I UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO SEGURANÇA JURÍDICA VERSUS PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO NO BRASIL CLAUDIO WITT Itajaí/SC, 01 de dezembro de 2008. II UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO SEGURANÇA JURÍDICA VERSUS PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO NO BRASIL CLAUDIO WITT Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Professora Esp. Maria Eugênia Furtado Itajaí/SC, 01 de dezembro de 2008. III AGRADECIMENTO “Nenhum saber deve ser estanque, absoluto e dogmático”, como bem preleciona o Professor Antonio Carlos Wolkmer, dedico este singelo trabalho a todos os Professores, que nesta jornada acadêmica doaram-se para formar o meu ainda tão acanhado saber, e que semearam em mim o insaciável desejo do conhecimento, este que jamais se esgota. Agradeço aos meus Pais, o carinho e a paciência, agradeço ao meu filho, a compreensão pelo tempo muitas vezes mais destinado aos estudos do que a minha própria família, agradeço ainda ao Companheiro e Amigo de todas as horas, de todas as inseguranças, inquietudes, sacrifícios e medos que fazem parte da jornada acadêmica, pois sou sabedor de que sozinho jamais poderia alcançar o fim desta, que é só a primeira dos muitos passos que formam o mundo do conhecimento. Agradeço ainda a todos os amigos em especial a Amiga e também Companheira de trabalho estagiário Gilmara, que por várias e várias horas divagamos pelas infindáveis filosofias jurídicas. Agradeço finalmente a Deus, e a todos que de certa forma contribuíram por mais este degrau que com muito suor alcançamos. IV DEDICATÓRIA “Será. Milagre do maior dos taumaturgos. Milagre de quem respira entre milagres. Milagre de um santo, que cada qual tem no sacrário do seu peito. Milagre do coração, que os sabe chover sobre a criatura humana, como o firmamento chove nos campos mais áridos e tristes a orvalhada das noites, que se esvai, com os sonhos de antemanhã, ao cair das primeiras flechas de loiro do disco solar. Embora o realismo dos adágios teime no contrário, tolerem−me o arrojo de afrontar uma vez a sabedoria dos provérbios. Eu me abalanço a lhes dizer e redizer de não. Não é certo, como corre mundo, ou, pelo menos, muitas muitíssimas vezes, não é verdade, como se espalha fama, que “longe da vista, longe do coração.” Rui Barbosa. Este sonho, nominado Milagre, por Rui Barbosa, não realizei sozinho. Este milagre, que são as realizações dos nossos sonhos somente foi possível pelo inesgotável apoio da minha família. V TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e a Orientadora de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí/SC, 01 de dezembro de 2008. CLAUDIO WITT VI PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Cláudio Witt, sob o título Segurança Jurídica versus Poder Constituinte Originário no Brasil, foi submetida em ________ à banca examinadora composta ___________________________, e pelos aprovada seguintes com (__________________). Itajaí/SC, 01 de dezembro de 2008. Maria Eugênia Furtado Orientadora e Presidente da Banca Msc. Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia a nota professores: ________ VII ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS Art. Artigo Arts. Artigos CF Constituição Federal EC Emenda Constitucional Ed. Edição LICC Lei de Introdução ao Código Civil Min. Ministro MP Ministério Público nº, n. Número STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça p. Página VIII ROL DE CATEGORIAS Ato Jurídico Perfeito Ato jurídico perfeito é aquele que reuniu todos os seus elementos constitutivos exigidos pela lei. O principio constitucional do respeito ao ato jurídico perfeito aplica-se a todas as leis e atos normativos inclusive às leis de ordem pública.1 Cláusulas Pétreas As cláusulas pétreas constituem um núcleo intangível que se presta a garantir a estabilidade da Constituição e conservá-la contra alterações que aniquilem o seu núcleo essencial, ou causem ruptura ou eliminação do próprio ordenamento constitucional, sendo a garantia da permanência da identidade da Constituição e dos seus princípios fundamentais.2 Coisa Julgada Significa “a sentença, que se tendo tornado irretratável, por não haver contra ela mais qualquer recurso, firmou o direito de um dos litigantes para não admitir sobre a dissidência anterior qualquer outra oposição por parte do contentor vencido, ou de outrem que se sub-rogue em suas pretensões improcedentes”.3 Direito Conjunto de normas de conduta e de organização, constituindo uma unidade e tendo por conteúdo a regulamentação das relações fundamentais para a convivência e sobrevivência do grupo social, tais como as relações familiares, as relações econômicas as relações superiores de poder, também chamadas de 1 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 7º Edição, São Paulo, Atlas: 2007, p. 245. 2 PEDRA Adriano Sant’Ana. Reflexões Sobre a Teoria das Cláusulas Pétreas, Brasília a. 43 n. 172 out./dez. 2006p.137. 3 SILVA, Plácido e. VocabulárioJurídico, Editora Forense, Rio de janeiro, 2003,p. 178. IX relações políticas, e ainda a regulamentação dos modos e das formas através das quais o grupo social reage a violação das normas de primeiro grau ou a institucionalização da sanção.4 Direito Adquirido Direito adquirido é a vantagem jurídica, líquida e certa, concreta, que a pessoa obtém na forma da lei vigente e que se incorpora definitivamente e sem contestação ao patrimônio de seu titular. ”5 Estado Estado é um complexo político, social e jurídico, que envolve a administração de uma sociedade em caráter permanente em um território e dotado de poder autônomo. 6 Estado de Direito O Estado de Direito de identifica por três notas principais: “por ser obediente ao Direito; por ser guardião dos direitos; e por ser aberto para as conquistas da cultura jurídica”.7 Poder Constituinte Derivado É o “órgão constitucional, conhece limitações tácitas e expressas, e se define como poder primacialmente jurídico, que tem por objeto a reforma do texto constitucional. Deriva da necessidade de conciliar o sistema representativo com as manifestações 4 BOBBIO Norberto. Dicionário de Política, Brasília, Editora UNB: 2002, p. 349 5 FERREIRA, Luiz Pinto. As Emendas as Constituições, as Cláusulas Pétreas e o Direito Adquirido, Belo Horizonte, Editora Del Rey: 2003, p. 204. 6 7 NADER Paulo, Introdução ao Estudo do Direito Rio de janeiro, Forense: 2002, p, 3. TELLES JUNIOR, Godofredo Apud Paulo Nader. Introdução ao Estudo do Direito, Rio de janeiro, Forense: 2002, p.134. X diretas de uma vontade soberana, competente para alterar os fundamentos institucionais de ordem estabelecida”8. Poder Constituinte Originário É a manifestação soberana da suprema vontade política de um povo, social ou juridicamente organizado.9 8 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 13ª Ed.,São Paulo, Malheiros: 2003, p. 30. 9 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 7ª Ed. São Paulo, Atlas: 2007, p.14 XI SUMÁRIO RESUMO.......................................................................................... XII INTRODUÇÃO .................................................................................. 01 CAPÍTULO 1 PODER CONSTITUINTE .................................................................. 03 1.1 DIREITO, ESTADO E ESTADO DE DIREITO ............................................... 03 1.1.1 DIREITO ........................................................................................................ 03 1.1.2 Estado ........................................................................................................ 06 1.1.3 Estado de Direito ....................................................................................... 08 1.1.4 Estado de Direito Contemporâneo .......................................................... 09 1.2 PODER CONSTITUINTE ............................................................................... 10 1.2.1 Origem ........................................................................................................ 10 1.2.2 Conceito ..................................................................................................... 12 1.2.3 Conceito Politíco de Poder Constituinte ................................................. 14 1.2.4 Conceito Jurídico de Poder Constituinte ................................................ 14 1.2.5 Titularidade ................................................................................................ 15 1.2.6 Distinção entre Poder Constituinte Originário e Poder Constituinte Derivado .............................................................................................................. 17 CAPÍTULO 2 INSTITUTOS GARANTIDORES DA SEGURANÇA JURÍDICA ........ 22 2.1 CLÁUSULAS PÉTREAS ............................................................................... 23 2.2 DIREITO ADQUIRIDO .................................................................................... 29 2.3 COISA JULGADA .......................................................................................... 35 2.4 ATO JURÍDICO PERFEITO ........................................................................... 37 CAPÍTULO 3 SEGURANÇA JURÍDICA.................................................................. 42 3.1 PRESSUPOSTOS POLÍTICOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA CERTEZA DO DIREITO ........................................................................................................ 43 3.1.1 PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA............................................................... 43 3.1.2 A Diferença entre Segurança Jurídica e Certeza Jurídica ..................... 45 3.1.3 A Instabilidade Jurídica Atual .................................................................. 46 3.1.4 A Necessidade de Segurança .................................................................. 49 XII CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 62 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ........................................... 65 XIII RESUMO O presente trabalho monográfico explicita as formas que o sistema jurídico Pátrio buscou para efetivar a segurança jurídica. Hodiernamente, a uma preocupação em se re-efetivar a crença no Poder Judiciário, assim percebe-se uma movimentação no que tange a reformas, as quais objetivam principalmente trazer para o seio da sociedade a certeza jurídica. Destarte, se fez na presente obra uma viajem panorâmica pelos três grandes institutos que norteiam a segurança jurídica, quais sejam: O Direito Adquirido, a Coisa Julgada e o Ato Jurídico Perfeito. Para um estudo completo acerca do assunto, não se pode deixar de discorrer acerca do Poder Constituinte Originário e o Poder Constituinte Derivado, pois estes institutos estão intimamente ligados a efetivação da segurança jurídica. Como também, não se poderia narrar acerca dos Poderes Constituintes Originários e Derivados, sem entender ulteriormente o Estado de Direito. Esta obra, além de elucidar sobre institutos extremamente importantes do Direito, tem ainda o condão de inquietar o leitor sobre a real segurança jurídica frente ao Poder Constituinte Originário. INTRODUÇÃO A presente Monografia tem como objeto a apresentação dos Institutos do Direito Adquirido, Coisa Julgada e Ato Jurídico Perfeito frente ao Poder Constituinte Originário. O objetivo será compreender cada um dos citados institutos, com o fim de se analisar a segurança jurídica. Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando-se da figura do Estado de Direito por questão propedêutica a fim de que se compreenda o Poder Constituinte Originário. No Capítulo 2, tratando de explorar cada instituto, quais sejam o Direito Adquirido, Coisa Julgada e Ato Jurídico Perfeito de forma aprofundada, bem como as Cláusulas Pétreas. No Capítulo 3, tratando do ponto elevado do presente estudo, qual seja a segurança jurídica, em todas as suas formas de incidências, demonstrando de forma vasta o entendimento jurisprudencial, acerca destas incidências, bem como a certeza do direito frente, os quais são edificados pelos institutos acima mencionados frente ao Poder Constituinte Originário. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, as quais são apresentadas os pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre este poder que tudo pode, ou seja, o Poder Constituinte Originário. Para a presente monografia foram levantadas as seguintes perguntas: Persiste o assegurado pelo Direito Adquirido, Coisa Julgada e Ato Jurídico Perfeito frente a uma nova Constituição? 2 Há limites, ou seja, existe efetivamente segurança jurídica frente ao Poder Constituinte Originário? Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo10, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas, do Referente11, da Categoria12, do Conceito Operacional13 e da Pesquisa Bibliográfica. 10 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido [...]. PASOLD, Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101. 11 "explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitado o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa". PASOLD,Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, cit.. especialmente p. 241. 12 “palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia". PASOLD,Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, cit.. especialmente p. 229. 13 “definição estabelecida ou proposta para uma palavra ou expressão, com o propósito de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas”. PASOLD,Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica, cit.. especialmente p. 229. 3 CAPÍTULO 1 PODER CONSTITUINTE Preliminarmente para que se possa compreender o instituto do Poder Constituinte torna-se imprescindível a explanação, em respeito a uma boa condição propedêutica, o significado de Estado de Direito. Após a concepção acerca do Estado de Direito, o qual tem como característica básica o denominado império das leis, tornar-se-á mais simples o entendimento, não só do Poder Constituinte, como de todos os institutos que serão versados nesta monografia. 1.1 DIREITO, ESTADO E ESTADO DE DIREITO 1.1.1 Direito Para adentramos ao Estado de Direito propriamente dito, vale um pequeno vislumbrar por alguns conceitos intrinsecamente relacionado ao Estado. Direito e Estado sempre estiveram intrinsecamente ligados, e mais, o direito sempre esteve intimamente ligado ao próprio povo (entendido como sociedade). Como sabiamente constatou Savigny, citado por Paulo Gusmão14: “o Direito progride com o progresso do povo, fortalecendo-se com ele, entretanto em decadência e perecendo, quando a nação perde sua personalidade”. Seria precária a analise acerca do Estado, do Direito e o do Povo de forma autônoma. 14 Gusmão Paulo Dourado de. Introdução à Ciência do Direito, Rio de Janeiro, Forense, 1972, p.279. 4 Sahid Maluf15, o “Estado é uma organização destinada a manter, pela aplicação do Direito, as condições universais de ordem social. E o Direito é o conjunto das condições existenciais da sociedade, que ao Estado cumpre assegurar”, asseverando ainda que para um estudo do elemento estatal, bem como para a abrangência da ciência jurídica, o primeiro problema a se enfrentado é o das relações entre Estado e Direito. Na Obra de Sahid Maluf16, encontram-se elencadas algumas teorias sobre o fenômeno estatal: Teoria monística, também clamada de estatismo jurídico, no qual o Estado e o Direito confundem-se, a teoria dualística ou pluralística, a qual defende ser o Estado e o Direito realidades distintas, e a teoria do Paralelismo, a qual acastela ser ainda que realidades distintas são necessariamente interdependentes. Pondera Bobbio17, o significa do instituto Direito, o que mais se relaciona com o Estado é o Direito enquanto ordenamento normativo: Entre os múltiplos significados da palavra Direito, o mais estreitamente ligado à teoria do Estado ou da política é o do Direito como ordenamento normativo. Esse significado ocorre em expressões como “Direito positivo italiano” e abrange o conjunto de normas de conduta e de organização, constituindo uma unidade e tendo por conteúdo a regulamentação das relações fundamentais para a convivência e sobrevivência do grupo social, tais como as relações familiares, as relações econômicas as relações superiores de poder, também chamadas de relações políticas, e ainda a regulamentação dos modos e das formas através das quais o grupo social reage a violação das normas de primeiro grau ou a institucionalização da sanção. Essas normas têm como escopo mínimo o impedimento de ações que possam levar a destruição da sociedade, a solução dos conflitos que a ameaçam e que tornariam impossível a própria sobrevivência do grupo se não fossem 15 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado, São Paulo, Sugestões Literárias S/A, 9ª Ed, 1978, p.17 16 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado, São Paulo, Sugestões Literárias S/A, 9ª Ed, 1978, p.18. 17 BOBBIO Norberto, Dicionário de Política, Brasília, Editora UNB, 2002, p. 349 5 resolvidos, tendo também como objetivo a consecução e a manutenção da ordem e da paz social. Norberto Bobbio, assevera mais uma vez a intima relação entre Estado, Direito e Povo, e a necessidade de entender cada instituto para enfim compreender o Estado de Direito. Em narrativa, Norberto Bobbio18 assim salienta: (...) a conexão entre Direito entendido como ordenamento normativo coativo e política torna-se tão estreita, que leva a considerar o Direito como principal instrumento através do qual as forças políticas, que têm nas mãos o poder dominante em uma determinada sociedade, exercem o próprio domínio. Pelo exposto conclui-se que o Direito pode ser considerado como pressuposto do poder dominante (forças políticas), ou seja, pressuposto do próprio Poder Estatal. Norberto Bobbio19 relata ainda que o processo à convergência entre Direito e Estado, “contribui para pôr relevo, entre as várias formas que uma regra imperativa pode assumir a forma da lei” assim se manifestando acerca do Estado Moderno: Isso é o mesmo que dizer que no processo de desenvolvimento do Estado Moderno, a par da resolução do Direito entendido como ordenamento normativo no Estado, através da identificação do Direito como ordenamento coativo e do Estado com a força monopolizada, assiste-se também à redução de todas as fontes tradicionais do Direito à fonte única da lei. Salientando ainda que aquele duplo processo pudesse ser resumido com tal fórmula: “enquanto o Direito, em sentido estrito, cada vez se torna mais Direito Estatal, o Direito Estatal, em sentido estrito, se torna cada vez mais Direito Legislativo”. 18 BOBBIO Norberto. Dicionário de Política, Brasília, Editora UNB: 2002, p. 349. 19 BOBBIO Norberto. Dicionário de Política, Brasília, Editora UNB: 2002, p. 351. 6 Paulo Nader20, textualiza que “a visão do fenômeno jurídico não pode ser completa se não for acompanhada pala noção de Estado e seus fins”. Alessandro Groppali21, citado por Paulo Nader, ressalta haver uma interdependência e compenetração entre Direito e Estado, observando que “Vários elementos são comuns a ambos. Direito e Estado constituem um meio ou instrumento a serviço do bem estar da coletividade. Pelo fato de colimarem igual objetivo”. Uma vez explicitada à abrangência conceitual de Direito, enfatizando sua essencial ligação com o Estado, passa-se a explanação acerca do Estado propriamente dito. 1.1.2 Estado A designação Estado (do latim status = estar firme), constituindo situação permanente de convivência e ligada à sociedade política, aparece pela primeira vez de Maquiavel22 assim textualizando: “ Todos os Estados, todos os domínios que têm ávido e que há sobre os homens foram e são principados”. Dalmo de Abreu Dallari23 salienta que de qualquer forma, é certo que o nome Estado, indicando uma sociedade política só aparece no século XVI, porém protesta que para muitos Autores, o Estado, assim como a própria sociedade, sempre existiu, pois desde que o homem vive sobre a terra achasse integrado numa organização social, dotada de poder e com autoridade para determinar o comportamento de todo o grupo. 20 NADER Paulo. Introdução ao Estudo do Direito, Rio de janeiro, Forense, 2002, p, 125. 21 GROPPALI, Alessandro, Apud Paulo Nader. Introdução ao Estudo do Direito, Rio de janeiro, Forense, 2002, p, 125. 22 23 MAQUIAVEL, Nicolau, O Príncipe, Os Pensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1973, vol.IX, p. 11. DALLARI, Dalmo de Abreu, Elementos de Teoria Geral do Estado, 23ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 51. 7 Não se adentrará a evolução histórica do Estado, ainda que seu estudo seja relevante, porém em muito alongaria o presente estudo, passandose diretamente ao Estado Moderno e Democracia. Segundo Dallari24, a idéia contemporânea de um Estado Democrático tem suas origens no século XVIII, aludindo a declaração de certos valores básicos da pessoa humana, bem como a ultimato de organização e funcionamento do estado tendo em vista o abrigo daqueles valores assim se manifestando: A base do conceito de Estado Democrático é, sem dúvida, a noção de governo do povo, revelada pela própria etimologia do termo democracia, devendo-se estudar, portanto, como se chegou à supremacia da preferência pelo governo popular e quais as instituições do Estado geradas pela afirmação desse governo. O Estado político foi gradualmente integrando-se com a sociedade civil, o qual, como salienta Bobbio25 acabou por alterar a forma jurídica do Estado. Paulo Nader26, diz que “a visão do fenômeno jurídico não pode ser completa se não for acompanhada pela noção de Estado e seus fins, ou ainda neste sentido ALESSANDRO GROPPALI27: Nem o Direito é qualquer coisa que esta por si mesmo, fora e acima do Estado, uma vez que ele representa o procedimento e a forma através dos quais o estado se organiza e dá ordens; nem o Estado, por outro lado, pode agir independentemente do Direito, porque é através do Direito que ele forma, manifesta e faz atuar a própria vontade. 24 DALLARI, Dalmo de Abreu, Elementos de Teoria Geral do Estado, 23ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 145. 25 BOBBIO Norberto, Dicionário de Política, Brasília, Editora UNB, 2002, p.401 26 NADER, Paulo, Introdução ao Estudo do Direito, Rio de janeiro, Forense, 2002, p.125. 27 GROPPALI, Alessandro, Doutrina do Estado, 2º Edição traduzida, 8ª Ed. Original, Saraiva, São Paulo, 1952, p.168. 8 Inevitável ainda, citar Heinrich Henkel28: “Há uma correspondência funcional entre Direito e Estado: seu “necessitar” e “ser necessitado” recíprocos, no sentido de que só com sua união podem alcançar ambos a plena capacidade funcional.” O Estado hodiernamente é entendido como sendo a nação politicamente organizada, Paulo Nader29, assim o conceitua: “Estado é um complexo político, social e jurídico, que envolve a administração de uma sociedade em caráter permanente em um território e dotado de poder autônomo.” Queiroz Lima30 definiu-o como “uma nação encarada sob o ponto de vista de sua organização política e León Duguit31 considerou-o “força do Direito”. Enfim, Estado e Direito ainda que sejam instituições inconfundíveis, o enfraquecimento de um ensejaria inevitavelmente no enfraquecimento do outro, pois, não há que se imaginar um Estado sem Direito, como também inexistiria Direito sem o Estado. 1.1.3 Estado de Direito A busca pelo Estado de Direito, tornou-se objetivo quase que hegemônico, após a Segunda Guerra Mundial, pois a partir daí é que se excedeu a esfera nacional para internacional, tendo envolvido pela primeira vez na história todos os povos, como bem pondera Norberto Bobbio32. Darcy Azambuja33 assim elucida: 28 Apud Paulo Nader, Introdução ao Estudo do Direito, Rio de janeiro, Forense, 2002, p.125. 29 NADER Paulo, Introdução ao Estudo do Direito Rio de janeiro, Forense, 2002, p, 3. 30 NADER Paulo, Introdução ao Estudo do Direito, p.126 31 NADER Paulo, Introdução ao Estudo do Direito, p.126 32 BOBBIO, Norberto, A Era dos Direitos, Rio de janeiro, Editora Campos, 1992, p.49 33 AZAMBUJA, Darcy, Teoria Geral do Estado, Rio de Janeiro, Editora Globo, 1983, p. 389. 9 Tão intimamente está o Direito ligado ao Estado que se pode dizer que lhe é intrínseco e consubstancial, tanto que alguns pensadores consideram o Estado com um sistema de normas jurídicas. Por isso é licito afirmar que o Direito, nos Estados modernos, é por excelência o instrumento para realizar o bem público. Godofredo Telles Junior 34 identifica o Estado de Direito por três notas principais: “por ser obediente ao Direito; por ser guardião dos direitos; e por ser aberto para as conquistas da cultura jurídica”. O Estado de Direito se configura dentre outras coisas da sujeição do próprio “poder” as leis, sem exceção tudo e todos sujeitos a Lei do Estado, suprimindo a ilimitação das ações governamentais em detrimento a Lei daquela nação. 1.1.4 Estado de Direito Contemporâneo O Estado de Direito Contemporâneo, se estrutura de acordo com o clássico modelo dos poderes independentes e harmônicos, conforme textualiza Paulo Nader35: O fundamental à caracterização do Estado de Direito é a proteção efetiva aos chamados direitos humanos. Para que esse objetivo seja alcançado é necessário que o Estado se estruture de acordo com o clássico modelo dos poderes independentes e harmônicos; que a ordem jurídica seja um todo coerente e bem definido; que o Estado se apresente não apenas como poder sancionador, mas como pessoa jurídica portadora de obrigações. A plenitude do Estado de Direito, pressupõe, enfim, a participação do povo na administração pública, pela escolha de seus legítimos representantes. Destarte a participação do povo é algo inerente a concepção da efetividade do Estado de Direito, e acima de tudo a busca da concretização dos direitos fundamentais do indivíduo. 34 TELLES JUNIOR, Godofredo Apud Paulo Nader. Introdução ao Estudo do Direito, Rio de janeiro, Forense: 2002, p.134. 35 NADER Paulo. Introdução ao Estudo do Direito, Rio de janeiro, Forense: 2002, p, 4. 10 Norberto Bobbio36 aclara que ”pelos fins do século XIX e início do século XX, com o capitalismo organizado, ocorreram transformações profundas na estrutura material do Estado de Direito”. 1.2 PODER CONSTITUINTE O Poder Constituinte pode ser entendido como o poder de elaborar (sendo neste caso Poder Constituinte Originário), ou ainda como um poder de atualizar uma Constituição, podendo suprimir, modificar ou acrescentar normas constitucionais (neste caso estar-se-á frente ao poder constituinte derivado). 1.2.1 Origem Alguns doutrinadores destacam duas teses para explicar a natureza do Poder Constituinte, uma sendo a tese positivista outra a jusnaturalista. Alexandre de Moraes,37 assim explica as teses acima mencionadas: Para a tese positivista, somente existe direito posto pelo Estado, e conseqüentemente, a Constituição – que inicia a ordem jurídica e o próprio Estado, não pode ser considerada um poder de direito, mais sim um poder de fato, uma força social. Diversamente, para a tese jusnaturalista o direito não se circunscreve ao direito posto pelo Estado – direito positivo -, havendo também o direito resultante da própria natureza humana – direito natural. O Poder Constituinte, portanto, seria um poder de direito decorrente do poder natural à liberdade de autodeterminação. 36 37 BOBBIO Norberto, Dicionário de Política, Brasília, Editora UNB, 2002, p 401. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 7ª Ed. São Paulo, Atlas: 2007, p.21. 11 Segundo Paulo Bonavides38 a teoria do poder constituinte é basicamente uma teoria da legitimidade do poder, aclarando que “surge quando um nova forma de poder, contida nos conceitos de soberania nacional e soberania popular, faz sua aparição histórica e revolucionária em fins do século XVIII.” Ainda, segundo Paulo Bonavides, este novo poder, sobrepôsse ao poder absoluto das monarquias de direito divino, tendo invocado a razão humana, e assim sendo substituída a titularidade do poder, passando de Deus para a Nação, surgindo assim à teoria do poder constituinte, “legitimando uma nova titularidade do poder soberano e conferindo expressão jurídica aos conceitos de soberania nacional e soberania popular”. Vale ainda citar que, conforme textualiza Dimas Macedo39, já durante a fase de desenvolvimento da Idade Média, ganhou grande expressão, a se destacar na França, a nominada doutrina das leis fundamentais do reino, iniciado a formulação dos desempenhos teóricos que posteriormente viriam a abalizar o conhecimento do chamado Poder Constituinte, principalmente pelo seu apontamento a “uma certa rigidez dessas mesmas leis fundamentais, limitadoras, em alguns casos, até mesmo do arbítrio do próprio monarca”. Dimas Macedo, buscando sintetizar a teoria do poder constituinte assim exprime: A teoria do Poder Constituinte, (...) consolida-se toda ela tendo presente, (...) os conceitos de soberania popular e de soberania nacional. (...) desenvolve-se toda a teoria do Poder Constituinte a partir do pressuposto de que todo poder constituído materializa, em essência, a vontade espontânea e viva da realidade social, que não se reparte nem se aliena, (...)”. 38 BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional, 13ª Ed.,São Paulo, Malheiros, 2003, p. 141. 39 MACEDO, Dimas, Revista Latino Americana de Estudos Constitucionais nº3, 1ªed. Belo Horizonte, Del Rey, 2003,p. 596. 12 Ou ainda, como ensina José Alfredo de Oliveira Baracho, citado por Alexandre de Morais40: propunha o estabelecimento de uma Constituição baseada nos seguintes pontos capitais: declaração de direitos, forma escrita, governo representativo, separação entre Poder Legislativo e Executivo. Tornava-se necessária a convocação de toda a nação, com poderes extraordinários, constituintes, para formular a Nova Constituição. A doutrina do poder constituinte coincide com o nascimento do Estado constitucional moderno”. Uma vez aclarada, ainda que de forma resumida, a teoria do Poder Constituinte, passa-se efetivamente a explanação do conceito de Poder Constituinte. 1.2.2 Conceito Conforme ensina Alexandre de Moraes41, o Poder Constituinte “é a manifestação soberana da suprema vontade política de um povo, social ou juridicamente organizado, consistindo na positivação, (...) do princípio democrático, (...) tendo natureza de poder de direito. Manuel Gonçalves Ferreira Filho42: (...) o direito não se resume ai Direito Positivo. Há um direito natural, anterior ao Direito do Estado e superior a este. Deste Direito natural decorre a liberdade de o homem estabelecer as instituições por que há de ser governado. Destarte, o poder que organiza o Estado, estabelecendo a Constituição, é o poder de direito. 40 MORAES, Alexandre de, Constituição do Brasil interpretada e Legislação Constitucional, 7ª Ed. São Paulo, Atlas, 2007, p.15. 41 MORAES, Alexandre de, Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 7ª Ed. São Paulo, Atlas, 2007, p.14 42 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves apud Alexandre de Moraes Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 7ª Ed. São Paulo, Atlas, 2007, p.14 13 As doutrinas hodiernas apontam a idéia de Poder Constituinte com o do surgimento de constituições escritas, as quais buscaram a limitação do poder do Estado e a preservação dos direitos e garantias dos indivíduos. Paulo Bonavides43, assim conceitua o poder constituinte: O poder constituinte nacional é nesse caso a soberania a serviço do sistema representativo, ou a caracterização diferente que a soberania toma ao fazer-se dinâmica e criadora de instituições, ou ainda, por outro aspecto, a soberania mesma, quando ela se institucionaliza num principio impessoal, apto a transcender a vontade governativa do monarca ou do príncipe de poderes absolutos. Poder essencialmente soberano, o poder constituinte, ao teorizarse, marca com toda a expressão e força a metamorfose do poder, que por ele alcança a máxima institucionalização ou despersonificação.” Paulo Bonavides, aclara ainda que o poder constituinte é atributo essencial da soberania, e que este converte-se em “noção-chave” de toda a Teoria do Estado em decorrência de marcar com a máxima clareza a “ocasião culminante em que a titularidade do poder é colocada numa instituição: o Estado, pessoa jurídica, e não em uma divindade, pessoa sobrenatural, ou num indivíduo, pessoa física”. O Constitucionalista J.J. Gomes Canotilho44 verifica que, perante a multiplicidade de conceitos e definições do Poder Constituinte, averigua que todos revelam sempre como sendo “um poder”, de “força” ou de “autoridade” política que está em condições de, numa determinada situação concreta, criar, garantir ou eliminar uma Constituição entendida como lei fundamental da comunidade política.” 43 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 13ª Ed.,São Paulo, Malheiros: 2003, p. 145. 44 CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional e a Teoria da Constituição, 5ªed., Coimbra,Portugal, Livraria Almedina, 2002, p.65. 14 Pedro Lenza45 conceitua o poder constituinte como sendo um poder de elaborar, ou atualizar uma Constituição, em decorrência da supressão, modificação ou acréscimo de normas constitucionais. 1.2.3 Conceito Político de Poder Constituinte Paulo Bonavides46 assevera que como noção política, o poder constituinte, “é o poder que tudo pode”, destarte, é um poder que ao fazer a Constituição, não se autolimita: (...) porque sendo a expressão mesma da vontade nacional, não pode ser acorrentado no exercício dessa vontade por nenhuma forma constituída. Livre de toda coação, adotará a forma que lhe aprouver, sendo absurdo, segundo Laboulaye, que a nação se prenda a formalidades às quais sujeita seus agentes. (...) Politicamente é o poder constituinte um poder supra legem ou legibus solutus, um poder a que todos os poderes constituídos hão necessariamente de dobrar-se ao exercer ele a tarefa extrajurídica de criar a Constituição. O poder constituinte, tomado assim por esse aspecto – o político – só tem uma função capital: a de fazer a Nação ou o Povo, os governados enfim, sejam sujeitos da soberania. 1.2.4 Conceito Jurídico de Poder Constituinte Bonavides faz ainda algumas menções acerca do prisma jurídico do Poder Constituinte. 45 LENZA, Pedro, Direito Constitucional Esquematizado, 7ª edição, São Paulo, Editora Método, 2004, p. 56. 46 BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional, 13ª Ed.,São Paulo, Malheiros, 2003, p. 144. 15 Assim, pelo conceito jurídico do Poder Constituinte, implica na existência prévia de uma organização constitucional “da qual ele legitimamente emana para o desempenho de sua atividade.” Destarte, o Poder Constituinte, a propósito de um conceito jurídico, residiria nesse caso na Constituição, que para movimentá-la se serviria de “determinados órgãos com caráter representativo, a saber: uma assembléia especial (a Convenção), o corpo de cidadãos (no caso do referendum) ou um poder constituído (o Parlamento)”: Na acepção jurídica o poder constituinte é competente para ultimar a mudança constitucional e, segundo certos juristas, tanto poderá reformar a Constituição com ad-rogá-la, ora se limita a pequenas emendas, ora se abalança a uma revisão mais ampla de que venha resultar a feitura de uma nova Carta. Firma-se em conseqüência o princípio jurídico ou a regra de legitimidade segundo a qual a Constituição nova deriva da Constituição velha, ou seja, toda produção constitucional obedecerá sempre a moldes pré-organizados ou preestabelecidos e ocorrerá nos limites da ordem jurídica, cujos fundamentos não poderão ser ignorados nem violados pela ação do poder constituinte. 1.2.5 Titularidade A Titularidade do poder Constituinte é concebida pela doutrina contemporânea como pertencente ao Povo. Pedro Lenza47, porém, lembra que Emmanuel Josep Sieyés, através do panfleto denominado “Que é o Terceiro Estado?”, apontava como titular a nação. O textualizado encontra amparo no artigo 1ª, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988, o qual estabelece que todo poder emana do povo, sendo considerados povo os elencados no artigo 12 da citada Constituição. 47 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 7ª edição, São Paulo, Editora Método, 2004, p.55 16 Destarte se observa consagrado no artigo 1° parágra fo única da CF o Princípio da soberania popular e democracia representativa, assim interpretado por Alexandre de Moraes:48 A consagração de um Estado Democrático pretende, precipuamente, afastar a tendência humana ao autoritarismo e concentração de poder. Como ensina Giuseppe de Vergottini, o Estado autoritário, em breve síntese, caracteriza-se pela concentração no exercício do poder, prescindindo do consenso dos governados e repudiando o sistema de organização liberal, principalmente a separação das funções do poder e as garantias individuais. O Estado Democrático de Direito significa a existência de reger-se por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais. Destarte, o princípio democrático, ou seja o princípio da Soberania Popular, querer a profunda e integral participação de todos as pessoas que compõem o próprio Estado. Assim salienta Alexandre de Moraes49: A partir do Direito Constitucional comparado, modernamente a soberania popular é exercida em regra por meio da Democracia Representativa, sem contudo descuidar-se da Democracia Participativa, uma vez que são vários os mecanismos de participação mais intensa do cidadão nas decisões governamentais (plebiscito, referendo, iniciativa popular), bem como são consagrados mecanismos que favorecem a existência de vários grupos de pressão (direito de reunião, direito de associação, direito de petição, direito de sindicalização). Ainda sobre a titularidade do poder, o qual é recepcionado pela constituição como sendo do povo, assim preleciona Dalmo de Abreu Dallari50: 48 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 7° ed. São Paulo, Jurídico Atlas: 2007, p. 64 49 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 7° ed. São Paulo, Jurídico Atlas: 2007, p. 65. 17 Se o povo não tem participação nas decisões políticas e se, além disso, não se interessa pela escolha dos que irão decidir por seu nome, isso parece significar que o povo, não deseja viver em regime democrático, preferindo submeter-se ao governo de um grupo que atinja os postos políticos por outros meios que não as eleições. Vale ainda, neste diapasão, colacionar jurisprudência acerca do textualizado: Estado democrático de direito e liberdade: STF – “ A liberdade é a regra no Estado de Direito Democrático e a restrição à liberdade é a exceção, que deve ser excepcionalíssima, aliás. Ninguém é culpado de nada enquanto não transitar em julgado a sentença penal condenatória ou seja, ainda que condenado por sentença judicial, o acusado continuara presumidamente inocente até que se encerrem todas as possibilidades para o exercício do seu direito à ampla defesa. Assim, sem o trânsito em julgado, qualquer restrição à liberdade terá finalidade meramente cautelar. A lei define as hipóteses para essa exceção e a Constituição Federal nega validade ao que o juiz decidir sem fundamentação. O pressuposto de toda decisão é a motivação; logo, não pode haver fundamentação sem motivação. Ambas só poderão servir gerando na decisão a eficácia pretendida pelo juiz se amalgamadas com suficientes razões” Enfim, destaca-se que a titularidade do poder como sendo do povo, fator essencial a efetivação da democracia. 1.2.6 Distinção entre Poder Constituinte Originário e Poder Constituinte Derivado O Poder Constituinte Originário e o Poder Constituinte Derivado não se confundem, Paulo Bonavides51 assim diferencia os institutos mencionados: 50 51 DALLARI, Dalmo de. O Renascer do Direito. São Paulo, 1990.p.131. BONAVIDES. Paulo Bonavides, BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional, 13ª Ed.,São Paulo, Malheiros, 2003,p.146 18 Costuma-se distinguir o poder constituinte originário do poder constituinte constituído ou derivado. O primeiro faz a Constituição e não se prende a limites formais: é essencialmente político ou, se quiserem extrajurídico. O segundo se insere na Constituição, é órgão constitucional, conhece limitações tácitas e expressas, e se define como poder primacialmente jurídico, que tem por objeto a reforma do texto constitucional. Deriva da necessidade de conciliar o sistema representativo com as manifestações diretas de uma vontade soberana, competente para alterar os fundamentos institucionais de ordem estabelecida. Segundo Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha52 diversamente do Poder Originário, o Poder Derivado encontra-se instituído na ratio e, por conseqüência, sujeito a limitações, pois ainda que possa criar normas com características de novidade, cria-se dentro de uma ordem juridicamente preestabelecida. Pedro Lenza53 assim se manifesta em detrimento ao poder constituinte originário: O poder constituinte originário (chamado por alguns de inicial ou inaugural) é aquele que instaura uma nova ordem jurídica, rompendo, por completo, com a ordem jurídica precedente. O objetivo fundamental do poder constituinte originário, portanto, é criar um novo Estado, diverso do que vigora em decorrência da manifestação do poder constituinte precedente. 52 ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira, Revista Latino Americana de Estudos Constitucionais nº3, 1ªed. Belo Horizonte, Del Rey, 2003, p. 352. 53 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 7ª edição, São Paulo, Editora Método, 2004, p.56. 19 Reproduzimos interessante conceituação trazida pelo Professor Michel Temer a respeito do assunto: “ ressalta-se a idéia de que surge novo Estado a cada nova constituição, provenha ela de movimento revolucionário ou de assembléia popular, (...) Não importa a rotulação conferida ao ato constituinte. Importa a sua natureza. Se dele decorre a certeza de rompimento intencional com o texto em vigor, de modo a invalidar a normatividade vigente, temse novo Estado. Pedro Lenza, relaciona as características do Poder Constituinte Originário, sendo eles: inicial, autônomo, ilimitado juridicamente, incondicionado e soberano na tomada de suas decisões. Inicial, por ser detentor dos meios legais a criar nova constituição. Autônomo por ser completamente independente. Ilimitado juridicamente, por ser o poder que não esta submetido ao sistema jurídico, é um poder extra jurídico. Incondicionado por não haver para este poder qualquer limitação, por isso é conhecido como o poder que tudo pode. Soberano por não estar submetido, a nada nem a ninguém. Ainda, Pedro Lenza textualiza acerca do conceito de Poder Constituinte Derivado: O poder Constituinte derivado é também denominado instituído, constituído, secundário, de segundo grau. Como o próprio nome sugere, o poder constituinte derivado é criado e instituído pelo originário. Assim, ao contrário de seu “criador”, que é ilimitado, incondicionado, inicial, o derivado deve obedecer às regras colocadas e impostas pelo originário, sendo, neste sentido, limitado e condicionado aos parâmetros impostos a ele. 20 O poder constituinte derivado reformador, (...) tem a capacidade de modificar a Constituição Federal, através de um procedimento específico, estabelecido pelo originário, sem que haja uma verdadeira revolução. (...) Pois bem, o originário permitiu a alteração de sua obra, mas obedecidos alguns limites como: quorum qualificado de três quintos, em cada casa, em dois turnos de votação para aprovação das emendas (art. 60, § 2º); proibição de alteração da Constituição na vigência de estado de sítio, defesa, ou intervenção federal (art. 60§ 1º), um núcleo de matérias intangíveis, vale dizer, as cláusula pétreas do art. 60§ 4º, da CF/88 etc. Acerca do Poder Constituinte Originários, são duas as formas de expressão deste poder: a) outorga, que se caracteriza pela declaração unilateral do agente revolucionário (movimento revolucionário – exemplo Constituição de 1824, 1937, AI n. 1 de 9.4.64); b) Assembléia Nacional Constituinte (ou convenção) é aquela que surge da deliberação da representação popular ( exemplo, CF 1891, 1934, 1946 e 1988), como bem esclarece o Professor Pedro Lenza54, página, 57, da mencionada obra. Por muito tempo defendeu se a tese da imutabilidade absoluta das Constituições assevera Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha55, decorrente da concepção contratual do Estado. Esta imutabilidade era entendida como sendo a melhor forma de se limitar um poder, e que o contrato entre o povo e o Estado, já serviria como garantias, não sendo necessárias mudanças posteriores. Portanto, com a evolução política impôs-se a imperativo um processo de modificação em concordância com os preceitos preestabelecidos pela própria Carta a fim de ajustá-la e acomodá-la continuamente à realidade social, a qual jamais é inerte. 54 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 7ª edição, São Paulo, Editora Método, 2004, p.56. 55 ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira, Op. Cit., p.23. 21 Uma vez observados os poderes que regem o Estado Democrático de Direito, vale neste momento adentrar-se aos institutos que efetivam a segurança jurídica, quais sejam o Direito Adquirido, a Coisa Julgada e o Ato Jurídico Perfeito. Por fim vale salientar que tais institutos (direito adquirido, coisa julgada e ato jurídico perfeito) são garantias constitucionais, ou seja, dotados de superioridade jurídica em detrimento as demais normas, perfazendo sua superlegalidade. Carlos Sánches Viamonte56 assim conceitua Garantia: Garantia é a instituição criada em favor do indivíduo, para que, armado com ela, possa ter ao seu alcance imediato o meio de fazer efetivo qualquer dos direitos individuais que constituem em conjunto a liberdade civil e política. Vale ainda citar o conceito elaborado por Bielsa57“(...) as garantias, são normas positivas – e por tanto, expressas na Constituição ou na lei , que asseguram e protegem um determinado direito. Estes institutos serão explicitados de forma pormenorizada no próximo capítulo. 56 57 VIAMONT ,Carlos Sánches, Manual de Derecho Constitucional, 4º Ed.,p.123. BIELSA, Rafael. apud Paulo Bonavides. Curso de Direito Constitucional, Malheiros Editores, 2003, p. 526. 22 CAPÍTULO 2 INSTITUTOS GARANTIDORES DA SEGURANÇA JURÍDICA Preliminarmente, antes que se adentre aos Institutos do Direito Adquirido, Coisa Julgada e Ato Jurídico Perfeito, por uma questão propedêutica, bem como de um aprendizado mais amplo, faz-se necessária a abordagem ainda que superficial acerca das Cláusulas Pétreas. Uma vez que os Institutos que serão abordados também fazem parte deste núcleo imexível da Constituição Federal. 2.1 CLÁUSULAS PÉTREAS Como já fora textualizado o Poder Constituinte Derivado tem o condão de reformar a Constituição, porém este poder é limitado, e uma de suas limitações encontra-se nas denominadas Cláusulas Pétreas, chamada de núcleo imutável da Constituição. As Constituições republicanas brasileiras sempre tiveram um cerne imodificável constituindo a estrutura basilar do edifício jurídico, não podendo ser abalado por obra do poder reformador, acerca do narrado assim preleciona Adriano Sant’Ana 58: As cláusulas pétreas constituem um núcleo intangível que se presta a garantir a estabilidade da Constituição e conservá-la contra alterações que aniquilem o seu núcleo essencial, ou causem ruptura ou eliminação do próprio ordenamento constitucional, sendo a garantia da permanência da identidade da Constituição e dos seus princípios fundamentais. Com isso, assegura-se que as conquistas jurídico- políticas essenciais não serão sacrificadas em 58 PEDRA Adriano Sant’Ana. Reflexões Sobre a Teoria das Cláusulas Pétreas, Brasília a. 43 n. 172 out./dez. 2006p.137. 23 época vindoura ao tratar das disposições intangíveis de uma Constituição, que têm a finalidade de livrar determinadas normas constitucionais de qualquer modificação, distingue duas situações. Por um lado, existem medidas para proteger instituições constitucionais concretas – intangibilidade articulada. Por outro, há aquelas que servem para garantir determinados valores fundamentais da Constituição que não devem estar necessariamente expressos em dispositivos ou em instituições concretas, sendo implícitos,imanentes ou inerentes à Constituição. Como bem alude Luiz Pinto Ferreira59, acerca das matérias que não podem ser mudadas pelo Poder Constituinte Derivado: I – as matérias concernentes ao titular do poder constituinte, porque a revisão não pode mudar o titular do poder que criou o poder reformador; II – as matérias alusivas ao próprio titular do poder reformador, pois seria inconseqüente que o legislador ordinário instituísse novo titular a substituir o constituinte originário; III – as matérias alusivas ao processo da própria emenda, que não podem ser facilitadas; IV – os dispositivos concernentes às decisões jurídicas e políticas fundamentais, especialmente os direitos humanos e as garantias do homem e do cidadão, o espírito da Constituição. Portanto, vislumbra-se a existência de um núcleo imutável da Constituição, ou seja, “insuscetível de emenda”, antigamente denominado de espírito da Constituição e hodiernamente conhecido como Cláusulas Pétreas. No entender de Luiz Pinto Ferreira60: as cláusulas pétreas constituem-se de poucos artigos nas constituições dos países desenvolvidos ou primeiro - mundistas, em que sobrevive o respeito à lei, e são mais amplas nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, os chamados países 59 FERREIRA, Luiz Pinto. As emendas à Constituição, as cláusulas pétreas e o direito adquirido. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, n. 1, jan./jun. 2003.p.214. 60 FERREIRA, Luiz Pinto. As Emendas à Constituição, as Cláusulas Pétreas e o Direito Adquirido. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, n. 1, jan./jun. 2003.p.216. 24 terceiro-mundistas, em que esse núcleo intangível é desrespeitado pelos poderes constituídos na grande maioria das vezes. Estender a relação das cláusulas pétreas com o intuito de proteger muitos pontos da Constituição é extremamente perigoso. Adriano Sant’Ana 61, ainda pondera que: As limitações materiais sempre proporcionaram momentos paradoxais, pois, se por um lado protegem o ordenamento jurídico contra investidas ilegítimas, por outro impedem que esse mesmo ordenamento jurídico evolua. Nesse sentido, essa intangibilidade de certos dispositivos constitucionais merece profunda reflexão. Na Constituição pátria, as cláusulas pétreas estão consagradas no artigo 60 § 4º da Constituição de 1988. Art. 60 - A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais.´ Sobre o tema vale recorrer ao entendimento de José Afonso da Silva62: "É claro que o texto não proíbe apenas emendas que expressamente declarem: "fica abolida a Federação ou a forma 61 PEDRA Adriano Sant’Ana. Reflexões Sobre a Teoria das Cláusulas Pétreas, Brasília a. 43 n. 172 out./dez. 2006p.141. 62 SILVA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25.ed. São Paulo: Malheiros, 2005.p.67. 25 federativa de Estado", "fica abolido o voto direto...", "passa a vigorar a concentração de Poderes", ou ainda "fica extinta a liberdade religiosa, ou de comunicação..., ou o habeas corpus, o mandado de segurança...". A vedação atinge a pretensão de modificar qualquer elemento conceitual da Federação, ou do voto direto, ou indiretamente restringir a liberdade religiosa, ou de comunicação ou outro direito e garantia individual; basta que a proposta de emenda se encaminhe ainda que remotamente,"tenda" (emendas tendentes, diz o texto) para a sua abolição". Veja-se a jurisprudência: Devido processo legislativo e cláusulas pétreas: STF – “O Congresso Nacional, no exercício de sua atividade constituinte derivada e no desempenho de sua função reformadora, esta juridicamente subordinado à decisão do poder constituinte originário que, a par de restrições de ordem circunstancial, inibitórias do poder reformador (CF, art.60, par.1.), identificou, em nosso sistema constitucional, um núcleo temático intangível e imune a ação revisora da instituição parlamentar. As limitações explicitas, definidas no par. 4. Do art. 60 da Constituição Federal da República, incidem, diretamente sobre o poder de reforma conferido ao poder legislativo da união, inibindo-lhe o exercício nos pontos ali discriminados. A irreformabilidade desse núcleo temático, acaso desrespeitada, pode legitimar o controle normativo abstrato, e mesmo a fiscalização jurisdicional concreta, de 63 constitucionalidade. Alexandre de Moraes64 assim se manifesta acerca das previsões de matéria constitucional imutáveis, ou seja, não sujeitas ao exercício do Poder Constituinte Reformador Brasileiro: O atual texto constitucional determina que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais. Tais matérias formaram o núcleo intangível da Constituição Federal, denominado tradicionalmente por “cláusulas pétreas”. 63 64 RTJ 136/25. MORAES, Alexandre de, Constituição doe Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 7º Edição, São Paulo, Atlas, 2007, p. 1112. 26 Vale aqui colacionar jurisprudência, a qual vislumbrou a impossibilidade de proposta de emenda constitucional contrária às cláusulas pétreas: Impossibilidade de proposta de emenda contrária às cláusulas pétreas: STF: “Mandado de segurança contra ato de Mesa do Congresso que admitiu a deliberação de proposta de emenda constitucional que a impetração alega ser tendente à abolição da república (Obs. Na vigência da Constituição anterior, a matéria “república” também era cláusula pétrea). Cabimento do mandado de segurança em hipótese em que a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda, vedando sua apresentação ( como é o caso previsto no parágrafo único do artigo 57) ou sua deliberação (como na espécie). Nesses casos, a inconstitucionalidade, diz respeito ao próprio andamento do processo legislativo, e isso porque a Constituição não quer – em face da gravidade das deliberações, se consumadas – que sequer se chegue à deliberação proibindo – a taxativamente. A inconstitucionalidade, se ocorre, já existente antes de o projeto ou de a proposta se transformar em lei ou emenda constitucional, porque o próprio processamento já desrespeita frontalmente a Constituição.”65 Ainda acerca do Instituto as Cláusulas Pétreas assim preleciona Alexandre de Moraes66: Lembremo-nos ainda, de que a grande novidade do referido art. 60 está na inclusão entre as limitações ao poder de reforma da Constituição, dos direitos inerentes ao exercício da democracia representativa e dos direitos e garantias individuais,que, por não se encontrarem restritos ao rol do art. 5º, resguardam um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caráter individual dispersos no texto da Carta Magna. Analisando a questão das chamadas cláusulas pétreas e a possibilidade de controle de constitucionalidade das emendas constitucionais, Gilmar Ferreira Mendes aponta que tais cláusulas 65 66 RTJ 99/1031 MORAES, Alexandre de, Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 7º Edição, São Paulo, Atlas, 2007, p. 1112. 27 de garantia traduzem, em verdade, um esforço do constituinte para assegurar a integridade da Constituição, obstando a que eventuais reformas provoquem a destruição, o enfraquecimento, ou aniquilem profunda mudança de identidade, pois a Constituição contribui para a continuidade da ordem jurídica fundamental, à medida que impede a efetivação do término do estado de direito democrático sob a forma da legalidade, evitando-se que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a própria constituição.” Vale ainda aclarar que pode haver um alcance acerca das cláusulas pétreas, mesmo fora do artigo 60, par. 4º, da CF: Existência de direitos e garantias individuais fora do rol do artigo 5º. STF:” O Supremo Tribunal Federal considerou cláusula pétrea, e conseqüentemente imodificável, a garantia constitucional assegurada ao cidadão no art. 150,III,b, da Constituição Federal (princípio da anterioridade tributária), entendendo que ao visar subtraí-la de sua esfera protetiva,estaria a Emenda Constitucional nº 3, de 1993, deparando-se com um obstáculo intransponível, corrido no art. 60, par. 4º, IV, da Constituição Federal.”67 Porém assevera Norberto Bobbio68, quanto a questão de possível falta de desenvolvimento das leis consideradas intangíveis ou imutáveis: Vale a pena recordar que, historicamente, a ilusão do fundamento absoluto de alguns direitos estabelecidos foi um obstáculo à introdução de novos direitos, total ou parcialmente incompatíveis com aqueles. Basta pensar nos empecilhos colocados ao progresso da legislação social pela teoria jusnaturalista do fundamento absoluto da propriedade: a oposição quase secular contra a introdução dos direitos sociais foi feita em nome do fundamento absoluto dos direitos de liberdade. O fundamento absoluto não é apenas uma ilusão; em alguns casos, é também um pretexto para defender posições conservadoras. 67 68 STF – Pleno – Adin nº 939-7/DF – Rel. Min. Sidney Sanches – Medida cautelar – RTJ 150/68-69. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus,1992.p.22 28 Destarte conclusivamente acerca do Instituto das cláusulas Pétreas assim se manifesta Adriano Sant´Ana69: As cláusulas pétreas representam um esforço do legislador constituinte para assegurar a integridade da Constituição, impedindo que eventuais alterações provoquem a sua destruição, conservando o seu núcleo essencial, sendo a garantia da permanência da identidade da Constituição e dos seus princípios fundamentais. Merece ser destacado que o enunciado da norma contida no artigo 60, §4o, da CF, ao utilizar as expressões “abolir” e “tendente a abolir”, quis preservar o cerne da Constituição, vedando inequivocadamente que sejam sequer apreciadas e votadas pelo Congresso Nacional não somente as propostas de emendas constitucionais que venham a suprimir quaisquer dos princípios distinguidos como cláusulas pétreas, mas também aquelas que venham a atingi-los de forma equivalente, revelando uma tendência à sua abolição, também ferindo o seu conteúdo essencial. Mas como a Constituição deve estar em harmonia com a realidade, e deve manter-se aberta e dinâmica através dos tempos, as mudanças constitucionais são necessárias como meio de preservação e conservação da própria Constituição, visando ao seu aperfeiçoamento, buscando, em um processo dialético, alcançar a harmonia com a sociedade. Nesse sentido, embora a redação do texto constitucional seja a mais adequada no momento de sua elaboração, muitas vezes são exigidas transformações constitucionais que visam a adequar a Constituição. Adriano Sant´Ana70, em considerações finais acerca da matéria assim se manifesta: Entretanto, embora as cláusulas pétreas tenham sido concebidas para garantir, de forma ainda mais agravada, o ordenamento constitucional e a sua necessária estabilidade, quando essas limitações materiais impedem a Constituição de acompanhar a evolução social, acabam por cumprir exatamente o papel contrário àquele que se prestam. Com isso, paradoxalmente, as cláusulas pétreas, quando concebidas como absolutas, tornam-se obstáculo 69 PEDRA Adriano Sant’Ana. Reflexões Sobre a Teoria das Cláusulas Pétreas, Brasília a. 43 n. 172 out./dez. 2006p.145. 70 PEDRA Adriano Sant’Ana. Reflexões Sobre a Teoria das Cláusulas Pétreas, Brasília a. 43 n. 172 out./dez. 2006p.146. 29 à própria estabilidade que pretendiam assegurar, provocando instabilidade e sacrifícios maiores com a elaboração de um novo texto constitucional, o que impõe uma profunda ponderação a respeito. Mas é claro que há cláusulas pétreas que são insuscetíveis de serem superadas, haja vista que representam um núcleo de valores que não podem ser afastados nem mesmo com a vontade de uma irrefutável maioria. Por fim, merece registro que as idéias aqui lançadas não têm por objetivo procurar mecanismos para abolir a identidade da Constituição e, com ela, a continuidade da ordem jurídica da coletividade. Nada poderia estar mais distante das presentes reflexões. Pelo contrário, busca-se encontrar meios jurídicos para não deixar a Constituição afastar-se da realidade social, que está em permanente evolução, mesmo que para isso seja preciso superar dispositivos constitucionais considerados intangíveis. Afinal, se a sociedade não aceita mais determinada norma constitucional, deve-se permitir a mudança na Constituição, a sua adaptação às novas necessidades da sociedade, aos novos impulsos, às novas forças, sem que para isso seja necessário recorrer à revolução, o que provocaria uma ruptura no ordenamento jurídico e uma nova Constituição. Afinal, a convocação de uma nova Assembléia Constituinte, mesmo que à guisa de estabelecer avanços, poderá produzir profundos danos à sociedade, uma vez que os trabalhos de elaboração de um novo texto constitucional nem sempre ficam restritos aos pontos que ensejaram o processo constituinte, podendo conduzir os debates a pontos diversos dos necessários à nova realidade social. Pelo exposto averigua-se que a razão de ser das Cláusulas Pétreas é justamente a vontade que se respeite mesmo frente ao poder que tudo pode pelo menos a permanência destas cláusulas no caso de uma nova Constituição. 2.2 DIREITO ADQUIRIDO A Constituição pátria, afirma que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. 30 Porém, ressalta Alexandre de Moraes71 que em nosso ordenamento positivo inexiste definição constitucional de direito adquirido. Art. 5° XXXVI – a lei não prejudicará o direito adq uirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada72; O direito adquirido é vastamente abrigado e garantido no texto Constitucional, porém de difícil conceituação. Alexandre de Moraes73, acima referido, assim conceitua o direito adquirido: o direito denomina-se adquirido quando consolidada sua integração ao patrimônio do respectivo titular, em virtude da consubstanciação do fator aquisitivo ( requisitos legais e de fato) previsto na legislação. Como salienta Limongi França,” a diferença entre expectativa de direito e direito adquirido esta na existência, em relação a este, de fato aquisitivo específico já configurado por completo.” Note a impossibilidade de alegar direito adquirido em face a norma constitucional originária, salvo nas hipóteses em que a própria constituição o consagra. O mesmo derivadas, legislativo limitações pétreas.” não ocorre em relação às normas constitucionais nascentes de emendas constitucionais, cujo processo deve respeitar, entre outras normas, as chamadas expressas materiais, conhecidas como clausulas Gabba74, citado por Alexandre de Moraes, assim preleciona: 71 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 7º Edição, São Paulo, Atlas: 2007, p. 244. 72 Constituição Federal 1988, artigo 5°, inciso XXXVI . 73 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 7º Edição, São Paulo, Atlas: 2007, p. 245. 74 GABBA apud Alexandre de Moraes. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 7º Edição, São Paulo, Atlas: 2007, p. 244. 31 É adquirido todo o direito que a) é conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei no tempo no qual o fato foi consumado, embora a ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado da atuação de uma lei nova sobre o mesmo direito; e que b) nos termos da lei cujo império se firmou o fato do qual se origina, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu. Pode-se dizer que o direito adquirido é o direito consumado. Direito Adquirido é a vantagem jurídica, líquida e certa, concreta, que a pessoa obtém na forma da lei vigente e que se incorpora definitivamente e sem contestação ao patrimônio de seu titular, assim nos ensina Luis Pinto Ferreira75, não lhe podendo ser subtraída para vontade alheia, inclusive dos entes estatais e seu órgãos. Verifica-se a seguir de forma pormenorizada o significado de cada um dos institutos que compreendem o citado artigo, veja-se jurisprudência: Emendas constitucionais e respeito ao direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada: Como salientado pelo Min. Celso de Mello, “ motivos de ordem pública ou razões de estado – que muitas vezes configuram fundamentos políticos destinados a justificar pragmaticamente, ex parte principis, a inaceitável adoção de medidas que frustram a plena eficácia da ordem constitucional, comprometendo-a em sua integridade e desrespeitando-a em tal autoridade – não podem ser invocados para viabilizar o descumprimento da própria Constituição, que, em tema de produção normativa, impõe ao Poder Público limites inultrapassáveis, como aquele que impede a edição de atos legislativos vulneradores da intangibilidade do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada.”76 Jorge Reinaldo Vanossi em sua Obra: El Estado de Derecho en el Constitucionalismo Social, apud Ribas, entende que, a segurança jurídica consiste no conjunto de condições que tornam possível às pessoas o 75 FERREIRA, Luiz Pinto. As Emendas as Constituições, as Cláusulas Pétreas e o Direito Adquirido, Belo Horizonte, Editora Del Rey: 2003, p. 204. 76 RTJ 164/1.149 32 conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida. Não diferentemente ensinava Ribas77: “não retroatividade das leis não consiste na sua absoluta inaplicabilidade aos casos pretéritos, processos pendentes, e assim antes no direito adquirido”. Vale ainda transcrever o significado de Direito Adquirido, por Plácido e Silva78: Derivado de aquisitus, do verbo latino acquirere (adquirir, alcançar, obter), adquirido quer dizer obtido, já conseguido, incorporado. Por essa forma, direito adquirido quer significar o direito que já incorporou ao patrimônio da pessoa, já que sua propriedade, já constituiu um bem, que deve ser judicialmente protegido contra qualquer ataque exterior, que ouse ofende-lo ou turbá-lo. Mas para que se considere direito adquirido é necessário que: a) Sucedido o fato jurídico, de que, se originou o direito, nos termos da lei, tenha sido integrado no patrimônio de quem o adquiriu; b) Resultante de um fato idôneo, que o tenha produzido em face à lei vigente ao tempo, em que tal fato se realizou, embora não tenha apresentado ensejo para fazê-lo, antes da atuação de uma nova lei sobre o mesmo fato jurídico, já sucedido. Plácido e Silva, entende ainda que o direito adquirido mesmo não tendo se aperfeiçoado, ainda assim é um direito adquirido, desde que o seu titular preencha todos os requisitos no tempo daquela lei, porém não o tenha exercido. Ressalta ainda, que, sob o ponto de vista da retroatividade das leis, não somente se consideram adquiridos os direitos aperfeiçoados o tempo 77 Antônio Joaquim Ribas, Curso de Direito Civil, 3,Ed.,Rio de janeiro, 1905,p.130;cf Rui Barbosa, Obras completas,Rio de Janiro, 1953,p.107. 78 Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico,Editora Forense, Rio de janeiro, 2003,p. 269 33 em que se promulga a lei nova, como os que estejam subordinados a condição ainda não verificadas, desde que não se indiquem alteráveis ao arbítrio de outrem. Deve-se ainda aclarar que as cláusulas pétreas reforçam a violação contra o direito adquirido. Como pondera Luis Pinto Ferreira, “algumas constituições não dispõem de cláusulas pétreas se apresentando como reforço de contenção das tentativas dos poderes constituídos de violação do direito adquirido.” Desta forma também acontecia no direito pátrio, contudo a Constituição de 1988, como salienta Ferreira ”estabeleceu este bloqueio intransponível à violação do direito adquirido”. As hipóteses podem ser verificadas no art. 60 da CFRB: Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. § 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. § 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. § 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; 34 II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. § 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. Carlos Maximiliano79 assim define o Direito Adquirido: Se chama adquirido o direito que se constitui regular e definitivamente e a cujo respeito se completam os requisitos legais e de fato para integrar no patrimônio do respectivo titular, que tenha sido feito valer, quer não, antes de advir norma posterior em contrário. E ainda o textualizado por Celso Bastos80: Constitui-se um dos recursos de que se vale a Constituição para limitar a retroatividade da lei. Com efeito, esta está em constante mutação; o Estado cumpre seu papel exatamente na medida em que atualiza as suas leis. No entanto, a utilização da lei em caráter retroativo, em muitos casos, repugna porque fere situações jurídicas que já tinham por consolidadas no tempo, e esta é uma das fontes da segurança do homem na terra. Conclui assim que os direitos adquiridos se opõem aos direitos dependentes de condição suspensiva, que se dizem meras expectativas de direito. 79 MAXIMILIANO, Carlos. Direito Intertemporal, Rio de Janeiro, Freitas Bastos: 1946.p.43 80 BASTOS, Celso. Dicionário de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1994.p.43. 35 2.3 COISA JULGADA A coisa julgada, também é uma garantia constitucional, (art. 5º da Constituição Federal) a qual igualmente tem o fim de manter a segurança jurídica. A res judicata, também denominada como proibição do duplo risco (ne bis in idem). O direito pátrio concebe a coisa julgada como “a decisão judicial de que já não caiba recurso” (LICC, artigo 6], parágrafo 3º). Segundo Luiz Pinto Ferreira “ela se caracteriza pela imutabilidade, irrevogabilidade e inimpugnabilidade”. Plácido e Silva81 assim se manifesta conceituando a coisa julgada: Também se diz caso julgado. Entende-se como coisa julgada (res judicata) a sentença, que se tendo tornado irretratável, por não haver contra ela mais qualquer recurso, firmou o direito de um dos litigantes para não admitir sobre a dissidência anterior qualquer outra oposição por parte do contentor vencido, ou de outrem que se sub-rogue em suas pretensões improcedentes. Revela, pois, o pressuposto da verdade firmada ou afirmada pelo decisório judicial, que se mostra irrevogável ou irretratável, segundo a regra: res judicata pro veribate habetur. Desse modo, a coisa julgada pressupõe o julgamento irretratável de uma relação jurídica anteriormente controvertida. Nesta razão, a autoridade da res judicata não admite, desde que já foi reconhecida a verdade, a justiça e a certeza a respeito da controvérsia, em virtude da sentença dada, que venha a mesma questão venha a ser ventilada, tentando destruir a soberania da sentença, proferida anteriormente, e considerada irretratável, por ter passado em julgado. 81 SILVA Plácido e. Vocabulário Jurídico, Editora Forense, Rio de janeiro, 2003,p. 269 36 Salienta ainda Plácido e Silva que a coisa julgada evidencia a existência de uma relação jurídica, anteriormente julgada, sob o fundamento de determinada razão de pedir. Concluindo que a igualdade do pedido e a igualdade da causa de pedir, em vista do que se verifique que a controvérsia anterior surgida com idênticos fundamentos, foi julgada para contrapor-se a qualquer semelhante divergência futura, assim se manifestando: Nas duas identidades, de pedido e de causa a pedir, interam-se os requisitos da identidade da qualidade jurídica da pessoa, que venha a pleitear, procurando quebrantar o decisório, que já se tornou inatacável pela autoridade da coisa julgada. O instituto da coisa julgada, enfim consolida a soberania da sentença judicial, sendo enfim, como a Lei de Introdução ao Código Civil define “decisão judicial de que não caiba mais recurso”. Assim assinala a respeito da coisa julgada Alexandre de Moraes82: (...) coisa julgada é a decisão judicial da qual não caiba mais recurso, caracterizando - se pela imutabilidade. A proteção constitucional incide sobre a coisa julgada material (...), que, como recordam Nelson e Rosa Nery, é aquela “entendida como a qualidade que torna imutável e indiscutível o comando que emerge da parte dispositiva da sentença de mérito não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”, A LICC a define em seu artigo 6º, parágrafo 3º: “Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”. Exaurida a explanação acerca da coisa julgada, passa-se ao Ato Jurídico Perfeito. 82 MORAES, Alexandre de, Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 7º Edição, São Paulo, Atlas, 2007, p. 245. 37 2.4 ATO JURÍDICO PERFEITO A Lei de Introdução ao Código Civil concebe o ato jurídico perfeito como sendo “o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou (“§ 2º - Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.”). Segundo Ferreira, “no sentido genérico, o ato jurídico perfeito é toda manifestação licita de vontade que tenha por fim criar, modificar ou extinguir uma relação jurídica. Alexandre de Moraes83 assim conceitua o ato jurídico perfeito: Ato Jurídico Perfeito é aquele que reuniu todos os seus elementos constitutivos exigidos pela lei. O principio constitucional do respeito ao ato jurídico perfeito aplica-se a todas as leis e atos normativos inclusive às leis de ordem pública. Vale inserir algumas jurisprudências do STF e outros Tribunais, acerca da proteção ao ato jurídico perfeito, direito adquirido e cosia julgada – Princípio da Segurança Jurídica: Proteção ao ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada – Princípio da Segurança Jurídica: STF – Contrato. Depósitos em cadernetas de poupança. Ato Jurídico Perfeito. Princípio constitucional da intangibilidade das situações definitivamente consolidadas (CF, art. 5ª, XXXVI). Impossibilidade da incidência de nova lei destinada a reger os efeitos futuros de contratos anteriores celebrados. Hipótese de retroatividade mínima vedada pela Constituição da República. Precedentes do STF. Agravo improvido. O sistema constitucional brasileiro, e a eficácia retroativa das leis – a) que é sempre excepcional b) que jamais se presume e c) que deve necessariamente emanar de disposição legal expressa – não pode gerar lesão ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e a coisa julgada. A nova lei não pode reger os efeitos futuros gerados por contratos a ela anteriormente 83 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 7º Edição, São Paulo: Atlas, 2007, p. 245. 38 celebrados, sob pena de afetar a própria causa – ato ou fato ocorrido no passado – que lhes deu origem. Essa projeção retroativa da lei nova, mesmo tratando-se de retroatividade mínima, incide na vedação constitucional que protege a incolumidade do ato jurídico perfeito. A cláusula de salvaguarda do ato jurídico perfeito, inscrito no art. 5º XXXVI, da Constituição, aplica-se a qualquer lei editada pelo Poder Público, ainda que se trate de lei de ordem pública. Precedentes do STF. A possibilidade de intervenção do Estado no domínio econômico não exonera o Poder Público do dever jurídico de respeitar os postulados que emergem do ordenamento constitucional brasileiro, notadamente os princípios – como aqueles que tutela a intangibilidade do ato jurídico perfeito ou razões do Estado – que muitas vezes configuram fundamentos políticos destinados a justificar, pragmaticamente, ex parte princips, a inceitável adoção de medidas que frustram a plena eficácia da ordem constitucional, comprometendo-a em sua integridade e desrespeitando a em sua autoridade – não podem ser invocados para viabilizar o descumprimento da própria Constituição, que, em tema de atuação do Poder Público, impõe-lhes limites inultrapassáveis, como aquele que impede a edição de atos legislativos vulneradores da intangibilidade do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada. Doutrina e jurisprudência” (RTJ 163/795). Como ressaltado pelo Ministro –Relator Moreira Alves, a previsão do art. 5º,XXXVI, “consagra principio fundamental destinado a resguardar a incolumidade das situações jurídicas definitivamente consolidadas.” 84 Pela jurisprudência abaixo conferida verifica-se a aplicação do Instituto em análise: Direito de construir e ato jurídico perfeito: TJSP – “Demolição – Loteamento – Restrição convencional imposta pelo loteador – Obrigação propter rem – Projeto aprovado observando tais restrições – Obrigação comum assumida pelo proprietário de executar a obra segundo projeto aprovado. – Descumprimento da obrigação – Irrelevância da concessão do habite-se pela Prefeitura Municipal, em decorrência de lei anistia das construções irregulares – Ato Jurídico Perfeito e acabado, que está incólume aos efeitos da lei ( artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal) – Recurso provido – Segundo o nosso direito, a regra é a liberdade de construir, mas as 84 STF – 1ª T. – Rextr. Nº 144.996/SP Rel. Min. Moreira Alves – RTJ 164/1093. 39 restrições e limitações a esse direito formam exceções, e somente são admitidas quando expressamente previstas em lei, regulamentos ou contrato. Quando previstas em Regulamento do Loteamento, e consignadas do título translativo da propriedade. Daí que a concessão do habite-se pela Prefeitura Municipal, por força de lei que concedeu anistia às construções irregulares, não leide a obrigação do devedor, em face da proteção outorgada pela Carta Magna (artigo 5º, XXXXVI). Não estando a edificação de acordo com as restrições negociais, e nem com projeto aprovado segundo a obediência dessas restrições , impõem-se a correção das irregularidades, demolindo-se parte da construção em desacordo com tais restrições.”85 A jurisprudência explicitada demonstra a aplicação do princípio constitucional do ato jurídico perfeito, seja-se: Aplicação do princípio constitucional do ato jurídico perfeito às leis de ordem pública: STF: “Em linha de princípio, o conteúdo da convenção que as partes julgaram conveniente, ao contratar, é definitivo. Unilateralmente, não é jurídico entender que uma das partes possa modificá-lo. Questão melindrosa, todavia, se põe, quando a alteração de cláusulas do ajuste se opera pela superveniência de disposição normativa. Não possui o ordenamento jurídico brasileiro preceito semelhante ao do art. 1.339, do Código Civil italiano, ao estabelecer: As cláusulas, os preços de bens ou de serviços, impostos pela lei, são incertos de pleno direito no contrato, ainda que em substituição das cláusulas diversas estipuladas pelas partes. A inserção de cláusulas legais, assim autorizadas, independentemente da vontade das partes, reduz, inequivocadamente, a autonomia privada e a liberdade contratual. Decreto, nos países cuja legislação consagra regra de extensão do preceito transcrito do direito italiano, as modificações dos contratos cujo conteúdo se introduzam, por via da lei, cláusulas novas em substituição às estipuladas pelas partes contratantes, a aplicação imediata das denominadas leis interventivas aos contratos em curso ha de ser admitida, como mera conseqüência do caráter estatutário da disciplina a presidir essas relações jurídicas, postas sob imediata inspiração do interesse geral, enfraquecido, pois, o equilíbrio decorre do acordo das partes, modo privativo, da autonomia da vontade. Essa liberdade de o legislador 85 TJSP – Apelação Cível nº 63.745.4/5 – Barueri – 9º Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Ruiter Olica, decisão: 21-11-1997. 40 dispor sobre a sorte dos negócios jurídicos, de índole contratual, nele intervindo, com modificações decorrentes de disposições legais novas, não pode ser visualizada, com idêntica desenvoltura, quando o sistema jurídico prevê, em norma hierárquica constitucional, limite à ação do legislador, de referencia aos atos jurídicos perfeitos.Ora, no Brasil, estipulando o sistema constitucional, no art. 5º, XXXVI, da Carta Política de 1988, que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, não logra assento, assim, na ordem jurídica, a assertiva segundo a qual certas leis estão excluídas da incidência do preceito maior mencionado.”86 No mesmo sentido: STF: “O princípio constitucional do respeito ao ato jurídico perfeito se aplica também, conforme é o entendimento desta Corte, às leis de ordem jurídica pública. Correto, portanto, o acórdão recorrido ao julgar que, no caso, ocorreu afronta ao ato jurídico perfeito, porquanto, com relação à caderneta de poupança, ha contrato de adesão entre o poupador e o estabelecimento financeiro, não podendo, portanto, ser aplicada a ele, durante o período para a aquisição da correção monetária mensal já iniciado, legislação que altere, para menor, o índice dessa correção”87 Conferir ainda: STF: “O princípio constitucional do respeito ao ato jurídico perfeito se aplica, também, conforme é o entendimento desta Corte, às leis de ordem pública. Correto, portanto, o acórdão recorrido ao julgar que, no caso, ocorreu afronta ao ato jurídico perfeito, porquanto, com relação à caderneta de poupança, há contrato de adesão entre o poupador e o estabelecimento, não podendo, portanto, ser aplicada a ele, durante o período para a aquisição da correção monetária mensal já iniciado, legislação que altere, para menor, o índice dessa correção.”88 86 STF – Rextr. Nº 198.993-9/RS, Rel. Min. Néri da Silveira, Diário da Justiça, Seção I, 22 ago. 1996, p.29.102 87 STF – Rextr. Nº202.584/RS – Rel. Moreira Alves – RTJ 163/414 88 STF – AI º 181.317-2 1ªT. – Rel. Min. Moreira Alves. 41 Uma vez estudado cada Instituto de forma detalhada, e assim observando que tais existem para efetivar a segurança jurídica, adentrar-se-á a segurança jurídica propriamente dita, para que de posse de todo o exposto, se confira a efetividade destes institutos frente ao uma nova Constituição, ou seja, frente ao Poder Constituinte Originário. 42 CAPÍTULO 3 SEGURANÇA JURÍDICA A segurança jurídica é vital à manutenção da sociedade, historicamente o Direito surgiu como meio de defesa da vida e patrimônio do homem, como pondera Paulo Nader89 a segurança jurídica visa “a dar a cada um o que é seu de modo mais amplo, favorecendo e estimulando ainda o progresso, educação, saúde, cultura, ecologia. Paulo Nader90, ainda salienta: A justiça é o valor supremo do Direito e corresponde também à maior virtude do homem. Para que ela não seja apenas uma idéia, necessita de certas condições básicas, como a da organização social mediante normas e do respeito a certos princípios fundamentais; em síntese, a justiça pressupõe o valor segurança. Apesar de hierarquicamente superior, a justiça depende da segurança para produzir os seus efeitos na vida social. Por este motivo se diz que a segurança é um valor fundante e a justiça é um valor fundado. A segurança jurídica é concebida como sendo apenas um sistema de legalidade, acerca do direito vigente, segundo Antonio-Enrique Pérez91: A sociedade faz a escolha de valores que devem ser positivados em seu ordenamento jurídico e, com base nestes valores, é que surgem as regras jurídicas. Pois bem, um dos valores escolhidos 89 NADER Paulo, Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro, Editora Forense: 2002.p.115. 90 NADER Paulo, Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro, Editora Forense: 2002.p.117. 91 LUÑO, Antonio-Enrique Pérez. La Seguridad Jurídica, 2. ed. Ver. Barcelona: Editora Ariel, 1994, p. 117-118. 43 pela sociedade brasileira é a proteção da coisa julgada, idéia que vem justificada, usualmente, no princípio da segurança jurídica. Há que se salientar que “o direito posto pode não realizar plenamente o princípio da segurança jurídica. (...) é certo dizer-se que as demais normas jurídicas jamais esgotam os princípios; que elas somente conseguem expressá-los de maneira incompleta".”92 Vale aprofundar-se um pouco mais acerca dos pressupostos políticos da “segurança jurídica”, bem como analisar mais detalhadamente a “certeza do direito”. 3.1 PRESSUPOSTOS POLITÍCOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA CERTEZA DO DIREITO Ronald Dworkin93, em sua rememorada obra, faz a seguinte indagação, “Os direitos podem ser controversos”?. Partindo desta indagação, verifica-se que não ter a certeza do direito implicaria inevitavelmente em um caos social. Os argumentos de Dworkin pressupõem que freqüentemente há uma única resposta certa para questões complexas de direito e moralidade política. 3.1.1 Princípio da Segurança Jurídica Vislumbrou-se que o Estado de Direito tem como pressuposto a submissão de todos às Leis, sem exceções, gerando assim a segurança jurídica. 92 Segundo Walter Claudius Rothenburg, Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999, p. 30: 93 DWORKIN, Ronald, Levando os Direitos a Sério, Martins Fontes, São Paulo, 2002, p.429. 44 Segundo J.J. Gomes Canotilho94” O princípio do estado de direito não é um conceito pré ou extraconstitucional, mas um conceito constitucionalmente caracterizado, uma forma de racionalização de uma estrutura Estado-Constitucional.” Canotilho95, acerca do princípio geral da segurança jurídica assim se manifesta: O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo consideram os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança como elemento constitutivos do Estado de direito. Estes dois princípios – segurança jurídica e proteção da confiança andam estreitamente associados, a ponto de alguns autores considerarem o princípio da proteção de confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Canotilho considera que a segurança jurídica está conexa com elementos objetivos da ordem jurídica, sendo elas a garantia de estabilidade jurídica, a segurança de orientação e a realização do direito. Em contrapartida ressalta que a proteção da confiança se prende mais com os componentes subjetivos da segurança, designando a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes públicos. Enfim, Canotilho, enumera o que a sociedade exige para que se alcance a segurança e proteção da confiança: sendo o primeiro a fiabilidade, que se traduz em clareza, racionalidade e transparência dos atos do poder. 94 CANOTILHO J.J.Gomes, Direito Constitucional, Livraria Almedina, Coimbra, 1991, p.255. 95 CANOTILHO J.J.Gomes, Direito Constitucional, Livraria Almedina, Coimbra, 1991, p.255. 45 Em segundo, que esta fiabilidade seja de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios atos. Em torno da explanação de Canotilho96 deduz-se que os postulados da segurança jurídica e da proteção são exigíveis perante qualquer ato de qualquer poder, do legislativo, do executivo e do judiciário, assim se manifestando: O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a idéia de procteção da confiança) pode formular-se do seguinte modelo: o indivíduo têm do direito poder confiar em que seus actos ou suas decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigente e válidas por esses actos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico. As refracções mais importantes do princípio da segurança jurídica são as seguintes: (1) relativamente a actos normativos – proibição de normas retroativas restritivas de direitos ou interesses juridicamente protegidos; (2) relativamente a actos jurisdicionais – inalterabilidade do caso julgado; (3) em relação a actos da administração – tendencial estabilidade dos casos decididos através de actos administrativos constitutivos de direitos. Todos os atos praticados dentro da sociedade do Estado de Direito, possui a priori uma certeza, ou melhor, toda a sociedade possui uma “confiança” que estes atos estejam protegidos pelo direito. Esta certeza apóia-se no próprio fato de estar tanto quanto os próprios cidadãos o Estado aquém da lei, pois este igualmente esta sujeito as leis. 3.1.2 A Diferença entre Segurança Jurídica e Certeza Jurídica Torna-se imprescindível que não reste dúvida acerca da diferença entre segurança jurídica e certeza jurídica, pois as mesmas não se confundem. 96 CANOTILHO J.J.Gomes, Direito Constitucional, Livraria Almedina, Coimbra, 1991, p.255. 46 Como pondera Carlos Aurélio Mota97: A segurança jurídica é objetiva, e a certeza do direito é subjetiva, ou seja, a segurança é o princípio que forma intelectivamente nos destinatários a certeza do direito. A segurança jurídica dá aos indivíduos a certeza de agir conforme o direito. Enquanto uma possui apenas caráter objetivo a outra possui caráter objetivo e subjetivos. Conforme narrativa de Paulo Nader98 esclarecendo a distinção entre a segurança e certeza jurídica: Os conceitos de segurança jurídica e de certeza do jurídica não se confundem. Enquanto o primeiro é de caráter objetivo e se manifesta concretamente através de um Direito definido que reúne algumas qualidades, a certeza jurídica expressa o estado de conhecimento da ordem jurídica pelas pessoas. Pode-se dizer, de outro lado, que a segurança jurídica possui um duplo aspecto: objetivo e subjetivo. O primeiro corresponde às qualidades necessárias à ordem jurídica e já definidas, enquanto o subjetivo consiste na ausência de dúvida ou de temor no espírito dos indivíduos à proteção jurídica. Destarte, enquanto a Segurança jurídica se manifesta através do direito definido, a certeza se manifesta pela fé dos indivíduos no Direito. 3.1.3 A Instabilidade Jurídica Atual Por todo o exposto neste Capítulo, verifica-se a extrema necessidade da real segurança jurídica, real no que tange a efetivação da segurança e não teoria constitucional. Faz-se uso de parte da Palestra proferida no XXI Congresso Brasileiro de Direito Constitucional, exposto pelo Ministro do Superior Tribunal de 97 MOTA Carlos Aurélio de. Segurança Jurídica e Jurisprudência. São Paulo: Ltr, 1996, p. 25- 28. 98 NADER Paulo, Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro, Editora Forense: 2002.p.5. 47 Justiça JOSÉ AUGUSTO DELGADO99, com o intuito de elucidar a instabilidade jurídica que assola a atualidade: Os vários estamentos sociais reconhecem que, na atualidade, está instalado um clima de insegurança jurídica na prática dos atos administrativos do Poder Executivo, nas funções exercidas pelo Poder Legislativo e nas decisões jurisprudenciais emitidas pelo Poder Judiciário. Esses acontecimentos definham a estabilidade social e afrontam diretamente os direitos da cidadania e da valorização da dignidade humana. Afirma José Augusto Delgado que, a concepção pregada por todos os cientistas políticos dirige-se para a afirmação de que o homem necessita de um grau de segurança para conduzir, planificar e desenvolver os seus atos da vida civil, familiar e profissional, e que caberia ao Estado a responsabilidade de assegurar esse estado de sentimento através da conformação de seus atos, citando JJ. Canotilho100: É, portanto, com absoluta razão que J. J. Gomes Canotilho, em seu Direito Constitucional, editado pela Livraria Almedina, Coimbra, 1991, pp. 375 e 376, ao cuidar dos padrões estruturantes do Direito Constitucional vigente e dos princípios que regem o Estado de Direito afirma: “Partindo da idéia de que o homem necessita de uma certa segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida, desde cedo se considerou como elementos constitutivos do Estado de Direito os dois princípios seguintes: - o princípio da segurança jurídica; - o princípio da confiança do cidadão. 99 DELGADO José Augusto, Ministro do Superior Tribunal Federal, Professor de Direito público, em Palestra proferida no XXI Congresso Brasileiro de Direito constitucional. 100 CANOTILHO apud José Augosto Delgado. Ministro do Superior Tribunal Federal, Professor de Direito público, em Palestra proferida no XXI Congresso Brasileiro de Direito constitucional. 48 Aclara José Augusto Delgado que estes princípios sobretudo apontam para a necessidade de uma conformação formal e material dos atos legislativos, e assim andam também associados à moderna teoria da legislação preocupada em racionalizar e otimizar os princípios jurídicos de legislação inerentes ao Estado de Direito, complementando as suas afirmações, escreve: A idéia de segurança jurídica reconduz-se a dois princípios materiais concretizados do princípio geral de segurança: 1) O princípio da determinabilidade das leis (exigência de leis claras e densas); 2) O princípio da protecção da confiança, traduzido na exigência de leis tendencialmente estáveis, ou, pelo menos, não lesivas de previsibilidade e calculabilidade dos cidadãos relativamente aos seus efeitos jurídicos. Delgado, ainda citando J.J. Canotilho101 salienta que explicitado esses dois princípios determinados do principio geral de segurança jurídica, na Obra citada, p. 376, explica: O principio da determinabilidade das leis reconduz-se, sob o ponto de vista intrínseco, às seguintes idéias: Exigência de clareza das normas legais, pois de uma lei obscura ou contraditória pode não ser possível, através a interpretação, obter um sentido inequívoco, capaz de alicerçar uma solução jurídica para o problema concreto. Exigência de densidade suficiente na regulamentação , pois um acto legislativo que não contém uma disciplina suficientemente concreta (= densa, determinada) não oferece uma medida jurídica capaz de: - alicerçar posições juridicamente protegidas dos cidadãos; - constituir uma norma de actuação para a administração; 101 CANOTILHO J.J.Gomes. Direito Constitucional, Livraria Almedina, Coimbra, 1991, p.376 49 - possibilitar, como norma de controle, a fiscalização da legalidade e da defesa dos direitos e interesses dos cidadãos. Delgado, usando ainda a explicação de Canotilho, no referente ao princípio da proteção da confiança, assevera que ele concentra a capacidade de que o “cidadão deve poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas mesmas normas”. Aclara que, o princípio da segurança jurídica e da proteção de confiança, apontam basicamente para a proibição de leis retroativas, a inalterabilidade do caso julgado, e a irrevogabilidade de atos administrativos constitutivos de direitos, que assim se manifesta: A primeira concentração de nossos estudos leva a se entender que a segurança jurídica, em um conceito genérico, é a garantia assegurada pela Constituição Federal ao jurisdicionado para que uma determinada situação concreta de direito não seja alterada, especialmente quando sobre ela exista pronunciamento judicial. Mais, uma vez, verifica-se por todo o exposto na explanação de José Augusto Delgado, que a segurança jurídica, bem como a confiança que o jurisdicionado deve ter é imprescindível para a instauração da ordem social, a segurança jurídica é a estrutura de toda razão de ser do próprio poder judiciário. A instabilidade na fé do jurisdicionado, na segurança jurídica pode significar a longo prazo o caos nas relações sociais. 3.1.4 A Necessidade de Segurança O homem necessita de segurança, como pondera Nader102, o homem não é auto-suficiente, seja no plano material, seja no plano espiritual, necessita, simultaneamente, da natureza, que lhe ofereça meios de sobrevivência 102 NADER Paulo, Introdução ao Estudo do Direito, p.116. 50 e comanda a sua vida biológica, e do meio social, que é o ambiente propício ao seu desenvolvimento moral. Paulo Nader103 assevera ainda que o homem em detrimento da permanente dependência busca incessantemente a certeza das coisas e a garantia de proteção, destarte a segurança é uma aspiração comum aos homens. No que tange a segurança jurídica assim se manifesta o comentado Autor104: “No plano jurídico a segurança corresponde a uma primeira necessidade, a mais urgente, porque diz respeito à ordem. Como poderá chegar à justiça se não houver, primeiramente, um Estado organizado, uma ordem jurídica definida? É famoso o dito de Goethe: “prefiro a injustiça à desordem”. Entre os muitos efeitos produzidos pelo Código de Napoleão ( Código Cível da França), no início do séc. XIX, pode-se acrescentar o fato de que condicionou inteiramente os franceses ao valor segurança. Os novos critérios adotados para o estudo e aplicação do direito, que podem ser denominados por codismo, limitaram-se à interpretação do texto legislativo, ficando vedado o recurso a qualquer outra fonte ou princípios. O positivismo jurídico, que teve em Kelsen a sua mais alta expressão, exalta o valor segurança, enquanto o jusnaturalismo não se revela tão inflexível quanto a este valor, por se achar demais comprometido com os ideais de justiça e envolvido com as aspirações dos direitos humanos. Nader salienta ainda que, havendo conflito entre a segurança e a justiça, que é algo comum na vida do Direito, é imprescindível que deva predominar a segurança, pois, “a predominar o idealismo de justiça, a ordem jurídica ficaria seriamente comprometida e se criaria uma perturbação na vida social.” Nader, a comento cita o exemplo histórico mais significativo de prevalência da segurança jurídica, qual seja, do filósofo Sócrates, que em seus derradeiros dias de vida, solicitado por seus discípulos para fugir à execução de 103 NADER Paulo, Introdução ao Estudo do Direito, p.117 104 NADER Paulo, Introdução ao Estudo do Direito, p.117 51 uma injusta condenação à morte, o filósofo grego disse-lhes que era necessário que homens bons cumprissem as leis más, para que os homens maus cumprissem as leis boas. Fábio Ulhoa Coelho105, em obra que busca explicar a teoria pura do direito, salienta que a ciência de direito, deve apenas elencar os possíveis sentidos da norma jurídica em estudo, superando a ficção da única interpretação correta, e que com isso, contribuiria indiretamente para o aumento da segurança jurídica, ao revelar a imperfeição da obra do legislador, fazendo referência a citação de Kelsen: A interpretação jurídico-científica tem de evitar, com máximo cuidado, a ficção de que uma norma jurídica apenas permite, sempre em todos os casos, uma só interpretação: a interpretação correta. Isso é uma ficção de que se serve a jurisprudência tradicional para consolidar o ideal da segurança jurídica. Elías Diaz, citado por Paulo Nader106, certifica que não concorda que a segurança jurídica se identifique apenas com a noção da existência de uma ordem jurídica, com o conhecimento do que é permitido ou proibido, com o saber a que se ater, e sim exige também além de um sistema de legalidade, um sistema de legitimidade, pelo qual o Direito Objetivo consagre os valores julgados imprescindíveis “no nível social alcançado pelo homem e considerado por ele como conquista histórica irreversível: a segurança não é só um fato, é também, sobretudo, um valor.” Judith Martins Costa107 constatou que a segurança jurídica considerada pelo viés positivo do princípio, denota os seguintes focos de significação: a) a segurança jurídica está no fundamento do instituto da decadência; 105 COELHO, Fabio Ulhoa, Para Entender Kelsen, 4º Edição, São Paulo, Saraiva, 2001, p.60. 106 NADER Paulo, Introdução ao Estudo do Direito, p.115. 107 COSTA, Judith Martins. A Re-Significação do Princípio da Segurança Jurídica na Relação entre o Estado e os Cidadãos. R. CEJ, Brasília, n. 27, p. 110-120, out./dez. 2004 52 b) a segurança jurídica fundamenta o instituto da prescrição; c) a segurança jurídica fundamenta o instituto da preclusão; d) a segurança jurídica fundamenta a intangibilidade da coisa julgada; e) a segurança jurídica é o valor que sustenta a figura dos direitos adquiridos; f) a segurança é o valor que sustenta o princípio do respeito ao ato jurídico perfeito; g) a segurança jurídica está na base da inalterabilidade, por ato unilateral da Administração, de certas situações jurídicas subjetivas previamente definidas em ato administrativo; h) a segurança jurídica está na ratio da adstrição às formas processuais; i) a segurança jurídica está na ratio do princípio da irretroatividade da lei, quando gravosa ao status libertatis das pessoas; j) a segurança jurídica não é afrontada, senão reforçada, com o rigor probatório, nas matérias concernentes à concessão de benefícios especiais a certas categorias ou pessoas, conforme a situação em que se encontrem; k) a segurança jurídica não impede que lei nova ou ato administrativo dê conformação a situações jurídicas, desde que resguardado o princípio da legalidade, pois não limita de modo absoluto o poder de conformação do legislador. Observa-se que a segurança jurídica está no fundamento do instituto da decadência, conforme entendimento do STF, que assim se pronunciou: Ementa: Ação Rescisória. Ação ajuizada antes da ocorrência do prazo de decadência, mas em que não foram observadas as exigências dos parágrafos 2º e 3º do art. 219 do Código de Processo Civil, sem a verificação de obstáculo judicial. Ocorrência da hipótese prevista no § 4º do art. 219 do CPC, em se tratando de decadência do direito material, a rescisão da sentença transitada 53 em julgado que se entende viciada. Esse direito potestativo não tem em si mesmo natureza de direito patrimonial, mas foi criado pela lei para a defesa da segurança jurídica, razão por que está ele subtraído à disponibilidade da alegação do réu, não se lhe aplicando, portanto, a proibição da parte inicial do parágrafo 5º. do art. 219 do CPC, decadência do direito potestativo. Rescisão da sentença em causa, decretada nos termos do § 6º do art. 219 do CPC, julgando-se, em conseqüência, extinto o processo.(grifo nosso)108 A segurança jurídica, também se efetiva pelo instituto da prescrição: Ementa: Constituição - Aplicação Imediata – Prescrição no Direito do Trabalho. A regra do § 1º do art. 5º da Constituição Federal pressupõe situação em que os efeitos não se tenham completado sob a égide da ordem constitucional pretérita. Isso não ocorre no caso da prescrição trabalhista, cujo prazo foi elevado pela Carta de 1988 para cinco demanda, já havia transcorrido o biênio previsto na legislação à época em vigor. Impossível é confundir a aplicação imediata com a retroativa, a ponto de comprometer a almejada segurança jurídica, o que aconteceria caso viesse a ser admitido verdadeiro ressuscitamento de demanda fulminada pela prescrição.109(grifo nosso) A segurança jurídica fundamentada no instituto da preclusão: Ementa: Processo – Organicidade e Dinâmica. Defeso é voltar-se, sem autorização normativa, a fase ultrapassada. A época de liquidação de precatório não enseja rediscussão do título executivo judicial. Óptica diversa implica olvidar a organicidade e a dinâmica do Direito, alçando o Estado a posição que não o dignifica. Paga-se um preço por viver se em um Estado democrático de Direito e nele 108 STF, Trib. Pleno, QOAR n. 1323/RS, Rel. Min. Moreira Alves, julg. em 03/11/1989, DJU 09/02/1990, p. 572. 109 STF, Segunda Turma, Ag RAI n. 140751/ RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 09/ 06/1992, DJU 25/09/92, p. 16.186; RTJ 143-03, p. 1.009. 54 encontra-se a estabilidade das relações jurídicas, a segurança jurídica, ensejadas pela preclusão.(grifo nosso).110 A segurança jurídica fundamenta a intangibilidade da coisa julgada: Coisa Julgada – Intangibilidade – Cumpre rescindir a decisão de mérito que, a partir de julgamento de certo recurso, tenha resultado na ofensa à coisa julgada, cujo respeito diz necessariamente com a preservação da segurança jurídica. (grifo nosso)111 A segurança jurídica como valor que ampara os direitos adquiridos: Ementa:Embargos de Declaração. Servidor Público Celetista Inativo. Art. 40, § 4º, da CF/88 (redação anterior à EC n. 20/98). Não se discute na presente demanda eventual violação aos princípios do direito adquirido, da isonomia e da segurança jurídica. Na realidade, centrou-se a decisão embargada na interpretação do art. 40, § 4º, da Constituição, concluindo-se pela sua inaplicabilidade aos servidores públicos celetistas, aposentados pelo Regime Geral de Previdência, antes da promulgação do atual texto constitucional e da edição da Lei n. 8.112/90. Embargos de declaração rejeitados. 112(grifo nosso) E ainda: Recurso Extraordinário – Julgamento – Parâmetros. Na apreciação de todo e qualquer recurso de natureza extraordinária, são consideradas as premissas fáticas do acórdão impugnado. Defeso é adentrar o exame dos elementos probatórios dos autos para, à mercê de moldura fática diversa, concluir-se de forma diametralmente oposta. Nisso está à razão de ser, a essência dos recursos a serem julgados em sede extraordinária. Recurso 110 STF, Segunda Turma, AgRAI n. 249470/BA, Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 10/10/2000, DJU 01/02/2000, p. 74. 111 STF, Tribunal Pleno, AR n. 1461/PE, Rel. Min. Marco Aurélio. 112 STF, Primeira Turma, EDcl RE n. 367166/ RN, Rel. Min. Ellen Gracie. 55 Extraordinário – Direito Local. Por ofensa a norma estadual não cabe o extraordinário – verbete n. 280 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. Complementação de Proventos da Aposentadoria – Leis ns. 4.819/58 e 200/74 do Estado de São Paulo. Contemplando a lei nova a preservação do direito não só daqueles que, à época, já eram beneficiários como também o daqueles empregados admitidos na respectiva vigência, forçoso é entenderse pela homenagem à almejada segurança jurídica, afastada a surpresa decorrente da modificação dos parâmetros da relação mantida, no que julgado procedente o pedido formulado na ação.113(grifo nosso). No mesmo sentido: Embargos Declaratórios – Duplicidade. Se de um lado é correto dizer-se da admissibilidade dos segundos declaratórios, de outro exsurge a necessidade de empolgar-se vício constante do acórdão proferido em razão dos primeiros. Descabe utilizá-los para atacar o acórdão inicialmente embargado. Incentivo Fiscal – Revisão – Situação – Direito Adquirido. A regra da revogação dos incentivos que não tenham sido confirmados por lei, apanhados pela Carta de 1988 após dois anos, a partir da respectiva promulgação, restou excepcionada, considerada a segurança jurídica e, até mesmo, cláusula pétrea, pelo § 2º do art. 41 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: a revogação não prejudicará os direitos que já tiverem sido adquiridos, àquela data, em relação a incentivos concedidos sob condição e com prazo certo.114(grifo nosso) A segurança como valor que esteia o princípio do ato jurídico perfeito: Ementa: Salários – Reposição do Poder Aquisitivo – Cláusula de Garantia em Convenção Coletiva. O contrato coletivo, na espécie “convenção”, celebrado nos moldes da legislação em vigor e sem que se possa falar em vício na manifestação de vontade das categorias profissional e econômica envolvidas, encerra ato jurídico 113 STF, Segunda Turma, RE n. 168046/SP, Rel. Min. Marco Aurelio, julg. Em 17/04/1998, DJU 12/06/1998, p.65. 114 E ainda: STF, Segunda Turma, RE n. 186264/ SP, Rel. Min. Marco Aurelio, julg. em 16/12/ 1997, DJU 17/04/98, p. 17. 56 perfeito e acabado, cujo alcance não permite dúvidas no que as partes previram, sob o título “Garantia de Reajuste”, que política salarial superveniente menos favorável aos trabalhadores não seria observada, havendo de se aplicar, em qualquer hipótese, fator de atualização correspondente a noventa por cento do Índice de Preços ao Consumidor – IPC. Insubsistência da mudança de índice de correção, passados seis meses e ante lei que, em meio à nova sistemática, sinalizou a possibilidade de empregado e empregador afastá-la, no campo da livre negociação.115 E ainda: Ementa: Caderneta de Poupança – Plano Collor – Bloqueio dos Depósitos – Juros e Correção Monetária – Regência. Uma vez verificada a indisponibilidade dos quantitativos existentes nas contas de cadernetas de poupança, descabe cogitar da aplicação de lei nova, no que alterados os parâmetros de cálculo de juros e correção monetária. A segurança jurídica impõe o respeito ao que ajustado inicialmente.116 (grifo nosso) A segurança jurídica na base da inalterabilidade, por ato unilateral da Administração, de certas situações jurídicas subjetivas previamente definidas em ato administrativo: Ementa: Concurso – Edital – Parâmetros. Os parâmetros alusivos ao concurso hão de estar previstos no edital. Descabe agasalhar ato da Administração Pública que, após o esgotamento das fases inicialmente estabelecidas, com aprovação nas provas, implica criação de novas exigências. A segurança jurídica, especialmente a ligada à relação cidadão-Estado, rechaça a modificação pretendida.117(grifo nosso) 115 STF, Segunda Turma, RE n. 194662/BA, Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 18/09/2001, DJU 19/04/2002, p. 59. 116 Ag RAI n. 210678/PR, Rel. Min. Marco Aurelio, julg. em 18/12/1998, DJU 18/12/ 1998, p. 54. 117 STF, Segunda Turma, AgRRE n. 118927/ RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 07/02/ 1995, DJU 10/08/1995, p. 23.556. 57 E ainda: Mandado de Segurança. Processo administrativo disciplinar. Abandono de cargo: não configuração. Súmula 473. Servidor da Universidade Federal da Bahia inocentado por ato do Ministro da Educação no processo disciplinar a que respondia. Eventual mudança – motivada por pedido de reexame – na decisão que inocentara o servidor deve, por imperativo da segurança jurídica, ser idoneamente motivada. Não poderia o ato dimensório desconsiderar situação jurídica já consolidada. Aplicável à espécie o verbete 473 da súmula de jurisprudência do STF. Mandado de segurança deferido.118 A segurança jurídica está na ratio da adstrição às formas processuais: Ementa: Habeas Corpus. Prefeito denunciado por Promotor perante Juiz de Direito, nas sanções do art. 1º., inc. II, e parágrafo 1º., do Decreto-lei n. 201/67. Competência superveniente do Tribunal de Justiça, art. 29, VIII, da Constituição Federal de 1988. Desnecessidade de ratificação expressa da denúncia pelo Procurador-Geral da Justiça, mormente quando, nas razões finais, pede a condenação, demonstrando que estava de acordo com a denúncia. Nulidade inexistente. É inestimável a importância das formalidades processuais como garantias da liberdade pessoal e da segurança jurídica. Mas, a homenagem a esse princípio não há de chegar ao feiticismo, e não deve ser levada a exageros inúteis para se proclamar nulidade, pois os atos praticados pelo Promotor de Justiça, quando praticados, foram rigorosamente legais, e os atos praticados pelo Juiz, quando praticados, foram irretocavelmente legais, não havendo razão para que deixem de selo porque, por lei posterior, a competência passou a ser do Tribunal. Hábeas corpus conhecido, mas indeferido.119 118 STF, Tribunal Pleno, MS n. 21.791/BA, Rel. Min. Francisco Rezek, julg. em 25/03/1994, DJU 27/05/1994, p. 13.187. 119 STF, Segunda Turma, HC n. 69.906/MG, Rel. Min. Paulo Brossard, julg. em 15/12/ 1992, DJU 16/04/1993, p. 6.434; RTJ 146- 01, p. 244. 58 A segurança jurídica está na ratio do princípio da irretroatividade da lei, quando gravosa ao status libertatis das pessoas: Ação Direta de Inconstitucionalidade – Medida Provisória de Caráter Interpretativo – Leis Interpretativas – A Questão da Interpretação de Leis de Conversão por Medida Provisória – Princípio da Irretroatividade – Caráter Relativo – Leis Interpretativas e Aplicação Retroativa – Reiteração de Medida Provisória sobre Matéria Apreciada e Rejeitada pelo Congresso Nacional – Plausibilidade Jurídica – Ausência do periculum in mora Indeferimento da Cautelar. É plausível, em face do ordenamento constitucional brasileiro, o reconhecimento da admissibilidade das leis interpretativas que configuram instrumento juridicamente idôneo de veiculação da denominada interpretação autêntica. As leis interpretativas – desde que reconhecida a sua existência em nosso sistema de direito positivo – não traduzem usurpação das atribuições institucionais do Judiciário e, em conseqüência, não ofendem o postulado fundamental da divisão funcional do poder. Mesmo as leis interpretativas expõem-se ao exame e à interpretação dos juízes e tribunais. Não se revelam, assim, espécies normativas imunes ao controle jurisdicional. A questão da interpretação de leis de conversão por Medida Provisória editada pelo Presidente da República. O princípio da irretroatividade “somente” condiciona a atividade jurídica do Estado nas hipóteses expressamente previstas pela Constituição, em ordem a inibir a ação do Poder Público eventualmente configuradora de restrição gravosa (a) ao status libertatis da pessoa (CF, art. 5º, XI), (b) ao status subjectionis do contribuinte em matéria tributária (CF, art. 150, III, a) e (c) a “segurança” jurídica no domínio das relações sociais (CF, art. 5º, XXXVI). Na medida em que a retroprojeção normativa da lei “não” gere e “nem” produza os gravames referidos, nada impede que o Estado edite e prescreva atos normativos com efeito retroativo. As leis, em face do caráter prospectivo de que se revestem, devem, “ordinariamente”, dispor para o futuro. O sistema jurídico-constitucional brasileiro, contudo, “não” assentou, como postulado absoluto, incondicional e inderrogável, o princípio da irretroatividade. A questão da retroatividade das leis interpretativas.120(grifo nosso) 120 STF, Trib. Pleno, MCADIn n. 605/DF, Rel. Min. Celso De Mello, julg em 23/10/1991, DJU 05/03/4993. p. 2.897. 59 A segurança jurídica não é afrontada, senão reforçada, com o rigor probatório, nas matérias atinentes ao consentimento de benefícios especiais a certas categorias ou pessoas, conforme a situação em que se encontrem: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 54 do ADCT. Pensão Mensal Vitalícia aos seringueiros recrutados ou que colaboraram nos esforços da Segunda Guerra Mundial. Art. 21 da Lei n. 9.711, de 20/11/98, que modificou a redação do art. 3º da Lei n. 7.986, de 20/ 11/1989. Exigência, para a concessão do benefício, de início de prova material e vedação ao uso da prova exclusivamente testemunhal. A vedação à utilização da prova exclusivamente testemunhal e a exigência do início de prova material para o reconhecimento judicial da situação descrita no art. 54 do ADCT e no art. 1º da Lei n. 7.986/89 não vulneram os incisos XXXV, XXXVI e LVI do art. 5º da CF. O maior relevo conferido pelo legislador ordinário ao princípio da segurança jurídica visa a um maior rigor na verificação da situação exigida para o recebimento do benefício. Precedentes da Segunda Turma do STF: REs ns. 226.588, 238.446, 226.772, 236.759 e 238.444, todos da relatoria do eminente Ministro Marco Aurélio. Descabida a alegação de ofensa a direito adquirido. O art. 21 da Lei n. 9.711/98 alterou o regime jurídico probatório no processo de concessão do benefício citado, sendo pacífico o entendimento fixado por esta Corte de que não há direito adquirido a regime jurídico. Ação direta cujo pedido se julga improcedente.121(grifo nosso) A segurança jurídica não impede que lei nova ou ato administrativo dê conformação a situações jurídicas, desde que resguardado o princípio da legalidade, pois não limita de modo absoluto o poder de conformação do legislador: Ementa: Administrativo. Cana-de-açúcar. Portaria n. 294, de 13/12/ 96, do Ministério da Fazenda, que liberou os preços do produto a partir de 1º/05/98. Alegada ofensa aos princípios da separação dos poderes, da hierarquia das normas, da legalidade, da proporcionalidade, da segurança jurídica e do devido processo legal. O art. 10 da Lei n. 4.870/65, que previa a fixação do preço da 121 STF, Trib. Pleno, ADIn n. 2.555/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, julg. em 03/04/2003, DJU 02/ 05/2003, p 25. 60 cana-de-açúcar, foi alterado pelo art. 3º, III, da Lei n. 8.178/91, que deixou a critério do Ministro da Fazenda, responsável pela execução da política econômica do Governo, a liberação, total ou parcial, dos preços de qualquer setor, o que foi concretizado pela referida autoridade por meio do ato impugnado, em face do manifesto descabimento da exigência de lei, ou de decreto, para fixação ou liberação de preços. Não há falar, portanto, em ofensa aos princípios constitucionais sob enfoque. No que concerne ao mérito do ato impugnado, é fora de dúvida que se trata de matéria submetida a critérios de conveniência e oportunidade, insuscetíveis, por isso, de controle pelo Poder Judiciário. Recurso desprovido.122(grifo nosso) E ainda: Ementa: Embargos de Divergência – Interposição contra acórdão proferido em sede de Agravo Regimental – Inadmissibilidade – Subsistência da Súmula 599/STF – Superveniência da Lei n. 8.950/94 – Poder de conformação do legislador – Ausência de incompatibilidade com o princípio da segurança jurídica – Agravo improvido. – Os embargos de divergência, que constituem instrumento processual de uniformização da jurisprudência, só se revelam oponíveis quando, manifestados no âmbito do Supremo Tribunal Federal, insurgem-se contra decisão de uma de suas Turmas, desde que proferida no julgamento de recurso extraordinário. Subsiste íntegro, desse modo, o enunciado constante da Súmula 599/STF, especialmente em face do que prescreve o art. 546, II, do CPC, com a redação que lhe deu a Lei n. 8.950/ 94. – Os embargos de divergência possuem objeto de impugnação próprio, somente podendo ser deduzidos em face de situação processual específica que se traduz na existência de dissídio jurisprudencial motivado por acórdão proferido em sede recursal extraordinária, afastada, em conseqüência – e sem qualquer ofensa ao postulado da segurança jurídica ou da proteção jurisdicional –, a possibilidade de utilização desse recurso contra decisões de Turma do Supremo Tribunal Federal no julgamento de agravos. Precedentes.123(grifo nosso). 122 STF, Primeira Turma, RMS n. 23.543/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, julg. em 27/06/2000, DJU 13/10/2000, p. 21. 123 STF, Trib. Pleno, AI n. 151.787/SP, Rel. Min. Celso de Mello. 61 E ainda: Ementa: Por não atacar decisão de mérito, não cabe rescisória (art. 485, caput, do Código de Processo Civil) contra sentença que se limitou a extinguir o processo pelo reconhecimento da ocorrência de coisa julgada. Ação de que, em conseqüência, por maioria de votos, não conhece o Plenário do Supremo Tribunal.124 Conclusivamente observa-se por todo o exposto, que uma sociedade não sobreviveria não fosse à segurança jurídica. No sistema jurídico Pátrio esta segurança, basicamente se contorna acerca dos Institutos do Direito adquirido, Coisa Julgada e Ato Jurídico Perfeito. Extenuadas todas as assertivas em torno do que se configura a segurança jurídica passa-se as considerações finais do presente estudo. 124 STF, Trib. Pleno, AR n. 1.056/GO, Rel. Min. Octavio Gallotti, julg. em 26/11/ 1997, DJU 25/05/2001, p. 10. 62 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho monográfico objetivou explicitar um dos temas mais intrigantes do sistema jurídico. Primeiramente, demonstrando o que vem a ser o Poder Constituinte, sua origem, explicitou este Poder no contexto democrático, encontrando como titular deste poder o povo. Em contrapartida, narrou-se acerca dos três grandes institutos que consubstanciam a segurança jurídica com o fim de conhecidos tais Institutos confrontá-los com o Poder acima mencionado. Conclui-se que uma sociedade necessita possuir a certeza no direito, garantindo, basicamente a proteção a família, propriedade e a garantia no sistema estatal. Ao contrário se efetivaria um verdadeiro caos, não havendo previsões, como o Direito Adquirido, a Coisa Julgada e Ato Jurídico Perfeito, estaria instalada a insegurança ao jurisdicionados. Em contrapartida ao narrado estudou-se o Poder Constituinte Originário, que diferentemente do Poder Constituinte Derivado, é ilimitado. Verificou-se que o Poder Constituinte Originário é um poder extra – jurídico, não estando sob a égide do Império do Direito, diferentemente do Poder Constituinte Derivado é um poder estritamente jurídico. O Poder constituinte é um poder exclusivamente político, por isso não conhece limitação qualquer pelo Direito. No que consiste a primeira pergunta, a questão se perfaz acerca da permanência das garantias conferidas pelos Institutos do Direito Adquirido, Coisa Julgada e Ato Jurídico Perfeito. A resposta, após todas as ponderações realizadas a respeito do Poder Constituinte Originário levam a considerar que não, ainda que os 63 Institutos sejam coroados com a segurança soberana da Constituição Federal, frente a uma nova Constituição pereceriam. Vale inserir neste contexto jurisprudência que comprova o textualizado: Inexistência de direito adquirido em face de normas constitucional originária: STF – “A supremacia jurídica das normas inscritas na Carta Federal não permite, ressalvas as eventuais exceções proclamadas no próprio texto constitucional, que contra elas seja invocado o direito adquirido” 125 Acerca da segunda questão suscitada, qual seja se há limites para o Poder Constituinte Originário, ou seja, existe realmente uma segurança jurídica no que se refere a este Poder? Neste ponto a conclusão passa a ser mais melindrosa. Ora, por uma visão mais estreitada, averigua-se que de ante mão, não, pois se, tomar-se por base que a segurança jurídica basicamente estrutura-se pelo Direito Adquirido, Coisa Julgada e Ato Jurídico Perfeito, e se estes pereceriam frente a uma nova Constituição, então inevitavelmente não haveria uma real segurança jurídica. Ocorre que, dentro dos estudos jurídicos, qualquer posicionamento simplista ensejará inevitavelmente em erro. Assim, não seria tão simples uma nova constituição ensejar em normas inaceitáveis, ao mínimo de respeito à Estrutura do Estado e aos Direitos Humanos de uma forma geral. Fala-se hodiernamente na existência de uma Constituição Supra Nacional, aos Direitos humanos como uma responsabilidade de toda a humanidade. 125 STF – Pleno – Adin. Nº 248/RJ – Rel. Min. Celso de Mello – Diário da Justiça, Seção I, 8 abr. 1994, p.7.222 64 Em virtude da globalização, dificilmente seria possível a instalação de uma Nova Constituição que desrespeitasse a evolução no que tange aos Direitos como um todo. Porém, o desígnio do presente estudo de forma alguma teve o condão de declarar uma resposta pronta e acabada acerca da matéria inquirida e sim de inquietar os leitores, na busca de novos estudos acerca deste tema tão enriquecedor. 65 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS AZAMBUJA, Darcy, Teoria Geral do Estado, Rio de Janeiro, Editora Globo, 1983. BASTOS, Celso. Dicionário de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1994. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campos,1992. BOBBIO Norberto. Dicionário de Política, Brasília, Editora UNB: 2002. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 13ª Ed.,São Paulo, Malheiros: 2003. CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional e a Teoria da Constituição, 5ªed., Coimbra,Portugal, Livraria Almedina, 2002. COELHO, Fabio Ulhoa, Para Entender Kelsen, 4º Edição, São Paulo, Saraiva, 2001. CONSTITUIÇÃO FEDERAL 1988. COSTA, Judith Martins. 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