Hermenêutica Bíblica – Notas de Aula Nº 02 Assunto: Turma: Referências: História da Hermenêutica; Análise Histórico-Cultural e Contextual Médio III Virkler - cap. 2 e 3; Berkhof - cap. 3. 1. Revisão da aula anterior a) Interpretação de Pv.22:28 A pergunta certa a ser feita é: O que este versículo significava para o seu autor e para o seu primeiro auditório? b) Outros campos do estudo bíblico Estudo do Cânon Crítica Textual Teologia Bíblica Crítica Histórica Exegese Teologia Sistemática c) A necessidade da hermenêutica • As traduções são uma forma (necessária) de interpretação. • Nem todos os “significados claros” são igualmente claros para todos os cristãos. • A natureza dupla, humana e divina, da Bíblia. o Questão dos padrões de pensamento da época o Tipos de comunicação: em narrativa, as genealogias, as crônicas, leis, poesias, provérbios, profecias, drama, etc.. d) Um texto não pode significar o que nunca significou. Na verdade seu significado real é exatamente o que Deus quis que ele significasse quando foi escrito/falado a primeira vez. e) Cuidado com a consulta ao “perito” (conhecer a fonte): Ex.: “Fundo da Agulha” f) Depois de entender um texto (o que ele significou), devemos ouvir o que essa mesma Palavra representa para nós hoje. 2. Breve História da Interpretação Bíblica Objetivo: Aprendermos com os erros e acertos daqueles que nos precederam. a) Exegese Patrística (100 – 600 a.d.) • Clemente de Alexandria (150-215 a.d.) o Acreditava que os textos da escritura possuíam 5 sentidos: histórico, doutrinal, profético, filosófico e místico. LER citação p. 44 de VIRKLER . • Orígenes (185-254 ?) o Sucessor de Clemente. Acreditava que a Escritura era uma vasta alegoria na qual cada detalhe é simbólico. Valoriza muito I Co.2:6-7 - “falamos a sabedoria de Deus em mistério”. • Agostinho (354-430) o Muitos de seus princípios são utilizados até hoje. o LER itens na p.45 de VIRKLER. o Na prática, supervalorizou a alegorização contaminando sua exegese, contradizendo sua teoria. • Teodoro (350-428) – A Escola de Antioquia da Síria o Defendiam um interpretação histórico-gramatical o Criam que o significado espiritual de um acontecimento estava no próprio acontecimento (não numa alegoria) Infelizmente, Nestório, discípulo de Teodoro envolveu-se numa grande heresia relacionada a Cristo, comprometendo o futuro da promissora Escola de Antioquia. b) Exegese Medieval • Predominavam os princípios de Agostinho • Praticamente nada de novo se produziu nesta época c) Exegese da Reforma • Estudo do contexto, da gramática, das palavras e de passagens paralelas; • “A Escritura interpreta a Escritura” dizia Calvino; • Formaram a base dos princípios hermenêuticos dos protestantes ortodoxos; d) Exegese Pós-Reforma • Confessionalismo: O Concílio de Trento elaborou um lista de decretos expondo dogmas da Igreja Católica e criticando o protestantismo. Os protestantes reagiram desenvolvendo credos que definiam sua posição. “A exegese tornou-se uma criada da dogmática”. Cada cidade importante tinha seu credo predileto. • Pietismo: Fim da controvérsia inútil e retorno à comunhão e às boas obras. Boa interpretação histórico-gramatical. Pietistas mais recentes começaram a depender de uma “luz interior” ou “unção” nas interpretações, levando, muitas vezes, a interpretações contraditórias. • Racionalismo: A razão deveria julgar que partes da revelação seriam aceitáveis. o 3. Um procedimento hermenêutico de seis passos O pressuposto fundamental da hermenêutica é que o significado de um texto deve ser aquele que o seu autor tinha em mente ao escrevê-lo, e não os significados que parecem fazer mais sentido ou sejam mais convenientes para nós hoje. Um procedimento hermenêutico que pode ajudar a chegarmos no significado de um texto para nós é apresentado por Virkler: 1º Passo: Análise Histórico-Cultural e Contextual Consideramos o ambiente histórico-cultural do autor para melhor compreendermos suas alusões e objetivos. A análise contextual visa relacionar uma passagem com o texto completo do autor para que, considerando o seu pensamento geral, venhamos a ter um melhor entendimento de um texto em particular. 2º Passo: Análise Léxico-Sintática Visa compreendermos a definição das palavras (lexicologia) e sua relação com as outras (sintaxe) para que entendamos melhor o sentido texto. Neste momento é fundamental um bom conhecimento de português e, se possível, de grego e hebraico. 3º Passo: Análise Teológica Consideramos o nível de conhecimento teológico do público alvo na época em que o texto foi escrito, levando em conta os textos correlatos, procurando dar uma melhor compreensão do significado do texto para seus primeiros destinatários. 4º Passo: Análise Literária Identifica a forma ou método literário utilizado numa passagem em particular (metáforas, hipérboles, antropomorfismos, etc.) visando uma interpretação mais adequada, uma vez que cada estilo literário utiliza métodos diferentes de expressão e, conseqüentemente, de interpretação. 5º Passo: Comparação com Outros Intérpretes Comparar o produto dos quatro passos acima com trabalhos de outros intérpretes sobre do mesmo texto. 6º Passo: Aplicação Traduzir o significado original do texto, obtido pelos 5 passos acima, para a nossa própria época e cultura. Não há como automatizar completamente a atividade hermenêutica. Estes passos servem apenas como um guia inicial com questões a serem consideradas durante o estudo, visando minimizar a possibilidade de interpretações equivocadas. Devemos buscar, acima de tudo, ter um coração sincero e não só aberto, mas sedento pela verdade. Que o Senhor, através do seu Santo Espírito, nos mostra a Sua vontade. 4. Passo 1 – A Análise Histórico-Cultural e Contextual a) Determinar o Contexto Histórico-Cultural Geral • Situação política, econômica e social; Exemplo: Leia Jo.12:12-13. Ao receberem Jesus em Jerusalém clamando “Bendito o rei de Israel” (v. 13) o povo não via a Jesus como o Filho de Deus, mas como alguém que poderia livrá-los do julgo pesado de Roma, que subjugava o povo e profanava a fé de Israel. O povo queria um libertador político, não alguém que os libertasse de seus pecados. • Costumes (relacionados ao texto em questão); Exemplo: Leia Mc.7:10-13. Para entendermos completamente esta passagem, precisamos entender o que era o Corbã. Na tradição farisaica um homem poderia declarar que após a sua morte todo o seu dinheiro deveria ser doado ao Senhor, indo para o tesouro do templo. Assim, como o dinheiro agora pertenceria a Deus, e não a ele, não repousaria mais sobre ele a responsabilidade de sustentar seus pais idosos. • Nível de comprometimento espiritual do “público alvo”. Exemplo: Como entender o livro de Oséias? Como entender um homem que se casa com uma prostituta, chora por ela continuar em sua prostituição, tem 3 filhos com ela dando-lhes nomes estranhos: Desfavorecida, Não-meu-povo, e Deus Espalhará (Jezreel), nome do lugar onde Jeú assassinou os filhos de Acabe (2 Rs.10)? Nos dias de Oséias o povo tinha se prostituído, abandonando o Senhor que os livrou do Egito. Por não ouvir apenas palavras, o Senhor fez da Oséias uma profecia para alertar o povo da sua prostituição, condenação e posterior reconciliação. b) Contexto Histórico-Cultural Específico e Objetivos de um Livro • Quem foi o autor? Qual era seu ambiente e sua experiência espiritual? • Para quem estava escrevendo? (crentes, incrédulos, apóstatas, crentes que corriam risco de tornarem-se apostatas, etc.) • Qual foi a finalidade (intenção) do autor ao escrever este livro? Alguns livros não possuem referências diretas de seu autor e destinatários. Ex.: Epístola aos Hebreus Autor: Incerto. Provavelmente não foi Paulo (estilo de escrita, formas de pensamento e atitudes para com a lei mosaica). Destinatários: Deduz-se a partir das várias alusões ao A.T. (que não fariam sentido a um pagão). Todo o tempo contrasta a fé mosaica com a cristã mostrando a superioridade desta última. c) Desenvolver uma Compreensão do Contexto Imediato • Entender como o livro é organizado (montar um esboço por assunto) • Saber contextualizar a passagem em análise na argumentação corrente o autor. • Saber identificar a perspectiva do autor. i. Numenológica: Perspectiva Divina, absoluta. Esta perspectiva é mais comumente encontrada em afirmativas relacionadas a questões morais; ii. Fenomenológica: Perspectiva humana, relativa. Quando falamos de pôr-do-sol estamos falando do giro da terra (para o sistema solar, o sol está parado!). A questão do dilúvio ser local (ter atingido apenas as regiões povoadas daqueles dias) ou global (ter coberto realmente todos os montes de todos os continentes) é exatamente a questão de verificarmos se os capítulos 6-9 de Gênesis narram numenológica ou fenomenologicamente os fatos. Como você vê a narrativa do dilúvio? b. Distinguir passagens descritivas de prescritivas As passagens prescritivas são normativas. Por isso é fundamental distingui-las. É importante lembrar que: • O que Deus diz é verdade. Exemplo: “Então disse Jesus aos seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me” (Mt.16:24). Ninguém pode questionar se para sermos discípulos de Jesus devemos ou não negarmos a nós mesmos e tomarmos nossa cruz. Foi o próprio Jesus quem disse! • O que o homem diz pode ser verdade ou não. O discernimento do homem não pode ser equiparado à sabedoria de Deus. Em 1 Co.7:12 Paulo dá um recomendação à Igreja, deixando, porém, claro que tal orientação era fruto de seu discernimento, e não uma ordenança do Senhor. • • • O que Satanás diz, não tem porquê ser considerado. Ele é um mentiroso. Ações humanas descritas pela Bíblia, sem comentários que a aprovem, não são necessariamente aprovadas por Deus. São apenas ações humanas. A Bíblia também registra os erros dos homens de Deus. A ação de Deus numa passagem narrativa nem sempre significa que Deus sempre opera deste modo com os crentes. Ex.: Embora em At.10:44 o sinal de conversão que Pedro utilizou foi o recebimento do Espírito Santo marcado pelo dom de línguas. Mas isto significa que em toda conversão verdadeira seja necessário existir a manifestação do dom de línguas? As epístolas são, geralmente, prescritivas. É importante, porém, através da análise contextual diferenciar passagens prescritivas de descritivas. c. Distinguir o núcleo de ensino de uma passagem de detalhes incidentais Muitas heresias surgem por causa disto. Veja alguns exemplos de foco exagerado em detalhes incidentais: Exemplo 1: Jô.15 diz que Cristo é a videira e nós os ramos, logo nós dependemos de Cristo (não temos vida sozinhos). Um grupo concluiu deste texto que Cristo, enquanto videira (coisa criada), também é criatura e não criador. Exemplo 2: Outro exemplo são os pelagianos (quinto século) que diziam não ser necessário um mediador (Cristo) uma vez que o filho pródigo voltou sem a necessidade de um mediador. Exemplo 3: Como somos santuário (templo) de Deus (I Co.3:16), e o santuário (templo) tem 3 partes: pátio exterior, interior e santo dos santos, logo possuímos 3 partes: corpo, alma e espírito. Ora, o tema principal aqui é a santidade do corpo de cristo. d. Definir a quem se destina a passagem em estudo • Geralmente uma ordem ou promessa na Bíblia se destina ou a (i) Israel, como nação, (ii) crentes da antiga aliança ou (iii) crentes da nova aliança. Qualquer uma delas pode (ou não) se aplicar a mim ou a você, considerando nosso contexto sócio-cultural. • As promessas e ordens endereçadas aos crentes da nova aliança têm maior probabilidade de aplicarem-se aos cristãos atuais, mas também encontraremos muitas ordens e promessas aos crentes da antiga aliança que se aplicam a nós. • Após definirmos a quem se destina a passagem (e seu conteúdo), precisamos considerar a sua aplicação aos tempos atuais. Bibliografia • VIRKLER, Henry A.. Hermenêutica Avançada: Princípios e Processos de Interpretação Bíblica. São Paulo. Editora Vida, 2001. • FEE, Gordon D., STUART Douglas. Entendes o que lês?. Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1986. BERKHOF, Louis. Princípios de Interpretação Bíblica. JUERP, 4ª Edição, 1988. • Hermenêutica I Atividade Extra-Classe Nº 02 Nome: _______________________________________________________ Data de Entrega: 17 de Maio de 2004 1) Comparar Jo.20:31 e Lucas 1:1-4 e responder. Quais eram os objetivos de João e os objetivos de Lucas ao escreverem seus evangelhos? Se eventualmente eles apresentarem um mesmo evento ou assunto com perspectivas diferentes, como esses diferentes objetivos podem influenciar a sua interpretação? 2) Imagine que um jovem irmão te procure extremamente deprimido por ter planejado e deliberadamente roubado dinheiro da carteira de seus pais, acreditando que, baseado em Hebreus 10:26-27, não há mais possibilidade de arrependimento e perdão para ele. Como você o aconselharia?