CIDADANIA E DISCRIMINAÇÃO COMO CRITÉRIOS DE ANÁLISE DE POLÍTICA PÚBLICA O PROGRAMA DE ESTUDOS DA ESFERA PÚBLICA-PEEP, da EBAPE/FGV, sob a coordenação da Prof. Dra. Sonia Fleury1 vem sendo desenvolvido desde o ano 2000, com o objetivo de identificar as transformações nas relações entre Estado e Sociedade que fundam novas práticas orientadas à governabilidade democrática, por meio da institucionalização de espaços públicos que garantam a participação cidadã, plural e deliberativa. No Observatório da Inovação Social são desenvolvidas pesquisas e estudos de casos de experiências inovadoras que visam à construção de uma esfera pública democrática. A partir da identificação de casos de experiências inovadoras, estas são estudadas em seus processos de gestão e no seu impacto na percepção de seus usuários. Com entrevistas em profundidade com gestores e usuários, busca-se desenvolver uma metodologia capaz de identificar e escalonar os fatores que viabilizam a transformação das estruturas sociais e das relações de poder, entendendo, assim, a dinâmica criadora desde a interação entre estado e sociedade. A inovação social é definida a partir da sua capacidade de transformar relações de poder, de forma a permitir a expansão da cidadania e a redução da exclusão social; a construção de novos sujeitos políticos; a transformação das práticas e processos de gestão pública; o desenvolvimento de novos instrumentos e metodologias de planejamento, tomada de decisões, implementação e avaliação de políticas públicas. As últimas pesquisas realizadas foram apoiadas pelos PROPESQUISA da EBAPE, o CNPq, a FAPERJ, o Ministério da Saúde. No projeto atual, contaremos com a participação de pesquisadores de duas outras instituições acadêmicas, o IFCS – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ e a Faculdade Salesiana Maria Auxiliadora de Macaé no 1 Curriculum Vitae - Anexo I 1 estado do Rio de Janeiro. Pelo IFCS, participará a Profa. Dra. Anna Marina Barbará Pinheiro e pela Faculdade Salesiana, o Prof. Dr. Renato Cesar Möller. Estes pesquisadores já atuaram em projetos desenvolvidos pelo PEEP. INTRODUÇÃO Desde a Constituição Federal de 1988 os direitos sociais foram reconhecidos como parte da condição de cidadania a serem garantido pelo Estado por meio de políticas universais e de políticas especialmente dirigidas aos grupos sociais mais vulneráveis. O novo desenho constitucional para as políticas sociais atribuiu papel protagônico aos governos municipais, em um novo arranjo federativo que implica a cooperação entre as três esferas de governo. Além disso, foram criadas instâncias de participação da população no desenho das políticas públicas e no controle social, o que garantiu a originalidade da proposta do Estado de Bem Estar nacional. Apesar do enorme avanço representado por este desenho constitucional para as políticas sociais, nestes 25 anos de sua vigência a implementação estas políticas e serviços têm sofrido inúmeras contingências. A institucionalização dos sistemas universais e das políticas voltadas para a inclusão social teve que se enfrentar com um ambiente macroeconômico de ajuste fiscal e estabilização monetária. Este processo implicou em contenção dos recursos financeiros destinados às políticas sociais, em especial com relação às políticas universais. Além disso, os recursos constitucionalmente vinculados às políticas sociais foram parcialmente desvinculados, reduzindo assim a participação da União no gasto social. Estas restrições financeiras, em um momento de expansão dos direitos sociais, implicaram em deterioração dos recursos materiais e humanos existentes e na falta de novos investimentos, imprescindíveis para assegurar a exigibilidade dos direitos e a promoção da inclusão social. A auto-exclusão das classes médias dos sistemas públicos universais de saúde e educação debilita-os politicamente, já que seus usuários passam a ser identificados como sendo apenas a população pobre, com menos recursos de 2 poder para expressar suas demandas nas arenas políticas. Este fato tem contribuído para perpetuar valores tradicionais de desvalorização da população mais pobre, constitutivos da cultura política brasileira, que terminam por impedir, na prática das relações pessoais e institucionais, a construção da condição igualitária pressuposta no estatuto da cidadania. Por outro lado, o predomínio dos valores de consumo e da individualização dos riscos, propugnadas na lógica que privilegia o mercado, rompe os vínculos solidários necessários para preservação de uma sociedade coesa, esgarçando mais ainda o tecido social e propiciando a preservação de uma sociedade fragmentada. As próprias políticas sociais, que foram sempre consideradas poderosos mecanismos de proteção social, por meio da distribuição de bens públicos e do reconhecimento dos direitos dos cidadãos, em um contexto liberal que privilegia o consumo destes bens por meio do mercado, terminam por participarem do processo de estigmatização, segmentação e reprodução de estruturas de dominação. A sociedade brasileira convive hoje com uma avançada construção legal que assegura o bem-estar da população por meio de políticas inclusivas e universais, ao lado de uma institucionalidade precária que não garante o acesso ou a utilização de serviços de qualidade na medida das necessidades da cidadania. Por outro lado, a população, cada vez mais urbanizada e informada, assimila progressivamente os direitos sociais como parte da sua condição de cidadania, aumentando sua insatisfação com o poder público. Em nossos estudos no PEEP buscamos identificar elementos críticos que se constituem em condição para que uma política pública possa influenciar de forma positiva na construção de uma esfera pública democrática e emancipatória. Consideramos que a inovação social pode ser aferida a partir da análise de uma política pública e de seus impactos em relação às dimensões de integração, participação, distribuição e constitucionalização (Fleury, 2009). Dentre as pesquisas realizadas nos últimos anos destacamos, para efeito deste projeto, o estudo dos “Determinantes Sociais da Saúde: Desigualdades Injustas no Acesso e Utilização de Serviços de Saúde” e a “Avaliação da Inovação 3 Social em Políticas Públicas: estudos dos Programas Favela-Bairro e Morar Legal”. Em ambos os estudos, através de uma metodologia qualitativa, procuramos identificar aqueles fatores que propiciam ou obstaculizam a inclusão social na comunidade de cidadãos, através da implementação de políticas públicas voltadas para a promoção do bem-estar social. A partir destes estudos constituímos um Banco de Dados singular, na medida em que privilegia a percepção de usuários, profissionais e gestores acerca dos serviços públicos que estas políticas oferecem, desde o ponto de vista da construção da cidadania. As entrevistas com todos estes atores, os grupos focais, dramatizações, filmagens, etc. foram direcionadas para a busca da compreensão da incidência destas políticas na construção de uma esfera pública plural, promovendo ou não a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A partir deste conjunto de dados foram elaborados os relatórios finais, monografia de mestrado, artigos e livros, que expressam o investimento institucional e intelectual que já foi realizado para formar equipes multidisciplinares e interinstitucionais voltadas para o desenvolvimento de metodologias necessárias à produção de conhecimentos no campo de estudo da cidadania, combate à exclusão, políticas de inclusão e fatores de discriminação. No estudo dos Programas Favela-Bairro e Morar Legal, realizados em três distintas comunidades, encontramos que, apesar do reconhecimento acerca dos esforços públicos para urbanização das favelas e comunidades, a população entendia que permanecia em uma condição de sub-cidadania, na medida em suas necessidades, expectativas e demandas não estavam restritas a uma política localizada e parcial. Assim, pelo fato de termos uma política de caráter parcial, predominantemente de intervenção urbana, ainda que com algum componente social, a maioria das demandas da comunidade não era atendida, inviabilizando a realização de direitos sociais legalmente garantidos em outras áreas. Por outro lado, por ser uma intervenção localizada nas periferias urbanas e não um projeto de intervenção global na cidade, as melhorias alcançadas não eram suficientes para assegurar a construção de 4 elos entre estes moradores e seus co-cidadãos. A fragmentação da cidade permanecia intocada, já que tanto os co-cidadãos como mesmo as autoridades continuavam estigmatizando os moradores dos bairros onde houve a implantação do programa. É certo que encontramos diferenças significativas entre as comunidades estudadas, determinadas pelo grau de formalização da inserção de seus moradores nos espaços públicos e privados. Isto se explica porque a condição de cidadania, ao incluir uma dimensão jurídica de direitos e deveres requer a formalização desta inserção. Portanto, a informalidade, em todas as suas formas, termina por comprometer a expansão da cidadania. Por fim, a existência de grupos organizados militarmente, com poder de coerção, sejam eles traficantes ou milícias, denunciam a fragilidade do Estado como garante da cidadania, tornando a população refém das relações informais de violência e barbárie. Portanto, a população beneficiada por esse programa questionava a política pública de promoção da cidadania por esse meio, na medida em que o consideravam limitado para assegurar a segurança pessoal e grupal, o reconhecimento dos direitos e o acesso aos bens públicos essenciais. Na outra investigação, nosso foco se dirigiu para uma questão crucial para a democracia: tratava-se de investigar se mesmo quando existem serviços públicos universais as desigualdades persistem no acesso e na utilização dos bens públicos, gerando injustiças e negação dos direitos de cidadania. Tomamos como objeto a atenção prestada em hospitais públicos do Rio de Janeiro, já que a construção do SUS orienta-se pelo princípio do direito universal a uma atenção integral de saúde. A principal constatação da pesquisa foi relativa à naturalização das injustiças dado à precariedade das condições de atendimento e de trabalho nos hospitais públicos. Todos os atores envolvidos pareciam compartilhar de uma visão fatalista de que “serviço público é assim mesmo”. Desta forma, não apenas aceitavam-se desrespeitos e injustiças, como estas condições eram percebidas como imutáveis. Portanto, uma questão macroestrutural, relativa à precariedade dos serviços de atendimento e atenção, passou a ser determinante, confundindo-se com a própria noção de discriminação. Em 5 primeiro lugar, por naturalizar as condições injustas de atendimento e desrespeito. Em segundo lugar, porque, ao implicar na impossibilidade de atender a todos os usuários que demandavam o serviço, aumenta as condições de discricionariedade e poder dos médicos e demais profissionais na seleção daqueles que serão atendidos. Em outras palavras, se não é possível a todos exercer seu direito a ser atendido em boas condições, aqueles que têm poder passam a decidir a quem atenderão. Esta escolha, ao não ser baseada em normas explícitas e compartilhadas, pode, em muitos casos, atender a critérios pessoais, profissionais, científicos, corporativos, etc., alheios à lógica da necessidade e aos critérios igualitários da condição de cidadania. Da mesma forma, outra condição que favorece a discricionariedade e reproduz relações assimétricas de poder é a prática culturalmente sancionada do “jeitinho” como forma de acesso e utilização de bens públicos. Desta forma, solapa-se a normatividade igualitária da cidadania e dos direitos como condição de acesso para transportá-la ao universo das relações pessoais de apadrinhamento e tutela. O direito se transmuta em favor e o acesso diferencial a esse recurso de poder termina por reproduzir as exclusões sociais e os privilégios, atravessando mesmo os setores populares. Na ausência de relações que facilitem seu acesso, e muitas vezes mesmo quando já entrou no sistema, o usuário passa por uma degradante peregrinação para completar seu atendimento, o que distancia o uso destes bens públicos do livre exercício de sua condição cidadã. Em ambos os casos, relativos a fatores macroestruturais e culturais, o universo das normas igualitárias deixa de ser aquele que pauta as condutas e relações, permitindo que a lógica pública se converta em pessoal, aumentando as possibilidades de expressões de preconceitos e discriminações, tradicionalmente presentes na sociedade brasileira. Por outro lado, a predominância de valores e práticas relacionais em detrimento de normas formais termina por criar soluções e compromissos entre profissionais ou destes para com os usuários que mitigam as carências materiais e atendem da forma possível às demandas, paradoxalmente reforçando a aceitação da condição de sub-cidadania. 6 Outros achados contrariam estas tendências dominantes, tais como evidenciado na ocorrência de uma gestão mais democrática e participativa das unidades públicas, bem como o aumento da consciência dos usuários em relação aos seus direitos de cidadania. Sem dúvida, estes fatores são mais efetivos quando existem canais institucionais que permitem o encaminhamento de conflitos no âmbito para uma solução imediata. Do contrário, a reivindicação dos direitos tende a ser vista criticamente mesmo dentre os próprios usuários, que recriminam os “criadores de caso”. Para fazer frente às questões acima apontadas, foram criadas, nos anos mais recentes, alternativas de programas e políticas públicas que visam exatamente atacar os problemas que comprometem a expansão da cidadania. Dentre estas iniciativas destacamos a criação das UPA – Unidades de Pronto Atendimento no sistema de saúde e do PAC das Favelas com a criação da UPP –Unidades de Polícia Pacificadora. No caso das UPA, a criação dessa nova unidade de atenção, situada entre a atenção primária e a atenção hospitalar, pretende não apenas desafogar as filas de espera e a demanda que é canalizada para os hospitais como também fornecer melhores condições de atendimento. Este modelo tem sido considerado uma solução para os usuários e para o sistema, pois ao mesmo tempo se propõe a atender melhor a uma demanda mais reduzida e deixar de sobrecarregar as unidades mais complexas e mais caras, como os hospitais. A cultura institucional das UPA deveria superar os problemas cristalizados ao longo de décadas nas unidades hospitalares, pois incorpora a disciplina e a hierarquia típicas da gestão da Corporação de Bombeiros à qual se vincula junto com a postura mais contemporânea de atenção às demandas da cidadania. No caso do PAC- Programa de Aceleração de Crescimento o governo nacional repassa recursos para investimentos nas favelas de forma a permitir uma intervenção ampla dos governos municipais nas condições de infra-estrutura e na melhoria dos equipamentos sociais disponíveis para a população residente nestas localidades. Combinado com a ação do PRONASCI – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, a entrada da ação do governo nas comunidades vem junto com a criação de uma Polícia Comunitária, 7 especialmente treinada para garantir um tratamento qualificado e respeitoso à população. A ocupação do território pelo poder público assegura o monopólio da coerção legítima e a garantia da segurança pública dos cidadãos. Essa forma abrangente de intervenção nas comunidades vem sendo tratada amplamente pelos meios de comunicação de forma a romper o isolamento das comunidades tanto em termos simbólicos quando materiais, por exemplo, com sua integração aos meios de transporte coletivo. Dessa forma, espera-se romper com o isolamento e fragmentação das políticas e programas anteriores, permitindo a inclusão dos habitantes da favela em uma esfera pública ampliada em que sejam reconhecidos como cidadãos e seus direitos se tornem exigíveis. A existência destes dois novos programas2, cujas estratégias de abordagem da questão de atenção às demandas sociais pretendem dar conta dos problemas por nós apontados nas políticas públicas anteriormente estudadas, justifica nosso interesse em dar continuidade à linha de estudos que vimos desenvolvendo. Desta forma, será possível a comparação dos resultados destas novas intervenções públicas com aquelas que vimos estudando, a fim de avaliar o processo de construção de cidadania face à persistência de situações de discriminação e exclusão social. OBJETIVOS Gerais a) Analisar a implantação de 2 Unidades de Pronto Atendimento em Saúde desde a perspectiva de redução de discriminações no atendimento dos usuários e da construção de cidadania, comparativamente aos dados e estudos já efetuados em 5 Hospitais Públicos no Rio de Janeiro. b) Analisar a implantação do Programa de Aceleração do Crescimento e implantação de Unidades de Política Pacificadora em 2 comunidades, desde a perspectiva de promoção da cidadania e redução de estigmas que discriminam a população destas comunidades, comparativamente aos dados e estudos já efetuados em 3 comunidades do Rio de Janeiro. 2 Ver Anexo II (A Política Habitacional) e Anexo III (A Construção do Sistema Único de Saúde). 8 Específicos a) Aprofundar a discussão teórica de forma a permitir compatibilizar o desenvolvimento mais recente da teoria política da cidadania com a literatura sociológica existente sobre estigma e discriminação. b) Compatibilização da metodologia utilizada nas pesquisas anteriores com as investigações atuais, de forma a permitir a comparabilidade dos dados. c) Identificar fatores que no desenho e implementação das políticas públicas favorecem ou obstaculizam o exercício da cidadania. d) Estabelecer redes de pesquisadores nacionais e internacionais. JUSTIFICATIVA A consolidação de núcleos de pesquisa de diferentes áreas e disciplinas que se dediquem ao estudo das políticas públicas sob o prisma da promoção da cidadania e do combate à exclusão por meio de práticas discriminadoras é fundamental para que as instituições acadêmicas possam contribuir para a democratização do Estado. O esforço atual de envolvimento de pesquisadores de três instituições permitirá avançar nesta direção. A existência de um núcleo de pesquisas como o PEEP em uma das principais Escolas de Administração do país mostra que a questão da assistência social e direitos humanos não se circunscreve a uma perspectiva disciplinar. Ao contrário, é no campo das políticas públicas que os direitos sociais se realizam ou são negados. A originalidade da abordagem desenvolvida e testada em pesquisas anteriores está dada por tratar, ao mesmo tempo tanto das questões relacionadas à gestão das políticas e programas quanto aos efeitos percebidos destas intervenções na promoção da cidadania e no combate à exclusão social. O tratamento de duas políticas distintas – uma no campo da atenção à saúde e outra no campo da melhoria urbana e segurança pública – permite transcender 9 as especificidades setoriais e analisar de uma maneira mais geral as práticas e relações discriminadoras que persistem no acesso e utilização de bens públicos. A vasta experiência da coordenação e da equipe de pesquisadores na produção teórica e na análise de políticas sociais tem sido um fator importante para a formação de uma massa crítica nesta área. A possibilidade de comparar dados da investigação atual com outras investigações já realizadas e que se consolidaram o Banco de Dados permitirá avaliar a importância das políticas e programas em estudo pra atingir aos objetivos de promoção da cidadania e combate à discriminação. Estes resultados deverão ser divulgados com o objetivo de informar os formuladores e executores de políticas no Rio de Janeiro acerca da persistência de fatores de discriminação na relação da cidadania com o Estado. METODOLOGIA A originalidade das pesquisas que constituíram o Banco de Dados do PEEP sobre Políticas Públicas e Cidadania é decorrente do fato de em ambas as pesquisas, serem abordados aspectos relacionados tanto à gestão das políticas quanto aos impactos de sua implementação na construção da cidadania ou na sua negação por meio de práticas discriminatórias. No projeto atual pretendemos dar seguimento às duas linhas de investigação que vimos desenvolvendo em torno ao tema da construção da cidadania e combate à discriminação nas políticas públicas, tanto na atenção à saúde no SUS quanto na melhoria de comunidades e territórios urbanos. Pretendemos incorporar ao nosso Banco de Dados sobre Políticas Públicas e Cidadania análise dos programas e políticas atuais que, tanto na área de saúde quando na habitacional, foram desenvolvidos com objetivo de superar os entraves já apontados na execução dos programas anteriormente estudados, que inviabilizavam a plenitude do exercício da cidadania e permitiam a continuidade de situações de discriminação. 10 Para tanto, devemos selecionar, no Rio de Janeiro, duas Unidades de Pronto Atendimento para o estudo da atenção à saúde e duas comunidades beneficiadas pelo PAC das Favelas e a implantação das UPP. Para incorporar o estudo destes quatro novos casos, será necessário adequar a metodologia empregada nas duas linhas de investigação já desenvolvidas anteriormente, de forma a compatibilizar hipóteses e dimensões já formuladas com as especificidades dos programas a serem estudados. Neste sentido, será necessário elaborar um marco comum entre as duas linhas já desenvolvidas e daquelas com os programas a serem estudados, de forma a compatibilizá-los e permitir uma análise comparativa. Portanto, será necessário revisitar o Banco de Dados existente, com as entrevistas e outros resultados dos instrumentos utilizados, para adequar a análise de ambos os resultantes das pesquisas nos hospitais e nas favelas à nova proposta metodológica que será desenvolvida especificamente para a fase atual. O trabalho de campo, nas duas UPAs e nas duas comunidades com UPPs será então levado a cabo. Após a coleta e análise do material coletado será procedida a comparação com os resultados da fase anterior, nos dois casos. Espera-se, desta forma, com o recurso de recorrência a um Banco de Dados tão extenso e com uma metodologia previamente testada nas duas linhas de investigação, que seja possível um avanço na construção deste instrumental de análise de políticas públicas na construção da cidadania. A aplicação de técnicas de análise como a representação social permitirá evidenciar os núcleos das representações de diferentes grupos em relação à questões centrais para nossa análise como as noções de direito, cidadania, discriminação, desrespeito, etc. Neste sentido, pretendemos articular as linhas de investigação no teste das seguintes hipóteses gerais3: a) Os agentes sociais são distribuídos no espaço social geral, na primeira dimensão, de acordo com o volume total de capital que eles possuem e, em segunda dimensão, de acordo com a estrutura de seu capital, isto é, o 3 Ver aprofundamento deste debate no Marco Conceitual que segue no Anexo IV. 11 peso relativo das diferentes espécies de capital, econômico e cultural, no volume total de seus ativos. (Bourdieu, 2007:17) b) O conceito de Sartre de “serialidade” pode ser útil para teorizar sobre o posicionamento estrutural que condiciona as possibilidades de agentes sociais sem que com isto constitua suas identidades. O posicionamento na estrutura social como classe, gênero, raça, e idade condiciona de uma forma seqüencial as vidas dos indivíduos por possibilitar e constranger suas possibilidades de ação, e por permitir relações de superioridade e diferença entre as pessoas. (Young,2000:100-101) c) A denegação do sujeito se processa como uma falta de reconhecimento, negação de direitos, ausência de participação na distribuição dos recursos de poder e incapacidade de redistribuição dos ativos. Uma política de reconhecimento é parte dos reclamos por inclusão social e extinção de desigualdades estruturais e desvantagens, requerendo novas relações entre Estado e sociedade. (Fleury,2003; Young,2000; Frazer,2003; Honnel, 2003). Técnicas de Investigação e de Análise Para estudar os efeitos das políticas públicas em relação à preservação das práticas de discriminação social no atendimento em hospitais públicos do Rio de Janeiro e também na promoção da integração da favela e de seus moradores na comunidade de cidadãos, utilizamos uma metodologia qualitativa com base em observação participante, entrevistas: com gestores, com usuários e beneficiários das políticas e com profissionais envolvidos em sua implementação. Além disso, selecionamos grupos especiais, cujas demandas em relação à política em estudo apresentasse alguma especificidade. Assim foram feitos grupos focais por cortes de gênero, grupos com jovens e, no caso do estudo da atenção hospitalar, grupos com mulheres líderes negras, cuja prática social tem uma grande interface com a atenção em saúde. Outra técnica utilizada foi a da dramatização, com o método do Teatro do Oprimido, desenvolvido por A. Boal, em um grupo de jovens profissionais que 12 já atuavam como internos em hospitais públicos, e que pudessem dessa forma expressar suas vivências de discriminação, não facilmente captadas com outros instrumentos que apelam mais à racionalidade que às emoções. No caso da linha de investigação sobre a ocorrência de desigualdades injustas no acesso e utilização dos serviços públicos de saúde, a pesquisa orientou-se por um sistema de hipóteses centrado sobre os seguintes eixos: Formação Profissional, Cultura Institucional, Gestão e Usuários. As hipóteses gerais de cada eixo foram: 1) A formação profissional atribui poder ao profissional, o que implica na hierarquização. a) no interior das equipes; b) no atendimento. 2) A Cultura Institucional não privilegia a noção de atendimento como bem público e exercício de direitos. 3) As condições de gestão de serviços afetam as condições de atendimento. 4) As características dos usuários e dos profissionais confrontadas na dinâmica de uma determinada relação social interferem nas condições de atendimento. Estas hipóteses e suas derivadas em cada eixo foram submetidas a uma consulta com informantes qualificados, em um Workshop no qual foram também definidos os critérios de seleção dos hospitais que fariam parte da amostra. Assim, foram selecionados cinco hospitais públicos no município do Rio de Janeiro, quatro federais e um municipal, sendo esta escolha pautada pela localização geográfica. Tal critério associa-se ao pressuposto de que este é um fator a ser considerado na análise da desigualdade no acesso/utilização dos serviços de saúde. Além disso, optou-se por hospitais públicos devido ao pressuposto de que a saúde como bem público é um direito melhor realizado na instância governamental do que na rede privada – atravessada mais explicitamente pelos interesses de mercado. Na primeira etapa, finalizada em 2009, foram estudados os seguintes hospitais: Hospital da Lagoa, Hospital do Andaraí, Hospital Geral de Bonsucesso, Hospital Municipal Miguel Couto, Hospital dos Servidores do Estado. 13 Para avaliar os Programas Favela-Bairro e Morar Legal partiremos de duas dimensões de análise: institucional e dos usuários. 1. A dimensão institucional refere-se aos aspectos gerenciais, sociais e políticos dos programas. É compreendida como o locus de materialização das políticas sociais. As condições reais de inclusão e exclusão são criadas através do processo de formulação e desenho das políticas e dos mecanismos gerados para sua implementação, combinados à alocação de recursos e gestão. Essa dimensão se traduz no tipo de mediação entre Estado e sociedade, na configuração organizacional, no modelo de gestão, na capacidade humana e técnica instalada e no aparato burocrático. 2. A dimensão dos usuários refere-se aos aspectos sociais e individuais dos sujeitos atingidos pela política a ser avaliada pelo que denominamos de construção do sujeito. A construção do sujeito é o processo pelo qual os indivíduos se autonomizam e adquirem a capacidade de desenvolvimento de projeto próprio e coletivo, notadamente no aspecto emancipatório da produção e das possibilidades de reprodução. A ampliação da esfera pública permite a construção da identidade dos diversos atores, assim como sua incorporação de forma diferenciada. Viabiliza a construção de sujeitos como atores sociais, uma vez que as políticas possuem, além da dimensão material e institucional, uma dimensão simbólica, espaço privilegiado da subjetividade e da formação de identidades coletivas, tais como:.Trajetórias e identidades pessoais e sociais; Respeitabilidade; Auto-estima; Relações familiares; Sociabilidade; Empoderamento; Expectativa de futuro; Segurança. Na primeira etapa, finalizada em 2005, foram estudadas as seguintes comunidades: Vigário Geral, Loteamento Ana Gonzaga, Rio das Pedras. Ou seja, duas favelas, marcadas pela violência uma delas com presença do tráfico e outra das milícias, e um loteamento, no qual os moradores são proprietários. METAS a) Consolidação do Banco de Dados do PEEP sobre Políticas Públicas e Cidadania 14 b) Favorecer o acesso à literatura mais recente sobre os temas da cidadania, discriminações e exclusão c) Formar pesquisadores e núcleos em instituições associadas que se dediquem a estes temas na docência e investigação d) Aumentar a produção acadêmica nesta área de investigação com a publicação de artigos científicos e o desenvolvimento de monografias e teses, bem como produzir material didático por meio da confecção de dois vídeos. e) Realizar um seminário internacional sobre o tema4. f) Elaboração de documento com recomendações sobre o combate à exclusão nas políticas públicas RESULTADOS ESPERADOS a) Desenvolvimento teórico e metodológico no tratamento das políticas públicas desde a ótica da construção da cidadania, combate à discriminação e à exclusão social, que se traduza na publicação de um artigo em periódico internacional e dois artigos em periódicos nacionais Qualis A. b) Formação e consolidação de núcleos de pesquisadores em instituições acadêmicas como a EBAPE, IFCS Faculdade Salesiana de Macaé, evidenciado pelo envolvimento de docentes e pesquisadores na investigação e produção de monografias (pelo menos uma em cada uma das instituições) sobre o tema investigado. c) Construção de redes nacionais e internacionais de pesquisadores do tema, se possível a ser consubstanciada na realização do seminário e na publicação de um livro como produto deste seminário. d) Divulgação das recomendações de combate à discriminação e promoção da cidadania por meio das políticas públicas entre os atores envolvidos. 4 Depende da captação de recursos adicionais. 15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOURDIEU, P. Social Space and Symbolic Power. Sociological Theory, Vol. 7, No. 1. 2007, pp.17 FLEURY, Sonia. Política Social, Exclusión y Equidad en América Latina”, Revista Nueva Sociedad, No. 156, Caracas, 1998. ______, Sonia. La Expansión de la Ciudadanía In Varios Autores. Inclusión Social y Nuevas Ciudadanías. Bogotá, Pontificia Universidad Javeriana, 2003. ______, Sonia. RAE Revista de Administração de Empresas, vol. 49, Fleury, Sonia. Retomar o Debate sobre a Reforma Sanitária para Avançar o Sistema Único de Saúde SUS numero 4- out/dez. 2009. FRASER, Nancy. Social Justice in the Knowledge Society: Redistribution, Recognition, and Participation. Na internet: www.wissensgesellschaft.org. 2001. HONNETH, A., Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo, Ed. 34, 2003. YOUNG, I. M. Inclusion and democracy. Oxford, Oxford University Press, 2000, cap.3 (100-101). 16