SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE COORDENADORIA DE RECURSOS HUMANOS FUNDAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ADMINISTRATIVO – FUNDAP PROGRAMA DE APRIMORAMENTO PROFISSIONAL MIRIAM FERNANDES FORTE UM ESTUDO SOBRE OS TRANSTORNOS FACTÍCIOS São Paulo 2012 SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE COORDENADORIA DE RECURSOS HUMANOS FUNDAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ADMINISTRATIVO – FUNDAP PROGRAMA DE APRIMORAMENTO PROFISSIONAL MIRIAM FERNANDES FORTE UM ESTUDO SOBRE OS TRANSTORNOS FACTÍCIOS Monografia apresentada ao Programa de Aprimoramento Profissional/SES, elaborada no Hospital Infantil Cândido Fontoura, do Departamento de Psicologia e Reabilitação. Área: Aprimoramento em Hospital Geral Pediátrico. São Paulo 2012 HOSPITAL INFANTIL CÂNDIDO FONTOURA PROGRAMA DE APRIMORAMENTO PROFISSIONAL MIRIAM FERNANDES FORTE UM ESTUDO SOBRE OS TRANSTORNOS FACTÍCIOS Banca Examinadora __________________________ Dr. Flavio Del Mato Faria Prof°. Dr. da Universidade São Judas Tadeu __________________________ Marisa Zotovici Vilarinho Psicóloga do Hospital Infantil Cândido Fontoura ____________________________ Eliana De Martino Fonoaudióloga do Hospital Infantil Cândido Fontoura Orientadora ____________________________ Cristina Jeldes Carracosa Teixeira Coordenadora do curso de Aprimoramento do Hospital Infantil Cândido Fontoura São Paulo 2012 “Tomei a decisão de fingir que todas as coisas que até então haviam entrado na minha mente não eram mais verdadeiras do que as ilusões dos meus sonhos” René Descartes AGRADECIMENTOS A todos aqueles que contribuíram na realização de mais uma etapa importante na minha jornada profissional: a minha orientadora Cristina, a banca examinadora, aos pacientes e suas famílias, aos meus pais e irmãos, as minhas amigas de longa data e as novas que eu conquistei durante esse ano no Aprimoramento, a toda equipe do SENPI, e principalmente a Deus por esta conquista. A todos meus sinceros agradecimentos, muito obrigada! FORTE, M.F. Um estudo sobre os transtornos factícios. Monografia. Aprimoramento em Hospital Geral Pediátrico. Hospital Infantil Candido Fontoura. 2012. 56 pgs. RESUMO Os transtornos factícios, mais conhecidos como Síndrome de e Síndrome de por procuração caracterizam o indivíduo que motivado a colocar-se no papel de paciente, pode falsificar, induzir ou produzir sintomas de doenças em si-próprio ou no filho. O objetivo deste trabalho visou a compreensão dos aspectos psicológicos que envolvem esse transtorno. A contribuição desse estudo promove a divulgação de uma patologia que muitos profissionais da saúde desconhecem, mas, que toda a equipe hospitalar é passível de se deparar em sua prática profissional. O contexto hospitalar é o grande norteador para esses sujeitos, que idealizam a figura do médico e são atraídos pelo sentimento de cuidado e acolhimento que esse tipo de ambiente proporciona. A pouca produção científica sobre o tema foi uma das dificuldades encontradas nesta revisão de literatura, a qual se baseou em artigos, livros, teses e documentos elaborados por instituições e associações científicas. Assim, a fim de aprofundar a compreensão do que está contido na primeira parte dessa pesquisa (a descrição dos comportamentos expressos) optou-se em uma discussão de dados que correlacionou este transtorno com a personalidade mais freqüentemente encontrada em tais indivíduos, a borderline. Elementos como um falso self patológico, a intensa carência primitiva, as dificuldades nos relacionamentos interpessoais ajudam a oferecer outro olhar para esses pacientes, vistos como trapaçeadores. O tema implica em questões que ultrapassam o campo da Psiquiatria e Psicologia, abrange aspectos econômicos, sociais, penais, até as profundas mudanças culturais de valores humanos. Pode-se dizer que este transtorno não é tão incomum, como se pensa, e que ele reflete em um grau altíssimo de desespero, a solidão, a insegurança e fragilidade dos vínculos humanos, tornando-o hospital, um dos poucos lugares que oferecem um alívio para as dores não só do corpo, mas, neste caso, para as dores psíquicas. Palavras-chave: , hospital, transtorno factício. FORTE, M.F . A study of the factitious disorders. Monograpy. Improvements in General Pediatric Hospital. Childrens Hospital Candido Fontoura. 2012. 56 pgs ABSTRACT The factitious disorder, better known as syndrome and syndrome by proxy characterize the individual motivated to put themselves in the role of patient, can falsify, induce or produce symptoms of disease itself, himself or his son. This study aimed at understanding the psychological aspects involved in this disorder The contribution of this study promotes the spread of a disease that many health professionals do not know, but that the whole hospital staff is likely to encounter. The hospital setting is the great guiding for these subjects, which idealize the doctor, and are attracted by the sense of care and welcome that kind of environment is a part. A little scientific literature on the subject was one of the difficulties encountered in this literature review, which was based on articles, books, theses, documents prepared by institutions, scientific societies and associations, largely on international territory. So, in order to deepen the understanding of what is contained in the first part of this research, the description of behaviors expressed, it was decided in a discussion of this data that correlated with the personality disorder most often found in such individuals, the borderline. Elements such as a pathological false self, the severe shortage early, difficulty in interpersonal relationships help provide another look at these patients, seen as cheating. The theme involves issues beyond the field of psychiatry and psychology, covering economic, social, criminal, to the profound cultural changes of human values. You could say that this disorder is not as uncommon as you think, and it reflects in a very high degree of despair, loneliness, insecurity and fragility of human bonds, making the hospital one of the few places that offer a for pain relief not only the body but in this case for psychic pain. Keywords: , hospital, factitio disorder. LISTA DE FIGURAS FIGURA 1. Frida Kahlo........................................................................................................ 22 FIGURA 2. Formas de violência ...........................................................................................25 FIGURA 3. Informe do Guia de Atuação frente à maus-tratos........................................ 36 LISTA DE ABREVIATURAS T.F ............................................................................................................ Transtornos Factícios S.M ...................................................................................................Síndrome de M S.M.P ...................................................................... D.S.M –IV ………………………….Diagnostic and Estatistical Manual of Mental Disorders A.P.A................................................................................ Associação de Psiquiatria Americana T.P.B ............................................................................Transtorno da Personalidade Borderline S.B.P ......................................................................................Sociedade Brasileira de Pediatria SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 11 2 MÉTODO 14 3.1 3.1.1 3.1.2 3.1.3 3.1.4 3.1.5 3.1.6 3.1.7 – Definição Histórico Epidemiologia Etiologia Quadro Clínico Tratamento Ilustração de caso clínico 15 15 16 17 18 21 23 3.2 REVISÃO DA LITERATURA – SÍNDRO 3.2.1 Definição 3.2.2 Formas de Apresentação 3.2.3 Histórico 3.2.4 Epidemiologia 3.2.5 Características da vítima, do perpetrador e da família 3.2.6 A motivação do perpetrador 25 28 30 30 32 34 3.3 3.4 37 39 Re-conhecendo os Transtornos Factícios O hospital, a Medicina e seus fatores de mitificação O 4 DISCUSSÃO 42 5 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 50 51 7 APÊNDICE 56 1. INTRODUÇÃO O significado do adjetivo factício é artificial, convencional, aquilo que não é natural, segundo Houaiss (2009). É com esse sentido que um transtorno psiquiátrico foi designado, o Transtorno Factício, popularmente chamado de qual se distinguem duas síndromes: a Síndrome de , no e a Síndrome de por Procuração (COMAS, VAZQUEZ, 2005) Na Síndrome de , o individuo que organicamente não é portador de nenhuma doença, mas que visa ocupar o papel de paciente a fim de ganhar atenção e cuidados médicos com essa posição, pode comportar-se “f l m t ” fr t à q ip o pit l r, por x mplo, d d o r l to x g r do d um sintoma, até chegando a auto induzir um sinal de doença, física ou mental (ÖMER, ÖZMEN, YÂLMAZ, 2008) Na Síndrome de por Procuração também ocorrem comportamentos factícios e a mentira patológica, porém ela é considerada uma forma de maus-tratos, pois, (geralmente) a mãe usa o filho para que ela própria coloque-se no papel de paciente, só que indiretamente através da invenção, exagero ou produção de uma doença na criança (MOURA, OLIVEIRA, GUEDES, MACHADO, 2000) Em ambas as síndromes, atrás do comportamento de forjar doenças, encontram-se outras perturbações, como as desordens de personalidade que podem elucidar tais comportamentos; a Etiologia desses quadros é incerta, assim como a Epidemiologia que é desconhecida (FAGUNDES, LOGULLO, SANTOS, 2000; ÖMER et al, 2008) Considerando que o desconhecimento por parte dos profissionais de saúde interfere na identificação dos casos (como um possível diagnóstico), que por sua vez influenciam na Epidemiologia, justifica-se uma das razões para a importância deste trabalho. A compreensão psicológica deste tema, ainda pouco divulgado entre as equipes médicas e multidisciplinares, possibilita o reconhecimento de um paciente com Síndrome de ou de uma mãe com Síndrome de por Procuração. A identificação e o reconhecimento dos mesmos podem redirecionar a queixa (simulada por eles) da esfera física e orgânica, para o seu devido lugar que é a esfera psíquica, onde devem ser devidamente tratados, poupando condutas e procedimentos médicos desnecessários. Tais pacientes no contexto hospitalar demandam diversos aspectos que pod ri m r m l or prov it do m m p i t “r lm t ” f rmo, omo o tempo gasto nos cuidados, exames, diagnósticos e cirurgias realizadas, o consumo de materiais, o leito ocupado e etc. O prejuízo pelos procedimentos não justificáveis representa o caráter econômico dessas síndromes, e incluindo a esse aspecto, o tema traz em si a relevância do aspecto científico, já que refere-se a fenômenos raros e complexos; e o fator moral e social, pois, pode-se predispor ao perigo a integridade física e psíquica de indivíduos vulneráveis (no caso das crianças que sofrem a Síndrome de por Procuração). O interesse pessoal pelo tema surgiu no início do respectivo Aprimoramento Profissional. A existência de tais transtornos que representam a antítese da conotação de adoecimento e hospitalização, despertou a curiosidade para entendêlos; compreender como é possível alguém desejar colocar-se no lugar de doente, ou usar o filho para isso, se é experiência comum e a prática cotidiana nos mostra o quanto esse processo pode ser desprazeroso ao paciente e sua família. O questionamento que a princípio causa estranheza e repulsa no senso comum, encontra explicações científicas estudadas por especialistas e descritas neste trabalho. Objetivo: Transtornos compreender Factícios no os fatores contexto drom d psicológicos hospitalar, desencadeantes abordando por pro r a Síndrome dos de o Optou-se por abordar as duas síndromes, embora com alguns critérios e pontos semelhantes, a Síndrome de é distinta da Síndrome de por Procuração. A revisão de literatura disponível, além de ser reduzida, principalmente em nosso país, tem um caráter essencialmente médico, que se baseia na descrição do comportamento expresso das patologias, e não na análise de tais comportamentos. Em virtude da escassa bibliografia, a análise psicológica, a qual contempla o objetivo precisou ser realizada através da Discussão, onde foi necessário correlacionar os comportamentos desses indivíduos a elementos que estruturam a personalidade borderline, fortemente associada a eles. 2. MÉTODO O estudo dos fatores psicológicos dos Transtornos Factícios no contexto hospitalar foi desenvolvido através de uma revisão de literatura, utilizando artigos científicos dos principais bancos de dados eletrônicos (Scielo, Bireme e Pubmed), livros, teses e documentos de associações e entidades especializadas no assunto, publicados a partir do ano 1999. Para efetuar tal busca, as seguintes palavras-chaves foram utilizadas: , transtorno factício, hospital. Os descritores na língua inglesa foram: , factício disorder, hospital. A discussão da análise dos comportamentos factícios foi realizada a partir do embasamento em conceitos da teoria de Donald Woods Winnicott e da teoria do Apego e do DSM-IV. Foi utilizado o manual de ABNT disponibilizado pela Universidade São Camilo, referência adotada nesta Instituição. 3.1 REVISÃO DA LITERATURA: OS TRANSTORNOS FACTÍCIOS 3.1.1 DEFINIÇÃO A Síndrome de (vocábulo alemão - pronuncia-se Munrausen) é o termo mais conhecido para designar um portador de Transtorno Factício, existem outros nomes como síndrome de paciente profissional ou síndrome de dependência hospitalar, conforme KAPLAN e SADOCK (1999) O Transtorno Factício é caracterizado pela intenção do paciente produzir sinais ou sintomas de problemas físicos ou mentais, apresentando falsamente suas histórias e sintomas. Os comportamentos são voluntários, deliberados e destinados a um objetivo, mas não conseguem ser controlados, sendo considerados de uma qualidade compulsiva (KAPLAN e SADOCK, 1999) Para Feldman (2004), psiquiatra americano, especialista nesse tipo de transtorno, os pacientes podem fingir sinais (como desmaios e convulsões), exagerar e dramatizar seus relatos ou auto induzir doenças (como a manipulação excessiva de uma ferida, tornando- a grave) pois, escolhendo o papel de paciente, ganham atenção e cuidados, já que sentem-se incapazes de obter-lhes de forma mais saudável. 3.1.2 HISTÓRICO Em 1843, Dr. Gavin observou um grupo de pacientes que chamava a atenção da equipe de assistência, eles simulavam doenças buscando experimentar as recompensas advindas dos cuidados médicos (TETZLAFF, 2009). Mais de um século depois, em 1951 a S.M (Síndrome de foi descrita pela primeira vez, através da publicação de três estudos de caso por Richard Asher, médico britânico que observou pacientes que promoviam auto-dano. São pacientes que visam atenção e cuidados médicos, assim como internações e terapias prolongadas com as mais variadas classes de drogas e cirurgias (MENEZES, HOLANDA, SILVEIRA et al, 2002) A denominação desta síndrome faz referência a um conto de fadas criado por Rudolph Erich Raspe, que por sua vez, inspirou-se no personagem alemão Karl Friedrich Hieronymus r i rr r o o (1720-1797), oficial da cavalaria da Prússia que ficou conhecido por contar histórias exageradas e fantasiosas de sua participação na guerra contra os turcos de 1763 a 1772, e também por suas caçadas (MENEZES et al, 2002; FELDMAN, 2004). No que diz respeito às caçadas, o mito de tornou-se tão conhecido, que até hoje as proezas contadas por caçadores são vistas como suspeitosas, mesmo quando verdadeiras e testemunhadas (CALDAS, NETO, OLIVEIRA et al, 2001). 3.1.3 EPIDEMIOLOGIA A prevalência da S.M é desconhecida, alguns autores como Moraes e Reato (2007) citam que a frequência é maior entre as mulheres. Entretanto, o Tratado de Psiquiatria de Kaplan e Sadocck (1999) descreve que o quadro aparece mais no sexo masculino. Através de um estudo retrospectivo, Ehrlich, Pfeiffer, Salbachetal (2008) pesquisaram a incidência nos Estados Unidos dos transtornos factícios em crianças e adolescentes, de seis a dezoito anos, através de um banco de dados que contém as informações médicas dos pacientes – a CLS (Serviço de Consulta por ligação). Na primeira amostra, 1684 pacientes foram pesquisados no período de 1992 a 2003, e 0,7% apresentaram transtorno factício; a segunda amostra contou com 12081 pacientes, entre 2003 a 2005, apenas 0,03% apresentaram transtorno factício. Mesmo ainda não sendo reconhecida a epidemiologia desta síndrome, muitos profissionais da área médica acreditam que ocorre com maior frequência do que é realmente identificada ou diagnosticada. Pode-se atribuir a esta problemática o tempo relativamente longo para definir o diagnóstico, a falta de conhecimento por parte da equipe, e a evasão desses indivíduos quando são descobertos (SILVEIRA, ARGENTI, 2004) Para evitar a fuga ou a evasão destes indivíduos, eles devem ser tratados com inteligência e bom senso; pois quando confrontados, partem para outros hospitais, sem cometer as mesmas falhas de quando foram desmascarados; o que pode acabar facilitando o aprimoramento das simulações de falsas doenças (CALDAS et al, 2001) Existem implicações que limitam a produção de pesquisas, como a não aderência desses pacientes na participação de pesquisas, expor ou revelar-se em uma pesquisa pode ser semelhante ao sentimento de quando suas artimanhas são descobertas no hospital. Muitos deles burlam ou fraudam outros acordos ou o tr to o i i , om m m dá i q forj m “do ” - estando sujeitos as mesmas leis civis e criminais que todos os cidadãos. Nos Estados Unidos e Reino Unido, países onde tem a maior produção científica sobre o tema, a falta de políticas de financiamento é outra limitação importante, pois, nos transtornos factícios não se presenciam vítimas diretas, se comparados a outros problemas de saúde, como a Pedofilia; fazendo com que os políticos não priorizem essa causa (FELDMAN, 2004). Neste trabalho não foi localizada a prevalência na população brasileira, mediante a literatura. 3.1.4 ETIOLOGIA A etiologia da S.M não é determinada por fatores orgânicos ou biológicos, Ehrlichet al (2008) elencam alguns fatores de risco que podem ser relevantes em seu desencadeamento, como abuso infantil, abandono dos pais, experiências em lares adotivos, convívio com doença psiquiátrica ou doença somática grave na família, crianças que foram vítimas da Síndrome n por Procuração, ou aquelas cujos pais treinaram ou deram suporte na falsificação das doenças. A linha psicodinâmica aponta para uma história de vida marcada por rejeições e abandonos; sendo que o sintoma - representado pela falsa doença, serviria para obter cuidado e atenção da equipe hospitalar (SANCHES, PACHIONNI, PITTA, 2006). São indivíduos que vivenciaram situações traumáticas e que encontraram na internação, uma fuga dessas situações, onde a presença de profissionais preocupados e carinhosos contrastavam com a percepção de seus pais, vistos como figuras rechaçantes e incapazes de formar relacionamentos íntimos.Assim, o vínculo com o médico e a equipe hospitalar seria uma tentativa de recriar um vinculo parental positivo, só que apresentando o conflito da necessidade e busca de aceitação e amor, através da doença factícia (KAPLAN, SADOCK, 1999). Entretanto, para Feldman (2004) a escolha dessa patologia não pode ser atribuída exclusivamente às experiências precoces, mas a combinação dessas com desordens biológicas (ainda não comprovadas) e situacionais; já que muitas pessoas cresceram em ambientes conflituosos, incluindo maus-tratos quando crianças e que nunca recorreram a artifícios de doenças. Por se tratar de um diagnóstico essencialmente psiquiátrico, muitos desses pacientes apresentam outras desordens como os transtornos de personalidade, principalmente o limítrofe ou borderline; é o que afirmam vários dos autores pesquisados neste trabalho, entre eles, GATTAZ, DRESSING, HEWER e NUNES, (2003). Posteriormente, será discutido este aspecto. 3.1.5 QUADRO CLÍNICO Do ponto de vista psiquiátrico, o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-IV, 2002) classifica a S.M no grupo de transtornos factícios, baseando-se em três critérios principais: a produção e/ou simulação intencional dos sintomas e sinais predominantemente físicos; a necessidade de colocar-se no papel do doente; a ausência de incentivos externos (como ganho econômico, fuga de responsabilidade legal ou melhora do bem estar físico). Este último critério auxilia na distinção entre a S.M e a Simulação, pois nesta, a ação é incentivada por algo externo, que em geral é mais fácil de ser identificado, por ser aparente como as compensações financeiras (PEDROSA e SANTANA, 2005) Os sinais e sintomas que esses pacientes costumam apresentar ou simular podem ser apresentados em três grandes grupos, classificados por Asher: na forma abdominal (comumente submetem-se a laparotomias); na forma hemorrágica (sangramentos, onde o sangue pode ser extraído do fluxo menstrual ou colhido com uma seringa) e na forma neurológica (mostram convulsões, dores de cabeça, desmaios...). (GATTAZ et al,2003) Outros autores como Rodrigues, Hernandez, Silva et al (1999) consideram as apresentações clínicas nas seguintes formas: abdominal, torácica, hemorrágica, neurológica, reumatológica, cutânea, cardíaca, respiratória, endócrina, febril ou mista (abrangendo mais de uma forma). A fim de ilustrar e tornar mais claro uma dessas apresentações, neste caso, a forma abdominal, é sintetizado um relato de caso, descrito por Lauwers, Van de Winkel, Vanderbruggen e Hubloue (2009): uma mulher de 40 anos procurou a emergência médica, com a bexiga, o intestino delgado e o colón perfurado por uma agulha de tricô que vinha introduzindo há mais de quatro dias pela uretra.Esta paciente produzia intencionalmente os sintomas, além deste episódio admitiu já ter contaminado um abscesso na bexiga; a motivação de seus atos não estava ligada a algo externo.Foi revelado na entrevista que em sua infância, passou a se ferir de propósito, colocando-se no papel de paciente, estimulada após uma hospitalização, onde percebeu um acolhimento e atenção da família, que aparentemente não recebia (LAUWERS et al, 2009) São encontradas (além das diversas formas de apresentações clínicas), gradações da complexidade de tais comportamentos, de acordo com Feldman (2004): - podem exagerar um problema médico, por exemplo, alegando dores nas costas; - podem fingir a doença, por exemplo, falsificando um ataque ou agindo como se tivessem múltiplas personalidades; - podem falsificar resultados de laboratório, por exemplo, pela introdução de açúcar em uma amostra de urina; - podem agravar uma doença, por exemplo, evitando o tratamento inicial, para que um problema pequeno torne-se grave; - podem induzir uma doença real, por exemplo, através, de injeções com bactérias em si - próprios ou em seus filhos. Outro ponto que merece destaque é que na S.M há a presença dos sintomas físicos, e também os sintomas psicológicos. De acordo com o DSM-IV (2002), os transtornos factícios são classificados conforme a prevalência de seus sinais, representado pelo quadro a seguir: Com sinais e sintomas predominantemente psicológicos: se sinais e sintomas psicológicos predominam na apresentação clínica. Com sinais e sintomas predominantemente físicos: se sinais e sintomas físicos predominam na apresentação clínica ( é o caso da S.M) Com sinais e sintomas psicológicos e físicos combinados: se sinais e sintomas tanto psicológicos quanto físicos estão presentes, sem predominância de nenhum deles na apresentação clínica. Sussman, Borod, Cancelmo, Braum (1987) apud Gattazetal (2003), afirmam que ambos os sintomas devem ser considerados para diagnosticar um transtorno factício como a S.M. Basear o diagnóstico apenas nos sintomas físicos ou apenas nos psicológicos, pode ser inadequado. O exímio vocabulário técnico que tais pacientes expressam e conhecem de termos, patologias e condutas médicas-científicas, atualmente é intensificado com a enorme disponibilidade virtual de sites especializados em saúde, tornando a Internet, um recurso potente para quem tem esse transtorno, pois, podem obter desde a informação da doença até a impressão de exames diversos, como (falsas) provas diagnósticas (GRIFFTHS, KAMPA, PEARCE, ET AL, 2009). A Internet tornou-se um campo propício na área da saúde, com muitos sites, chats e grupos de apoio a varias doenças. Tanto que há indivíduos que sob o falso pretexto da doença entram em comunidades virtuais para ganhar atenção e solidariedade dos demais membros (verdadeiramente doentes); no lugar de procurar atendimento em hospitais, restringem suas atuações na Internet, sendo chamados de por Internet, termo cunhado por Feldman (2000). 3.1.6 TRATAMENTO O tratamento para essa patologia é psiquiátrico e psicológico, frequentemente psicoterapêutico. O objetivo inicial e primordial é evitar danos extras prevenindo procedimentos desnecessários, dolorosos e potencialmente perigosos, e começa pela atuação do médico ou de outro profissional no ambiente hospitalar. Após o diagnóstico, a equipe pode sensibilizá-los e motivá-los a aderirem na realização de uma Psicoterapia. (GATTAZ et al, 2003; KAPLAN e SADOCK, 1999) Segundo Gattaz et al (2003) muitos recusam o tratamento. Um dos motivos na recusa de ajuda é a insistência de que o sintoma é físico, corporal, mesmo forjando sinais físicos ou psicológicos que sabem racionalmente que não possuem. Não consideram que um tratamento focado nos aspectos psicológicos seja eficaz, pois, o sintoma que é falso para o observador externo, para esses sujeitos é percebido como verdadeiro e autêntico. Cabe ao psiquiatra a realização do exame e diagnóstico da síndrome, 50% dos casos de avaliação psiquiátrica são realizadas por consultoria (KAPLAN e SADOCK, 1999). O psicólogo hospitalar também mostra sua relevância nesse processo. Diante do que foi apresentado, chama atenção a relação corporal autodestrutiva e a intensa necessidade de atenção. Portanto, tentar restabelecer a relação saudável com o próprio corpo, facilitar que afetos, desejos e vínculos humanos sejam vitalizados são tarefas do psicólogo, como observador qualificado e porta-voz de anseios ocultos desses sujeitos (ROMANO, 2007) Outra contribuição do psicólogo hospitalar é como mediador, orientando a equipe, principalmente nos casos que ocorrem sentimentos de revolta por parte da equipe hospitalar, quando as artimanhas dos pacientes são descobertas. Como foi apresentado anteriormente, confrontação e ameaças de punição não são estratégias eficazes. O planejamento de uma intervenção psíquica deve ser feita cuidadosamente, focando entre outros aspectos, o reconhecimento dos motivos que levaram a escolher a falsificação de doenças (para mascarar outros sofrimentos), assim como a necessidade de atenção e problemas emocionais reprimidos; proporcionar o próprio cuidar do indivíduo, a fim de ajudá-los a aprender caminhos onde suas necessidades psicológicas sejam satisfeitas, sem que para isso, precisem recorrer a ações destrutivas (FELDMAN, 2004) É importante para todo profissional de saúde, não apenas para o de saúde mental, a conscientização de que tais pessoas não são causas perdidas quando persuadidas a buscar ajuda (FELDMAN, 2004) No estudo dessa patologia, dificuldades não são exclusivas da parte dos pacientes em recusar tratamento, existe a dificuldade no reconhecimento deste transtorno, o qual representa um paradoxo clínico, pois, trata-se de um distúrbio que consiste na falsidade, muitos profissionais questionam-se como um falso transtorno pode ser considerado um transtorno verdadeiro. Questão que colabora no desconhecimento pelos profissionais de saúde, e que por sua vez influencia na identificação (como hipótese diagnóstica) dos casos, remetendo mais uma vez à imprecisão da Epidemiologia. (GUELLER, 2006; KAPLAN E SADOCK, 1999) 3.1.5 ILUSTRAÇÃO DE CASO CLÍNICO Em sua tese, Tetzlaff (2009) faz uma analogia entre a história da arte e a S.M, utilizando figuras reconhecidas que manifestaram nas sete artes (Música, Pintura, Escultura, Arquitetura, Literatura, Coreografia e Cinema) características desse quadro. Tetzlaff (2009) descreve vários exemplos, entre eles, na Musica, Eminen, um famoso rapper americano que usa palavras agressivas e de revolta, justifica-se na infância difícil e faz menção à S.M em um trecho da canção Cleaning my closet; referência implícita que pode ser encontrada no verso a seguir, de João Paulo, músico paraíbano: “ Seja certo como os espertos vem dizer como ser, vai ser fácil se esconder e não mostrar quem é você... E a cada palavra sustenta o trauma... E a sua verdade eu adoro contradizer, mas engano a mim mesmo, do mesmo jeito, eu sempre esqueço... Que o que desejo, me faz o que eu sou...” Na pintura há a ligação com Frida Khalo que começou a pintar após um acidente grave que a deixou acamada, a artista mexicana submeteu-se a trinta e duas operações sem sucesso, levando os médicos a suspeitarem da S.M. No Cinema obras como Sexto Sentido (1999), Os Outros (2001), O Despertar de um Homem (1993) fazem referências ora direta ou indiretamente a Síndrome de por Procuração, segundo Tetzlaff (2009). i t r 1932 d rid K lo: “O Hospital Voador” o pit l ry ord troit, Essas associações integraram a metodologia da pesquisadora contribuindo para que um diferente olhar fosse dado a um quadro que não é tão raro como se supõe. Das publicações existentes sobre o tema, a maioria é descrita por médicos pediatras, gastroenterologistas e de outras especialidades que centram seu olhar no diagnóstico médico. Entretanto, o caso resumido e reproduzido a seguir, contém certos detalhes que vão além do diagnóstico e falsificação dos sintomas. Rhonda, jovem do interior americano, sentindo-se solitária, após a morte de sua mãe, mudou-se de cidade, e ingressou em uma escola de enfermagem. Nesta escola, vinculou-se a professora da turma, chegando a morar na casa dela e reivindicando lhe uma postura materna. Para tanto, utilizava de várias mentiras, que eram bem executadas para evitar suspeitas. A cada tentativa de sua tutora desvencilhar-se, Rhonda usava de artifícios para intensificar a dependência entre ambas, como revelações trágicas de ter sido estuprada, engravidado e abortado espontaneamente, ou a morte inesperada de sua irmã. A doença falsa que escolhera foi o Câncer, chegando fielmente a reproduzir dores de cabeça, queda de cabelo (a qual raspava algumas mechas), perda de peso (através de dieta) e os efeitos colaterais da quimioterapia, inclusive hemorragias ( fabricadas com xarope ). É importante assinalar que o câncer dentre tantas doenças, possui um estereótipo social onde se ganha simpatia, admiração e solidariedade, quase instantaneamente. No entanto, as desconfianças aumentavam cada vez mais, porque embora, com uma doença grave, Rhonda não deixara de estudar e obtinha bons resultados como estudante. Pressionada pela professora, passou por atendimento e avaliação com psiquiatra, profissional capaz de observar as imprecisões de todas suas estórias. Com o devido diagnóstico e a admissão de suas mentiras, Rhonda distanciou-se da professora, mas, graduou-se em enfermagem, assumindo colocação profissional no hospital onde estudou e fez novos amigos para quem contava as mesmas mentiras. Extraído do livro Playing Sick?: Untangling the Web of Munchausen Syndrome, Munchausen by Proxy, Malingering, and Factitious Disorder (FELDMAN, 2004) 3.2A SÍNDROME DE POR PROCURAÇÃO 3.2.1 DEFINIÇÃO A S.M.P (Síndrome de Munchausen por Procuração) é uma forma complexa e peculiar de maus-tratos infantis, onde a mãe acaba utilizando uma terceira pessoa, geralmente o médico a fim de obter para o filho condutas hospitalares desnecessárias, como internações, cirurgias ou exames invasivos (ANDRADE e SILVA, 2005). Como consequência pode provocar desde lesões corporais graves até colocar em risco a vida do próprio filho (ANDRADE e SILVA, 2005) Considerada por muitos autores uma derivação da S.M, já que estão presentes a falsificação ou produção de uma doença factícia e a mentira patológica, a Síndrome por Procuração abrange outros aspectos que vão além do relacionamento paciente - equipe hospitalar, adentra o campo da violência, especificamente, os maus-tratos contra a criança ou adolescente. Meadow (2002) a descreve como o ápice do abuso emocional, muitas vezes, acompanhada de violência física. Por tratar-se de uma forma de violência, vale ressaltar não apenas suas classificações representadas no quadro a seguir, mas também suas causas desencadeantes, entre elas: a educação, as leis, o modelo familiar e a condição socioeconômica. Por exemplo, o modelo familiar vigente em nosso país é o patriarcal que exerce posição prioritária e autoridade inquestionável. Quanto à condição socioeconômica, em uma pesquisa documental com vinte famílias de Porto Alegre, Argenti (2004) investigou quais fatores influenciavam nos maus-tratos contra crianças e adolescentes, e dentre os resultados obteve a situação de miserabilidade, assim, como o desemprego. Condições de vidas paupérrimas e o estresse do trabalho doméstico fazem com que as famílias sintam-se pressionadas com a precariedade na satisfação de suas necessidades mais básicas. Nesta pesquisa, houve 13% de suspeita de crianças vítimas de Síndrome de Procuração (ARGENTI, 2004; TETZLAFF, 2009) por Formas de violência Abuso Negligência Abandono Omissão Síndromes Psicológico Bebê sacudido Físico Criança espancada Sexual S.M.P Segundo, Guerra (2001), a violência doméstica contra crianças e adolescentes têm uma relação com a violência estrutural (a que existe no domínio da cultura, entre classes sociais, inerente ao que se observa em sociedades desiguais) e com outros determinantes: permeia todas as classes sociais; é interpessoal; é um abuso do poder disciplinador e coercitivo dos pais ou responsáveis; é um processo de vitimização que às vezes se prolonga por vários meses e até anos; é uma forma de violação dos direitos essenciais da criança e do adolescente como pessoas .É, portanto, uma negação de valores humanos fundamentais como a vida, a liberdade e a segurança; tem na família sua ecologia privilegiada, como esta pertence à esfera do privado, se reveste da tradicional característica do sigilo; e é um processo de imposição de maus-tratos á vítima, de sua completa objetalização e sujeição. Há uma condensação de todos esses aspectos na S.M.P (Síndrome de por Procuração), mas, principalmente os dois últimos citados ganham relevância. Ferrari (2001) Apud Tetzlaff (2009) corrobora a noção da objetalização da vítima na forma de maus-tratos, pois, a criança é tratada como o objeto do adulto e usada para satisfazer suas necessidades psicológicas, geralmente as frustrações de suas vidas. Já o valor privado e assim sigiloso da família na sociedade como instituição sagrada faz com que os trabalhadores da saúde quase nunca suspeitem das mães, e mesmo quando há indícios de maus-tratos, há grande resistência da equipe em desconfiar das mesmas. Tal resistência é representada no relato de um caso clínico descrito por Moura et al (2000), mesmo após oito internações de um lactente de 11 meses, com a queixa trazida pela mãe de Hematese (totalizando 103 dias de hospitalização e a realização de quatro endoscopias digestivas e dezenas de exames complementares desnecessários) a equipe concluiu que a causa responsável pela queixa não era orgânica, e sim provocada por um fator externo. “A figura humilde da mãe, sempre atenta e preocupada fez com que a hipótese de Síndrome de Munchaussen por procuração só fosse colocada numa fase tardia, quando todas as outras soluções diagnósticas foram esgotadas. Aliás, colocar esta última hipótese de diagnóstico foi angustiante, como se fosse uma espécie de traição à confiança que a mãe depositava na equipe médica.” (pg 79) Na S.M.P, a mãe, tem como motivação primária colocar-se na figura do paciente, indiretamente através de seu filho; para tal feito pode produzir histórias clínicas detalhadas, adulterar exames laboratoriais, simular hemorragias, febres; ou causar realmente os sintomas pela exposição a medicamentos e agentes infecciosos (ANDRADE e SILVA, 2005) O DSM-IV (2002) classifica a S.M.P como transtorno factício por procuração, devendo satisfazer quatro critérios diagnósticos, de acordo com a tabela abaixo: A - Produção intencional ou simulação de sinais ou sintomas físicos ou psicológicos em outra pessoa que está sob os cuidados do indivíduo. B – A motivação do comportamento do perpetrador é assumir o papel do doente, através de outra pessoa. C – Incentivos externos para o comportamento (tais como ganho financeiro) estão ausentes. D – O comportamento não é melhor explicado por outro transtorno mental. Entretanto, para Meadow (2002), o critério C – a ausência de incentivos externos pode não ser a principal razão para o comportamento, mas é ingênuo insistir que eles não estão presentes. Não é tão incomum, pais que criam doenças factícias nos filhos para obterem ganhos secundários consideráveis. Às vezes, o benefício econômico é enorme, o qual torna ainda mais difícil alterar o comportamento anormal desses perpetradores, porque eles tornaram-se dependentes da renda. Conforme Meadow (2002) esses critérios do DSM-IV definidos pela APA (Associação Americana de Psiquiatria) tem sido discutidos amplamente e permanecem abertos a debates, o próprio autor propõem quatro critérios para a classificação da S.M.P: 1. Pode ser a mãe, ou o pai, ou outro parente que falsifica, fabrica ou induz a doença na criança. 2. A criança é persistentemente levada aos médicos; o perpetrador nega inicialmente que causou a doença no filho. 3. Os sintomas da doença cessam quando a criança é separada do perpetrador. 4. Considera-se que o comportamento do autor decorra a partir de uma necessidade de colocar-se no papel de paciente indiretamente, ou como forma peculiar de conseguir atenção. 3.2.2 FORMAS DE APRESENTAÇÃO Quando há a simulação da doença, caracterizada pela invenção ou exagero do sintoma, as apresentações dos sinais físicos nas crianças se dão por três formas: abdominal, hemorrágica e neurológica, repetindo o mesmo padrão em indivíduos adultos com a S.M. Além da simulação, existe a produção da doença, como a introdução de substâncias nocivas em seu organismo (Braga, 2007) Schereier (2002) classifica as perpetradoras da S.M.P em três tipos, de acordo com a finalidade que visam: - “ q pro r m j d ” help seekers) buscam atenção para sua ansiedade, depressão, exaustão e inabilidade nos cuidados com o filho; -“ vi i d m médi o ” doctors addicts), procuram obsessivamente tratamento para doenças que não existem em seus filhos, pois, acreditam que eles estão doentes, para tanto, mentem, falsificam sinais, chegando a medicá-los inutilmente, são paranoicas, irritadas, contraditórias e desconfiadas; -“ i d tor tiv ” active inducers), caracterizam os casos mais severos, uma vez que induzem a doença nas crianças; são mães que controlam com atenção e certa satisfação todos os procedimentos, apresentam ótima relação com a equipe, na verdade a ajuda é para as satisfações psicológicas delas, são os casos de mães que foram em suas infâncias, crianças oprimidas. Existem outras situações em que há a fabricação de doenças, sem que se caracterizem como S.M.P, as quais a Sociedade Profissional Americana no Abuso Infantil nomeia como falsificação da condição pediátrica , de acordo com Schereier, (2002): - ganho secundário, como auxílio financeiro, vingança ao abandono do esposo; - evento traumático precoce, onde a criança ficou muito vulnerável e o cuidador preocupa-se excessivamente com sua saúde; - transtorno obsessivo compulsivo do cuidador que direciona seu transtorno para criança, exagerando nas medicações, sem intenção de falsificar informações; - hipocondria, o cuidador apresenta reação exagerada às condições e sintomas da criança; - doctor shopping, o cuidador acredita que seu filho não está sendo diagnosticado ou tratado adequadamente, concorda com os exames, embora fique ansioso e questionador quanto à finalidade dos mesmos; - iludir, a mãe tem uma crença fantasiosa de que o filho é doente, levando-o frequentemente ao médico e insistindo na realização de procedimentos; - mascarar, a mãe exagera ou falsifica uma doença para manter a criança consigo; - buscar ajuda, com o objetivo de buscar ajuda para a própria mãe. Embora, seja complexa na prática cotidiana a diferenciação destas situações com a S.M.P, torna-se elemento essencial para a proteção da criança, o reconhecimento da motivação de uma mãe que falsifica os sintomas da criança porque acredita que o filho não está sendo bem tratado, da motivação de uma mãe com S.M.P que apresenta uma necessidade compulsiva de enganar o médico para captar atenção para si – própria (SCHEREIER, 2002) 3.2.3 HISTÓRICO Conforme Meadow (2002) o termo Síndrome de nchhausen por Procuração foi usado a partir do primeiro artigo que descrevia os casos de duas crianças que passaram por inúmeros exames e tratamentos dolorosos, porém, a história inverídica e os sinais fictícios não provinham dos pacientes, mas de outra pessoa, daí a denominação, por procuração. Posteriormente, revelou-se que essas mães tinham históricos de falsificar os próprios registros médicos e tratamentos. Este artigo foi descrito pelo pediatra Richard Meadow em 1977, fazendo a Síndrome de nchhausen por Procuração ser reconhecida dentro da Pediatria (SCHEREIER, 2002) O quadro da S.M.P também é conhecida como a Síndrome de Polle, filha do Barão de Munchausen que morreu misteriosamente com um ano de idade (MEADOW, 2002) 3.2.4 EPIDEMIOLOGIA Não há dados que apresentem a epidemiologia e sim estimativas, acredita-se que 2% dos pacientes internados em hospitais pediátricos possam-se classificar nesse quadro (GUELLER, 2009). Aproximadamente 75% desse tipo de abuso acontece no hospital onde a vítima encontra-se (SCHREIER, 2002) No capítulo anterior foram apresentadas razões que dificultam o diagnóstico como a evasão dos pacientes, e a falta de conhecimento, que também ocorrem na S.M.P; mas, há outro fator limitante, que é o medo da notificação - uma vez que a integridade da criança coloca-se em jogo, o responsável, seja a mãe ou o próprio médico (que atua sem saber) poderão ser cobrados por isso (TETZLAFF, 2009). Argumento corroborado por Caldas et al (2001): “Transformando-se em verdadeiro detetive, o médico tem que ser criativo e prudente. Um olho no suspeito, o outro na criança. Os dois, na possibilidade de um diagnóstico equivocado, falso negativo, prejudicando a criança, ou falso positivo, complicando a vida do médico, pois o indignado, agora, será o suspeito.” (s p) Segundo Meadow (2002) o reconhecimento da S.M.P aumentou o interesse pelo conhecimento das causas de casos infantis de envenamento não-acidental, sufocamento deliberado e mortes classificadas pela síndrome da morte súbita infantil. No entanto, em tom repreensivo, Craft e Hall (2004) afirmam que foi tudo esquecido (pelo menos no Reino Unido) o que se aprendeu da síndrome da morte súbita infantil nos últimos quarenta anos, correlacionando esta com a S.M.P. Estimase que a cada ano ocorram 1200 novos casos de asfixia e envenenamento, de acordo com MCCLURE (1996) apud SCHEREIER (2002). Conforme Moura (2000) a taxa de mortalidade na S.M.P situa-se nos 10%; é o mesmo índice estimado para os casos de morte súbita em bebês provocados pelo sufocamento deliberado. Fabricar e induzir sintomas falsos nas crianças é um aspecto que integra a psicopatologia da S.M.P, sendo que a morte causada pela asfixia é o seu fim mais trágico. Para Craft e Hall (2004) é necessário repensar a abordagem às famílias que tiveram mais de um caso de morte súbita infantil, e também compreender as razões pelas quais essas mães matam seus bebês. Mesmo em visitas supervisionadas não foram conhecidas as razões das mães que mataram seus filhos nos Estados Unidos e Inglaterra. 3.2.5 CARACTERÍSTICAS DA VÍTIMA, DA MÃE E DA FAMÍLIA. Nesta síndrome há dois diagnósticos: o da criança que é vitima do abuso, e o do cuidador que usa o filho para que suas necessidades psicológicas sejam satisfeitas. De um lado, estão os pediatras que diagnosticam essencialmente o abuso, ou seja, o conjunto de características que definem a S.M.P; e o outro diagnóstico provêm dos profissionais da Saúde Mental, psicólogos e psiquiatras, que aplicam os critérios aos perpetradores, os autores do transtorno (SCHEREIER, 2002; MEADOW, 2002) Apesar da escassa produção científica e imprecisão de estatísticas sobre a S.M.P, pesquisas mostraram que em 52% dos casos, as vítimas tinham entre três a 13 anos, 26% delas, até três anos, adolescentes maiores de 13 anos representam 26%, os outros 9% são indivíduos adultos (incluindo idosos, deficientes físicos e mentais ). Em relação aos indivíduos mais velhos, conscientes e sem prejuízos cognitivos deve ser considerada a participação dos mesmos na falsificação da doença (BRAGA, 2007; TETZLAFF, 2009) Há um consenso referente às consequências psicológicas: alterações de hábitos alimentares, entre eles Anorexia e Bulimia, problemas comportamentais, (como em outras formas de violência), a experiência com a patologia pode fazer com que a vítima acredite que esta forma de viver é normal, além de ficarem prejudicadas (em idade escolar) pela perda de interação social e aprendizagem devido as repetidas hospitalizações, sendo que algumas delas tornar-se-ão adolescentes ou adultos que desenvolvendo a Síndrome de continuarão sozinhas a fabricar sintomas, (BRAGA, 2007; MOURA et al, 2000) No que se refere à evolução de crianças diagnosticadas, algumas são conduzidas a tratamentos psicoterápicos que geralmente costumam fracassar, a outra parcela se remete aos casos mais extremos, onde há a intervenção da Vara da Infância que determina a separação mãe-filho. Crianças retiradas do lar mostraram atitudes evitativas, alterações do sono, comportamentos hipocondríacos e síndrome do estresse pós-traumático (GUELLER, 2009) Para Schreier (2002) em 93% dos casos, o perpetrador é a mãe do paciente, mas há casos que pode ser o pai, a babá, a enfermeira; em todos os casos, o sujeito é o principal cuidador da criança. Identificou-se menos de 5% de perpetradores do sexo masculino, segundo McClure (1996) apud Meadow (2002) Os perpetradores da S.M.P exibem algumas características típicas: permanecem o maior tempo possível com o paciente; invariavelmente ocultam, negando os seus atos quando são descobertos; e o comportamento inteligente e sedutor, de acordo com Caldas et al (2001) que descrevem o caso de uma mãe que circulava semidespida pela enfermaria do hospital. Esta genitora forjou uma hemorragia no ouvido de seu filho. Conforme Braga (2007) as perpetradoras recusam-se a aceitar separações breves da criança; tem profundo conhecimento de enfermagem e termos médicos; colaboram com a equipe sendo afáveis e cuidadosas; mantêm-se tranquilas a despeito da condição aparentemente grave da criança; ficam ansiosas por procedimentos médicos; usam o paciente para preencher suas próprias necessidades e possuem sintomatologias factícias, tendo, em muitos casos, elas próprias o diagnóstico de S.M (Síndrome de ). O reconhecimento de doença psiquiátrica nessas mães é complexo, pois, não costumam apresentar numa fase inicial da internação quaisquer estigmas de transtornos mentais (MOURA et al, 2000) Apesar do cuidado que pode ser excelente, algumas mães observadas por várias horas através de gravações, não se relacionavam ou foram cruéis com os filhos; desenvolveram relações próximas com a equipe, realizando refeições com médicos e mantendo contato social com a equipe fora do hospital. Neste estudo, publicado em 1997, os vídeos mostraram que dos 40 casos suspeitos, em 33 deles, as mães prejudicaram seus filhos na forma da S.M.P (SCHEREIER, 2004) A confiança no médico, a calma e competência que externalizam, disfarçam o sofrimento frente à baixa autoestima e insegurança dessas mães tão carentes de atenção (BRAGA, 2007) O histórico familiar do perpetrador é marcado pelo abuso, emocional, físico ou sexual, exibindo um padrão patológico de comportamento como a atenção excessiva ou até recompensas frente à doença, além do consumo de remédios psicoativos, conforme Pasqualone & Fitzgerald (1999) apud Braga (2007). A família costuma ser disfuncional, com intensos conflitos matrimoniais quando há a presença do marido, já que frequentemente o pai da criança é ausente, e os outros filhos podem sofrer situações semelhantes (MOURA et al, 2000). A figura do paciente, no caso a criança que é usada e maltratada pela mãe, de forma direta ou através de exames e procedimentos desnecessários pode mobilizar na equipe de saúde, reações emocionais de indignação, revolta e desejo de justiça ou linchamento contra os perpetradores, quando ocorre a descoberta, o flagrante ou mesmo a suspeita da S.M.P (CALDAS et al, 2001) Segundo Meadow (2002), o primeiro especialista neste tema a publicar casos de S.M.P, acreditava-se que indivíduos com S.M só causavam sofrimento físico para si - mesmos e não para seus parentes, porém, vinte anos após o reconhecimento do quadro deve-se levantar a questão da periculosidade que pais com S.M podem oferecer a seus filhos; diversos trabalhos descrevem pais com S.M que causaram a S.M.P na criança. Meadow (1999) apud Meadow (2002) aponta que metade das mortes misteriosas na infância vinha de famílias com mães ou pais com S.M. Portanto, faz-se fundamental compreender os fatores psíquicos dessas mães, como a motivação. Para Meadow (2002) tal entendimento pode influenciar a equipe hospitalar a encontrar a melhor forma de ajudar a família. 3.2.6 A MOTIVAÇÃO DO PERPETRADOR Existem algumas explicações que tentam entender o comportamento de mães “ p r t m t ” id do , m q bm t m fil o pro dim to cruéis. Serão apresentadas algumas delas, a intenção não é aprofundar tais teorias, marcadas por diferentes correntes de pensamento e que aumentam a complexidade do tema. Especialistas no assunto como Shereier e Libow consideram como motivação, a procura por um substituto paterno representado pela figura poderosa e amada do médico; tentando manter com essa figura idealizada uma relação ambivalente, perversa e distante, sem exigências ou planos. Grande parte dessas mulheres apresenta relacionamentos conjugais insatisfatórios, assim como violência doméstica, gravidez indesejada ou são mães solteiras, fatores que contribuem para o aumento do sentimento de rejeição e baixa autoestima (ZENONI, 2002; SCHREIER, 2004) Essa explicação para mães que esperariam sentimentos de reconhecimento e consideração através do médico (sentimentos originados por carências afetivas de um período muito primitivo) torna-se inadequada quando há a forte presença de médicas do sexo feminino, segundo Zenoni (2002), psicanalista de origem lacaniana, que defende a ideia de uma subjetividade psicótica nos perpetradores da síndrome, noção descartada pelos manuais de psiquiatria. Frequentemente a S.M.P está associada a outra psicopatologia, como a depressão ligada a morte súbita infantil, quando (raramente) encontram-se mães psicóticas, seus relatos apresentam muita ansiedade, fantasias e obsessões que tem a ver com a incapacidade de cuidar dos seus bebês no período pós-natal (CRAFT et al, 2004) Um dos pressupostos aceitos é a motivação perversa dessas mães, uma vez que Medicina e Ciência alçaram o amor materno como Instinto, tudo o que parecer desvio dessa devoção materna (que faz com que as mães zelem pela integridade dos filhos), seja considerado uma perversão (GUELLER, 2009) Gueller (2006) traz outros elementos nessa compreensão, o amor materno é simbolicamente construído, no entanto, o saber inconsciente instintual primário que se espera que toda mãe tenha com seu bebê falha na S.M.P, e essa falha do saber materno é transferida para Medicina. Se a construção de um laço simbólico passa pela nomeação do que acontece com a criança, por exemplo,quando se machuca, a mãe nomeia esse sentimento (exclamando, ai, que dor!). Na S.M.P isso não existe, o que faz com que a perpetradora espere do médico o conhecimento e a nomeação do que se passa com seu filho, só que através da falsificação; pois sabe que comunicando sinais a serem investigados, o médico não lhe recusará ajuda. E usando o filho, essas mães buscam ajuda para sua própria doença: no que se refere ao vínculo com a criança (que não consegue ver-se diferenciada) é esperar que o médico interdite o gozo masoquista que mantém a compulsão pelos comportamentos de maus-tratos; eno que se refere a identidade delas é encontrar uma esperança de reconhecimento social para que sua singularidade e subjetividade (mal constituída) tenham espaço (GUELLER, 2006) Como se observa, há explicações que apontam mães que pro p rf ito” o tr r m “o p r do-o no hospital, outras que defendem uma subjetividade psicótica, ou ainda a falha no saber materno (natural e instintual) que toda genitora, supõe-se deveria ter. dow 2002 , é Entretanto a teoria mais aceita, segundo p r t lid d ” i p o viv i r m i fâ i xp riê “p rv r i d od b o , rejeição e/oua perda muito precoce de suas próprias mães, reproduzindo em seus filhos a falta de carinho e atenção; fracassando na capacidade de amar, proteger e atender as necessidades das crianças. Assim, assiste-se três fatores na etiologia da S.M.P: a insatisfação dos relacionamentos amorosos que potencializa o sentimento de rejeição; a simbiose com o filho, marcada pela não-diferenciação com este, (e por isso a dificuldade da interdição de seus comportamentos).E finalmente, o efeito estimulante e gratificante que recebem do apoio médico-hospitalar, o qual alivia parcialmente a sensação de desamparo. 3.3 RE- CONHECENDO OS TRANSTORNOS FACTICIOS Em 2001, a Sociedade Brasileira de Pediatria, juntamente com a Secretaria do Estado dos Direitos Humanos, órgão do Ministério da Justiça elaboraram um Guia de Atuação frente aos maus-tratos na Infância e na Adolescência, onde há um informe (pg 22) sobre a S.M.P, reproduzido abaixo: Síndrome de “Munchausen por procuração” A“ ” é, em sua maioria quase absoluta, perpetrada pela mãe da criança. Pode ser produzida por dois mecanismos diferentes: a simulação de sinais, como no caso de falsificação de amostras (por exemplo, adicionar sangue menstrual ou açúcar na urina da criança) e a produção de sinais, como no caso de administrar medicamentos ou substâncias que causam sonolência ou convulsões. Deve-se suspeitar desta síndrome diante das seguintes situações: - Doença com características que indicam persistência ou recidivas; - Relatos de sintomas não usuais, quase sempre descritos de forma dramática; - Dificuldades em classificar as queixas dentro de uma linha de raciocínio diagnóstico coerente; - Sinais que surgem sempre quando a criança está com uma mesma pessoa; - Os demais parentes e os profissionais só constatam o quadro já consumado; -Resistência e insatisfação com o tratamento preconizado e insistência para a realização de diversos procedimentos. Griffiths et al (2008) acrescentam a essas suspeitas, outras situações: história dramática com detalhes inconsistentes, falta de sinais físicos para corroborar a história, sintomas que podem mudar ou piorar após tratamento, atendimentos múltiplos, entusiasmo em submeter-se ou submeter o próprio filho a procedimentos invasivos e resistência para fornecer dados dos atendimentos anteriores. Moura et al (2000) assinalam uma premissa importante: um dos pais, normalmente a mãe, parece ter conhecimentos médicos exagerados e ficam fascinados com detalhes médicos e com o ambiente hospitalar, exprimindo interesse nos detalhes dos problemas de outros doentes. A configuração de maus-tratos estende-se da mãe até a equipe que sem saber acaba sendo conivente na S.M.P, conforme Schreier (2002), o médico pode ser o agente do dano a criança, não é incomum que procedimentos sejam executados sem necessidade, estima-se que realizem entre doze a quarenta operações por condições orgânicas inexistentes. Para Feldman (2004), está ocorrendo um crescente interesse dos profissionais de saúde, dos meios de comunicação e também da população em geral sobre os transtornos factícios, seja a S.M e a S.M.P ,mas ainda há um desconhecimento frente a essas síndromes, que podem ser tão incapacitantes quanto outras doenças como a depressão, além dos custos altíssimos que oneram os serviços de saúde; o ideal seria promover educação continuada às equipes, e um banco de dados de pacientes simuladores, como defendem alguns especialistas na área estudada. Na compreensão desses quadros foram descritos o ponto de vista e o enfoque médico (seja psiquiátrico e pediátrico), no entanto, para que a compreensão não fique parcial, faz-se necessário entendermos a visão do paciente e os elementos históricos responsáveis pela mitificação do hospital e da medicina. É o que será abordado no capítulo seguinte, já que o hospital, o médico e outros profissionais de saúde para esses indivíduos representam fator essencial no desencadeamento de tais comportamentos. 3.4 HOSPITAL E MEDICINA E SEUS FATORES DE MITIFICAÇÃO “O corpo é a total essência do homem, estrutura essencial que dá significado aos objetos ao mesmo tempo em que constrói seu próprio significado, delimita o ser e o mundo, permitindo este ser, existir no mundo.” ERLEAU-PONTY (1975) Historicamente, a origem dos hospitais teve seu primeiro momento comandado pelas autoridades religiosas. Durante a Idade Média, a Igreja pode dispensar uma parcela de seus vastos recursos aos doentes mais necessitados, e que socialmente eram excluídos. Geralmente, esses locais eram templos, conventos e mosteiros onde se viam misturados doentes, loucos, devassos e ladrões, assistidos por um pessoal caritativo, que podia ser religioso ou não (ZOMBINI, 2011) Os hospitais norteavam-se pela segregação social desses indivíduos e também pela vocação piedosa. A concepção de doença na época estava associada com a ideia de castigo divino, assim, oferecer um último sacramento nesses locais era imprescindível e soberano em relação à cura, pois, era preciso arrependimento dos pecados e oração (ZOMBINI, 2011) A atenção destinada à cura e à ação terapêutica começou a aparecer em 1780 quando houve a integração da ordem hospitalar com a classe médica, é o que descreve Foucault (1977), em seu livro Microfísica do Poder. Até então, ambas as classes eram dissociadas, o hospital não estava incluído na formação e prática médica, fundamentalmente individualista, havia apenas um médico por hospital subordinado à hierarquia religiosa, e que visitava os mais doentes entre os pacientes, frequentemente eram médicos com pouco prestígio, porque os melhores médicos detinham suas atividades nos atendimentos particulares ( já que frequentemente tinham realizados curas espetaculares). O hospital como instrumento terapêutico pode ser atribuído aos inquéritos funcionais realizados nessa época que não mais o visavam como uma figura arquitetônica, mas a um fato médico-hospitalar que se produzia efeitos patológicos deveriam ser corrigidos, e estudados como aconteciam com as doenças. O final do século XVIII foi outro grande momento para o hospital surgir como org iz o ompl x q é té oj , prim ir m t “m di lizo - ”, orrigindo os efeitos nocivos que ele próprio produzia, assim como desordens econômico-sociais e de propagação de doenças (FOUCAULT, 1977) Para este filósofo, a transformação de um local que oferecia mudança espiritual, assistência e exclusão para um fato médico-hospitalar se deve aos mecanismos de disciplinarização motivados por razões econômicas, pelo controle das epidemias e o valor cada vez maior dos indivíduos. E também pelo entendimento da doença, compreendida pela ciência da Botânica, como um fenômeno natural, que seguia leis naturais, e não mais divinas; o hospital passou a ser considerado uma máquina de curar; e possuir um campo documental que registra, forma e acumula saber. d volvim to d “máq i d r r” f z o lo go do t mpo, om q a Medicina e todas as práticas de Saúde assumissem ainda mais um aspecto sagrado onde o hospital, espaço mítico, deve conter e administrar os problemas emocionais provocados pelo paciente e seus parentes que nutrem sentimentos complexos em relação a este. Sentimentos como depressão e ansiedade são projetados no hospital através dos elementos de mediação, os trabalhadores da saúde (PITTA, 1999) Trabalhadores, estes que se percebem idealizados pelos pacientes, ao mesmo tempo em que são depositários de tantos sentimentos conflitantes, como o desejo da cura e o medo da morte. É inegável a idealização da figura do médico, assim como também é valorizado o ato de cuidar, sendo a Enfermagem de extrema importância no elo entre o paciente ea equipe médica e multiprofissional (PITTA, 1999; TETZLAFF, 2009) Brevemente, foram expostos dados que contribuíram para compor a percepção social da instituição hospitalar e de seus representantes, principalmente o médico. Mas, e a percepção do paciente nesse contexto? A conotação do adoecimento e hospitalização para maioria das pessoas é uma experiência negativa, sentida como uma perturbação no exercício normal da vida e suas ocupações. O doente quando internado perde seus direitos, suas vontades e seus desejos são negados, seu trabalho e relações interpessoais interrompidos e sua intimidade invadida. O corpo do doente, expropriado de sua individualidade torna-se o objeto na prática médico-hospitalar, disputado pela doença que o acomete e a ação médica, assim, a submissão do paciente ao hospital é um processo sem escolhas, conforme RIBEIRO (1993): ... é um doente assumido, por si e por todos, que carece de uma intervenção médica, tão sistematizada quanto sua doença; doença que se externalizou não apenas na subjetividade de suas queixas mas na objetividade dos outros elementos diagnósticos que o médico vê, toca e interpreta... permitindo-lhe diagnósticos de certeza ou quase. São tão poucos freqüentes ou citados os erros diagnósticos, tão meticulosas as práticas médico-hospitalares, tão poderosos e fortes esses mitos, que a submissão do doente é total. (pg 50) A ideia de submissão involuntária assinalada por esse autor serve para maioria dos indivíduos diante de uma situação de doença e intervenções hospitalares. Entretanto, há a exceção dos T.F, (pois como foi apresentado, eles submetem-se espontânea e deliberadamente a vários procedimentos sem necessidade); tema deste trabalho e que no capítulo seguinte discutirá as questões pertinentes do aspecto saudável e doentio desses sujeitos. 4. DISCUSSÃO Como vimos, as principais características deste transtorno compõem um comportamento comportamentos patológico. patológicos Ora, sabemos decorrem de que na maioria organizações dos psíquicas casos, também patológicas, já que o modo de ser do sujeito determina sua conduta externa. Fato que também acontece com os transtornos factícios; há profissionais que afirmem, tratar-se de personalidades histéricas ou psicóticas. Os indivíduos classificados como histéricos (transtornos somatoformes) tem uma produção involuntária e inconsciente dos sintomas; já o elemento essencial na psicose é a ruptura com a realidade (SANCHES et al, 2006); elementos que não costumam configurar-se nos T.F. Apesar da pouca literatura sobre o tema, considerável número de artigos e livros pesquisados neste trabalho associam-no com o transtorno da personalidade borderline. No Apêndice foram citados os artigos e livros com tal associação. Portanto, a fim de compreender tais características e comportamentos, o presente trabalho em concordância com a produção cientifica, propõe-se a discutir alguns elementos que estruturam essa personalidade, ou seja, tenciona discutir os fatores psicodinâmicos dos T.F através da personalidade borderline (ou limítrofe; mas que aqui será usada a nomenclatura do DSM-IV). A fim de colaborar na compreensão de um quadro tão complexo faz-se necessário introduzir brevemente o transtorno da personalidade borderline, correlacionando com os transtornos factícios. A palavra inglesa borderline traduzida para o português significa borda, limite ou margem de uma linha. É com esse sentido que Naffah Neto (2008) refere-se ao indivíduo borderline, como aquele que tem seu estado psíquico definido no interior de um espaço e de uma dinâmica que bordejam essa linha demarcatória, exibindo ou aparentando características de uma pessoa normal, ou quando muito, neurótica. Mas, isso, à custa de um equilíbrio bastante precário que, quando rompido, surge um funcionamento tipicamente psicótico. Pessoas normais (agradáveis ou sedutoras, comunicativas ou prolixas) é justamente o que eles, os pacientes com S.M e as mães da S.M.P costumam aparentar para a equipe antes de serem reconhecidos. Entretanto, esse equilíbrio que se esforçam para manter, diante de uma confrontação vigorosa pode desencadear uma psicose, pois a doença factícia serve a uma função adaptativa e representa uma tentativa de evitar uma desintegração adicional (FELDMAN, 2004 ; KAPLAN E SADOCK, 1999) Todos nós, seres humanos, constituímos (a partir das primeiras vivências), um self que pode tornar-se normal, neurótico ou psicótico, e há os casos borderlines, que podem alternar dois selfes: o melhor adaptado socialmente e o psicótico. Assim, o comportamento adaptativo merece destaque na gênese deste transtorno, o qual pode ser entendido também como artimanhas (desde os relatos falsos que são bem reproduzidos, ou artifícios, como o uso de laxantes para provocar diarréias...) e faz-se necessário abordar um elemento essencial dessa personalidade: o falso self. Através dos comportamentos, que a primeira vista são isentos de suspeitas ou desconfianças, da apresentação pessoal geralmente calma e colaborativa que visam atenção e simpatia, e de conversas aprofundadas de termos médicos, os indivíduos que falsificam, induzem, produzem ou inventam doenças em si - próprios ou em seus filhos indicam ter um self particularmente adaptado ao ambiente em que se encontram, no caso, o ambiente hospitalar. Um self particularmente adaptado pode ser compreendido pelo conceito de falso si - mesmo, de Winnicott (1983). Para este autor, quando o cuidado materno não é suficiente, seja caracterizado pelas invasões ou graves omissões do ambiente, o bebê desenvolve um falso si - mesmo reativo e submisso às exigências do meio, distanciando-se do verdadeiro Eu, perdendo a espontaneidade e criatividade. A raiz dos distúrbios borderlines (e psicóticos) está nas falhas ambientais ocorridas nas primeiras semanas de vida, onde acontecem os processos de integração do self, personalização (equivalente a habitar o próprio corpo) e separação eu-não-eu, segundo WINNICOTT (1960/1965) apud FORLENZA NETO (2004). Utilizando o exemplo da paciente Rhonda, descrito na primeira parte deste trabalho e que representa outros casos da literatura, pode-se inferir que tais indivíduos são constituídos de uma identidade pobre e autoimagem perturbada. Alguns assumiram a identidade de pessoas a sua volta (são os casos de pacientes, como Rhonda, que foram ou são profissionais da área da saúde tornando-se incapazes de diferenciar a si-próprios dos usuários com quem tiveram contato), outros interpretam como atores, d d “p péi ” d p i t sofredores, vítimas das circunstâncias da vida, até pacientes heróis ou mães heroínas para seus filhos (FELDMAN, 2002). Para Naffah Neto (2007) essa colagem da identidade de outras pessoas pode enganar o observador externo, uma vez que exibem uma habilidade de adaptação exemplar e sofisticada. No exemplo de Rhonda, sua habilidade factícia era tão primorosa a ponto de falsificar uma doença como o câncer - uma vez que foi após muitas circunstâncias que sua tutora começou a desconfiar. E é essa capacidade de adaptação ao ambiente que dificulta o diagnóstico e manejo nesses casos. Entretanto, mesmo tendo a forma exterior de uma verdadeira personalidade, trata-se de uma personalidade sem alma, segundo Naffah Neto (2007) que no seguinte trecho, refere-se a um subtipo da personalidade borderline, “...cuja característica maior é a aparência pura, destituída do sentido existencial: tudo parece ser, sem sê-lo verdadeiramente, daí o nome “como se”. (pg 83) Ou seja, baseando-se no conceito winnicottiano: desde sempre, precisaram reagir a um ambiente insuficiente para que suas necessidades fossem atendidas (internas externas), o que resultou no comprometimento da formação da subjetividade. Com um olhar e adaptação ao mundo exterior extremamente apurado, mentem, falsificam dados, relatos e exames, assumem ou interpretam papéis diversos, pois, o self verdadeiro está escondido, ou nas palavras do Winnicott, o self verdadeiro está encapsulado. Suas verdadeiras aspirações e necessidades mais pessoais estão inacessíveis, cabendo ao falso si-mesmo desempenhar as funções sociais e minimizar o sentimento de vazio de suas vidas. Ainda, há outros pontos semelhantes entre os T.F. e a personalidade borderline. No que se refere aos fatores etiológicos - não são facilmente determinados, segundo Schestatisky (2005) que afirma que não se pode concluir que os traumas precoces e as famílias disfuncionais representem causas específicas. Os transtornos se constituem a partir de um conjunto de fatores: predisposições neurofisiológicas e temperamentais, fatores sociais, econômicos e sociais adversos, e experiências traumáticas interagem de modo complexo com vulnerabilidades biológicas e individuais. Esse conjunto de fatores também pode ser encontrado na primeira infância dos indivíduos com T.F, acrescidos do componente das hospitalizações (geralmente sucessivas) que tornavam o mundo caótico que viviam, um pouco mais acolhedor do que suas casas e famílias. Quanto ao quadro clínico, o quadro abaixo descreve as características e os comportamentos do sujeito borderline, alguns desses itens aparecem na dinâmica da S.M e S.M.P.Necessidades intensas de dependência e Narcisimo, fraco sentimento de identidade (incluindo a sexual), baixa tolerância à frustração, inteligência normal ou acima da média foram observados em pacientes com S.M submetidos à testagens psicológicas individuais (KAPLAN e SADOCK, 1999) Quadro II– Critérios do DSM – IV para diagnóstico do Transtorno da Personalidade Borderline. Critério Descrição Esforços frenéticos no sentido de evitar um abandono real ou imaginário. A percepção da iminência de separação ou rejeição da perda da estrutura externa pode ocasionar profundas alterações na auto-imagem, no afeto, na cognição e no 1 comportamento. 2 3 Padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos, caracterizado pela alternância entre extremos de idealização e desvalorização. Eles podem idealizar potenciais cuidadores ou amantes já no primeiro ou no segundo encontro, exigir que passem muito tempo juntos e compartilhar detalhes íntimos na fase de relacionamento. O borderline pode passar da idealização para a desvalorização rapidamente por achar que a outra pessoa não se faz presente o suficiente. Perturbação da identidade: instabilidade acentuada e resistente da auto-imagem ou do sentimento de self. Mudanças súbitas e dramáticas, caracterizada por objetivos, valores e aspirações profissionais em constante mudança. Embora geralmente possuam uma autoimagem de malvados, os indivíduos com este transtorno podem, por vezes, ter o sentimento de não existirem em absoluto. 4 5 6 7 8 9 Impulsividade em pelo menos duas áreas potencialmente prejudiciais à própria pessoa: gastos financeiros, sexo, abuso de substâncias, direção imprudente, comer impulsivo. Relaciona-se aos excessos como o vício em jogos, gastos irresponsáveis, compulsão alimentar, abuso de substâncias, engajar-se em sexo inseguro ou dirigir de forma imprudente. Recorrência de comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou de comportamentos automutilante. O suicídio consumado ocorre em 8 a 10% desses indivíduos, e os atos de automutilação (cortes e queimaduras), ameaças e tentativas de suicídio são muito comuns. Instabilidade afetiva devido a uma acentuada reatividade do humor (p.ex., episódios de intensa disforia, irritabilidade ou ansiedade geralmente durando algumas horas e apenas raramente mais de alguns dias). O humor disfórico do paciente borderline muitas vezes é perturbado por períodos de raiva, pânico ou desespero e raramente é aliviado por períodos de bem-estar ou satisfação. Sentimentos crônicos de vazio. Facilmente entediados estes pacientes podem estar sempre procurando algo para fazer. Raiva inadequada e intensa ou dificuldade em controlar a raiva (p.ex., demonstrações freqüentes de irritação, raiva constante, lutas corporais recorrentes). Podem exibir persistente amargura ou explosões verbais. O sentimento de raiva tende a ficar intensificado quando o amante é visto como negligente ou indiferente. Ideação paranóide transitória e relacionada ao estresse ou graves crises dissociativas. A agressividade e a acentuada instabilidade afetiva (critérios 6 e 8) são traços marcantes do borderline, que diante de um T.F, no caso, a falsificação de uma doença vê uma possibilidade, um foco para que a raiva e as constantes alterações de humor estabilizem, mesmo por um momento o turbulento estado afetivo. (FELDMAN, 2004). Outra questão fundamental, que fica explícita na psicodinâmica desses indivíduos é a forte necessidade de buscar atenção, originada de uma carência primitiva, e que nas interações interpessoais (incluindo o relacionamento com a equipe hospitalar) assiste-se a manifestação de dois sentimentos: a dependência afetiva e a raiva ou ressentimento. No que diz respeito à relação de dependência, o borderline apoiar-se-á em um objeto idealizado (potente, forte, poderoso...) e dependerá deste objeto para obter satisfações positivas e de proteção (CHAGNON, 2009). No ambiente hospitalar, o objeto idealizado que lhe dispensará atenção e cuidado é o médico, cuja representação cultural é de cuidador e protetor. Em contrapartida à relação de dependência, tais pacientes manifestam sentimentos de raiva e ódio, decorrentes de sensações de rejeição, incompreensão e / ou vitimização. Apresentam uma ambivalência em seus vínculos, causada por disfunções em seus padrões de apego (JORDÃO, 2010). A expressão de raiva que começou na infância continua na vida adulta, segundo Matos (2000) apud Maranga (2002). O paciente borderline constituindo o modelo de relação agressiva com o qual cresceu e com qual se sente mais familiarizado, afasta-se do ciclo relacional amoroso, porque desde sempre foi pouco amado por quem deveria fazê-lo. Assim, observa-se a dominância das forças destrutivas sobre o poder construtivo e criativo, e a predominância da agressividade sobre o amor. Trata-se de pessoas, como Rhonda, que tentam manter uma relação baseada na dependência afetiva, permeadas por sentimentos de raiva e ressentimento: a professora, escolhida como substituta materna, era controlada por falsas revelações pessoais toda vez que tentava distanciar-se. Feldman (2004) enfatiza a ambivalência que esses pacientes apresentam, há um controle no modo de interagir com a equipe médica que expressa a dependência durante a Infância e os ressentimentos hostis de crianças abusadas. Segundo Schreier (2002) nas relações com os médicos a carência é tão intensa quanto a hostilidade: alguma mães com S.M.P relataram a profunda necessidade de ser o centro das atenções, ao mesmo que há a gratificação em vê-los derrotados na resolução de problemas médicos complexos ena ajuda às crianças.Para Ancona de Faria (2003) a personalidade borderline é assim sintetizada: ... vivencia o mundo em termos de relações de poder extremadas. Este enquadramento das relações interpessoais, que parte do pressuposto de que o poder está sempre com um dos lados, enquanto o outro está totalmente subjugado – fruto de sua experiência de vida – gera uma visão assimétrica do relacionar-se, onde a busca inconsciente por relações de caráter sado-masoquista está presente o tempo todo (p. 25/26). Essa configuração sado-masoquista (principalmente a masoquista) direcionada para as relações interpessoais também é voltada para o próprio corpo do sujeito, onde a dor encontrada na submissão de procedimentos muito dolorosos (como cirurgias e exames invasivos) remonta a necessidade de sentirem-se vivos (como fazem os auto-mutiladores), ou ainda como ato punitivo de antigos pecados imaginados ou reais (KAPLAN, SADOCK, 1999). Entretanto, para a teoria winnicottiana, a constituição do self desses sujeitos se dá de forma tão precária, que não se pode afirmar um status sadomasoquista, esses sujeitos não se percebem de forma integrada e real, assim diversos sentimentos (inclusive a dor) estão dissociados. A auto-destrutividade mascarada desses comportamentos e a compulsão por forj r do m ti do do “p i t ” o div r o o pit i lo i que procuram ajuda) é uma forma desesperada e doente de reconhecerem-se verdadeiros, porém, através da sua antítese, a falsidade. Reiterando o conceito de Winnicott (1983), a integração psíquica do self e o processo de personificação (responsável pela sensação do sujeito habitar o próprio corpo) falharam, o verdadeiro e autêntico self está encapsulado,e a identidade que os indivíduos com S.M ou S.M.P nos apresentam é derivada de um falso si-mesmo patológico. Ao longo dessa discussão, foram selecionadas e mencionadas algumas das principais características que estruturam a personalidade mais encontrada nos T.F, a borderline: o termo cunhado por Winnicott, de falso si-mesmo pode colaborar na compreensão dos devidos comportamentos, assim como a etiologia e o quadro clínico psiquiátrico, e a ambivalência de sentimentos nas relações interpessoais. Porém, um dos objetivos deste trabalho foi o enfoque no contexto hospitalar. Não há uma resposta definitiva para essa questão, mas diante do que foi apresentado, pode-se inferir que durante a primeira infância, a experiência com hospitalizações, internações, o adoecimento de si - próprio ou de algum familiar teve um particular significado em suas vidas, marcadas por experiências negativas.O hospital foi então percebido como um ambiente estimulante, diante da atenção e dos cuidados recebidos. Na fase adulta, e com o desenvolvimento aprimorado de como ingressar nesse ambiente, esses pacientes buscam acolhimento. Por mais que seja estranho que alguém se submeta a comportamentos assim em busca de atenção, não é tão irreal quanto supomos frente a atual realidade das relações humanas. Para Baumann (2004) as relações atuais estão marcadas pelo sentimento de insegurança e fragilidade, nos vínculos humanos há a presença de desejos conflitantes, por exemplo, queremos apertar os laços ao mesmo tempo mantê-los frouxos; o que remete a consistência do líquido, daí, provém a inspiração do nome que este autor atribui aos relacionamentos contemporâneos, relações líquidas. Logo, com as constantes transformações sociais, poucos lugares oferecem acolhimento. Conforme Gueller (2009) o hospital (principalmente o hospital público) seria esse lugar, que inspira cuidado e proteção, de portas abertas a qualquer pessoa, atraindo indivíduos que ocultam sofrimentos e intenso sentimento de vazio e solidão, por trás da sintomatologia factícia. Talvez, esses representem seus verdadeiros sintomas. Já, para a equipe multidisciplinar do hospital (médico, enfermeiro, psicólogo, fisioterapeuta, nutricionista, assistente social e outros) deparar-se com um caso de transtorno factício pode ser tarefa muito árdua. Começando pelas inúmeras investigações, cujos resultados são negativos, até o reconhecimento (que muitas vezes não ocorre) de que o problema não é orgânico. O sinal orgânico, corporal, físico é o alvo de todos os profissionais de saúde, exceto para os profissionais de saúde mental, os quais também o consideram, mas concentram-se no processo de como o indivíduo lida com a existência ou não da doença. Para os profissionais envolvidos é uma possibilidade intrigante de oferecer algum tipo de ajuda, objetivo este que deveria nortear todos os profissionais. Para Dejour (1987 ) apud Pitta (1999 ), a doença não é uma situação permanente, saúde e a doença podem ser perdidas e reconquistadas como estados dinâmicos e inerentes à própria vida. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS No decorrer deste trabalho foram revelando-se os fatores que influenciam e determinam os comportamentos dos transtornos factícios; contribuindo para que as constantes hospitalizações tornassem um modo de vida para esses indivíduos. Espera-se que este estudo colabore na informação da S.M e S.M.P, principalmente aos profissionais que atuam no Serviço Pediátrico, uma vez que o reconhecimento do transtorno pode ajudar a família com uma Intervenção multidisciplinar, já que não somente o corpo médico e de enfermagem, mas todos os profissionais da equipe multiprofissional (psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, assistentes-sociais) podem estar implicados nos cuidados nutricionistas, de crianças e adolescentes nessas condições. Durante a realização desta revisão literária surgiu o pressuposto, que pode servir como objetivo para pesquisas futuras, de que haja alguma relação entre determinadas instituições que oferecem atendimentos qualificados e humanizados e a freqüência (ou não) com que as síndromes aparecem em tais contextos. A realização de novos trabalhos é importante, principalmente em território brasileiro, o d i idê á po prod i r fl t m i o i f lt d t fi o omo iê i ” firm dow 2002 “ f lt d 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ANCONA DE FARIA, A.Transtorno de Personalidade Borderline: Uma Perspectiva Simbólica. Monografia (para obtenção de Título de Especialista da Sociedade Analítica). Universidade Federal do Estado de São Paulo, São Paulo, 2003. ANDRADE, T. L. E. S.; PEREIRA-SILVA, J. L. Hemoptise fictícia na síndrome de Munchausen: uma entidade a ser considerada no diagnóstico diferencial. São Paulo. Jornal brasileiro de Pneumologia, 31, (3),2005. 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