O Globo, 25 de junho de 2016 Brexit deve desacelerar crescimento da economia global Saída adiciona inédito risco geopolítico, e mundo entra em nova era de incertezas Por: Lucianne Carneiro, Rennan Setti e João Sorima Neto A economia mundial entrou em uma nova era de incerteza com a decisão do Reino Unido de sair da União Europeia (UE), afirmam analistas. O efeito mais claro e imediato é sobre o mercado financeiro, que, em todas as regiões do mundo, já deu mostras ontem de um movimento de aversão ao risco, com queda generalizada de Bolsas e moedas. Este ambiente de dúvidas afugenta investimentos e inibe o consumo. O cenário levou consultorias e bancos a revisarem para baixo as projeções de expansão para o Reino Unido e para a UE, o que pode comprometer o desempenho da economia global. O maior desafio é o fato de a saída de um país do bloco europeu não ter precedentes, o que dificulta a avaliação dos acontecimentos. Não se sabe sob quais regras — acesso a mercados, tipo de tarifas de importação e exportação, integração financeira e fluxo de mão de obra e turismo, entre outros — e com qual impacto político se dará o processo de desfiliação britânica da UE, que deverá durar dois anos. Dessa forma, esta crise traz interrogações sobre o que pode mudar na geopolítica, que também compromete a economia a longo prazo. — Existem muito mais questões que respostas, o que gera um ambiente de grandes incertezas. E isso é ruim porque inibe investimentos e consumo em uma Europa que ainda está se recuperando economicamente. Se virmos uma instabilidade maior, este momento pode até dar início a uma terceira onda da crise econômica mundial, que viveu sua primeira fase em 2008 e a segunda, na crise do euro — afirma o professor do Instituto de Economia da UFRJ Luiz Carlos Prado. Para Wilber Colmerauer, da firma de investimentos EM Funding, em Londres, o Brexit, por ora, não se compara à derrocada do banco de investimentos Lehman Brothers, em 2008, nem à crise da dívida europeia, em 2011, marcos da grande crise financeira global, cujas consequências ainda são sentidas pelos países europeus e a economia mundial em geral. Mas o potencial de estrago é grande: — Caso a saída do Reino Unido da EU leve, de fato, à desestabilização da Europa, com outros países abandonando o bloco, as pessoas olharão para o dia de hoje (ontem) como o estopim de uma crise financeira. O Lehman foi apenas financeiro. Agora, trata se de um fator geopolítico. O banco Crédit Agricole reduziu à metade expansão do Reino Unido em 2016, de 2% para 1%, apontando que as divisões entre os membros da UE devem se cristalizar durante as negociações de critérios de desfiliação e que há risco de contágio político. Para 2017, o HSBC reduziu a previsão em dois terços, de 2,1% para 0,7%. A estagnação virá acompanhada de um salto na inflação: com a desvalorização da libra, que só ontem foi de 8,1%, o custo de vida deverá subir 4%. Os bancos ainda refaziam ontem as previsões para o Produto Interno Bruto (PIB) global e da zona do euro, tanto em 2016 quanto em 2017. Economistas do Citi apontaram que a economia global já se encontrava frágil e “agora estará mais”. Silvio Campos Neto, analista da Tendências Consultoria, destaca a dificuldade de desenhar o cenário para médio e longo prazos. Na crise de 2008, os riscos eram mais claros e sabia-se como reagir com políticas monetárias expansionistas, aponta: — Agora, vai depender de como se dará o acordo de desmembramento. Há muitos ruídos e incertezas econômicas. Talvez não seja tão grave para a economia real, mas há dificuldade maior de avaliar os desdobramentos pela novidade em si. Esta não é uma crise padrão, é o desmembramento de um bloco importante. Economista e diretor da LCA Consultores, Celso Toledo destaca que para a Europa, particularmente, o jogo é o da sobrevivência: — Este pode ser o começo do fim da Europa, se outros países resolverem seguir o Reino Unido. Os caminhos de contágio para a economia global são vários. Turbulência financeira, libra e euro mais fracos e queda generalizada de ações podem elevar o custo do crédito, a inflação e os juros. Tudo isso afeta o ritmo da atividade econômica. Com um mercado deste tamanho desacelerando, os países avançados terão crescimento menor. REFERENDO PODE ADIAR ALTA DE JUROS NOS EUA Este cenário, para a equipe do Itaú Unibanco, tende a transbordar para os emergentes como o Brasil, pois o preço das commodities deve cair, e as moedas ligadas a estes países podem se desvalorizar, com efeitos incertos sobre a inflação. Nesse cenário, avalia o estrategista-chefe do banco Mizuho, Luciano Rostagno, se as moedas latino-americanas apresentarem uma forte e persistente desvalorização frente ao dólar, os bancos centrais da região poderão estender os ciclos de aperto monetário, reduzindo ainda mais as perspectivas de crescimento latinas. Um efeito colateral adicional, acrescentam especialistas, é a elevação dos juros de títulos de países periféricos da Europa, o que poderia reiniciar a crise da dívida do euro. O Brexit terá ainda repercussões na política monetária global, que deve ser mais expansionista, para impulsionar as economias. A consequência mais importante e imediata seria a postergação do aumento de juros pelo Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA). — Embora isso ajude a manter o real em um patamar mais baixo, não devemos olhar isso pelo lado positivo, porque significa que o mundo vai crescer menos. A própria alta do dólar em virtude do Brexit continuará prejudicando a indústria americana, por exemplo — explicou Ignácio Rey, economista da Guide Investimentos. Investimentos, é possível que o Fed não promova nenhuma elevação de juros este ano. Há algumas semanas, os economistas previam mais duas altas este ano. Professora da Coppead/UFRJ, a economista Margarida Gutierrez acrescenta que o Brexit pode ser interpretado como um “não à globalização”, um passo contrário à onda de acordos comerciais dos últimos anos e uma “volta ao isolacionismo”: — Isso terá consequências para o comércio mundial e para o Brasil. A decisão de romper com tratados comerciais e de livre circulação de pessoas, previstos pela União Europeia, mostra que o Reino Unido quer decidir suas práticas comerciais e quem vai circular pelo país. É uma mudança radical no cenário político e econômico desde o fim da Segunda Guerra Mundial, quando se começaram a costurar acordos comerciais e o mundo se tornou globalizado. Num mundo que cresce pouco, a sinalização de relações comerciais mais protecionistas é um problema, não só para o Reino Unido, que exporta cerca de 50% para a UE, mas globalmente, alerta Margarida: — Vamos passar por um período de muita incerteza, de aversão ao risco. Todas as moedas, com exceção do dólar e do iene, tendem a se depreciar, e haverá menos disposição ao investimento. E, com moedas depreciadas, aumentam as pressões inflacionárias.