Aspetos psicopatológicos do doente cardíaco: como melhorá-los

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Nº35 Jan-Mar 2015 Pág. 52-54
Manuela Abreu
Assistente Hospitalar de Psiquiatria do HSM- cHLn
Assistente da cadeira de Psiquiatria ii da FML
Aspetos psicopatológicos do doente cardíaco:
como melhorá-los
Palavras-chave: Depressão, Ansiedade, Doença cardiovascular; Reabilitação cardíaca
Resumo
este artigo descreve os aspetos psicopatológicos, depressão e ansiedade, frequentemente associados à doença cardiovascular.
Realça a importância da reabilitação cardíaca
na deteção precoce e orientação do doente cardíaco para consulta de psiquiatria, de modo a
controlar os aspetos em questão, cujo efeito deletério sobre o coração está comprovado.
A Ansiedade e a depressão são aspetos psicopatológicos frequentes na doença cardiovascular. O doente cardíaco é, em geral, um doente
ansioso. Após o conhecimento do diagnóstico,
sintomas físicos, um turbilhão de emoções,
desde a sensação de perda de controlo e de referenciais, bem como, medo, isolamento, desespero e impotência perante a doença. O
pensamento oscila entre o imperativo do tratamento e a urgente alteração do estilo de vida.
O quadro de ansiedade predomina, com todo o
corolário de sintomas físicos, designadamente,
palpitações, tremor, sudação, tensão muscular
ou sensação de «aperto» precordial, e psíquicos, como sejam, insónia, aumento da vigilidade, medo, e angústia. É nesta altura
fundamental, tranquilizar o doente, usando
medicação ansiolítica e, assim que possível, explicar com clareza, de modo a que o doente en-
O agravamento do prognóstico do doente com enfarte causado
pela depressão passa pela não adesão às consultas médicas,
à terapêutica e ao programa de reabilitação.
a ansiedade pode tornar-se mais evidente, em
virtude da insegurança quanto à evolução da
doença, do prognóstico e, na antecipação de
possíveis acidentes isquémicos agudos graves,
potencialmente fatais.
Aquando de um internamento, por enfarte
agudo do miocárdio, numa Unidade de cuidados intensivos, o doente irá vivenciar, além dos
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tenda, o evento cardíaco ocorrido e como
poderá evoluir, clinicamente. deve também ser
dada toda a informação quanto à orientação terapêutica a seguir.
Após a alta é, com frequência, verbalizado
que o ocorrido foi um «aviso do organismo»,
para abrandar o stress diário. Quando esta
mensagem é interiorizada, pelo doente, torna-
se mais fácil a adesão ao tratamento.
Após o enfarte, é frequente o doente queixar-se de angústia, medo, incapacidade para
relaxar ou dificuldade em dormir. no entanto,
uma elevada percentagem de doentes «mascara» estes sintomas psíquicos com sintomas
somáticos, de dispneia, falta de apetite, cansaço, dor torácica, tonturas ou cefaleias, o que
nóstico na doença isquémica são: a hiperatividade do sistema simpático-medular e do eixo
hipotálamo-hipofisário-suprarrenal, as alterações da função plaquetária, a redução da variabilidade da frequência cardíaca, a isquémia
miocárdica e instabilidade ventricular em resposta ao stress psíquico, a inflamação e a disfunção endotelial.
Após a alta é, com frequência, verbalizado que o ocorrido foi um
«aviso do organismo», para abrandar o stress diário.
Quando esta mensagem é interiorizada pelo doente
torna-se mais fácil a adesão ao tratamento
torna difícil o diagnóstico do estado depressivo,
designado por «depressão mascarada».
O médico assistente deve estar alerta para
este facto, no sentido de referenciar o doente
para acompanhamento psiquiátrico e psicoterapêutico, uma vez que requer, na maioria das
vezes, terapêutica psicofarmacológica.
O
agravamento do prognóstico do doente com enfarte
causado pela depressão passa
pela não adesão
às consultas médicas, à terapêutica e ao programa de reabilitação. nestes
doentes a reabilitação cardíaca
está associada à
redução dos sintomas depressivos e da mortalidade.
embora uma reação emocional da linha depressiva possa ser normal face ao quadro de
enfarte agudo do miocárdio, o diagnóstico de
depressão major não o é, pelo que não deve ser
ignorado. As alterações fisiopatológicas associadas à depressão consideradas mediadoras
do aumento de risco e agravamento do prog-
em relação à terapêutica psicofarmacológica, a escolha do ansiolítico e sobretudo, do antidepressivo, deve ser cautelosa, nomeadamente
em relação a potenciais arritmias. nos últimos
anos têm sido realizados diversos estudos,
nomeadamente, o estudo enRicHd (Enhancing Recovery in Coronary Heart Disease),
SAdHeART
(Sertraline Antidepressant
Heart
Attack
Randomized
Trial), Mind-iT
(Myocardial Infarction Depression Intervention Trial) e
cReATe (Cardiac Randomized Evaluation
of Antidepressant and Psychotherapy
Efficacy), sobre
a eficácia e segurança dos antidepressivos, em
doentes com cardiopatia isquémica. estes estudos envolveram inibidores seletivos da recaptação da serotonina, sertralina, paroxetina,
fluoxetina, citalopram e escitalopram, tricíclicos,
nortriptilina e, inibidores seletivos da recaptação
da noradrenalina e serotonina, mirtazapina e
venlafaxina. no global, foram considerados efi-
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O apoio multidisciplinar acrescenta segurança, tornando o doente
mais confiante. nesse sentido, a presença física
de um interlocutor é fundamental
cazes e seguros no tratamento da depressão em
doentes com cardiopatia isquémica, no entanto,
a opção do psiquiatra deve ser feita tendo em
conta o perfil individual do fármaco e os efeitos
secundários mais frequentes, de cada um.
Além da terapêutica farmacológica do tratamento cardiovascular e psíquico existe outra
vertente, igualmente importante, que se
prende com a modificação do estilo de vida,
através da adoção de uma dieta saudável, alteração dos hábitos tabágicos, prática de exercício físico, combatendo o sedentarismo e,
introdução de tempos de lazer.
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no sentido de uma maior adesão a esta mudança e à terapêutica, existem programas de
reabilitação cardíaca, que não só melhoram a
condição física mas que têm um papel preponderante no aspeto psíquico. O apoio multidisciplinar acrescenta segurança, tornando o
doente mais confiante. nesse sentido, a presença física de um interlocutor é fundamental,
verificando-se maior benefício psicológico em
programas de grupo realizados em centros de
reabilitação que em programas individualizados, domiciliários.
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