Editorial Página 2 Perfil Página 4 Especialidades Página 6 Cientificidades Página 24 Editorial Editorial Ser Nutricionista já ultrapassou há muito o Com todos os desafios que se levantam na actual- propósito inicial da realização de tarefas de ori- idade, fica pois perfeitamente justificada a ini- entação e vigilância da alimentação racional, ciativa normal e dietética, da população em geral e em Nutricionistas de editar esta revista. da Associação Portuguesa dos instituições, como factor básico de promoção da saúde e prevenção da doença. De facto, com esta pretensão procura-se uma maior proximidade entre os profissionais de Vinte e cinco anos passados, os Nutricionistas, Nutrição e todas as instituições com actividade apesar de aceitavelmente bem inseridos no relevante nesta área, esperando-se que, com o Sistema de Saúde, consideram que há ainda empenho e colaboração de todos, seja possível objectivos para concretizar, metas para atingir, tornar a Revista numa referência relativamente horizontes para alargar. aos objectivos e motivações dos profissionais que representamos. Aliás, procuram a cada dia diversificar competências, difundindo as suas vocações no mercado de trabalho, e é possível vê-los com grande determinação a dar já os primeiros passos em Autarquias e em Direcções Regionais de Educação, perspectivando-se ainda algum desenvolvimento ao nível da segurança alimentar pela recente criação da Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar. 2 3 Perfil Perfil Uma questão de metodologia Alexandra Bento Alexandra Bento transporta para as suas actividades a sua maneira de estar na vida. As normas desta forma de viver passam principalmente pelo estabelecimento de relações próximas e francas com todos aqueles que fazem parte do seu universo. Tem 31 anos e é a actual Presidente da Direcção da Associação Portuguesa dos Nutricionistas. Família, profissão e associação são as três paixões às quais Alexandra Bento, Presidente da Direcção da Associação Portuguesa dos Nutricionistas, dedica o seu dia-a-dia, e das quais é incapaz de prescindir. A família, os dois filhos e o marido, permitem-lhe obter o equilíbrio para todas as actividades, ocupando-lhe por inteiro o coração e grande parte do tempo. A profissão completa de forma salutar o seu dia-a-dia, transportando para ela a sua forma de estar na vida, que passa por cimentar boas relações pessoais e relacionar-se de forma franca e amigável com as pessoas. A associação possibilita-lhe contribuir para o bom funcionamento e engrandecimento da classe. Natural de Vila Real, passou a sua infância e adolescência em Amarante. De Amarante, mudou-se para a cidade Invicta, onde se licenciou em Ciências de Nutrição pela Universidade do Porto, em 1993, tendose desde logo dedicado a uma carreira ligada à saúde, exercendo actualmente a sua actividade profissional como Nutricionista no Hospital de S. Gonçalo. Como diz foi o "espírito inconformista em relação às lacunas existentes na sua associação profissional" que a levou em 1998 a candidatar-se aos corpos sociais da Associação Portuguesa dos Nutricionistas como Presidente da Direcção, cargo que mantém, estando empenhada e motivada a dar a sua contribuição para a melhoria da nutrição em Portugal e para a afirmação da profissão de Nutricionista e da Associação Portuguesa dos Nutricionistas como uma instituição muito importante para a Nutrição. O prestígio alcançado por esta organização e o enriquecimento que proporciona aos seus associados leva Alexandra Bento a aconselhar a inscrição de todos os jovens Nutricionistas na Associação. Considera que a Associação Portuguesa dos Nutricionistas tem por objectivo, para além de defender os interesses profissionais dos seus associados, clarificar os campos de actuação dos Nutricionistas, licenciados pela Faculdade de Ciências de Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, "única Faculdade do nosso país a licenciar Nutricionistas", esclarece Alexandra Bento. Dentro dos campos de actuação dos Nutricionistas, Alexandra Bento destaca a Nutrição clínica, a Restauração colectiva, a Indústria alimentar, a Investigação científica. No virar de um novo milénio, Alexandra Bento refere considerar que "a profissão de Nutricionista será uma das profissões com maior impacto neste novo milénio face aos modernos estilos de vida e a todas as questões relacionadas com o equilíbrio, a qualidade e segurança alimentar". 4 5 Especialidades Especialidades Os Nutricionistas e a Política Alimentar Nacional Pedro Graça Resumo Neste trabalho, o autor apresenta a evolução das preocupações da Comunidade Europeia com a alimentação ao longo dos últimos anos. Discute-se o actual panorama alimentar e os maiores obstáculos à implementação de uma Política Alimentar Europeia. Enquadra-se Portugal numa situação privilegiada face ao contexto Europeu, pela sua situação alimentar e de recursos humanos. Introdução Com a presidência Francesa, marcou-se definitivamente o interesse da União Europeia na criação de medidas políticas capazes de melhorar o estado nutricional dos cidadãos europeus. Portugal, devido aos seus padrões de consumo alimentar e à presença de recursos técnicos especializados, pode, neste contexto, ter uma palavra a dizer. Política Nutricional e Alimentar no contexto Europeu – Evolução histórica Desde a assinatura do Tratado de Roma em 1957 até ao Tratado de Maastrich em 1993, a Comunidade Europeia pouco se interessou pelas questões da saúde pública, preocupando-se inicialmente com questões económicas. A questão alimentar sempre foi subordinada às questões da produção, onde a Política Agrícola Comum (PAC) dominou e domina ainda as atenções. No início a Comunidade estava interessada em formar um grupo de economias coesas e capazes de cooperar entre elas. Em 1990, dão-se os primeiros passos do sentido da melhoria efectiva da situação nutricional nos Estados membros através Resolução do Conselho e dos representantes dos governos dos Estados-membros, reunidos em 3 de Dezembro de 1990, relativa a um programa de acção sobre a alimentação e a saúde. Nessa resolução a Comissão era convidada a apresentar uma proposta que previsse a organização e a promoção de um programa de manifestações e de actividades, nomeadamente, um "Ano Europeu da Alimentação". Entre estas actividades incluiam-se: 1) acções gerais de sensibilização, do tipo programas de informação através da televisão, rádio e imprensa e ainda através de conferências e distribuição de material didáctico e de divulgação ou entrega de prémios; 2) projectos-piloto sobre as condições nutricionais de grupos seleccionados de populações de risco, bem como da qualidade nutricional dos alimentos; 3) inquéritos e estudos sobre os factores que orientam as escolhas do consumidor em matéria de alimentação e o efeito dos alimentos sobre o equilíbrio metabólico, as consequências da evolução dos hábitos alimentares, as consequências da rápida evolução dos métodos de fabrico, de conservação e de distribuição dos alimentos, a formulação das mensagens destinadas ao consumidor e os estudos sobre os comportamentos alimentares nas diferentes regiões da Comunidade; e, 4) actividades do comité científico da alimentação humana. Estas acções foram apenas timidamente implementadas, tanto que as conclusões do Conselho e dos Ministros de Saúde dos Estados membros reunidos em Conselho, de 15 de Maio de 1992, relativas à alimentação e à saúde (Jornal Oficial C 148 de 12.06.1992), convidavam a Comissão a prosseguir a sua reflexão e a reafirmar a importância de uma acção comunitária neste domínio. Só com a assinatura do Tratado de Maastrich se inicia o primeiro Quadro de Acção na Saúde Pública com 5 programas específicos de intervenção nas áreas do Cancro, Sida, Toxicodependência, Promoção da Saúde e Monitorização do Estado de Saúde das Populações. Na sua comunicação relativa a um quadro de acção no domínio da saúde pública [COM(93) 559 final de 24.11.1993], a Comissão descreveu os problemas no domínio da saúde com que se confrontam os Estados-membros, tendo explicado o modo como tencionava pôr em prática as disposições do Tratado. A sua abordagem baseava-se na aplicação de dois tipos de acção: acções horizontais relativas nomeadamente à promoção e à vigilância da saúde: programa comunitário de promoção, de informação, de educação e de formação em matéria de saúde e programas plurianuais globais relativos a um certo número de domínios prioritários: cancro, toxicodependência, SIDA e outras doenças transmissíveis. 6 7 Especialidades Neste contexto, surgiram diversos projectos Europeus com o objectivo de melhor conhecer e influenciar os estilos de vida, nomeadamente a ingestão de alimentos. São estruturados vários sistemas de avaliação da situação, como os projectos "EPIC – European Prospective Study into Cancer and Nutrition", "PanEuropean Survey on Attitudes to Food and Health", "The Sate of Health in the European Union in 2000", e o Data Food Networking III". Concomitantemente é dinamizada a formação a nível Europeu de técnicos capazes de darem resposta a problemas de âmbito nutricional com a constituição de programas de pós-graduação como o "European Nutrition Leadership Programme" ou o "European Masters Programme in Public Health Nutrition". Em 1996, iniciou-se o 3º plano da "Europa contra o Cancro" que enfatizava a mudança de hábitos alimentares, através do aumento do consumo de frutos e hortícolas, da diminuição da ingestão de gordura saturada e de bebidas alcoólicas. Mais recentemente, a União Europeia (UE) começou a querer desempenhar um papel ainda mais activo na defesa da saúde pública dos seus cidadãos. Com a revisão do Tratado de Maastrich em Amsterdão (1998) declara-se no Artigo 152 que " a protecção da saúde deve ser assegurada na elaboração e implementação de todas as políticas e actividades comunitárias". Vaise ainda mais longe ao admitir que a acção da U.E " deve complementar as políticas nacionais devendo ser direccionada para a melhoria da saúde pública, para a prevenção da doença e eliminação das fontes de perigo para a saúde humana". Para tal deve-se recorrer entre outras estratégias à "informação e educação" das populações. Estes princípios aqui apresentados reflectem uma mudança substancial nas orientações da U.E face à saúde dos seus cidadãos. Em vez de medidas que "contribuam" para a melhoria da saúde pedem-se medidas que "assegurem" a melhoria da saúde. As medidas devem ainda "promover a saúde" em vez de apenas prevenir o "aparecimento da doença". A situação alimentar actual e a necessidade de uma Política Alimentar Comum Porque razão a U.E começou a dar mais atenção às questões da alimentação e da saúde pública nos últimos tempos? Em parte, devido a cinco grandes alterações no sistema de produção, comercialização e consumo de alimentos. Em primeiro lugar, nos últimos anos deram-se grandes alterações nos métodos de produção alimentar, com a introdução da manipulação genética. Este método, ainda não totalmente compreendido, quanto a repercussões na saúde pública, introduziu uma capacidade acrescida de produção para aqueles que dominam esta tecnologia, e, por outro lado, uma grande desconfiança população, que a U.E quer evitar. Em segundo lugar, deu-se uma enorme procura nos alimentos com nutrimentos e outras substâncias adicionados industrialmente, em parte devido à publicidade quanto ao seu efeito benéfico sobre a saúde dos consumidores. Esta alteração nos padrões de consumo de alimentos tende a modificar em pouco tempo o panorama actual das ingestões de nutrimentos nos diferentes grupos da população. Acresce ainda uma preocupação cada vez maior por parte dos consumidores, quanto às relações entre a ingestão alimentar e a saúde, onde podemos dar como exemplo, o aumento significativo dos casos de obesidade na UE. Em terceiro lugar, existe neste momento um enorme apelo público para a produção de alimentos em regimes menos intensivos e menos agressivos para o meio ambiente. Os consumidores procuram não só alimentos com menores custos ambientais, mas também produzidos com menos aditivos e tóxicos. Nalguns casos, como na crise da BSE, as consequências para os produtores e poderes públicos podem ser elevados. Em quarto lugar, a introdução das novas tecnologias de informação tornaram o consumidor mais informado mas também mais susceptível de ver seu comportamento analisado. Esta modificação fragilizou os consumidores mais afastados destas tecnologias e aqueles onde as organizações de defesa do consumidor são menos efectivas, como é o caso Português. Por último, as alterações recentes nos acordos mundiais de comércio, vão permitir uma crescente liberalização do consumo alimentar no espaço Europeu. Os países do Mediterrâneo com consumos alimentares mais próximos de padrões desejáveis serão, provavelmente, dos mais afectados, pois são aqueles com uma agricultura e sistema de distribuição mais vulnerável e sujeita à mudança. Especialidades Obstáculos à Política Alimentar Comum Face a estes dados, é natural que a Comissão Europeia tente uma acção política mais concertada para dar uma resposta efectiva a esta nova situação. No entanto, são muitos os obstáculos com que se depara. Entre eles, podemos enumerar a existência de políticas promovidas no seio da EU com efeitos desconhecidos sobre o estado nutricional das populações. A PAC é uma delas, já muito se tendo escrito sobre o seu impacte positivo ou negativo sobre o estado nutricional. São necessários estudos mais amplos neste domínio ainda desconhecido, até porque o Tratado de Maastrich assim o obriga ao assinalar que "deve ser assegurado um nível elevado de protecção da saúde na definição e implementação de todas as políticas comunitárias". Outro obstáculo sério à formulação de uma Política Alimentar Comum é a dispersão de responsabilidades por diferentes corpos nacionais e a inexistência de uma Comissão Científica para a Alimentação forte e coesa no seio da UE. O actual Scientific Committee for Food (SCF) é ainda uma estrutura frágil e por outro lado os diversos corpos nacionais responsáveis pela alimentação, são habitualmente compostos por diversas identidades, cada uma com uma agenda própria, sendo muitas vezes difícil promover consensos. Linguagens diferentes, objectivos diferentes e a presença discreta de Nutricionistas nos corpos decisores tornam estas agências nacionais pouco efectivas e muito dependente do poder político. Nos casos de sucesso, como na Noruega, em que desde 1974 foi lançada e implementada uma Política Alimentar, a Comissão Científica colocou de lado burocratas e apostou em cientistas que exprimem de forma independente as suas opiniões, as quais posteriormente podem ser levadas em conta ou não. A credibilidade das agências nacionais e regionais é ainda fundamental para que lhes seja confiada a tarefa de fornecer e implementar recomendações alimentares. De facto, sendo a Europa um enorme puzzle de culturas com os seus hábitos e preferências próprias, cada uma adaptada a determinadas especificidades ambientais, sociais e culturais faz todo o sentido que seja confiada a instâncias locais com amplo conhecimento do terreno a tarefa de criar e implementar orientações de base alimentar que vão de encontro a linhas de orientação nutricional. Outro obstáculo sério à existência de uma Política Alimentar Comum é a inexistência de um conhecimento aprofundado, regular e minimamente padronizado da ingestão alimentar nos diversos países da U.E. Sem esta informação é difícil atribuir prioridades de intervenção ou conhecer até a evolução da situação nutricional. Diversas tentativas de avaliar a situação nutricional e alimentar na U.E têm vindo a ser feitas. Podemos citar, entre outros, o projecto EUROSCOP – Improvement of Knowledge of Food Consumption with a view to Protection of Public Health by Means of Exchanges and Collaboration Between Database Managers , o COST 99/EUROFOODS – Inventory of European Food Composition Tables and Nutrient Database Systems, o DAFNE – Data Food Networking, EURALIM – Europe Alimentation Project e o projecto SENECA – Multi-centre survey of nutrition and health in the elderly. No entanto, estes projectos, estão ainda longe de fornecer a informação regular necessária à monitorização do estado nutricional da população Europeia. Por outro lado, muitos destes projectos têm um financiamento de 4 anos o que torna difícil a avaliação da evolução alimentar que necessita de períodos mais prolongados de observação. A formulação da Política Alimentar Comum e o papel dos Nutricionistas Do que aqui foi exposto, a Política Alimentar Comum será uma realidade mais ou menos próxima. Portugal tem condições para participar neste processo de uma forma activa. Possuímos no nosso país, um conjunto de disponibilidades alimentares associada à produção agrícola e a tradições gastronómicas e culturais que são protectoras do ambiente, do emprego, e da saúde. Possuímos um vasto conjunto de licenciados em Ciências da Nutrição habilitados para avaliar e compreender a ingestão alimentar, definir planos de intervenção e actuar no terreno. Neste aspecto, Portugal encontra-se mesmo em situação privilegiada pois definiu há muitos anos, no ensino universitário público, uma clara opção inovadora ao conceber uma licenciatura de raiz em Ciências da Nutrição, algo que só se fazia em alguns países do norte da Europa. Os Nutricionistas, vocacionados para o trabalho interdisciplinar na área das Ciências da Saúde têm formação Especialidades específica na avaliação da situação nutricional das populações, através da sua formação epidemiológica, são capazes de intervir eficazmente, a nível individual e comunitário, possuem condições técnicas para intervir em grupos específicos a nível escolar, laboral e institucional, através da formação e da gestão dos serviços de alimentação. Possuem ainda uma compreensão clara dos fenómenos legislativos nas áreas mais críticas do actual panorama alimentar como seja a rotulagem alimentar/nutricional, géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial, alimentos funcionais e fortificação. Mais, possuem já uma visão ampla das políticas comunitárias que se interpenetram e que poderão vir a condicionar a elaboração de futuras Políticas Alimentares/Nutricionais no contexto Europeu. Por todos estes motivos a integração de nutricionistas nas futuras estruturas responsáveis pela implementação de Políticas Alimentares será um passo necessário e irá acontecer na maioria dos países Europeus. Espera-se que em Portugal, devido à situação excepcional de recursos humanos que vivemos, não se fuja à regra, e até se vá mais longe. O momento que vivemos actualmente é pois de forte esperança para todos aqueles que têm lutado para uma sociedade mais saudável e mais atenta aos problemas nutricionais. Pedro Graça Regente da Disciplina de Política Nutricional Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto Rua Dr. Roberto Frias, 4200-465 Porto 10 11 Especialidades Segurança Alimentar: Novos Desafios Fernando Amaral A introdução do mercado único obrigou os países que constituem a Comunidade Europeia à reformulação dos seus sistemas de controlo e segurança alimentar de modo a adaptá-los à nova realidade. Esta tarefa acabou por se revelar mais complexa e exigente do que se previa e resultou num sistema de controlo harmonizado mas com carências que se foram tornando evidentes ao longo do tempo. As crises da BSE e das dioxinas vieram tornar imperativa uma nova abordagem da segurança alimentar, num momento em que a confiança dos consumidores se encontra muito abalada. A resposta tenta ser dada usando uma nova metodologia em matéria de segurança alimentar, a análise de riscos nas suas 3 componentes: avaliação, gestão e comunicação dos riscos. 1. Mercado único e segurança alimentar Com a introdução do mercado único em 1 de Janeiro de 1993, alteraram-se profundamente as condições relativas ao comércio, controlo e fiscalização dos géneros alimentícios. Desaparecem os controlos efectuados até esta data nas fronteiras nacionais e, em sua substituição, é implementado um sistema baseado na aplicação de legislação comunitária, designadamente legislação vertical (legislação sectorial respeitante, por exemplo, a carnes e produtos cárneos, a leite e lacticínios, etc.) conjugada com legislação horizontal (que tenta abranger toda a cadeia alimentar), e em procedimentos de controlo pré-definidos cujo melhor exemplo é o Regulamento dos Controlos Veterinários Aplicáveis ao Comércio Intracomunitário de Produtos de Origem Animal (1). Este diploma estabelece que os géneros alimentícios de origem animal só podem ser comercializados desde que tenham sido obtidos, controlados, marcados e rotulados de acordo com a regulamentação comunitária e sejam acompanhados com documentação e marca sanitária adequada. designada como “marca de salubridade comunitária” (fig. 1), esta marca é formada por uma oval, no interior da qual existem 3 campos respeitantes ao país de origem, nº de controlo do estabelecimento e uma sigla relativa à UE. A marca de salubridade comunitária deve ser Fig. 1: Marca de Salubridade comunitária P XPTO007 CEE colocada durante o processo de fabrico ou acondicionamento do produto, em estabelecimento autorizado e de forma claramente visível, legível e indelével. Este sistema obriga também a um registo oficial de operadores, à realização de avisos prévios de chegada de produtos de origem animal provenientes de países comunitários e à organização de um livro de registos destas operações. Os avisos prévios, efectuados junto da autoridade competente (Direcção-Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar e da Direcção Regional de Agriculura da área), devem ser realizados com uma antecedência mínima de 48 horas e incluir a designação das mercadorias, data da recepção, peso, país, estabelecimentos de origem e local de descarga previsto. Numa situação de risco grave e imediato, um sistema de troca rápida de informação (2) obriga as entidades competentes à recolha de informações relevantes, recolha de amostras, determinação dos riscos, proibição da colocação no mercado e remoção do mercado de um produto ou lote de produto afectado, bem como à comunicação da situação à Comissão Europeia. No entanto, hoje é claro que em matéria de higiene e segurança alimentar, o edifício legal comunitário nasceu com deficiências estruturais que afectam significativamente a sua eficácia. Numa época em que é comum o fabrico de gigantescas quantidades de alimentos em unidades industriais de grande capacidade, afastadas milhares de quilómetros dos locais onde estes irão ser consumidos e usando avançadas tecnologias de fabrico, distribuição e conservação que vêm prolongando por muitos meses a vida útil destes alimentos, este sistema não abrange de forma integrada Especialidades toda a cadeia alimentar, permite a coexistência de abundante legislação vertical com legislação horizontal, caracteriza-se pela sua rigidez e incapacidade para acompanhar o desenvolvimento de novas técnicas de produção, transformação e distribuição de alimentos e, sobretudo, não considera como instrumento importante em matéria de segurança alimentar, a análise dos riscos nas suas 3 componentes: avaliação, gestão e comunicação dos riscos. Estão assim criadas as condições para, em caso de ocorrência de acidentes, se originarem graves crises em termos de saúde pública. 2. Princípios de segurança alimentar: nova abordagem O sector agro-alimentar é hoje um dos principais sectores industriais na União Europeia, representando cerca de 15% da produção total a indústria transformadora, o que se verifica numa época em que as crises da BSE e das dioxinas vieram colocar em evid~ência, de uma forma clara, as carências dos sistemas de segurança alimentar da Comunidade e dos seus Estados-membros. Em consequ~ência, verificou-se uma natural e significativa quebra de confiança dos consumidores nos actuais processos de produção, transformação e comercialização de alimentos, bem como nos conhecimentos científicos, na legislação, no controlo e fiscalização alimentar, o que veio colocar a segurança dos géneros alimentícios, mais do que nunca, no centro das suas preocupações. para assegurar um nível elevado de protecção da saúde humana e de protecção dos consumidores, o Livro Branco da Segurança Alimentar (3) estabelece que “a política de segurança dos alimentos deve basear-se numa abordagem global e integrada, ou seja, ao longo de toda a cadeia alimentar (da exploração agrícola até á mesa)”. Assim, os principais responsáveis em matéria de segurança alimentar passam a ser os produtores de alimentos para animais, os agricultores e os operadores do sector alimentar. As autoridades competentes devem controlar e garantir a observância desta responsabilidade, implementando adequados sistemas nacionais de segurança alimentar. A comissão, por sua vez, avaliará o grau de desempenho das entidades nacionais. Finalmente, os consumidores deverão representar um papel central neste cenário, quer no que respeita à correcta utilização dos alimentos, quer intervindo em todas as áreas relacionadas com a segurança alimentar. 3. Autoridade Alimentar Europeia vs. Agências nacionais Sendo pacífico que, como acontece em qualquer actividade humana, a produção de alimentos é acompanhada de algum risco para o consumidor, importa saber avaliar e gerir eficazmente os riscos inerentes e criar condições para que estes sejam reduzidos à sua menor expressão. Um dos aspectos nucleares da nova abordagem da segurança alimentar é a criação de um sistema em pirâmide, no topo da qual se encontra uma Autoridade Alimentar Europeia (AAE) com competências na “avaliação e comunicação dos riscos no domínio da segurança alimentar”, e cuja base é formada por Agências dos vários Estados-Membros, interlocutoras privilegiadas da AAE no que respeita à recolha de informação e respondendo perante a Comissão Europeia relativamente às medidas legislativas, regulamentares e de controlo. Esta autoridade europeia independente terá como objectivo a avaliação e comunicação dos riscos, através da elaboração de pareceres científicos, da gestão de sistemas de alerta rápido, da comunicação com os consumidores e do estabelecimento de uma rede de agências e de organismos científicos nacionais. A gestão dos riscos caberá à Comissão e às autoridades nacionais que, nesse sentido, deverão reorganizar os seus serviços de forma a poder responder rápida e eficazmente às situações que se poderão apresentar, encarregando-se quer da produção legislativa, quer do controlo e fiscalização da cadeia alimentar. Daí a razão da recente criação da Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar (AQSA), que irá absorver, no final do seu período de instalação, organismos como a Direcção-Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar (DGFCQA), os serviços da Direcção Geral de Veterinária relacionados com a higiene pública veterinária e com a alimentação animal, os serviços de fis- Especialidades calização das Direcções Regionais de Agricultura (DRA’s) e as compet~encias da Inspecção Geral das Actividades Económicas (IGAE) em matéra de fiscalização da conformidade, qualidade e segurança dos produtos agro-alimentares e da pesca (fig.2). 4. O nutricionista e a segurança alimentar A licenciatura em Ciências da Nutrição e Alimentação é a única, no actual panorama académico em Portugal, a dedicar todo o seu currículo exclusivamente à nutrição e alimentação humana, o que permite dotar os nutricionistas da visão abrangente, integrada e global que os caracteriza. Estes profissionais encontram-se, portanto, naturalmente capacitados para desempenharem um papel importante nesta nova abordagem da segurança alimentar, sendo certo que, pela primeira vez, a Comissão Europeia vem reconhecer que “A protecção da saúde pública não se limita à segurança química, biológica e física dos alimentos. Deve igualmente ter por objectivo assegurar a ingestão de nutrientes essenciais, limitando a ingestão de outros alimentos a fim de evitar efeitos negativos para a saúde, incluindo efeitos anti-nutricionais”. Bibliografia 1 - Portaria nº 576/93 de 04/06, alterada pela Portaria nº 100/96 de 01/04. 2 - Directiva 92/59/CEE do Conselho, de 29 de Junho de 1992. 3 - Livro Branco Sobre a Segurança dos Alimentos. Comissão das Comunidades Europeias; Bruxelas, 12/01/2000 Fernando Amaral Direcção-Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar Av. Conde Valbom, 96 1050-070 Lisboa 14 15 Fig. 2: (*) Competências a integrar na Agência para a Qualidade e Segurança Alimentar Autoridades AQSA de Saúde Regime de instalação IGAE * DGFCQA * Área Alimentar DRAEDM DRATM *DSF *DSF DRABL DRAbi *DSF *DSF DRARO DRAAlt *DSF *DSF DRAAlg *DSF DGV Veterinários * Higiene Pública * Alimentação * Produtos de Municipais Veterinária Animal Origem animal Especialidades HACCP - vicissitudes da sua juventude Manuel Araújo É já um lugar comum dizer-se que o HACCP, Análise dos Perigos e Pontos Críticos de Controlo, é considerado o melhor sistema de segurança alimentar, tendo uma relação eficiência/custo muito favorável. É aconselhado por muitos organismos internacionais de prestígio de que são exemplos a FDA, Food and Drug Administration, a OMS, Organização Mundial de Saúde, pela Comissão do Codex Alimentarius da OMS e FAO e Organização das Nações para a Agricultura, tendo este último organismo elaborado um guia prático para a sua aplicação1 que veio uniformizar conceitos e matrizes algo díspares. Se bem que o sistema tenha quase trinta anos, surgiu como novidade, na Europa e grande parte do mundo, a meio da década passada. A sigla HACCP foi internacionalmente adoptada pela maioria dos países, embora uma minoria, onde o Brasil e a Espanha se incluem, tenha adoptado a sigla constituída pelas iniciais das palavras traduzidas para a língua do país. Curiosamente, os textos que temos lido em língua francesa, muitos deles com origem em França, onde é bem conhecido o cuidado na utilização de estrangeirismos, usam a designação internacional HACCP embora o definam como Análise de Riscos ... e não Análise de Perigos ... Sendo o risco avaliado pelo grau de probabilidade de o perigo ocorrer, temos de conhecer o perigo em primeiro lugar devendo por isso, em nosso entender, designar-se por Análise de Perigos... Talvez esta não uniformidade esteja relacionada com o que é designado por risk assessment, de tão difícil tradução para as línguas latinas, que faz a abordagem global dos perigos e respectivos riscos. Como em qualquer produto ou serviço inovador, há dificuldades que resultam de ajustamentos inerentes ao aperfeiçoamento, indispensável à evolução. E. Taylor da Universidade Central de Lancashire, numa comunicação num forum HACCP em 19982, apontou oito deficiências graves comuns encontradas no sistema, em várias empresas inglesas onde havia sido aplicado, ainda que seguindo o guia definitivo publicado pela comissão do Codex Alimentarius e em que membros das equipas para a implementação haviam sido treinados pelo Royal Institute of Public Health. Como irão instalar o sistema pequenas explorações agrícolas e pequenas empresas com escassos meios materiais e humanos - suporte económico de milhões de famílias - face ao quadro político de segurança alimentar, a médio prazo, traçado no Livro Branco?3 A Comissão do Codex Alimentarius estuda, actualmente, sob proposta da Holanda, a possibilidade de um HACCP mais simples e menos exigente, questão que na discussão inicial teve o desacordo total dos EUA4. Referimos ainda como curiosidade, mas sobretudo como indicador do grau de aperfeiçoamento pretendido, que a delegação alemã discordou, nesta reunião, da utilização da palavra implementação para o sistema, referindo que deve utilizar-se a palavra aplicação. Existem ainda múltiplas questões a melhorar. Citamos o exemplo da diferente noção de Autocontrolos existente em Portugal5 e no Serviço Alimentar Veterinário da Direcção-geral da Saúde e Defesa do Consumidor na CE6. Alguns cursos do ensino superior deveriam dar uma formação mais aprofundada em HACCP, pressupondo, naturalmente, uma preparação prévia dos alunos em microbiologia e toxicologia alimentares e uma preparação complementar de natureza prática; aplicação do aprendizado. Os professores que o ensinam deveriam, por seu lado, ter experiência prática na sua aplicação, mesmo que o objectivo não seja a formação de especialistas no sistema; não é possível a um professor abordar adequadamente, ainda que em teoria, as noções base de prática cirúrgica sem que nunca tivesse efectuado qualquer intervenção cirúrgica. O HACCP é um sistema técnico-científico, refere o Codex Alimentarius, pesando igualmente cada uma das componentes. Uma das abordagens para a resolução de alguns problemas por insuficiente formação prática de profissionais para as empresas - as associações empresariais, em Portugal, queixam-se que o ensino superior 1 Codex Alimentarius, FAO/OMS. Food Quality and Safety Systems, a training manual on food hygiene and the Hazard Analysis and Critical Control Point. Roma, 1998 2 Problems in the implementation of HACCP – a UK perspective. Second International Food Safety International Conference. Noordwijk. 3 Comissão das Comunidades Europeias. Livro Branco sobre a Segurança dos Alimentos. Bruxelas, 12 de Janeiro de 2000. 4 Codex Alimentarius Comission, FAO/OMS. Report of the thirty second session of the Codex Committee on Food Hygiene. Washington DC, 29 November-4 December 1999. 5 Noção deduzida do texto do Artigo 3º do Decreto-Lei nº 67/98 de 18 de Março. 6 Noção deduzida do Final Report of a Mission carried out in the United Kingdom from 19-20 January and 24-28 January 2000. DG(SANCO)1003/2000 - MR final. European Comission, Health & Consumer Protection Directorate-general, Directorate D - FVO. Especialidades não "produz" profissionais com a qualidade desejada - tem sido a criação de cursos técnico profissionais de formação, organizados e ministrados por empresas mistas das associações empresariais e por empresas privadas. Muitos deles têm tido grande sucesso mas, no caso do HACCP, ainda existem relevantes deficiências. A frequente não exigência nos candidatos a formandos, duma preparação de base prévia em determinadas áreas específicas, é um exemplo; os cursos de auditorias em HACCP frequentados por indivíduos sem a formação de base referida, ainda que já auditores noutras matérias, vai criar ruídos que poderão permanecer durante algum tempo, obstáculo a uma mais rápida evolução. O risk assessment não pode ser abordado por quem leu "umas coisas" sobre microbiologia e toxicologia; um psicólogo não poderá ser inspector de finanças, diria o marechal La Palice. Surge também regularmente a confusão entre conceitos e metodologias do HACCP e da norma ISO, série 9000. Há muitos pontos comuns e têm sido várias as abordagens, entre as quais um projecto de Norma Portuguesa, para a sua interligação, mas como os objectivos intrínsecos são diferentes, tem havido alguma dificuldade para a realização desejável dessa interligação harmoniosa. Num futuro breve, com a nova norma ISO 9001:2000, estamos convictos que será solucionada grande parte desta importante questão. Pensamos também que os organismos oficiais têm dedicado atenção insuficiente aos problemas da segurança alimentar. O conteúdo do projecto de relatório sobre leites e de produtos à base de leite, pelos inspectores da CE7 evidencia claramente a desorganização das vertentes da segurança alimentar, em Portugal, que está sob responsabilidade governamental. O documento refere, textualmente, que a formação dos inspectores8 no domínio do sistema HACCP e da tecnologia de sector leiteiro é insuficiente, e faz uma recomendação ao governo português para colmatar com brevidade esta lacuna. Também nos parece que o Instituto Português da Qualidade poderia dedicar mais atenção à segurança alimentar como a componente mais importante da Qualidade no sector alimentar; no 1º Congresso da Qualidade, promovido pelo IPQ, realizado em Lisboa no passado mês de Junho, foram apresentadas 88 comunicações não havendo nem uma sobre segurança alimentar! Recentemente, num artigo sobre HACCP publicado na revista Qualidade Nº 1 de 20009 com um conteúdo "isoficado" (de iso), o autor nem tão pouco deu o nome correcto em inglês ao sistema. A ordem das palavras raramente é arbitrária; rica menina e menina rica não têm o mesmo significado. As revistas oficiais de organismos com responsabilidade nesta área têm, em nosso entender, o dever de dar um contributo para reduzir o ruído. Dentro do aperfeiçoamento necessário a uma mais célere evolução, imperativo nacional, seria importante que o IPQ reconhecesse alguma entidade que concedesse uma chancela para as instituições que, com rigor, tivessem em aplicação o sistema HACCP. Não é difícil imaginar que, a médio prazo, os alimentos sem uma garantia de segurança aceitável, acabem também por se não "venderem" no país de origem; interdição das autoridades sanitárias e/ou recusa dos consumidores. Podemos imaginar que face à concorrência, as agências de viagens da CE, recomendem para os turistas - sobretudo os idosos que imunologicamente são menos resistentes e cujo turismo tem tendência crescente - que viagem para Portugal, como valor acrescentado dos seus serviços, que os hotéis x e y servem carne alemã e queijos franceses10. Nesse tempo, os turistas terão informações sobre os produtos alimentares que são considerados inseguros no país para que viajam, embora hoje apenas sejam informados das vacinas a tomar quando viajam para países de risco relativamente a determinadas doenças. Algumas agências de viagens e turismo holandesas, para manterem os seus clientes e para não poderem ser responsabilizadas, ainda que parcialmente, já preferem recomendar os hotéis e restaurantes que tenham instalado o HACCP. Aliás, na Holanda, os cardápios dum número significativo de restaurantes têm em nota de rodapé a informação de que têm implantado o sistema. É necessário alargar a passada. Manuel Araújo Nutricionista Coordenador dos consultores do Núcleo para a Segurança Alimentar e HACCP da IBP consulting, SA 7 Comissão Europeia, Direcção-geral da Saúde e Defesa do Consumidor, Direcção D - Serviço Alimentar e Veterinário. DG(SANCO)/1001/2000 - MR projecto. Projecto de Relatório de uma Missão Realizada em Portugal entre 20 e 24 de Março de 2000 para avaliar a aplicação da Directiva 92/46/CEE do Conselho que adopta as normas sanitárias relativas à produção e colocação no mercado de leite e de produtos à base de leite. Sd. CE, SANCO FVO, Dublin. 8 O documento refere que os inspectores portugueses "são geralmente veterinários ou engenheiros e são apoiados por engenheiros técnicos." 9 Publicada pela APQ, Associação Portuguesa para a Qualidade. 10 Não há actualmente alguma interdição à exportação portuguesa de leite e de produtos derivados do leite para a CE. 16 17 Especialidades Percurso profissional de um Nutricionista pioneiro Manuel Sequeira Mentiria se dissesse que quando acabei o Bacharelato em NUTRIÇÃO - Dezembro de 1978 -, tinha concretizado o meu grande sonho. Nessa época quem queria ou gostaria de ser Nutricionista? No entanto, não tinha também imaginado que trabalhar como Nutricionista iria ser tão difícil… O (des)conhecimento sobre a capacidade e áreas de trabalho era tão sério e profundo, que quando cumpri o Serviço Militar Obrigatório, por ser Nutricionista, acabei por ser colocado numa Unidade de Cavalaria na Especialidade de Carros de Combate!!!!!! Ou seja, o Poder, desconhecia por completo qual a utilidade dos jovens recém-formados, cujos estudos haviam sido por si financiados, desperdiçando por completo a minha formação, tendo então sido escolhido para Carros de Combate, unicamente, por ter uma estatura mediana/baixa, o que lhes permitia "enfiar–me" dentro daquelas máquinas de guerra de tão reduzida habitabilidade. Acreditem que daí para diante, fui sempre muito mais cauteloso, quando tinha que explicar que era Nutricionista. Depois desta tão "enriquecedora" experiência - 18 Meses - e porque o Ensino não me seduziu, rumei para Lisboa e comecei a concorrer para Delegado de Informação Médica. Se no Norte os Nutricionistas eram ainda pouco conhecidos, em Lisboa … Após uma fugaz passagem pela Indústria Farmacêutica, respondi a um anúncio da NESTLÉ. Março de 1983: - Após diversas Entrevistas, fui admitido como Delegado de Informação Médica no Departamento de Produtos Infantis e Dietéticos. Neste primeiro embate com o "Mundo Empresarial", fui obrigado a desenvolver outras aptidões, nomeadamente na área Comportamental e da Negociação, que apoiadas na minha Formação em Nutrição se vieram a tornar extremamente úteis, nomeadamente quando inserido numa Companhia como a NESTLÉ. Os primeiros 4 anos foram marcantes. Fui obrigado a "crescer" profissionalmente. Novos horizontes/desafios me foram colocados: 1988 - Coordenação Nacional da equipa de Informação Médica. 1991 - Conclusão da Licenciatura em Ciências da Nutrição. 1991 - Chefia do Departamento de Produtos Infantis e Dietéticos. Somos então confrontados com aquela pertinente questão: "Será que o Curso de Nutrição (à semelhança de todos os outros Cursos Superiores) nos prepara para a realidade da vida Profissional? Claro que não! No entanto, fornece–nos uma base suficientemente sólida na área da Nutrição, que complementada com a Formação que a Empresa me forneceu e enriquecida pela experiência profissional adquirida, me permitiu assumir a chefia do Departamento, liderando uma Equipa de 20 colaboradores . - Elaboração do Plano de Marketing - Gestão da Força de Vendas - Lançamento de Novos Produtos Todos estes desafios são possíveis de ser aceites … apenas se precisa de bom senso, capacidade de trabalho, motivação, dedicação e apoio/orientação superior. Por ter sido dos primeiros, senão o primeiro Nutricionista a trabalhar numa Empresa com as características da NESTLÉ, penso ter contribuído de alguma forma para um melhor conhecimento das capacidades dos Nutricionistas - à semelhança de outros colegas, nomeadamente na área Hospitalar - criando por arrastamento uma maior apetência por parte destas entidades empregadoras para a posterior admissão de mais Nutricionistas Hoje … no início do ano 2001, e sensivelmente 22 anos após a conclusão do Bacharelato, é com grato prazer que "revisitando" a minha carreira profissional: - 9 anos de NESTLÉ - 8 anos de NUTRICIA Registo com uma "pontinha" de vaidade, que na NESTLÉ, quer durante a minha permanência, quer após Especialidades a minha saída, outros Nutricionistas foram admitidos e que na NUTRICIA presentemente se encontram a trabalhar (e com sucesso nas suas diferentes áreas/responsabilidades) 7 Licenciados em Ciências da Nutrição. NOTA: Gostaria de aproveitar esta pequena "estória" para render uma sentida homenagem aos Mestres que de alguma forma muito me influenciaram: - Prof. Gonçalves Ferreira, Prof. Rego do Aguiar, Prof. Emílio Peres, Prof. Norberto Teixeira Santos, Dr. Lima Reis e Dr. Abrunhosa. Manuel Sequeira Marketing Manager Nutricia Rua da Fraternidade Operária 2795-491 Carnaxide 18 19 Especialidades Nutricionista Comunitário na autarquia - experiência de uma Nutricionista Estagiária na Câmara Municipal de Valongo Elsa Alves Realizei o meu estágio académico da licenciatura em Ciências da Nutrição da Faculdade de Ciências de Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto no Departamento de Educação, Acção Social, e Desporto, da Câmara Municipal de Valongo, em 1999-2000. O trabalho desenvolvido insere-se no âmbito da Nutrição Comunitária, e o seu objectivo principal foi a intervenção na comunidade, privilegiando a transmissão de conhecimentos, para a mudança de atitudes e comportamentos face à alimentação. A preocupação de base de todo o meu trabalho foi a de alertar toda a comunidade educativa (crianças, pais, professores e manipuladoras de alimentos) para a importância da alimentação na saúde. É responsabilidade da Escola ensinar e incentivar hábitos de vida saudável, promovendo o desenvolvimento global da criança. O nível de ensino privilegiado nesta acção, foi o 1º ciclo do Ensino Básico e Pré – Escolar, nas freguesias de Campo e Sobrado. A adopção de uma alimentação saudável reflecte-se em todo o processo de desenvolvimento da criança, influenciando o seu rendimento escolar. Por isso a escola é o local ideal para a criança aprender e praticar os conhecimentos transmitidos. A forma de educar pelo exemplo, para uma alimentação saudável ao longo da vida, é a mais eficaz para a criança interiorizar os conhecimentos adquiridos. A primeira etapa do estágio foi avaliar as condições higio-sanitárias e funcionamento das cantinas escolares dos estabelecimentos acima referidos. Da observação destas, resultou a necessidade de ministrar uma formação dirigida às manipuladoras de alimentos destes estabelecimentos de ensino. A experiência foi gratificante, justificada pela adesão do número de formandas e, ainda, pela demonstração de interesse pelos temas apresentados e modificação de comportamentos na manipulação. Para pôr em prática os objectivos inicialmente definidos, desenvolvi diversas actividades e materiais para as crianças, entre os quais manuais, jogos, canções. Tendo sempre presente que queria atingir o maior número de crianças, mas com limitações, vi-me obrigada a seleccionar as acções e o seu local. Contudo, em todas as escolas da freguesia de Campo e em duas da freguesia de Sobrado, abordei temas como: - A Roda dos Alimentos - suas mensagens; - A importância das Refeições - Regras básicas de Higiene e Segurança Alimentar Esta acção decorreu numa sessão única, para todas as crianças das escolas acima referidas. O trabalho de investigação, sob o tema - O Impacto da Educação Alimentar nos Hábitos Alimentares e Avaliação do Estado Nutricional, teve como a população alvo as crianças do 3ºº e 4º ano das escolas da Retorta e Outeiro, da Freguesia de Campo. Para a concretização dos objectivos inicialmente propostos, apliquei um inquérito alimentar às 24 horas anteriores, um inquérito de caracterização soció-económica, avaliação antropométrica e desenvolvi aulas de educação alimentar. Os pais de todas as crianças destas escolas, foram convidados a participar em duas sessões sobre Alimentação Saudável e Custo da Alimentação Saudável. Estes aderiram em razoável número, gostaram da iniciativa promovida pela Câmara e mostraram-se interessados para participar noutras acções do género. Para terminar a acção na comunidade escolar promovi uma acção de sensibilização com o tema – "Alimentação Saudável" e apresentação de um manual por mim desenvolvido – "Valonguito Sadio Alimentação na Escola", dirigido aos docentes, das freguesias de Campo e Sobrado. A resposta por parte destes foi positiva, e também se mostraram receptivos para outras iniciativas do género, tal como, incluir o tema no programa escolar e a presença do nutricionista na sala de aula para leccionar o tema. Colaborei ainda no trabalho de campo da disciplina de Nutrição e Saúde Pública, da Faculdade de Ciências de Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, que teve como população as crianças de duas escolas da freguesia de Ermesinde, do concelho de Valongo. O meu estágio no Departamento de Educação, Acção Social, e Desporto, da Câmara Municipal de Valongo Especialidades possibilitou ainda a intervenção em acções promovidas pelo sector de Acção Social, tais como: - campanhas de sensibilização para "Hábitos de Vida Saudável", actividade desenvolvida com a equipa do Projecto Crescer, dirigida a crianças do 4º ano do 1ºº ciclo do Ensino Básico, de algumas escolas de todas as freguesias do Concelho; - realização de uma acção de formação, em colaboração com a Faculdade de Ciências de Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, dirigida aos técnicos que intervêm no âmbito do Rendimento Mínimo Garantido; - acção de formação "Gestão Doméstica", dirigida a doze famílias carenciadas da freguesia de Campo, em acompanhamento pelo Projecto Crescer, Gestão Social da Câmara Municipal de Valongo e no âmbito do Rendimento Mínimo Garantido. Surgiu também um convite para ministrar uma formação dirigida às manipuladoras de alimentos do Centro de Acolhimento Temporário, "Mãe d’Água", instituição que pertence à Santa Casa da Misericórdia de Valongo. Neste Centro, tive a oportunidade de estagiar durante os meses de Julho, Agosto e Setembro. Aqui, desenvolvi as seguintes acções: - organizar o funcionamento geral da cozinha; - promover sessões para aprofundar temas abordados na formação; - avaliar o estado nutricional das crianças; - averiguar os hábitos alimentares das crianças com idade superior a 9 anos; - implementar a alimentação diversificada no plano alimentar dos bebés; - desenvolver actividades no âmbito da Educação alimentar. Penso poder concluir que ultrapassei largamente os objectivos inicialmente propostos. Apesar de parecer muito o tempo de duração do estágio, estamos perante uma vasta população e um variado número de possíveis intervenções, impossíveis de colocar em prática na totalidade durante estes "poucos" meses. Algo ficou bem claro no final: há ainda muito trabalho a fazer neste departamento. No entanto, se à partida havia um desconhecimento das funções do Nutricionista, penso que o meu estágio contribuiu para demonstrar as nossas potencialidades numa autarquia. A prova disso é a resposta dada pela a comunidade, em relação às iniciativas promovidas, pela motivação e adesão demonstradas. A minha participação e concretização de projectos só foi possível devido ao facto de estar a estagiar num departamento, onde existe uma equipa multidisciplinar. Esta tem como principal objectivo a mudança de determinadas atitudes da comunidade em todas as suas latitudes, implicando por isso a participação de diferentes técnicos tendo em vista abranger toda a população. O meio utilizado é a comunicação mas só através de uma mensagem efectiva e real os objectivos serão alcançados. A minha experiência foi gratificante, pois consegui chamar e interessar diferentes públicos para a mudança de atitude não só no que concerne à alimentação, como também em relação à nossa classe profissional. Embora haja quem ainda considere o Nutricionista como um "profissional de elite" com um público alvo restrito, penso que de algum modo consegui desmistificar alguns desses conceitos. Assim como penso que este trabalho demonstrou que a presença de um Nutricionista Comunitário é uma mais valia para as autarquias. Com um trabalho de equipa, e em parceria com diferentes instituições, podemos realizar o sonho de "Nutrição" para todos. Elsa Alves Nutricionista Câmara Municipal de Valongo Departamento de Educação, Acção Social e Desporto Av. 5 de Outubro, nº 160 4440-503 Valongo 20 21 Cientificidades Cientificidades Saúde, actividade física e peso corporal: contributo para o seu conhecimento numa amostra da população adulta Portuguesa Cláudia Afonso1, Denisa Mendonça2, Maria Daniel Vaz de Almeida3 Este artigo é um resumo da Tese de Dissertação de Mestrado em Saúde Pública na área de especialização em Epidemiologia apresentada à Faculdade de Medicina do Porto em Junho de 2000. Resumo: Foi objectivo deste estudo identificar na população Portuguesa, os determinantes e níveis de prática de actividade física (AF) e a sua relação com o peso e imagem corporal. Este trabalho foi desenvolvido no âmbito do projecto Pan-EU Survey on Consumer Attitudes to Physical Activity, Body Weight and Health, liderado pelo Institute of European Food Studies e financiado pela DGV, com a presença de todos os países da União Europeia, sendo a Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação a representante nacional. Foram inquiridos 1007 Portugueses, com idade igual ou superior a 15 anos. Para a análise da informação procedeu-se à análise descritiva, uni e multivariável. Como resultados deste estudo verificamos que em Portugal, a relação entre AF, peso corporal e saúde encontra-se pouco valorizada, sendo a alimentação (60%) o tabaco (26%) e o stress (21%) os determinantes da saúde mais importantes. O acumular de investigação comprova a importância da AF na saúde e bemestar, porém observamos uma elevada proporção de indivíduos que não se encontravam envolvidos em qualquer actividade (60%), sendo a principal barreira apontada para o não envolvimento na AF foi não se considerarem do "tipo desportivo". A distribuição pelas classes de Índice de Massa Corporal indica-nos que embora 49,5% dos Portugueses sejam normoponderais, 42,3% tem excesso de peso (33,2% sobrecarga ponderal e 9,1% obesos) e 8,2% são magros. Os principais factores identificados como influenciadores do aumento do peso corporal relacionavam-se com a alimentação em geral (34%) ou seus aspectos específicos, sendo a AF identificada apenas por 11% da amostra. Verificou-se existirem desigualdades de atitudes, conhecimentos e importância atribuída à AF e ao peso corporal entre regiões do país, idades, sexo e classes socioeconómicas correndo mais riscos de saúde as mulheres, os mais velhos e as classes sociais mais desprotegidas onde a informação e as infraestruturas não chegam com a facilidade esperada. O presente estudo contribui para identificar prioridades de actuação na promoção de uma vida mais activa, servindo como ponto de partida à implementação de uma política de saúde pública adaptada à população Portuguesa. Palavras-chave: saúde, actividade física, obesidade, Portugal Introdução "Mente sã em corpo são", é um princípio cada vez mais actual. Em nome desta ideia de um corpo saudável e belo, aumenta o número de pessoas preocupadas com a saúde e seus condicionantes. A investigação mostra que, o sedentarismo aliado ao padrão alimentar, condicionantes do aumento do peso corporal, desempenham um papel fundamental na sociedade actual obcecada pelo "culto do corpo", onde elegância é sinónimo de magreza e para a obtenção de uma boa saúde, a prática de AF são factores primordiais (1). São hoje reconhecidos os benefícios da AF termos de saúde. A sua prática regular é benéfica em todas as idades pela sua característica fortalecedora dos músculos e ossos, ajudando em grande escala à manutenção da independência funcional, à medida que o envelhecimento ocorre, promovendo não só a longevidade como também a qualidade de vida (2-8), sendo já considerada como uma das melhores aquisições em saúde pública (9). Em paralelo com o sedentarismo generalizado das populações, deparamo-nos com outro grande problema que afecta principalmente as sociedades desenvolvidas, denominado já por várias entidades como a epidemia do século - a obesidade (10,11). 1 Nutricionista, Técnica-Superior, Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto 2 Professora Associada, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar 3 Professora Auxiliar, Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto 24 25 Cientificidades Contrariamente ao esperado numa sociedade em que o estereotipo desejado é a magreza, assistimos ao aumento da prevalência da obesidade, doença crónica, que no seu sentido lato corresponde a um aumento das reservas lipídicas no tecido adiposo, com implicações catastróficas em termos de saúde pública e não meramente uma questão estética (12). Múltiplas interacções têm vindo a ser estudadas na tentativa de estabelecer uma relação entre a falta de AF e o aumento de peso corporal. Assim verifica-se que o contributo da AF, no tratamento da obesidade se relaciona com o seu efeito em termos de balanço energético, composição corporal, parâmetros psicológicos, qualidade de vida, risco de diversas patologias, gestão do peso corporal e distribuição da gordura nos indivíduos obesos ou não-obesos (13-15). Um factor limitante da promoção da AF com a consequente gestão do peso corporal em Portugal, é o desconhecimento dos comportamentos e práticas por parte das populações. Assim, este projecto foi desenvolvido no âmbito do projecto multicêntrico Pan-EU Survey on Consumer Attitudes to Physical Activity, Body Weight and Health , liderado pelo Institute of European Food Studies (IEFS) – Dublin e financiado pela DG V, e com a presença de membros de todos os países da União Europeia em que a Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto foi o representante Português. Presidiu como objectivo geral deste trabalho analisar, na população portuguesa, os determinantes e níveis da prática da AF, e a sua relação com o peso corporal, que possibilitem a definição de estratégias de promoção adequadas à população Portuguesa. Material e Métodos Este estudo envolveu 1007 Portugueses. A amostra foi seleccionada por quotas, definidas em Portugal a partir de dados do Instituto Nacional de Estatística (1991) e posteriormente ponderadas, de forma a representar as realidades sociais e demográficas do nosso país. Mediante os objectivos propostos procedeu-se à elaboração de um questionário estruturado de administração indirecta com perguntas de resposta simples ou múltipla e posteriormente procedeu-se à realização do respectivo estudo piloto em 20 indivíduos. No questionário final incluiu-se para além de questões relativas às atitudes, conhecimentos e comportamentos face à saúde, AF e peso corporal, informações sobre as características sócio-demográficas da população estudada. Neste estudo, o peso e a estatura, utilizados para construir categorias de Índice de Massa Corporal (IMC), foram auto-avaliados (16,17). As entrevistas bem como a digitação dos dados no programa informático foram feitos em conjunto com a Eurotest com a coordenação europeia da Taylor Nelson AGB, segundo as normas da ICC/Esomar (18). Resultados Apresentam-se assim alguns resultados retirados deste estudo. Atitudes face à AF, peso corporal e saúde A alimentação foi o factor mais referido pelos participantes como tendo influência na saúde (60%), seguido dos hábitos tabágicos (26%) e do stress (21%). O peso corporal foi o 6º factor referido e a AF física o 7º, escolhido por apenas 11% dos inquiridos. Verificamos que os principais factores identificados como influenciadores do aumento do peso corporal se relacionavam também com a alimentação, em geral (34%) ou seus aspectos específicos (ingestão de gorduras, 43,8%, açúcar, 22,9%, bebidas alcoólicas, 12,1%). De realçar que a AF é identificada por apenas 10,8% da amostra como tendo influência no peso e que 21,6% dos inquiridos refere não ter tendência para engordar. Os indivíduos que seleccionam a AF como condicionante do peso corporal diminuem à medida que a idade aumenta e são em maior percentagem homens (p<0,05). São indivíduos com maior instrução (17,8%) e pertencentes à classe social média baixa. São os Cientificidades Portugueses com sobrecarga ponderal (16,3%) e que se sentiam normais e gordos quem mais assinala a importância da AF para o ganho de peso. São os habitantes do Interior Norte e Centro de Portugal que concordam mais com esta afirmação. atribuídos pelos Portugueses à prática de AF se prendem com a manutenção da saúde (21,4%), com o facto da AF relaxar (17,6%) e também para estar ao ar livre (15,1%). O convívio foi referenciado por 11,5% dos inquiridos. Frequência da prática de exercício físico Principais barreiras à prática de AF O padrão de distribuição dos Portugueses em termos de horas semanais de prática de AF situa-se em dois extremos, os que não praticam (sendo estes a maior percentagem, 60,2%) e aqueles que praticam mais do que 3,5h (30,2%). Entre 1,5 e 3,5 horas por semana encontraramse envolvidos 9,7% da população inquirida. Em geral, o principal motivo referido para a não participação, prende-se com o facto de não se considerar do tipo desportivo e também com motivos profissionais ou de estudo. A inexistência de condições foi também apontada por 14,1% dos Portugueses. A idade bem como a falta de saúde foi o motivo que 21% da população referiu. O facto de preferir fazer outras coisas foi descrito por 4,4% dos inquiridos. Cerca de 11% dos inquiridos referiu não ter nenhum obstáculo à AF. São as mulheres e os mais velhos que são menos participantes, 70% e 70,7% respectivamente. A escolaridade e a classe social parecem ser factores determinantes da prática de AF. Assim sendo, observamos que são os indivíduos de nível educativo mais baixo, os que têm a mais elevada percentagem de não participação (72,2%). O inverso acontece na classe social mais elevada, pois são os que praticam em maior número de horas (42,4%). A distribuição geográfica dos não participantes permitiu verificar que, num grande número de regiões, a percentagem de não participação era superior à média nacional (60%), destacando-se em primeiro lugar Setúbal e o Alentejo (78,7%), seguido do Algarve (69,2%). Uma participação superior a 3,5h foi encontrada em maior percentagem na zona da Grande Lisboa (40,5%) e também no Algarve (30,8%). Dos Portugueses que referem ter participação em AF, as actividades mais praticadas foram andar continuamente durante 30 minutos (48,9%) e futebol (25,5%), seguido da natação (10,5%) e da pesca (9,9%), tendo as restantes actividades sido referidas em menores percentagens. Principais razões para a prática de AF Apesar da manifesta não participação em qualquer modalidade, verificamos que os principais benefícios Peso corporal e Índice de massa corporal A distribuição do IMC encontrada indica-nos que embora 49% dos Portugueses sejam normoponderais, 42% tem excesso de peso (33% sobrecarga ponderal e 9% obesos). Em termos de distribuição do IMC, a razão da percentagem mulheres/homens é superior não só para a magreza como também para a obesidade. São os mais novos que têm a categoria de IMC mais baixa e os mais velhos aqueles que mais têm excesso de peso (58%). O IMC varia na razão inversa da escolaridade e classe social. Assim observamos que aos participantes com um nível de instrução mais baixa e de menor classe social, correspondia um maior número de indivíduos com peso superior à normalidade. O inverso acontece com os magros e normoponderais que possuem um nível de escolaridade superior e pertencem à classe alta e média alta. Foram encontrados na região de Setúbal e Alentejo, 17,3% de obesos, na Grande Lisboa 12,3% e 10,1% no Grande Porto. Dentro do grupo de menor IMC, foi Lisboa, o Interior Norte e Centro e Setúbal e Alentejo, as regiões que apresentam uma percentagem mais elevada, 13,3%, 8,5% e 8% respectivamente. 26 27 Cientificidades Em geral, e se excluirmos a classe de IMC mais baixa, podemos dizer que o aumento do IMC varia de forma inversa com o n.º de horas dispendido na prática de AF. sas. O oposto acontece à medida que a idade aumenta, ou seja para os mais velhos o método mais utilizado é dieta (11,4% com idade compreendida entre os 34 e os 54 anos e 15% com idade superior a 55 anos). Satisfação com a imagem corporal Embora a maioria dos Portugueses se sinta bem com a sua imagem corporal (47,5%) uma proporção muito próxima dos 45% sente-se gorda (44,7%). São 87 % os indivíduos com IMC ≥ 30 que têm consciência do seu peso excessivo, no entanto 12% sente-se bem com o seu peso. Uma atenção especial deverá ser dada aos participantes com o IMC dentro da normalidade (31%) ou abaixo (5%) que se sentem gordos. Gestão do Peso Corporal Para os 184 (18%) entrevistados que estavam a perder peso, a dieta foi o método a que 51,6% recorreu em primeiro lugar. A AF foi seleccionada por 12,8% e 24% referiu estar a perder peso por outros meios, a sua conjugação com a dieta foi referida por apenas 7% Portugueses. São os indivíduos com peso a mais e que se sentem gordos que estão em maior percentagem a tentar perder peso (41,8% e 27,3%). Destaca-se o facto de 12,9% de normoponderais e 7,3% de indivíduos magros estarem também a tentar perder peso. Os métodos mais escolhidos para a perda de peso variam de acordo com o IMC. A dieta e o exercício físico de forma isolada parecem ser mais frequentes entre os indivíduos obesos (30,8% e 2%) e a medicação, utilizada entre os obesos e por indivíduos que se sentem gordos. A combinação da dieta e AF é mais evidente nos indivíduos normoponderais, com sobrecarga ponderal e pelos que se sentem gordos. Com o aumento da idade, aumenta também o número de pessoas a tentar perder peso, principalmente para os indivíduos que têm idades compreendidas entre os 35 e 54 anos. 3,9% dos mais jovens que estão a tentar perder peso, fazem-no através da prática de AF, seguido de dieta (3,7%). Só 1,3% mencionam ambas as coi- Comparativamente aos homens, são as mulheres quem mais tenta perder peso (20,1% das mulheres e 16,4% dos homens). Os homens quando o fazem, fazem-no igualmente quer por dieta ou pela prática de outros meios (6%), e só 4,1% faz AF quer de forma simples ou combinada com dieta. A dieta é a forma mais utilizada para a perda de peso entre as mulheres (12,7%), só 1,4% o faz mediante a prática de AF e 1,6% através de medicação. A associação entre dieta e AF é só seleccionada por 1,8% da população feminina. À medida que aumentam a escolaridade e a classe social, aumenta o n.º de pessoas que tenta perder peso a praticar AF, combinado com dieta (escolaridade 3ª, 20,6%) e diminui os que fazem dieta de forma isolada. Quanto à classe social são os dois extremos de classe quem mais faz dieta para a perda de peso (13,1%, AB e 14,3%, DE). Apesar do recurso à medicação ser pouco frequente é a classe social mais baixa que com maior frequência recorre a este método (2,6%). Discussão e Conclusões À porta de um novo século, em que a saúde e a sua promoção pela adopção de estilos de vida saudáveis, estão no centro da atenção da sociedade, em que se idealizam políticas e se estabelecem estratégias ambiciosas neste âmbito, a prática de AF bem como a preocupação pela manutenção de um peso corporal adequado, aparecem na opinião dos Portugueses com uma importância reduzida no que se refere à sua influência sobre a saúde. A Comissão das Comunidades Europeias, refere que "as pessoas da União Europeia possuem actualmente uma maior longevidade e revelam estilos de vida mais saudáveis que anteriormente" (19). No entanto, Portugal não parece enquadrar-se neste padrão. Cientificidades Se, no universo da União Europeia, os resultados finais não são, no seu todo, alarmantes, nem a necessidade de intervenção tão premente, ao analisarmos a situação Portuguesa, bem como a de outros países europeus da bacia do Mediterrâneo, os dados sugerem a necessidade de intervir urgentemente pois caminhamos para um futuro pouco animador, confrontados com graves problemas de sedentarismo, excesso de peso e as suas já conhecidas consequências. A nossa população revela uma atitude passiva face à AF, reflexo da ausência de conhecimentos, o que se traduz nos altos níveis de sedentarismo, a par de uma prevalência elevada de peso superior ao normal, factores de risco conhecidos para as principais causas de morbilidade e mortalidade em Portugal. Face aos principais resultados deste estudo salienta-se a necessidade de definir e delimitar estratégias de intervenção em termos de saúde pública. Assim, o Governo deverá reflectir se o que se tem feito e se tem considerado como prioritário, corresponde às reais alterações dos padrões de doença e estilos de vida da população Portuguesa. Para isso torna-se necessário verificar quais as necessidades presentes e futuras não só a nível nacional como local. A par do que já se faz em alguns países da Europa como por exemplo na Finlândia, a implementação de uma política de saúde pública que contemple a promoção da AF, seria um auxílio precioso no sentido da reorientação e reformulação das políticas de saúde no sentido da promoção do bem-estar das populações (20). Estas orientações deverão ter em conta, a criação de infra-estruturas propícias à sua execução, não só em termos materiais como também estabelecendo uma nova legislação que promova a AF nas mais diversas áreas da sociedade (locais de trabalho, instituições de lazer, autarquias, escolas etc.). Existe então a necessidade de promover actividades consideradas atractivas para as diferentes faixas etárias, associando a noção de actividade com diverti- mento e não obrigatoriedade (21), mostrando as mais valias a nível de sucesso escolar e profissional, salientando a sua importância no controlo do stress e conflitos emocionais, criando condições favoráveis ao aumento da AF e ensinar a aproveitar os tempos de lazer adoptando comportamentos mais saudáveis, em todos os grupos populacionais, não esquecendo aqueles que se encontram mais distanciados destas práticas: as mulheres, os indivíduos de menor escolaridade e pertencentes a um estrato social baixo, os mais velhos e os que provavelmente vivem em determinadas zonas do país, como é o caso da região de Setúbal e Alentejo O presente estudo indica também uma necessidade de intervenção para reverter a crescente prevalência do excesso de peso, um dos principais problemas em saúde pública cujas consequências são inúmeras e infelizmente cada vez mais evidentes. Para este problema a prevenção será também o método mais sensato, eficaz e de menor custo (22,23). No que se pode considerar a outra face da mesma moeda verifica-se a difusão de uma imagem principalmente feminina associada à magreza e geradora de estados de ansiedade por quem não se enquadra neste grupo (24). Por outro lado cresce a oferta alimentar de produtos energeticamente densos e de riqueza nutricional baixa que concorrem para o aumento da ingestão de energia. Assim o tratamento da obesidade implica uma abordagem multidimensional, que inclui a intervenção em termos dietéticos, já compreendida pelos Portugueses que pretendem perder peso, e onde a promoção de estilos de vida mais activos é necessária apesar de não ser bem entendida pela nossa população (22,23). O presente estudo evidencia o andar a pé como uma actividade popular em todas as faixas etárias. Também Hakim e Morris referenciam a caminhada a pé com um passo activo como uma forma acessível de exercício para a população em geral, mas também 28 29 Cientificidades para aqueles que têm peso em excesso e mais idade (25,26). No entanto, numa sociedade dominada pelo consumismo, a adopção de estilos de vida que possam ser entendidos como mais "básicos" poderá não ser aceite com facilidade. O Governo Português considera essencial "mobilizar os principais actores no sentido de identificar um Código de Boas Práticas para uma vida activa e saudável, culturalmente adaptado à população Portuguesa e promover a sua difusão e adopção" (27). Aguardamos então um futuro mais animador? Bibliografia 1. Caspersen CJ, Powell KE, Christenson GM. Physical Activity, Exercise, and Physical Fitness: Defenitions and Distinctions for Health-Related Research. Public Health Reports 1985;100:126-132. 2. US Department of Health and Human Services. Healthy People. 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Dissertação de Doutoramento. Faculdade de Medicina de Lisboa, 1998. 25. Hakim AA, Petrovitch H, Burchfield CM, et al. Effects of Walking on Mortality Among Nonsmoking Retired Men. The New England Journal of Medicine 1998;338:94-99. 26. Morris JN, Hardman A. Walking to Health. Sports Medicine 1997;23:306-332. 27. Ministério da Saúde. Saúde em Portugal. Uma Estratégia para o Virar do Século 1998 - 2002. Orientações para 1998. 1998. Correspondência: Cláudia Afonso Faculdade de Ciências da Nutrição da Universidade do Porto Rua Dr. Roberto Frias 4200-465 Porto Telefone: 22 507 43 20 Fax: 22 507 43 29 30 31 Cientificidades Chá, uma fonte natural de antioxidantes Helena Cid O chá é a bebida mais consumida no Mundo, logo a seguir a água, bebendo-se mundialmente mais de 300 biliões de litros de chá, sendo sete vezes mais consumida que a água mineral. Esta bebida é proveniente dos rebentos frescos da Camellia sinensis, um arbusto que cresce em climas tropicais e semitropicais. A partir das suas folhas é possível obter mais de 3000 diferentes tipos de chá e, dependendo do tipo de tratamento a que são sujeitas, divide-se em 3 categorias: chá preto, chá verde e chá Oolong. veis pela cor avermelhada/acastanhada, enquanto que as teoflavinas são responsáveis pelo seu pigmento amarelado. Se, contrariamente não se deixar que ocorra a oxidação enzimática, obtém-se o chá verde. No chá verde, as enzimas são inactivadas, por meio da expoChá Verde Flavonóides 10% Tanto as categorias do chá, como as quantidades de antioxidantes presentes, dependem da forma como este é processado após a colheita. Para se obter o chá preto, após a colheita manual, as folhas do chá são expostas em esteiras para que sofram uma extensa oxidação (fermentação), durante a qual as enzimas aí presentes conduzem à oxidação dos flavonóides em diferentes tipos de compostos dos quais, os que existem em maior quantidade, são as teoflavinas e teorubiginas (ver Fig. I). Estas são formas polimerizadas das catequinas. Estas substâncias são responsáveis por conferir ao chá preto a sua cor e sabor únicos. As teorubiginas são também responsá- Catequinas 90% Fig. I - Chá Preto sição ao calor, logo a seguir à sua colheita. Os flavonóides presentes em maior quantidade no chá verde são as catequinas, nomeadamente a epigalocatequina galato (EGCG) (ver Fig. II). Chá Preto Flavonóides 10% Teorubiginas 47% O chá Oolong resulta de um processo de fabrico intermédio, entre o chá preto e o verde. Deste modo, o chá sofre um processo de fermentação não tão longo como o do chá preto. Catequinas 30% Teoflavinas 13% Fig. I - Chá Preto A composição e a quantidade de sólidos extraíveis do chá, depende de vários factores como, por exemplo, a variedade e a quantidade das folhas, as condições de crescimento da planta, a sua origem (tipos de solo, grau de humidade e temperatura), o método de fabrico (grau de oxidação) utilizado na sua preparação. Para além destes factores, os métodos utilizados na pre- Cientificidades paração do chá são igualmente importantes para a sua composição química final, isto é, a quantidade de folhas versus a quantidade de água, bem como o tempo de duração da infusão são factores que determinam a concentração de componentes fenólicos na bebida final. Podemos encontrar alguns minerais no chá, tal como o potássio, o magnésio e o flúor. O flúor é um mineral que se encontra em quantidades elevadas no chá e é o responsável pela cor amarelada que os recipientes vão adquirindo ao longo do tempo. As populações Africanas que bebem chá diariamente, apresentam baixos índices de cárie dentária. Sabe-se que, no Brasil, na Universidade Federal de Pernambuco, está a ser realizado um estudo populacional, onde está a ser implementado o consumo de chá por forma a ajudar a saúde oral das populações. Mais recentemente, um estudo "in vitro" realizado no International Antioxidant Research Center, refere que as catequinas e os flavonóides, presentes no chá, têm uma elevada capacidade antioxidante. Estas substâncias apresentam uma capacidade de neutralizar o oxigénio e o nitrogénio superior à das outras substâncias antioxidantes, presentes nomeadamente nos vegetais e nos frutos, tais como a vitamina C, E e os carotenóides. Os resultados de um estudo "in vivo" mostraram-nos que após o consumo, quer de chá verde quer de chá preto, as substâncias antioxidantes são rapidamente absorvidos pelo organismo humano e o seu pico sérico máximo dá-se cerca de 120 minutos após sua ingestão. Igualmente foi demonstrado a sua elevada biodisponibilidade. Mesmo a adição de leite não influencia a absorção destes antioxidantes. Chá e Doenças Cardiovasculares Chá e Antioxidantes Já desde a antiguidade o chá era visto como uma bebida que garantia saúde e longevidade. Todos estes benefícios são actualmente suportados por um vasto programa de investigação científica, que há mais de uma década se tem vindo a desenvolver. Os componentes bioactivos do chá são os flavonóides que segundo investigações " in vitro", em animais ou mais recentemente em estudos epidemiológicos e ensaios clínicos, referem que os flavonóides, têm uma elevada capacidade antioxidante. Os flavonóides pertencem ao grupo dos polifenois. Sabe-se que existem mais de 4 000 destas substâncias químicas. Estudos científicos têm demostrado os efeitos benéficos para a saúde dos antioxidantes, nomeadamente dos flavonóides presentes nos frutos e nos vegetais e no chá. O Dr. Ron Prior, da Human Nutrition Center on Ageing, tuff´s University in Boston, mediu a capacidade antioxidante do chá e de 22 frutos e vegetais e verificou que a concentração e a capacidade de antioxidante do chá era superior aos dos outros alimentos estudados. Este investigador concluiu também que 80% dos antioxidantes estão disponíveis a partir dos 5 primeiros minutos de infusão. Evidências científicas têm relacionado o papel dos radicais livres de oxigénio na patogénese de algumas doenças crónicas, como as doenças cardiovasculares, cancro entre outras. Vários estudos epidemiológicos sugerem que o chá pode ter um efeito benéfico nas Doenças Cardiovasculares e parece haver uma relação entre os bebedores habituais de chá e uma diminuição da incidência deste tipo de doenças degenerativas. Os resultados dos estudos "in vitro", demonstraram que os flavonóides presentes no chá são potentes sequestradores de radicais livres na fase aquosa e na lipídica protegendo, deste modo, mais rapidamente a oxidação das lipoproteínas de baixa densidade (LDL). Mesmo quando comparadas as substâncias antioxidantes presentes no chá com outros antioxidantes conhecidas como a vitamina E, C e carotenóides, verifica-se que os flavonóides presentes no chá tem um efeito antioxidante mais eficaz sobre a as substâncias envolvidas na patogénese da placa de ateroma. As evidências sugerem que o chá pode ter, também, um efeito anti-plaquetário. 32 33 Cientificidades Chá e Cancro Os estudos populacionais, têm demonstrado que pode existir um efeito positivo entre o consumo de chá e a prevenção do cancro. Estudos com modelos animais sugerem a possibilidade de tanto o chá verde como o chá preto serem agentes eficazes na prevenção de alguns tipos de cancro, tal como o cancro da pele, do esófago, do estômago, do cólon, especialmente nas fases iniciais da carcinogénese, bem como, nos processos celulares de morte natural (apoptose) destes tumores. Segundo investigações, parece que o consumo de chá, diminui a peroxidação lipídica, a mutagenicidade e genotoxicidade e a inibição da hiperproliferação celular. Por outro lado, parece que o chá tem um efeito poderoso na activação eficaz dos seus antioxidantes e dos sequestradores dos radicais livres. Estão a imergir uma panóplia de investigações cientificas nesta área, necessários para se poder tirar mais conclusões. Conclusão: Os Europeus e os Americanos bebem essencialmente chá preto e os Asiáticos consomem mais chá verde. O chá verde foi o primeiro a ser estudado porém, actualmente pode afirmar-se inequivocamente que ambos (chá verde e preto) contêm substâncias com actividades antioxidantes "in vitro" muito fortes. Uma conquista importante ocorrida nos últimos anos, foi o desenvolvimento de métodos analíticos que permitem medir com exactidão os principais componentes do chá. Isto tornou possível obter provas sobre a biodisponibilidade dos vários antioxidantes presentes no chá. Van het Hof KM, Kivits GAA, Westrate JA, Tijburg LBM. Bioavailability of catechins from tea.: the effect of milk. European Journal of Clinical Nutrition 1998 52 356-359. MGL Hertog et al. Flavonoid intake and long-term risk of coronary heart disease and cancer: the Seven Countries Study. Archives of Internal Medicine, 155, 381-386. MGL Hertog et al. Dietray antioxidant flavonoids and risk of coronary heart disease: the Zuutphen Elderly Study. Lancet 1993 342, 1007-1011. Knekt et al. Favonoids intake and coronary mortality in Finland: a cohort study. BMJ 1996. 312. 478-481. Rimm et al. Relation between intake of flavonoids and risk for CHD in male health professionals. Annals of International Medicine. 125. 384-389. MGL Hertong et al. Antioxidants flavonols and ischemic heart disease in a Welsh population of men: the Caerphilly Study. Am.J.Clin.Nutr. 1997;65:1489-94. Van het Hof, H.H., kivits, G.A.A., Westrate, J. A. And Tijburg, LB.M. 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The chemistry of tea flavonoids. Critical Reviews in Food Science and Nutrition, 37 (8): 693-704 (1997) Cientificidades Restrições alimentares e sua justificação: comparação entre mulheres jovens normais e predispostas a perturbaçõs alimentares Santos, M. L. S., Ph. D Machado, P. P. P., Ph. D Resumo Mulheres jovens universitárias (18-30 anos: N=437) preencheram o "Eating Disorders Inventory" (EDI) e adicionalmente foi-lhes pedido que indicassem numa lista de 70 alimentos/bebidas usuais, aqueles que geralmente evitavam e respectiva razão. Cerca de 16% das participantes (n=68), cujo resultado no EDI era maior que 43, encontrava-se em maior risco de desenvolver perturbações alimentares em comparação com outras com resultados igual ou inferiores a 43 (n=369). Proporcionalmente, mais mulheres do grupo de Risco do que do grupo Normal evitavam alimentos/bebidas na sua maioria de elevada densidade energética: queijo, gorduras, batatas incluindo as fritas, pão, cereais, nozes, doçaria, comidas rápidas, molhos e refrigerantes. Foram encontradas diferenças significantes entre os dois grupos de mulheres em relação à diversidade das justificações para a restrição de 27 alimentos: leites gordo e meio gordo, queijo, ovos, gorduras, pão branco, massas, batata frita, frutos secos, nozes, bolachas e bolos com creme, chocolates, sobremesas lácteas, gelados, compotas, compotas dietéticas, açúcares, adoçante, comidas rápidas, molhos e refrigerantes. As razões para a restrição alimentar sob a categoria "engorda" foram mais mencionadas pelas mulheres em Risco, enquanto que características sensoriais não aprazíveis e/ou aspectos não saudáveis dos alimentos foram mais referidos por mulheres do grupo Normal. Introdução Obsessões pela magreza e pela dieta crónica são cada vez mais frequentes, sobretudo entre adultos jovens do sexo feminino. Todo o processo de restrição alimentar pode originar, entre outros distúrbios fisiológicos e psicológicos, o comportamento de perturbações alimentares incluindo a anorexia (AN), a bulimia nervosas (BN) ou ainda perturbações alimentares atípicas, que podem passar muitas vezes despercebidas (Fairburn & Walsh, 1995). É sabido que o jejum e a restrição alimentar poderão desencadear ingestões alimentares compulsivas (Polivy & Herman, 1985; Wardle, 1987). Existe ainda a tendência para evitar alimentos com elevada densidade energética, nomeadamente os ricos em gordura, e uma maior preferência por produtos alimentares dietéticos (Tuschl et al., 1990). No entanto, pouco se sabe acerca das justificações inerentes à restrição alimentar. Consequentemente, o objectivo deste estudo consistiu em verificar as diferenças em relação aos alimentos evitados e às razões para tal comportamento, entre mulheres jovens predispostas a perturbações alimentares e mulheres que não estavam em risco. Metodologia Estudantes do sexo feminino e de diferentes cursos da Universidade do Minho, com idades compreendidas entre 18 e 30 anos, preencheram um questionário que consistia em duas partes. A primeira incluía o "Eating Disorders Inventory" (EDI; Garner et al., 1983; Garner, 1990) validado para a população Portuguesa (Machado et. al., 2001). O número de questionários válidos foi de 437. As mulheres que participaram neste estudo foram divididas em 2 grupos de acordo com o ponto de corte convencionado de 43 (Jacobson & Truax, 1991). As jovens, cujo resultado do EDI era superior a 43, foram incluídas no grupo de Risco (n=68), ou seja em risco de desenvolver perturbações alimentares, enquanto que as restantes, cujo resultado do EDI era igual ou inferior a 43, constituíram o grupo Normal (n = 369). As médias para o EDI e suas subescalas dos 2 grupos foram comparadas utilizando-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney U. A segunda parte incluia uma lista de 70 alimentos e bebidas usuais. Os participantes teriam que indicar quais os alimentos/bebidas que habitualmente evitavam e providenciar a razão para tal comportamento. O teste do qui-quadrado foi aplicado nas frequências de alimentos evitados e razões. De modo a evitar frequências esperadas menor que 5, as frequências 34 35 Cientificidades pequenas observadas de justificações foram combinadas em Outras razões. O nível de significância escolhido para todas as análises foi de 0.05 (bicaudal). Resultados Características demográficas Relativamente à idade, que variava entre 18 e 30 anos, as mulheres do grupo Normal apresentavam um mean rank superior ao das de Risco (Idade mean rank Normal=226.1; Idade mean rank Risco=180.49; Z=-2.773, p=.006). Apesar de as mulheres em Risco apresentarem um mean rank superior para o Índice de Massa Corporal (IMC) que as do grupo Normal (IMC mean rank Risco=253.13; IMC mean rank Normal=212.71; Z=-2.425, p=.015), ambos os grupos continham sujeitos que variavam da magreza extrema ao peso excessivo. Eating Disorders Inventory Em média, as mulheres em Risco estavam menos satisfeitas com a sua imagem corporal, tinham um maior impulso para emagrecer, e apresentavam médias mais elevadas para as restantes subescalas do EDI (Tabela I). Restrição alimentar Em geral e proporcionalmente, as mulheres em Risco evitavam mais alimentos que as do grupo Normal, excepto leite magro, bolachas integrais e de água e sal (Figuras 1a e 1b). A maioria dos alimentos evitados pelas mulheres em Risco possuem elevado teor energético e estão associados à gordura e/ou hidratos de carbono de absorção rápida (doçaria) lenta (farináceos). No entanto, alimentos associados à palavra integral ou magro não eram tão restringidos pelas mulheres em Risco. Não foram encontradas diferenças para a maioria dos alimentos/bebidas dos seguintes grupos: Ovos, carnes e peixes; Hortaliças e legumes; Frutos; Bebidas, excepto para salsichas, nozes, refrigerantes, café, chá e infusões em que as mulheres em Risco evitavam mais. Justificação para a restrição alimentar Em relação às razões dadas para evitar os mesmos alimentos: leites gordo e meio gordo, queijo, ovos, gorduras, pão branco, massas, batata frita, frutos secos, nozes, bolachas e bolos com creme, chocolates, sobremesas lácteas, gelados, compotas, compotas dietéticas, açúcares, adoçante, comidas rápidas, molhos e refrigerantes, os dois grupos divergiram significativamente (Tabela II). Para a restrição da maior parte destes, as mulheres de Risco referiram mais frequentemente razões categorizadas em Engorda, enquanto que o grupo Normal distribuía justificações pelas características sensoriais não aprazíveis e pelos aspectos não saudáveis dos alimentos e menos frequentemente por Engorda. Conclusão Certos alimentos, sobretudo fornecedores de gordura e de hidratos de carbono de absorção rápida, mas em alguns casos de absorção lenta, são alimentos com a conotação de que engordam sobretudo entre as mulheres predispostas a perturbações alimentares desta amostra universitária. Por outro lado, as mulheres do grupo Normal evitavam os mesmos alimentos ou por não gostarem, ou por não considerarem saudáveis ou ainda, mas em menor número, por engordarem. No entanto, é importante realçar que algumas destas jovens, em risco ou normais, tinham a noção deturpada de que produtos alimentares de pouco valor ener- Cientificidades gético também contribuem para o excesso de peso. Assim, considerando estes dados preliminares, mas também de modo a facilitar o processo terapêutico, torna-se fundamental a investigação mais detalhada acerca da racionalidade inerente à restrição alimentar. Machado, P. P. P., Gonçalves, S., Martins, C., & Soares, I. C. The Portuguese version of the Eating Disorders Inventory: evaluation of its psychometric properties. European Eating Disorders Review, 2001; 9: 43-52. Polivy, J. & Herman, C. P. Dieting and binging. A causal analysis. American Psychologist, 1985; 40: 193-201. Tuschl, R. J., Laessle, R. G., Platte, P. & Pirke, K. Differences in food-choice between restrained and unrestrained eaters. Appetite, 1990; 14: 9-13. Wardle, J. Compulsive eating and dietary restraint. British Journal of Clinical Psychology, 1987; 26: 47-55. Referências Fairburn, C. G. & Walsh, B. T. Atypical eating disorders. In K. D. Brownell & C. G. Fairburn (Eds.), Eating disorders and obesity, pp. 135-140, 1995. New York: Guilford. Garner, D. M., Olmsted, M. 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Normal (n=369) Risco (n=68) Mann-Whitney U Z p≤≤< Impulso para emagrecer 197.74 378.78 -11.004 0.0001 Bulimia 209.14 315.86 -7.541 0.0001 Insatisfação corporal 197.97 377.51 -10.616 0.0001 Ineficácia 200.34 364.44 -10.261 0.0001 Perfeccionismo\ 211.78 301.28 -5.289 0.0001 Desconfiança interpessoal 211.05 305.28 -5.643 0.0001 Consciência Interoceptiva 201.27 359.31 -9.512 0.0001 Medos de maturidade 207.25 326.28 -7.052 0.0001 191.00 416.00 -13.229 0.0001 Total Cientificidades Figura 1a: Proporção de mulheres que evita alimentos/bebidas bolachas c/ creme bolachas "Maria"/"Torrada" nozes batatas cozidas/assadas* batatas fritas massas* arroz* Risco (n=68) Normal (n=369) pão de mistura/cereais* todos p <.05 * Teste Exacto de Fisher pão branco/tostas* margarina manteiga óleos iogurte* leite magro 0 10 20 30 40 50 60 % Figura 1b: Proporção de mulheres que evita alimentos/bebidas infusões* café/chá refrigerantes maionese hamburger/hot-dog rissóis/pasteis Risco (n=68) açúcares/mel/melaço Normal (n=369) compotas todos p <.05 * Teste Exacto de Fisher gelados sobremesas lácteas chocolates bolos c/ creme bolos secos* 0 10 20 30 % 40 50 60 Cientificidades Tabela II: Proporção de mulheres dos grupos Normal e Risco referindo razões para evitarem alimentos; amostras baseadas no score de EDI: Normal (N=369); Risco (N=68). Alimentos χ2 Sensoriais Engorda Saúde Outras razões % % % % Leite gordo Normal (n=227) Risco (n=46) 52 33 10 35 33 28 5 4 χ2(3)=20.6 p<.0001 Leite meio-gordo Normal (n=41) Risco (n=10) 66 50 10 50 24 0 - χ2(2)=10.1 p=.006 Queijo Normal (n=43) Risco (n=13) 63 31 19 69 19 0 - χ2(2)=12.7 p=.002 Ovos Normal (n=22) Risco (n=7) 14 57 - 87 43 - χ2(1)=5.5 p=.038* Óleos Normal (n=59) Risco (n=22) Outras razões 9 36 66 36 25 14 χ2(2)=10.2 p=.006 Manteiga Normal (n=53) Risco (n=22) Outras razões 38 73 28 18 34 9 χ2(2)=8.2 p=.017 Margarina Normal (n=79) Risco (n=26) 43 23 13 46 35 23 9 8 χ2(3)=13.5 p=.004 Pão branco Normal (n=16) Risco (n=11) Outras razões 37 82 Outras razões 0 63 18 χ2(1)=5.2 p=.047* Massas Normal (n=10) Risco (n=11) Outras razões 20 82 Outras razões 0 80 18 χ2(1)=8 p=.009* Batatas fritas Normal (n=94) Risco (n=33) Outras razões 29 61 53 27 18 12 χ2(2)=10.8 p=.005 Frutos secos Normal (n=91) Risco (n=24 93 62 Outras razões Outras razões 7 38 χ2(1)=16 p<.0001* Nozes Normal (n=54) Risco (n=17) 46 29 17 59 Outras razões 37 12 χ2(2)=12.1 p=.002 Biscoitos com creme Normal (n=89) Risco (n=33) 60 33 26 67 Outras razões 0 15 0 38 39 Cientificidades Bolos com creme Normal (n=89) Risco (n=35) 31 20 41 74 20 3 8 3 χ2(2)=18.8 p<.0001 Chocolates Normal (n=92) Risco (n=30) 15 0 40 83 38 3 7 13 χ2(3)=12.6 p=.006 Sobremesas lácteas Normal (n=47) Risco (n=23) 34 4 47 83 Outras razões 19 13 χ2(3)=23.4 p<.0001 Gelados Normal (n=23) Risco (n=13) Outras razões 0 61 100 Outras razões 0 39 0 χ2(2)=9.3 p=.009 Compotas Normal (n=48) Risco (n=29) 56 14 31 83 Outras razões 13 3 χ2(1)=6.8 p=.014* Compotas dietéticas Normal (n=36) Risco (n=11) 78 36 Outras razões Outras razões 22 64 χ2(2)=19.2 p<.0001 Açucar/mel/melaço Normal (n=60) Risco (n=21) 45 19 38 71 Outras razões 17 10 χ2(1)=6.6 p=.023* Adoçante Normal (n=46) Risco (n=9) 78 33 Outras razões Outras razões 22 67 χ2(2)=6.9 p=.032 Rissóis/pasteis Normal (n=48) Risco (n=22) Outras razões 12 67 46 11 42 22 χ2(1)=7.4 p=.013* Pizza Normal (n=52) Risco (n=14) Outras razões 19 79 Outras razões 81 21 χ2(2)=19.8 p<.0001 Hamburger/hot-dog Normal (n=94) Risco (n=28) 47 25 11 54 31 21 12 0 χ2(1)=17.9 p<.0001* Maionese Normal (n=99) Risco (n=34) 66 53 9 35 20 12 5 0 χ2(3)=25.8 p<.0001 Ketchup/outros molhos Normal (n=138) Risco (n=30) 64 40 7 47 Outras razões 30 13 χ2(3)=14.4 p=.002 Refrigerantes Normal (n=71) Risco (n=24) 37 8 18 38 39 46 6 8 χ2(2)=33.8 p<.0001 Nota:* Teste Exacto de Fisher Cientificidades PROBIÓTICOS: alimento funcional? Rosa Maria Santos1, João Pedro Freitas2, Mário Espiga Macedo3, António Falcão de Freitas4 Alimento Funcional Recentes conhecimentos sugerem a hipótese de que para além das necessidades nutricionais, a dieta pode modular variadas funções no organismo exercendo um papel benéfico na prevenção de doenças. Os conceitos nutricionais são hoje mais abrangentes, comemos não só para sobreviver mas, para satisfazer o apetite, prevenção de efeitos adversos e também com o objectivo de promover o "bem estar", aumentando os níveis de saúde e reduzindo o risco de doença. Um alimento diz-se funcional se contém um componente (seja ou não um nutriente) que beneficia algumas das funções do organismo humano de tal forma que seja relevante para o bem estar e saúde ou a redução do risco de doença,(1) ou se este tem efeitos fisiológicos ou psicológicos para além dos tradicionais efeitos nutricionais.(2) Os alimentos funcionais têm sido motivo de investigação em países como os Estados Unidos e o Japão. Esta investigação tem como objectivo avaliar os efeitos fisiológicos e os benefícios de alimentos ou seus componentes na promoção da saúde. Os efeitos positivos de um alimento funcional contribuem para a manutenção de bem estar físico ou reduzir os riscos de algumas patologias.(3) Da reunião de Consenso (Madrid, Outubro 1998) um grupo de peritos Europeus adoptou a seguinte definição de alimento funcional "Um alimento pode ser considerado funcional se é demonstrado de forma satisfatória que actua em um ou mais alvos funcionais do organismo afectando-os, para além do efeito nutricional adequado, de tal modo que é relevante para o aumento do "bem estar", saúde ou redução do risco de doença".(4) Um componente de um alimento funcional pode ser um macronutriente se tem efeitos fisiológicos específicos (ex: ácidos gordos n-3) ou um micronutriente essencial se a sua ingestão é maior do que a dose diária recomendada . Pode ainda ser um componente de um alimento que embora tendo valor nutritivo, não é essencial (ex: alguns oligossacarídeos) ou sem valor nutritivo (ex: microorganismos vivos). A dieta, para além do seu valor e funções nutricionais (necessidades metabólicas), dá prazer e fornece componentes que permite modular as funções do organismo e reduzir o risco de algumas doenças. Probióticos Classicamente, probiótico é definido como microorganismo vivo do suplemento da dieta que tem efeitos benéficos no aparelho digestivo. Esta definição foi inicialmente aplicada ao uso de produtos para animais. Em nutrição humana é definido como microorganismo vivo constituinte dos alimentos que tem efeito benéfico na função intestinal e que promove a saúde.(5) Estes microorganismos, promovem a fermentação transformando alguns dos açúcares, especialmente a lactose em ácidos orgânicos (ácido láctico e acético) sendo usadas na produção do iogurte e outros produtos de fermentação do leite. Os géneros bacterianos mais utilizados são o lactobacilo e a bifidobacteria. Para além da sua utilização principal, em produtos lácteos e culturas liofilizadas, os probióticos parecem vir a ter, num futuro próximo, um papel importante em alimentos vegetais e carnes. De acordo com experiências efectuadas em diversos institutos, estes microorganismos vivos, resistem ao suco gástrico e sais biliares e parecem sobreviver mesmo que transitoriamente no intestino delgado. Este facto tem importância vital na regulação do aparelho gastrointestinal. A sua viabilidade é superior aos microorganismos vivos que habitualmente podem ser ingeridos e são encontrados no cólon. Assim, a capacidade de fermentação que habitualmente existe no cólon pode ser adicionalmente modificada após a ingestão oral de probióticos, tendo como efeito a presença de elevado numero de lactobacilos e bifidobacterias nas fezes. Alguns efeitos relacionados com a saúde e associados à ingestão de probióticos foram descritos por diferentes grupos de investigação em nutrição humana.(6) Os seus efeitos podem ser usados para justificar as exigências nutricionais ou na redução do risco de doença. 1 Nutricionista 2 Cardiologista, Mestre em Medicina Desportiva 3 Prof. Auxiliar Faculdade de Medicina Porto 4 Professor Catedrático da Faculdade de Medicina Porto, Director do Serviço de Medicina 2 - H. S. João - Porto 40 41 Cientificidades Efeitos funcionais dos probióticos Efeitos sobre a intolerância à lactose A intolerância à lactose é um problema para mais ou menos 70% da população mundial com deficiência de b- galactosidase intestinal. Esta intolerância à lactose provoca efeitos osmóticos e fraca digestibilidade para os hidratos de carbono. Os alimentos com probióticos têm efeitos benéficos melhorando a digestão, e reduzindo os sintomas de intolerância à lactose. (6) Efeitos sobre o colesterol Os efeitos de alimentos com probióticos sobre o colesterol são ainda motivo de controvérsia. Estudos publicados em 1970 e 1980 referem consistentemente que o consumo diário de produtos lácteos fermentados por períodos variáveis entre 2 a 4 semanas reduzem o colesterol entre 5 e 17%, contudo, estes dados foram recentemente contestados por outros estudos que referem não existir efeito sobre o colesterol.(7) Diminuição do risco de doença Existem evidências de que o consumo de probióticos leva à redução do risco de diarreias provocadas por rotavirus e possivelmente o cancro do cólon. A diarreia por rotavirus é das alterações gastrointestinais mais frequentes, daí o seu interesse em saber quais os probióticos disponíveis na prevenção destas situações que ocorrem sobretudo em crianças e em indivíduos com alterações da motilidade gástrica. Diferentes grupos de investigadores, utilizando condições de método diferentes concluíram que o consumo de probióticos e produtos lácteos fermentados reduzem os episódios de diarreia e o risco de doenças gastrointestinais. (8) No cancro do cólon as evidências baseiam-se exclusivamente em experiências animais que mostram diminuição das formas aberrantes "crypt-foci" histológicos após a ingestão de produtos com lactobacillus e bifidobactérias. (9) As cadeias dos probióticos lactobacillus e bifidobactéria diminuem a quantidade fecal de enzimas como a b-glucuronidase, b-glucosidase, nitroreductase e urease que estão envolvidas na activação metabólica de diferentes mutagénios e carcinogénios. Para além desta sua inibição da actividade enzimática parecem também fazer diminuir os mutagénios fecais e urinários em voluntários saudáveis consumidores habituais de carne de vaca. Defesas naturais e imunitárias As crianças cuja suplementação alimentar é feita com cadeias de lactobacillus casei têm aumento das concentrações de Imunoglobulinas A (IgA) que se correlaciona com a diminuição de diarreias provocadas por rotavirus.(10) A IgA existe em duas formas diferentes, sendo um elemento da imunidade especifica mediada por anticorpos ou imunidade humoral. Uma das formas de IgA, a dimérica está presente nas secreções que envolvem as superfícies mucosas e participam no que se chama exclusão imune, dado que contribuem para formar uma barreira mucosa, não permitindo que os antigénios toquem e atravessem a superfície mucosa. É de notar que a maior parte das infecções humanas de origem bacteriana ou vírica, penetram por superfícies mucosas. A IgA monomérica ao contrário da dimérica é uma imunoglobulina presente no soro. Estudos efectuados em voluntários humanos realizado por LinKAmster et al. em 1994 no NRC, demonstrou que leites fermentados com estirpes de microorganismos probióticos aumentavam significativamente os níveis séricos de IgA contra lipopolissacarídeos da Salmonela Typhi após vacinação oral da estirpe atenuada de Salmonela. De referir também que existem varias estirpes de probióticos, sendo que a sua selecção e utilização estão a ser investigadas por diversos laboratórios mundiais especializados em nutrição humana. Conclusão Os probióticos são muito conhecidos quer na Europa, Japão e Estados Unidos, usados sobretudo em produtos fermentados do leite. Estes alimentos influenciam positivamente as funções gastrointestinais e a flora do cólon. Os maiores benefícios para a saúde são a prevenção de diarreias e a sua acção positiva no sistema imunitário. Os hidratos de carbono são um conjunto de componentes com diferentes efeitos fisiológicos e diversas propriedades nutricionais que merecem cada vez mais a atenção dos nutricionistas. Na família dos hidratos de carbono, os oligossacarídeos indigestíveis merecem particular atenção e podem ser na próxima década motivo de interesse como alimento funcional. Para que Cientificidades se justifique o seu papel de alimento funcional e factor adjuvante para a saúde são ainda necessários estudos que confirmem os seus efeitos benéficos. Alterações na microflora intestinal, modulação do metabolismo do triacilglicerol, modulação da insulinémia, aumento da biodisponibilidade do cálcio da dieta e modulação negativa na carcinogénese do cólon são algumas das áreas que motivam interesse por parte dos investigadores em Nutrição Humana. Os probióticos são pois recomendados a qualquer indivíduo. Por motivos nutricionais é sempre recomendado um produto lácteo. Se aliado aos beneficios nutricionais de um produto lácteo temos presente um fermento láctico com as características de um probiótico, este será sem duvida uma mais valia nomeadamente nas: a) situações de défice imunitário b) situações de terapêutica com antibióticos c) alterações da motricidade intestinal d) intolerância à lactose. De uma maneira geral traduz vantagens ao longo de todo o aparelho digestivo. Fala-se muito em estilos de vida e na forma de combater determinados erros alimentares mas, na maior parte das vezes, é difícil alterar hábitos e fazer a refeição que queremos ou que gostamos. No equilibrio da microflora intestinal, como substituto de produtos lácteos que causam que provocam intolerância à lactose, como adjuvante das situações de défice imunitário ou como suplemento alimentar, os probióticos são um alimento funcional porque evitam algumas doenças gastrointestinais e podem ainda melhorar a saúde e bem estar e evitar o risco de determinadas doenças do aparelho digestivo. Bibliografia 1- Bellisle R, Diplock AT, Hornstra G, et al. Functional food science in Europe. Br J Nutr 1998; 80 (suppl): S3193. 2- Clydesdale FA. Proposal for the establishment of scientific criteria for health claims for functional foods. Nutr Rev 1997; 55:413-22 3- Marcel B Roberfroid. Concepts and strategy of functional food science: the European perspective. Am J Clin Nutr 2000; 71 (suppl) 4- Block G. Micronutrients and cancer: time for action? J Natl Cancer Inst 1993; 85:846-8 5- Salminen S, Bouley C, Boutron-Ruault MC et al. 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