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Case Report
Fronto-ethmoid encephalocele. Endoscopic approach
Encefalocele fronto-etmoidal. Abordagem endoscópica
Ricardo Gimenes Ferri1
Paulo Ronaldo Jube Ribeiro2
Alan Fernando Panarello3
Rodrigo Toledo de Menezes4
RESUMO
Introdução: A encefalocele consiste em uma má formação congênita do SNC, caracterizada pela herniação do tecido nervoso
decorrente de alterações do tubo neural. Em sua forma intranasal, a encefalocele pode ser confundida com inúmeras afecções
que mimetizam vários outros sinais e sintomas, contribuindo para diagnósticos errôneos por longos anos. Alguns pacientes
cursam com quadro clínico agravado, podendo evoluir com quadros de meningites de repetição e abscessos cerebrais, que
podem culminar com prognóstico reservado. Relato de Caso: Paciente de 44 anos de idade, com história de quatro anos de
presença de secreção de líquido claro e inodoro unilateral à direita, usualmente diagnosticado como quadros de rinite unilateral
e/ou polipose nasal. A TC de seios da face e a RM demostraram encefalocele fronto-etmoidal, sendo submetido a tratamento
cirúrgico vídeo-assistido. Discussão: O diagnóstico precoce é a melhor opção a estes pacientes, sendo o tratamento cirúrgico
sempre indicado. A escolha do método de tratamento deve buscar aquele que obtenha resultados com menor morbidade possível.
Acredita-se que a cirurgia endoscópica é uma excelente opção pelas altas taxas de sucesso e relativa menor morbidade quando
comparada a cirurgia tradicional. Conclusão: A cirurgia endoscópica nasal, com acesso a base do crânio, mostrou-se uma
excelente opção terapêutica ao caso reportado.
Palavras Chave: fístula liquórica, cirurgia endoscópica, encefalocele.
ABSTRACT
Introduction: Encephalocele is a Central Nervous System congenital malformation characterized by herniation of brain tissue
due to changes in the neural tube. Its intranasal form, encephalocele can be confused with other diseases mimicking many other
signs and symptoms, contributing for many years of misdiagnosis. Some patients present with worsened clinical symptoms which
may vary from repeated meningitis to brain abscesses, which may culminate with poor prognosis. Case report: Male patient, 44
years-old, reported a four years history of presence of a clear, odorless liquid secretion unilaterally to the right nostril, usually
diagnosed as episodes of unilateral rhinitis and / or nasal polyps. MRI and CT scans of the facial sinuses showed a frontoethmoidal encephalocele. The patient was submitted to video-assisted surgery. Discussion: Early diagnosis is the best option for
these patients, and surgical treatment is always indicated. The choice of treatment method should always look for the one that
offers better results with less possible morbidity: we believe that endoscopic surgery is an excellent choice due to its high success
rates and relative less morbidity when compared to traditional surgery. Conclusion: Functional endoscopic sinus surgery, with
access to the skull base, was an excellent therapeutic option for the reported case.
Keywords: CSF, endoscopic surgery, encephalocele
I ntrodução
A encefalocele consiste em anomalia do SNC, no qual estruturas
intracranianas protruem através de um defeito no crânio. Tal
protrusão pode estar coberta ou não por pele, pode conter
meninges, liquido cefalorraquidiano, tecido neural ou variadas
combinações destes. Considera-se meningocele quando a
protrusão apresenta meninge e líquido cefalorraquidiano. Já
a meningoencefalocele é descrita quando ocorre combinação
destes tecidos1,2,7,9. A causa do desenvolvimento da encefalocele
é o fechamento incompleto do neuroporo na terceira ou quarta
semana do desenvolvimento. Os motivos para ocorrência são
desconhecidos, mas acredita-se em um modelo multifatorial na
gênese desta má formação1,2,5,7,10.
Dentre fatores ambientais, postula-se os mais diferentes
agentes, como a deficiência de ácido fólico, radiação,
drogas como talidomida, contaminação por metais pesados
Otorrinolaringologista pela Unifesp / Mestre em medicina pela Unifesp,
Coordenador do programa de Residência em otorrinolaringologia do HGG, Goiânia-Go.
2
Neurocirurgião pela Unifesp / Presidente da sociedade goiana de Neurocirurgia / Coordenador do programa de Residência em Neurocirurgia do HGG.
3
Cirurgião dentista e Médico / Especialista e mestre em Cirurgia Bucomaxilofacial pela PUCRS
4
Médico formado pela PUCGO
1
Received, Dec 14, 2012. Accepted, Sept 24, 2013
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e infecções maternas das mais variadas, como por exemplo,
rubéola, sífilis e herpes1,2,4,7. Especificamente quando discutida
a encefalocele fronto-etmoidal, sua patogênese poderia ser
atribuída a um defeito da neurulação, não ocorrendo separação
da neuroectoderma e ectoderma, provavelmente por defeito em
diversos estágios da apoptose celular1,2,5,6,7,10.
Quando descrevemos classificações da encefalocele, a
mais abrangente e utilizada é a que fora proposta por
Davis (1959) e modificada por Suwanwela (1970). Nela as
meningoencefaloceles anteriores podem ser divididas, segundo
a sua localização, em dois grupos: a fronto-etmoidal e a basal4,9.
A fronto-etmoidal consiste em três tipos, a Naso-frontal e
Naso-orbital. O grupo basal consiste em Esfenofaríngea,
Esfenorbital, Esfenomaxilar e Intranasal.
Na sua forma intranasal, a meningoencefalocele pode ser
confundida com pólipos nasais; porém, alguns sinais clínicos,
tais como a dependência com o septo nasal e aumento da massa
quando se aumenta a pressão intracranial por compressão
dos vasos cervicais (sinal de Furstenberg), ajudam na
diferenciação5,7.
Quando não detectado na infância, o paciente pode cursar
com variados sintomas, como obstrução nasal, anosmia,
rinorréia aquosa, sangramento e inclusive meningite5,6. Entre
adolescentes e adultos, a presença de massas ou tumefações na
fossa nasal podem ser confundidas com mucocele de concha
média, tumores benignos e malignos, além de pólipos nasais,
sendo um importante diagnóstico diferencial1,2,5,7.
A incidência da encefaloceles apresenta ampla variação
geográfica. Existem referências à incidência variando de 01
para 3000 nascidos vivos em alguns países do sudeste asiático,
enquanto que a taxa de ocorrência seria aproximadamente de
01 para 10000 nascidos vivos na América do Norte. No entanto
a maioria dos trabalhos situa a ocorrência da encefalocele de
01 para cada 35000 nascidos vivos em países ocidentais, onde
se acredita encontrar as menores porcentagens de nascidos
vivos. Em relação ao gênero, alguns trabalhos sugerem discreta
predileção pelo sexo feminino; contudo a maior parte dos
trabalhos descarta esta possibilidade, sugerindo a inexistência
de predileção por gênero10.
correção do defeito craniofacial1,2,6.
Atualmente a cirurgia aberta, tida como cirurgias convencionais,
gradualmente tem cedido espaço para intervenções realizadas
via endoscopia, sempre na dependendo das situações clínicas
e sob indicações bem estabelecidas. Esta última tem ganhado
espaço com melhora dos aparatos técnicos, evolução das fibras
ópticas, melhor manuseio, assim como pela óbvia vantagem de
submeter o paciente a um procedimento menos invasivo.
R elato de caso
Paciente M.R.F.N, casado, gerente administrativo, natural
de Bom Jesus da Lapa, precedente e residente em São Félix
do Coribe, Bahia, testemunha de Jeová, compareceu em
clínica privada relatando a saída de água pelo nariz. Há cerca
de 4 anos, o paciente observou presença de secreção líquida
predominantemente clara e inodora unilateral à direita,
usualmente diagnosticado como quadros de sinusite crônica e/
ou polipose nasal inflamatória. Referiu ainda que há 2 anos,
teve seu quadro novamente diagnosticado como de polipose
nasal por outro serviço e foi indicado tratamento cirúrgico, que
não fora realizado. O paciente permaneceu sem tratamento e
com sintomatologia inalterada durante todo período; contudo
evoluiu com crise convulsiva tipo tônico-clônica, sendo
avaliado pelo Serviço de Neurologia, que solicitou a tomografia
computadorizada (TC) de crânio (Figura 1) e posteriormente
uma ressonância magnética (RM) (Figura 2), onde aventouse a suspeita de encefalocele fronto-etmoidal. O paciente
então fora encaminhado ao Serviço de Otorrinolaringologia e
Neurocirurgia. O diagnóstico de encefalocele fronto-etmoidal
foi confirmado pelos Serviços de Otorrinolaringologia
e Neurocirurgia, em decorrência dos achados clínicos e
dos exames por imagem. A videonasolaringoscopia ainda
confirmou a suspeita clínica de fístula nasal. Diante dos fatos,
optou-se pela abordagem cirurgíca e em conjunto.
O tratamento consiste na terapêutica cirúrgica e reabilitação
multidisciplinar dos pacientes. O tratamento cirúrgico das
encefaloceles anteriores basicamente tem a finalidade de
excisar-se o saco herniário, reparação da lesão na dura-máter,
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Exames por imagem
base do crânio. O defeito era na região medial à inserção da
concha média, sendo necessária a ressecção da concha média
e dissecção de todo etmóide, tanto anterior quanto posterior.
Após o isolamento do defeito na base do crânio de 15 mm
de diâmetro, foi feita a disseção, descolando a dura máter da
borda do defeito, sendo retirada a fáscia lata da coxa direita
e colocado o enxerto por dentro da fístula (técnica onlay).
Também foi colocado enxerto de cartilagem septal sobre o
defeito, outra camada de fáscia lata e como última camada
a mucosa da concha média. Recobrindo estes enxertos, foi
utilizada cola biológica. Não foi utilizado tampão nasal, além
do fato de não ter sido utilizado catéter subaracnóide no
pós-operatório. A RM pós-operatória realizada após 3 meses,
sugeriu correção da herniação de estruturas do SNC. (Figura
3).
Figura 1: TC dos seios da face (corte coronal ) mostrando herniação de
estruturas do SNC para interior da cavidade nasal à direita.
Figura 3: RM pós-operatória, realizada após 3 meses, sugerindo correção da
herniação de estruturas do SNC.
Figura 2: TC dos seios da face ( corte sagital ) mostrando herniação de
estruturas do SNC para interior da cavidade nasal à direita.
Descrição da técnica cirúrgica
Paciente foi submetido à anestesia geral e preparado para a
cirurgia endonasal vídeoassistida e realizada a dissecção do
saco herniado (encefalocele) com uso de dissectores e uso de
bipolar para redução da massa herniada, isolando o defeito da
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Discussão
A avaliação clínica e o mimetismo com outras situações
patológicas tornam um desafio o diagnóstico das encefaloceles
fronto-etmoidais, especialmente para profissionais que não
atuam cirurgicamente na área e para clínico-generalistas.
O diagnóstico é condicionado à história clínica, em que
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comumente o paciente refere rinorréia hialina unilateral
intermitente de longa data. Outras queixas importantes são a
cefaléia e o gotejamento pós-nasal. Meningites de repetição
também são comuns e podem ser a primeira manifestação clínica
dos portadores encefalocele em até 25% dos casos. Histórico
de trauma craniano (TCE) sempre deve ser questionado.
A meningoencefalocele é geralmente pulsátil, de cor
acinzentada, e tem relação muito próxima com a linha média.
Na população de adolescentes ou de adultos, os diagnósticos
diferenciais mais comuns são o pólipo nasal (pela sua
frequência), além de outras lesões congênitas de linha média,
como glioma, teratomas, hamartomas, hemangiomas e cistos
dermóides. O glioma nasal é a afecção mais importante como
diagnóstico diferencial e representa um remanescente de tecido
nervoso isolado do encéfalo. Apresenta o sinal de Furstenberg
negativo, embora o anátomo-patológico do glioma seja
semelhante àquele da meningoencefalocele1,2,5,7.
O diagnóstico precoce é essencial, mas não é incomum a
detecção da doença passar despercebida na infância, desta
forma outros sintomas, além da obstrução nasal, poderão se
manifestar - tais como anosmia, rinorréia aquosa, sangramento
ou mesmo meningite nos casos de malformações com
fístula1,2,5,6,7.
A mimetização de sinais e sintomas menos específicos e
comuns a outras doenças de menor complexidade, como a
rinorreia unilateral, dificulta o diagnóstico definitivo do caso.
Inicialmente o paciente em questão fora diagnosticado como
portador de sinusite crônica e pólipo nasal, que culminariam
em um plano de tratamento diferente do necessário, fato não
incomum de acordo com relatos de casos publicados.
Ressalta-se ainda que o estudo com a TC, complementado
pela RM, comumente não deixa imprecisões quanto à natureza
da lesão. Nos respectivos exames, a encefalocele frontoetmoidal mostra-se como uma herniação não só das meninges,
mas do tecido nervoso, com possibilidade de conter líquido
cerebrospinal. A TC ainda é essencial para estudar anatomia
regional e defeitos ósseos na base do crânio e assim poder
estabelecer com mais propriedade a abordagem cirúrgica.
Como já descrito, o tratamento consiste no reparo cirúrgico dos
defeitos apresentados pelo paciente. Várias são as possibilidades
de acesso, incluindo a participação do neurocirurgião, que
separa a porção cranial da nasal, através da ligadura e reforço
da falha óssea. A porção nasal é, em seguida, ressecada pelo
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otorrinolaringologista, mostrando assim a necessidade do
tratamento interdisciplinar.
Ultimamente, tem-se percebido uma clara tendência a
abordagens cirúrgicas intranasais com auxílio de endoscópio. A
cirurgia endoscópica intranasal, sem abordagem intracraniana
concomitante, propicia vantagens inequívocas, tais como
tempo transoperatório e morbidade cirúrgica diminuída,
consequentemente menor tempo de internação hospitalar,
menores taxas de infecção pós-operatória e custos para o
paciente, operadoras de saúde e/ou sistema único de saúde.
Em nosso caso, optamos pela não utilização do catéter de
drenagem lombar; a literatura não sugere que a drenagem
lombar pós-operatória possa propiciar vantagens neste tipo
de abordagem. Casiano et al3 relataram 33 casos de cirurgias
endoscópicas nasais sem drenagem lombar, concluindo que o
resultado final não foi influenciado pela drenagem lombar de
rotina, situação corroborada em nosso caso. A baixa morbidade
e o alto sucesso da técnica endoscópica têm tornado este o
tratamento de escolha para a encefalocele.
Considerações Finais
O tratamento endoscópico da encefalocele fronto-nasal e das
fístulas liquóricas rinogênicas têm se tornado uma excelente
opção pela alta taxa de sucesso e relativa baixa morbidade
quando comparados à cirurgia aberta convencional. Sugere-se
então a cirurgia vídeoassistida como a primeira escolha para
o tratamento dessas patologias. Acreditamos também que se
deva enfatizar a abordagem multidisciplinar no manejo do
paciente. Torna-se igualmente relevante a identificação precoce
dos casos, inclusive pelos médicos generalistas, propiciando
correto encaminhamento e evitando as possíveis complicações
acarretadas pelo diagnóstico tardio, incorreto e por condutas
inadequadas.
R eferências
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Autor Correspondente
Alan Fernando Panarello
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