FURTO QUALIFICADO E O PRINCÍPIO DA

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FURTO QUALIFICADO E O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
UMA ABORDAGEM GARANTISTA
Alexandre Brandão Rodrigues
Defensor Público do Estado do Rio Grande do Sul
INTRODUÇÃO
Há que se secularizar o direito, valores morais e religiosos são grandezas estranhas ao
sistema jurídico e, por isso, não são objeto do estudo do jurista. A Constituição Federal de
1988 instituiu um Estado laico, onde houve a ruptura definitiva do Estado e da religião.
Assim valores como “pecado”, “mau’, “injusto”, são grandezas inconstitucionais, avessas
ao sistema jurídico, pois não é função do Estado expurgar ou redimir os “pecados” e nem
de penitenciar os cidadãos por serem “pecadores ou imorais”. Tem sim o Estado o dever de
proteger o cidadão contra o ato lesivo de outro cidadão, ou seja, este é o fim do Direito
Penal, de proteger o mais fraco, em duplo sentido, primeiro proteger a vítima do agressor e,
depois, o réu do próprio Estado.
O precursor do positivismo jurídico foi Hans Kelsen com a sua teoria pura do direito,
onde estabeleceu que a norma é o objeto único da ciência jurídica. Devendo o jurista se
abster de qualquer outro valor estranho ao sistema jurídico. Ocorre que a teoria pura
proposta por Kelsen confunde a validade com a vigência da norma, onde uma norma
vigente é, necessariamente, uma norma válida.
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O garantismo penal veio para dar uma nova tônica ao positivismo jurídico, onde
mesmo instigando ao jurista fazer uma constante crítica contra a inserção de valores
estranhos ao sistema jurídico (como valores morais e religiosos), ao mesmo passo,
reintroduz toda uma carga valorativa para dentro do sistema, mas não é todo e qualquer
valor que é reintroduzido como objeto de análise do jurista, mas sim os valores que já estão
no sistema jurídico, que foram acolhidos pela Constituição como direitos e garantias
individuais e sociais. Assim, deve o jurista estabelecer uma constante crítica sobre a
validade da norma frente às garantias estabelecidas pela Constituição. Diferenciando a
vigência da validade da norma, pois uma norma, mesmo vigente, não será válida se
contrariar os direitos e garantias estabelecidas constitucionalmente, introduzindo, desta
forma, um conceito de validade material.
Sob o prisma do garantismo penal estabeleceremos uma crítica a corrente decisão do
Tribunal de Justiça do RS que não tem aplicado o princípio da insignificância na hipótese
de furto qualificado.
1. O POSITIVISMO JURÍDICO DE HANS KELSEN Hans Kelsen, foi precursor do positivismo na ciência jurídica. Pretendeu ele
estabelecer um teoria pura do direito, tendo para isto, como base positivismo fundado por
Augusto Conte.
Para Kelsen, o jurista, como cientista jurídico, tem por objeto único e específico a
norma jurídica. Assim, todos questões políticas, religiosas, sociais, psicológicas, éticas e
morais, enfim, questões que não forem afetas a norma propriamente dita, estão fora do
estudo da ciência jurídica. É nisto que consiste a sua teoria pura do direito, preconiza o
estudo científico da norma jurídica, abstraindo qualquer questão valorativa, pois o que
interessa para o jurista é a norma jurídica e mais nada.
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Segundo a sua teoria, o Direito visa evitar comportamentos nocivos (ilícitos) por
meio da sanção. Estando aí a principal diferença entre o direito e a moral, ou seja, no uso da
coerção socialmente organizada. O Direito se traduz em uma técnica de motivação indireta
de condutas, onde o homem ao agir, terá como instrumento de reflexão o agir de acordo
com o direito e evitar a sanção ou o agir contrário ao direito e se sujeitar as suas penas.
Para Kelsen, há duas classes de normas, as primárias, que estabelecem sanções para
atos nocivos e as adjetivas, que explicam as condutas. Ou seja, para sua teoria, o preceito
primário de um tipo (ex: matar alguém) trata-se de norma secundária, enquanto a que
estabelece a sanção (pena- seis a vinte anos) é norma primária.
A base de sua teoria pura está na preposição que o princípio de regência das ciências
naturais difere do da ciência jurídica. Pois para aquela, que corresponde ao mundo do “ser”,
do plano da existência determinada, é regida pela causa e feito, ou seja pelo princípio da
causalidade. Já a ciência jurídica é regida pelo princípio da imputação, onde os fatos só
encontram razão nas normas que os vinculam, sendo ações normativamente qualificadas.
Expressando assim, a contingencialidade do mundo do “dever ser”. Tal contingencialidade
consiste em o fato ser enquadrado na norma (imputado), pois só assim, terá valor jurídico.
Assim, para a teoria pura do direito, o objeto da ciência jurídica são as normas, devendo ser
abstraídas de qualquer valor, seja moral, seja religioso, etc.
No sistema instituído por Kelsen, a validade da norma se confunde com a sua
vigência, ou seja, uma norma por ser vigente é automaticamente válida. Isto porque entende
que todo o sistema normativo tem uma característica dinâmica, onde uma norma é sempre
precedida por outra norma autorizadora. Sendo que esta pode delegar competência para a
norma subseqüente, formando assim uma cadeia de autorizações. Neste contexto, uma
norma pode conferir um poder de produção normativa a uma determinada autoridade.
Assim, se tal autoridade, seguir o processo formal de produção legislativa a norma
produzida será vigente e por ser vigente, será automaticamente válida, independente do seu
conteúdo.
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Neste enfoque, tais critérios, para a vigência e, conseqüente, para a validade das
normas, são fixados pela Constituição. Pois, apenas de uma norma (dever ser) pode se
derivar outra norma, na lógica do sistema jurídico-positivista kelseniano. Assim, não só o
direito condiciona a sua própria criação, mas a própria aplicação do direito é, ao mesmo
tempo, a sua criação.
Este sistema é formado com base em uma pirâmide, onde a Constituição está no seu
ápice, dando validade as demais normas que há sucedem, no sistema de cadeia de
autorizações normativas. Mas, para dar validade a Constituição, pois sendo esta o ápice da
pirâmide, se não tiver validade, todo o sistema normativo perderia validade, por isto Kelsen
formulou a teoria da norma hipotética fundamental, sendo que é esta que dá validade a
Constituição.
Ou seja, a norma hipotética fundamental foi criada com o fim de manter a lógica do
sistema jurídico-positivista, onde uma norma só pode derivar de outra norma, sendo que
toda a gama de proposições axiológicas, valorativas, não faz parte do sistema jurídico. Para
o direito, na teoria pura, o que interessa é a norma, sendo esta, exclusivamente, o seu objeto
de estudo. Assim, não importa ao direito responder o que é justo ou injusto, o que é imoral
ou moral, mas sim o que é lícito ou ilícito.
2 O GARANTISMO PENAL DE LUIGI FERRAJOLI Ferrajoli é um positivista, pois acredita no Direito como ciência onde a norma é o seu
objeto e onde valores morais, éticos, religiosos são grandezas estranhas ao sistema. Na
formulação da sua teoria, o garantismo, que trata-se de uma teoria positivista, onde a
norma é o objeto de estudo, mas inova no sentido de reintroduzir os valores para dentro do
sistema jurídico. Mas, tais valores não têm como fonte o direito natural ou o direito divino,
são os valores escolhidos pelo próprio sistema, previstos expressamente ou implicitamente
na Constituição. Ou seja, os princípios ou valores que o garantismo reintroduz no sistema
jurídico, são valores que estão no próprio sistema, que foram acolhidos pela Constituição.
Não importa os valores de fora do sistema, que são colhidos na filosofia ou na moral, por
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exemplo. Assim, o garantismo, de certa forma, mantém a “pureza” da teoria do Direito.
Mas se contrapõe ao formalismo exarcebado da teoria pura, incluindo como objeto de
análise não só a validade formal da norma (vigência), mas também a análise da validade
substancial (material) da norma produzida.
2.1 Significados do Garantismo Para entender o garantismo, principalmente o garantismo penal, há de se ter em mente
os três significados desta teoria estabelecidos por Ferrajoli.
O garantismo, no primeiro significado, diz respeito a um modelo normativo de direito
onde sobressai a estrita legalidade, entendendo-se por estrita legalidade não só a vigência
da lei, mas sim a condição de validade ou legitimidade das leis vigentes. Assim, no plano
epistemológico o garantismo, segundo Ferrajoli, se caracteriza “como o sistema cognitivo
ou de poder mínimo, sob o plano fático se caracteriza como uma técnica de tutela idônea a
minimizar a violência e maximizar a liberdade e, sob o plano jurídico, como um sistema de
vínculos impostos à função punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos.”
(FERRAJOLI, L., 2006, p. 786)
No segundo aspecto, o garantismo é teoria jurídica da “validade” e da “efetividade”.
Onde a validade se traduz na legitimação das normas jurídicas frente aos princípios e
garantias estabelecidas pela Constituição, sendo legítimas e, conseqüentemente, válidas as
normas que estão de acordo com os princípios e garantias constitucionais e, por sua vez,
inválidas e ilegítimas, as normas que vão de encontro a estes princípios e garantias. Já, no
plano fático, pugna pela plena efetividade de modelos normativos que garantem princípios
e direitos.
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Pois no sistema jurídico pode haver normas vigentes que não são válidas, pois se
contrapõe aos princípios e garantias constitucionais. Bem como normas, baseadas em
princípios, que estabelecem direitos e garantias para o cidadão, que, por não serem
aplicadas no plano fático, não são efetivas. Por isto, segundo Ferrajoli (FERRAJOLI, L.,
2006, p. 787), requer “dos juízes e dos juristas uma constante tensão crítica sobre as leis
vigentes, por causa do duplo ponto de vista que a aproximação metodológica aqui delineada
composta seja na sua aplicação seja na sua explicação: o ponto de vista normativo, ou
prescritivo, do direito válido e o ponto de vista fático ou descritivo, do direito efetivo.”
Diante disto, deve sempre o jurista se ater a questão da validade das normas, visto de forma
substancial, frente aos princípios prescritos na Constituição, bem como para normas que
garantem tais princípios e que não são eficazes no plano fático.
No terceiro significado, pretende ser uma filosofia do direito que impute o ônus de
justificação ao Estado e ao próprio Direito. Pois tanto o Direito como o Estado são “coisas
artificiais” que servem de meios para a satisfação dos interesses e necessidades do homem.
Necessitando, por isto, de constante justificação externa quantos aos bens que ficaram
responsáveis por tutelar. Assim, há uma inversão de princípios quando estas instituições
artificiais, pois criadas pelo homem, se constituem em fins em si mesmas, perdendo, pois, o
ônus da justificação. Dando razão a criação de Estados totalitários e de um Direito
arbitrário.
2.2 Graus de garantismo e/ou autoritarimo de um sistema jurídico Ferrajoli criou um sistema, através da proposição de dez axiomas fundamentais (dez
princípios), sendo que cada um deles trata-se de uma condição indispensável para que o
Estado possa punir, ou seja, trata-se de condições indispensáveis para a existência da pena,
são eles:
A1- Nulla poena sine crimine (não há pena sem crime);
A2- Nullum crimen sine lege (não há crime sem lei);
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A3- Nulla Lex (poenalis) sine necessitate (não há lei penal sem necessidade);
A4- Nulla necessitas sine injuria (não há necessidade sem lesão);
A5- Nulla injuria sine actione (não há lesão sem ação);
A6- Nulla acione sine culpa (não há ação sem culpa);
A7- Nulla culpa sine judicio (não há culpa sem jurisdicionariedade);
A8- Nulla judicium sine accusatione (não há jurisdicionalidade sem acusação);
A9- Nulla acusatio sine probatione (não há acusação sem prova);
A10- Nulla probatio sine defensione (não há prova sem defesa).
Tal sistema foi montado de modo que “cada um dos termos implicados implique, por
sua vez o sucessivo” (FERRAJOLI, L., 2006, p. 92), formando uma cadeia de quarenta e
cinco teoremas. Assim, podemos formar: Nulla poena sine lege, nulla injuria sine judicio,
nulla judicio sine defensione, e assim por diante.
Tanto mais garantista será um sistema jurídico, quanto mais observar os princípios
enumerados. E, por conseqüência, tanto mais autoritário será um sistema jurídico, quanto
menos observar tais princípios. Assim, exemplificaremos, um Estado que impõe uma pena
sem haver crime para uma determinada conduta, é um Estado totalitário, altamente
autoritário, pois a liberdade da pessoa fica totalmente ao arbítrio do Estado. Podemos
considerar que é um Estado totalmente autoritário e antigarantista.
Já um juiz que condena uma pessoa com base em provas onde não houve a
participação da defesa, também produz uma norma autoritária. Mas não podemos dizer que
o Estado é totalmente autoritário, pois havia um crime, o crime foi instituído por uma lei, a
lei foi criada porque havia uma necessidade, pois poderia haver a lesão a um bem jurídico,
houve uma ação, que em tese era culpável, para isto foi provocado o Poder Judiciário,
através de um órgão responsável pela acusação, que pretendia provar a acusação através de
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provas, só que, tal prova não teve a participação da defesa. Podemos sim afirmar que tal
decisão não tem validade, pois não respeitou as garantias processuais da pessoa que estava
sendo processada.
Assim, num sistema jurídico podem haver vários graus de garantismo e/ou
autoritarismo, dependendo da observância de tais princípios acima elencados.
2.3 A Verificação e a valoração da prova – poderes jurisdicionais Vimos, que a teoria do garantismo se assenta em três bases principais, na legalidade
estrita, na validade e efetividade das normas e na constante justificação do Estado, que há
de ser feita com base na lei e na Constituição, bem como nos princípios e valores por ela
estabelecidos.
E, quanto ao poder de verificação e valoração do juiz, Ferrajoli identifica quatro
aspectos, que são analisados com base em tais premissas. São poderes do juiz:
- poder de denotação ou verificação jurídica;
- poder de comprovação probatória ou de verificação fática;
- poder de verificação ou discernimento equitativo; e
- poder de disposição ou valoração ético-política.
Os três primeiros poderes são complementares em relação ao último, visto que, se
excederem, geram o poder de disposição, pois poderão se extraviar “até deixarem o campo
livre ao mero arbítrio decisionista.” (FERRAJOLI, L., 2006, p. 114)
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A verdade processual é alcançada através da denotação, que se dá através de
inferências dedutivas (ou subsunção) e a comprovação probatória através de inferências
indutivas (ou provas). Sendo que tais verdades (jurídicas e fáticas) serão distinguidas entre
a vericabilidade (condições de uso dos termos verdadeiro e falso, com base em referências
empíricas) e a verificação (aceitação das teses pelos métodos de comprovação e controle).
Assim, só são verificáveis, como verdade, apenas as afirmações que descreverem fatos ou
situações observáveis empiricamente, ou seja, que tenham referências empíricas. Desta
forma, não são verificáveis afirmações ou fatos descritos através de juízos de valor, como
“ofensa à moral”, “desacato à autoridade”, etc.
Visto que as condições de verificabilidade de uma afirmação dependem da semântica
da linguagem na qual foi formulada, Ferrajoli utiliza-se da teoria de Gottab Frege para
distinguir o significado de um signo. Tal teoria afirma que deve-se distinguir a extensão ou
denotação (conjunto de objetos para o qual o signo se aplica) da intensão ou conotação
(característica essencial do signo). Assim, a extensão de um termo será tanto maior (ou
menor) quanto menor (ou maior) for sua intensão. Ferrajoli exemplifica utilizando o signo
“homem”, que é mais extenso que “homem de 20 anos” (que tem uma intensão menor) e
menos extenso que “animal” (que tem uma intensão maior).
Diante disto, conclui “que um termo é vago ou indeterminado se sua intensão não
permitir determinar a sua extensão com relativa certeza, quer dizer, se existirem objetos que
não estão excluídos nem incluídos claramente em sua extensão.” (FERRAJOLI, L., 2006, p.
116) Assim, não são verificáveis termos valorativos, por serem vagos ou indeterminados, e
que muitas vezes estão em nossa legislação, como “fútil”, “torpe”, “obsceno”, “mau”,
“vagabundo”, “mendigo”, etc. Pois tais termos, para serem interpretados, dependem,
exclusivamente, do juízo de valor do observador, não são verificáveis através de referências
empíricas, enfim, podem ser falsos ou verdadeiros dependendo da pessoa que os interpreta.
Assenta Ferrajoli que correlativamente com o princípio da legalidade estrita está o
princípio da jurisdicionalidade estrita, sendo que aquele consiste em assegurar a
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determinabilidade das denotações jurídicas, enquanto este consiste em assegurar a
determinabilidade das denotações fáticas. Ou seja, o princípio da jurisdicionalidade estrita
trata de uma série de regras “de verificabilidade e da refutabilidade das teses que no
processo enunciam os fatos e provas, que tanto aquelas como estas sejam exatamente
individualizadas mediante descrições precisas e sem uso de palavras vagas e valorativas.”
(FERRAJOLI, L., 2006, p. 120)
Conceitos vagos e indeterminados, com palavras equivocadas e com juízos de valores
na descrições de fatos, por constituírem fatores de esvaziamento garantias penais e
processuais, devem ser filtrados e repelidos pelo juiz, ao aplicar o princípio da
jurisdiconalidade estrita. Mas, do contrário, quando o juiz aplica, na decisão do caso
concreto, juízos de valores associado a descrições fáticas, macula, de forma frontal, tal
princípio, o que faz com que macule também, com selo da nulidade a sua decisão, por
carecer esta de validade substancial.
Diante disto, para fins de justificação da indução judicial, frente às garantias
processuais, o juiz deve sempre estar atento a três condições, que são:
- a garantia da necessidade da prova e da verificação;
- a garantia da possibilidade de contraprova ou refutação;
- a garantia da decisão imparcial e motivada sobre a verdade processual fática contra a
arbitrariedade e o erro.
A primeira diz respeito à garantia da prova, ou seja, o fato, para justificar a indução
judicial, deve ter provas que em qualidade e quantidade possam proporcionar a
vericabilidade da tese acusatória, de modo que o juiz possa, no caso de julgar pela
culpabilidade, ter elementos suficientes para superar a presunção de inocência. A segunda
condição diz respeito ao contraditório, ou seja, a possibilidade de se poder refutar a prova
apresentada e fazer a contraprova. E a terceira condição trata-se da garantia da verdade
fática, ou seja, para uma tese acusatória ser aceita pelo juízo é necessário que ela seja
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confirmada por várias outras teses e que não seja refutada (ou desmentida) por qualquer
contraprova.
Assim, através de tais condições, se induzirá à decisão judicial a lógica da
investigação indutiva, reduzindo “ao mínimo o poder de verificação ou denotação fática do
juiz e a arbitrariedade da sua convicção, assegurando a máxima certeza ou segurança
possível das decisões condenatórias”. (FERRAJOLI, L., 2006, p. 145) Tais decisões são
próprias do direito penal mínimo, que garantem que nenhum inocente seja punido.
O terceiro poder referenciado, qual seja, o poder de conotação ou discernimento
eqüitativo é o poder de individualização dos fatos e valorações específicas de tais fatos. A
eqüidade, no conceito aristoteano, consiste em suprir a omissão da lei aplicando regras
gerais de “justiça universal”, estando de olho não na lei, mas sim no legislador ao suprir
certa lacuna, certa omissão. O equívoco deste recurso à equidade é que se trata de uma
operação extra, ultra ou contra legem. Ocorre que a equidade tem sido utilizada, nas
palavras de Ferrajoli, como uma “muleta da justiça”, ou “seja um meio para suprir as
lacunas ou os equívocos evidentes da lei , mediante o reenvio ao direito natural”, o que em
muitos casos, sua aceitação tem servido “para favorecer orientações substanciais e
decisionistas contrárias ao princípio da legalidade e particularmente deletérias no direito
penal, sua repulsa vem enlaçada com orientações obtusamente formalistas e abstratamente
legalistas” (FERRAJOLI, L., 2006, p. 150)
Necessário, pois, haver racionalidade no uso da equidade por parte do juiz. A
utilização da equidade de forma racional e garantista se traduz em uma técnica de
conotação, de maneira clara e precisa, dos fatos denotados pela lei. Devendo pois, através
da compreensão de todas as circunstâncias, aplicar a lei ao caso concreto. Tanto a
legalidade, quanto a equidade são dois aspectos do poder judicial ligado a dimensões
distintas. Mas tal poder de equidade na conotação do fato à denotação legal não pode ser
arbitrário, deve ter como base a verificação fática do delito, suas circunstâncias e
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características, de forma a afastar as incertezas e vacuidades, que poderão tornar a decisão
arbitrária e decisionista.
Agora, por fim, o poder de disposição que é o “que se exerce na presença de espaços
redutíveis, mediante decisões necessariamente referida (também e somente) a valores
distintos da verdade.” (FERRAJOLI, L., 2006, p. 158) É fruto de carências e imperfeições
do sistema que pressupõe “opções ou juízos de valor dos quais não é possível qualquer
caracterização semântica, mas apenas caracterizações pragmáticas, ligadas à obrigação da
decisão.” (FERRAJOLI, L., 2006, p. 159).
Quando em um sistema houver espaços para definições vagas e imprecisas, mais
crescerá o poder de disposição judicial. Traduzindo-se este em um poder arbitrário e
discricionário, que dá vazão ao decisionismo judicial. Quando não forem observadas as
regras para o alcance da verdade processual, quando não forem observadas as garantias,
bem como o princípio de refutação da tese acusatória, não haverá possibilidade de haver
juízos cognitivos, mas sim juízos potestativos, onde haverá a livre cognição não sobre a
verdade processual, mas sim sobre outros valores.
Trata-se, pois, o poder de disposição, poder que tem origem na carência das garantias
e no predomínio de modelos penais arbitrários que se manifesta sobre valores distintos da
verdade processual. Estes valores, denominados de valores éticos-políticos, “são espaços de
discricionariedade políticas os espaços de insegurança, abertos de diversos modos pela
indeterminabilidade da verdade processual.” (FERRAJOLI, L., 2006, p. 161) Assim, o
poder de disposição nada mais é que a autonomia do juiz para integralizar os espaços
vazios deixados pela lei com valores éticos-políticos.
Como já referido, o poder de disposição aparecerá quando o juiz sobrepuser os limites
específicos de cada um dos outros três poderes (de verificação jurídica fática e equitativa),
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proferindo decisões baseadas em valores éticos-políticos, de caráter decisionista, destituídas
das garantias e sem o alicerce nas verdades processuais.
3 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E ATIPICIDADE MATERIAL O princípio da insignificância tem como pressuposto o princípio da “utilidade penal”,
onde só é idôneo punir quando a conduta for efetivamente lesiva a terceiros. Assim só
condutas efetivamente lesivas podem justificar a pena e podem, materialmente, serem
criminalizadas. Ressalta Ferrajoli que “condutas meramente imorais ou estados de ânimo
pervertidos, hostis, ou, inclusive, perigosos” devem ser rechaçados pelo direito penal frente
a secularização do direito e sua conseqüente separação da moral.
A ação do direito penal só é justificada para fatos ou condutas que realmente são
lesivas para terceiros. Do contrário corresponderiam em grave atentado contra a liberdade
do cidadão. Tendo como base o teorema: Nullum crimen sine injuria, ou seja, não há crime
sem lesividade, se a conduta não chegou a atingir ou ameaçar o bem jurídico protegido pela
norma, efetivamente, não há crime. O delito pode até ser típico formalmente, por exemplo,
o agente pode ter subtraído uma garrafa térmica de um estabelecimento comercial, mas tal
garrafa térmica, devido ao seu valor (cerca de R$ 35,00), não terá o condão de lesar o
patrimônio da empresa, para a empresa será totalmente insignificante. Assim, tal conduta é
atípica materialmente, pois devido ao valor do bem, não ameaça ou fere o bem jurídico
protegido pela norma, que no caso é o patrimônio. Não há justificativa para a atuação do
direito penal frente aos princípios da “intervenção mínima” e da ultimo ratio.
Tal princípio da insignificância, no caso de furto simples, tem sido acolhido pela
jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul1, nas palavras no Des. Aramis
Nassif extraídas de seu voto na Apelação Crime Nº 70019063015:
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FURTO. DENÚNCIA. REJEIÇÃO. RES FURTIVA AVALIADA EM R$ 31,83. CRIME DE BAGATELA.
ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. Há evidente equívoco na afirmação de que, reconhecido o princípio da
insignificância, chegue-se à impunidade ou descriminalização de condutas. É que os crimes de bagatela são figuras típicas
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Há evidente equívoco na afirmação de que, reconhecido o princípio da
insignificância, chegue-se à impunidade ou descriminalização de
condutas. É que os crimes de bagatela são figuras típicas que, na
aparência, amoldam-se ao modelo típico, mas, identificado tratarem-se de
ofensas a bens jurídicos sem reprovação ou censura social, dispensam a
necessidade de atuação do direito penal. Serve como um instrumento de
restrição à amplitude injusta do tipo penal, destinada à resposta àquelas
condutas relevantes e marcadas pela nocividade ao meio social onde é
praticada, assegurando e viabilizando a aplicabilidade do princípio da
proporcionalidade entre a pena e a gravidade do fato incriminado.
No caso, o princípio da insignificância (ou bagatela) age com o fim de
descriminalizar a conduta, que por sua irrelevância e falta de lesividade ao bem jurídico
protegido pela norma, não pode ser objeto do direito penal. Assim é substancialmente
atípica, pois, do contrário, a pena seria mais danosa do que benéfica, indo de encontro,
frontalmente, as garantias do cidadão. Nas palavras de Luis Flávio Gomes (GOMES, L. F.,
2002, p. 145):
É neste âmbito que vigora com toda a intensidade o princípio do direito
penal fragmentário (só serve para tutelar lesão significativa aos bens
jurídicos), assim como o do direito penal como ultimo ratio da sistema
(princípio da subsidiariedade), isto é, só de vê intervir quando outros
ramos do direito não forem capazes de tutelar adequadamente o bem
jurídico.
que, na aparência, amoldam-se ao modelo típico, mas, identificado tratarem-se de ofensas a bens jurídicos sem reprovação
ou censura social, dispensam a necessidade de atuação do direito penal. Serve como um instrumento de restrição à
amplitude injusta do tipo penal, destinada à resposta àquelas condutas relevantes e marcadas pela nocividade ao meio
social onde é praticada, assegurando e viabilizando a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade entre a pena e a
gravidade do fato incriminado. Em se tratando de res furtiva avaliada em R$ 31,83, sem que haja maior censura que a
ordinária para o delito, deve ser reconhecido o crime co mo meramente bagatelar e, assim, resultar em sua atipicidade.
Admissível a rejeição da denúncia pela atipicidade quando reconhecido o principio da insignificância. Recurso Improvido.
(Apelação Crime Nº 70019063015, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aramis Nassif, Julgado
em 30/05/2007)
FURTO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. CRIME BAGATELAR. Os crimes de bagatela são figuras típicas que, na
aparência, amoldam-se ao modelo típico, mas, uma vez identificado tratar-se de ofensa a bens jurídicos sem reprovação ou
censura social, dispensam a necessidade de atuação do direito penal. Serve como um instrumento de restrição à amplitude
injusta do tipo penal, destinada à resposta àquelas condutas relevantes e marcadas pela nocividade ao meio social onde é
praticada, assegurando e viabilizando a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade entre a pena e a gravidade do fato
incriminado. Há evidente equívoco na afirmação de que, reconhecido o princípio da insignificância, chegue-se à
impunidade ou descriminalização de condutas. Apelo Ministerial Improvido. (Apelação Crime Nº 70019214824, Quinta
Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aramis Nassif, Julgado em 23/05/2007)
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Ocorre que, tal princípio, da insignificância e bagatela, não é aplicado pela
majoritária jurisprudência do Tribunal de Justiça do RS ao furto quando na conduta estiver
presente alguma qualificadora.
4 FURTO QUALIFICADO E PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – APLICAÇÃO DO PODER DISPOSITIVO Quanto presente alguma das qualificadoras do tipo penal de furto (§ 4º do art. 155 do
Código Penal) tem entendido o Tribunal de Justiça do RS, pelo menos em sua maioria, que
não há como aplicar o princípio da insiginificância2. Reproduziremos parte do voto do Des.
Vladimir Giacomuzzi na Apelação criminal nº 70018978221:
foi preso em flagrante no interior do Restaurante Daniel, em Palmeira das
Missões, que violou quebrando o vidro da janela e tendo nas mãos
dinheiro e cheques que pretendia subtrair. O acusado, que havia a pouco
deixado o Presídio local, admitiu a imputação, fazendo restrição, no
2
FURTO QUALIFICADO NA FORMA TENTADA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. APELAÇÃO. Nega-se
provimento ao apelo defensivo quando, como no caso, correta e justa se mostra a sentença que condena agente preso em
flagrante no interior do estabelecimento comercial por ele violado com o propósito de furto, tendo, para tanto, quebrado o
vidro da janela, sem aplicação o princípio da insignificância. (Apelação Crime Nº 70018978221, Terceira Câmara
Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vladimir Giacomuzzi, Julgado em 17/05/2007)
FURTO QUALIFICADO. 1. PALAVRA DA VÍTIMA. PROVA SUFICIENTE DA AUTORIA. CONDENAÇÃO
MANTIDA. 2. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 3. DISPONIBILIDADE DA ‘RES
FURTIVAE”. PARTE DOS BENS NÃO RESTITUÍDOS. NÃO CONFIGURAÇÃO DA TENTATIVA. 4.
QUALIFICADORA. CONCURSO DE AGENTES. ISONOMIA NO TRATAMENTO PENAL. APLICAÇÃO DA
MAJORANTE DO CRIME DE ROUBO. 5. MENORIDADE. ATENUANTE OBRIGATÓRIA. PENA AQUÉM DO
MÍNIMO. POSSIBILIDADE. 5. EXCLUSÃO DA PENA DE MULTA. IMPOSSIBILIDADE. PRINCIPIO DA
INDERROGABILIDADE DA PENA. 1. A palavra da vítima, subsidiada por outros elementos informativos da prova, tais
como a apreensão da ‘res” com o agente, merece ser prestigiada e autoriza, nas circunstâncias, a condenação. 2. Não se
fala em aplicação do princípio da insignificância em razão da circunstância exasperadora do concurso de agentes, que
implica no desvalor da conduta, além do desvalor do resultado 3. A consumação do delito de roubo, por ser crime contra o
patrimônio, depende da observância da qualidade da posse que o agente tem do bem, havendo possibilidade do autor
dispor da res furtivae, mesmo preso em flagrante logo após a subtração dos bens, por não serem restituídos na sua
totalidade à vítima, não há falar em crime tentado. 4. A qualificadoras do crime de furto que versa sobre o concurso de
agentes deve ter o mesmo tratamento (isonomia na consideração da pena) que a majorante do crime de roubo para a
fixação da pena, para efeitos da satisfação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da isonomia. 5. A multa
não pode deixar de ser aplicada pelo juiz, sob pena de violação ao princípio da inderrogabilidade da pena, visto que é um
imperativo legal. Recurso da defesa parcialmente provido. Recurso do Ministério Público improvido. (Apelação Crime Nº
70017464900, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aramis Nassif, Julgado em 16/05/2007)
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entanto, à qualificadora da quebra de obstáculo. A prova foi bem
examinada na sentença e a condenação do réu, ora apelante, realmente se
impunha. O princípio da insignificância não tem aplicação, no caso. Não
tivesse o agente sido contido em sua ação criminosa poderia ter
determinado prejuízo ainda maior à vítima, no caso limitado a um pouco
mais de cem reais.
Verifica-se que na decisão acima, o julgador não aplicou o princípio da
insignificância visto a eventual “possibilidade” de poder ter havido um prejuízo maior à
vítima. Ou seja, decidiu com base em mera eventualidade, em mera possibilidade, decisão
esta manifestadamente ilegítima, pois não permite refutação alguma. Enfim, com base em
hipóteses se criminalizou uma conduta, que, com base em dados empíricos, era atípica
materialmente.
Mas, a fundamentação corrente nos votos que não aceitam a aplicação do princípio da
insignificância quando o furto é qualificado é que com o avento da qualificadora há um
maior desvalor da conduta do agente e também um maior desvalor do resultado, que
impede a aplicação do princípio bagatelar.
Tais decisões são dispositivas, pois extravasam os limites da estrita jurisdicioanlidade
que é imposto pelo sistema de garantias previsto por nossa Constituição. Vejamos um
exemplo: Pedro entra em um supermercado e furta uma garrafa térmica, como visto, neste
caso, teria aplicação o princípio da insignificância no sentido de descriminalizar à conduta,
pois não houve tipicidade material por ausência de lesão ao bem jurídico protegido pela
norma. Mas, se Pedro e Paulo entram na loja e furtam a mesma garrafa térmica, há
entendimento corrente no Tribunal de Justiça do RS, que neste caso, visto o concurso de
agentes (inciso IV do § 4º do art. 155 do Código Penal) a conduta dos agentes deve ser
criminalizada, não havendo à aplicação do princípio da insignificância, visto que o desvalor
da conduta e o desvalor do resultado são maiores.
Mas, pergunta-se: Tanto no primeiro, como no segundo exemplo houve lesão ou
ameaça de lesão ao bem jurídico protegido pela norma? Uma garrafa térmica tem o condão
de ameaçar o patrimônio de um supermercado? Se os agentes não fossem flagrados ou
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pegos de qualquer modo, o supermercado sentiria a falta da garrafa térmica? A resposta
para todas as perguntas é não.
Vejamos um outro exemplo envolvendo a mesma garrafa térmica: Paulo escala um
muro de um supermercado e furta uma garrafa térmica ou arromba a porta dos fundos de
um supermercado para furtar a garrafa térmica. Nestes casos, se fizéssemos as mesmas
perguntas anteriores, as respostas continuariam sendo não. Não haveria nestes casos lesão
ao patrimônio do supermercado que justificasse uma ação penal. A não aplicação do
princípio da insignificância ao furto qualificado constitui a criminalização de uma conduta
tendo por base um juízo de valor sobre as circunstâncias de um delito, mais precisamente,
sobre as circunstâncias qualificadoras. Ora, se não há lesão, não há crime. Circunstâncias
qualificadoras não têm o condão de, por si só, criminalizar uma conduta.
Como vimos, quanto aos poderes do juiz, tem ele o poder de denotação, ou seja, de
interpretação ou verificação jurídica; de comprovação probatória, ou seja, de verificação
fática; e de interpretação equitativa que serve como princípio que auxilia o juiz a integrar a
“intensão” do termo a fim de denotá-lo à norma. Tais poderes tem seus limites nos
princípios da estrita legalidade e da estrita jurisdicionalidade, a fim de preservar as
garantias servindo como um freio aos abusos e ao arbítrio. Assim, tais poderes só poderão
ser exercidos através de bases empíricas suficientes, em que proporcione a verificação e a
refutação probatórias. Quando a decisão se funda em valorações ético-políticas sobre a
norma ou sobre o fato, há um extravasamento dos poderes conferidos à jurisdição, sendo tal
decisão fruto do poder de disposição do juízo. Isto porque quando há uma valoração éticopolítica do fato, não há espaço para refutação, por ser vago e impreciso o seu significado.
Quando se diz que um ato é desvalorado, que um ato é mau, que um ato é amoral, tais
conceitos ficam adstritos ao arbítrio exclusivo do julgador, pois se tratam de termos vagos e
imprecisos, sem bases empíricas e, portanto, impossíveis de serem refutados. Qual a
refutação possível quando se conclui que tal fato é crime pelo desvalor da conduta e pelo
desvalor do resultado? Qual foi o parâmetro utilizado para valorar a conduta? Enfim,
constitui-se de termo vago e impreciso, de verificação impossível.
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Voltando ao nosso exemplo do furto da garrafa térmica, quando praticado com
rompimento de obstáculo ou por escala, poderia, em tese, aplicando o princípio da
insignificância quanto ao crime de furto, devido a falta de lesão ao bem jurídico protegido,
subsistir os delitos subsidiários, como o de dano ou de invasão de domicílio. Mas, o que
contraria o princípio da estrita jurisdicionalidade é criminalizar a conduta visto as
qualificadoras do tipo penal, considerando que estas desvalorizam a conduta e o resultado.
CONCLUSÃO Uma norma (lei ou decisão), só será válida se seu conteúdo for produzido dentro da
estrita legalidade e da estrita jurisdicionalidade. Pois do contrário, mesmo vigente, não terá
validade por contrariar as garantias e direitos individuais estabelecidos na Constituição. O
princípio da jurisdicionalidade estrita exige do julgador uma racionalidade rigorosa na
decisão, tal racionalidade somente será alcançada quando forem obedecidas as garantias
processuais da necessidade da prova e da verificação; da possibilidade de refutação; e da
decisão imparcial e motivada sobre a verdade processual fática (empírica).
Assim, o julgador com o fim de preservar tais garantias, poderá ter somente como
base da decisão a análise de fatos e circunstâncias empiricamente verificáveis, pois só estas
são aptas à verificação de seu significado por ter um conteúdo específico e determinado.
Possibilitando, conseqüentemente, a sua refutação, o que é uma garantia processual.
Conceitos vagos e imprecisos, com base em valores éticos-políticos não possibilitam
a refutação, pois condicionam a verificação ao arbítrio exclusivo do observador, o que
contraria o princípio da estrita jurisdicionalidade. A utilização de tais valores como objeto
da fundamentação da decisão são fruto da aplicação do poder de disposição da jurisdição,
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que surge da inobservância dos limites estabelecidos aos outros poderes (de denotação
jurídica, de verificação fática e de verificação eqüitativa) frente ao princípio da estrita
jurisdicionalidade. É um poder arbitrário e autoritário, que faz tábua rasa das garantias
processuais.
A decisão de criminalizar uma conduta, que materialmente é atípica, com base no
desvalor da conduta e no desvalor do resultado quanto às circunstâncias qualificadoras do
delito, se traduz, na prática, na aplicação do poder dispositivo do juízo. Visto que desvalor
da conduta e desvalor do resultado são valores ético-políticos, que ficam adstritos somente
ao campo de observação do julgador. Por serem conceitos vagos e imprecisos
impossibilitam a sua refutação, tornando a norma (decisão) arbitrária e autoritária.
Diante da inobservância das garantias processuais, da utilização de conceitos vagos e
imprecisos, de valores éticos-políticos como desvalor da conduta e desvalor do resultado,
conferem a tais decisões (que não aplicam o princípio da insignificância ao furto
qualificado) o selo da invalidade, pois contrariam as garantias individuais, sendo, portanto,
inconstitucionais.
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REFERÊNCIAS
BARRETO, Vicente de Paulo (Coordenador). Dicionário de Filosofia do Direito.
São Leopoldo: Editora Unissinos, 2006.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão.Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi
Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomaes. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2006.
GOMES, Luiz Flávio. Lei das Armas de Fogo. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2002.
DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19º ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2000.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito
Penal. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
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