O diagnóstico correto e o dever de indenizar do médico

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O diagnóstico correto e o dever de indenizar do médico
Guilherme Carvalho Monteiro de Andrade
Professor de Direito Empresarial do Centro Universitário Newton Paiva
Advogado – sócio do escritório Monteiro de Andrade e Diniz Advogados Associados
A Medicina é a arte da cura, ciência de importância enorme, que tem evoluído muito desde
que foi concebida por Hipócrates. Nos seus primeiros passos, o médico trabalhava com
pouquíssimos recursos para realizar a investigação da doença de seu paciente e para fornecer
o tratamento adequado. Não à toa, o resultado do esforço do médico não era compatível com
o árduo trabalho desenvolvido – utilizando-se apenas da investigação, o tratamento não
possibilitava a cura do doente. Com o tempo, desenvolveu-se a biologia, a química, a física, a
antropologia e a epidemiologia, o que permitiu grandes avanços do trabalho médico. Além
disso, nas últimas décadas, a Medicina Pública progrediu sensivelmente e também várias
máquinas e equipamentos foram criados para auxiliar o incremento dessa ciência. Com a
Globalização e com a internet, as distâncias se encurtaram e a comunicação tornou-se cada
vez mais dinâmica, permitindo uma evolução muito crescente da Medicina. Como se percebe,
vários fatores contribuíram para o progresso dessa ciência.
Infelizmente, surgem agora questionamentos em conseqüência dessas mudanças introduzidas
na maneira pela qual a Medicina passou a ser exercida.
Um dos dramas atuais que a Medicina moderna tem apresentado diz respeito ao diagnóstico
realizado pelo médico. Esse ato médico é fundamental ao tratamento do paciente, vez que
alguma ação ou omissão pode resultar em danos ao enfermo e isso originar o dever de
indenizar do profissional. Assim, cabe ao médico proceder dentro dos padrões que a Medicina
atual lhe impõe, começando pela anamnese adequada. É preciso realizar uma entrevista
cuidadosa com o paciente, a fim de investigar todos os fatos que podem se relacionar com a
doença reclamada pelo enfermo. Após a conclusão dessa anamnese, o médico deve fazer o
exame clínico no seu paciente, procurando verificar se as informações antes obtidas
coincidem com algum sintoma revelado. Em caso de a dúvida persistir, não conseguindo o
médico proferir seu diagnóstico com os dados encontrados até então, deve indicar a realização
de exames complementares.
Se a Medicina fosse uma ciência exata, onde um sintoma fosse igual a uma doença sempre, o
médico não teria qualquer dificuldade para firmar seu diagnóstico. Se houvesse uma “receita
de bolo” com todas as doenças e seus respectivos diagnósticos, os pacientes teriam sempre o
tratamento mais indicado para as suas mazelas. Mas isso não é possível evidentemente. Vários
fatores influenciam a dificuldade do médico de investigar o problema e prescrever o
tratamento adequado. Para citar apenas um complicador, destaca-se a crescente diminuição do
tempo das consultas. Diante da enorme redução do valor dos honorários pagos por planos de
saúde e pelo Governo, os médicos têm sido obrigados a realizar um número de atendimentos
diários cada vez maior, para manter suas receitas em condições de proverem o seu sustento e
de suas famílias. Com isso, tem havido um encurtamento no tempo das consultas médicas.
Algumas vezes, o médico não chega a conversar por mais do que quinze minutos com seu
doente e já solicita exames laboratoriais e de imagem, para firmar o diagnóstico
posteriormente. O olhar do médico deixou de voltar-se ao paciente e os seus ouvidos já não
escutam mais a voz daquele ser humano que está buscando por socorro. Consequentemente,
nessa prática desvirtuada, não se consegue o diagnóstico adequado algumas vezes.
Em função disso, com freqüência, surgem questionamentos judiciais de pacientes insatisfeitos
com o diagnóstico proferido pelo seu médico. Especialmente nesses dias, em que a
informação sobre as doenças e seus tratamentos está disponibilizada na internet para todos.
É oportuno ressaltar que a solução para esse tipo de ação judicial não é fácil, pois é sabido que
o médico trabalha com o objetivo maior de fazer o bem para seu semelhante, buscando
sempre o melhor resultado para o tratamento. Caso o doente não se recupere da doença, total
ou parcialmente, nem sempre se poderá imputar ao médico a responsabilidade pelo insucesso
do tratamento. Se não for alçando o objetivo traçado, é fundamental que a averiguação feita
pelo Poder Judiciário seja extremamente cautelosa, para que não se cometa injustiça com o
profissional da medicina. Não se pode admitir qualquer tipo de presunção nesses casos
envolvendo alegação de erro de diagnóstico, cabendo ao paciente autor da ação judicial o
ônus de comprovar, de forma idônea, robusta e convincente, o alegado equívoco do médico e
o dano causado, bem assim o nexo de causalidade entre ambos.
Bem a propósito, colaciona-se abaixo o ensinamento do jurista RUI STOCCO, que esclarece
que:
"o erro de diagnóstico, como regra, não gera responsabilidade, salvo se tomado sem atenção e
precauções, conforme o estado da ciência, apresentando-se como erro manifesto e grosseiro (...)
Se, porém, em razão desse equívoco o paciente sofrer dano, ou porque não fazendo o correto
tratamento e deixando de atacar o verdadeiro mal teve sua situação agravada, ou se em razão do
diagnóstico, submeteu-se a tratamento inócuo ou maléfico, haverá, então, de se perquirir se nas
circunstâncias poder-se-ia dele exigir opinião correta precisa.
Para tal caberá indagar se à luz da ciência e do avanço médico-tecnológico poderia o profissional
obter essa certeza, tendo em vista apoio em exames de laboratório, ultra-sonografia, ressonância
magnética, tomografia computadorizada e tantos outros exames postos à disposição (...).
Se a resposta for negativa, não se poderá falar em culpa, pois o equívoco, transmudado em mero
erro profissional, não foi querido, desejado, nem nas circunstâncias se poderia exigir maior
atenção, cuidado ou precisão do médico. É o erro justificável ou escusável.
Repele-se, pois, a teoria de que o erro de diagnóstico não é culposo, mas, ainda assim, empenha
obrigação. Cabe fazer aquela distinção entre o erro justificável, por não se poder, nas
circunstâncias, exigir comportamento médico à luz do estado da ciência".(in Tratado de
Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora RT, 2001, 5ª edição, pág. 409).
Como demonstrou a lição trazida à baila, um diagnóstico somente pode ser considerado
errado se o equívoco for grosseiro, isto é, apenas em circunstâncias que evidenciem que a
conclusão do médico não tem qualquer relação com as queixas e sintomas apresentados pelo
paciente é que poderá ser reconhecido o equívoco. Em síntese, se o profissional da medicina,
após a anamnese e exames clínicos e laboratoriais, entender que o enfermo apresenta uma
determinada doença, somente será possível considerar-se a ocorrência de erro de diagnóstico
se a moléstia apontada pelo médico não estiver no grupo de doenças para aqueles sintomas
revelados pelo paciente.
Pelo que foi articulado, conclui-se que, muito embora possa não se revelar o mais indicado
para um determinado caso, um diagnóstico médico amparado nos indícios apresentados pelo
doente e previsto na literatura médica não pode ser considerado equivocado.
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