Os descaminhos da Sociedade Simples Por Ivan Carlos de Lorenci, A lei 10.406/02 (Novo Código Civil), no livro II da parte especial que trata do Direito de Empresa, incluiu um novo tipo de sociedade, a sociedade simples. A sociedade simples tem natureza civil, desta forma veio a substituir as sociedades civis. Com origem no código das obrigações suíço do século XIX, foi posteriormente adotada pelo direito italiano com o intuito de servir de base para a estrutura dos outros tipos de sociedade existentes. Desta forma é introduzida em nosso sistema civil com a mesma expectativa que tiveram os italianos em época própria. Ocorre que este tipo de sociedade não tem tradição jurídica no direito brasileiro, tanto é assim que o legislador não conseguiu traçar um perfil mais esclarecedor sobre o assunto nos artigos específicos do atual código civil. Não se consegue vislumbrar o conceito desta sociedade em uma simples análise dos artigos, deve-se buscar elementos com base nos conceitos de sociedade empresária e empresário para obter um padrão de referência próximo do ideal para ai sim tentar conceituar a sociedade simples. Por sociedade empresária podemos conceituar como sendo pessoa jurídica de direito privado, organizada com o intuito de produzir e explorar bens ou serviços com fins de lucro. Já empresário, o próprio código define no artigo 966, como sendo pessoa que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços. Bem, tendo como ponto inicial os dois conceitos, e não obstante ser a natureza civil, sociedade simples na verdade, é a pessoa jurídica de direito privado e origem civil, oriunda da livre vontade de duas ou mais pessoas com a finalidade de explorar atividade específica, de cunho intelectual sem o intuito de produção e/ou circulação de bens ou serviços de natureza empresarial. Considerando a forma de constituição da sociedade simples prevista no art. 997 do atual código, se observa que ali estão todos os elementos característicos da formação de um contrato social, ou seja, pluralidade de sócios, capital social, participação dos sócios nos lucros e nas perdas, participação por quotas, administração, etc... Tendo principalmente o princípio do affectio societatis como base estrutural da sua formação, ou seja, a livre vontade dos sócios em se associar, sendo que o ânimo societário é essencial para o sucesso da empresa, haja vista que a ausência deste, descaracterizaria sua natureza consensual. Em relação ao objeto, este é o elemento definidor da natureza da sociedade, haja vista que dependendo do que a empresa for explorar, poderemos visualizar se a natureza será civil ou empresaria. O art. 982 expressa que será empresaria aquela que tiver por objeto a atividade própria de empresário. Já o art. 966 como já mencionado define o empresário. Ora, fica claro que analisando concomitantemente os referidos artigos, chega-se à conclusão que, para a sociedade empresária há um campo mais amplo para a utilização de sua estrutura, mesmo porque o legislador deixou a sociedade simples como exceção à regra. Neste sentido é só observar o parágrafo único do art. 966 que diz que não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza cientifica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. Desta forma, se a empresa não se reveste das características elencadas pelo referido artigo, então será sempre empresária. A expressão elemento de empresa é indicativa de atividade a ser explorada, para melhor entendimento ilustro com o seguinte exemplo: Um grupo de médicos monta uma clínica onde cada qual em sua especialidade atende a seus clientes em forma de consultas, ou seja, utilizando de suas capacidades intelectuais, neste sentido serão sempre sociedade simples. Por outro lado, se o mesmo grupo resolve expandir os negócios, transformando a clínica em um hospital, passando a explorar atividades relacionadas a bens e serviços tais como, exames, internações, estarão então explorando sua atividade intelectual como elemento de empresa, isto posto, deixa de ser sociedade simples passando a empresária. Façamos aqui uma menção à sociedade cooperativa, este tipo de sociedade apesar de ser eminentemente civil, irá continuar a ser registrada no registro do comercio, diga-se juntas comerciais, pois apesar do atual código tentar discipliná-las, ressalva de forma expressa a legislação especial (art.1.093), e neste sentido lá se determina que seus atos serão arquivados nas juntas comerciais, portanto não há o que se comentar, pois tratá-se de um equívoco que ainda não foi resolvido ou modificado. Por isso mesmo, a Lei 5.764/71 continua em vigor naquilo que não foi alcançado pelo Novo Código Civil. Continuando com a sociedade simples, há que se dizer que alguns de seus artigos são verdadeiras armadilhas. O problema começa no art. 1003, parágrafo único, em que o sócio que cede suas quotas e se retira da sociedade fica responsável solidário ao cessionário por até dois anos quanto às obrigações perante a sociedade e com terceiros. Imagine que o sócio cessionário dentro do limite de dois anos cometa algum ato ilícito que venha a prejudicar a empresa dando oportunidade para credores interpelarem judicialmente e exigirem o cumprimento de certas obrigações pecuniárias, que dado ao fato cometido pelo sócio cessionário já não tem a empresa condições de suportar tal situação, naturalmente o sócio cedente já não teria nenhuma obrigação, no entanto em conformidade com o art. 1003, parágrafo único, ele será chamado a responder na mesma proporção do sócio irresponsável. O art. 1019 menciona que os poderes do sócio administrador são irrevogáveis, salvo justa causa reconhecida judicialmente, a pedido de qualquer dos sócios. Ora se precisa de uma justa causa reconhecida judicialmente, podemos dizer que estamos diante de uma estabilidade de âmbito administrativo empresarial, neste caso a empresa perde sua proteção e sua liberdade empreendedora, pois dependerá sempre dos atos de tal administrador, desta forma terá uma estrutura administrativa emperrada e dependente. Já o art. 1023 trata de responsabilidade dos sócios, na sociedade simples se a sociedade possuir bens e mesmo assim não cobrirem as suas dividas, os sócios responderão pelo saldo restante proporcionalmente a sua participação, e ainda, se os bens sociais forem executados e mesmo assim não se chegar ao fim da dívida podem os sócios ter seus bens particulares executados, ou seja, a responsabilidade dos sócios é ilimitada. Como se pode notar a sociedade simples tem detalhes negativos que podem efetivamente travar a utilização de sua estrutura como tipo societário. Objetivamente, poucos optarão por organizar uma empresa nos moldes da sociedade simples, especialmente no que tange à questão da responsabilidade dos sócios, sendo assim tudo caminha para que este tipo de sociedade caia em desuso, face aos seus descaminhos e peculiaridades que não trazem nem acrescentam nada ao direito empresarial ou ao empresário em geral. http://www.direitonet.com.br/doutrina/artigos/x/14/00/1400/