CIDADANIA, INTERCULTURALIDADE E DIREITOS HUMANOS DIRCE NAZARÉ DE A. FERREIRA 1 RESUMO Trata-se de uma pesquisa bibliográfica qualitativa trazendo os conceitos de Direitos Humanos a partir da visão jusnaturalista que os considera universalizantes e portanto inflexíveis. Demonstra também que o jusracionalismo foi outra posição que, na racionalidade, positivou os conceitos e detergiu ideias como cultura e singularidade. Ressalta que, o conceito de Direitos Humanos é via polivalente, sendo desejável que sua construção se dê com suporte da alteridade e diálogo. Destaca a hermenêutica diatópica como linhagem intelectiva para entender o fator intercultural. Palavras chaves: Cidadania. Interculturalidade. Direitos humanos. INTRODUÇÃO Entendendo que os Direitos Humanos surgem da imbricação de várias fontes, dentre HODVDV¿ORVy¿FDVWHROyJLFDVHUHOLJLRVDVpLPSRUWDQWHGHVWDFDUVHXSDSHOFRPRXPYHWRUGD mais alta relevância para a Ciência do Direito. Bem verdade que, muito se tem pesquisado sobre os Direitos Humanos e seu matiz jurídico e certas vezes, interdisciplinar envolvendo outras ciências. Ocorre que, ao pesquisar sobre a referida temática, há uma certa lacuna quando se tenta mergulhar nos direitos humanos enquanto fator intercultural. Neste ensaio, procuramos ressaltar os direitos humanos enquanto matéria inerente à pessoa, tendo portanto uma heteronomia universal, mas também desejamos enfatizar que, junto aos direitos mais elementares do cidadão, há certamente, uma esfera cultural que lhe é própria, formando sua identidade e singularidade. Este fator é a cultura, esfera que mergulha a pessoa em um conjunto de tradições e PRGXVYLYHQGL que lhe é própria e que a pormenoUL]DFRQFHGHQGRDHODSHFXOLDULGDGHVTXHDLGHQWL¿FDP/RJRHVVDVLQJXODULGDGHHVWiHP antagonismo à ideia de universalidade, padronização e onipresença. Isto por que, cultura é um conjunto de signos, tradições e valores diferenciados de uma sociedade para outra, que por isso mesmo, clama por respeito, reconhecimento e alteridade. Decerto que, a construção do conceito de direitos humanos, perpassa pela reverência com as culturas de outros OyFXV, e para além dessa relação obsequiosa, há que ser construída uma 1 Doutoranda em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória. Professora da Universidade Federal do Espírito Santo. CIDADANIA, INTERCULTURALIDADE E DIREITOS HUMANOS Dirce Nazaré de A. Ferreira tessitura que leve em consideração um diálogo entre essas identidades. Trata-se portanto, da SHUVSHFWLYDGRV'LUHLWRV+XPDQRVFRQVWUXtGRVSHODWHLDGDLQWHUFXOWXUDOLGDGHSDUDHQ¿P evidenciar o conceito de cidadania, enquanto substantivo ímpar. Diante disso, este ensaio tem os seguintes objetivos: 1. destacar a construção dos direitos humanos na visão jusnaturalista; 2. ressaltar os direitos humanos como construto intercultural 3. discorrer sobre os direitos humanos como produto da hermenêutica dialogicial e diatópica. 7UDWDVHSRUWDQWRGHXPDEUHYHSHVTXLVDELEOLRJUi¿FDTXDOLWDWLYDTXHSURFXUDGLDORJDUHQWUHDOJXQVLPSRUWDQWHVDXWRUHVSDUDHQ¿PIRUPDUXPFRQFHLWRGLDORJDGRHQWUHHOHV Dividimos o ensaio em três momentos: no primeiro, trazemos rápidas impressões sobre o MXVQDWXUDOLVPRSDUDHPVHJXLGDWUDEDOKDUDLQWHUFXOWXUDOLGDGHHHQ¿PFRQFOXtPRVFRPRV direitos humanos como hermenêutica dialogicial e diatópica. A TEORIA JUSNATURALISTA E A VISÃO DO DIREITOS HUMANOS COMO DADOS INATOS Desde o pensamento aristotélico se tem a percepção de que, há leis universais regendo heteronomamente a vida das pessoas, de maneira que, determinados princípios superiores às leis, são verdades irrenunciáveis e intertemporais, portanto universalmente aplicados, se transformando quase que, em dogma jurídico. É bom ressaltar, por exemplo, a construção a quadrilógica de São Tomás de Aquino, para o qual a Lei Eterna é a razão de tudo, pois dirige os movimentos do universo; a Lei Natural possibilita ao homem distinguir o bem e o mal, sendo portanto, invariável; A Lei Divina é DTXHODUHYHODGDSRU'HXVQDVVDJUDGDVHVFULWXUDVHSRU¿PD/HL+XPDQDpDWRGHYRQWDGHGR governo temporal. Todavia, esta deveria, na visão do autor, observar a Lei Eterna e a Divina. É importante destacar que, a ideia do Direito Natural ou Jusnaturalismo povoou coUUHQWHVMXV¿ORVy¿FDVGRVpFXOR;9,LQÀXHQFLDQGRDXWRUHVWDLVFRPR+XJR*URWLXV6SLQR]D Puffendorf, Rousseau, Locke e Kant. Isto por que, o direito natural desenvolveu com propriedade a ideia universalizante do Direito que transcende as leis particulares de um determinado Estado soberano. Aqui, há uma forte ideia de direito difuso, sendo portanto, um elemento LPXWiYHOHSRUFRQVHJXLQWHLQÀH[tYHOGLVVHPLQDGRQDVVRFLHGDGHVFRPXPDJHQHUDOL]DomR imprecisa, que a tudo abarca. Eis que, esse conceito também se aproxima da moral, não sem antes ressaltar que a justiça é elemento primevo, concernente com a noção de que o acesso aos Direitos Naturais – 164 – CIDADANIA, INTERCULTURALIDADE E DIREITOS HUMANOS Dirce Nazaré de A. Ferreira se concede por intermédio da razão, intuição e revelação. Daí a noção de que, seus primados são dados, no sentido de ofertar. Com isso, se expurga a ideia de positivação formal ou convencionamento, como escrito no Direito Objetivo. Ocorre que, sendo um sistema de valores constantes e universais, essa ideia difusa de direitos, acabou por eleger-se como uma pauta racional, padronizada, que de certa forma, IXUWDYDVHDREVHUYDURVHUGRGLUHLWRQRDVSHFWRRQWROyJLFRVXDVHVSHFL¿FLGDGHVHFDUDFWHrísticas culturais identitárias. No outro extremo, o jusracionalismo enquanto fruto da razão, fez indelével separação entre Direito e Moral, assumindo então, um papel técnico-instrumental de gestão da sociedade. $SDUWLUGDVFRGL¿FDo}HVUDFLRQDLVREVHUYDPRVDLPSHUDWLYLGDGHQDJHVWmRVRFLDOH[SUHVVD em verbos injuntivos tais como: permitir, proibir, comandar. 'HFHUWRTXHHVVDWUDQVIRUPDomRHPORJLFLGDGHFRQFHGHj¿ORVR¿DGRGLUHLWRXPDUHJXODomR estabelecendo sistematizações com previsibilidade, no sentido de alcançar a razão e portanto, primar pela civilidade da sociedade. Principalmente para evitar convulsões em seu seio. Não se pode olvidar também, que a instrumentalização do direito é tensionamento que vislumbra dominação, e que muitas vezes pelo projeto racional mais ortodoxo, afastou inclusive, da pauta racional, a justiça. A exemplo do princípio GXUDOH[VHGHOH[, houve, decerto XPDGHVYLQFXODomRFRPRFRQFHLWRGHMXVWRHHPVHXYiFXRIRLSUHHQFKLGRRFLHQWL¿FLVPRH HVWDWLVPRFRPRIRUPDVGHPROGDJHPFRQYHUWHQGRRGLUHLWRHPLQVWUXPHQWRGHSDFL¿FDomR social racional. Krohling (2001, p.2), sobre esse aspecto, destaca que, De fato, muitas vezes o Ocidente usou a tese da tutela e da proteção dos Direitos Humanos e do Direito Internacional, como um monólogo potencialmente opressivo, ignorando os outros povos e as grandes diferenças culturais existente no atual Mapa Mundi. Este é o primeiro extremo que impõe o “univeralismo” da visão ocidental, como premissa, no debate sobre a proteção e tutela dos direitos humanos. Ocorre que, consideramos essa dicotomia entre jusnaturalismo e jusracionalismo como uma pauta menos inteligente, pois, ela preconiza uma clivagem entre dois importantes institutos, que já de imediato, ressaltamos, não são excludentes. Daí que, lutamos por um novo paradigma que considere os Direitos Humanos como categoria superlativa, consagrando que, eles são valores fundamentais à vida, dignidade e bem estar. Mas também consideramos que, essa pauta é de tamanha amplitude que precisa ser concomitantemente reconhecida e protegida pela ordem jurídica de cada esfera estatal. Logo, para seu acolhimento e arrimo, cremos que, haverão de ser os Direitos Humanos, também, positivados nas Cartas Constitucionais, observados os elementos culturais. – 165 – CIDADANIA, INTERCULTURALIDADE E DIREITOS HUMANOS Dirce Nazaré de A. Ferreira Entendendo a cultura como um sistema coletivo de sentidos, signos, valores e práticas sociais, destacamos que, esses processos sócio-políticos, são criados historicamente por grupos para estruturar suas identidades coletivas, como referência vital do seu dia a dia, nas relações entre si e com outros grupos. E por considerar cada direito estatal autônomo para regular suas certezas, aqui haverá de ser concedido um olhar cultural de alteridade, de forma que, se crie uma pauta universal, mas que seja observado também, a tessitura cultural em que cada um destes Estados está imerso. Trata-se, portanto, de vislumbrar os Direitos Humanos como frutos interculturais. INTERCULTURALIDADE E DIREITOS HUMANOS Diferente da esfera determinista preconizada pelo movimento racional, a sociedade - e SRUFRQVHJXLQWHDFLrQFLDMXUtGLFDVmRGHVD¿DGDVSRUIHQ{PHQRVGLIHUHQFLDGRVTXHGHPDQdaram respostas heterogêneas àquelas escritas nos códigos. A palavra complexidade liga-se DRHOHPHQWRGHWUDQVIRUPDomRLQGH¿QLGDJHUDQGRQRYRVFRQWRUQRVjFLrQFLDMXUtGLFD Moigne (1999, p.50) nesse aspecto, ensina que aconteceram “alguns deslocamentos explícitos dos referencias epistemológicos” que davam suportes à ciência racional. Inicia-se DVVLPQRYRJLURSDUDGLJPiWLFRQDFLrQFLDGHVD¿DQGRDDSHQVDUQRYDVSHUVSHFWLYDV&DQGDX (2008, p.48) destaca que a reconceitualização perpassa por algumas premissas, dentre elas: [...] a superação do debate entre universalismo e relativismo cultural [...] a sensibilidade para descobrir cada em cada universo sociocultural, a ideia de dignidade humana traduzida em direitos humanos, e por ¿P>@DLGHLDGHTXHQHQKXPDFXOWXUDpPRQROtWLFD (VVDUHFRQ¿JXUDomRJHUDGHVD¿RVjFLrQFLDMXUtGLFDGHPDQHLUDTXHDPHWiIRUDDQWHULRU FRGL¿FDGDHSLUDPLGDOUHSUHVHQWDGRSRUXPD¿JXUDHQWUHFRUWDGDSRUFDPDGDVKLHUiUTXLFDV HVFDORQDGDVSDUHFHWHUVLGRVXEVWLWXtGDSHOD¿JXUDFLUFXODUUHSUHVHQWDQGRRLQWHUFXOWXUDOLVPR e por conseguinte a expansão dos diálogos. Essa ideia remete ao movimento em rede, abrangendo tempo e espaços simultâneos, embora multilocalizados, e que apresenta problemas plurais, cujas colorações recebem matizes diferenciados a partir do meio social onde emergem. Candau (2008, p.49) ressalta à polissemia dos termos intercultural e multicultural, estes trazem em seu bojo adjetivações tais como “[...] liberal, celebratório, crítico, emancipador, e revolucionário”. Portanto, continua a autora, o multiculturalismo é aberto e interativo, acentuando a interculturalidade como a construção de sociedades democráticas e inclusivas, “[...] que articulem políticas de igualdade e diversidade” (CANDAU, 2008, p.51). – 166 – CIDADANIA, INTERCULTURALIDADE E DIREITOS HUMANOS Dirce Nazaré de A. Ferreira A velocidade com que as redes de informações se deslocam no universo gera problemas PXOWLIDFHWDGRVTXHH[LJHPSHQVDPHQWRQHXUDOHLQWHOLJrQFLDP~OWLSODSDUDIDFHDUGHVD¿RV Vive-se a era da complexidade, um tempo de incertezas que na verdade, abriga a ciência jurídica como produto de ações cognitivas e requer intelecções complexas para lidar com GHVD¿DQWHV FRQFHLWRV DEVWUDWRV H TXH jV YH]HV WHP HFORVmR HP YiULDV SDUWHV VLPXOWkQHDV do globo terrestre, exigindo respostas diferenciadas. Desta forma, não é adequado à ciência jurídica responder a essas demandas atuais complexas, com as respostas simplistas postas em códigos outrora escritos. Portanto, ocorreu um deslocamento paradigmático nas ciências jurídicas, escrevendo a perplexidade na academia. Moigne (1999, p.54) ressalta que “essa passagem [...] do analítico ao geno-funcional [...]” é a revolução paradigmática que irá legitimar os enunciados dos Direitos Humanos tornando-os mais porosos, mais culturais. Candau (2008, p.51), em acordo com o autor ressalta que “[...] a consciência dos mecanismos de poder que permeiam as relações culturais é outra perspectiva desse deslocamento paradigmático”. Merece especial menção, a ideia de Candau (2008), para quem as relações culturais são construídas na história, atravessadas por conexões de poder marcadas certas vezes pela hierarquização e discriminação. Daí o papel dos direitos humanos como construtores de relações mais horizontalizadas de cidadania, e principalmente como medianeiro no palco GDVWHQV}HVHFRQÀLWRVGDVRFLHGDGHVHQGRTXH³>@DSHUVSHFWLYDLQWHUFXOWXUDOpFRPSOH[DH DGPLWHGLIHUHQWHVFRQ¿JXUDo}HVHPFDGDUHDOLGDGHVHPFRPLVVRUHGX]LUXPSyORDRRXWUR´ (CANDAU, 2008, p.51). $VVLP p SRVVtYHO D¿UPDU TXH Ki XP QRYR SDUDGLJPD QRV GLUHLWRV KXPDQRV VHQGR exercitado pelo multiculturalismo crítico, principalmente sobre os conceitos de Peter McLaren (1997), para quem a interculturalidade representa uma agenda crítica de resistência e D¿UPDomRTXHWUDQVIRUPDDVRFLHGDGH$VVLPUHSUHVHQWDo}HVFRPRUDoDJrQHURFODVVHVmR YLVOXPEUDGDVSHORDXWRUFRPRSURGXWRGHOXWDVVRFLDLVHFRQVWUXo}HVKLVWyULFDVFRQÀLWLYDV Desta forma, o modelo neural da rede de interações da era complexa, abraça os direitos humanos, fazendo dele um conceito polissêmico, pronto a amalgamar-se a outras áreas. Santos (2002, p. 2) sobre essa transformação ressalta que “estamos perante um fenômeno multifacetado com dimensões [...] interligadas de modo complexo. Por esta razão, as explicações monocausais e as interpretações monolíticas parecem pouco adequadas a este fenômeno”. A luta pelos direitos humanos ensina Candau (2008, p.52) “[...] supõe o exercício ao diálogo intercultural, que por sua vez exige o exercício da hermenêutica diatópica”. 3DUWLQGR GHVVD D¿UPDWLYD D UHDOLGDGH VH PRVWUD FRPR XPD SHUVSHFWLYD DEHUWD HP UHODomRGXDOFRPRPHLRDPELHQWHVRFLDOHVWDEHOHFHQGRLQÀXrQFLDVPXOWLORFDOL]DGDVDEVRU– 167 – CIDADANIA, INTERCULTURALIDADE E DIREITOS HUMANOS Dirce Nazaré de A. Ferreira vendo impactos e devolvendo-os sob forma de transformações em movimentos constantes, daí a necessidade do campo jurídico envolver-se com a riqueza da diversidade epistemológica das outras áreas. Não é lícito, portanto, à ciência jurídica, negligenciar os impactos da sociedade intercultural, daí que é imperativo se abrir a outras práticas, e outras culturas em verdadeiras redes. Morin (2000 p, 4) destaca que “[...] uma das idéias mais importantes que parece ter surgido nos últimos 50 anos foi a da circularidade”. Neste aspecto, a teoria complexa também rompe com os teoremas lineares de causalidade, instituindo a visão de retroatividade no círculo entre culturas, uma vez que enquanto ciclo de eventos não verticalizados, os direitos humanos, são porosos ao meio ambiente e se auto implicam, embora aparentemente se mostrem autônomos. Morin (2000, p.4) ensina que “esta autonomia, provocada pela regulação (circularidade retroativa), é ela própria produzida por uma circularidade mais intensa, chamada circularidade autoprodutiva”. Candau (1997) destaca que é necessário reinventar, tornar a ciência mais interculturalmente dialógica e como tal destaca que, [...] o primeiro passo está relacionado à necessidade de desconstrução, penetrar no universo de preconFHLWRVGLIXVRVÀXLGRV>@RVHJXQGRSDVVRpID]HUDDUWLFXODomRHQWUHLJXDOGDGHHGLIHUHQoDQRQtYHOGDV SROtWLFDVHGXFDWLYDV>@RWHUFHLURQ~FOHRYLQFXODVHDRUHVJDWHGDVLGHQWLGDGHVFXOWXUDLVH>@SRU¿P promover a experiência da interação com os outros (CANDAU, 2008, p.53). $VVLPDYLVmRLQWHUFXOWXUDOFRQWLGDQDWHRULDGDFRPSOH[LGDGHUHÀHWHSULQFLSDOPHQWH o atributo de promover o reconhecimento do outro e o diálogo com os diferentes grupos socioculturais. Portanto, a teoria da complexidade se opõe à visão atomicista de entendimento parcelado defendida com tanta veemência pelo paradigma racional que, de certo isola, ao invés de congregar. Morin (2000, p.3) assevera que, [...] não podemos, portanto, compreender o ser humano apenas através dos elementos que o constituem. 6HREVHUYDUPRVXPDVRFLHGDGHYHUL¿FDUHPRVTXHQHODKiLQWHUDo}HVHQWUHRVLQGLYtGXRV0DVHVVDVLQterações formam um conjunto e a sociedade, como tal, é possuidora de uma língua e de uma cultura que transmite aos indivíduos; essas emergências sociais permitem o desenvolvimento destes. Diante da visão do autor, se pode perceber que, a ideia dos direitos humanos racionalizados, está em contraposição ao enfrentamento de práticas sociais complexas, que não raro, demandam posturas críticas conhecedores de outras culturas. Isto por que o olhar parcelado, fracionado, tanto quanto a cultura isolada, abstraem do homem a capacidade de estabelecer conexões com o conjunto tornando seu entendimento focado na parte. – 168 – CIDADANIA, INTERCULTURALIDADE E DIREITOS HUMANOS Dirce Nazaré de A. Ferreira A focagem na parcela conquanto possibilite conhecimentos mais aprofundados, preconiza alienação à medida que o desconhecimento do todo pode impedir os sujeitos de elaborar conexões generalistas de entendimento acerca dos fenômenos. Uma educação para a negociação cultural, diz Candau (2008, p.54) “[...] está orientada para a construção de uma sociedade plural, humana, que articule políticas de identidade”. Perceba o leitor que, a ideia dos direitos humanos enquanto separação cultural em fragmentos também fraciona o saber em espaços herméticos e que no mais das vezes ali se HQFHUUDP'L]VHTXHRFRQKHFLPHQWRLQVXODUVHIUDJPHQWDJHUDQGRIURQWHLUDVFDOFL¿FDGDV operando-se outro fenômeno mais agudizante – a tendência a auto replicação – isto pode ocorrer por que as ilhas de saber no geral dialogam somente com seus iguais. Então na cultura isolada perde-se a riqueza da diferenciação e o tônus criativo tende a se esmaecer, permanecendo somente a replicação ou reprodução de fazeres. DIREITOS HUMANOS COMO PRODUTOS DE ALTERIDADE E DIALOGICIDADE DIATÓPICAS Entendendo que, relacionar-se com o Outro é compreender sua vida, expressa de forma culturalmente, ressaltamos também que, essa vida, é um fenômeno do mundo-vivido (lebenswelt) e acontece no plano histórico. Portanto, só compreendemos quando aceitamos a historicidade e alteridade como ela se encontra na outra cultura ou nos outros sujeitos, sempre considerando sua dignidade. Esta, segundo Walter Schweidler (2001, p. 11) [...] é relacional e não uma propriedade. [Sendo] a dignidade uma condição, um estado, e não um merecimento, ela [a dignidade humana] é apenas percebida como dever e não como um privilégio. A dignidade humana pertence, portanto, ao projeto inacabado de nos tornarmos verdadeiramente Humanos, de forma que a sua tarefa (Aufgabe) seja ao mesmo tempo, uma demanda (Forderung) e uma realização (Erfuellung). Portanto, relacionar-se com o Outro é compreender sua vida, manifestada nos signos, valores e crenças construídos na tessitura cultural. Esta perspectiva de alteridade, implica reconhecer e respeitar a dignidade da pessoa humana em todos os aspectos e comtodos os outros povos e foi descrita por Raimond Panikkar por um termo que ele denomina de “Metodologia cosmoteândrica”. O autor propõe como isso, uma ideia de repensar as representações com o mundo, levando em consideração tanto o fator cósmico (kyVPRV FRVPLFLGDGH quanto o teológiFRGLYLQR7KHyV WUDQVFHQGrQFLDVHQGRTXHHVVHVGRLVFRH¿FLHQWHVDQWHULRUPHQWHFLWDGRV consideram também o ser humano (andrós= antropocentrismo). Ressaltamos, portanto que, – 169 – CIDADANIA, INTERCULTURALIDADE E DIREITOS HUMANOS Dirce Nazaré de A. Ferreira na visão de Panikkar esse tríduo está interligado, tendo em sua base o Direitos das pessoas, como um suporte para amalgamar o diálogo intercultural. Além disso, Raimon Panikkar (DSXG BALDI, 2004, pag.208-209) julga importante, também, o uso da metodologia de pesquisa que ele chamará de “hermenêutica diatópica”. GLD DWUDYpVWRSRV OXJDUTXHHOHGH¿QHFRPR³>@8PDUHÀH[mRWHPiWLFDVREUHRIDWR de que os ³ORFL´WRSRL de culturas historicamente não relacionadas tornam problemática a compreensão de uma tradição com as ferramentas de outra e as tentativas hermenêuticas de preencher essas lacunas”. Isto por que, para ele somente haverá diálogo intercultural, se o primeiro interlocutor colocar com clareza, o ³WRSRV´ da sua cultura para compreender os construtos da outra cultura. Portanto, nesta interlocução, haveria troca dialética de cosmovisões culturais e experiências históricas diferentes. Um exemplo de hermenêutica diatópica é aquela que, pode ter lugar entre RWRSRV dos direitos humanos na cultura ocidental, o WRSRV do dharma na cultura hindu e RWRSRV da XPPD na cultura islâmica. Segundo Panikkar, dharma “é o que sustenta, dá coesão e, portanto, força, a uma dada coisa, à realidade e, em última instância, à perspectica cosmoteândrica”. Neste aspecto, julgamos que, o vetor que dá conexão entre esses elementos tão diferenciados no paradigma moderno, é a justiça, uma vez que, ela concede coesão às relações humanas, une-se à ética para formar o caráter das pessoas e é a morada do ser. E ainda, o Direito é visto por nós, como o princípio do compromisso nas relações humanas. Portanto, direitos humanos na perspectiva diatópica, são interconectados com a cultura, com os valores e a dinamicidade de cada ORFXV onde é exercido. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do que foi visto, podemos ressaltar que, os Direitos Humanos são interlocuções que se aproximam da interculturalidade. Logo, a hermenêutica diatópica com eles muito bem dialoga, pois ela pode ser compreendida como forma de elucidar o mundo a partir de um leque diferente de culturas. Daí que, ela vislumbra os direitos humanos apenas como mais uma janela – dentre tantas outras – para se enxergar uma cultura. Para o autor, é inevitavelmente um processo dialógico, ou seja, um diálogo entre WRSRLjá que7RSRV é o conjunto de valores e práticas comuns de determinada cultura. Dessa forma, não buscamos transliterar os direitos humanos para outras linguagens culturais, nem devemos procurar simples analogias; tentamos, ao invés disso, buscar o equi- – 170 – CIDADANIA, INTERCULTURALIDADE E DIREITOS HUMANOS Dirce Nazaré de A. Ferreira YDOHQWHKRPHRPyU¿FRSDUDFRPHOHH[HUFHURGLiORJR6HSRUH[HPSORRVGLUHLWRVKXPDQRV forem considerados como base para exercer e respeitar a dignidade humana, devemos investigar como a outra cultura consegue atender a uma necessidade equivalente – o que só pode ser feito uma vez que tenham sido construídas bases comuns (uma linguagem mutuamente compreensível) entre as duas culturas. $VVLP VH D LQWHUFXOWXUDOLGDGH VLJQL¿FD LQWHUIDFH WURFD LQWHUFkPELR UHFLSURFLGDGH criação de espaços de participação coletiva entre culturas diferentes, essa ideia se amalgama aos Direitos Humanos, pois eles são a síntese cultural do mundo. Porém, não de uma maneira verticalizada, imposta, mas construída, levando em consideração a ideia do outro, tratado com alteridade. Para concluir, Panikkar (1984) diz que o diálogo dialógico começa com o pressuposto de que o outro também é uma fonte original da compreensão humana, e que, em algum nível, de pessoas que entram em diálogo e tem uma capacidade de comunicar as suas únicas experiências e entendimentos uns aos outros. Nos termos do autor, a alteridade radical tem como problema SULPHYRDLQWHUFXOWXUDLGDGHHVWDSRUVXDYH]OLJDVHj)LORVR¿DGDLQWHUFXOWXUDOLGDGHWHPFRPR tema central: a problemática, o vetor polemológico, mas com respeito à cultura. 'DtTXHDLQWHUFXOWXUDOLGDGHLPSOLFDTXHRSHQVDU¿ORVy¿FRVHMDFRQFHELGRHPVXD HVVrQFLDWHQGRFRPRVHXSULQFtSLRRULJLQDQWHHQUDL]DGRQDWUDGLomR$)LORVR¿DWHPVHPpre um caráter cultural muito novo e singular para manifestar-se, pois, ao comunicar o nosso SHQVDPHQWRMiR¿]HPRVQRPHLRGHXPDFXOWXUDVLQJXODURXVHMDSHORXVRGHXPLGLRPD REFERÊNCIAS ________________. Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e diferença. Revista de Educação. V. 13, n. 37. Jan/abri, 2008. 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