O BNDES e a matriz do crescimento Gilmar Mendes Lourenço* O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social ( BNDES ) exerceu papel crucial na estruturação da industrialização por substituição de importações, na implantação da infra-estrutura econômica e social e na consolidação do comércio exterior do Brasil. Desde a sua criação, em 1952, durante o governo Getúlio Vargas, o então BNDE encarregou-se do financiamento às inversões públicas e privadas, com recursos oriundos da cobrança de um adicional sobre o Imposto de Renda e de captações externas. Especial atenção foi dispensada às necessidades de investimentos identificadas como prioritárias pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e pelo Grupo Misto BNDE-Cepal, bases do Plano de Metas da gestão de Juscelino Kubitschek (JK), ou da edificação dos cinqüenta anos em cinco, no intervalo 1956-1960, ancorada na disseminação do emprego de conceitos de planejamento, como pontos de estrangulamento, demanda reprimida, demanda derivada, pontos de germinação, dentre outros. A atuação da instituição também interferiu decisivamente na consolidação das atividades manufatureiras do País no transcorrer do Milagre Econômico, entre 1968 e 1973, intermediando a poupança pública oriunda do FGTS, do PIS e do PASEP, e ao longo do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), na administração do General Geisel, entre 1974 e 1978. O II PND marcou a conclusão do ciclo da segunda revolução industrial no Brasil, graças ao aporte de capitais externos de empréstimo, remunerados a juros flutuantes, e destinados primordialmente à cobertura do acréscimo do parque nacional fabricante de bens de capital e de matérias-primas, com vistas ao atendimento da demanda das estatais de petróleo, energia, siderurgia e telecomunicações. Ademais, as subsidiárias do Banco viabilizaram a alocação de haveres para a promoção da desconcentração da expansão industrial do eixo saturado, polarizado por São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, no sentido do Centro-Sul, com os segmentos intensivos em tecnologia, e do Centro-Oeste, Norte e Nordeste, a partir da exploração da fronteira agrícola e mineral, dominada por grandes empreendimentos estatais e privados. Na década de 1980, a inviabilização dos esquemas de financiamento dos investimentos de longo prazo forçou o Banco a preparar o “Modelo de Integração Competitiva”, uma espécie de cartilha para o cumprimento de algumas etapas na direção da inserção não subordi- ANÁLISE CONJUNTURAL, v.29, n.05-06, p.18, maio/jun. 2007 nada do Brasil no ambiente de acirramento da competição, determinado pela globalização dos negócios. Nos anos 1990, o Banco dedicou expressivo espaço à viabilização do programa de privatizações, principalmente nas áreas de mineração e de telecomunicações, com diminuta participação de grupos privados nacionais, à exceção dos fundos de pensão de funcionários das companhias estatais. Ainda nesse período, a retórica liberal prevalecente nos meios econômicos passou a apregoar o caráter desnecessário da instituição e/ou inibidor do fortalecimento do mercado de capitais, em face das novas modalidades de captação de recursos de terceiros disponíveis. A função do BNDES é de fomento e de complemento das carências financeiras dos setores público e privado Essencialmente, diante das peculiaridades da procura por crédito, a função do BNDES é de fomento e de complemento das carências financeiras dos setores público e privado. Não fosse assim, a instituição não registraria recordes de desembolsos nos últimos doze meses encerrados em junho de 2007, ao lado da duplicação das emissões no mercado de capitais doméstico e externo (principalmente na Bolsa de Nova Iorque). O ativo das companhias com transações em Bolsas no Brasil já supera os ¾ do Produto Interno Bruto (PIB). A confirmação do resgate das atribuições convencionais, atreladas ao desenvolvimento, ainda não parece clara no atual governo, a despeito da manifestação das posturas desenvolvimentistas e/ou menos comprometidas com o pensamento econômico ortodoxo, dos expresidentes Carlos Lessa, Guido Mantega, Demian Fiocca e do atual Luciano Coutinho. * Economista, técnico da equipe permanente desta publicação, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas da UniFAE – Centro Universitário – FAE Business School, Mestre em Gestão de Negócios pela Universidade Federal de Santa Catarina, autor dos livros A economia paranaense nos anos 90: um modelo de interpretação; A economia paranaense em tempos de globalização e Economia brasileira: da construção da indústria à inserção na globalização. O cumprimento dessa missão requer o enfrentamento e superação de alguns obstáculos nada desprezíveis, sobretudo na ausência de uma política industrial sinalizadora por parte do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e acoplada às diretrizes do Ministério da Ciência e Tecnologia e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). O arcabouço atualmente oferecido privilegia a concessão de incentivos fiscais e financeiros às áreas intensivas em inovação e praticamente ignora a necessidade de eliminação da precariedade infraestrutural, restrição clássica do subdesenvolvimento. Contudo, parece certa a premência de certas ações como: a recuperação da natureza ágil na apreciação dos projetos e na liberação dos recursos, notadamente daqueles atrelados às obras de infraestrutura energética e de transportes, contidos no Programa de Aceleração do Crescimento ( PAC); o aumento da participação das pequenas e médias empresas nas carteiras de financiamento às exportações; e o incentivo à maior inserção externa das companhias brasileiras e à atração de empresas transnacionais para a ocupação de brechas na matriz industrial brasileira, particularmente nas áreas de tecnologias de ponta. Ainda que desprovida da defesa da ressurreição do Estado coordenador, indutor, financiador, provedor e mercado das etapas componentes dos cinco decênios da construção da indústria brasileira (1930-1979), afigura-se crucial a deflagração de estímulos a segmentos de vanguarda (informação, comunicação, gestão e processos) e/ou com pronunciadas economias de escala (eletroeletrônica, automobilística), a atividades detentoras de trunfos competitivos naturais ou preparados (especificamente em insumos básicos), a iniciativas de aproveitamento de alternativas energéticas renováveis (álcool e biodiesel) e a ramos mais sensíveis às inflexões da política macroeconômica (intensivos em mão-de-obra). Convém não esquecer que a orientação econômica oficial ainda apresenta feição nitidamente neoliberal, evidenciada pela multiplicação do rentismo determinada pela inserção das empresas produtivas na órbita financeira. ANÁLISE CONJUNTURAL, v.29, n.05-06, p.19, maio/jun. 2007