Sem título-1

Propaganda
REPORTAGEM
DESENVOLVIMENTO
Por Yolanda Stein
Uma agenda para
o século 21
Curso de Desenvolvimento promovido pela Associação Brasileira de Instituições
Financeiras de Desenvolvimento (ABDE), em parceria com o Instituto de
Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE-UFRJ), e que teve
como coordenadora a professora Jennifer Hermann, eleva o debate sobre o
tema e inspira a conceituação do Sistema Nacional de Fomento, conjunto de
instituições cujo mote é a promoção do desenvolvimento do Brasil.
RUMOS - 16 –Setembro/Outubro 2012
SXC
A
dotar um modelo com forte
participação estatal na economia, ou navegar nas ondas
do liberalismo econômico, parece não ser
mais a questão principal quando o assunto é
desenvolvimento. A crise de 2008 nos EUA,
que se espalhou pelo mundo e ainda atinge
pesadamente a maioria dos países, mostrou
que sem o Estado as economias iriam à
bancarrota.
A questão é saber a medida dessa ingerência e como o Estado deve desempenhar o papel de planejar, articular e promover o desenvolvimento. Seja qual for o
modelo a ser adotado, é unânime a opinião
dos economistas ouvidos por Rumos sobre a
importância do papel das instituições financeiras de fomento no caminho para o
desenvolvimento sustentável.
A sexta economia do mundo ainda
patina quando o tema é investimento, indus- Produção industrial: termômetro do processo de desenvolvimento.
trialização, apoio ao setor de pesquisa e
tecnologia e educação de qualidade. São
estes os entraves mais citados para que o país entre no círculo
tornando-se o mercado um instrumento de política pública.
virtuoso e trilhe a rota do verdadeiro desenvolvimento.
Neste cenário, o setor financeiro dificilmente sobreviverá sem a
intervenção do Estado”.
Estado versus mercado – Valendo-se de uma citação do eco“O que resta desse grande embate do século 20 não é um
nomista Eric Hobsbawm, o professor Luiz Carlos Prado do
caminho único, são várias versões de um sistema muito eficaz
Instituto de Economia da UFRJ, ao olhar o cenário do século 20 a
para produzir riquezas, mas com dificuldade quanto à distribuição
partir da perspectiva da crise de 2008, constata que a agenda deste
dessas riquezas, ou a sustentabilidade de longo prazo, porque é
período desapareceu. No século 21, deixam de existir a polarizasujeito a crises”, afirma Prado.
ção liberalismo versus socialismo, a oposição entre Estado e merSe, por um lado, o socialismo real não se sustentou, o liberaliscado, restando os diversos tipos de capitalismo, ou seja, a economo arrasou economias latino-americanas, gerou grande instabilimia de mercado.
dade financeira, afetou o crescimento bem como as relações entre
“A crise é a pá de cal da agenda liberal clássica do século 20 e
países. Sobra o que foi chamado nos anos 1950 de economia
traz de volta toda a complexidade da relação Estado-mercado,
mista: Estado e mercado.
SXC
“A versão de capitalismo de Estado
til, também do Instituto de Economia
da China, as políticas indianas com forte
da UFRJ. “O câmbio apreciado benefiprotecionismo, ou mesmo o Brasil com
ciou os importados e isso provocou um
seu ecletismo, são formas diferentes de
desmantelamento da indústria nacional,
administrar a economia de mercado. A
que perdeu cadeias produtivas inteiras.
relação entre Estado e mercado na forÉ imprescindível a formulação de uma
mulação de políticas públicas é a agenda
política industrial, sem a qual o processo
por excelência deste século”, enfatiza
de desenvolvimento econômico não
Prado.
deslancha”, constata.
“Essa é a discussão contemporânea.
Segundo ela, a indústria brasileira
O mercado não é um senhor, é um servo
perdeu seu papel de carro-chefe, encara serviço de políticas públicas. O desenregado de gerar inovações, incorporar
volvimento da infraestrutura do Brasil O comércio com a China tem influenciado
tecnologia de ponta e fazer a difusão
pode ser feito usando o mercado, desde a forma como os países atuam no mercado
dessa tecnologia para os demais setores
que haja regulação para definir os parâ- mundial.
da economia. “Nos últimos 10 anos, a
metros da concorrência nesse setor.”
produtividade vem caindo ano a ano e o
Cita como exemplo as políticas antitrustes. O Conselho AdmiBrasil passou a adotar um modelo de desenvolvimento com base
nistrativo de Defesa Econômica (Cade), em defesa da concorrênem commodities e serviços, o que significa uma regressão, um anticia, impede que um mercado, se deixado à sua própria dinâmica,
desenvolvimento.”
acabe com o livre mercado. Ao estabelecer limites à concentração
Denise é incisiva em sua postura crítica ao modelo brasileiro:
da economia, agindo contra os cartéis, o Estado está, em última
“Isso acontece no momento em que o país ocupa a sexta posição
instância, controlando o livre mercado para promover o livre
na economia mundial. São essas coisas bizarras da história econômercado.
mica do país. Nesse cenário entra a China, grande consumidora
Prado mostra que ação do Estado é fundamental também na
de commodities (alimentos e metais), desenhando uma nova divisão
área social para combater as desigualdades. “Uma sociedade com
internacional do trabalho, onde o Brasil participa como produtor
melhor distribuição de renda, mais justa, é mais segura para todos.
de matérias-primas.”
A instabilidade decorrente de uma excessiva injustiça social não é
Uma situação que, segundo ela, compromete a importante
uma boa política. O caos não interessa a ninguém.”
política social do governo. Como elevar salários se a produtividaQuais os limites para a intervenção do Estado? Por um lado,
de não cresce? “É absolutamente desconcertante o baixo investiexiste a preocupação quanto à desordem decorrente da sua
mento do governo brasileiro em ciência, tecnologia e educação.
ausência, na outra ponta está o Estado excessivamente intervenciNão há como sustentar a política social sem mudanças na estruonista oprimindo a liberdade do indivíduo. Entre esses dois limitura produtiva. Não existe processo de desenvolvimento sustentes encontra-se a margem de intervenção.
tável baseado numa perna só.”
Segundo o professor, o mix ideal entre Estado e mercado é
definido historicamente. No caso dos países escandinavos, é uma
Contramão da história – Também Carlos Pinkusfeld, do Insticarga tributária elevada e uma política de bem-estar social igualtuto de Economia da UFRJ, considera que o Brasil está na contramente ampla. Em sociedades como a americana, a carga tributária
mão da história em termos de política industrial. Ao contrário, a
é muito mais baixa e há muito menos segurança individual garanChina vem ganhando espaço com a fabricação de produtos que
tida pelo Estado. É uma questão de escolha da sociedade que se
inundam os mercados de todos os continentes.
pretende ter.
Ele critica o fato de o Brasil não seguir uma política industrial
No caso brasileiro, políticas públicas como Bolsa Família ou
moderna, não promover o adensamento da cadeia produtiva,
outras de natureza social são vitais não só por gerar melhor districomo no final dos anos 1950 e 1960, quando foi instalada a indúsbuição de renda, como para melhorar o clima social.
tria automobilística. Antes se fazia o produto final e os insumos, o
carro e as peças, agora se produz apenas o carro.
Indústria, o calcanhar de Aquiles – Quando se pensa o Brasil e
“Além de não acompanhar o processo de modernização de
suas perspectivas de desenvolvimento, a questão industrial entra
países como China e Japão, pode-se dizer que houve perda da
na ordem do dia. É possível continuar crescendo a taxas razoáveis
estrutura produtiva industrial, num processo contínuo desde os
sem uma expansão do setor industrial na mesma proporção?
anos 1980 e 1990”, diz o professor, ao explicar que nem por isso a
“Com a indústria ameaçada por problemas como câmbio, entrada
política econômica liberal deu bons resultados, como o esperado
maciça da China como grande exportador mundial de manufatuaumento da competitividade e das exportações. “Ao contrário, a
rados, política monetária dos EUA, instabilidade dos países ricos,
economia manteve baixo crescimento, ficou rastejando.”
é imprescindível uma estratégia para a promoção da indústria
As medidas de aceleração econômica, adotadas nos anos
brasileira”, alerta Prado.
2000, não o entusiasmam: “foram insuficientes para colocar o
A questão é se o Estado deve fazer escolhas com referência a
país num círculo virtuoso, não havendo a contrapartida de
setores industriais e apostar neles, como o pré-sal, ou se concenmodernização da estrutura produtiva industrial, nem a aceleratrar na área agrícola e nos produtos associados a ela, como tratoção de setores mais competitivos.”
res e fertilizantes. “Ainda não está claro quais serão as escolhas
“Não estamos caminhando na fronteira tecnológica, nem
domésticas”, afirma.
investindo em setores dinâmicos, como eletroeletrônico, compuA baixa participação da indústria no PIB total da economia é
tação, telecomunicações; a indústria está concentrada no agrobusium dos entraves apontados pela professora Denise Lobato Genness e setores de base, como o siderúrgico, além das construtoras”,
RUMOS - 17 –Setembro/Outubro 2012
REPORTAGEM
DESENVOLVIMENTO
diz Pinkusfeld. Entre outros problemas, destaca a
falta da figura central, que é a empresa nacional.
tendo na outra ponta comércio e serviços, num claro retrocesso da estrutura produtiva da economia.”
Integração com vizinhos – Há os que veem na
integração regional uma saída para o fortalecimento do setor industrial brasileiro. Prado diz que o país
poderia se voltar para os vizinhos da América do
Sul, mesmo que isso represente a perda de participação em certos segmentos industriais. O Brasil
poderia, por exemplo, valer-se da mão de obra mais
barata no Paraguai e na Bolívia, nos moldes da
atuação do Japão e da China na Ásia, integrando economias com
diferentes graus de desenvolvimento.
Denise Lobato também acena para uma aliança regional
como forma de enfrentar o processo de destruição do valor
agregado industrial. “O projeto de desenvolvimento e de poder
que aí está é baseado no agrobusiness e no setor de serviços e não na
indústria nacional. Dá força aos exportadores de commodities,
Baixo crescimento – Outro entrave ao desenvolvimento,
apontado por Denise Lobato, são as descontínuas taxas de
crescimento do país que, desde 2003, não consegue manter
dois anos consecutivos acima de 5%, devido, principalmente,
às políticas monetária e cambial: foram muitos anos de taxas de
juros extremamente altas, taxas de câmbio não competitivas
para a indústria nacional e uma política fiscal de elevadíssimo
superávit primário.
A professora critica também “a baixa taxa de investimento,
associada a uma política macroeconômica desestimuladora,
que durante muitos anos não esteve voltada para a construção
da infraestrutura necessária ao desenvolvimento do país.”
Constata que os investimentos são muito tênues, originários
principalmente do Plano de Aceleração Econômica (PAC),
que apresenta enorme atraso na sua execução e muita parci-
O socorro dos bancos públicos
Ao contrário de alguns países vizinhos, como Argentina e
México, ou mesmo de economias maduras, que eliminaram
instituições de desenvolvimento e fomento no bojo das reformas
neoliberais dos anos 1980 e 1990, o Brasil manteve sua estrutura,
apesar do desmantelamento das redes regionais.
Os bancos públicos, que pós-década de 1930 contribuíram
para viabilizar a industrialização, passaram por um período de
turbulência. Insolventes, muitas instituições estaduais receberam
um aporte de recursos do governo federal no âmbito da renegociação das dívidas dos estados, foram saneados e depois privatizados. Da mesma forma, bancos de desenvolvimento regionais
foram liquidados, incorporados a outras instituições ou transformados em agências de fomento.
Agora, é preciso avaliar se as instituições que ficaram e se
reordenaram têm capacidade de atuação e capitalização para
alavancar créditos adequados ao processo do desenvolvimento
brasileiro nos próximos anos, diz André Moreira Cunha, professor do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Em países onde os bancos públicos são fortes, caso do Brasil, estes atuaram no sentido de minimizar os efeitos da crise.
Assim, quando os bancos privados pararam de abastecer o mercado com crédito, foram os públicos que mantiveram a economia em funcionamento. O mesmo aconteceu na China, Índia,
Rússia, onde os bancos públicos foram preservados.
Como a iniciativa privada, no geral, concentra suas operações
em segmentos de menor risco, nos setores mais arriscados –
como imobiliário, agrícola, regiões com menores taxas de desenvolvimento, pequenas e médias empresas, empresas de tecnologia – o socorro vem dos bancos públicos.
Segundo Cunha, “o retorno do protagonismo estatal é
claro, especialmente na área financeira, e recoloca a legitimidade
do conceito de Estado desenvolvimentista e dos seus instrumentos. Não por acaso, países como Inglaterra e França reavali-
am a recriação de seus bancos de desenvolvimento”.
O professor ressalta a importância das instituições regionais, que são os vasos capilares interligados às realidades locais.
São elas que levam os créditos às diversas regiões e setores e,
por isso, precisam ser fortalecidas.
“A perspectiva de crescimento dessa rede de agências de
fomento depende, por um lado, da força financeira fiscal dos
governos estaduais e, de outro, da possibilidade de construir
articulações com recursos federais, seja por repasses do
FGTS, seja por acesso a fundos constitucionais.”
Fio da navalha – Também o professor Victor Leonardo de
Araujo do Instituto de Economia da UFRJ aposta na atuação
dos bancos de desenvolvimento para o país recompor a capacidade produtiva: “o processo envolve projetos com riscos e
prazos normalmente não atendidos pelo setor privado.”
Ele reconhece a pujança do BNDES e sua capacidade para
responder ao desafio. Mas acredita que as pequenas agências de
fomento podem exercer o papel de financiar algumas cadeias
produtivas complementares dentro dos grandes projetos, além
de focar nas micro e pequenas empresas.
Em sua opinião, “não se trata apenas de financiamento. É
grande o número de médios e pequenos empresários que
montam seus empreendimentos e, em pouco tempo, são
obrigados a fechar por carência de assistência técnica, estudos
de mercado, desenho de projeto etc. Portanto, a consolidação
de um Sistema Nacional de Fomento teria um importante
papel a cumprir nesse sentido.”
Segundo Araujo, as instituições financeiras de desenvolvimento no Brasil têm características de atuação conservadoras,
tendem a se voltar para empresas já estabelecidas em lugar de
financiar aquelas com projetos inovadores ou localizadas em
regiões mais pobres, onde o risco é maior.
Em número de operações, o BNDES privilegia financia-
RUMOS - 18 –Setembro/Outubro 2012
EVOLUÇÃO PIB BRASIL
(1967-2011)
15;0
13;0
11,0
9,0
7;0
5,0
3,0
2011
2009
2005
2007
2001
2003
1999
1995
1997
1991
1993
1989
1985
1987
1981
1983
1979
1975
1977
1971
1973
1969
-3,0
1967
1,0
-1,0
mônia no gasto do dinheiro público.
Denise considera a atuação dos bancos de desenvolvimento
absolutamente decisiva e vê isso como o lado positivo da economia. “Os bancos públicos, particularmente Banco do Brasil e
BNDES, voltaram a ser um alicerce para investimentos de longo
prazo, numa economia que precisa de um projeto de desenvolvimento agressivo. Os recursos existem, mas faltam projetos arrojados e investidores para captá-los.”
Análise similar é feita por Pinkusfeld, para quem os bancos de
desenvolvimento são vitais como instrumento de incentivo às
indústrias, sobretudo as que apresentam capacidade de inovação.
Ele defende a exigência de contrapartidas aos financiamentos,
como a participação de conteúdo nacional, embora reconheça
que muitas empresas não têm como atendê-las.
-5,0
André Moreira Cunha
Eduardo Silveira
Eduardo Silveira
“O retorno do
protagonismo
estatal é claro.
Não por acaso, países
como Inglaterra e França
reavaliam a recriação
de seus bancos de
desenvolvimento.”
Victor Leonardo de Araujo
mentos de micro e pequenas empresas, mas em valor o peso
maior recai nas grandes empresas. Também Banco do Brasil e
Caixa concentram suas atuações em regiões mais ricas, no Centro-Sul do país.
Para reverter esse quadro e romper o círculo vicioso, recomenda o relaxamento da regulamentação a que essas instituições são
submetidas. Bancos que não captam depósitos, por exemplo, não
poderiam se submeter às mesmas regras dos bancos comerciais.
“Bancos públicos operam como bancos privados e atuam no fio da
navalha, porque têm que ser lucrativos, apresentar bons resultados
econômico-financeiros e também cumprir um papel de fomento.”
O professor titular da Faculdade de Ciências Econômicas da
UERJ, Luiz Fernando de Paula, igualmente destaca o papel dos
bancos de desenvolvimento, por sua capacidade de mobilização
de recursos e de redirecionamento de crédito na economia. “Eles
devem beneficiar segmentos do crédito não providos pelo setor
bancário tradicional, como é o caso do financiamento de longo
prazo e microcrédito. Além de influir na definição da política
industrial e políticas de redução de desigualdades regionais.”
No modelo brasileiro, como nos demais emergentes, o financiamento de investimentos tem como base empréstimos bancários
Noel Joaquim Faiad
Três motores – Numa visão mais otimista, Ricardo Bielschowsky, do Instituto de Economia da UFRJ, acredita que condições históricas novas configuram um quadro promissor à defini-
Fonte: Ipea Data
Luiz Fernando de Paula
de longo prazo, e o fato de haver um forte sistema de bancos de
desenvolvimento é uma vantagem a ser explorada, afirma.
No mundo, o sistema de financiamento é provido por bancos de grande porte, universais (Alemanha) ou especializados
(Japão). Neste modelo há liderança (não exclusiva) de bancos
privados no processo de financiamento industrial e a estrutura do
sistema é concentrada, com pouca variedade de instituições. Mas
são modelos que vêm sofrendo alterações nos últimos 20 anos,
por conta de várias inovações financeiras, explica o professor.
Já o sistema baseado no mercado, adotado nos EUA e no
Reino Unido, se caracteriza pela importância do mercado de
capitais no financiamento de longo prazo; os bancos atuam
basicamente no segmento de crédito de curto prazo (pessoal e
capital de giro) e crédito imobiliário.
Segundo Luiz Fernando de Paula, a crise de 2007-2008 foi
uma crise de um sistema financeiro excessivamente desregulamentado, que permitiu a criação de instrumentos opacos que
passaram ao largo da regulamentação financeira. “Daí a necessidade de uma boa regulamentação, que não sufoque as inovações,
mas evite atividades especulativas. O equilíbrio não é fácil, e está
no cerne da discussão sobre regulamentação financeira.”
RUMOS - 19 –Setembro/Outubro 2012
REPORTAGEM
DESENVOLVIMENTO
ção de uma estratégia de desenvolvimento, o que
não se via desde os anos 1980. “Depois de mais de
duas décadas de estagnação, vem se delineando,
desde meados dos anos 2000, um novo padrão de
transformações estruturais condutoras do desenvolvimento.”
E cita três motores que impulsionam a economia hoje e podem se revelar poderosas frentes de
expansão no futuro: mercado interno de consumo de massa, forte demanda por recursos naturais
e perspectivas favoráveis de investimento em infraestrutura.
Tais motores, ressalta, precisam ser turbinados por intenso
processo de inovação nas empresas e por adensamento das cadeias de valor, a exemplo do que vem tentando realizar a Petro-
bras. “Se o processo de inovação receber a ênfase necessária
por parte de governantes, da academia e de empresários nacionais, poderá tornar-se o quarto motor do investimento.”
Segundo ele, o consumo de massa, constante do Plano Plurianual 2004-2007, tem sido elemento decisivo na expansão
econômica recente e é resultante de forte aumento dos salários
e das transferências de renda, além da política de crédito. “Trata-se de um primeiro passo, mais de 40 anos depois, na direção
da proposta, de Celso Furtado e outros intelectuais e políticos
progressistas, de mudanças do modelo econômico, de renda
concentrada e consumo de elite para renda desconcentrada e
consumo de massa.”
Mas o que ainda não está claro, para ele, é se a produção
estimulada pelo consumo de massa será feita no país, ou
Do II PND ao neodesenvolvimentismo
Havia uma crença compartilhada de que
o Brasil estava destinado a crescer e isso teve
um efeito muito positivo para a economia,
durante muitos anos. Do lado da estabilidade, a ideia era de que a inflação tinha seus
efeitos maléficos minimizados pelos mecanismos de indexação. Com os choques dos
anos 1980, esta convenção se quebra, pois a
inflação assume proporções de grande magnitude, relata Lavínia.
Plano Real – A partir de 1986, segue-se um
período de instabilidade macroeconômica e
várias tentativas fracassadas de estabilização,
com múltiplos planos, até se chegar ao Plano
Real, da era FHC, em 1994, que atacou a
inflação e, posteriormente, promoveu a
desvalorização da moeda. Além da ênfase na
questão inflacionária, ela destaca a criação de
programas sociais no segundo período desse
governo, marcado também pela liberalização
comercial e financeira, além das privatizações.
A economista menciona, ao lado dos pontos positivos do
governo FHC, como o combate a inflação, as sequelas macroeconômicas pelo uso do câmbio como estratégia de estabilização por
um período muito longo. Enfatiza, no entanto, que “o ponto principal é o fato de o Plano Real ter conseguido desmontar, em grande
medida, o aparato de indexação construído no país desde 1964”.
Noel Joaquim Faiad
O que mudou no Brasil desde a formulação do II Plano Nacional de Desenvolvimento, no governo do general Ernesto
Geisel, ao chamado neodesenvolvimentismo da era Lula-Dilma, passando pelos dois
mandatos de Fernando Henrique Cardoso?
Na análise de Lavínia Barros de Castro
(foto), professora do Ibmec e da Coppead,
está claro que nos últimos anos houve
mudanças profundas na estratégia da política econômica. Diferentemente da gestão
FHC, que apostava na realização de reformas como caminho para o crescimento, o
atual governo pressupõe que a distribuição
de renda não é incompatível, ao contrário,
beneficia o crescimento – e que isso é possível sem detrimento da estabilidade e sem
piora significativa da situação fiscal.
Em relação ao período de1974 a 1979,
há duas linhas de interpretação. De um lado,
a tese de economistas da PUC e FGV, que
considera o II PND um equívoco, responsável por uma década de
estagnação nos anos 1980. De outro, a tese defendida pela UFRJ e
endossada por parte da Unicamp, de que esse plano representou
uma bem-sucedida estratégia, extremamente ousada, para superar
o subdesenvolvimento, resultando na recuperação das contas
externas na segunda metade dos anos 1980.
Esta tese, sustentada pelos economistas Antônio Barros de
Castro (morto em 2011) e Francisco Eduardo Pires de Souza,
explica a crise dos anos 1980 pelos choques externos e mudança
de modelo: a economia brasileira passa a ter como prioridade o
combate à inflação, numa guinada em relação ao modelo desenvolvimentista.
Em livro póstumo, recém-organizado por Lavínia e sua mãe, a
economista Ana Célia Castro, filha e esposa (Do Desenvolvimento Renegado ao Desafio Sinocêntrico), Castro defende a tese do
desenvolvimento renegado. Trata-se de uma leitura institucionalista, de 1950 a 1980, que agrega uma interpretação do desenvolvimento no período baseado em duas convenções: do crescimento e
da estabilidade.
Nova era – A era Lula, iniciada em 2002 em meio a uma crise de
confiança, é analisada em dois períodos: o primeiro, caracterizado
por políticas de continuidade do governo FHC; o segundo, a partir
de 2006, representou uma guinada em direção a um modelo de
crescimento que vem sendo chamado de neodesenvolvimentismo.
A ideia é que se pode melhorar a distribuição de renda com
políticas sociais e sem consequências fiscais catastróficas.
Chega-se, portanto, a uma época de maior crescimento com
diminuição das desigualdades, ao contrário do chamado milagre brasileiro dos anos 1968-73. Isso sem abandonar os pilares
do equilíbrio econômico construídos no governo FHC: câm-
RUMOS - 20 –Setembro/Outubro 2012
bio flexível, metas de superávit fiscal e de inflação.
Lavínia destaca os benefícios da reestruturação, ampliação e
aprofundamento das políticas sociais para a economia. Mas alerta
para um fator crucial que foi a melhora do cenário internacional,
com ascensão da China e o aumento da demanda pelas commodities brasileiras. Ou seja, a vulnerabilidade externa diminui
muito nesse período. O câmbio depreciado também contribuiu,
segundo ela, para a recuperação das exportações, inclusive de
manufaturados.
Configurou-se um crescimento baseado no consumo, impulsionado por políticas públicas como o crédito consignado, o
aumento real do salário mínimo e do nível de emprego.
A crise financeira de 2007/2008 nos Estados Unidos chegou
ao Brasil, mas ficou limitada em função da rápida atuação do
Estado, principalmente pela resposta dos bancos públicos –
Banco do Brasil, Caixa e BNDES – que promoveram políticas
anticíclicas, como o aumento do crédito bancário.
Diante do agravamento da crise mundial, o governo da presidenta Dilma Rousseff, dando seguimento à gestão de Lula, toma
diversas medidas de maior intervenção na economia, como câmbio mais competitivo, redução dos juros, diminuição de impostos,
desonerações. Além do foco em programas de políticas públicas
como PAC 2, Brasil Maior, Minha Casa Minha Vida, Brasil sem
Miséria, Alfabetização.
Apesar desses avanços, a professora Lavínia preocupa-se com
a questão da coordenação de uma série de medidas pontuais. E faz
uma comparação com o Plano de Metas do governo JK, quando
havia políticas integradas, um aparato institucional para coordenar
as diversas medidas. Isso também ocorreu no II PND.
“A economia brasileira tem grande necessidade de investimento. Temo que haja uma estimativa de que esse investimento possa
vir majoritariamente pelo setor privado. Acredito que será necessária maior participação do setor público do que se supõe, ainda que
seja sob a forma de garantias e outras formas de apoio. Em investimentos de prazos muito longos, muito dificilmente o mercado
sozinho assumirá os riscos. Os principais desafios da economia
brasileira são: baixo investimento, baixa produtividade e competitividade. Há todavia um consenso de que esses problemas precisam ser superados, sem abrir mão das conquistas sociais, que
devem continuar.”
SXC
importada, ponto de convergência com os outros economistas.
“Se houver consumo em massa no Brasil e produção em massa
na China, o modelo não se sustentará.”
“O desenvolvimento requer a produção, no país, de parte
substancial das cadeias produtivas geradoras de bens e serviços.
Continuamos com excessiva especialização em recursos naturais e
insuficiente diversidade nas exportações, um quadro agora agravado por uma a ‘reprimarização’ da atividade econômica.”
Bielschowsky também ressalta o papel dos bancos públicos e
agências de fomento no processo de desenvolvimento: “Estamos
anos-luz de um mercado financeiro que viabilize projetos de
infraestrutura, produtiva e social, além dos de fronteira tecnológica, e apoie empresas pequenas e médias nas atividades de investimento fixo, tecnológico e de sustentabilidade ambiental.”
Se o processo de inovação ganhar força e ainda contemplar
as cadeias de valor – como tem feito a Petrobras –, poderá
se tornar o quarto motor do investimento.
Boas perspectivas – Uma voz mais branda e menos crítica aos
caminhos percorridos nos últimos anos pela economia brasileira
aponta os bons resultados auferidos, entre 2003 e 2010, com a
política de expansão do crédito, crescimento da renda e do
emprego da população. O professor Antonio Corrêa de Lacerda,
do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política
da PUC-SP, cita dados otimistas.
Diz que nesse período o Brasil cresceu 4% ao ano, em média,
propiciando a incorporação de cerca de 40 milhões de pessoas à
classe C e a redução pela metade da taxa de desemprego. “As
mudanças mais recentes nas políticas de câmbio e de juros abrem
novas perspectivas para o crescimento da economia. Após dois
anos de crescimento reduzido, tudo indica que retomaremos a
média de 4%, a partir deste segundo semestre.”
Segundo ele, existe um grande mercado consumidor no país,
sendo preciso, no entanto, desenvolver mais a produção local e
ampliar os investimentos. Para isso, “o financiamento de longo
prazo é imprescindível e os bancos de desenvolvimento cumprem um papel crucial, como financiadores, ou, em um futuro
próximo, como formatadores de estruturas de financiamento
envolvendo os financiadores privados”.
“Temos que estimular os instrumentos de mercado, além de
direcionar o crédito público. Para o caso da participação privada,
o novo cenário de taxas de juros básicas mais próximas do padrão
observado nos países em desenvolvimento vai estimular os financiamentos às empresas e aos projetos”, afirma Lacerda.
Em sua opinião, é grande o potencial de ampliação do crédito, especialmente o habitacional, embora admita que não deva se
repetir os últimos cinco anos, quando duplicou o volume de
crédito em relação ao PIB.
Lacerda observa, como os demais economistas, a perda de
dinamismo da indústria, devido ao longo período de câmbio
valorizado, custo de capital elevado e fatores de competitividade
adversos, como tributação e burocracia.
Reconhece que há barreiras estruturais ao aumento da produção e dos investimentos, mas não irremovíveis. Além das
políticas macroeconômicas e de competitividade voltadas para o
desenvolvimento, aponta uma lista de desafios, incluindo a
melhora dos padrões educacionais, da capacidade de inovação, da
gestão pública, com mais transparência e menos corrupção.
Mas não esconde o otimismo: “O Brasil, ao contrário da
maioria dos países do G-20, tem desemprego em queda, redução
da pobreza e melhora na distribuição de renda. Precisamos de
políticas que favoreçam esse processo, em detrimento da especulação e dos lucros fáceis e rápidos que durante tanto tempo foram
proporcionados pela dobradinha câmbio valorizado e juros reais
elevados.”

RUMOS - 21 –Setembro/Outubro 2012
REPORTAGEM
DESENVOLVIMENTO
O
Sistema Nacional de Fomento, capitaneado pela
ABDE, e que reúne os grandes bancos federais, bancos de desenvolvimento regionais e estaduais, além
das agências de fomento e do Banccob, da Finep e do
Sebrae, vem se sedimentando em suas funções de conceder
créditos de longo prazo para investimentos produtivos.
É um conjunto de instituições públicas que têm como
foco principal a atuação em prol do desenvolvimento. O
poder desse sistema pode ser medido pela participação do
BNDES, que financia entre 25% e 30% dos recursos para
aquisição de máquinas e construção de infraestrutura no país.
Portanto, é grande sua importância na formação de capital
fixo, constata o presidente da Associação Brasileira de Bancos de Desenvolvimento (ABDE), Carlos Henrique Horn.
Esse tipo de financiamento é composto metade por
recursos próprios dos empreendedores e a outra metade por
recursos de terceiros. Dessa última metade, o BNDES participa com uma fração em torno de 25%. Há ainda o crédito
tomado no exterior, que pode chegar a 7% ou 8%, debêntures e muito pouco correspondente à oferta primária de ações
no mercado de capitais.
Daí a importância decisiva dessas instituições financeiras
para o investimento produtivo de empresas privadas, cooperativas e infraestrutura. Como há grande diferença entre os tamanhos das instituições, as funções também são diferenciadas.
Em uma ponta, estão os grandes bancos federais (BB,
Caixa e BNDES), que respondem pela maior parcela. Na
outra, há o conjunto de instituições especializadas, como as
agências de fomento, os bancos regionais do Nordeste
(BNB), da Amazônia e do Sul (BRDE), que atuam nas suas
regiões, sobretudo como repassadores de recursos do
BNDES ou de fundos constitucionais, fundos de desenvolvimento regional, ou fundos dos próprios estados.
Esses agentes dão suporte de crédito para investimentos
de empresas de menor porte, distantes geograficamente do
BNDES. Essa seria uma especificidade da malha dos agentes
públicos, diz o presidente da ABDE.
As agências de fomento são instituições criadas no final
dos anos 1990, que ganharam importância nessa última década. Algumas se enraizaram e são plenamente operacionais,
como as de São Paulo, do Rio Grande do Sul, da Bahia, de
Santa Catarina, de Goiás. Outras não conseguiram ganhar
vida operacional efetiva. Existem juridicamente, mas ainda
precisam dar passos no sentido de se tornarem instituições
importantes para o financiamento dos investimentos em seus
estados.
Horn mostra o caminho a ser seguido. O primeiro passo
seria a capitalização. Como essas agências foram criadas com
uma base de capital pequena, os
estados precisam
aportar recursos para capitalizá-las, de forma que possam
se credenciar junto ao BNDES como efetivas repassadoras de recursos.
A segunda condição dessas pequenas agências, ao
passarem a operar efetivamente, é fazer a gestão das operações, ou seja, definir fluxos operacionais de recebimento
de pedidos, análise, contratação, liberação de recursos.
Plano estratégico – No final do ano passado, a ABDE
aprovou um plano estratégico com ações voltadas para as
agências de fomento. Como associação representante
dessas instituições, pode dar suporte, ajudando-as na
formação de recursos humanos, sendo interlocutora junto
ao BNDES, Banco Central e Congresso, nas questões de
seus interesses.
Será elaborado ainda um modelo de Agência de
Fomento, espécie de manual de constituição e boas práticas, com vistas ao crescimento das instituições, adianta
Horn.
“Precisamos fazer com que as relações entre as instituições locais (agências de fomento e bancos de desenvolvimento) e o BNDES, o BB e a Caixa, sejam mais funcionais.
O BNDES, que é o grande provedor do crédito de longo
prazo no Brasil, precisa ter uma relação especial com essa
malha de agentes públicos e cooperativos”, acrescenta.
“O papel do BNDES, como difusor e quase coordenador desse sistema, é absolutamente decisivo. Não haverá
um Sistema Nacional de Fomento efetivo se não houver
uma decisão desse banco em favor da sua constituição.
Quando tudo estiver definido, poderá se dizer que há um
sistema com funcionalidade, operando além do mero
arranjo de tantas agências”, assegura.
Para melhor definir o que é o Sistema Nacional de
Fomento estão sendo promovidas diversas iniciativas,
como um Curso de Desenvolvimento para os associados e
dois workshops na sequência.
“Estamos atravessando um momento na economia
brasileira e mundial, após a crise financeira de 2008, que
requer criatividade nas soluções para os problemas econômicos. Daí a necessidade de formalizarmos essas instituições especializadas no crédito ao investimento”, explica.
O presidente da ABDE cita estudo recente do Banco
Mundial sobre bancos de desenvolvimento no mundo,
segundo o qual essas instituições são mais importantes do
que se imaginava nos anos 1990 e precisam ser fortalecidas.
RUMOS - 22 –Setembro/Outubro 2012
Fernando Maia
ABDE articula Sistema
Nacional de Fomento
Download