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A CONTRIBUIÇÃO DA FILOSOFIA DE LIPMAN À CONSTRUÇÃO DA VISÃO
CRÍTICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
SILVA, Carlos Alberto Pires da1
ROCHA, Jéssika Guimarães 2
DELGROSSO, Mônica3
REIS JUNIOR, José4
POLETTO, Lizandro 5
RESUMO
O presente artigo tem por finalidade fazer uma análise da contribuição da Filosofia na Educação Infantil para
uma formação do educando reflexivo. A Filosofia para Crianças surge na década de 1960, a partir dos estudos do
filósofo norte-americano Matthew Lipman, que percebeu que a Filosofia no Ensino Superior não surtia os efeitos
esperados pela falta de habilidades que deveriam ter sido desenvolvidas na Educação Básica. Assim, ele cria um
Programa de Filosofia para Crianças, tornando-as mais críticas, criativas, sensíveis e transforma as salas de aulas
em uma “comunidade de investigação”. No Brasil, a Filosofia para Crianças chega na década de 1980, começa a
ser aplicada em algumas escolas e transforma as salas de aulas em ambientes de investigação, em que o professor
atua como mediador de reflexões e descobertas dos alunos; tem como foco a pergunta questionada e, de forma
lúdica; e, deve promover diálogos e reflexões, visa à formação de uma criança/estudante com pensamento
cooperativo, mas também autônomo e autocorretivo.
Palavras-chaves: Filosofia. Ensino. Crianças. Reflexão. Educação.
ABSTRACT
This article aims to analyze the contribution of Philosophy in Early Childhood Education for a formation of the
reflective learner. Philosophy for Children surge in the 1960s, from the studies of the American philosopher
Matthew Lipmann, who realized that philosophy in higher education not it had had the expected effects by the
lack of skills that should have been developed in Basic Education. Thus, it creates a Philosophy for Children
Program, making it the most critical, creative, sensitive and transform classrooms into a "research community".
In Brazil, the Philosophy for Children comes in the 1980s and began to be applied in some schools, transforms
classrooms in research environments, in which the teacher acts as a mediator of reflections and discoveries of the
students have to question the focus questioned and, in a playful manner, should promote dialogues and
reflections, it aims at training a child / student with cooperative thinking, but also autonomous and selfcorrecting.
Keywords: Philosophy. Education. Children. Reflection. Education.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo busca uma reflexão sobre o programa de Lipman ao ensino da filosofia
para crianças.É possível perceber que muitos encontram-se ainda numa zona de conforto se
recusando a apronfundar no entendimento da importância do senso crítico.Sendo assim, a
1
Graduanda do curso de Licenciatura em Pedagogia, Faculdade Alfredo [email protected]
Graduanda do Curso de Licenciatura em Pedagogia, Faculdade Alfredo [email protected]
3
Professora M.Sc.. Mônica Del [email protected]
4
Professor M.Sc. José Reis Junior. [email protected]
5
Professor M.Sc.. orientador, Faculdade Alfredo Nasser. [email protected].
2
2
humanidade está inserida na escuridão de ignorância intelectual, descontruindo sua
capacidade de iluminação do “Sol”, o que é a própria sabedoria. Portanto, como buscar uma
educação libertadora nas séries iniciais do ensino fundamental?
O processo de libertação intelectual das crianças do ensino fundamental pode
acontecer dentro da realidade do aluno àquilo que ele traz como prática de ensino, para que o
profissional possa elevar o grau de participação sociodemocrática, dos futuros emancipados,
por meio de uma pedagogia que trabalhe a sabedoria num todo e não por partes. Tem-se como
base a compreensão e o sentido de uma crítica à proposta de Mathew Lipman, com análisedo
texto Mito da Caverna.Chega-se a uma compreensão do ser que se eleva a luz da sabedoria e
elenca-se o senso crítico de cada discente, construindo sua autonomia de vida e de
pensamento. O educador terá referências ao conjunto de publicações sobre determinado
assunto em revistas, livros, avulsos e imprensa escrita,objetivando em inserir ao estudante
pesquisador as informações existentes sobre o tema estudado.
As razões pela escolha do tema estão relacionadas à crença de que as crianças devem
crescer buscando uma libertação intelectual,com participação de um novo modelo de
ensino,em que se tornam mais ativas dentro da sociedade. Através do ensino de filosofia que
elas podem buscar essa reflexão e criticidade.
A proposta parte de inserir um novo modelo de ensino, em que a filosofia é
apresentada para formar cidadão críticos, pensantes e reflexivos, sendo libertos dessa
educação tecnicista e contrapondo a ideia de conceito ideológico de uma sociedade que impõe
formas de controle de pensamento e vida, para uma total independência de conhecimento e
desenvolvimento social.
Com a situação praticamente estarrecedora do ensino de filosofia nas escolas do
Brasil, o profissional da educação enfrentará dificuldades para lecionar uma disciplina que
simplesmente vai auscutar a essência do ser na sua totalidade, ao desfazer-se de pré-conceitos
estabelecidos e correndo riscos de negativamente ou positivamente frutificar conhecimento
por meio de uma perigosa missão.
Compreende-se que, na atual conjuntura social, deve-se trabalhar a favor da criaçãode
filósofos democráticos diferente dos filósofos tradicionais, que pouco intervem nas fases de
desenvolvimento do ser, pois preocupa-se somente com aquilo que está envolto no currículo
pelo sistema dominante.Há contraposiçãoao conceito de conhecimento do intelecual
tradicional e ascençãodo intelectual orgânico que, de forma peculiar, lutará por uma sociedade
autônoma.
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Portanto, Matew Lippman aborda uma didática de abertura ao conhecimento que
envolve o crescimento cultural e intelectual do aluno, por meio do ensino de filosofia nas
séries iniciais.
A pesquisa a ser realizada assumirá o formato bibliográfico e terá como foco a análise
das ideias dos seguintes teóricos: Abbagnano (2003), Aranha e Martins (2003), Chauí (2004,
2008), Cotrim (1995), Deleuze e Guattari (1992), Durozoi e Roussel (1993), Ferry (2007),
Ghiraldelli Jr.(2003), Kohan (1998), Lipman (1990), Lorieri (1995), Luckesi e Passos (2009),
Platão (2001), Martins (1994), Reale (2002), Silveira (2001) e Viana (2000).As ideias centrais
destes autores serão selecionadas e argumentadas por meio da elaboração de citações.
2O SURGIMENTO DO ENSINO DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS
2.1 Conceitos e origem da Filosofia
Quando se fala em Filosofia, muitos teóricos abordam este tema de várias maneiras.
De acordo com Chauí (2004), a palavra Filosofia é de origem grega, composta de duas
palavras: philo e sophia; philo,quer dizer aquele ou aquela que tem um sentimento amigável,
pois deriva de philía, que significa amizade e amor fraterno; e, sophia,quer dizer sabedoria e
dela vem a palavra sophos: sábio.
Segundo a autora acima, a palavra Filosofia surgiu com Tales de Mileto (624 a. C. –
546 a.C) e ganhou sentido com Pitágoras Samos (570 a. C – 495 a.C), cujo qual afirmava que
o filósofo não é movido por interesse comercial ou financeiro; não coloca o saber como
propriedade sua, como uma coisa para ser comprada e vendida no mercado; também não é
movido pelo desejo de competir; não é um atleta intelectual; não faz das ideias e dos
conhecimentos uma habilidade para vencer competidores; e, sim, é movido pelo desejo de
observar, contemplar, julgar e avaliar as coisas, as ações, os acontecimentos, a vida. A
verdade não pertence a ninguém para ser comprada e nem um prêmio para ser conquistado.
Ela está adiante e é encontrada por todos que desejarem e tiverem olhos para vê-la e coragem
para buscá-la. Pitágoras afirma ainda que a sabedoria plena e completa pertence aos deuses,
mas que os homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos.
Para Reale (2002, p. 3), a Filosofia significa “[...] amizade ou amor pela sabedoria”.
Reale (2002, p. 3) afirma ainda que a filosofia “[...] reflete no mais alto grau a paixão pela
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verdade, amor pela verdade que se quer conhecida sempre com maior perfeição, tendo-se em
mira os pressupostos últimos daquilo que se sabe.”
De acordo com o autor (2002, p. 4), Filosofia,
[...] por ser a expressão mais alta da amizade pela sabedoria, tende a não se contentar
com uma resposta, enquanto esta não atinja a essência, a razão última de um dado
“campo” de problemas. Há certa verdade, portanto, quando se diz que a Filosofia é a
ciência das causas primeiras ou das razões últimas: trata-se, porém, mais de uma
inclinação ou orientação perene para a verdade última, do que a posse da verdade
plena.
Segundo Abbagnano (2000), a Filosofia implica posse ou aquisição de um
conhecimento que seja, ao mesmo tempo, o mais válido e o mais amplo possível; é o uso
desse conhecimento em benefício do homem.
Luckesi e Passos (2009, p. 87) afirmam que a Filosofia “[...] tem por objeto de
reflexão os sentidos, os significados e os valores que dimensionam e norteiam a vida e a
prática histórica humana.”
Para Viana (2000, p. 13), a Filosofia “[...] é um saber especulativo e reflexivo, e tem a
intenção de ser questionadora, global, profunda e rigorosa.”
Conforme Durozoi e Roussel (1993), a Filosofia pode ser considerada como uma
sabedoria; um certo modo de visualizar o mundo; pode ser observada como uma ciência com
o aprendizado direto ao objeto e visa um conjunto de teses ou afirmações, tendo esta que ser
aprendida na sua extensão. De acordo com Aranha e Martins (2003), a Filosofia é uma fresta
para melhor entender o saber que recebe, mas não apenas permanecer no que foi recebido, e
sim corresponde a um convite para discussão, ou seja, a Filosofia nada mais é do que buscar o
conhecimento além do que lhe foi passado, tendo um aprofundamento referente a diversos
temas por ela abordada.
Para Deleuze e Guattari (1992), a Filosofia não é arte de formar, inventar ou fabricar
conceitos, e sim, criar sempre novos; esse é o objeto da filosofia.
Ferry (2007) conceitua Filosofia como algo que propõe ações, nos ensina como
superar os medos que nos separam da vida e dos outros. Uma ferramenta para que os pais
possam projetar a educação que dão aos seus filhos. É um método crítico e investigativo.
Segundo Ghiraldelli Jr. (2003), a Filosofia é a cobrança de explicações em busca do
saber, da verdade e tudo que há de responsabilidade e passa a se importar com as explicações.
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Chauí (2004) relata que o filósofo é o que ama a sabedoria e tem amizade pelo
saber.Assim, a Filosofia indica a disposição interior de quem estima o saber, ou estado de
espírito da pessoa que deseja o conhecimento, o procura e o respeita.
A Filosofia surgiu após pensadores perceberem que as coisas acontecidas no mundo
não deveriam somente ser apresentadas por escolhidos como sendo uma verdade fixada, mas
sim, algo que ainda não esteja concreto, devendo ser raciocinado.
De acordo com Chauí (2004, p. 25),
A Filosofia surgiu quando alguns gregos, admirados e espantados com a realidade,
insatisfeitos com as explicações que a tradição lhes dera, começaram a fazer
perguntas e buscar respostas para elas, demonstrando que o mundo e os seres
humanos, os acontecimentos naturais e as coisas da natureza, os acontecimentos
humanos, e as ações dos seres humanos podem ser conhecidas pela razão humana, e
que esta própria razão é capaz de conhecer a si.
Para Cotrim (1995), a Filosofia ocidental nasce na Grécia, por volta de século VI ou
VII a.C. Este é o período conhecido como Pré-Socrático, em que o pensamento ocidental
seguia em direção ao conhecimento filosófico. Com o surgimento da Filosofia, ocorre a
passagem do saber mítico para o pensamento racional. Esta passagem para a racionalidade foi
influenciada por meio de longo processo histórico.Embora a Filosofia seja vista como um fato
grego ou uma instituição tipicamente grega, não se pode afirmar que ela não tenha influência
de outros povos, outras culturas e sabedorias.
Chauí (2004) destaca que os filósofos Platão e Aristóteles afirmavam que a Filosofia
teria nascido pelas transformações que os gregos impuseram a esses conhecimentos. Um dos
legados mais importantes da Filosofia grega é, portanto, a diferença entre o necessário, o
acaso e o possível, sendo o necessário aquele que não está em nosso poder de escolha, pois
acontece e acontecerá sempre, independentemente de nossa vontade; o acaso é o que também
não está em nosso poder, que pode acontecer ou não; já o possível, ao contrário do necessário
e do acaso, é exatamente o que temos, o poder de escolha e fazer o que está em nosso poder.
Para Chauí (2004, p. 26),
Quando se diz que a Filosofia é um fato grego, o que se quer dizer é que ela possui
certas características, certas formas de pensar e de exprimir os pensamentos,
estabelece certas concepções sobre o que sejam a realidade, a razão, a linguagem, a
ação, as técnicas, completamente diferentes das de povos e outras culturas.
Essas diferenciações legadas pela Filosofia grega permitem evitar tanto o fatalismo, o
conformismo, a resignação quanto à ilusão de que se pode tudo o que se quer sem pensar;
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saber qual é certo e errado, buscando conhecimento para mudá-la. Dessa maneira, os filósofos
gregos deixaram a ideia de que pode-se diferenciar o necessário, o acaso e o possível em
nossas ações.
A Filosofia para a Educação Infantil é de grande relevância devido à maior capacidade
das crianças de questionar todas as coisas. Contudo, ainda encontram-se professores que não
conseguem desenvolver essa matéria com nesta fase de ensino. Para que a Filosofia seja
ensinada para o desenvolvimento das crianças com relação ao mundo e à sociedade na qual
convivem, deve-se elaborar os seguintes questionamentos: O que é Filosofia para as crianças?
Por que ela é de grande importância para a Educação Infantil?
O próximo item abordará sobre a importância da Filosofia para as crianças, baseandose no criador desta Filosofia, chamado Matthew Lipmann. E, no último item, será trabalhado
o uso da Filosofia no desenvolvimento da criticidade e criatividade na Educação Infantil.
2.2 O ensino de Filosofia para crianças
Segundo Silveira (2001),Matthew Lipman nasceu em Vineland, no estado de Nova
Jersey, Estados Unidos, em 1923. Em 1948, concluiu sua graduação em Filosofia, na
Universidade de Standford e, em 1954, obteve o título de doutor em Filosofia pela
Universidade de Columbia, em Nova Iorque, com uma tese sobre arte. Após doutorar-se em
Columbia, foià França para realizar estudos complementares de pós-graduação,onde buscou
contato com autores como Maurice Merleau-Ponty, Jean Wahl, Gaston Bachelard e outros.
Um dos autores que mais o influenciaram foi John Dewey. De volta aos Estados Unidos,
tornou-se professor de Filosofia na Universidade de Columbia, onde teve sua primeira
experiência com a Filosofia para crianças.
De acordo com Silveira (2001), o contato com crianças foi outro fator que o despertou
para a importância da filosofia da linguagem ou filosofia analítica. O próprio Lipman
considera “difícil” identifcar com precisão os motivos que o levaram a criar seu Programa de
Filosofia para Crianças. Contudo, sem minimizar a influência dos autores mencionados, as
fontes pesquisadas permitem concluir que suas motivações foram basicamente duas: uma, de
ordem pedagógico-cognitiva, relacionada com a preocupação com as deficiências de
raciocínio e de aprendizagem verificadas em crianças e jovens escolares; e, outra, de natureza
político-social, ligada a sua apreensão quanto ao comportamento rebelde da juventude,
sobretudo a partir da revolta estudantil do final da década de 1960. Silveira (2001, p. 14-15)
pontua: “Lipman começou a perceber que seus alunos na Universidade de Columbia
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apresentavam grandes dificuldades de leitura e compreensão dos conteúdos de filosofia, o que
ele atribuía ao precário desenvolvimento de suas habilidades cognitivas”.
A ampliação das experiências com o Programa trouxe a necessidade de envolver mais
pessoas e, consequentemente, de organizar cursos de capacitação para os interessados. Para
isso, era preciso institucionalizá-lo, dar-lhe uma existência jurídica. Assim, em 1974, Lipman
e Sharp fundam o IAPC – Institute for the Advancement of Philosophy for Children (Instituto
para o Desenvolvimento de Filosofia para Crianças), cujo principal objetivo era organizar e
coordenar a difusão e a implementação do Programa de Filosofia para Crianças, não apenas
nos Estados Unidos, mas também em outros países.
Uma vez institucionalizado, o Programa de Filosofia para Crianças poderiaser mais
facilmente divulgado e defendido, o que seus elaboradores souberam fazer com bastante
competência: com aceitação de convites ou se oferecendo para proferir palestras, ministrar
cursos ou participar de debates, em qualquer lugar onde isso se mostrasse viável; espaço
conquistado na imprensa falada, escrita e televisiva; promoçãode cursos de treinamento em
escolas; publicaçãode textos teóricos em defesa do Programa; produção de novos materias
didáticos.
Essa abertura do IAPC para o mundo levou à criação do ICPIC– International Council
for Philosophical Inquiry with Children (Conselho Internacional para Investigação Filosófica
com Crianças), em 1985. Estavam dadas, portanto, as condições para ainternacionalização do
Programa que, de fato, chegou a estar presente em inúmeros países, onde foram fundados
centros locais de Filosofia para crianças, subordinados à matriz norte-americana.
2.3 A Filosofia chega ao Brasil
Lipman buscava para as escolas uma maneira agradável de se ensinar e aprender a
filosofia, mostrando para o aluno o seu dia a dia e que a filosofiaestápresente em todas as
mudanças da vida. E que não se deve passar por tantas transformações, sob a alienação de
conceitos que a sociedade impõe sem se manifestarem, sem procurar antes o porquê, sem se
impor diante de uma situação que não lhe convém.
A sua pesquisa veio ao Brasil, trazendo os prós e contras, mediante uma realidade que
espelha numa sociedade envolvida pelo trabalho e consumo.
De acordo com Silveira (2001), o Programa de Lipman chegou ao país no início da
década de 1980, por iniciativa de Catherina Young Silva, uma norte-americana naturalizada
brasileira, então proprietária do Instituto de Ideologia Yazigi, com sede em São Paulo.
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Catherina teve o primeiro contato com o Programa, através da leitura de uma matéria
jornalística.
Em 1984, decidiu ir até os Estados Unidos para cursar mestrado em Filosofia para
Crianças, oferecido pelo IAPC, onde permaneceu durante um ano.
Ao retonar para o Brasil, Catherina Yong Silva, com um pequeno grupo de professores
teve sua primeira experiência prática, no segundo semestre de 1984, com um grupo de
crianças que se reuniam numa sala do próprio Yazigi. O trabalho, porém não obteve muito
sucesso por falta de adequação dos horários dos professores, crianças e da escola.
De acordo com Silveira (2001, p. 21),
Ao regressar, embora estivesse “muito pessimista” quanto a possibilidade de aplicar
no Brasil os conhecimentos que adquirira, percebeu que havia um grande número de
professores sedentos de fazer alguma coisa para melhorar o ensino e que o programa
de Lipman poderia ser uma resposta a essa demanda. Decidiu, então, cancelar seus
planos de retornar aos Estados Unidos para cursar o doutorado em Filosofia para
crianças e dedicar-se a sua implantação no Brasil.
Para que o Programa fosse, de fato, implementado no Brasil, era preciso que mais
pessoas se envolvessem e se capacitassem para desenvolvê-lo. Esses cursos eram ministrados
nos Estados Unidos por Lipman e Sharp, geralmente programados para o curso de férias, com
duração de dez dias e carga horária de oitenta horas, que incluiam, além do treinamento
prático para o manuseio do material didático, palestras e debates sobre questões teóricas e
metodológicas.
Assim, Catherine juntamente com seus colaboradores, fundou o Centro Brasileiro de
Filosofia para Crianças (CBFC), oficializado em 30 de janeiro de 1985. Uma vez constituída
como “sociedade cultural”, a entidade passou a centralizar todas as ações relativas à
divulgação e à implantação da Filosofia para Crianças no Brasil.
Segundo Silveira (2001), o sucesso foi tamanho que a saída foidescentralizar essa
coordenação, com a criação de filiais e núcleos regionais que pudessem representar
oficialmente o Centro Brasileiro, em cada região, com um certo grau de autonomia. Essa
autonomia, na prática, significava respeitar asorientações doCentro Brasileiro e utilizar apenas
os materias didáticos (livros-textos e manuais) por ele traduzidos e comercializados com
exclusividade.
A criação do programa no Brasil, nas escolas estaduais e municipais, não foi vista com
ímpeto pelo simples fato de que o Governo não queria abdicar o controle ideológico das
crianças, temendo uma retalhação contra o sistema dominante. Vários motivos foram
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visualizados à não aceitação dos professores e demais autoridades para a implantação, porém
com objetivo de focar as aulas em fatos históricos e bibliográficos. Além disso, houve
também algumas dificuldades enfrentadas como a rotatividade dos professores da rede pública
e o caráter não oficial do programa, em que alguns profissionais começavam seu trabalho,
porém, com as transferências na rede,provocavam a interrupção do trabalho, já que os
professores que chegavam, em geral, não se interessavam ou não conheciam a proposta. E,
por se tratar de algo que era apenas oficializado e não oficial pelo ministerio da educação,
existia uma grande necessidade de material para trabalho e de profissinais que fossem
coordenados para a implantação dos estudos em sala, com formação própria para dinamizar as
aulas.
A desconfiança da universidade que não aceitava o programa, resultando insatisfação
pelos estudantes de filosofia que se preocupavam com a formação das crianças, que poderiam
ficar anestesiadas e não focariam suas mentes para o conhecimento das diversas dimensões da
realidade, sem expor o que pensam, também era uma dificuldade enfrentada pelo organizador
da proposta de implantação do estudo de filosofia para crianaças como também a resistência
dos professores do ensino fundamental e médio porque tinham medo do novo, pois o trabalho
demandava tempo e esforços às vezes pouco ou sem remuneração.
Quando colocavam os trabalhos em discussão na sala de aula poderiam perder o
emprego, pois o ensino abrirá a mente do aluno, provocando questões de âmbito anormal
daquilo que estava sendo feito pelo sistema proposto como também situações de
constrangimento e desconforto entre professores por serem comparados com o colega de
trabalho.Criava-se um questionamento sobre o papel do professor e sua relação com o saber e
com os alunos.
O receio dos pais era um impecilho para o programa de filosofia nas escolas do ensino
fundamental porque para eles poderiam provocar mudanças na mentalidade e no
comportamento de seus filhos, gerando conflitos no relacionamento familiar, porém para
Silveira (2001), o estudo filosófico serviria para alternar as opções de solucionar problemas,
relacionados às varias contradições existentes na sua realidade social.
3 A FILOSOFIA E A EDUCAÇÃO NUM CONTEXTO SOCIAL
3.1 A filosofia de Lipman e o contexto ideológico social
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O projeto idealizado por Matthew Lipman, em que ele leva o ensino de filosofia para
escolas do ensino fundamental, busca uma reflexão e prática de aquisição e construção de
ideias, pois, para ele, as crianças deveriam não apenas pensar, mas pensar de forma
crítica.Assim, cria-se uma cognição definitiva e de prontidão para que o ato de filosofar possa
não só ser apreendido, mas, também, feito,envolvendo deliberação, diálogo e raciocínio
lógico,o que acaba com a ideia de que filosofar é algo intelegível e de que é restrito somente a
adultos.
Lipman pontua que a criança inaugura a sua racionalidade no momento em que tem
início o desenvolvimento da sua linguagem e critica as teorias dos psicólogos que retratam o
desenvolvimento mental das crianças, de acordo com estudos que ele fez, indagando que não
se trata, portanto, de uma racionalidade já dada, mas que pode ser alcançada com a ajuda de
ferramentas pedagógicas que estimulem a composição de ideias e de conceitos.
De acordo com Lipman (1990, p. 4),
Essa iniciativa está amparada em estudos recentes que, contrariando Jean Piaget,
revelam que a criança precisa se familiarizar com textos mais elaborados logo nos
primeiros anos de escola. A criança precisa, completou, de um material didático que
estimule a formação do seu pensamento crítico uma vez que os primeiros anos de
escolarização são os mais dificeis.
A prontidão cognitiva da criança, portanto, não é algo que deva ser aguardado, mas,
antes, estimulado; indo de frente com a concepção ideológica atual de que o ser humano
somente é capaz de pensar quando impelido pelo profissional a ele submisso.Essa prontidão
envolve a atenção e a confiança para se trabalhar em sala de aula, e o crescimetno intelectual
da criança, avaliando tanto o próprio raciocínio, quanto o dos colegas, que o torna pertencente
ao meio social.Desse modo, interfere-se logicamente nas concepções de pensamento, que
massificam o povo dentro de uma cultura consumista e capitalista, edificando na criança uma
ideologia de interação e participação socioideológica.
Este trabalho de cognição da criança diante da construção do conhecimento crítico,
não é para torná-la um pequeno dicionário de filosofia, mas realmente tem o propósito de
interação no ensino e na comunhão de ideias a respeito do material didático trabalhado em
sala. O professor então poderá transformar o ambiente educativo num encontro de tempestade
de ideias que poderão, futuramente fazer com que os novos adolescentes saibam se expressar
criticamente a respeito de conceitos predeterminados e de ideias estabelecidas pela sociedade.
O meio social de cada criança hoje, está envolvido por uma gama de tendências,
inferiores de incapacidade intelectual, desenvolvidas pelo sistema socioeconômico
11
(capitalista) que amputa dela, do jovem, do adulto e de quem mais for a condição de refazer
ideias e conceitos ideológicos.Para isso, a autora Maria Helena Chauí escreveu uma obra que,
de forma facilitadora, aborda o histórico ideológico no ambiente educacional e social que
deforma a capacidade do ser de expor aquilo que pensa e delibera somente algo que pode ser
visto como verdade absoluta.Assim, a filosofia para crianças tem um trabalho de libertação
dessemetódo de ensino de informar(colocar numa forma) o conhecimeto para explodir em
visões ideológicas que contrapõem a alienação do ser.
Chauí (2004, p. 23) ressalta:
Alienação, reificação, tetichismo: é esse processo fantástico no qual as atividades
humanas começam a se realizar como se fossem autônomas ou independentes dos
homens e passam a dirigir e a comandar a vida dos homens, sem que estes possam
controlá-las. São ameaçados e perseguidos por elas.
Todo homem é capacitado de um conhecimeto que, se trabalhado e edificado bem,
pode transpor a real conjução social de massificação para uma visão democrática por
intermédio deuma direção, que estabelece perspectivas de melhorias da capacidade de
raciocínio e jugalmento como metas da educação. Assim, permite-se, então, a transmissão de
conhecimnetos por meio de metas com a consequente adaptação do grau em que o julgamento
e a capacidade de raciocínio devem ser desenvolvidos.
Dentro da visão sociodemocrática, a criança poderá desenvolver habilidades que
auxiliaram no seu autoconhecimento e participação crítica como a habilidade de raciocínio,
que analisará as concepções já vistas anteriormente; habilidades de formação de conceitos,
especificando o que é, para que serve e suas diferenças; habilidades de investigação, com uso
dos procedimentos científicos teóricos; e, as habilidades de tradução, que permitem ao aluno
reproduzir na própia linguagem aquilo que leu e ouviu.
Segundo Silveira (2001, p. 58),
Todas essas habilidades são entendidas como pré-requisitos para o pensar bem ou
pensar de ordem superior devendo portanto estar disponíveis às crianças desde cedo,
antes e durante os vários momentos da aprendizagem, pois constituem instrumentos
necessários para que elas desenvolvam sua racionalidade.
Sendo assim, a criança poderá desenvolver suas habilidades políticas, mediante as
relações de contexto social, pessoal e psicoafetivo. Portanto, os conteúdos, as “ideias
filosóficas” para o trabalho destas habilidades serão apresentadas às crianças de forma
simples, por meio de abstração de matéria como se fossem fatos perdidos ouaté mesmo um
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brinquedo escondido, para que tomem gosto pela possível descoberta e assim entendê-lo na
sua totalidade e particularidade.
3.2 Filosofia e educação escolar
Seria difícil sintetizar o conceito de educação, pois tal fim já vem sendo estudado há
anos por muitos pesquisadores e a cada dia seu conceito se modifica, se amplia. A educação
vem de berço, vem desde o nascimento, desde os primeiros anos de vida; mesmo não
frequentando a escola, a criança já está sendo educada. Porém, educação não é somente bons
modos, boas maneiras, e sim reúne uma série de conhecimentos e atitudes também. É na
infância que se forma o caráter de uma pessoa. Mas onde entra a filosofia nesse assunto?
Ter uma boa educação escolar não é somente depositar “conhecimento”, não é
“impor” um saber, uma boa educação escolar é aquela que faz o aluno pensar, criar, observar,
aprender, agir, opinar de maneira autêntica. O ensino de filosofia, nos primeiros anos do
ensino fundamental, está para a formação de um ser crítico e autêntico, pois é nessa idade que
se constrói o caráter de um indivíduo. E é nesse momento que se deve procurar transferir um
saber amplo, em que o aluno aprende e ensina, em que o aluno participa, de maneira direta ou
indireta, sabendo opinar e resolver assuntos de seu interesse, de modo que não se cala e não
deixa que omeio social o manipule. Portanto, para Lorieri (2002, p. 27),
Educação, em sentido amplo, é o conjunto de modificações que ocorre em qualquer
pessoa, com base nas relações que estabelece com outras pessoas. Tais relações são
sempre mútuas, recíprocas. Talvez não seja possível sair de qualquer interrelação
humana sem nenhuma modificação. Por isso, pode-se afirmar que todas as pessoas
educam as pessoas.
O que Lipman buscava era que esse ensino de filosofia fosse capaz de transformar a
educação de uma maneira desafiadora, de maneira que alunos e professores fossem atrás de
novos conhecimentos juntos, que ambos transmitissem saber um para o outro, que esse saber
fosse compartilhado e não depositado, que esse saber fosse para ambos motivo de grandes
críticas construtivas. Um saber que a filosofia mostra de maneira participativa e pensante, que
torna essas crianças capazes de irem em busca do novo, e que não se deixem enganar por uma
educação que dizem ser algo imutável, que é sempre idêntica.
Porém, essa nova maneira de pensar, não quer dizer que vão se tornar cidadãos
revoltados, querendo mudar ahistória da humanidade, seus conceitos, leis, saberes, etc. O que
o ensino de filosofia quer transmitir é um novo jeito de pensar e ver como é o agir da
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sociedade, como funciona tais conceitos e que de maneira correta cada cidadão saiba agir e
cobrar seus direitos, não se deixando levar por conceitos impostos pela sociedade, pois cada
um deve e pode agir da maneira que lhe convém, porém sempre dentro das leis, e não dentro
das regras que uma pequena parcela da sociedade impõe. Portanto, em meio a tantas propostas
para a educação, há o interesse pela tentativa pioneira de Matthew Lipman – um filósofo e
educador – também preocupado com o significado da educação, cujo intuito é iniciar as
crianças na Filosofia, possibilitando-as seu alcance útil para um pensar mais reflexivo, atento
e crítico, que as habilite na discussão, na escolha e na tomada de suas próprias decisões,
diferentemente do proporcionado pelo sistema de educação tradicional. Sistema este, que é
comparado por Lipman, ao modelo das sociedades tribais, em que o objetivo é tão somente o
aprender.
Para Lipman (1990, p. 36),
Igualmente triste é que o modelo de aquisição de informações que domina a
educação, em vez de estimular as crianças a pensarem por si mesmas, seja um
fracasso até em seus próprios termos, pois ficamos constantemente assustados com o
pouco que nossas crianças parecem saber sobre a história do mundo ou sobre a sua
organização política e econômica. O efeito do modelo tribal é mais o de abafar do
que o de iniciar o pensamento no estudante.
Apoiado em uma vasta argumentação, Lipman (1990) afirma que o caminho mais
apropriado, para uma educação adequada desde a infância, é a Filosofia. Mobilizado por essa
situação; incentivado também pelo pedido de alguns pais, para que ele, filósofo-educador,
desenvolvesse uma proposta que pudesse cuidar qualitativamente, do desempenho dos alunos;
e, finalmente, por acreditar que “as crianças podiam aproveitar a instrução no raciocínio,
contanto que percebessem isso antes em seu desenvolvimento” (1990, p. 22), o professor
Lipman criou, ainda em 1969, o primeiro material para consolidar o desafio recebido,
redigindo o romance filosófico denominado, originalmente em inglês, Harry Stottlemeier’s
Discoverye,
em
português,
A
descoberta
de
Ari
dos
Telles.
Destinado
para
adolescentes,tornou-se o primeiro da série de romances que constituem o programa de
Filosofia para Crianças (F.P.C). Como filósofo que é, não se pode esperar que sua proposta,
para possibilitar maiores habilidades cognitivas às crianças, envolvesse outra área do
conhecimento, que não a Filosofia.
Lipman (1990, p. 24) pontua:
Dizendo sem rodeios, parecia-me que só se podiam induzir crianças a estudar lógica
se lhes fosse mostrada como parte da Filosofia. As crianças pequenas e a Filosofia
14
são aliadas naturais, pois ambos começam com o assombro. Mais ainda, só os
filósofos e os artistas se comprometem sistemática e profissionalmente em perpetuar
o assombro, tão característico da experiência cotidiana da criança. Por que, então,
não tomar as ideias da tradição filosófica e inseri-las na novela de modo tal que as
crianças da história pudessem ir além do assombro, refletir e discutir de maneira
significativa os aspectos metafísicos, cognoscitivos, estéticos e éticos de sua
experiência.
Kohan (1998, p. 9) ressalta que Matthew Lipman, numa proposta pioneira, “lançou a
ideia de que as crianças podem e merecem ter acesso à Filosofia. Não apenas lançou uma
ideia, mas criou uma instituição e desenvolveu materiais e metodologias para que esta ideia
fosse uma realidade.” Dessa forma, ao final da década de 1960, o programa de Filosofia para
Crianças foi concebido,com vistas a uma proposta de ‘Educação para o Pensar’, cujo objetivo
é desenvolver, dentro do contexto da sala de aula, as habilidades cognitivas, empregando uma
metodologia específica para que o aluno possa conseguir pensar melhor tanto nas ciências,
enquanto áreas do conhecimento, como na busca de significados sociais, morais e culturais
para suas vidas. Este estudo revela várias deduções a respeito da intenção lipmaniana.
Todavia, uma das que mais contemplam a forma como se percebe o propósito do
filósofo americano, foram as elaboradas por Marcos Lorieri. Por isso, concorda-se com este
autor (1995) quando o mesmo observa que as ideias de Matthew Lipman relativas ao ensino
de Filosofia apontam para três aspectos importantes. O primeiro deles nos diz do acesso que a
criança deve ter à Filosofia desde o Ensino Fundamental; o segundo diz sobre o fato de ser,
por intermédio da Filosofia, que o infante possa preservar seu espírito inquisitivo; e, o terceiro
salienta que a reflexão filosófica é o recurso privilegiado para o desenvolvimento do pensar
bem.
Lembra-se que, pensar bem, é uma denominação do próprio Lipman, no sentido de
caracterizar a forma pela qual se utiliza habilidades de raciocínio. Para ele, pensar bem é
diferente de um pensar qualquer, comum; trata-se de um pensar de ordem superior. Lipman
(1990, p. 22) afirma: “Eu não tinha dúvidas de que as crianças pensavam tão naturalmente
como falavam e respiravam. Mas como conseguir que pensasse bem?”Com isso,o autor
(1990) mostra que as crianças podem ter desenvolvimento na disciplina de Filosofia, sendo
trabalhada no contexto da sala de aula através do pensamento crítico, que conquistam por
meio do diálogo.
Kohan (2004) apresenta a filosofia platônica como a forma mais nítida sobre este
entendimento, isto porque, neste pensamento, há preocupação com a educação da infância, ao
manter o conceito de que é necessário ensinar a criança a pensar, para assim formar a
sociedade em uma polis justa.
15
O Programa de Filosofia para Crianças, de Lipman (1990, p. 32), tem duas ideias
fundamentais:
Primeira: habilidades de raciocínio, onde os professores estão unicamente
preocupados com que seus alunos saibam suas disciplinas, mas que aprendam o
movimento do pensamento inerente a elas, sua dinâmica interna e sua produção. Isto
transcende a pura mecânica do aprendizado de um conteúdo. Não se trata somente
de aprender a resultante de um processo investigativo, mas de dominar seu
procedimento, trata de tornar um indivíduo investigador.
Segunda: O desenvolvimento do raciocínio crítico e criativo do Programa de
Filosofia para Criança não está vinculado à faixa etária. Presentes desde as faixas
etárias mais novas desenvolvem-se com o passar dos anos através do convívio
social: o pensar, o conhecimento e os significados.
Lipman (1990) tem uma preocupação com as crianças em seu âmbito escolar e não as
vê como um depósito de informação como alguns professores pensam. Pois, essas mesmas
crianças podem pensar e refletir por si mesmas, construindo seus conhecimentos através do
diálogo.
Essas reflexões têm sido despertadas por determinados temas pelas crianças, porque, a
partir das críticas, as mesmas formam suas opiniões. Como fundamento, a Lei n° 9.394/96,
em seu artigo 29, dispõe: “A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como
finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos
físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da
comunidade.”(BRASIL, 1996, p. 12).
Lipman (2001) diz que o currículo proposto precisa ser reformulado para se adequar à
realidade brasileira. Não é correto também oferecer um programa em que tudo está pronto
para o professor, pois não há como orientar o aluno para ser sujeito crítico, reflexivo, se o
próprio educador não reflete sobre o conteúdo da proposta. O programa é importante para
orientar o professor, mas cada um deve analisar e elaborar sua proposta, conforme a realidade
de sua escola. O atual desafio é pensar a filosofia como um caminho e possibilidade para
construção do conhecimento e valores.
4 LIPMAN E A ESCOLA NOVA: um mergulho na didática crítica
A ideia de Lipman era de implantar a filosofia dentro das escolas para que as crianças
tivessem habilidades de pensar criticamente, sendo capazes de construírem seus próprios
pensamentos sem manipulação,assim como a Escola Nova, que foi um movimento criado para
16
promover a criticidade, autenticidade e democratização do ensino,na busca de modernização
das escolas, com promoção de mudança do conceito tradicionalista.
Lipman e o movimento Escola Nova buscam no ensino uma nova didática e, para que
tal transformação fosse possível, seria necessário substituir o modelo tradicionalista de
educação parapromover um ensino investigativo e racional, predominante em sala de aula,em
que alunos e professores participem de forma conjunta na socialização do conhecimento.
Para Pardim (2012), as propostas do movimento educacional Escola Nova procuraram
modernizar o ensino, ao trazer para a escola novas descobertas, nas áreas das várias ciências,
acerca do ensino e da aprendizagem.
Ao trazer, então, um ensino de habilidade racional, investigativa, crítica e social, a
escola estaria promovendo um novo modelo de ensino a seguir, de ensino crítico e autêntico,
poiso aluno estaria sendo incentivado a pensar de forma lógica, cabendo a ele a capacidade de
participar de maneiraautêntica, conseguindo discutir e elevar seu ponto de vista de forma
racional e crítica.
Ao abordar o conceito de conhecimento que eleva a alma a um estado de libertação da
ignorância, imposta pelo sistema que inibe o “homem” de construir o seu parecer sobre fatos e
histórias do contexto social, Platão (2001)pontua, mesmo sendo um pensamento elaborado há
tanto tempo, que o ser, enquanto estiver preso à caverna, não saberá definir o real do
imaginário, podendo ser fácil manipulado por quem quiser e, na atual conjuntura, o processo
educativo se encontra desta forma, pois ainda existe medo e má qualificação por parte do
corpo docente.
Segundo Platão (2001), o diálogo entre Sócrates e Glauco sobre o mito da caverna,
revela que muitos homens estão presos a correntes e envoltos na escuridão da ignorância, com
medo de ascender sua função inteligível, pois a problemática de todo esse discurso vai além
do simples conceito comum, transpondo uma busca mais profunda na libertação da alma por
meio do conhecimento,dado que o ser é apto para buscar a sua alforria, mediante o
entendimento uno, múltiplo e infinito da ciência. Portanto, não deve haver apenas teorização e
conceitos pré-estabelecidos para assumir destaques de titularidades, mas para facilitar a
ascensão da alma do mundo, para a sua verdadeira essência.
Platão (2001, p. 281) ainda ressalta:
A educação é, pois, a arte que se propõe este objetivo, a conversão da alma, e que
procura os meios mais fáceis e mais eficazes de conseguir. Não consiste em dar
visão aos órgãos da alma, que já á tem; mas como ele está mal Orientado e não olha
para onde deveria, ela esforçar-se por educa-lo na boa direção.
17
Muitos buscam uma formação conteudista, maçante e inóspita, por causa de uma
instrução que não deseja alcançar a essência. Por isso, observa-se que profissionais da
educação não buscam sua elevação intelectual como também não proporcionam aos seus
alunos a construção crítica, dialogada e íntegra do conhecimento. Baseando-se nessa
problemática, houve uma necessidade de repensar a educação como algo vindo do Bem, que
segundo Platão (2001), é representado pelo “Sol” no mito da caverna, visto que, transpõe a
claridade, a ignorância contida nas mentes das pessoas que vivem na penumbra do
conhecimento. Este “Sol” é a sabedoria contida não somente nas teorias, mas que perpassa
toda uma gama de conhecimentos, porque abre a mente para o verdadeiro sentido do que é
inteligível.
Sendo assim, em Platão, a questão da infância apenas permeia um projeto ainda maior
e pelo qual ele se interessa e preocupa mais, a questão política. Para ele, o ideal é pensar numa
educação diferenciada, que cuide do indivíduo desde criança, preservando o que ele tem de
melhor, para que o mesmo reúna ao longo de seu crescimento, qualidades de um bom cidadão
e consequentemente de um bom político, ou seja, alguém que se coloque “a serviço do bem
comum”. Vê-se então, que a trama das relações entre os aspectos da infância, educação e
política, pode ser configurada filosoficamente, segundo Kohan (2003, p. 29), da seguinte
forma:
A visão platônica da infância se enquadra, então, em uma análise educativa com
intencionalidades políticas. Platão não faz da infância um objeto de estudo em si
mesmo relevante. De certo, a infância não é, enquanto infância, um problema
filosófico relevante para Platão. A infância é um problema filosoficamente relevante
enquanto se tenha de educá-la de maneira específica para possibilitar que a pólis
atual se aproxime o mais possível da normatizada.
Entende-se o termo ‘filosoficamente’, utilizado por Kohan, para se referir ao fato da
inexistência de interesse em Platão, por verificar as ‘peculiaridades’ da infância, ou seja,
características comumente investigadas pelo campo da Psicologia do desenvolvimento e da
aprendizagem. Trata-se, de acordo com Kohan (2003, p. 28), de um “conceito filosófico da
infância” que, por si só, justifica-se não lhe cabendo qualquer referência àquilo que, na
verdade, mais se aproxima de características psicológicas da criança.
Em suma, para que a educação possa realmente elevar a participação dos alunos na
construção do conhecimento, há que se dar prioridade para que professores e alunos saibam se
relacionar e edificar projetos e métodos de instrução do conteúdo, para uma real absorção do
18
mesmo. Isso só será possível quando se transformar a forma tradicional de ensinar, de modo a
dar prazer tanto para o discente, que irá receber o conhecimento e construir o seu modo de
ver, como para o profissional da educação que, de forma interativa entre gestão escolar e
comunidade escolar, tenham condições próprias para aquisição de material e formação
pedagógica.
Dentro da vertente didatico-socio-construtivista, em que o aprendizado não se
subordina ao desenvolvimento das estruturas intelectuais da criança, mas um se alimenta do
outro, as escolas poderão formar “homens” capazes de ver, julgar e agir, de acordo com sua
realidade. Diante de tudo isso, pode-se afirmar que Lipman é um educador que propõe uma
perspectiva diferenciada para a Educação, na qual os alunos possam experimentar currículos,
desde a Educação Infantil, que os estimulem e/ou incentivem ao pensar bem, por intermédio
da prática filosófica na sala de aula. Lembra-se que, o pensar bem proposto por Lipman,
compõe o pensar de ordem superior, assim definido, por apresentar características, que o
mostram coerente, rico e curioso, garantindo-lhe mais excelência.
Outrossim, entende-se que o pensamento de ordem superior diferencia-sedo
pensamento comum, proporcionandoàs crianças atitudes críticas e investigativas, ou seja,
comprometidas com a verdade e a razão; atitudes criativas, comprometidas com o significado
e com a “transcendência”, a qual objetiva uma prática nova, original e diferenciada, porém,
que seja, antes de qualquer coisa, mais bem feita. E, finalmente, uma atitude cuidadosa,
comprometida com os valores que orientam as ações; entre o correto e o censurável.
Assim, verifica-se a intenção de Matthew Lipman em propiciar a Filosofia às crianças,
não como uma panaceia para os problemas do pensar dentro da sala de aula, mas, sim, como
uma proposta metodológica, fundamentada em sólidas justificativas, no que diz respeito a
incrementar nos alunos um novo tipo de pensar, mais habilidoso, o qual possa ampliar suas
possibilidades cognitivas.
Para justificar nossa reflexão,é válido transcrever, na íntegra, a afirmação retirada do
livro A Filosofia na Sala de Aula, na qual Lipman (2001, p. 35) e seus colaboradores
evidenciam a importância de uma proposta que tenha realmente, uma essência
transformadora:
Um programa confiável de habilidades de pensamento deveria fazer mais que
capacitar as crianças a lidarem de modo efetivo com as tarefas cognitivas imediatas,
tais como problemas a serem solucionados, ou decisões a serem tomadas. Deveria
buscar consolidar as potencialidades cognitivas das crianças, de modo a prepará-las
a um pensar mais efetivo no futuro. O objetivo de um programa de habilidades de
pensamento não é transformar as crianças em filósofos, em tomadoras de decisões,
19
mas ajudá-las a pensar mais, ajudá-las a terem mais consideração e serem mais
razoáveis. As crianças que foram ajudadas a serem mais criteriosas não só têm um
senso melhor de quando devem agir, mas também de quando não devem fazê-lo.
Não só são mais discretas e ponderadas ao lidarem com os problemas que enfrentam
como também se mostram capazes de decidir quando é apropriado adiar ou evitar
tais problemas em vez de enfrentá-los diretamente. Assim, um dos objetivos de um
programa de habilidades de pensamento deveria ser o desenvolvimento do juízo,
pois ele é o vínculo entre o pensamento e a ação. As crianças que refletem estão
preparadas para emitir bons juízos e crianças capazes de realizar bons julgamentos,
dificilmente agirão de maneira inadequada ou sem consideração.
As habilidades referidas na citação acima são imperativas para a realização do
pensamento de ordem superior. O que, de certa forma, possibilita entender que, para que
crianças possam desfrutar desse tipo de pensamento – pensar excelente ou de ordem superior
– é imprescindível a presença de criticidade e criatividade.
Tudo isso não significa que tenha quer ser nos “moldes” de Lipman,mesmo porque é
preciso levar em conta alguns aspectos quepodem ser apontados como os limites da teoria
lipmaniana. O primeiro deles refere-se à formação do professor que vai trabalhar Filosofia
com as crianças. Acredita-se que não bastam cursos rápidos de “treinamento”, é preciso, antes
de qualquer coisa, a disponibilidade para um pensar diferente e para uma troca genuína com
as crianças, em que a meta do professor seja o desenvolvimento do pensar melhor e do
consequente novo saber do infante.
Lipman (1990, p. 45) afirma:
Se os professores das crianças devem encorajá-las a pensar por si próprias, então os
professores de educação devem encorajar os professores graduandos a pensarem por
si próprios. No entanto, assim como os professores não podem ser eficientes se
antipatizarem ou se forem indiferentes às crianças, também não podem ser
indiferentes à disciplina queensinam.
Pelo fato de professores embrenharem-se no programa em busca apenas de mais uma
técnica para ‘salvar o dia’ dentro da sala de aula e diante de uma curta formação, vê-se esse
risco aumentar. Pensa-se que ao professor que se prestar a esse desafio, não basta a formação
teórica filosófica acadêmica nem tampouco a formação específica no programa de FPC. É
preciso que ele se disponha a refletir sobre o próprio pensamento, bem como sobre sua
intencionalidade.
Na visão de Lipman (1990, p. 75),
Um curso universitário de Filosofia não prepara o professor para traduzir conceitos e
as terminações da Filosofia de uma maneira que as crianças possam entender. A não
ser que os professores sejam formados através das mesmas abordagens didáticas que
se supõe utilizem com seus alunos, sua formação será um fracasso. Se esperar que os
20
professores coordenem um diálogo, devemos lhes dar a oportunidade de participar
de diálogos filosóficos [...]
Outro limite observado diz do monopólio existente sobre os cursos de formação do
programa de FPC. Entende-se que o fato do treinamento ficar em poder de um seleto grupo
que se ocupa das determinações práticas e financeiras em relação tanto ao curso quanto ao
material, acaba engendrando um processo de exclusão sobre aqueles que têm interesse, mas
não dispõem de tempo e recurso suficientes para os custos. Além da incoerência que surge
dentro desse processo, pois se o programa tem uma ênfase imensa sobre as novelas filosóficas
e um dos maiores empenhos de seu autor é o de trazer às crianças as discussões filosóficas dos
grandes pensadores por meio daquelas, como fazê-lo diante de um acesso dificultado?
E, finalmente, o último aspecto assinalado como limite da proposta lipmaniana diz das
próprias novelas apresentadas. Acredita-se que elas configuram um ótimo referencial. Mas, de
acordo com Lorieri (2005), conhecedor da prática com o programa de FPC, com o passar do
tempo, elas se tornam repetitivas, visto que o núcleo de personagens não experimenta
variação. São os mesmos desde a primeira novela até a última. Lembra-se que o programa vai
desde a primeira série do Ensino Fundamental até o fim do Ensino Médio. Diante das
evidências encontradas nesta pesquisa a respeito da ideia de criança como um ser ativo,
curioso, ávido por conhecimentos, corre-se o risco das novelas perderem o interesse das
crianças ao longo do programa. Até em termos biológicos, o cérebro apenas se interessa por
estímulos diferenciados; o que se repete constantemente acaba se automatizando sem
significado,isto para uma proposta de incentivo ao pensamento criativo, principalmente se
torna redundante.
Estas explanações fazem crer que o trabalho de Filosofia com crianças pode
experimentar outras possibilidades que não o programa de Lipman.Cabe ao educador ser
criativo o bastante para imaginar e concretizar esta possibilidade. Muitos têm feito isso,
conforme já assinalado em itens anteriores, preocupando-se em encorajar seus alunos a
participarem de uma educação, em que a discussão é prioridade frente aos monótonos
exercícios com caneta e papel. Isto é fundamental para a mudança de paradigma dentro da
educação. Há muito a educação carecia de propostas metodológicas que apontassem nesta
direção.
Acredita-se que mais do que adotar ‘cegamente’ um modelo específico de trabalho, é
preciso que o educador acredite na possibilidade de levar a Filosofia às crianças, na busca de
uma fundamentação teórica aprofundada o bastante para garantir o sucesso daquilo que deve
ser sua verdadeira intenção: contribuir de modo adequado na educação escolar das crianças
21
para que elas, segundo Lipman (1990, p. 61), “possam trazer para suas vidas uma nova
percepção de o que é descobrir, inventar, interpretar e criticar.”
O autor (1990, p. 52) ainda ressalta que,
O que está surgindo agora é que o pensamento está se tornado o verdadeiro
fundamento do processo educacional e que a educação construída sobre qualquer
outra fundação (tal como o tipo de educação que temos atualmente) será superficial
e estéril. Uma vez que as habilidades necessárias para pensar nas outras disciplinas
têm de ser aperfeiçoadas anteriormente, vemos porque a filosofia precisa deixar de
ser um assunto de universidade e tornar-se uma matéria da escola primária – uma
disciplina cuja tarefa é preparar os estudantes a pensar [...]
Longe de ser simples, essa tarefa é bem maior do que se pode imaginar. Na verdade,
trata-se de um processo e, como tal, envolve-se em complexidades, pois se estende ao sistema
educacional como um todo. Contudo, mesmo essa tarefa sendo árdua, observa-se que ela já
foi iniciada. Contrário aos procedimentos autoritários da escola tradicional, o intento de
Matthew Lipman lançou um novo paradigma na história da educação, segundo o próprio autor
(1990, p. 163), redirecionando o alvo educacional,
Uma vez que o pensar melhor foi aceito como meta da educação, outras coisas, sob
um efeito dominó, começaram a ter lugar. A relação entre o adulto e a criança não
poderia ser comparada àquela entre produtor e consumidor ou entre a tribo e o
iniciado. O professor não poderia mais ser entendido como um jardineiro que pode
cuidar e manter as flores em canteiros, ajudando-as a tornarem-se aquilo a que já
estavam geneticamente determinadas a ser desde o início. Em vez disso, o professor
tornou-se parte de uma intervenção adulta cuja intenção era libertar o processo de
pensamento no aluno, para que este começasse a pensar por si próprio, em vez de
papaguear o pensamento do professor ou dos livros didáticos.
“O aprender deu lugar ao pensar”. Esse é o fato.A “utilidade” da Filosofiadá impulso à
realização de algo novo dentro da escola, a procurar caminhos alternativos que possibilitem
ao professor e ao aluno uma prática pedagógica, reflexiva e democrática, inclusive no Ensino
Fundamental.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A filosofia para crianças, no ambiente escolar, veio para trabalhar de maneira
construtiva a autenticidade de cada aluno, pois é possível perceber que, nos primeiros anos da
Educação Infantil, a criança já consegue estabelecer sua opinião sobre o que acontece ao seu
redor. E a filosofia vai ajudar esse aluno a investigar a sua realidade, segundo asua visão, que
22
foi construídapelo profissional da educação, de acordo com o projeto de ensino disposto em
sala.
Essa disciplina instiga o pensar e o agir de cada aluno, ao desenvolver de forma
reflexiva a sua visão de mundo e permitir que cada aluno exponha seu ponto de vista, perante
ações e acontecimentos do seu dia a dia. Ao promover essa reflexão, a filosofia está
contribuindo para formar cidadãos capazes de irem em buscada autonomia de seus ideais, pois
essa disciplina desenvolve habilidades éticas a partir do momento em que se abre espaço para
uma visão de mundo amplo e participativo.
Na verdade, os professores não ensinam filosofia para crianças. Colocam-se como
mediadores do processo do filosofar, vivenciado por seus alunos. Por meio de perguntas e
situações-problemas, as crianças são despertadas a pensar sobre um tema, elaborar e avaliar
hipóteses, considerar, de forma respeitosa, mas também crítica, as opiniões de outras pessoas,
tais como os próprios colegas, filósofos, cientistas e outras figuras de destaque na história do
pensamento. São convidadas a participar do universo filosófico, trazendo para elas suas
próprias opiniões, dúvidas e experiências.
As aulas de Filosofia são espaços privilegiados para o aperfeiçoamento do pensar, pois
exigem que se repense o “óbvio”, que se considerem novas perspectivas. Além disso,
fundamentam-se no diálogo democrático, rigoroso e reflexivo. Portanto, instigam as crianças
a participarem do universo intelectual e social a que pertencem, convidando-as a buscarem
coerência entre pensar bem e agir bem. Por isso, também se pode associar-lhes a dimensão da
cidadania.
A inclusão da Filosofia no currículo da Educação Infantil é uma ideia recente, como
foi visto. Foi uma proposta feita há algumas décadas, nos Estados Unidos, por Mathew
Lipman, sendo minuciosamente descrita em suas obras de fundamentação teórica e
metodológica, bem como desenvolvida institucionalmente e aplicada a crianças pelo próprio
Lipman e seus colaboradores.
A Filosofia na Educação Infantil é uma proposta que prevê a transformação das salas
de aula em comunidades de investigação, ambientes em que o professor deve atuar como
mediador de reflexões e descobertas dos alunos, tendo a pergunta como principal instrumento.
De forma rigorosa, porém lúdica, ele deve promover diálogos e reflexões com vistas à
formação de um pensamento cooperativo, mas também autônomo e autocorretivo.
Trata-se de oportunizar aos estudantes momentos para refletir sobre temas filosóficos,
perguntas e problemas já abordados por filósofos e também trazer as dúvidas e curiosidades
dos próprios alunos sobre esses temas.
23
Para isso, o educador deve trabalhar principalmente com perguntas conceituais,
relativas ao tema, seus significados, suas relações e seus desdobramentos, e com perguntas
procedimentais, relacionadas ao processo reflexivo, vivenciado pelos próprios alunos e os atos
mentais nele envolvidos. Assim, promove-se o desenvolvimento de habilidades cognitivas
fundamentais à abordagem filosófica dos temas propostos, transformando as aulas em
momentos de investigação, de busca e produção de conhecimentos, em vez da transmissão de
conteúdos.
Além disso, o uso de recursos diversificados, lúdicos e instigantes é um fator de
grande importância. Literatura, música, vídeos e imagens, por exemplo, oferecem grandes
oportunidades para o envolvimento com um tema e a descoberta de aspectos problemáticos
sobre ele – aspectos que podem se transformar em objetos de reflexão, investigação e
discussão. Jogos, dinâmicas e brincadeiras também são bem-vindos para despertar o interesse
por um tema ou tornar mais significativa e prazerosa a reflexão sobre ele.
Trata-se, segundo a proposta de Mathew Lipman, de desenvolver o chamado
pensamento multidimensional, que se desdobra em três tipos fundamentais: crítico (dimensão
lógica), criativo (dimensões epistemológica e estética) e cuidadoso (dimensão ética).
Abordar temas e questões de natureza filosófica com as crianças faz parte dessa
proposta, que também prevê a realização de atividades capazes de desenvolver habilidades
cognitivas, didaticamente divididas em quatro grupos: Habilidades de Raciocínio (como
comparar, contrastar, tecer analogias, definir e avaliar critérios, etc.), Habilidades de
Investigação (como observar, problematizar, criar e explorar hipóteses, etc.), Habilidades de
Formação de Conceitos (como relacionar, distinguir, classificar, generalizar e particularizar,
etc.) e Habilidades de Interpretação ou Tradução (como ouvir, interpretar criticamente,
parafrasear, inferir, ter empatia, etc.). Essas habilidades promovem um pensar de melhor
qualidade, o qual, num desdobramento ético, pode resultar em atitudes também melhores.
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