E m B u s c a da J u s t i ç a Social Saúde no Brasil: Políticas e Organização de Serviços - Amélia Cohn & Paulo E. Elias. São Paulo: Cortez, 1996. 117 páginas José Mendes Ribeiro Pesquisador-visitante Se quisermos saber no que consiste, qual deva ser a finalidade resume porque da ao corpo do Estado, particular e a igualdade, ela (...). Tal igualdade, dizem, existir na prática. Mas, se o abuso pelo menos destruir regulamentá-lo? a igualdade, corresponde porque pode de todos os bens, verificar-se-á que se não pode do espírito é inevitável, tender deve sempre a força Ordem Social. De qualquer cais e não precisemos das coisas a a mantê-la. J.J. Rousseau - Do Contrato As sociedades no século sem que que não tender toma- subsistir especulativo, segue-se por sempre da legislação liberdade, a outro tanto de força a liberdade é uma quimera Precisamente a força o maior de legislação, a liberdade e a igualdade. A principais: dependência FIOCRUZ/FAPERJ. precisamente, de todos os sistemas nestes dois objetivos qualquer do Convênio Social. direcionamento de XX enfrentam a busca pela forma, as Leis de nosso sécu- prioridades, igualdade, ou a minimização lo vocação A utopia de combinar merca- preservam a tais "disfunções". das desigualdades, por mo- redistributiva. desen- do e justiça social no capita- dos e mecanismos diferentes volvimento do mercado como lismo compete com a heran- dos imaginados por pensado- expressão capi- ça marxista voltada a alterar res do século XVIII, especial- talismo, as desigualdades fo- o caráter de classe do Estado mente em função dos papéis ram perpetuadas e restou ao burguês. reservados ao Estado para Estado, e além da garantia da Lei e da compensar, por recursos fis- Com dinâmica através das o do políticas, No sociológico debate político contemporâneo, as atenções voltam-se à com- preensão e à busca de reso- não poderia deixar de ser em to lução função do próprio perfil dos final acerca das políticas de Autores, oferece uma visão saúde, em termos de recur- própria sobre a história re- sos década de 90, estas questões cente das políticas de Saúde institucionais permanecem e de Previdência Social. Esta de serviços. dos conflitos entre alocação pública e privada. No Brasil, em meados na ordem da do para sustentar a financeiros, e análise arranjos distribuição dia. São tempos de reformas. análise busca, além de recu- Algumas delas, como a Re- perar um fio condutor destas da Previdência Social no Bra- forma do Aparelho de Esta- políticas, apontar as iniqüi- sil, a partir da Lei Eloy Cha- do, influenciadas (pelo me- dades sociais, e alinhavar ves, de 1923, criando as Cai- nos no plano da condução algumas alternativas para a xas de Aposentadorias e Pensões (CAPs). São destacados Começa pela montagem que tem sido dado pelo Go- readequação de objetivos e verno FHC) pela crítica con- ações em busca da justiça quatro elementos constituti- servadora ao Estado de Bem- social. A denúncia dos fra- vos do nascente sistema: ini- Estar e u r o p e u , cassos do Estado no Brasil ciativa e forte ação normati- em va do Estado; financiamento pelas fortalecida duradouras vitórias promover políticas eleitorais da década de 70. redistributivas exitosas é a tripartite, envolvendo Outras, como a da Segurida- tônica do quadro bém empresários e trabalha- de Social, embora potenciali- apresentado pelos Autores, dores; acesso à assistência zada por este debate, perten- além da apresentação e aná- médica mediante filiação ao cem a uma discussão de vá- lise de dados recentes. sistema; e o caráterassistencialistae excludente rias décadas sobre questões primeiro texto, de Amélia guro social nascente. A par- atuariais, de inclusão de cli- Cohn, trata de descrever e tir daí, a seqüência de cria- entelas e de eficiência de discutir os arranjos pós-Cons- ção de Caixas e Institutos que gestão, englobadas na chama- tituinte de 1988 no plano da culminam na unificação, em da "Crise da Previdência". Seguridade Social, considera- 1966, com a o surgimento do Outra reforma em voga é a do excludente e injusto. O Instituto Nacional de Previ- da Saúde, mas esta tem ante- texto de Paulo Elias trabalha dência Social (INPS). Para cedentes diferentes por ser dentro desta mesma lógica os Cohn, neste período coexis- analítico O tam- eventos mais diretamente li- tiram a forte pressão dos tra- dos gados à política de Saúde e balhadores por ampliação e anos 80, inspirada e condu- a distribuição da oferta de uniformização dos benefícios caudatária e potencializada pela Reforma Sanitária serviços pelas diferentes rezida pelos ideaisredistributivosda esquerda no Brasil. des de assistência pública. e intensa atividade normativa do Estado. Com a Lei Justamente a Seguridade No primeiro texto, "A Orgânica da Previdência So- Social e o Sistema Único de Saúde na Previdência Social cial, em 1960, esta uniformi- Saúde no Brasil são objeto e na Seguridade Social: Anti- zação foi acompanhada da de Amélia Cohn e Paulo Elias gos Estigmas e Novos Desa- incorporação da assistência no oportuno lançamento da fios", Amélia Cohn apresenta médica individual ao sistema Editora Cortez, que nos che- a engenharia política da cria- previdenciário e "...para a ga às mãos. O livro, compos- ç ã o da Previdência questão da saúde, foi nessa to de dois textos integrados, brasileira e a sua recolocação ocasião destina-se, como assinalam os como fundamento da seguri- privatizante e seu perfil cada Autores, ao apoio a ativida- dade a partir da Constituinte vez mais distante das reais ne- des didáticas no campo da de cessidades de saúde das clas- Saúde Coletiva; porém, como percorrem o conjunto do tex- 1988. Estes dois Social eixos selada sua sorte ses ção assalariadas em e da popula- (p. 19). O pro- geral" Cohn atribui ao SUS certa in- selhos capacidade municipal, em superar a de Saúde nos níveis e nacio- estadual bu- nal; e consolidar o papel do de uma progressiva incorpo- rocrática e privatista assenta- MS no âmbito da cooperação ração da no INAMPS. Assinala que técnica e da pesquisa. cesso, assinala de Cohn, foi benefícios, o porém herança assistencialista, o SUS sob uma lógica assistencialista e controladora. O momento da Constitui- permanece centraliza- Por fim, demonstra preo- do sob a égide do executivo cupação com o fato de o federal; debate acerca da absorção ção de 1988 representa uma ao inflexão no padrão de políti- "reais ca previdenciária, pelos com- da fortemente das pela Seguridade Social dos saúde direitos e benefícios amplia- com dos pela Constituinte de 1988, promissos que expressa em baixos investimentos; e "pro- estar centrado na escassez de termos de universalidade e fundamente recursos. Como diz a Autora, eqüidade, e algumas inova- injusto". ções são assinaladas. Como diz: "Essas p r o p o s t a s r e p r e s e n - tam uma mudança quadro do radical sistema de no mercado; orientado dissociado necessidades população de brasileira"; discriminatório e "...a O capítulo apresenta, de da discussão se d á mais acalora- no seio dos setores forma bastante clara e objeti- mais organizados da socieda- va, as informações de, centrais a questão de fundo que prote- para o acompanhamento da permanece constituuniversa- é como de fato Imple- montagem da seguridade so- c u m p r i r os preceitos significa cial no Brasil, e suas reper- cionais que ditam a tradição cussões sobre o setor saúde. lização criada em todo o processo de O conjunto tem o intuito, q u a l q u e r c i d a d ã o a benefícios ção social mentá-las, enfrentar o brasileiro. portanto, peso da do acesso de todo e para além de instruir, inter- e serviços sociais essenciais, in- e agilidade do vir no debate atual do SUS, dependentemente seu a p a r a t o i n s t i t u c i o n a l " (p. 29). cujas orientações normativas serção no mercado de traba- Os obstáculos consistem em decorrem da Constituinte e lho resgatar a credibilidade da são confrontadas com o qua- (p. 54). sua m o n t a g e m , e x i g i n d o m a i o r racionalidade e d e seu da sua nível d e in- renda" previdenciária, dro de crise vigente. Desta O segundo texto, "Estru- ampliar o caráter público da forma, Cohn designa as dire- tura e Organização da Aten- gestão do sistema, rediscutir trizes que, a seu ver, devem ção à Saúde no Brasil", foi a cesta básica de serviços ofe- nortear tal intervenção. Des- escrito por Paulo Elias, e recidos e o acesso aos bene- tas, destacam-se: subordina- move-se pelo mesmo intuito fícios, e aprofundar a fiscali- ção aos princípios gerais do de ressaltar as virtudesredistributivasdo Estad zação aos acidentes de tra- SUS; descentralização, cação especial das políticas balho. efetiva transferência de recur- de saúde em apontar para a Um destaque importante sos decisórios e financeiros justiça social. Converge, tam- burocracia com no texto é conferido à Políti- às esferas locais; combate ao bém, em apontar o caráter ca de Saúde, cujo pano de clientelismo iníqüo de sua implementação fundo reside na descrição das intergovernamentais; reforma na realidade brasileira, acen- profundas desigualdades so- do Ministério da Saúde (MS) tuado pela chamada ciais em nosso país. Apesar enquanto neoliberal". Baseando-se em da lógica redistributiva em- sistema; maior controle sobre informes do Banco Mundial, butida na Constituinte de o desempenho orçamentário o Autor ressalta a importân- 1988 e do sistema público de em função da multiplicidade cia dos gastos em saúde no nas relações coordenador do de fontes; melhor Sanitária, articulação saúde instituído comocaudatário da Reforma entre as dinâmicas dos Con- mundo e o perfil restritivo "onda observado da entre postos de saúde, cen- surgimento das Ações Inte- compa- tros de saúde, unidades mis- gradas de Saúde, em 1983, ração aos mercados mais con- tas, policlínicas, pronto-socor- nos América nos Latina, solidados. Após contextualização países por uma das rápida políticas ros e hospitais. Há maior detalhamento na descrição da "estertores d o autoritaris- mo". Aponta muito adequadamente para a interação de saúde, Elias volta-se para rede em São Paulo, com ta- entre o seu objetivo central - des- belas sobre oferta de servi- pactuação, especialmente a crever mais detalhadamente o SUS, o que é feito de for- descentralização e ços e distribuição da força de partir da NOB-SUS 93, com o trabalho. surgimento dos organismos ma bastante didática, e ofe- O tema do financiamen- colegiados intergovernamen- recer diretrizes de superação to é abordado e o seu cará- tais - as comissões interges- dos problemas observados. ter regressivo é denunciado, toras em níveis estadual e é consoante com o texto ante- federal. mostrado em sua diversida- rior na qualificação do pa- Saúde, erigidos sob indução de e conflitos de competên- drão da cias e atribuições, sendo a sociais no Brasil. Como diz, constituem o " o u t r o p i l a r d a dinâmica público/privado seu "Esta estrutura brasileira de d e s c e n t r a l i z a ç ã o " . Elias faz um pano de fundo. Os serviços incentivos com as característi- reparo à aplicação do con- públicos, a cargo das esferas cas apresentadas resulta em ceito de controle social à ati- de governo, recorrem à com- subvenções altamente regres- vidade dos conselhos, prefe- pra de serviços a terceiros, sivas, destinando-se apenas às rindo a idéia de O Sistema de Saúde injusto das políticas parcelasvoltam-se minoritárias da popupara além da rede própriaassistencial, "para os Os Conselhos Constituição de Federal, controle o qual supõe " a público, grupos sociais de renda mé- lação de maior poder aquisi- participação dia para baixo". Os serviços tivo" (p. 94). Igualmente, os dãos privados pela gastos em saúde no Brasil são e a participação cobertura "de 2 2 % da popu- analisados através de dados va canais institu- lação, em grande parte resi- do Banco Mundial. Em que cionais tradicionais da demo- dente nas regiões Sul e Sudes- pesem as restrições que pos- cracia respondem com através direta poder dos dos cida- deliberativo representati- política: o voto, o Le- te do país" e, como assinala, sam ser feitas à consistência gislativo c o n t r o l a n d o e n o r m a - volta-se "para os grupos de destes dados e à sua capaci- lizando d o s políticos r e p r e s e n t a n d o os gasto o Executivo, os parti- renda mais elevada e parcela dade de detectar o dos trabalhadores urbanos das público realmente praticado, atividades industriais e de ser- distribuídos pelo emaranha- Ao longo de ambas as viços pertencentes a o setor do de rubricas na orçamen- partes que compõem o livro, mais dinâmico da economia" tação pública das esferas de emergem duas constatações. d i v e r s o s i n t e r e s s e s " (p. 115). (p. 68). Tudo isto contribui governo e das isenções fis- Por um lado, uma profunda para a segmentação do siste- cais, as fontes citadas crença no potencial por redis- ma. As atenções do Autor Elias são as usualmente uti- tributivo das políticas públi- voltam-se para o setor públi- lizadas na literatura da área cas e, por outro, uma cons- co, o qual é descrito com da saúde e apontam para tatação dos Autores quanto detalhes em suas diferentes um descompasso entre ne- ao perfil restritivo, concen- formas, através da caracteri- cessidades sociais e trador e injusto zação dos serviços. Este con- público. gasto observado no Brasil. junto de prestadores, públi- Por fim, o Autor trata do A contribuição de Amélia cos e privados, distribuem-se tema da descentralização, vin- Cohn e de Paulo Elias ao culando-o, debate na origem, ao da Seguridade no Brasil chega em um momen- políticas, no processo em ciais, entre outros. Ou seja, to especialmente crítico. Após curso. Quanto ao conjunto da estamos vivendo o momento uma nova mudança de Minis- Seguridade Social, a sua face da repactuação da solidarie- tro da Saúde, o SUS entra em mais poderosa, a Previdên- dade social, que o conjunto uma Os cia Social, é hoje objeto de de direitos, benefícios e res- avanços observados na NOB- fase de uma reforma que está trami- ponsabilidades descritos na 96, em termos de planejamen- tando no Congresso Nacio- Previdência to à nal. Os termos da Reforma São tempos de reformas in- dos da Previdência envolvem a fluenciadas por um ambiente de definição de áreas de atua- político distinto do que origi- organismos ção de sistemas complemen- nou arranjos do Estado de comis- tares públicos e/ou privados; Bem-Estar, e que exigem um con- mudanças no teto de contri- grande espírito inovador da- da buição, nas faixas etárias de queles que confiam no Esta- clientelas aposentadoria, na caracteriza- do como esfera privilegiada ção das aposentadorias espe- para promover a justiça social. pactuado, definições. de ampliação dos Conselhos de fortalecimento colegiados, sões indução papéis Saúde de como as intergestoras, frontados com segmentação o de e são risco através da focalização de Social espelha.