Do global ao local: a perspectiva econômica do

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Do global ao local: a perspectiva econômica do desenvolvimento rural1
Norma Kiyota
Resumo
A economia nacional não consegue se organizar considerando apenas os fatores internos
do Brasil. Na verdade, cada vez mais o país parece apenas uma pequena peça de um grande jogo
global, onde as correlações de poder econômico ditam quais são os próximos movimentos da
economia brasileira. Neste quadro extremamente complexo é que se insere a conjuntura
econômica do meio rural brasileiro, isto faz com que seja necessário compreender os movimentos
da economia no país e no mundo para pensar no desenvolvimento rural, isto é, perceber até que
ponto e como esta conjuntura econômica interfere no dia-a-dia das famílias de agricultores que
vivem neste meio rural. Então, para se buscar o entendimento de alguns movimentos da
economia brasileira, inicia-se com uma pequena incursão por alguns conceitos e análises sobre a
economia brasileira e mundial. Posteriormente, são discutidas algumas perspectivas colocadas
para a economia brasileira e finalmente, faz-se a análise do desenvolvimento rural inserido nesta
conjuntura econômica. O estudo conclui que o processo de financeirização que domina a
movimentação econômica do mundo, com a sua ânsia pela liquidez, não poderia obter outro
produto que não fosse o aprofundamento das diferenças sociais, aumentando o fosso que separa
os mais pobres daqueles que a cada dia acordam mais ricos. Assim, quando se analisa a
conjuntura econômica brasileira nesta perspectiva fica difícil visualizar uma luz no final do túnel,
E isto se aprofunda quando se pensa no desenvolvimento rural, onde há uma grande maioria que
nunca foi apontada como prioridade nas estratégias de desenvolvimento do país, apesar de
sempre ajudar a sustentar estas estratégia, e que precisa deste aporte para produzir mais,
assegurar a segurança alimentar, manter os recursos naturais e a identidade deste país, produzir
empregos, exportar e mais uma série de funções que são colocados para aqueles que dinamizam o
meio rural brasileiro.
Palavras-chave: financeirização, conjuntura econômica e desenvolvimento rural
INTRODUÇÃO
Qual a importância de um escândalo empresarial ocorrido na Itália para os agricultores
brasileiros? Se esta questão fosse realizada num passado não muito distante, provavelmente, a
resposta dada num tom bastante tranqüilo seria: “nenhuma”. Hoje, a crise no grupo Parmalat está
deixando milhares de produtores de leite brasileiros sem dormir por não saber o futuro do destino
de sua produção.
Este é apenas mais um exemplo de que a economia mundial realmente está integrada num
sistema onde, a economia nacional não consegue se organizar considerando apenas os fatores
internos do Brasil. Na verdade, cada vez mais o país parece apenas uma pequena peça de um
1
O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Tecnológico –CNPq – Brasil.
grande jogo global, onde as correlações de poder econômico ditam quais são os próximos
movimentos da economia brasileira.
Neste quadro extremamente complexo é que se insere a conjuntura econômica do meio
rural brasileiro, isto faz com que seja necessário compreender os movimentos da economia no
país e no mundo para pensar no desenvolvimento rural. Isto é, perceber até que ponto e como esta
conjuntura econômica interfere no dia-a-dia das famílias de agricultores que vivem no meio rural
brasileiro.
Entretanto não se pode esquecer que o meio rural brasileiro é bastante heterogêneo, e que
há diferentes realidades que precisam ser consideradas no momento de pensar em propostas de
políticas que objetivem o desenvolvimento rural. Aliás, muitas agências de desenvolvimento já
perceberam que o mais interessante e que traz melhores resultados é, além de ter sensibilidade
para estas diferenças, ouvir os anseios que as famílias rurais têm. Afinal de contas, ninguém
conhece melhor as suas dificuldades e potencialidades do que os próprios agricultores.
Então, para se buscar o entendimento de alguns movimentos da economia brasileira,
inicialmente será feita uma pequena incursão por alguns conceitos e análises sobre a economia
brasileira e mundial. Posteriormente, será discutido algumas perspectivas colocadas para a
economia brasileira e finalmente, faremos uma análise do desenvolvimento rural inserido nesta
conjuntura econômica.
1. CONJUNTURA ECONÔMICA NO BRASIL E NO MUNDO
O principal objetivo da economia capitalista é produzir dinheiro, isto é, o produto
desejado em todas as movimentações econômicas ocorridas no mundo é o dinheiro, sendo este
prioridade perante todas as outras formas de acumulação. E este “desejo compulsivo por esta
abstração”2 traz uma muliplicidade de implicações ao desenvolvimento econômico e à própria
sociedade. Segundo Belluzzo (1998, p. 189) “o crescimento espetacular da riqueza financeira e o
desenvolvimento correspondente de mercados sofisticados e abrangentes, destinados à avaliação
diária dessa massa de riqueza mobiliária, estão afetando de forma importante o comportamento
do investimento, do consumo e também do gasto público”
Este fato ajuda a entender muitas das questões colocadas para o desenvolvimento nacional
e internacional. Iniciando pelo fato, talvez o mais pernicioso, de que o dinheiro não precisa ser
“produzido”, isto é, não é necessário tempo real de trabalho para a sua “produção”, assim esta
“abstração” não gera empregos. Isso dá indícios do porque a taxa de desemprego é tão alta no
Brasil e em quase todos os países do mundo, não havendo perspectivas de solução econômica
para este problema nem a longo prazo.
A segunda questão é muito próxima à primeira, como o dinheiro não precisa ser
produzido, aqueles que o possuem, preferem fazer movimentos apenas financeiros, sem fazer
investimentos no setor produtivo, precarizando cada vez mais o desenvolvimento econômico dos
países. Sayad (2003) afirma que “o dinheiro concorre com o consumo e o investimento”, e se
estes não ocorrem não há movimentação de dinheiro por diferentes mãos, assim não ocorre a
dispersão deste recurso que permanece se multiplicando nas mãos dos seus portadores iniciais.
Isto somado com o desemprego, ajuda a explicar tanta abundância de poucos e ao mesmo tempo,
tanta miséria de muitos. Segundo o mesmo autor (SAYAD, 2003) devido a estes fatores “nós
perdemos uma geração que foram para o desemprego e ficaram”.
2
Expressão utilizado por João Sayad (SAYAD, 2003).
2
Este desejo compulsivo por esta “abstração” chamada dinheiro, sofre oscilações em
períodos em que ocorre a inflação, pois nestes períodos o dinheiro perde um pouco do seu poder
atrativo, pois o seu poder de compra é rapidamente perdido, fazendo com que seja mais
interessante investir em produtos “menos fluídos”. Talvez, isto explique a ojeriza que muitos têm
frente a simples indícios de inflação. Entretanto, em períodos com economia estável e juros altos
o desejo pelo dinheiro está no auge, fazendo com que haja poucos investimentos no setor
produtivo, e em consequência, o desenvolvimento econômico é quase inexistente.
Nesta questão é interessante lembrar do Plano Marshall, acordo realizado após a Segunda
Guerra Mundial em Bretton Woods, quando se acertou a permanência dos juros em níveis mais
baixos incentivando os investimentos para a reconstrução da Europa e Japão. Isto aliado à
paridade fixa entre as moedas e a autonomia das políticas monetárias internacionais, permitiu um
inacreditável desenvolvimento e redistribuição de riqueza entre as classes nos países centrais, e
entre um número significativo de países que chegaram a crescer a taxas médias anuais superiores
às das economias desenvolvidas (FIORI, 2000b e SAYAD, 2003).
A política econômica brasileira está mantendo a estabilidade econômica e os juros altos,
que estão sendo baixados muito lentamente. Isto somado com o exorbitante valor necessário para
pagar as amortizações da dívida externa e interna, que se multiplicam assustadoramente nesta
conjuntura de juros altos, faz com que o crescimento econômico esperado em 2004 seja de
aproximadamente 3,5%, que é considerado quase inexistente após um ano como 2003, onde este,
praticamente, foi negativo (SAYAD, 2003).
Outro fator que deixa o Brasil extremamente fragilizado perante qualquer movimento
externo é o baixíssimo nível de suas reservas, que está com aproximadamente dezenove bilhões
de dólares, sendo que cinco bilhões não podem ser usados pelo acordo firmado com o Fundo
Monetário Internacional. Este valor comparado a outros países como a Rússia com sessenta
bilhões, a Coréia com setenta bilhões, a China com trezentos bilhões e o Japão com mais de
quinhentos bilhões de dólares deixa claro que o valor das reservas do Brasil significa muito
pouco, no sentido de garantir certa segurança para a sua economia (CASTRO, BARROS,
BELLUZZO, 2003). E como os níveis de exportação ainda são muitos baixos, e o país precisa de
dólares para pagar a dívida externa, só há duas saídas para isso, emitir moedas ou títulos, mas
ambas as soluções aumentam ainda mais a dívida interna e a inflação.
Outra questão importante nesta discussão são as importações. Quando há incentivo para
maiores investimentos, ocorre a busca por tecnologias mais produtivas, que fazem com que a
produtividade cresça, e isto geralmente leva às importações de diversos produtos, desde à
tecnologia propriamente dita, passando por maquinários e equipamentos, até aos mais
elementares componentes da área de produção. Este quadro amplia a necessidade de conter a
volatibilidade cambial que foi realidade nos últimos anos e continua sendo no momento, pois isto
dificulta e acrescenta muitos riscos às negociações realizadas em dólar com os agentes externos.
Belluzzo (CASTRO, BARROS, BELLUZZO, 2003, p. 25) é enfático ao afirmar que “a questão
não é só o nível da taxa de câmbio, mas impedir que ela flutue desse jeito. Às vezes flutua dois
pontos no mesmo dia, e isso é inacreditável: ninguém tem taxa de câmbio flutuante assim, a não
ser países desenvolvidos que têm moeda de fato conversível e mercado futuros de hedge muito
importantes. Não é o nosso caso: temos que ter taxa desvalorizada e com o mínimo de
estabilidade”. O autor cita o exemplo da China: “em 1994 a China desvalorizou o remimbi,
cotado em 8,23, e durante esse tempo todo o remimbi oscilou apenas entre 8,23 e 8,28”.
Neste momento todos são unânimes na necessidade de aumentar as exportações. Inclusive
muitos estão animados com as perspectivas apresentadas devido ao sucesso atingido na
diversificação de mercados e produtos. Segundo Mendonça de Barros (CASTRO, BARROS,
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BELLUZZO, 2003) isso tem a ver com o tamanho, a profundidade e a diversificação da base
produtiva brasileira. Entretanto, ele mesmo alerta, além da questão do câmbio, há a necessidade
de investimento em infra-estrutura, pois senão daqui a um ou dois anos esta vai começar a limitar
a expansão das exportações. Outros economistas são bem mais pessimistas, entre estes se
enquadra Tavares (2000, p. 487) que afirma que “as exportações estão baseadas em commodities
agrícolas e industriais que não reagem às desvalorizações, dada a situação internacional e o
excesso de oferta de países concorrentes na América, na Ásia e na Oceania”.
Outro fator visto com grande pessimismo é o mercado interno. Este encolheu muito nos
últimos dez anos, especialmente o de bens de consumos duráveis, que teve uma clara retração a
partir de 1997, quando todo o ganho de salário real derivado da estabilização foi sendo erodido
(CASTRO, BARROS, BELLUZZO, 2003). Pinheiro Neto (2004) afirma, que segundos dados
oficiais foi perdido 15% do poder aquisitivo só em 2003. Este é o argumento utilizado por
Tavares (2003, p. 71), quando esta afirma corretamente que “é evidente que não podemos fazer
uma trajetória de crescimento sustentável por consumo de massas. Não temos as massas. Não
temos renda. Não temos emprego. Nós só temos 20% da população que tem acima de R$ 600,
então não dá. Temos de subir a renda mediana. Para chegar a ter um mercado de consumo de
massas crescente, você vai ter de subir o patamar do salário mínimo e aproximar a renda mediana
dos de baixo da dos de cima”.
Além disso, seria necessário pensar na viabilização de crédito para os investimentos e
para a comercialização, para que estes não precisassem buscar o crédito externo que tem um
custo muito mais elevado para o investidor e também, para o país. Mendonça de Barros
(CASTRO, BARROS, BELLUZZO, 2003, p. 11) afirma “também acho indispensável termos
algumas inovações na área de financiamento de comércio, na qual estamos muito atrasados”. E
dá um exemplo “a Tramontina vende talheres para a Wal-Mart em Chicago – e como esse
comércio é financiado? Um banco dos Estados Unidos dá um crédito para o Bradesco, que dá um
crédito para a Tramontina, que dá um crédito para a Wal-Mart. Temos o absurdo de dois steps e a
Tramontina está dando crédito para a maior loja de departamentos do mundo! Isso porque não
conseguimos ter estruturas de financiamento, o que é muito conveniente para o sistema bancário,
que cobra spreads muito “simpáticos” do ponto de vista dos seus balanços”.
Estas questões são vitais para se pensar a retomada do desenvolvimento econômico
brasileiro e a necessidade de ampliar investimentos em infra-estrutura, produção e
comercialização. Dentro disso, é importante lembrar também da necessidade de aprimorar a
estrutura para a inovação tecnológica e a formação do capital humano para alavancar o
desenvolvimento do país.
A partir desta análise do desenvolvimento econômico brasileiro inserido na conjuntura
internacional globalizada, pode-se perceber uma certa crítica – não tão velada assim – sobre a
“ortodoxia” das políticas econômicas adotadas nos últimos anos, onde se priorizou a estabilidade
econômica da moeda em detrimento do desenvolvimento econômico do país. Esta forma de
organizar a economia do Brasil, bastante aplaudida pelas agências internacionais de
financiamento, não parece que vai sofrer mudanças radicais nos próximos anos e isto, faz com
que as perspectivas do desenvolvimento econômico apontadas por vários economistas não sejam
tão promissores, como poderá ser verificado no próximo segmento.
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2. PERSPECTIVAS DA ECONOMIA BRASILEIRA
Completado o primeiro ano do mandato do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, as
políticas adotadas neste período se tornaram um “prato cheio” para acirrar as discussões como
pôde ser verificado no segmento anterior deste estudo, e assim, a partir destas análises, iniciou-se
um debate ainda mais fervoroso sobre as perspectivas apontadas como conseqüência desta
políticas e/ou pela sua continuidade.
Assim, neste segmento serão destacados os depoimentos de alguns analistas, que apesar
de em alguns momentos apresentarem algumas divergências, no geral apontam para um cenário
bastante semelhante. Lembrando que este “cenário” é montado a partir das tendências apontadas
pelas políticas econômicas nacionais e internacionais, algum movimento maior e inesperado da
economia mundial, pode trazer conseqüências, também, imprevisíveis. Entretanto, algumas ações
de menor repercussão já estão consideradas nas perspectivas apontadas no momento.
Iniciar-se-á com o maior questionamento colocado para a política econômica do governo
brasileiro, isto é, a “ortodoxia” de suas propostas econômicas.
No debate político em vários
países centrais ou periféricos, volta-se a questionar a obsessão antiinflacionária dos bancos
centrais e muitas lideranças e economistas mundiais já assumem explicitamente a defesa de
políticas econômicas que priorizem o aumento da produção e do emprego (SAYAD, 2003;
DUPAS, 2003; FIORI, 2000a). Segundo Fiori (2000a, p. 11) estas novas posições políticas são
oriundas do reconhecimento da impotência das políticas ortodoxas para enfrentar os efeitos da
convulsão financeira que vem projetando sobre este milênio um horizonte de incertezas com
relação aos países centrais e de pessimismo em relação às perspectivas econômicas da periferia
capitalista. Assim, a maioria dos analistas prevê uma desaceleração do crescimento europeu e
norte-americano, uma recessão acelerada no Leste Asiático e uma regressão econômica
gigantesca na Rússia. Além de um novo período de estagnação na América Latina, incluindo o
Brasil.
Esta temática, iniciada no item anterior, é o cerne de um debate onde se verifica a
expectativa de mudança que permeou toda a transição governamental de 2003, onde não apenas
os brasileiros, mas os agentes econômicos do mundo todo ficaram em suspense, esperando qual
seria a postura do novo governo em sua política econômica. A trajetória de uma quase
continuidade nas políticas adotadas pelo governo anterior, trouxe alívio para alguns e uma certa
decepção para outros, que apontam que o atual presidente tinha respaldo político suficiente para
fazer frente a algumas determinações dos agentes internacionais, como o próprio Fundo
Monetário Internacional – FMI. Entretanto, o país estava num clima de insegurança, não só
econômica mas também política muito grande, assim, o novo governo optou em ampliar a sua
base política à tomar medidas que pudessem fragilizar ainda mais a estrutura econômica do país.
Antonio Barros de Castro (CASTRO, BARROS e BELLUZZO, 2003, p. 4-6) é um, que
pelo contrário, se mostra um tanto otimista. Para este autor, o Brasil está progressivamente
reunindo condições para sair deste quadro de não crescimento, e para justificar este otimismo ele
apresenta algumas observações. A primeira é sobre a capacidade de crescimento da indústria
reestruturada, segundo o autor, “houve uma profunda reestruturação empresarial nos anos 1990,
porém, o fôlego dessa economia reestruturada sempre foi asfixiado por cortes abruptos de
demanda devidos a ameaças de crise cambial, de escassez de energia e até mesmo de retomada de
inflação”. Assim, o autor afirma que o seu potencial de crescimento resultante desta
reestruturação não foi efetivamente testada, pois “não vê nenhum sinal de que a competitividade
ou a capacidade instalada industrial freariam a economia”.
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Porém, Mendonça de Barros e Belluzzo (CASTRO, BARROS, BELLUZZO, 2003)
rebatem que esta reestruturação foi bastante heterogênea. Há setores mais associados a
exportações, como a agropecuária, setor automobilístico, minérios e metais e a cadeia de petróleo
que investiram e continuam investindo, mas há outro grande grupo, principalmente de pequenas e
médias empresas, que está numa situação muito mais complicada. Além daquelas que há muito
tempo não fazem investimentos, há algumas que chegaram a investir, mas como o mercado
encolheu – principalmente o mercado interno -, a taxa de juros esteve e continua muito alta e
houve um crescimento da carga tributária, estas também não estão conseguindo enfrentar este
quadro adverso e se manterem no mercado.
A segunda observação de Castro é sobre seu descrédito em relação à opinião amplamente
difundida de que se a economia crescer o balanço de pagamentos logo impõe um teto, pois o
saldo comercial logo desaparece. Para embasar este argumento ele faz um rápido raciocínio em
termos empíricos. “Vamos supor que 2003 feche com US$ 70 bilhões de exportações e 50
bilhões de importações. Consideremos ainda que em 2004 a economia cresça 4% e a indústria
7%, o que me parece plausível. O que vai acontecer então? Disparam as importações, que
crescem 20%. Sobre 50 bilhões, esses 20% implicam uma perda de 10 bilhões na balança
comercial”. Para burlar a crise cambial Castro argumenta que paralelo ao crescimento das
importações decorrentes do crescimento da economia, haverá também o crescimento das
exportações, pois “há muitos indícios de que as empresas estão incorporando as exportações em
suas estratégias, além do notável êxito na diversificação regional e de produtos e dado que ainda
se está retomando o comércio internacional”. Assim, ele conclui que no máximo o saldo de
balança comercial poderia cair um pouco, o balanço de transações correntes continuaria próximo
do equilíbrio e a retomada tenderia a atrair mais recursos, favorecendo o movimento de capitais
(CASTRO, BARROS, BELLUZZO, 2003, p. 5).
Entretanto, Tavares (2000, p. 486-487) não é tão otimista, segundo a autora “pela primeira
vez na história do capitalismo brasileiro, não temos modelo de crescimento, nem “para fora“ nem
“para dentro”, compatível com o “encilhamento” financeiro em que nos metemos desde a crise da
dívida externa do início da década de 80, agravada pela liberalização financeira e comercial. Não
há nenhum “ajuste automático” de balanço de pagamentos possível, qualquer que seja a política
cambial, uma vez que a estrutura de comércio exterior é desfavorável a uma inserção comercial
dinâmica”.
Mendonça de Barros (CASTRO, BARROS, BELLUZZO, 2003, p. 13) complementa
considerando que “se não há dúvida de que iremos retomar o crescimento, eu não seria tão
otimista com relação à velocidade. Acho que um pedaço do saldo comercial de exportações
desaparece, pois a exportação diminui se voltarmos a crescer, de modo que sou muito mais
cauteloso em relação ao saldo comercial resultante de crescimento”.
A terceira observação é relacionada ao câmbio, segundo Castro (CASTRO, BARROS,
BELLUZZO, 2003, p.6), “o Brasil deve, sim, monitorar o câmbio, e dispõe recursos para isso,
sobretudo no curto prazo, para impedir valorização forte”. Havendo a entrada de capitais, em
conseqüência deste monitoramento do nível e da flutuação da taxa de câmbio, o país poderia,
posteriormente, ter uma política industrial e tecnológica que possa gerar mais flexibilidade e
criatividade nas empresas, com políticas mais agressivas para a conquista de mais mercado. E
segundo Mendonça de Barros, além disso, daria maior segurança às empresas mais fragilizadas
financeiramente, que precisam fazer um preço em dólar antes do ACC – Adiantamento sobre
Contrato de Câmbio, e com a taxa de câmbio estabilizada isto deixaria de ser um risco
(CASTRO, BARROS, BELLUZZO, 2003).
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Apesar desta opinião sobre a taxa de câmbio ser apontada por muitos, percebe-se que o
nível pode ser monitorado parcialmente, mas não há muitos indícios do controle de sua flutuação.
Isto faz com persista um alto nível de insegurança nas negociações, que continuará
comprometendo as importações e exportações.
Na temática do emprego, as perspectivas a curto prazo são praticamente nulas. E a longo
prazo, esta é colocada como uma questão em que os economistas não tem muito a dizer, pois
consideram que uma das poucas possibilidades de gerar emprego, mesmo com o crescimento da
economia, seria com grandes investimentos na área de infra-estrutura, pois a capacidade da
indústria de gerar emprego é bastante limitada. Assim, o desemprego somente poderá ser
enfrentado com investimentos públicos na área social, e estes investimentos poderão ser
resultantes da carga tributária oriunda da economia em crescimento (CASTRO, BARROS e
BELLUZZO, 2003).
Assim, percebe-se que as perspectivas não apresentam, num período vislumbrável,
alguma esperança de que o maior dos pecados deste processo de financeirização seja, pelo
menos, minimizado, isto é, que ocorresse uma aproximação mínima entre as rendas dos mais
pobres e a dos mais ricos. Segundo Belluzzo (2000, p. 115) o desenvolvimento capitalista parece
dar guarida à idéia de Arrighi de que a predominância do capital financeiro sinaliza o outono dos
ciclos de expansão. (...). A “financeirização” e a correspondente valorização fictícia da riqueza,
como nunca, vêm subordinando a dinâmica da economia. (...) no processo de acumulação
capitalista estão estruturalmente implícitas as necessidades de concentração e centralização dos
capitais sob o comando da autonomização crescente do capital a juros, ou seja, com o domínio
cada vez maior do sistema de crédito sobre a órbita mercantil e produtiva. Para revolucionar
periodicamente a base técnica, submeter massas crescentes de força de trabalho a seu domínio,
criar novos mercados, o capital precisa existir permanentemente de forma ‘livre’ e líquida e ao
mesmo tempo, crescentemente centralizada”.
Assim, o processo de financeirização traz consequências ainda mais nefastas quando
pensamos no desenvolvimento rural, que objetiva um segmento da população intrinsecamente
ligado à produção.
3. PENSANDO O DESENVOLVIMENTO RURAL NA CONJUNTURA ECONÔMICA
ATUAL
O desenvolvimento rural, segundo Navarro (2001, p. 6) “diferencia-se por uma
característica específica, qual seja, trata-se de uma ação previamente articulada que induz (ou
pretende induzir) mudanças em um determinado ambiente rural. Em conseqüência, o Estado
nacional, ou seus níveis sub-nacionais, sempre esteve presente à frente de qualquer proposta de
desenvolvimento rural, como seu agente principal, por ser a única esfera da sociedade com
legitimidade política assegurada para propor (e impor) mecanismos amplos e deliberados no
sentido da mudança social, o Estado funda-se para tanto em uma estratégia pré-estabelecida,
metas definidas, metodologias de implementação, lógica operacional e as demais características
específicas de projetos e ações governamentais que tem como norte o desenvolvimento rural”..
O autor complementa dizendo que o conceito de desenvolvimento rural, normalmente,
nunca deixa de destacar como objetivo final a melhoria do bem estar das populações rurais.
Entretanto, altera-se ao longo do tempo, influenciado por diversas conjunturas e, principalmente,
pelos novos condicionantes que o desenvolvimento mais geral da economia e da vida social
gradualmente impõem às famílias e às atividades rurais.
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Neste sentido, o Brasil apresenta duas estratégias para o desenvolvimento rural. A
primeira estratégia, de caráter setorial, visa maximizar a competitividade do chamado
agribusiness. Nesta, o segmento primário tem a missão de minimizar os custos de produção e da
transação de gêneros e matérias-primas. A continuidade da cadeia é formada por indústrias de
transformação, exportadores, atacadistas ou centrais de compras das redes de varejo. A redução
de custos exige uma corrida tecnológica que impõe a especialização dos estabelecimentos
agrícolas, tornando excedente a maior parte da mão-de-obra não qualificada (VEIGA, 2001).
A segunda estratégia, diversificação das economias locais, visa maximizar as
oportunidades de desenvolvimento humano em todas as regiões rurais do país e se adequa mais à
realidade da agricultura familiar. No lugar da especialização, propões a diversificação das
economias locais, a começar pela própria agropecuária e incluindo outras atividades não
necessariamente agrícolas. Esta diversificação dá às famílias a possibilidade do exercício de mais
de uma atividade de geração de renda e/ou remunerada, e o aumento da produtividade do trabalho
em cada uma destas atividades é buscada através da incorporação de tecnologias adequadas. As
famílias vão se tornando mais pluriativas quanto mais aumenta a produtividade do trabalho em
cada uma de suas atividades pela incorporação de tecnologias adequadas. A pluriatividade
favorece a industrialização difusa e a descentralização de serviços sociais, para empresas e
pessoais, tendo como conseqüência a absorção local da mão-de-obra (VEIGA, 2001).
Estas duas estratégias vêm sendo implementadas em todo Brasil e de acordo com Veiga
(2001, p.7) “é improvável que essa ambivalência estratégica desapareça a curto prazo”. Por este
motivo, a atitude mais construtiva é promover um "entendimento" entre as propostas, que “não
irá conseguir colocá-los numa mesma orquestra, mas poderá ajuda-los a evitar as disputas mais
nocivas e investir nas questões que permitem sinergias”.
Assim, torna-se importante o esclarecimento de algumas controvérsias que dificultam a
compreensão e a elaboração de estratégias de desenvolvimento rural.
A primeira questão a ser esclarecida é sobre o que se convenciona chamar de rural e
urbano. Neste enfoque, o fato das atividades primárias estarem mais presentes nas zonas rurais
não significa que as secundárias e terciárias sejam urbanas. Segundo Veiga (2002) em vários
países o emprego industrial é mais significativo nas regiões rurais. Os espaços rurais que
permaneceram exclusivamente agrícolas foram os que menos favoreceram o dinamismo regional,
mesmo exibindo altíssimos níveis de "eficiência". Regiões rurais com elevadíssimas rendas per
capita e monocultura, muitas vezes apresentam baixa densidade demográfica, problemas
ambientais de degradação e contaminação e ausência de estabelecimentos comerciais e de
serviços como escolas, hospitais, agências bancárias, etc. Observa-se, na prática, que os
territórios mais dinâmicos são os que atraem pessoas de classe média, que demandam atividades
culturais, estrutura de serviços e atividades relacionadas à preservação da natureza como
diversidade paisagística, água limpa e ar puro. Assim, podemos pensar que um determinado
território terá um futuro tanto mais dinâmico quanto maior for a capacidade de diversificação da
economia local, favorecida pela sinergia entre rural e urbano.
Veiga (2001) afirma que a renda agrícola pode ser um bom indicador da condição de
sobrevivência de produtores especializados, vulneráveis à queda de preço. Por outro lado, os
agricultores familiares, que raramente se especializam, não dependem apenas da renda de um
produto, exercendo outras ocupações agrícolas e/ou não agrícolas. Por isto, é um engano supor
que a renda familiar deste tipo de agricultor coincida com a renda agrícola de seu
estabelecimento.
O local de residência muitas vezes têm desclassificado potenciais beneficiários de
programas públicos, pelo fato de não residirem no local de produção. Porém, análises do Censo
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Agropecuário de 1995/96 demonstram que quanto menor for a renda da lavoura, maior é a
tendência de se morar na sede do município na busca de alternativas de renda, compondo um
misto de atividades rurais/agrícolas e urbanas (VEIGA, 2001).
Assim, neste segmento analisar-se-á algumas questões referentes ao desenvolvimento
rural, através dos conceitos e análises da economia realizados, anteriormente, num plano mais
amplo do desenvolvimento econômico brasileiro. Iniciando por um dos pontos já comentado nos
segmentos anteriores, as exportações.
Segundo Mendonça de Barros (CASTRO, BARROS, BELLUZZO, 2003, p. 11) pensando
nas exportações de produtos agropecuários, “a agricultura é hoje um player que incomoda, e a
partir da reunião da OMC em Cancún, certamente o Brasil será muito atacado, isto exige então,
uma adaptação de estratégias de comércio exterior”, pois se acirra a concorrência com outros
países que têm poderes econômicos muito bem estabelecidos, como o próprio Estados Unidos
que têm uma pauta de produção agropecuária com muitos produtos coincidentes com a pauta
brasileira.
Isto começa a ser realidade em relação a produtos específicos, entretanto, estes produtos
agropecuários que compõem a pauta de exportações brasileira são oriundos de uma agricultura
mais industrializada e empresarial relacionada com a primeira estratégia, tendo reflexos restritos
na melhoria de vida da grande maioria das famílias que compõem o meio rural brasileiro. Estes
produtos trazem retornos muitos pequenos por área, e como a agricultura familiar possui apenas
30,5% sobre a área total, apesar de corresponder a 85,1% do total de estabelecimentos do Brasil
(MDA/Incra/FAO, 2000), esta pauta contém produtos produzidos pela agricultura familiar, mas
estes ocupam áreas muito pequenas em seus estabelecimentos, não trazendo os reflexos esperados
para a melhoria da vida no campo.
Entretanto, quando se fala em desemprego os dados disponíveis sobre a agricultura
familiar já demonstraram que esta é uma grande geradora de emprego, além de ter os custos
muito mais baixos do que os empregos induzidos no meio urbano. O entrave está no fato que,
diferentemente de outros países como Japão, Coréia, Itália, entre outros, o Brasil ainda não fez a
sua reforma agrária. Isto impede a propriedade da terra e como disse Delfim Neto: “se o sujeito
não tem propriedade, não tem crédito e, não tendo crédito, não faz nada” (DELFIM NETTO &
BELUZZO, 2003).
Outro fator que dificulta a manutenção dos jovens no meio rural, é a ausência de linhas de
crédito para investimentos em atividades diferenciadas que objetivem uma maior agregação de
valor ao produto agrícola ou não-agrícola. Hoje, os jovens e as mulheres podem solicitar crédito
em seu nome - mesmo que não sejam eles os chefes do núcleo familiar - através do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf., entretanto, os recursos liberados,
até o momento, são muito reduzidos, não sendo suficientes para alterar a realidade destes jovens.
Além disso, são necessários maiores investimentos em infra-estrutura para o meio rural.
Enquanto a educação, saúde, habitação, transporte, lazer, entre outras áreas forem pensadas para
privilegiar apenas o setor urbano, fica muito difícil a permanência destes no campo. Esta é uma
das questões que podem ser melhoradas com políticas econômicas, mas que precisam vir
acompanhadas por políticas sociais, também.
Isto demonstra que não há uma política voltada para o desemprego como ocorre em
países em desenvolvimento como a Coréia, Índia, China, Vietnã, entre outros. O Vietnã é um dos
países que está investindo muito nisso e é considerado um dos países com o maior potencial
econômico, tanto que, hoje ele é o maior produtor de café do mundo, sendo que há pouco tempo
atrás nem se sabia que ele cultivava este produto (DELFIM NETTO & BELUZZO, 2003).
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Outra questão, que é importante na temática do desemprego e também para o
desenvolvimento rural como um todo, é a necessidade de capacitação de todos os segmentos para
estes serem competitivos, mas o que ocorre atualmente é que apenas alguns setores mais
interessantes para os grandes grupos econômicos é que têm recursos para investir em inovação,
pois a inovação incorre em muitos riscos e este não vão investir em segmentos que não lhes
interessam. Assim, para estes segmentos marginalizados, quer dizer, que não utilizam práticas da
agricultura “mais industrializada”, é necessário que haja investimentos públicos tanto para a
pesquisa como para a extensão (POSSAS, 2003).
No processo de reconversão para novas atividades, tem que se considerar com muita
atenção o mercado consumidor deste novo produto. O mercado interno brasileiro tem
“encolhido” nos últimos anos, pois o poder de compra dos salários estão cada vez menores, além
do elevado nível de desemprego que coloca um número cada vez maior de famílias em níveis
extremamente precários de vida. Entretanto, ainda é este o mercado que é e deve ser objetivado,
principalmente pela agricultura familiar, nas incursões iniciais em novas atividades e isto se deve
a uma série de razões. Inicialmente, porque é este mercado que os agricultores conhecem melhor
e que podem dar um retorno sobre as potencialidades e deficiências de seu produto. Segundo
porque as quantidades produzidas inicialmente, em geral, não são suficientes para um contrato de
exportação. Terceiro, não há crédito para cobrir os custos adicionados pelo processo de
exportação (embalagem, certificação, burocracia, etc.). Quarto, caso haja algum problema em
alguma etapa deste processo, o agricultor não tem condições de arcar com esta frustração
econômica. Lembrando que, mesmo que esta atividade seja assumida por um coletivo de
famílias, estes condicionantes permanecem, pois a capacidade de investimento destas ainda é
muito baixo para fazer frente a uma estratégia de exportação (KIYOTA, 1999).
Então quando se pensa em mercado externo, prioriza-se a agricultura mais especializada
baseada em commodities. Entretanto, para a agricultura mais diversificada, apesar da perda do
poder aquisitivo da população brasileira, ainda há espaço no mercado interno para um produto
que atenda segmentos específicos da sociedade. Estes segmentos de mercado podem ser criados
através da “construção” de uma demanda como os produtos originados de algumas regiões que
fazem a diferença como os vinhos da Serra Gaúcha, a cachaça mineira, os doces de Pelotas ou de
regiões de Minas Gerais e Goiás, os produtos coloniais, etc. E podem também, responder à busca
de muitos consumidores por produtos mais saudáveis, como os orgânicos ou os que passam por
processamentos mais naturais como o açúcar mascavo, os sucos naturais, etc. E neste sentido, há
outro segmento de mercado que, se houver investimento em tecnologia, poderia ser ampliado
com produtos nacionais, que são os produtos funcionais. Isto é, produtos que podem agregar
algum benefício à saúde além do próprio valor nutricional, que já podem ser vistos nos
supermercados indicados para reequilibrar a flora intestinal, para prevenir problemas do coração,
etc.
Esta discussão de mercado nos leva às discussões que estão ocorrendo em relação à Área
de Livre Comércio das Américas – ALCA., onde o Brasil está frente a uma grande negociação.
Isto é, será que o país tem condições de sentar numa mesa de negociações e trazer respostas
positivas para seu setor produtivo, quando nesta mesma mesa estão países com diferentes
condições econômicas e entre estes se encontra os Estados Unidos, que além de ser a economia
mais poderosa do globo, têm uma pauta de produtos muito semelhante a do Brasil?
Alguns argumentam que isto facilitaria o acesso ao mercado financeiro, atraindo mais
investimentos externos, encurtaria o acesso à fronteira tecnológica, diminuiria a probabilidade de
aplicação e medidas anti-dumping pelos Estados Unidos e Canadá, etc.; mesmo assumindo que
poderiam ocorrer vários riscos como: a preservação das barreiras comerciais e políticas, de
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desequilíbrio comercial, de penetração danosa de empresas em setores hoje protegidos, além de
colocar em risco os exercícios de integração sub-regionais como o próprio Mercosul
(BAUMANN, 2003). Enfim, as negociações ocorridas tanto em relação à ALCA como em
relação a Organização Mundial do Comércio – OMC, depende das condições de negociações do
país, como disse Pinheiro Neto (2003, p. 45) “se trata de um clube. Você se associa, o clube tem
estatutos que você promete observar e, como todo clube, tem sócio que paga mais e sócio que
paga menos. O que paga mais, evidentemente, manda mais”.
Assim, frente à fragilidade do país que se vem discutindo neste estudo, só resta saber se o
Brasil têm condições de postergar “elegantemente” o convite de participar da ALCA, ou se esta é
uma convocação que deve ser respondida imediatamente.
Introduzindo um recorte espacial nas abordagens setoriais ou por tipo de produto,
diferenciando entre as cadeias integradas nacionais (e internacionais) e os circuitos regionais de
produção, distribuição e consumo de alimentos Maluf (2002, p. 242) traz a noção de
multifuncionalidade, que já tem uma definição oficial dada pelos ministros da Agricultura da
OCDE desde 1998. Segundo estes “além de sua função primária de ofertar alimentos e fibras, a
atividade agrícola pode também moldar a paisagem, prover benefícios ambientais, tais como a
conservação do solo, manejo sustentável dos recursos naturais e preservação da biodiversidade, e
contribuir à viabilidade de muitas áreas rurais. Nessa mesma linha, Requier-Desjardins (2002)
utiliza o estudo de Aumont et al (2000) para caracterizar a multifuncionalidade da agricultura
adicionando três funções à produção de bens agroalimentares mercantis: i) a função
sócio-econômica de criação de emprego, de preservação da ocupação do território e da
seguridade alimentar; ii) de preservação ambiental e manutenção do capital natural e; iii) de
preservação da identidade e do patrimônio cultural de uma dada região do país. Esta é a visão que
orientou a política agrícola comum européia e que começa a ser discutida com maior ênfase no
Brasil, na busca de orientações para uma política que possa dar uma resposta aos agricultores
familiares considerando-os mais do que simples produtores de alimentos e fibras. E além disso,
torna-se uma interessante alternativa a ser dada para a questão do desemprego.
Lembrando ainda que há outro complicador para os agricultores conseguirem ser bem
sucedidos neste mundo financeirizado, para muitos destes, só o ganho obtido pelo trabalho sobre
a terra é legítimo, pois este se materializa na agricultura de forma visível para todos, mas o
negócio só é visível para o negociante (WOORTMANN, 1990). Assim, para estes agricultores
não é fácil conviver numa sociedade financeirizada, na qual o esforço físico é valorizado
moralmente, mas o retorno econômico somente acontece se estes desenvolverem a habilidade
numa atividade que não se identifica diretamente com a produção e que se assemelha a um jogo,
no qual ganha quem engendrar melhor as jogadas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de financeirização que domina a movimentação econômica do mundo, com a
sua ânsia pela liquidez, não poderia obter outro produto que não fosse o aprofundamento das
diferenças sociais, aumentando o fosso que separa os mais pobres daqueles que a cada dia
acordam mais ricos. Segundo Belluzzo (2000, p. 116) “a característica central do capitalismo não
é a produção de mercadorias por meio de mercadorias, nem vai ser encontrada na coordenação
efetuada através dos mercados competitivos, dos planos dos indivíduos racionais, na busca de
maximização da utilidade (...) o capitalismo é um regime de acumulação de riqueza abstrata. Se
por um lado, é admirável o seu potencial de criação de riqueza material, de progresso tecnológico
e de bem estar das nações, de outra parte é assustador o seu inerente desprezo pelas condições
particulares da existência dos povos e pelos conteúdos da vida”.
Assim, quando se analisa a conjuntura econômica brasileira nesta perspectiva fica difícil
visualizar uma luz no final do túnel, como sair deste labirinto em que se tem a sensação de que
sempre se acabou de passar pela porta de saída, mas que não é possível retornar para alcançá-la.
E isto se aprofunda quando se pensa no desenvolvimento rural, onde há uma grande maioria que
nunca foi objetivada como prioridade nas estratégias de desenvolvimento do país, apesar de
sempre ajudar a sustentar estas estratégias, e que precisa deste aporte para produzir mais,
assegurar a segurança alimentar, manter os recursos naturais e a identidade deste país, produzir
empregos, exportar e mais uma série de funções que são colocados para aqueles que dinamizam o
meio rural brasileiro.
Entretanto, este é um país muito jovem e como os países do primeiro mundo também já
passaram pelos seus percalços, resta a esperança de que, apesar de ter a infelicidade de crescer
apanhando de seus “coleguinhas” mais velhos ou precoces, o Brasil consiga passar mais
rapidamente por algumas etapas e atinja a sua maturidade apresentando um equilíbrio econômico
condizente com as suas potencialidades e com as esperanças dos brasileiros.
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