A experiência da “Plataforma BNDES” e o desafio da participação sobre a política de desenvolvimento João Roberto Lopes Pinto Carlos Tautz Maíra Fainguelernt O objetivo deste trabalho é o de apresentar e refletir sobre uma experiência de participação, a “Plataforma BNDES”, que apresenta a singularidade de buscar incidir sobre a relação que frações da burocracia pública estabelece com agentes econômicos, ou, mais especialmente, sobre políticas de desenvolvimento, distinguindo-se de um outro universo maior de experiências participativas, normalmente voltadas a incidir sobre políticas sociais. Em julho de 2007, trinta representativos movimentos sociais e organizações não governamentais brasileiras entregaram ao presidente do Banco, Sr. Luciano Coutinho, o documento intitulado “Plataforma BNDES”1. Neste documento, as organizações reafirmam a defesa do caráter público do Banco e demandam um redirecionamento do BNDES em favor da justiça social e ambiental 2. No documento estão propostos quatro eixos de ação: implantação de uma política de informação pública; abertura de canais de participação e controle social; adoção de critérios sociais e ambientais nos processos de análise, aprovação e acompanhamento dos projetos; e introdução de novas linhas de financiamento voltadas ao fomento da agricultura familiar e campesina, da diversificação da matriz energética, de infra-estrutura social e de empreendimentos associativos. Conforme o documento, a Plataforma BNDES está voltada não apenas para o exercício do controle social, da mera governança interna do BNDES, mas imbricado com a necessidade de por em evidência pública o papel que o Banco ocupa na formatação de um padrão de produção de riqueza e suas consequências para o aprofundamento das desigualdades. Ao longo do período, pode-se dizer que houve avanços na agenda da transparência, com a abertura de informações, ainda limitadas, no site do Banco. O mesmo não se verificou no caso das propostas de redirecionamento da Política Operacional do Banco. Tal situação levou a alteração da estratégia de negociação e pressão sobre o BNDES. Foi identificada a necessidade de incluir a questão dos “atingidos” pelos projetos financiados pelo Banco, abordando a corresponsabilização do Banco em relação aos impactos e às violações de seus financiamentos sobre os territórios e sobre as populações. Da experiência da Plataforma BNDES pode-se extrair aprendizados e questões para se pensar os próprios desafios e dilemas vividos pela participação social durante o período Lula/Dilma. A tradição da participação social no País esteve voltada, no último quartel do século XX, para a retomada e ampliação, no contexto da redemocratização, de direitos civis e sociais, bem como sua titulação, largamente assegura pela Constituição de 1988. A participação ganha novos contornos com a posterior busca de efetivação destes direitos em espaços de mediação entre poder público e organizações sociais, a exemplo dos conselhos setoriais. Pode-se dizer que a experiência da Plataforma BNDES se inscreve nesta tradição, ampliando o campo da luta por direitos, buscando a promoção de direitos econômicos. A agenda sobre as relações entre as instituições políticas e o poder econômico sempre esteve, nas duas últimas décadas, no horizonte de organizações e movimentos sociais. Contudo, o capitalismo brasileiro se reconfigurou nesses vinte anos, assumindo feições monopolistas e tendo o Estado como parceiro, inibindo e, mesmo, rechaçando as investidas do movimento organizado contra a captura do 1 Veja quais são as organizações e os movimentos www.plataformabndes.org.br . Idem. 2 espaço público pelo interesse privado. Na composição do que foram os dois governos Lula, e do que se mantém no governo Dilma, esteve bastante nítida a diferença entre os ministérios do “andar de baixo”, como os do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário e Desenvolvimento Social, comprometidos com a agenda social e abertos à interlocução com os movimentos sociais, e os ministérios do “andar de cima”, como os da Fazenda, Minas e Energia e Agricultura e o Banco Central, que representam elos de conexão da burocracia estatal com grupos empresariais privados, apartados de toda e qualquer participação. É também verdade que estas mesmas características do Governo Lula/Dilma representaram relativos avanços no sentido da agenda democrática. Ao mesmo tempo, se a maior presença do Estado na economia não tem representado a garantia do interesse público na relação do Governo com os agentes econômicos, tal presença é condição para que se possa avançar em uma agenda democrática. A inédita abertura de ministérios da área social para uma interlocução mais direta com a sociedade civil organizada, por meio da abertura de canais de participação – conselhos e conferências nacionais –, representou a possibilidade de seguir avançando na tradição participativa brasileira em benefício de novas agendas e formulação de políticas públicas, agora também na esfera nacional. Mas é igualmente verdadeiro, que os limites da participação, via conselhos, são dados, especialmente, pelo acesso privilegiado de determinados grupos aos fundos públicos. Outro elemento que emerge da experiência da Plataforma refere-se aos dilemas da participação social em um governo cuja origem se vincula à tradição participativa dos movimentos sociais. Verifica-se, neste caso, um equilíbrio tenso entre a crítica e o diálogo, o enfrentamento e a busca de acordos. No caso do BNDES, quando se propõe incidir sobre este que é o principal financiador do capitalismo brasileiro, as resistências e contradições são ainda maiores e, por conseguinte, menores as possibilidades de efetividade da participação.