493 CONHECIMENTO E SENSAÇÃO NO TEETETO Daniel Reis Lima Mendes da Silva Mestre em Filosofia pela UFSCar O Teeteto é classificado pela maior parte dos estudiosos como um diálogo que teria sido escrito quando o filho de Ariston e Perictione contava aproximadamente 60 anos de idade1 tendo já escrito grande parte das obras que compõe os argumentos em torno dos quais se configura aquilo que os estudiosos costumam se referir como Teoria das Formas. O Teeteto2 perfaz em conjunto com o Parmênides, o Sofista e o Político, os chamados diálogos “metafísicos”, ou “críticos”, grupo que antecede o último dos três períodos em que se costuma dividir a filosofia de Platão: o período tardio ou da velhice. Hoje o entendimento de parte significativa dos estudiosos é a de que esses quatro diálogos 1 Os dados acima apresentados sobre a idade aproximada de Platão quando escrito o Teeteto e outros diálogos além de sua trajetória política e origem familiar segue a leitura de: The life of Plato of Athens, Debra Nails pag. 1 – 13 in. Blackwell Companion to Plato, Blackwell Publiching, 2006, Oxford. “O Teeteto é o principal campo de batalha da maior disputa entre as alternativas de interpretação da obra de Platão” Chappell (2004), White (1998), Borges (2009), Santos (2008), Fine (2003) entre outros explicitarão em pormenor essa contenda. A disputa se dá entre os chamados Unitaristas e Revisionistas e tem como centro não apenas a posição cronológica de cada diálogo dentro de seus grupos de escritos, mas se Platão altera ou não as doutrinas expostas no Fédon e na República, principalmente a relação de Platão com a teoria das Formas. Resumidamente os Unitaristas postulando que ela se mantém em toda a extensão de seus escritos e os Revisionistas alegando que Platão apresenta não só momentos de incerteza como efetua eventuais modificações na intenção de refinar a teoria visando obter uma resposta mais clara sobre como as Formas podem ser unidades de uma multiplicidade e revisar sua teoria da participação; no Teeteto, por Platão não recorrer às Formas, segundo essa corrente, se daria ali o momento de revisão mais óbvio. Ao lado de uma leitura Unitarista estariam Aristóteles, Proclus e os comentadores antigos e medievais, Berkeley, Scheleiermacher, Ast, Diès, Ross e Cherniss ao lado dos revisionistas estariam Ryle, Robinson, Owen, McDowell, Bostock e muitos dos comentadores contemporâneos de língua Inglesa, de um modo ou de outro este esquematismo não atinge diretamente o objeto de nosso trabalho, mas acataremos a posição Unitarista tanto no que diz respeito a sua cronologia - como diálogo de transição para velhice - quanto no que toca ao não abandono ou revisão da Teoria das Formas, este sim um ponto para nós mais importante 2 Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar IX Edição (2013) ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 494 foram compostos antes do Filebo, do Timeu3 e das Leis, e depois dos diálogos do período médio, que incluem entre outros, o Mênon, o Crátilo, o Fédon, o Banquete, a República e o Fedro4. A procura de uma definição para o que seja conhecimento (epistême) perpassa o diálogo, este objetivo não é atingido, entretanto as teses apresentadas indicam caminhos que vão pautar os debates daquilo que posteriormente virá a ser chamado de epistemologia. O jovem Teeteto apresenta-nos sua primeira “tentativa” de responder a questão do que seja o conhecimento (146c-d) citando uma lista de conhecimentos teóricos e práticos; Sócrates menciona a discrepância entre uma pluralidade de exemplos de conhecimento de uma definição do que é conhecimento em si mesmo. E afirma de modo categórico que não se pode conhecer “o saber dos sapatos” quem não sabe o que seja “saber”, ou seja, ninguém tem autoridade para dizer o que é determinado conhecimento particular sem que saiba o que o conhecimento em si mesmo é, ou, dito de um modo mais dramático todo conhecimento especializado fica interditado se o próprio conhecimento como tal é não for definido impondo-se assim como necessidade delinear o conhecimento em geral antes de estabelecer qualquer particularidade. O Teeteto tem deste modo, como objetivo manifesto encontrar uma definição de caráter universal do que seja o conhecimento, meta esta que fracassa, 3 A posição do Timeu é até hoje igualmente fonte de muita controvérsia, incidindo em algumas interpretações do Teeteto. Por um lado a estilometria nos afirma que o Timeu está ligado ao Filebo, sendo integrante do grupo de diálogos composto na velhice. De outro, OWEN, G.E.L (num famoso artigo intitulado “The Place of Timaeus in Plato’s Dialogues”, de 1953) contestou fortemente os argumentos estilométricos sobre o Timeu, defendendo que este foi escrito antes do Parmênides e do Teeteto, iniciando uma polêmica, com fortes seguidores de parte a parte, que não se esgotou até o presente momento. 4 A respeito dos debates mais atuais sobre a ordem interna dos diálogos de cada grupo ver entre outros: BRANDWOOD (1992) p.90-120 e BOSTOCK (2005) p. 1-10 Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar IX Edição (2013) ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 495 obtendo-se apenas conclusões negativas; três definições são propostas e nenhuma julgada adequada, a saber, “conhecimento é aìsthesis”, “conhecimento é opinião verdadeira” (alethès dóxa) e “conhecimento é opinião verdadeira acompanhada de explicação racional” (lógos). A primeira definição a qual Platão dedica a maior parte da obra, “parece-me que o que sabe algo apercebe aquilo que sabe e, tal como agora parece, saber não é outra coisa que não percepção” 5 (Teeteto 151E4) será a única que trabalharemos em nossa apresentação. Nosso trabalho tem como propósito uma tentativa de delimitação do conceito de aìsthesis no interior da primeira tentativa de definição do conhecimento que equivale aìsthesis a epistême, buscando estabelecer os limites desta em termos cognitivos para Platão. Para tanto, faremos uma apresentação crítica do desenvolvimento da argumentação de Platão sobre a resposta de Teeteto compreendendo a identificação de epistême e aìsthesis, apresentaremos as teses atribuídas a Protágoras e a Heraclito como base de sustentação da definição de Teeteto, faremos uma discussão sobre o domínio da aìsthesis em intersecção com a dóxa e a phantasía e apontamentos sobre o problema da identificação entre ser e parecer ser que perpassará toda a primeira parte do texto até quase seu fim e como ela se reflete na definição final de aìsthesis como sensação, discutiremos como se estabelece o vínculo entre as teses apresentadas no decorrer do texto: a de Teeteto, Protágoras e Heráclito e o modo como elas são decisivas para estabelecer o limite das sensações. Enfim, acreditamos que uma compreensão mais 5 Em geral seguirei a edição portuguesa de Adriana Manuela Nogueira e Marcelo Boeri (2008 Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa) nela se traduz o termo episteme como saber, no entanto para uma compreensão mais próxima de nossa imagem conceitual o mesmo termo pode ser entendido como conhecimento, daqui em diante passarei a traduzi-lo deste modo, assim a definição acima pode ser lida como: “Parece-me que o que conhece algo percebe aquilo que conhece, e, tanto quanto me é dado ver no momento, conhecimento não é outra coisa que não percepção” nos casos que julgar mais adequado em termos de clareza, utilizarei a tradução bilíngüe Anglo-Americana de Harold North Fower (1921 Loeb Classical Library – Harvard/Cambridge University Press, London) com a devida indicação. Anais do Seminário dos Estudantes da Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar IX Edição (2013) ISSN (Digital): 2358-7334 ISSN (CD-ROM): 2177-0417 496 acurada do conceito de aìsthesis em seus diferentes contextos na definição de Teeteto pode nos levar a um patamar de clareza maior em relação ao modo como o mesmo compreendia o domínio do sensível. BIBLIOGRAFIA: BRANDWOOD, L. Stylometry and Chronology. In: The Cambridge Companion to Plato. Cambridge: Richard Kraut, 1992, p. 90-120. BURNET, J. Early Greek Philosophy. Cambridge: A&C Black, 1908. 296p BURNYEAT, M. Protagoras and self-refutation in Plato’s Theaetetus. Phil. Rev., v.LXXV, n.2, p.172-195, 1976. CHAPPELL, T. Reading Plato´s Theaetetus Indianapolis: Hackett, 2004. CHERNISS, H.F. The relation of the Timaeus to Plato’s later dialogues. New York: The John Hopkins University Press, 1957. FINE, G. False belief in the Theaetetus. In:__________. Plato on knowledge and forms: selected essays. 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