RURALIDADE E PRODUÇÃO DO ESPAÇO NAS CIDADES PEQUENAS NO SUL DE MINAS GERAIS - BRASIL Flamarion Dutra Alves Prof. Dr. da Universidade Federal de Alfenas / Programa de Pós-Graduação em Geografia UFSJ. [email protected] RESUMO A ruralidade é um conceito que expressa várias relações, materiais e imateriais, existentes do lugar com as atividades econômicas e culturais do espaço rural. Partindo desse pressuposto, essa pesquisa tem como objetivo estudar a presença da ruralidade nas cidades pequenas situadas na microrregião de Alfenas, sul do estado de Minas Gerais – Brasil, e como a produção do espaço ocorre sob o prisma das relações agropecuárias, nas dimensões demográficas, econômicas e culturais. Por ser uma região com grande produção de café, responsável por 25% da produção brasileira, as relações socioespaciais estão muito atreladas a essa atividade, mesmo que a microrregião apresente 81,8% da população urbana (IBGE, 2010). A microrregião de Alfenas é composta por doze municípios, totalizando 225.289 habitantes, sendo Alfenas a cidade média e polo com 73.774 habitantes e dez municípios tem menos de 21 mil habitantes, ou seja, uma região caracterizada por cidades pequenas. Nesse cenário, a ruralidade está presente pela baixa interação espacial, devido à baixa densidade demográfica, os dez municípios pequenos tem menos de 50 hab/km². Aliado a isso, as atividades econômicas agrícolas são responsáveis por 55% da mão-de-obra empregada das cidades pequenas. A ruralidade está marcada na vida econômica da população, é o modo de vida atrelado ao rural que vai se reproduzindo na cidade. Palavras-chave: Ruralidade, Cidades Pequenas, Interações Espaciais, Agricultura. INTRODUÇÃO O espaço sul mineiro representa uma significativa parcela do estado de Minas Gerais e contém características típicas de regiões não-metropolitanas. Discutir o espaço regional sul mineiro é antes de tudo, um estudo da relações rurais-urbanas e das redes urbanas compostas por cidades pequenas e médias. Para tal análise das cidades pequenas, serão utilizados dados do IBGE sobre a microrregião de Alfenas que compõe a Mesorregião Sul/Sudoeste do Sul de Minas (Figura 1). Essa região é composta por 146 municípios, tendo 10 microrregiões e uma população de 2.556.874 (IBGE, 2015) e é caracterizada fortemente por cidades pequenas e médias. Apenas 9 municípios possuem mais de 50 mil habitantes, algo peculiar e ao mesmo tempo propício para entender as dimensões da ruralidade nos espaços urbanos de cidades pequenas e médias, ou seja, até que ponto esses municípios são urbanos em sua função e estrutura socioespacial? Em que medida as políticas públicas devam ser urbanas ou rurais? Qual o papel do campo nas interações espaciais no contexto regional? A ruralidade está presente em que dimensão nas cidades pequenas e médias? Figura 1 – Mapa de localização da Mesorregião Sul/Sudoeste de Minas Gerais. Com o avanço da globalização e modernidade na sociedade brasileira, o modo de vida rural tende a ser esquecido e superado pelos padrões citadinos da cultura urbana. Entretanto, queremos discutir de forma inicial nesse texto, a presença da ruralidade nas cidades sul mineiras, sobretudo nas cidades pequenas. Dessa forma, o texto está divido em quatro partes. A primeira parte discutirá a definição e dinâmicas das cidades pequenas no contexto atual, em seguida traremos algumas questões referentes a ruralidade e seus aspectos materiais e imateriais, na terceira parte analisar-se-á a situação das cidades pequenas na microrregião de Alfenas e a presença da ruralidade nos seus territórios, e por fim, será concluído o texto com alguns apontamentos sobre a relação campo-cidade envolvendo as cidades pequenas na microrregião de Alfenas. CIDADES PEQUENAS: DEFINIÇÃO E DINÂMICAS As cidades pequenas vem ganhando destaque nas pesquisas geográficas mais recentemente, por ser expressiva em números de cidades no Brasil e por ser responsável, em muitos casos, de ter uma agropecuária forte e preservar aspectos culturais da identidade rural. As definições das cidades pequenas são variadas e dependem de situações demográficas e do contexto regional. Nos estudos de Faria (1984) e George e Garcia (1987) com base nos dados do Censo do IBGE de 1980, apontam que municípios com menos de 20.000 habitantes não poderiam ser considerados urbanos. Nessa mesma linha de pensamento, Wanderley (2001) entende que pequenos municípios são aqueles onde a população urbana não ultrapassa os 20.000 habitantes e acrescenta cinco dimensões na trama social das cidades pequenas: a) O exercício das funções propriamente urbanas atribuído a toda aglomeração, sede municipal, qualquer que seja o seu tamanho. b) Intensidade do processo de urbanização: o fato de ser pequeno frequentemente significa ser precário do ponto de vista dos recursos disponíveis. c) A presença do mundo rural. Esta influência pode ser percebida, por um lado, através de diversos indicadores socioeconômicos e demográficos, dentre os quais merecem especial menção: o peso da população rural no conjunto da população municipal; a proporção das pessoas que, vivendo nas áreas urbanas, trabalham no meio rural. d) O modo de vida dominante, percebido tanto através de suas manifestações “concretas”, como das representações que dele faz a população local. e) A dinâmica da sociabilidade local: O espaço social assim construído se complementa, por um lado, com a referência às diferenciações sociais, os conflitos e as redes de alianças e associações, gerados especialmente pelas formas de uso e controle da propriedade da terra e do capital e pela estrutura do poder local; por outro lado, pela percepção deste espaço, tal qual reiterado pela memória coletiva, dos indivíduos, famílias e grupos sociais e que também funciona como elemento constitutivo de uma identidade local. (WANDERLEY, 2001, p.8) Dentro desse contexto, as cidades pequenas não são caracterizadas apenas por ter menos de 20.000 habitantes em sua área urbana, mas por apresentar uma dinâmica sociocultural, política e econômica peculiar e que une seu tecido social ao espaço vivido. A tese de Figueiredo (2008) faz um resgate histórico-geográfico sobre os pequenos municípios e pequenas cidades gaúchas, e entende que as cidades pequenas são aquelas com até 20.000 habitantes em sua totalidade. Os trabalhos desenvolvidos por Roberto Lobato Corrêa (1997, 1999, 2006, 2011) mostram as particularidades dessas cidades e suas relações na rede urbana brasileira, explicando sua evolução e desenvolvimento, além de situar o papel das cidades pequenas na globalização As cidades pequenas podem exprimir dois processos contraditórios, caso estejam situadas em regiões densamente povoadas e próximas a outras cidades pequenas a uma curta distância, pode condicionar e atrair investimentos econômicos para a rede urbana ali existente, por outro lado, caso esteja distante de cidades maiores e com densidade demográfica baixa o processo é inverso, poucos investimentos, rede urbana pouco dinâmica e forte ligação com as atividades agropecuárias. A respeito desse processo Corrêa (1999) entende que: As pequenas cidades, numerosas que são, geram, via de regra, expressiva densidade de centros que se situam a uma pequena distância média entre si, ainda que esta possa variar de acordo com a densidade demográfica da região em que se localizam. Nas regiões densamente povoadas o número de centros é elevado e a distância média entre eles é pequena; nas regiões escassamente povoadas, ao contrário, o número de centros diminui, aumentando a distância média entre eles (CORRÊA, 1999, p.45) No caso das cidades pequenas com a presença da ruralidade “deriva de elevadas densidades demográficas associadas a uma estrutura agrária calcada no pequeno estabelecimento rural ou em plantations caracterizadas pelo trabalho intensivo” (CORRÊA, 1999, p.45). Numa tentativa de classificação das pequenas cidades, Corrêa (2011) elenca cinco tipos de cidades. Entre esses tipos há cidades onde a relação campo-cidade é muito íntima e de difícil separação, onde: A parte da população engajada em atividades agrárias é maior ou menor e isto pode levar a se pensar em um “continuum” rural-urbano, sem um rígido limite entre núcleos urbanos e núcleos rurais, nestes casos podendo-se falar em habitat rural concentrado. (CORRÊA, 2011, p.6) Outra característica que podemos inferir nas cidades pequenas sul mineiras é a participação da população urbana trabalhando em atividades agropecuárias, seja no período sazonal como a colheita, ou permanentemente: A confluência entre o urbano e o rural estava também presente no ritmo da vida da pequena cidade, que dependia do ritmo das atividades agrícolas. O período da colheita significava abundância e recursos monetários, período de festas e comemorações. A entressafra significava um período no qual a vida econômica e social caracterizava-se por um declínio sazonal (CORRÊA, 2011, p.8) Corrêa (2011) ainda indica que as cidades pequenas podem estar estagnadas devido a centralidade do poder nas mãos de uma elite agrária, e os esforços seguem na direção da propriedade fundiária e nas relações agrícolas, em oposição aos serviços e produção do espaço urbano. Fresca (2001) analisa a dinâmica funcional das cidades pequenas no contexto urbano-regional. As cidades pequenas desempenham várias funções, entre elas, como espaço para a reprodução do complexo agroindustrial e também como força de trabalho para essas atividades agrícolas, na época do plantio e colheita. Em outro artigo, Fresca (2010) faz uma distinção entre centro locais e cidades pequenas, considerando o primeiro um centro de atração de último nível hierárquico, mas com algum grau de especialização. Já as cidades pequenas: [...] pode-se encontrar desde aquelas com limite mínimo de complexidade de atividades urbanas, até aquelas onde funções urbanas são mais complexas, refletindo inclusive, diferenças do ponto de vista populacional, manifestando realidades muito distintas [...]Da mesma maneira é neste nível de centralidade que se tem as relações mais diretas entre a cidade e a produção agropecuária propriamente dita, estabelecidas a partir da oferta de máquinas, insumos, equipamentos, mão de obra qualificada ou não, os sistemas de financiamento agrícola, do sistema de venda da produção, dentre outros (FRESCA, 2010, p.7779). Afim de quantificar e classificar as cidades pequenas, tem-se uma síntese de algumas definições, levando em consideração o tamanho demográfico da cidade (Quadro 1). Vale destacar, que os autores em questão reforçam uma análise conjuntural da rede urbana, pois uma cidade com 40.000 habitantes pode ser considerada pequena em muitas regiões, mas em outras ela pode representar a centralidade regional e por esse motivo ser promovida a cidade média. Quadro 1 – Delimitação de cidades pequenas a partir do tamanho demográfico em países, organizações e autores. País / Organização / Autor Cidade Pequena Estados Unidos < 200.000 habitantes Alemanha < 150.000 habitantes Brasil (IBGE), ONU, OCDE < 100.000 habitantes Argentina, Itália, Suécia e Irlanda < 50.000 habitantes Espanha e Polônia < 30.000 habitantes França, Relatório Europa 2000 + < 20.000 habitantes Amorin Filho e Serra (2001) <50.000 habitantes Corrêa (2011) < 30.000 habitantes Wanderley (2001) < 20.000 habitantes na área urbana Fresca (2010), Figueiredo (2008) < 20.000 habitantes Fonte: Figueiredo (2008), Oliveira e Soares (2014). Elaboração e Adaptação: Flamarion Dutra Alves. Nesse sentido, as cidades pequenas apresentam uma conjuntura complexa devido a diversidade territorial brasileira. O tamanho demográfico é um parâmetro usual e coerente com as pesquisas geográficas a respeito da rede urbana e da relação campocidade. Assim as cidades com população urbana até 30.000 habitantes serão consideradas pequenas, tendo como recorte espacial e seu contexto regional a microrregião de AlfenasMG. RURALIDADES: PRESENÇA MATERIAL E IMATERIAL O termo Ruralidade tem despontado desde o final da década de 1990, como uma acepção dos traços presentes na vida/mundo rural na sociedade contemporânea e presente nas cidades. Essa definição não pode vir em oposição e num sentido dicotômico da urbanidade, pois são concepções que se movimentam em posições sincrônicas ou anacrônicas as vezes, mas sua presença tende a coexistir com a diversidade e os modelos urbanos, ou seja, um não exclui o outro. José Eli da Veiga (2004) discute em seu texto uma hipótese da urbanização completa proposta por Henri Lefebvre1 e do renascimento do rural por Bernard Kayser2. Na primeira, Lefebvre vê a urbanização como um processo sem volta e tende a dominar a produção dos espaços e a sociedade urbana ficando em um primeiro plano. Na segunda hipótese, Kayser destaca uma tendência na volta das populações para o campo, o êxodo rural que se acentuou no pós 1950, estaria regredindo e o futuro seria uma reconstituição dos espaços e sociedades rurais-agrícolas. Tanto na primeira como na segunda hipótese, os fatos e a realidade socioespacial não seguiram esses propósitos, não houve uma anulação de nenhuma das partes. O que Veiga (2004) destaca, tendo como pano de fundo a Europa e América do Norte, é que as 1 LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002. [c1970]. KAYSER, Bernard. La renaissance rurale. Sociologie des campagnes du monde occidental. Paris, Armand Colin, 1990. 2 duas hipóteses estavam equivocadas, e no contexto atual a ruralidade tem várias destinos, mas sua presença é real e deve ser observada em várias nuances. O trabalho de Abramovay (2000) tenta medir a ruralidade trazendo algumas características desse processo, elencando três relações, com a natureza, dispersão populacional e relação com as cidades. Com relação a natureza Abramovay (2000) diz que: A ruralidade supõe, em última análise, o contato muito mais imediato dos habitantes locais com o meio natural do que nos centros urbanos [...]a relação com a natureza emerge não só como um valor ético ou afetivo, mas também como a mais promissora fonte de geração de renda rural (2000, p.7). Nesse aspecto, a ruralidade tem uma relação direta com a natureza e seus processos, seja na forma de preservação ou na produção. Independente disso, a natureza é marca do seu espaço vivido, de suas experiências, valores e sentimentos. A ruralidade reporta as questões econômicas, sendo o fruto de seu sustento, manutenção e reprodução social. Quanto a dispersão populacional, Abramovay (2000) entende que a ruralidade está marcada por espaços não densamente povoados, com núcleos humanos dispersos, e esse fenômeno marca sua identidade territorial: [...] a dispersão populacional pode representar um valor importante nas sociedades contemporâneas em dois sentidos. Por um lado, pela oposição aos transtornos e à insegurança da vida urbana e metropolitana, um dos fatores que produzem mundialmente um movimento migratório, inclusive de camadas de média e alta rendas e com boa formação educacional, para áreas não densamente povoadas. Por outro lado, nas áreas não densamente povoadas é, com frequência, menor o sentimento de solidão trazido pelo anonimato da vida metropolitana: sobretudo quando essas áreas podem representar a recuperação e o reforço de relações de proximidade familiar comunitária e de vizinhança. Que estes valores possam transformar-se em fontes de desenvolvimento e geração de renda vai depender tanto da organização dos habitantes e das instituições rurais, como, sobretudo, do tipo de relação que conseguem estabelecer com as cidades. (ABRAMOVAY, 2000, p.12-13) Essa dispersão populacional, remete ao que Corrêa (1997) afirma sobre as interações espaciais, ou seja, o cotidiano do mundo rural é feito pelos fluxos mais lentos e menos constantes, a ruralidade nesse caso aponta para espaços menos dinâmicos em termos de trocas materiais, mas com uma fixação forte de seus habitantes com o lugar, devido a menor mobilidade que desenvolve no seu cotidiano. A última relação da ruralidade proposta por Abramovay (2000) é com as cidades: A relação do meio rural com as cidades tem uma dupla natureza: por um lado, as áreas rurais são sempre polarizadas por pequenos ou médios assentamentos onde se concentram alguns serviços e infra-estrutura básica. [...]Por outro lado, é fundamental o estudo da relação entre estas regiões rurais com os centros metropolitanos de que dependem mais ou menos diretamente. (ABRAMOVAY, 2000, p.14) Nessa questão, vale destacar que os espaços rurais ou cidades pequenas com forte presença da ruralidade, estão integradas a redes de cidades, nos quais dependem em certa medida de serviços e funções das cidades médias ou grandes. A ruralidade não se extinguirá com centros urbanos modernos em seu entorno, mas a coexistência desses processos é notório na relação campo-cidade da população brasileira. Outro trabalho que defende a ligação da ruralidade com a densidade demográfica é a proposta de Schneider e Blume (2004), ao basear-se nos princípios da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e elaboram uma metodologia denominada Abordagem Territorial Rural. Nessa metodologia, os municípios em Nível Local que são classificados em urbanos, apresentam uma densidade demográfica superior a 80 hab/km² ou população total superior a 100 mil habitantes, ou rurais, que apresentam dados inferiores aos anteriores. Wanderley (2004) direciona para uma questão do rural e sua densidade demográfica, sendo a cidade o intermédio na relação com o campo, não excluindo os processos da ruralidade: A diferenciação no interior do meio rural é também, aqui, largamente observada. Alguns bairros rurais agrupavam um muito pequeno número de casas; outros eram maiores e situados mais próximos do núcleo urbano, assumindo funções de integração entre as duas áreas (WANDERLEY, 2004, p.88) Numa visão dialética do processo campo-cidade, a autora aborda a questão da imaterialidade presente no território rural, que não se limita as definições políticoadministrativas do perímetro urbano: Por um lado, um meio rural fragilizado pelo isolamento, pela precariedade com que tem acesso aos bens e serviços oferecidos pela sociedade e pelos efeitos desagregadores do êxodo rural; por outro lado e apesar da primeira face um meio rural povoado, cujos habitantes são portadores de uma cultura, que dinamiza as relações sociais locais, e de uma grande capacidade de resistência aos efeitos desagregadores aos quais estão constantemente confrontados (WANDERLEY, 2004, p.90) Nessa conjuntura, a ruralidade é marca presente em muitas cidades pequenas e médias, a territorialidade rural é expressa de diversas formas, desde os vínculos afetivos da população com a terra, a cultura tradicional que é carregada por gerações, a coesão dos indivíduos com o lugar que denota o processo de capital social e as relações indenitárias dos sujeitos com as práticas rurais. Lembrando Alves (2012) ao analisar o desenvolvimento da relação campo-cidade na ciência geográfica, entendemos que: A noção de ruralidade e urbanidade ganha destaque nas pesquisas em geografia, pois não trata somente da questão espacial (do espaço absoluto), mas o espaço vivido e imaterial, considerando os valores e o modo de vida que constituem o lugar. A ideia de estudar o espaço apenas pelos fixos, funções e formas, não responde a totalidade da relação campo-cidade, deve-se atentar aos processos da sociedade. (ALVES, 2012, p.16) Portanto, para o entendimento da ruralidade não podemos focar somente nas relações sociais existentes no espaço rural, temos que observar e interpretar as práticas e interações espaciais também na cidade, pois pode refletir a manutenção de vivências do rural ou seu processo de transformação. CARACTERIZAÇÃO DA MICRORREGIÃO DE ALFENAS-MG A microrregião de Alfenas é composta por doze municípios (Figura 1) e está inserida numa região cafeeira que historicamente tem valorizado essa atividade, sobretudo após a década de 1970 com a modernização da agricultura. O estudo de Alves (2015) aponta para essa organização no território sul mineiro, pois apresenta pontos fixos consolidados para a organização e movimentação dos fluxos existentes no complexo agroindustrial. Estes pontos, como cooperativas, institutos de pesquisa, empresas de assistência técnica e extensão rural, recintos de exportação, rodovias, ferrovias entre outros estão contribuindo para o desenvolvimento da região. Figura 2 – Mapa da localização da microrregião de Alfenas-MG. A microrregião é caracterizada por cidades pequenas e Alfenas sendo a única cidade média na região. Por esse motivo e associada a atividade cafeeira, a presença da ruralidade pode ser percebida tanto nos aspectos materiais como imateriais. Nessa pesquisa, daremos ênfase as elementos População Economicamente Ativa Agrícola, densidade demográfica, população rural, participação da cafeicultura e estrutura fundiária. Quanto aos aspectos imateriais, cabe estudos mais detalhados empiricamente em festividades, memórias da população, tradições, análise da paisagem entre outros elementos. De acordo com dados oficiais do IBGE, a microrregião de Alfenas apresenta uma população urbana de 81,86%. Esse dado aparentemente revela uma intensa taxa de ocupação do espaço urbano e tem na cidade sua principal atividade econômica e locus de desenvolvimento socioespacial. O que pretendemos mostrar é que algumas situações mascaram a ruralidade existentes em cidades que dependem e vivem das atividades agropecuárias (Tabela 1). Tabela 1 – População, PEA Agrícola e Densidade demográfica dos municípios pertencentes na microrregião de Alfenas, 2010. Município Alfenas Alterosa Areado Carmo do Rio Claro Carvalhópolis Conceição da Aparecida Divisa Nova Fama Machado Paraguaçu Poço Fundo Serrania TOTAL População Total 73.774 13.717 13.731 20.426 População Urbana 69.176 10.002 11.525 14.362 População Rural 4.598 3.715 2.206 6.064 PEA Agrícola 7.576 3.546 2.841 4.997 Densidade Demográfica (hab/km²) 86,75 37,89 48,50 19,17 3.341 9.820 2.459 6.199 882 3.621 995 4.573 41,20 27,86 5.763 2.350 38.688 20.245 15.959 7.542 225.289 4.659 1.515 32.068 16.679 9.281 6.576 184.434 1.104 835 6.620 3.566 6.678 966 40.855 1733 681 6.610 4.378 5.488 2.574 46.691 26,56 27,32 66,03 47,71 33,65 36,04 45,2 Fonte: Censo Demográfico IBGE, 2010. Censo Agropecuário, 2006. Organização: Flamarion Dutra Alves. Analisando a tabela 1, fica exposto a consolidação de cidades pequenas no contexto regional, das doze cidades oito possuem menos de vinte mil habitantes, e considerando aquelas que vivem no espaço urbano, somente duas possuem mais de vinte mil habitantes. A taxa de população vivendo no campo é significativa em alguns municípios, Poço Fundo tem quase 42% da população total, seguido de Conceição da Aparecida de com 36,9% e Fama com 35,5% de seus moradores vivendo no espaço rural (Figura 3) Figura 3 – Taxa de população rural na microrregião de Alfenas-MG, 2010. Fonte: Censo Demográfico do IBGE, 2006. Devido as administrações municipais estabeleceram a zona do perímetro urbano, as taxas de urbanização são muitas vezes elevadas, mas a ruralidade é fortemente presente na cidade pequena. A ruralidade material está constituída no fator trabalho e terra, no qual a população exerce suas atividades ligadas ao setor agropecuário, e mesmo morando no perímetro urbano desempenha funções e processos rurais. A figura 4 traz para análise a População Economicamente Ativa Agrícola (PEAA) na microrregião. Considerando as informações do IBGE, que apontam as taxas de ocupação da População Economicamente Ativa na microrregião de Alfenas entre 64% e 71% da população total, os dados enfatizam a ruralidade em quase todos municípios da microrregião. Figura 4 – População Economicamente Ativa Agrícola na microrregião de Alfenas-MG, 2006. Fonte: Censo Agropecuário do IBGE, 2006. A relação de trabalho de uma população é uma das formas da materialização do capital na produção e organização do espaço, outro ponto que ser destacado sobre as relações de trabalho é na organização do modo de vida e cotidiano de uma população. Nesse sentido, os municípios da microrregião de Alfenas, apresentam índices elevados da PEAA como Conceição da Aparecida com 91,3% e Serrania com 77,4% do total, representam uma cidade com uma tradição na cultura agrícola, sobretudo na cafeicultura. Apenas Alfenas e Machado apresentam índices compatíveis de PEAA com a população rural oficial, mas mesmo assim são dados elevados o que indica a ruralidade presente no cotidiano econômico e sociocultural desses municípios. O que chama atenção para os dados, é que em quase todos municípios a PEAA é superior a população rural, o que evidencia a ruralidade nas cidades, ou seja, a população vive na cidade e trabalha no campo, dedica-se as atividades agropecuárias e apenas reside no perímetro urbano ou ainda, desenvolve alguma atividade agroindustrial, serviços ou comércio nas cidades relativas a agricultura. Destaca-se também, a população sazonal na época da colheita do café, entre os meses de maio a agosto, muitas pessoas residentes e que trabalham em atividades urbanas, deslocam-se para as fazendas colhendo café e incrementando a renda. Essa prática é muito tradicional e faz parte do cotidiano do população das cidades pequenas. Nesse contexto da cafeicultura, as cidades pequenas desempenham um grande papel na consolidação desse processo. A estrutura fundiária é marcada por grande número de estabelecimentos da agricultura familiar, minifúndios e pequenas propriedades (Tabela 2). Tabela 2 – Número e área de propriedades rurais familiares e não-familiares na microrregião de Alfenas, 2006. Grupos Número de propriedades da Agricultura Familiar Número de propriedades da Agricultura NãoFamiliar 867 Área das propriedades da Agricultura Familiar (hectares) 41.249 Área das propriedades da Agricultura NãoFamiliar (hectares) 7.912 Minifúndio (Até 20 hectares) Pequena Propriedade (20 a 100 hectares) Média e Grande Propriedade (Mais de 100 hectares) Total 6.312 1.477 884 57.588 42.087 111 492 16.677 140.570 7.900 2.243 115.559 Fonte: Censo Agropecuário do IBGE, 2006. 190.570 A microrregião de Alfenas está conformada por um número significativo de minifúndios e pequenas propriedades em seu tecido agrário. A territorialização da agricultura familiar está presente em 37,7% do espaço regional, distribuída em 7.900 propriedades. Essas propriedades tem na cafeicultura um dos pilares de sua reprodução econômica, mas muitas delas diversificam a produção, como alternativa de renda e manutenção familiar. O que a tabela 2 mostra também, um número e área marcantes da agricultura nãofamiliar, ou seja empresarial/patronal com mão de obra assalariada ou temporária, o que provoca um esvaziamento do campo. No que diz respeito a esse processo demográfico, a densidade demográfica na microrregião apresenta um baixo adensamento populacional (Figura 5). Figura 5 – Taxa de população rural na microrregião de Alfenas-MG, 2010. Fonte: Censo Demográfico do IBGE, 2006. Apenas Alfenas, considerada uma cidade média, tem expressiva densidade demográfica e agrupamento suficiente para passar dos 80 hab/km². As demais cidades são consideradas urbanas para o IBGE, mas tem uma baixa densidade demográfica, o que torna uma “urbano” menos dinâmico, ou seja, suas interações espaciais são menos intensas e as atividades estão mais associadas a agropecuária. Carmo do Rio Claro com 19,1 hab/km² e Fama com 27,3 hab/km² são os municípios com menor densidade no espaço regional, esse processo pode refletir muitas análises como a baixa taxa de ocupação do espaço agrário, concentração de terras, centro urbano pouco dinâmico e vazios urbanos. CONCLUSÕES No caso da microrregião de Alfenas ficou expresso um alto grau de ruralidade nas cidades e relações, fruto dos processos históricos que marcaram a produção do espaço regional. Em decorrência disso, a organização econômica, política e cultural ainda reproduz as relações dessa formação, mais sofisticadas e capitalizadas. A ruralidade está presente no contexto socioespacial sul mineiro, tanto nos aspectos materiais como imateriais, fazendo parte da produção e organização do espaço. Esse processo é fortalecido pelas cidades pequenas que representam historicamente o desenvolvimento agrícola da região, sendo arraigadas na cafeicultura passando essa tradição de geração para geração. Fica como proposta de novos estudos da ruralidade na região, pesquisas a campo para análise e coleta de informações e materiais acerca da dinâmica das cidades pequenas, no que tange a dimensão econômica e cultural, visando um melhor entendimento nesses movimentos de construção e desconstrução. REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, Ricardo. Funções e medidas da ruralidade no desenvolvimento contemporâneo. Rio de Janeiro: IPEA, 2000. (Texto para Discussão, n. 702) ALVES, Flamarion Dutra. A relação campo-cidade na geografia brasileira: Apontamentos teóricos a partir de periódicos científicos. 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