse reforço. A privação de água, por exemplo,
altera a efetividade reforçadora da água, e qualquer comportamento que a produza é fortalecido. Na situação experimental anteriormente
citada, a privação alterou o valor da água como
reforço, que ao seguir o comportamento de
pressão à barra passou a selecioná-lo. Por outro lado, além de estabelecer o valor do reforço, a OE evoca o comportamento de pressão à
barra, pois há uma relação histórica entre aquele comportamento e o reforço, cuja efetividade
é estabelecida pela privação.
Semelhantemente ao SD, a OE possui a
função evocativa do comportamento, que, por
vezes, é confundida com a função evocativa
do SD. O que diferencia as referidas condições
de estímulo antecedente é a função estabelecedora do reforço, a qual é apresentada somente pela OE. Essa função é imprescindível
para que, em um treino discriminativo, o SD
adquira a função evocativa. No exemplo anterior, o controle discriminativo só foi possível porque havia um reforço efetivo – água –
e assim o comportamento de discriminar entre a ausência e a presença de luz foi observado. Nesse sentido, pode-se verificar que a OE
aumentou a efetividade evocativa do SD, o
que, para Michael (1993), seria um terceiro
efeito da OE.
A privação como OE tem uma função
motivacional, e a presença da luz (SD) tem uma
função discriminativa. Em situações laboratoriais, a clareza na distinção da OE e do SD
requer mais estudos empíricos. Em situações
aplicadas, essa distinção é obscurecida, algumas vezes, por variáveis como, por exemplo, a
história de vida particular do organismo. Considerar a história do organismo é considerar
as relações das quais resultam as operações
estabelecedoras condicionadas (OEC). Diante
dessas condições, a distinção de uma OEC e
um SD pode tornar-se difícil.
No seguinte contexto aplicado, por exemplo, qual seria a função antecedente de um
pneu furado de um automóvel para o comportamento de trocá-lo ou de procurar por uma
borracharia? Em um primeiro momento, podese considerar essa condição de estímulo como
sendo SD, pois é a ocasião para trocar o pneu
pelo estepe. Entretanto o pneu furado altera a
efetividade reforçadora do estepe e de todos
os objetos (ferramentas) relacionados com a
ação de trocar o pneu, bem como de qualquer
placa de sinalização que indique a presença de
borracharia – função motivacional. Nesse caso,
o pneu furado funciona como uma operação
estabelecedora condicionada transitiva que estabelece o valor reforçador condicionado de
alguns estímulos. A consideração precipitada
apenas da função evocativa do pneu furado
implicaria o equívoco de deixar de lado a função motivacional que essa condição de estímulo
ANÁLISE DO COMPORTAMENTO
tem sobre a definição de certos objetos como
reforçadores.
Outro exemplo a ser considerado na distinção da OE e do SD consiste nos procedimentos de esquiva sinalizada. Um rato na caixa
experimental recebe choques (Ss aversivos) em
um intervalo de tempo variável de um minuto
(VT 1 min). Antes da apresentação de cada choque, um som é apresentado. Ao pressionar a
barra, o animal interrompe a apresentação do
som e do choque. No entanto, se a pressão à
barra ocorrer na presença do som apenas, essa
resposta pode prevenir a apresentação do estímulo aversivo (choque). Nesse procedimento,
o som e o choque são considerados operações
estabelecedoras reflexivas condicionada e
incondicionada, respectivamente, e não estímulos discriminativos (Michael, 1993).
O som, ao ser apresentado junto com o
choque, adquire as funções necessárias para
que sua presença evoque respostas de evitação. Para ser considerado um SD, a situação
experimental deveria possuir uma condição
de estímulo análoga à condição SΔ. Na presença do som, a resposta de esquiva é evocada,
pois há uma conseqüência reforçadora imediata – a eliminação do som. Supondo um
paralelo com a situação de SΔ, a ausência do
som impossibilita o reforçamento negativo por
sua própria remoção – “a efetividade do reforçador negativo depende diretamente da
presença do estímulo aversivo condicionado”
(Miguel, 2000, p. 262), ou seja, depende da
presença do som. O mesmo ocorre na situação de fuga do choque em que o reforçador
negativo só se torna efetivo quando o choque
está presente. Na ausência do estímulo aversivo (suposto SΔ), não há reforço negativo,
portanto não há reforço efetivo. Nesse sentido, o choque não é um SD. Tanto o som quanto o choque estabelecem sua própria remoção como formas de reforço efetivo e evocam
comportamentos que tenham uma relação
histórica com esses reforços e, assim sendo,
devem ser identificados como OEs.
Paralelamente à situação experimental,
no contexto aplicado, a distinção entre SD e
OE em situações de esquiva também é possível. Nos Transtornos de Ansiedade, como o
Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), por
35
exemplo, observa-se uma pessoa emitir inúmeras vezes uma série de comportamentos com
função de esquiva, como lavar as mãos, o verificar o fechamento do registro do botijão de
gás e conferir o fechamento de portas e de janelas. As condições dos estímulos antecedentes a esses comportamentos (p. ex.: mãos sujas ou algum tempo sem contato com água e
sabão, registro de gás aberto, portas e janelas
abertas ou destrancadas ou qualquer outra
condição relacionada ao comportamento obsessivo) não são SD para as respostas ditas compulsivas. Essas condições de estímulo são operações estabelecedoras condicionadas reflexivas que estabelecem a efetividade reforçadora
das conseqüências do comportamento compulsivo, semelhantemente à presença do som ou
do choque, nas condições laboratoriais. Nesse
caso, supor uma situação análoga à condição
de SΔ é tão inviável quanto na situação experimental anteriormente descrita.
Em resumo, o SD apresenta uma função,
a função evocativa do comportamento ou
discriminativa – na presença do estímulo
discriminativo há o aumento na probabilidade de ocorrência do comportamento por causa de uma história de correlação entre a condição de SD e o reforçamento, e entre a condição de SΔ e o não-reforçamento. Por outro
lado, conforme indicado por Michael (1993),
a OE apresenta quatro diferentes efeitos comuns relacionados à função motivacional.
São eles:
1. Efeito estabelecedor do reforço: uma
OE aumenta momentaneamente a
efetividade reforçadora/punidora
de um estímulo. A privação de água
torna a água um evento reforçador
eficaz.
2. Efeito evocativo/supressivo direto
da OE sobre o comportamento: evocação/supressão imediata da OE
sobre os comportamentos que tenham uma relação histórica com o
reforçador/punidor cuja efetividade
fora alterada em (1). A privação de
água evoca o comportamento de
pressão à barra que tem sido historicamente reforçado por água.
36
ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS.
3. Efeito da OE sobre a efetividade
evocativa/supressiva do SD: aumento na efetividade evocativa/supressiva dos estímulos discriminativos
correlacionados com o reforçador/
punidor em (1). No treino discriminativo, a privação de água aumenta a efetividade evocativa da luz
como SD, pois a luz tem uma correlação com a água.
4. Efeito da OE sobre o reforçamento/
punição condicionado: aumento da
efetividade reforçadora/punidora
de reforçadores/punidores condicionados cuja efetividade depende
de (1). Na seguinte cadeia comportamental – um som – puxar a corrente → luz → pressionar a barra →
água–, o som aumenta a efetividade da luz como reforço condicionado, que tem uma relação histórica com água (reforçador incondicionado) e o som também evoca o comportamento de puxar a corrente, devido a relação dessa resposta com
um reforço efetivo (luz).
Contribuições da pesquisa básica
Da Cunha (1993) identificou e classificou os primeiros procedimentos experimentais
para investigar os efeitos de operações estabelecedoras, realizados no laboratório animal,
enfatizando as operações estabelecedoras condicionadas transitivas. Entre eles temos os apresentados a seguir.
Procedimento de três discos
McPherson e Osborne (1986, 1988) utilizaram um procedimento de tentativa discreta com três discos de respostas para pombos.
Ao início de cada tentativa, o disco da direita
era iluminado. A primeira resposta nesse disco tinha como conseqüência a iluminação do
disco central. Uma vez iluminado o disco central, bicadas no disco da direita não tinham
conseqüências. O disco da esquerda era iluminado em função de um esquema VT. Quando o
disco da esquerda estava iluminado, uma resposta no disco central era reforçada por alimento. Respostas adicionais de bicar o disco
central não tinham conseqüências programadas. O término de cada tentativa ocorria com
o acesso ao alimento, que era seguido por um
intervalo entre tentativas (ITI). Durante o ITI,
todos os discos permaneciam escuros.
O reforço para a resposta de bicar o disco
da direita foi a iluminação do disco central (um
reforço condicionado, estabelecido por sua relação com o alimento). O estímulo antecedente à resposta de bicar o disco da direita foi a
iluminação do disco da esquerda (suposta OEC
transitiva). Quando o disco da esquerda não
estava iluminado, bicar o disco da direita não
estabelecia o valor da iluminação do disco central como reforçador. De acordo com a concepção teórica de Michael (1982, 1993), a iluminação do disco da esquerda deveria funcionar como uma OEC transitiva, por estabelecer
a iluminação do disco central com uma forma
efetiva de reforçador condicionado (efeito
estabelecedor do reforço) e evocar a resposta
de bicar o disco da direita (efeito evocativo).
A efetividade reforçadora do disco central estava condicionada à iluminação do disco da
esquerda. Um efeito eficaz da operação estabelecedora deveria produzir um desempenho que
consistia em esperar a iluminação do disco da
esquerda, então, bicar o disco da direita, cuja
conseqüência imediata era a iluminação do
disco central e, finalmente, bicar o disco central, que resultava em alimento.
McPherson e Osborne (1986) verificaram
que o controle não foi evidente depois de 60
ou mais sessões. Apenas um entre quatro pombos demonstrou o desempenho previsto. No segundo estudo (McPherson e Osborne, 1988)
alterou-se o tempo de iluminação dos discos
do centro e da esquerda, visando a um maior
controle dos estímulos antecedentes. Quando
o disco da esquerda era iluminado, em média
12 s depois da iluminação do disco central, o
controle pela OEC (iluminação do disco da esquerda) sobre a resposta no disco da direita
foi, em geral, muito fraco.
Os experimentos de McPherson e Osborne
(1986, 1988) trouxeram contribuições para o
início das pesquisas experimentais sobre o con-
ANÁLISE DO COMPORTAMENTO
ceito de operações estabelecedoras, pois foram
analisadas as dificuldades que o procedimento de três chaves apresentava. Entre essas dificuldades, há a possibilidade de que as contingências nos três discos permitam uma interpretação de automodelagem de alguns aspectos do desempenho, porque as respostas de
bicar os discos da direita e do centro foram
automodeladas e, uma vez que esses discos foram iluminados, assim permaneciam até o término da tentativa. Outro fator que talvez tenha dificultado a demonstração empírica dos
efeitos da OE foi o fato de a iluminação do disco central (reforço condicionado para a resposta do disco da direita) permanecer até a
obtenção do alimento. Essa situação poderia
reduzir o contato com tentativas sem uso do
disco central quando o disco da esquerda estava escuro. Se a iluminação do disco central fosse estabelecida em alguns segundos, seria possível um maior controle da função motivacional
do disco da esquerda. Essa característica do procedimento também fez com que a suposta OEC
funcionasse como um estímulo discriminativo
para bicar o disco central quando o mesmo estava iluminado antes da condição de OEC.
Procedimento de pedal-e-disco
Alling (1990) utilizou um procedimento
com topografias de respostas diferentes. A resposta de pressionar um pedal produzia um reforço condicionado, e a resposta de bicar um
disco produzia um reforço incondicionado. Esse
procedimento consistia em uma cadeia de duas
respostas: a resposta de pressionar o pedal
produzia a mudança da cor da luz acima do
pedal – de branca para vermelha – (reforço
condicionado), e a resposta de bicar o disco
produzia 3 s de ração para pombos (reforço
incondicionado). Uma única resposta no pedal tinha como conseqüência a apresentação
do reforço condicionado por 5 s (luz do pedal). Uma única resposta no disco da esquerda, na presença da luz vermelha (luz do pedal), produzia alimento por 5 s, dependendo
da condição da iluminação da câmara experimental que deveria funcionar como a suposta
OEC transitiva para a resposta de pressionar o
37
pedal. A luz da câmara apagada foi definida
como ausência da OE. Quatro pombos foram
distribuídos em dois grupos a fim de balancear as condições experimentais: para o Grupo
1, a presença de luz ambiente funcionava como
presença da OEC, e sua ausência funcionava
como ausência da OEC; para o Grupo 2, as
condições experimentais foram invertidas.
Cada tentativa experimental começava com a
condição de não-OEC, sendo a condição de
OEC gerada com base em um esquema de VT
60 s. Quando a condição de OEC começava,
ela permanecia em efeito até a obtenção de
alimento.
O desempenho esperado era não pressionar o pedal até que a condição de OEC (luz
ambiente acesa ou apagada, dependendo do
grupo) estivesse presente, então, a resposta no
pedal produziria a mudança de cor da luz do
pedal de branca para vermelha e, se em 5 s o
pombo bicasse o disco da esquerda, essa resposta seria seguida por 3 s de acesso ao alimento. Todos os quatro pombos desenvolveram o desempenho previsto (em 90% ou mais
das tentativas verificou-se que a resposta no
pedal ocorria na presença da suposta condição de OEC). Na segunda fase – o teste – removeu-se a conseqüência para a resposta no
pedal, de modo que a luz branca estava sempre presente (luz do pedal). Como resultado
dessa mudança, esperava-se que ocorresse a
quebra na cadeia comportamental, o que não
foi observado. A luz da câmara experimental
pode ter funcionado como um estímulo
discriminativo e não como uma OEC para a
resposta no pedal. Supõe-se que a cadeia de
duas respostas tenha funcionado como um
único bloco de resposta, pois um esquema de
razão fixa (FR 1) controlava a resposta de pressionar o pedal e, provavelmente, a resposta no
disco estivesse mais sob o controle da luz da
câmara experimental do que da luz produzida
pela resposta no pedal. Outro aspecto que pode
ter contribuído para esse resultado foi o uso
de dois estímulos visuais, pois a condição de
iluminação (luz/escuro) poderia criar condições de estímulos diferentes quando a luz do
pedal estivesse branca ou vermelha. Por exemplo, a luz vermelha acima do pedal poderia ser
caracterizada como uma condição de estímulo
38
ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS.
diferente se a câmara operante estivesse iluminada ou escura. A terceira fase consistiu em
retomar as condições experimentais da primeira fase para se verificar a recuperação da resposta sob as duas condições experimentais.
Como resultados dessa fase, os quatro pombos
retomaram a resposta no pedal na presença da
OEC em 90% ou mais das tentativas.
Para dar continuidade aos estudos experimentais de OECs transitivas, da Cunha (1993)
utilizou um esquema de razão variável (VR 6)
para controlar a resposta de pressionar o pedal que produzia a mudança da luz do pedal
(de branca para vermelha) por 5 s. Um estímulo auditivo funcionava como a suposta OEC
(um som tipo bip), cuja apresentação foi controlada por um esquema de tempo randômico
(RT 1 min). Quatro pombos foram distribuídos em dois grupos: para um grupo, a presença do som era a suposta OEC e, para o outro,
sua ausência era a suposta OEC; seus opostos
estabeleciam a condição de não-OEC.
A medida comportamental dos estudos
anteriores foi o percentual de tentativas sem
erro (McPherson e Osborne, 1986, 1988;
Alling, 1990). Da Cunha (1993) verificou que
a taxa de respostas era uma medida mais sensível do que a percentagem de tentativas sem
erro ao introduzir um esquema de reforçamento intermitente para a resposta de pressionar
o pedal. Para todos os sujeitos, verificou-se nitidamente que a taxa de respostas de pressão
ao pedal na condição de OEC foi maior do que
na condição de não-OEC. A taxa de respostas
de pressão ao pedal na presença da suposta
OEC variou de 24 a 27 resp/min, enquanto a
taxa de respostas de pressão ao pedal na ausência da suposta OEC variou de 2 a 8 resp/
min, considerando os dados dos quatro sujeitos. A segunda fase teve como objetivo testar o
controle da suposta variável motivacional, removendo o evento reforçador condicionado da
resposta de pressão ao pedal (luz vermelha do
pedal). Esperava-se uma deterioração da cadeia comportamental durante a fase de teste,
sendo esse resultado observado apenas para
dois dos quatro pombos. Os demais sujeitos
desenvolveram um padrão de pressionar o pedal várias vezes e, então, bicar o disco. A terceira fase do procedimento consistia na reto-
mada da Fase 1. Algumas falhas nesse procedimento também foram observadas; por exemplo, não havia uma contingência punitiva para
as respostas de mudança do pedal para o disco. Verificou-se que os dois sujeitos que mantiveram a resposta no pedal depois da remoção
do reforçador condicionado tiveram, acidentalmente, as respostas de mudança reforçadas.
Observou-se, também, que o decréscimo da
taxa de respostas na condição de não-OEC poderia ter sido mascarado pelo efeito da extinção
presente nessa mesma condição.
Esses estudos contribuíram com sugestões
para refinamentos de delineamentos experimentais e têm reafirmado a importância da distinção dos controles discriminativo e motivacional dos estímulos antecedentes para se demonstrar com clareza os efeitos de uma operação estabelecedora.
Contribuições da pesquisa aplicada
Segundo Sundberg (1993), o conceito de
OE é útil e relevante para a análise funcional
do comportamento, permitindo que a intervenção dos analistas do comportamento seja mais
efetiva. A OE exerce um importante papel na
relação de contingência, uma vez que estabelece a efetividade da conseqüência. É sabido
dos analistas do comportamento que a relação
de contingência (antecedente – comportamento – conseqüência) é fortalecida quando uma
conseqüência reforçadora efetiva é apresentada ao comportamento. A efetividade dessa conseqüência é alterada pela OE que estabelece o
valor do reforço e evoca comportamentos relacionados historicamente com esse reforço. As
conseqüências terão efeitos sobre o comportamento somente se forem efetivas como reforçadores ou punidores, cabendo à OE estabelecer
essa efetividade; portanto, é de fundamental
importância considerar a inclusão da OE como
mais um elemento da relação de contingência.
Como veremos, a pesquisa aplicada tem muito
a dizer sobre a relevância do conceito.
Na tentativa de explicar tanto a ocorrência de comportamentos quanto a efetividade
das conseqüências que os mantém, analistas
do comportamento vêm, cada vez mais, incluin-
ANÁLISE DO COMPORTAMENTO
do o conceito de OE na unidade de análise funcional. Um exemplo disso é a publicação de
um volume do Journal of Applied Behavior
Analysis (JABA) inteiramente dedicado a discussões sobre operações estabelecedoras na
análise aplicada do comportamento (JABA,
2000, 33 [4]).
Para estimular pesquisas sobre o tema,
Iwata e colaboradores (2000) sugerem três
grandes temas de pesquisa para a avaliação das
influências da OE sobre o comportamento em
contextos aplicados:
a) demonstrações gerais das influências
da OE sobre o comportamento;
b) uso da manipulação da OE para clarificar os resultados de avaliações
comportamentais;
c) tentativa de melhorar o repertório
comportamental do sujeito pela incorporação de manipulações da OE como
componente do tratamento.
Friman (2000) apresenta uma demonstração de que objetos chamados de transacionais – objetos que facilitam a transição de crianças jovens de uma fase de dependência para
autonomia – podem ocasionar comportamentos que sugerem a participação de uma OE. O
autor observou uma criança com o comportamento de chupar o dedo, sob duas condições:
em uma condição, a criança estava no berço
sozinha (ausência de estimulação social) e, na
outra, ela estava no colo de um adulto (presença de estimulação social). Nessas condições,
o comportamento de chupar o dedo foi observado em sessões de linha de base (ausência de
um pedaço de pano) e sessões de teste (presença de um pedaço de pano). Os resultados
mostraram que o comportamento de chupar o
dedo na presença do pedaço de pano ocorria
mais freqüentemente quando a criança estava
no berço do que quando estava no colo. Durante a linha de base, nas duas condições de
estimulação a percentagem de intervalos de
chupar o dedo foi zero. A presença do pedaço
de pano pode ter funcionado como uma OE
para o comportamento de chupar o dedo, uma
vez que esse objeto poderia ter alterado a
efetividade reforçadora da conseqüência des-
39
se comportamento. Friman discute que a efetividade reforçadora dessa conseqüência possa
ter ocorrido em função de uma OEC (pedaço
pano), pois o processo pelo qual o objeto altera a efetividade reforçadora de chupar o
dedo, mesmo sendo desconhecido, parece ser
aprendido.
McCommas, Hoch, Paone e El-Roy (2000)
indicaram que exigências ambientais poderiam funcionar como operações estabelecedoras
que evocavam comportamentos agressivos,
autolesivos e perturbadores, reforçados negativamente, em crianças com diagnóstico de
deficiências intelectuais. Essas exigências
envolviam a realização de tarefas acadêmicas
difíceis, repetitivas ou em uma seqüência determinada por um adulto. A manipulação experimental consistiu na presença e na ausência
da suposta OE com três crianças. A primeira
criança, que apresentava dificuldade em operações matemáticas, foi exposta às seguintes
condições:
a) disponibilidade de uma folha de papel com as contas a serem realizadas;
b) disponibilidade de uma folha de papel com as contas, incluindo um ábaco
e uma calculadora.
A segunda criança foi exposta a estas condições:
a) realização de tarefas repetitivas;
b) realização de tarefas não-repetitivas.
A terceira criança foi exposta às seguintes condições:
a) escolha por um adulto da seqüência
de tarefas acadêmicas;
b) escolha pela criança da seqüência de
tarefas.
Os resultados mostraram que a maneira
como as tarefas acadêmicas foram exigidas funcionou como operação estabelecedora. Diante
da segunda condição, os comportamentos-problema não foram observados, sendo essa condição favorável à emissão de comportamentos
acadêmicos mais adequados.
40
ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS.
A intervenção do analista do comportamento com o objetivo de reduzir a ocorrência
de comportamentos inadequados mantidos
por reforçamento negativo torna-se efetiva
quando o conceito de operação estabelecedora
é utilizado. Smith e Iwata (1997) discutiriam
que comportamentos estereotipados e autolesivos são padrões comportamentais que podem ser controlados pela remoção de exigências sociais. A exigência social funciona como
uma operação estabelecedora que determina
sua própria remoção como uma forma efetiva
de reforço (OEC reflexiva). A dificuldade de
uma tarefa, a complexidade do comportamento exigido para essa tarefa e a imprevisibilidade de eventos ambientais são exemplos de exigências sociais. Uma primeira estratégia para a redução de comportamentos
estereotipados e autolesivos evocados nessas
situações seria a mudança das exigências
ambientais para condições de menor aversividade (apresentação de tarefas mais simples,
por exemplo). Uma segunda estratégia seria
o uso do esquema de reforço diferencial de
outros comportamentos (DRO). O terapeuta
pode reforçar os comportamentos mais adequados e submeter os comportamentos estereotipados e autolesivos à extinção. Por exemplo, permitir a fuga de uma exigência social
diante de uma solicitação verbal e não diante
de um comportamento autolesivo. Uma terceira estratégia seria utilizar esquemas de
reforçamento independente da resposta (p.
ex.: os estudos de Durand e Crimmins, 1988;
McGill, 1999).
Durand e Crimmins (1988) e McGill
(1999) sugerem que comportamentos-problema mantidos por atenção, em geral são apresentados em ambientes caracterizados pela
escassez de contato social. A carência produzida por um ambiente com essa natureza pode
ser considerada uma operação estabelecedora
que torna a atenção um reforço efetivo. Se, no
passado, a autolesão e a agressão foram reforçadas pela atenção social, obviamente a privação de atenção evocará o comportamento tido
como problema. Entretanto, se a carência de
contato social (operação estabelecedora) for
substituída por uma condição de maior acesso
ao reforçamento social, pela liberação de aten-
ção em esquemas de tempo fixo (FT), os comportamentos autolesivos e agressivos podem
diminuir de freqüência. Essa diminuição na freqüência comportamental ocorre devido à diminuição da efetividade da atenção como reforço, o que corresponde a uma operação
abolidora.
Em um estudo envolvendo a manipulação da operação estabelecedora como estratégia de tratamento de comportamentos-problema, Kahng, Iwata, Thompson e Hanley
(2000) forneceram evidências de que a apresentação de reforçamento social em esquema
de reforçamento de tempo fixo (FT) promove
a redução desses comportamentos. Duas condições experimentais foram apresentadas a três
indivíduos com diagnóstico de Retardo Mental. Na condição FT-EXT houve a liberação de
reforços sociais de acordo com um esquema
FT e extinção para a ocorrência de comportamentos-problema, durante 10 min. Na condição EXT subseqüente não houve liberação de
reforços sociais durante 20 min. As condições
experimentais foram manipuladas dentro de
uma mesma sessão. Os resultados da condição
FT-EXT revelaram que a apresentação do reforço sob o esquema FT contribuiu para a redução dos comportamentos-problema, em função de dois possíveis efeitos: primeiro, o
reforçamento sob esquema FT pode ter gerado um efeito semelhante à saciação, devido ao
acesso freqüente ao reforço; segundo, a
extinção que ocorria simultaneamente pode ter
sido a responsável pela diminuição na freqüência do comportamento. A condição EXT visou
a testar se esses resultados ocorreram em função da saciação ou da extinção. Se ocorresse
um aumento inicial na freqüência dos comportamentos-problema, poderia ser dito que a
saciação foi a responsável pela redução desses
comportamentos durante o reforçamento sob
o esquema FT. Caso contrário, os resultados
obtidos pela extinção poderiam ser explicados.
Os resultados indicaram que diante da condição EXT, o comportamento-problema permaneceu com baixa freqüência. Esse dado sugere
que os efeitos da extinção durante a apresentação do esquema FT podem ter permanecido
durante a condição EXT. Assim, a transição
entre as condições FT-EXT (reforço presente)
ANÁLISE DO COMPORTAMENTO
e EXT (reforço ausente) pode não ter sido relevante para evocar o comportamento-problema. Os autores discutem ainda que a dificuldade de utilização de esquemas FT deve-se ao
fato de que nesses esquemas há um componente de extinção presente, o qual obscurece
os efeitos diferenciados da saciação e da
extinção, embora ambos os efeitos possam ser
responsáveis pela redução da freqüência do
comportamento (ver também Hagopian,
Crockett, van Stone, DeLeon e Bowman, 2000).
Implicações do conceito de operações
estabelecedoras para a clínica
A clínica analítico-comportamental é caracterizada por uma proposta de intervenção
que visa não só à mudança de comportamentos, mas à identificação das variáveis que os
mantém. Skinner (1953/2000) afirmou que
não se pode esperar uma explicação adequada
do comportamento sem que suas relações com
essas variáveis sejam analisadas. O clínico analítico-comportamental que está interessado em
fazer uma intervenção adequada no contexto
terapêutico deve ter clareza dos diferentes papéis das variáveis das quais o comportamento
é função. Os problemas comportamentais têm
sido explicados com base na contingência
tríplice (antecedente – comportamento – conseqüência), em que os eventos antecedentes
históricos e atuais são identificados sem, às
vezes, serem distinguidos como eventos com
funções comportamentais particulares.
Skinner (1953/2000, p. 34) chamou a
atenção para certos eventos ambientais que
têm funções específicas sobre o comportamento. Esses eventos podem atuar no sentido de,
certamente, produzir comportamento:
É decididamente falsa a afirmação de que se
pode levar um cavalo até a água, mas que não
se pode fazê-lo beber. Privando-o de água por
algum tempo, poderemos estar “absolutamente certos” de que o cavalo irá bebê-la assim
que chegar até ela.
Essa afirmação revela a presença da privação (OE) como variável determinante do
comportamento. É claro que outras variáveis
41
(história de condicionamento, potencial biológico) também participam do processo de produção de comportamento, mas é notório o papel da OE. Desse modo, a clareza do papel dessa
variável permitirá uma intervenção mais efetiva do terapeuta analítico-comportamental.
Sundberg (1993) sugere que o analista do comportamento, ao incluir a análise da OE no contexto clínico, como um termo a mais na relação de contingência, poderá:
a) tatear as operações estabelecedoras no
ambiente natural de vida do cliente;
b) manipular as operações estabelecedoras no momento em que podem estar
atuando com maior força;
c) distinguir seus efeitos motivacionais
dos efeitos discriminativos sobre o
comportamento.
No contexto de vida humana, são observadas algumas operações estabelecedoras comuns. Carências afetivas (atenção, sexo, reconhecimento social, prestígio, popularidade, entre outras), carência de bens de consumo (roupas, automóveis, imóveis entre outras), carência de lazer e diversão são situações que exercem papel de operações estabelecedoras, as
quais estabelecem a efetividade reforçadora de
certos estímulos, objetos ou eventos. Ao realizar a coleta de dados, o terapeuta deve identificar e tatear as possíveis operações estabelecedoras em atuação, bem como verificar seus efeitos sobre os padrões de comportamento apresentados por seu cliente.
Em alguns casos de escassez de contatos
sociais (carência de atenção e de reconhecimento), por exemplo, o indivíduo pode apresentar padrões de comportamento de insistência e cobrança queixosa em relação ao outro.
Esses comportamentos podem, inclusive, ocorrer na relação terapêutica (p. ex.: um cliente
que descreve que ninguém se interessa ou se
preocupa com ele e, fitando os olhos do
terapeuta, diz enfaticamente: “Ninguém me
ama!”). Esse comportamento pode consistir em
um mando disfarçado de tato. O terapeuta pode
apresentar estímulos discriminativos, na presença dos quais a disponibilidade diferencial
de reforço social é maior do que na sua ausên-
42
ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS.
cia e, portanto, o comportamento verbal é evocado. No entanto a privação de afeto (OE) parece ser a variável controladora da queixa em
relação aos outros, que, na verdade, está sendo dirigida ao terapeuta. Uma estratégia a ser
utilizada pelo clínico analítico-comportamental, em casos desse tipo, poderá ser o reforço
diferencial de outras iniciativas comportamentais do cliente (DRO) e a liberação de reforço social em esquemas de tempo fixo (FT),
o que pode minimizar os efeitos da carência
afetiva por meio de um efeito contrário à operação de privação (saciação). Minimizados os
efeitos da carência afetiva, o terapeuta poderá
modelar comportamentos mais adequados no
repertório comportamental do cliente, começando, por exemplo, pela clareza na comunicação do que se quer: “Valorize-me! Dê-me
amor!”.
Michael (1993) define uma OE com base
em seus efeitos momentâneos (efeito evocativo
e efeito estabelecedor do reforço), considerando apenas eventos temporalmente próximos.
Daugher e Hackbert (2000), entretanto, discutem a possibilidade de que eventos temporalmente distantes funcionam como operações
estabelecedoras, as quais apresentam um efeito mais duradouro. Esse efeito poderia ser considerado em termos de cognição e de emoção.
Eventos como a perda de um grande amor, abuso sexual, trauma, seqüestro, entre outros, são
eventos que geram fortes emoções e que alteram a efetividade reforçadora/punidora de outros eventos ambientais, inclusive a longo prazo. Instruções verbais como “mantenha-se longe do casamento, você pode sofrer” ou “você
tem de ser o melhor” estabelecem o valor de
certos objetos, eventos ou condições de estímulo como reforçadores, valor esse que também pode perpetuar-se na vida de uma pessoa. Essas condições, em geral, quando observadas no contexto clínico, caracterizam os efeitos de uma OE a longo prazo. Skinner (1953/
2000) afirma que as relações entre as variáveis ambientais e o comportamento, que delas
é função, são quase sempre complexas e sutis,
adquiridas a partir de uma história de interação
do organismo com o ambiente. Diante dessa
ótica, Daugher e Hackbert sugerem uma análise de relações possivelmente sutis que preci-
sam de esclarecimentos resultantes de muita
reflexão.
As relações entre operações estabelecedoras e estados emocionais podem ser complexas e intrincadas. Contextos históricos de
grave privação de alimento podem manter
comportamentos de estocagem de alimento,
sem que haja necessidade. O mesmo pode acontecer com indivíduos submetidos a privações
de afeto por períodos prolongados. Esses indivíduos podem apresentar alta freqüência de
comportamentos reforçados por afeto, mesmo
em situações em que não haja carência, e sentimentos de menos valia e rejeição, os quais se
perpetuam por longos períodos na vida. Clientes que apresentam histórias prolongadas de
carência afetiva, rejeições, ridicularizações e
críticas têm, em certos eventos ambientais,
reforçadores/punidores efetivos. A história de
interação prolongada efetivamente determina
as funções comportamentais de relações sociais
e interpessoais afetivas como reforçadores e do
isolamento ou solidão como punidores.
Por exemplo, um dos autores atendeu um
cliente que apresentava um quadro de pânico
e observou a presença de respostas emocionais
típicas e de padrões de esquiva das situações
que provocam essas respostas emocionais. O
cliente queixava-se de medo de morte iminente quando se deparava com situações de viagens de avião do casal ou do cônjuge, de necessidade de andar de elevador ou de ter de
sair da sua cidade por mais de dois dias. Os
dados a respeito de sua história de vida indicaram a presença prolongada de críticas e
de ridicularizações dos familiares, desqualificação de qualquer iniciativa comportamental
do cliente e carência afetiva em relação aos
pais e irmãos. Esse contexto de desproteção
afetiva (operação estabelecedora) alterou tanto a efetividade reforçadora de qualquer
interação social e interpessoal afetiva de cuidado e proteção quanto a efetividade punidora
de situações de isolamento, de avaliação, de
críticas e de rejeições. Essas situações, no contexto do referido cliente, provocavam respostas emocionais de pânico e evocavam comportamentos de esquiva.
Em casos de depressão, a persistência de
níveis insuficientes de reforçamento, a perda
ANÁLISE DO COMPORTAMENTO
de grandes fontes de reforço e o excesso de
punições e de estimulações aversivas produzem efeitos comportamentais, como, por exemplo, diminuir a freqüência de comportamentos adequados, eliciar reações emocionais negativas e alterar a efetividade de conseqüências de certos comportamentos. Essas condições de estímulos, como operações estabelecedoras, podem estabelecer a efetividade reforçadora da atenção, da valorização, da assistência e de cuidados especiais, além de potencializar o valor reforçador do alimento, do
isolamento, do sono, de drogas ou álcool. E,
ainda, as contingências geradoras da depressão podem abolir a efetividade reforçadora da
interação social, do trabalho e de atividades
de lazer (Daugher e Hackbert, 2000). Em geral, os comportamentos depressivos são reforçados negativamente. Por exemplo, a esquiva
pode ser reforçada pela prevenção de interações sociais, uma vez que esses tipos de
interações, no passado, estiveram relacionadas
a algum tipo de crítica negativa. Por outro lado,
os comportamentos depressivos podem ser reforçados positivamente pela atenção, pelos cuidados e pela assistência de parentes mais próximos. Uma estratégia de atuação terapêutica,
em casos de depressão, seria apresentar o reforço social contingente aos comportamentos
mais adequados e não aos comportamentos
depressivos. Dessa forma, o aumento na densidade de reforçamento de outros comportamentos pode produzir o aumento na freqüência de comportamentos mais funcionais e a diminuição na freqüência dos comportamentos
depressivos. A partir dessa intervenção, podese modelar comportamentos mais funcionais
no repertório comportamental do cliente, de
modo que as contingências de reforço naturais mantenham esses comportamentos em alta
freqüência.
Na terapia, os comportamentos verbais do
cliente e do terapeuta são de fundamental importância. A audiência não-punitiva estabelecida no contexto terapêutico permite ao cliente falar a respeito de sua vida e de suas experiências sem o risco do julgamento. A verbalização de certos eventos traumáticos permite a diminuição de seu impacto negativo
sobre a vida do cliente, por um processo de
43
dessensibilização, no qual os estímulos eliciadores relacionados à situação traumática perdem gradualmente o poder eliciador de respostas emocionais negativas. Esse processo de
dessensibilização e de extinção respondente
altera as funções reforçadoras positivas e negativas de certas contingências relevantes na
vida do cliente, permitindo o aumento na freqüência de alguns comportamentos adequados
e a diminuição na freqüência de comportamentos inadequados. Esses comportamentos estão
relacionados às contingências de reforço cuja
efetividade é alterada pela verbalização.
Portanto, a alteração da OE funciona
como um ponto-chave para uma intervenção
efetiva por parte do analista do comportamento junto aos casos clínicos apresentados no
consultório de psicologia, na tentativa de melhorar o repertório comportamental do cliente
e, conseqüentemente, sua qualidade de vida.
CONCLUSÃO
Um dos aspectos fundamentais da proposta de Michael é a possibilidade de a análise
do comportamento investigar o controle de variáveis motivacionais, como variáveis independentes, proporcionando, de certa forma, o resgate do tópico de motivação nesta abordagem.
As operações estabelecedoras designam um instrumento conceitual e metodológico para o
estudo experimental do tópico de motivação.
O maior impacto do conceito de operação estabelecedora tem sido sobre a análise
aplicada do comportamento, considerando os
vários contextos de aplicação. Segundo Iwata
e colaboradores (2000), vários temas de pesquisa estão envolvidos na aplicação da operação estabelecedora. Para esses autores, as pesquisas de manipulação da variável motivacional, como componente relevante para a análise funcional do comportamento, são as mais
importantes porque podem potencializar as
intervenções. Inúmeras são as possibilidades
de aplicação do conceito de operação estabelecedora na análise do comportamento, como,
por exemplo, nos contextos de medicina
comportamental, de clínica, de educação, de
organizações, de esportes, entre outros. Inde-
44
ABREU-RODRIGUES, RIBEIRO & COLS.
pendentemente do contexto em que ocorra, o
comportamento sempre será o mesmo – um
fenômeno natural determinado por variáveis
ambientais. A tarefa do analista do comportamento é identificar e analisar as relações entre
o comportamento e os eventos ambientais para,
assim, programar contingências de reforçamento efetivas em sua prática em quaisquer
um desses contextos.
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