1 IMPLICAÇÕES ACERCA DO USO DA INTERSETORIALIDADE NA GESTÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS * Fernanda Marques de Sousa ** Jakeline Estevão Costa *** Mayara Araújo de Melo **** Patrícia Barreto Cavalcanti ***** Priscila Maria Vaz Silva Cabral ****** Rafaela Dayse Oliveira de Lima ******* Rafael Nicolau Carvalho ******** Raquel Araújo de Oliveira Resumo: O objetivo deste trabalho é por em relevo a intersetorialidade, por se entender que ela vem se constituindo numa estratégia frequentemente sinalizada como elemento na gestão das atuais políticas de corte social face às intermitentes desigualdades sociais que caracterizam o Brasil historicamente. Ressalta-se que as políticas públicas em geral sofreram a partir da ampliação dos direitos sociais consignados na Constituição Federal de 1988 profundas mudanças, o que produziu novas demandas, não mais resolvidas através da setorialização dos planos, programas e projetos sociais. Além disso, tais mudanças fizeram emergir novos atores sociais que têm buscado uma ação pública mais responsiva. Palavras-chave: Intersetorialidade. Políticas Sociais. Gestão. 1. INTRODUÇÃO O termo intersetorialidade é indicado na literatura como possuidor de vários sentidos. Numa perspectiva mais nuclear “intersetorialidade” deriva da junção da expressão/prefixo inter agregada a um conjunto de setores, que ao se aproximarem e interagirem entre sí podem produzir ações e saberes mais integrais e totalizantes. O prefixo inter é oriundo do latim inter que significa “no interior de dois”; “entre”; “no * Assistente Social , Pesquisadora do Setor de Estudos e Pesquisa em Saúde e Serviço Social SEPSASS. E-mail: [email protected]. ** Assistente Social, Pesquisadora do Setor de Estudos e Pesquisa em Saúde e Serviço Social (SEPSASS) E-mail: [email protected]. *** Graduando em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba -UFPB. Pesquisadora do Setor de Estudos e Pesquisa em Saúde e Serviço Social - SEPSASS e Bolsista PROEXT do Projeto Direitos Humanos, Juventude e Segurança Pública. E-mail: [email protected]. **** Doutora em Serviço Social. ProfªAssociado IV da UFPB. Pesquisadora CNPQ. Coordenadora do SEPSASS. E mail: [email protected]. ***** Graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba-UFPB. Pesquisadora do Setor de Estudos e Pesquisa em Saúde e Serviço Social - SEPSASS Email:[email protected]. ****** Graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba-UFPB. Pesquisadora do Setor de Estudos e Pesquisa em Saúde e Serviço Social - SEPSASS E mail: [email protected]. ******* Doutorando em Sociologia/UFPB. ProfºAssistente III da UFPB. Vice coordenador do SEPSASS. E mail: [email protected] ******** Assistente Social, Pesquisadora do Setor de Estudos e Pesquisa em Saúde e Serviço Social (SEPSASS) 2 espaço de”; “posição intermediária”, assim a palavra intersetorialidade desvela: 1) Relações entre dois ou mais setores; 2) Que é comum a dois ou mais setores. Nesta perspectiva, a palavra setor aqui empregada, pela própria composição do termo intersetorialidade, remete-se às políticas sociais, que na conceituação geral remonta os processos de gestão das políticas de corte social. Assim, a intersetorialidade para além da sua conceituação, desvela orientações para soluções e alternativas concretas para articulação das políticas sociais, objetivando impactos positivos para as condições de vida das populações urbanas e rurais. Para Nascimento (2010), a intersetorialidade das políticas públicas passou a ser uma dimensão valorizada à medida que não se observava a eficiência, a efetividade e a eficácia esperadas na implementação das políticas setoriais, primordialmente no que se refere ao atendimento das demandas da população e aos recursos disponibilizados para a execução das mesmas. Deste modo, a intersetorialidade passou a ser um dos requisitos para a implementação das políticas setoriais, visando sua efetividade por meio da articulação entre instituições governamentais e entre essas e a sociedade civil. As produções bibliográficas recentes situam a intersetorialidade como uma estratégia que surge para superar a fragmentação e fragilidade das políticas sociais, com vistas a combater as iniqüidades sociais. Trazem também a ideia de que possibilita uma visão integral das necessidades sociais, de forma a compreender e considerar o cidadão de forma totalizante. Neste sentido, a intersetorialidade, no debate atual, vem como uma recorrente estratégia para obtenção de uma maior interlocução entre as políticas sociais, ensejando, no campo social, numa importante “ferramenta” para superação da setorialização das demandas sociais. 2. DESENVOLVIMENTO A temática parte de uma inquietação que advém do atual cenário em que as políticas sociais atravessam de complexificação da questão social, no tocante ao seu enfrentamento que no geral ganha contornos de resolução via ações setorializadas e parcializadas. Assim, torna-se necessário realizar estudos que não se limitem a fetichizar o tema da intersetorialidade, mas sim provocar o debate arrolando categorias que estão intrinsicamente vinculadas à implementação e, portanto, gestão de tais políticas. É justamente durante o processo de gestão que os 3 problemas estruturais relativos a tais políticas ganham visibilidade, como por exemplo, as formas de financiamento, os modelos de gestão seguidos, os diversos modos de organização dos processos de trabalho, parâmetros legais e a própria estrutura de rede em que as políticas encontram para se materializarem. Nessa direção, é fundante analisar a contradição central que envolve o binômio: políticas sociais e intersetorialidade, qual seja, identificar as reais possibilidades de implementação de ações articuladas entre os setores de proteção social num lócus de planejamento que parte de ações isoladas e sem estratégias de diálogo. Segundo Azevedo (2003 apud NASCIMENTO, 2010, p. 8), a intersetorialidade, diz respeito à inter-relação entre as diversas políticas. Neste contexto, destaca algumas dificuldades para a intersetorialidade no que se refere à crescente especialização do poder público e a tendência de maximização do desempenho de cada um dos órgãos do setor estatal. Para Koga (2003 apud NASCIMENTO, 2010, p. 5) a intersetorialidade sobressai enquanto caminho de perspectiva para a política pública, a fim de articular as políticas sociais, urbanas, econômicas de forma a atuarem, nos mesmos territórios prioritários da política da cidade. Segundo Bidarra (2009), optar pela intersetorialidade é preferível já que tal procedimento indica que a gestão: a) investe numa lógica para a gestão que considera o cidadão e por isso busca superar a fragmentação das políticas sociais e b) investe no aprendizado sobre como lidar com as tensões produzidas, quando se tem diferentes setores e atores, com diferentes concepções de mundo, tendo que negociar uma resposta partilhada para os problemas que lhe são comuns. Situar a intersetorialidade na literatura atual requer muita cautela. De um lado há convergências de ideias consistentes de alguns autores já tidos como referencias no estudo da temática, de outro lado, encontramos construções teóricas totalmente divergentes que empregam o termo “intersetorial” para explicar num mesmo espaço todos os problemas de ordem da gestão das políticas sociais, imprimindo ao termo uma perspectiva simplista e estética. Para tanto, de acordo com Inojosa (2001), a intersetorialidade ou transetorialidade, é uma expressão no campo das políticas públicas e das organizações que tem sido discutida no âmbito do conhecimento científico. Segundo a autora, é possível encontrar na literatura o emprego dos dois termos no sentido de articular saberes e experiências para solução sinérgica de problemas complexos. 4 Ademais, Inojosa (2001) diz que uma perspectiva de trabalho intersetorial implica mais do que justapor ou compor projetos que continuem sendo formulados e realizados setorialmente. A intersetorialidade ou transetorialidade está para além desta restrita relação. Desse modo, a autora vem demonstrar que as políticas sociais brasileiras trazem um cariz muito forte da setorialização, perseguindo a noção de fragmentação da questão social sob o viés, sobretudo, do assistencialismo. Compactuando com este ponto de vista, Junqueira (1997) acrescenta que o cidadão, ao tentar resolver seus problemas, necessita que sejam considerados na sua totalidade e não de forma fragmentada. Ressalta ainda que apesar dos serviços serem direcionados aos mesmos grupos sociais, que ocupam o mesmo espaço geográfico, eles são executados isoladamente por cada política pública. Nesse sentido, percebe-se que, para Junqueira, há uma relação existente entre a população e o espaço geográfico a que pertence, com vistas à identificação dos problemas comuns bem como as possibilidades de solução para que se tenha uma vida com qualidade. Assim, segundo o autor, a intersetorialidade constitui “uma nova lógica para a gestão da cidade, buscando superar a fragmentação das políticas, considerando o cidadão na sua totalidade. Isso passa pelas relações homem/natureza, homem/homem que determinam a construção social da cidade” (JUNQUEIRA, 1997, p. 37). Neste sentido, diante dos levantamentos realizados na literatura vigente no entorno desta temática, se observa convergências nas ideias e conceitos trazidos pelos autores que têm produzido conhecimento no que tange à intersetorialidade. Paulatinamente, o debate acerca da intersetorialidade vai ganhando espaço na medida em que vão sendo incorporadas as estratégias do movimento “Cidades Saudáveis” à gestão de alguns municípios brasileiros como Fortaleza (CE) e Curitiba (PR), que de acordo com Westphal e Mendes (2000) se soma, também, aos demais movimentos que ganharam destaque no final do século XX nas diferentes regiões do país e do mundo (como os de comunidades solidárias, cidades sustentáveis, cidades iluminadas e a Agenda 21) e cujos objetivos levam em conta o desenvolvimento humano sustentável, a integração social e a governabilidade. O movimento por cidades saudáveis faz parte de um conjunto de políticas urbanas difundidas e implantadas pela ONU, especialmente por meio da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Centro das Nações Unidas para Assentamentos 5 Humanos (HABITAT), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e do Fundo das Nações Unidas para a Criança (UNICEF), que buscam intervenções diretas, influenciando políticos e planejadores locais. A partir do estado da arte sobre o tema, se observa que alguns conceitos se destacam principalmente por serem pautados em experiências concretas como a de Fortaleza (CE), analisada por Junqueira, Inojosa e Komatsu (1997) no final da década de 1990. Desse modo, as construções teóricas formuladas na década de 1990 no tocante a intersetorialidade estão intrinsecamente relacionadas à lógica de gestão das cidades numa ótica de otimização de recursos materiais e humanos para o desenvolvimento urbano na perspectiva da administração pública. Nas produções recentes, diante do arcabouço normativo que permeia todo o rol de políticas sociais, há um esforço em analisar como as ações estão se refletindo nas condições objetivas de vida da população. A intersetorialidade entra em cena com a perspectiva de conjugar as políticas sociais, para que num dado espaço seja possível alcançar o indivíduo de forma totalizante e assim reproduzir ou generalizar a experiência para raios de abrangência maiores. Nesta perspectiva, Monnerat e Souza (2010) colocam que, A imersão neste cenário concreto de implementação da intersetorialidade evidencia, dentre outras questões mencionadas, que o governo estadual e o nível federal (embora haja avanços na formulação de programas federais com desenho intersetorial) ainda apresentam fraca sensibilidade para com as iniquidades geradas a partir da fragmentação e descoordenação de programas e políticas sociais. (2010, p. 219) Mesmo que tenha havido alguns avanços na forma de pensar e construir as políticas sociais e programas governamentais em nível federal, a barreira da setorialização, que é inerente às condições sócio-históricas de surgimento da proteção social brasileira, é de difícil superação. Além dos fatores estruturais de ordem da gestão administrativa, há também o elemento cultural na gestão das políticas públicas. Romper com os parâmetros que ao longo de décadas permeiam o modo como as políticas sociais são pensadas e operacionalizadas, constitui um grande desafio, pois além do peso que a cultura exerce, a vontade política dos indivíduos também será crucial no processo de mudança. Assim, Machado (2008) vem apontar que, 6 [..] As práticas intersetoriais, por se pautarem em articulações entre sujeitos e setores sociais diversos e, portanto de saberes, poderes e vontades diversas se apresentam como uma nova forma de trabalhar e de construir políticas públicas. Estas políticas devem possibilitar o enfrentamento de problemas e devem produzir efeitos mais significativos para as pessoas. Estas ações permitem certa superação da fragmentação de conhecimentos e das estruturas sociais, apontando um novo arranjo para a intervenção e participação para resolução de questões amplas e complexas. ( 2008, p. 1). A autora infere que a intersetorialidade envolve a expectativa de maior capacidade de resolver situações, de efetividade e de eficácia, pois, em todas as experiências reconhece-se claramente que ela se constrói sobre a necessidade das pessoas e setores de enfrentar problemas concretos. São as questões concretas que mobilizam as pessoas; são elas que criam o espaço possível de interação e de ação. (MACHADO, 2008). Para Bourguignon (2001), a moderna gestão social se pauta, portanto, em princípios como a descentralização, participação social e intersetorialidade, já que segundo a mesma os arranjos intersetoriais se materializam na; [...] articulação entre as políticas públicas através do desenvolvimento de ações conjuntas destinadas a proteção, inclusão e promoção da família vítima do processo de exclusão social. Considera-se a intersetorialidade um princípio que orienta as práticas de construção de redes municipais. (2000, p. 4). Ainda de acordo com Bourguignon (2001), tradicionalmente as políticas públicas básicas são setoriais e desarticuladas, respondendo a uma gestão com características centralizadoras, hierárquicas, deixando prevalecer práticas na área social que não geram a promoção humana. Além disto, percebe-se que cada área da política pública tem uma rede própria de instituições e/ou serviços sociais. Exemplo disto é a Assistência Social que possui um conjunto de entidades estatais e filantrópicas que prestam serviços na área de forma paralela as demais políticas e muitas vezes atendendo aos mesmos usuários. Bourguignon (2001) ressalta que esta forma de gestão das políticas públicas gera fragmentação da atenção às necessidades sociais, paralelismo de ações, centralização das decisões, informações e recursos, rigidez quanto as normas, regras, critérios e desenvolvimento dos programas sociais, divergências quanto aos objetivos e papel de cada área, unidade, instituição ou serviço participante da rede, fortalecimento de hierarquias e poderes políticos/decisórios e fragilização do usuário – sujeito do conjunto das atenções na área social. 7 Tem-se, portanto, uma plêiade de variáveis que devem ser consideradas em se tratando do manejo desta estratégia que extrapolam o desejo em utilizá-la. Ela consiste, sobretudo, num processo de pactuação político e institucional, grassando a postura dos atores sociais que irão utilizá-la. 3. CONCLUSÃO Como foi analisado no decurso deste trabalho, os arranjos intersetoriais tem sido amplamente debatidos pela literatura se tomando como parâmetros os aspectos ídeo políticos constitutivos das políticas públicas (em particular as sociais), bem como os aspectos técnicos visíveis nas micro estruturas institucionais. Há uma postura homogênea no que se refere a existência de um multidimensionalidade que os problemas enfrentados por estas expressam, tornando a estratégia da intersetorialidade ao mecanismo gerencial mais efetivo na elaboração das respostas formuladas pela gestão pública. Os desafios em concretizá-la são inúmeros e excedem simples acordos institucionais em promover ações simultâneas frente às demandas postas. Se colocam notadamente, no planejamento mais amplo da gestão, contornados por posturas políticas, nem sempre homogêneas e por uma estrutura (no caso a brasileira) conservadora que precisa de intensas transformações. REFERÊNCIAS BIDARRA, Z. S. Pactuar a intersetorialidade e tramar as redes para consolidar o sistema de garantia dos direitos: Serviço Social & Sociedade, São Paulo Cortez, n 99. 483-497 ul/set, 2009. BOURGUIGNON, J. A. Concepção de rede intersetorial, [Online] 2001. Disponível em: http://www.uepg.br/nupes/intersetor.htm, acesso em 25/03/2011. INOJOSA, R. M. Sinergia em políticas e serviços públicos: desenvolvimento social com Intersetorialidade. Cadernos FUNDAP, n. 22, , p. 102-110, 2001. JUNQUEIRA, L. A. P. Novas formas de gestão na saúde: descentralização e intersetorialidade. In: Saúde e Sociedade, 6(2):31-46, 1997. ___________, INOJOSA, R. M, KOMATSU, S. Descentralização e Intersetorialidade na gestão pública municipal no Brasil: A experiência de Fortaleza. In: XI CONCURSO DE ENSAYOS DEL CLAD Caracas:“El Tránsito de la Cultura 8 Burocrática al Modelo de la Gerencia Pública : Perspectivas, Posibilidades y Limitaciones”. Caracas, 1997, p. 1-75. MACHADO, L. A. Construindo a intersetorialidade. [Online] 2011.Disponível em: portalses.saude.sc.gov.br/index.php?option=com, acesso em 22/07/2011. MONNERAT, G.L; SOUZA, R.G. de. Política Social e intersetorialidade: consensos teóricos e desafios práticos. IN: SER Social, Brasília, v.12, n 26. p. 200-220, jan/jun. 2009. NASCIMENTO. Suely. Reflexões sobre a intersetorialidade entre as políticas públicas. Revista Serviço Social e Sociedade nº . 101, p. 95-120, jan./mar. 2010 WESTPHAL, M. F, Rosilda, M. et al Cidade Saudável: uma experiência de Interdisciplinaridade e intersetorialidade. Revista de Administração Pública – RAP Rio de Janeiro, FGV, 34 (6): 47-61, Nov./Dez. 2000.