a competitividade fiscal - Faculdade de Economia da Universidade

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A COMPETITIVIDADE FISCAL
NO CONTEXTO DA UNIÃO EUROPEIA
Abel M. Mateus
Professor Universitário
Universidade Nova de Lisboa
Qual o papel do sector público numa economia? Visto do lado da despesa, o
sector público assegura a provisão1 de bens públicos tais como justiça, segurança,
defesa nacional, educação e saúde primárias, que podem ser produzidos por si ou pelo
sector privado. Também assegura a provisão de infraestruturas físicas. Através de
transferências para as famílias, sob a forma de pensões de reforma, doença ou
incapacidade e subsídios ao desemprego ou às famílias mais carenciadas assegura a
equidade social e seguro social. Estas são as despesas que mais têm crescido e hoje
assumem a maior proporção nos países desenvolvidos. Finalmente, intervém na
actividade económica através de subsídios e transferências de capital.
Para financiar estas actividades o Estado obtém as suas principais receitas
através de impostos sobre o rendimento e riqueza, consumo, transferências de capital,
taxas e outros métodos.
No desempenho destas actividades podem levantar-se importantes problemas
na afectação de recursos. Na produção de bens pode estar a competir com o sector
privado, pelo que se pode colocar o problema da eficiência na produção desses bens.
À semelhança do sector privado, a produção destes bens e serviços pelo sector público
pode ser feita com ineficiência, o que origina o desperdício dos recursos. O problema
é tanto mais severo quanto o sector ou sectores estão abrigados da concorrência.
Outro problema que os economistas muito bem conhecem desde os cursos de
introdução é que os impostos distorcionam as decisões dos agentes económicos,
levando a uma
§
§
§
§
diminuição do incentivo ao trabalho
diminuição do incentivo à poupança
diminuição do incentivo ao investimento
distorção sobre os preços dos bens finais.
Estas distorções podem ser maiores ou menores conforme a estrutura e aplicação do
sistema fiscal. Estimativas para diversos países mostram que estas distorções podem
atingir vários pontos percentuais do PIB (análise estática) e reduzir substancialmente
a taxa de crescimento do PIB (análise dinâmica).
1
Repare-se que referimos provisão. Não se deve confundir com produção ou financiamento. O Estado
deve assegurar o acesso dos cidadãos a estes bens públicos, mas a produção pode ser confiada ao sector
privado. Esta é a razão porque nalguns países, mesmo a produção de ensino primário e secundário seja
feita em grande parte pelo sector privado, mas a atribuição de cupões a todos os cidadãos assegura o
acesso universal a este bem público (caso da Holanda). Também o financiamento pode ser feito de
diferentes formas. A moderna teoria de que “deve pagar quem beneficia” substitui cada vez mais os
impostos gerais por taxas ou contribuições dirigidas aos beneficiários.
Em conclusão, o sector público desempenha um importante papel na
economia, não só em termos das suas funções anteriormente referidas, mas também
através da regulação da actividade económica a nível micro (políticas anti-monopólio,
protecção ambiental, políticas contra discriminação racial) e a nível macro (política
anti-cíclica).
Do ponto de vista do crescimento económico é fundamental o peso do sector
público e a estrutura das despesas e receitas de forma a maximizar a eficiência da
economia e manter os custos de distorção ao mínimo. Por este motivo, todos os países
da União Europeia (à excepção de Portugal) têm vindo a reduzir, e por vezes
substancialmente, o peso do sector público e da dívida pública que pode provocar o
“crowding-out” da riqueza privada. Do ponto de vista conjuntural, o Pacto de
Estabilidade e Crescimento atribui aos países da zona do euro um quadro de actuação
preciso: manter o orçamento equilibrado em média ao longo do ciclo económico.2
Desta forma, a política orçamental deveria ser reduzida sobretudo à actuação dos
estabilizadores automáticos.3
Vejamos agora o impacto do sector público sob a perspectiva das empresas.
Como vimos, as empresas beneficiam dos serviços de infraestruturas e do nível de
capital humano assegurado pelo Estado aos trabalhadores, assim como de outros
serviços públicos e da preservação da concorrência, mas suportam impostos para
financiar esses bens e serviços. O que é relevante para as empresas são o “benefício
líquido”: as empresas de um país podem suportar menos impostos do que as de outro
país, mas se a qualidade dos serviços e infraestruturas é muito inferior o benefício
líquido é inferior, comprometendo a capacidade concorrencial das empresas do
primeiro país. O ambiente ideal para as empresas é terem bons serviços públicos e
infraestruturas ao menor custo fiscal.
Numa economia de mercado é fundamental que a estrutura fiscal não altere
substancialmente no tempo ou no espaço os preços dos bens e dos factores, seja
conducente ao investimento e leve a uma afectação óptima dos recursos.
No contexto internacional a competitividade da economia depende do:
§
§
§
§
custo relativo do trabalho em relação aos principais concorrentes,
do custo relativo do capital,
do benefício líquido dos bens públicos e infraestruturas, e
dum “ambiente concorrencial” pró-competitivo e pró-activo (com baixo
nível de corrupção e de rent-seeking”.
Vamos analisar cada um destes aspectos concorrenciais das empresas
portuguesas, sobretudo do ponto de vista da incidência do sector público. Na secção 1
estudaremos a evolução recente da competitividade das empresas portuguesas. Na
secção 2 o peso do sector público em Portugal no contexto da União Europeia que nos
permitirá analisar o nível global de despesas e da pressão fiscal sobre a economia. Na
perspectiva do estudo dos benefícios líquidos começamos por estudar na secção 3 a
qualidade dos serviços e bens públicos fornecidos às empresas, e em particular o
capital humano. Na secção 4 alguns indicadores avaliam os custos e qualidade de
2
Nalguns países o equilíbrio estrutural pode corresponder a um excedente por causa da necessidade de
financiar um fundo para ocorrer ao problema do desequilíbrio financeiro previsível da Segurança
Social.
3
Este é um dos problemas de Portugal – que em 2000 e 2001 tinha os déficits mais elevados da zona –
e de vários países do euro, que ainda não conseguiram atingir a situação orçamental equivalente ao
equilíbrio ao longo do ciclo.
algumas infraestruturas. Na secção 5 passamos a analisar a pressão fiscal sobre as
empresas e os seus factores produtivos. Finalmente na secção 6 tiraremos algumas
conclusões.
1. Evolução recente da competitividade das empresas portuguesas
Nos últimos 40 anos a economia portuguesa registou um enorme progresso no
processo de convergência real, que se deve em grande parte ao aumento da
produtividade e ao esforço de acumulação dos factores produtivos pelas empresas
portuguesas. De facto, de cerca de 40% da média do rendimento da UE em 1960,
Portugal tem hoje cerca de 75% da média da UE, registando um dos maiores
progressos relativos. Contudo, e apesar deste progresso, alguns indicadores revelam
ainda sérias deficiências e desaceleração do processo nos últimos anos.
O quadro seguinte revela que Portugal permanece na cauda da UE em termos
da produtividade e salários, segundo dados recentemente publicados para 1998 pelo
Department of Labor dos EUA (Figura 1).4
Figura 1
Produtividade e salários
90000,0
80000,0
70000,0
60000,0
50000,0
40000,0
30000,0
20000,0
10000,0
0,0
BE
DK
ES
FR
IR
IT
LX
NL
salarios
PO
UK
DE
FI
US
produt ividade
Figura 2
Déficits da balança externa
0
-5
-10
-15
4
Dad
-20
1994
1995
Balança corrente
1996
1997
1998
1999
Balança comercial
2000
CD
JP
Também a evolução dos déficits externos (Figura 2): do déficit da balança comercial e
da balança corrente mostram uma deterioração progressiva, o que é preocupante.
Embora desde 1999 cerca de 4 pontos percentuais do PIB desta deterioração se devam
à subida dos preços de petróleo e à consequente subida dos custos das empresas
portuguesas, pelo menos parte desta evolução poderá ser permanente. Com um déficit
corrente previsível de cerca de 12% do PIB em 2000, este valor não só ultrapassa em
vários múltiplos o déficit de outros países desenvolvidos, como é claramente
insustentável no médio e longo prazo.
Um outro indicador que mostra a perda de competitividade da economia
portuguesa é a evolução dos preços e custos relativos em relação aos restantes países
da UE. Segundo cálculos da Comissão Europeia, Portugal registou no período de
1986 a 1999 uma subida dos custos unitários reais da mão-de-obra de 17,3% no total
da economia, de 12,8% quando tomamos apenas a indústria e de 13,5% considerando
a apreciação real em termos dos deflacionadores do PIB. Embora parte deste efeito
reflicta o processo de convergência real e o influxo de capitais que se seguiu à entrada
de Portugal na CE, está muito acima de todos os restantes países. Por exemplo a
Irlanda registou para o mesmo período uma queda dos custos unitários do trabalho na
indústria de 24%.5
A deterioração da balança corrente tem como contrapartida uma subida
acentuada do endividamento das famílias e empresas portuguesas. Conforme a Figura
3 mostra, a taxa de endividamento das empresas subiu de pouco mais de 40% do PIB
em 1994 para valores próximos dos 100% do PIB em 1999.
Figura 3
Endividamento e poupança empresas
1,20
1,00
0,80
0,60
0,40
0,20
0,00
1994
1995
1996
1997
1998
1999
-0,20
Nível endividamento
5
T axa poupança financeira
Comissão Europeia, Relatório sobre Competitividade dos Preços e Custos, 2000.
2000
Como reflexo desta subida do endividamento dos agentes económicos, como a
Figura 4 mostra, a riqueza líquida dos portugueses em relação ao Exterior desceu de
cerca de –10% em 1996 para –30% em 2000, estimando-se que venha a atingir um
valor próximo dos –80% registados na última crise de 1983-84, dada a inércia do
processo e tendo em vista a política económica que tem prevalecido de estímulo do
consumo.
Figura 4
Riqueza líquida no Exterior
04
20
02
20
00
20
98
19
96
19
94
19
92
19
90
19
88
19
86
19
84
19
82
19
80
19
78
19
76
19
74
19
19
72
0
-10
-20
Racio do PIB
-30
-40
-50
-60
-70
-80
-90
No que respeita ao processo de convergência, a média do diferencial de
crescimento do PIB entre Portugal e a UE desceu para cerca de 0,4 pontos percentuais
entre 1995 e 2003, conforme as previsões da Comissão Europeia. Este ritmo
representa uma desaceleração significativa deste processo, que tem associado a perda
de competitividade das empresas portuguesas.
Finalmente, a confirmar a perda de competitividade da nossa economia está a
queda acentuada do Investimento Directo Estrangeiro que sempre desempenhou um
importante papel no processo de transferência de tecnologia dos países mais
evoluídos.
A que se deve esta perda de competitividade das empresas portuguesas? Um
dos factores que explica esta evolução está ligado à subida do peso do sector público
na economia portuguesa e à descida dos benefícios líquidos para as empresas que lhe
está associado.
2. Peso do Sector Público e Crescimento Económico
O peso do SPA no PIB depende de vários factores: preferência entre bens públicos
e privados, orientação ideológica do governo no poder, dimensão do país, estrutura
demográfica e peso do welfare state. Um peso muito elevado do sector público, em
relação ao valor esperado, é indício de: (i) uma proporção demasiado elevada de
recursos está a ser deslocada do sector privado produtivo para o sector público, (ii)
desincentivo para o trabalho e acumulação de capital humano devido à carga fiscal
sobre o rendimento, (iii) desincentivo para a poupança e/ou investimento.
Simulações efectuadas mostram que é possível aumentar a taxa de crescimento
do PIB cerca de 1 p.p. com uma redução substancial dos efeitos negativos referidos.
Conforme a Figura 5 mostra, Portugal já é o 3º país do mundo com maior peso do
SPA sobre o PIB, com a aprovação do OGE de 2001.
Figura 5
Peso SPA s/ PIB (2001)
6 0 ,0
5 0 ,0
4 0 ,0
3 0 ,0
2 0 ,0
1 0 ,0
Irl
an
da
Es
pa
nh
a
R
ei
no
U
ni
do
nd
a
H
ol
a
Fi
nl
ân
di
a
A
le
m
an
ha
lia
Itá
gi
ca
B
él
an
ça
Fr
Po
rt
ug
al
ca
D
in
am
ar
Su
éc
i
a
0 ,0
No período 1991-2000 todos os países da UE baixaram significativamente o
peso do SPA no PIB (média da UE -4 p.p., Irlanda: -13 p.p.). Portugal é a excepção:
aumentou o peso em 7 p.p., conforme a Figura 6 documenta.
Figura 6
Peso do SPA (Despesa Total)
65,0
60,0
55,0
50,0
45,0
40,0
35,0
30,0
1986-90
1991-95
Dinamarca
1997
Portugal
1998
Irlanda
1999
Finlândia
2000
EUA
2001
UE
Excluindo Portugal da amostra, estimando a lei de Wagner – que relaciona o
peso do SPA com o nível de rendimento per capita de cada país – obtém-se que para
cada aumento em 10 p.p. na convergência para a média da UE, o peso no PIB sobe
cerca de 2-3 p.p.. Segundo esta metodologia, o peso de Portugal está pelo menos 5-9
p.p. acima do esperado. Entre nós pensa-se que a redução do peso do sector público
pode provocar um aumento do desemprego ou da pobreza no país. A Irlanda apesar de
uma das maiores reduções do peso entre os países da UE reduziu a taxa de
desemprego de 18 para 5% naquele período e é hoje já um dos países mais ricos da
UE.
Assim como em análise de curto prazo se deve usar o conceito de déficit estrutural,
no longo prazo deve usar-se o conceito de peso estrutural do SPA. De facto, a
situação de Portugal ainda é mais grave no longo prazo (no que os economistas
chamam no steady state). Devido à desorçamentação, uma parte significativa das
despesas de capital não está nestas contas. Estimamos, por comparação com os anos
anteriores, que estas andem em torno de 1,5-2 p.p.. Os juros da Dívida Pública estão
ainda abaixo da média histórica. Se tomarmos uma taxa de juro real de longo prazo de
cerca de 3 a 3,5%, isto contribui para a despesa com mais 0,5-0,7 p.p., aos níveis
actuais da Dívida Pública. Assim, estimamos que o actual peso do SPA em velocidade
de cruzeiro é de 53 a 54% do PIB . Comparado com os actuais valores dos países
nórdicos, entre os mais honestos em termos de contabilidade e gestão do sector
público, só a Suécia nos bate. Passaremos a ser o segundo país da UE em peso do
sector público, e os nórdicos estão na última década em acentuada redução.
3. Qualidade dos serviços e bens públicos (capital humano)
Um dos serviços públicos fundamentais que o Estado pode prestar é na
formação do capital humano de uma nação, que constitui o conjunto de
conhecimentos dessa sociedade. Apesar dos progressos feitos nas últimas décadas,
que permitiram aumentar o número médio de anos de escolarização da população
activa de 4 para cerca de 7 anos em finais dos anos 1990, Portugal ainda está longe de
se igualar aos países mais desenvolvidos.
Conforme se pode verificar pela Figura 6 cerca de 80% da população activa
(população compreendida entre os 25 e 64 anos de idade) tinha apenas o 9º ano de
escolaridade ou menos, sendo apenas ultrapassado pela Turquia entre os países da
OCDE6. Este é, sem dúvida, o principal obstáculo à subida da capacidade
concorrencial das empresas portuguesas.
Figura 6
Estrutura da populção activa por nível educacional
(Fonte: OECD, Education at a Glance, 1998)
Sabemos que este estado de coisas leva várias gerações a ser alterado. Estará
Portugal a fazer grandes progressos nesta área? Um recente relatório da OCDE
(Education at a Glance, 1999) coloca Portugal na média da tabela do esforço de
escolarização da população, bastante atrás, por exemplo, da Irlanda, o que não é uma
posição satisfatória dado o nosso atraso.
Outro serviço público fundamental tem a ver com a Investigação e
Desenvolvimento e a constituição de um ambiente favorável à Sociedade do
6
Ver Chart A2.1 de OECD, Education at a Glance, 2000.
Conhecimento. O mapa seguinte das regiões do conhecimento da União Europeia
(Figura 7) mostra bem o atraso de todas as regiões portuguesas em termos dos
indicadores dessa sociedade. O mapa construído pelo Observatório das Ciências e
Tecnologia classifica as regiões em 4 grupos de acordo com indicadores de I&D,
cientistas e técnicos, e publicações. As regiões a mais carregado correspondem aos
índices mais avançados. Na Península Ibérica só Madrid e Barcelona classificam ao
nível da segunda categoria.
Figura 7
As regiões do conhecimento na UE
São comuns os casos em que grandes empresas têm que fazer grandes esforços
para suprir a falta de formação técnica da mão-de-obra. A Ford-Wolkswagen tiveram
que fazer um esforço de cerca de 2 a 3 anos para formar a mão-de-obra necessária à
fabricação de automóveis. Em qualquer país desenvolvido a fábrica poderia começar
imediatamente a laborar. Segundo a sua administração, a Soporcel teve que gastar
cerca de 2 milhões de contos a formar a mão-de-obra para operar a última máquina de
fabrico de pasta de papel.
Mas apesar deste atraso no domínio técnico e científico o país poderia estar um
esforço acima da média para colmatar o gap que nos separa dos países mais
desenvolvidos. Segundo o Índice de Esforço de Desenvolvimento Tecnológico
calculado em Engenharia e Tecnologia, 2000, tal não é o caso, encontrando-se este
Índice mesmo abaixo de alguns dos países da Europa de Leste que aspiram a entrar na
UE no próximo futuro.
Mas não são só os baixos níveis de qualificação da mão-de-obra oferecida no
mercado de trabalho que importam. Em termos da afectação de recursos interessa
também considerar a eficiência da aplicação de recursos nos dois principais sectores
sociais do Estado: educação e saúde. Esse é o tema da próxima mesa redonda.
Sobre este tema, um importante estudo acabado de publicar pelo FMI recomenda
contenção de custos - o país poderia atingir os mesmos níveis de escolarização com
apenas metade dos gastos públicos, se fossem utilizados eficientemente.7
4. Qualidade e custo das infraestruturas ( comunicações, energia, entre outras)
O país tem feito nos últimos anos um enorme esforço na construção de
infraestruturas físicas, nomeadamente em estradas e auto-estradas, bem como em
infraestruturas urbanas. Este enorme progresso tem sido conseguido através das
elevadas transferências de capital da UE para Portugal dentro dos Quadros
Comunitários de Apoio.
Em termos quantitativos as infraestruturas portuguesas estão a aproximar-se
rapidamente da média europeia. Contudo, e em termos da rentabilidade relativa dos
investimentos em capital físico e em capital humano, podemos interrogar-nos se hoje
não se estará a sobre-investir no primeiro em detrimento do segundo. Repare-se que
esta afirmação não significa que se deva gastar mais em educação, tendo em vista as
observações anteriores, mas a necessidade de dar maior prioridade às reformas
estruturais e aumento de eficiência neste sector.
Outro sector em que se tem registado um progresso substancial foi no sector
das telecomunicações, onde é já hoje elevada a densidade da rede fixa, na rede móvel
o país tem uma das mais elevadas taxas de penetração da Europa, e na TV cabo e
serviços da internet existem já serviços em quantidade razoável. Já na qualidade
destes serviços ainda nos afastamos dos padrões europeus, sobretudo na qualidade das
comunicações fixas.
Mas um dos problemas que subsiste é o dos custos e preços destes serviços,
que em muitos casos estão ainda sob monopólio público ou sob regulação. Conforme
os quadros seguintes mostram, os preços destes serviços essenciais para a
competitividade das empresas portuguesas, estão entre os mais elevados da UE.
7
D. Clements, The Efficiency of Education Expenditure in Portugal, IMF Working Paper nº 99/179.
Figura 8
C us to das c hamadas te lefónicas em dive rs os paíse s da OCD E
Valo res e xp res so s e m US dó lare s, PPP d e 1996
Lo cal alargada
Int erurban a 1
Int e rurban a 2
Alugue r
1 º m in ut o 1 95 secs 1º minut o 19 5 sec s 1 º m in ut o 1 95 secs men sal
P ort ugal
0,1 2
0 ,27
0 ,28
0,8 3
0,4 6
1 ,48
14 ,7 7
OCDE-c om p .
0,0 6
0 ,18
0 ,07
0,2 4
0,0 8
0 ,27
9 ,8 1
Aust ria
0,1 1
0 ,17
0 ,29
0,9 7
0,4 6
1 ,37
11 ,4 3
Bélgica
0,1 3
0 ,13
0 ,13
0,2 7
0,2 7
0 ,67
13 ,7 3
Dinam arca
0,0 4
0 ,11
0 ,06
0,1 5
0,0 8
0 ,22
9 ,2 3
Fin lâ ndia
0,0 9
0 ,31
0 ,06
0,2 0
0,0 6
0 ,20
10 ,7 2
Fra nça
0,0 9
0 ,19
0 ,19
0,4 7
0,1 9
0 ,65
6 ,6 3
Aleman ha
0,0 5
0 ,15
0 ,15
0,4 0
0,2 5
0 ,86
10 ,4 3
Grécia
0,0 5
0 ,10
0 ,21
0,5 7
0,4 6
1 ,44
8 ,3 0
Irlanda
0,1 6
0 ,30
0 ,16
0,4 5
0,3 0
1 ,04
15 ,5 8
It ália
0,1 6
0 ,16
0 ,31
0,7 8
0,2 4
0 ,86
8 ,8 2
E span ha
0,0 9
0 ,13
0 ,22
0,4 9
0,4 0
0 ,99
9 ,7 8
Sué cia
0,0 4
0 ,14
0 ,08
0,2 5
0,0 8
0 ,26
8 ,4 6
Reino Un ido
0,0 5
0 ,16
0 ,10
0,3 4
0,1 2
0 ,40
10 ,8 5
Fo nt e : OCDE
Em 1996 os custos das comunicações em Portugal eram entre 2 a 4 vezes mais
caros do que em relação à média da UE. Embora se tenham reduzido
substancialmente estes custos, sobretudo nas distâncias mais longas, ainda subsistem
elevados sobre-custos para as empresas portuguesas. É questionável que a empresa
detentora do monopólio legal tenha investido fortemente no estrangeiro quando
deveria procurar investir na redução dos custos para os utentes nacionais.
Também no domínio da produção de energia se tem feito um notável esforço,
embora mais uma vez a qualidade do serviço ainda deixe muito a desejar, por padrões
europeus. Os custos para a indústria, segundo as estatísticas da OCDE, reduziram-se
substancialmente nos últimos anos. Apesar desta redução, em 1999 ainda estavam
cerca de 40% acima da média da OCDE (Figura 9).
Figura 9
P re ços da e l e ctr i ci da de pa ra a i n dús tri a
Em USD/k W h
1 99 1
19 95
1 99 8
19 99
Áust ria
0,06 7 0 ,0 81 0,07 8
Bélgica
0,06 1 0 ,0 68 0,05 4
Dinam arca
0,06 5 0 ,0 69 0,06 8 0 ,0 64
Fin lâ ndia
0,06 0 0 ,0 60 0,05 0 0 ,0 46
Fra nça
0,05 4 0 ,0 60 0,04 7
Aleman ha
0,08 8 0 ,1 00 0,06 7
Irlanda
0,06 6 0 ,0 66 0,06 0 0 ,0 56
It ália
0,10 5 0 ,0 93 0,09 5 0 ,0 80
Holan da
0,05 3 0 ,0 75 0,06 2 0 ,5 92
P ort ugal
0,12 8 0 ,1 22 0,09 4 0 ,0 80
E span ha
0,10 3 0 ,0 81 0,05 9 0 ,0 56
Sué cia
0,05 3 0 ,0 39 0,03 0
Reino Un ido
0,07 3 0 ,0 69 0,06 5 0 ,5 80
E UA
0,04 9 0 ,0 47 0,40 3 0 ,0 40
OCDE-E uro pa
0,07 4 0 ,0 77 0,06 6 0 ,0 58
OCDE
0,07 0 0 ,0 79 0,05 1
Rácio P ort ugal/OCDE -E uro pa 1,73 8 1 ,5 86 1,42 8 1 ,3 71
Fo nt e : OCDE , Ene rgy P rices an d T axe s, 1 99 9
5. Níveis de pressão fiscal
Até agora debruçámo-nos sobre o lado das despesas do sector público e parapúblico e o seu impacto sobre a competitividade das empresas portuguesas. Vejamos
agora os custos fiscais que as empresas têm que suportar para ter acesso a estes
serviços.
A Figura 10 dá-nos as taxas de imposto sobre os lucros mais relevantes para a
competitividade entre empresas, a partir de 2002-2003, de acordo com os anúncios
feitos de política fiscal, para os países da UE, com os adicionais locais. Como
podemos observar, só terão taxas superiores a Portugal a Bélgica e a Alemanha,
apesar da redução perspectivada para as empresas portuguesas.
Figura 10
Impostos sobre lucros (taxas normais)
45,0
40,0
35,0
30,0
25,0
20,0
15,0
10,0
5,0
0,0
Austria
Bélgic a
Dinamarca
Finlândia
França
Alemanha
Irlanda
Holanda
Portugal
Espanha
Reino Unido
Mas a avaliação da pressão fiscal sobre as empresas não se pode fazer apenas
pela taxa de imposto sobre os lucros, pois depende de uma série de factores como o
tratamento fiscal das amortizações, do reporte de prejuízos para períodos futuros, das
diferentes deduções e créditos, etc.. O conceito que permite unificar estes diferentes
esquemas é a taxa efectiva sobre o custo marginal de capital. A Figura 11 mostra esta
taxa calculada para Portugal pelo estudo de Miguel Gouveia incluído neste volume. A
taxa efectiva subiu acentuadamente a partir de 1995 tendo ultrapassado os 70% em
1999. É evidente que esta taxa poderá ser reduzida para as empresas que recebem
subsídios, mas também as empresas estrangeiras beneficiam de tais esquemas.
Embora não se disponham de cálculos semelhantes para outros países da UE para
anos recentes, aquela taxa efectiva representa um nível bastante elevado.
Figura 11
Portugal: T axa efectiva sobre custo capital
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
Também os impostos sobre os salários aumentam substancialmente os custos
do trabalho. Em primeiro lugar, a taxa de contribuição para a Segurança Social é uma
das mais elevadas da UE, conforme a Figura 12 demonstra. Também a taxa de
imposto sobre o rendimento pessoal é bastante elevado se o nível de rendimento for
corrigido com a taxa de câmbio da Paridade do Poder de Compra (Figura 14).
Reparemos que para os trabalhadores que tenham um rendimento quatro vezes
superior ao rendimento médio nacional a taxa marginal de imposto já é de cerca de
70%.
Figura 12
Contribuições para Seg. Social
4 0,00
3 5,00
3 0,00
2 5,00
2 0,00
1 5,00
1 0,00
5,00
0,00
A us tria
B élg ica
D inamarca
Finlândia
França
A lem anha
Irland a
Holand a
P ortugal
E spanha
R eino
Unido
Figura13
Imposto sobre rendimento corrigido por PPS
45,0
40,0
35,0
30,0
25,0
20,0
15,0
10,0
5,0
0,0
Austria
Bélgica
Dinamarca
Finlândia
França
Alemanha
Irlanda
Holanda
Portugal
Espanha
Reino Unido
Estas taxas elevadas estão de acordo com o elevado peso do sector público sobre o
PIB. Que reforma fiscal deveria ser implementada para poder voltar a acelerar o
crescimento económico e aumentar a situação concorrencial das empresas
portuguesas?
n A moderna teoria fiscal aconselha a reduzir as taxas de imposto marginal sobre o
trabalho e investimento e transferir a carga para o consumo
n Seguindo esta orientação, e considerando a “concorrência fiscal”, era fundamental
reduzir-se a taxa de IRC para cerca de metade e compensar a perda de receita com:
(I) melhoria da administração fiscal, (ii) corte na despesa por aumento de
eficiência, e (iii) aumento do IVA.
Estimativas ainda preliminares mostram que seria possível acelerar
substancialmente a taxa de crescimento da economia portuguesa através da
reorientação da Política de Desenvolvimento. Os vectores dessa nova política
deveriam compreender:
n
Reforma do Estado, com aumento de eficiência, e com redução do peso do SPA na
economia (contribui com cerca de 1 ponto percentual para o crescimento do PIB)
n Melhoria e maior esforço de acumulação capital humano, e desenvolvimento
tecnológico (0,8 pontos percentuais)
n Re-orientação da afectação de recursos para capital mais re-produtivo (0,3 p.p.)
n
Re-equilíbrio das restrições financeiras e baixa do nível de endividamento (0,3
p.p.)
n Promoção da competitividade das empresas, corte no “rent seeking” e “abertura”
da economia ao exterior (0,3 p.p.)
5. Conclusão
Começámos esta exposição acentuando que para a competitividade das
empresas portuguesas era essencial considerar os custos fiscais e os benefícios que
lhes advém do sector público. Vamos tentar fazer uma síntese destes aspectos através
do cálculo de um rácio de benefício e custo, utilizando os indicadores atrás expostos.
O Quadro seguinte mostra a compilação dos indicadores anteriores, em
simples médias para os custos e para os benefícios, que foram medidos num índice de
0 a 100. O índice de benefício líquido aumentou substancialmente desde 1987.
Embora o índice de benefícios tenha aumentado continuamente ao longo do período
1987 até ao presente, a subida acentuada dos custos fiscais nos últimos cinco anos
fizeram baixar o benefício líquido fiscal.
Indice de Competitividade
1987
1995
1999
74,4
92,6
79,1
57
58
72
47
67
45
70
73
70
42
53
57
35
45
36
40
50
50
45
55
55
16
13
20
17
25
20
40
35
65
60
65
63
70
75
60
30
35
31
60
67
30
80
85
40
80
90
90
80
65
60
PORTUGAL
Benefícios líquidos
Custos
Pressão fiscal
Sobre capital
Sobre salários
Benefícios
Capital humano
Quantidade
Qualidade
Indice Esforço
Investigação e Desenvolvimento
Grau de desenvolvimento
Indice esforço
Infraestruturas
Rodoviárias, portuárias, ferroviárias, aeroportuárias
Quantidade
Qualidade
Preço
Comunicações
Quantidade
Qualidade
Preço
Ambiente da política económica
Macro
Micro
A aceleração no crescimento da Produtividade Total dos Factores é essencial para a
convergência real da economia portuguesa e reequilíbrio financeiro da economia
n Para isso é necessário que apostar na I&D, capital humano e progresso tecnológico
n Aumentar a competitividade fiscal das empresas, baixando o peso do sector
público acompanhado duma reforma fiscal e modernização do aparelho estatal
O caso de sucesso da Irlanda mostra como é possível acelerar substancialmente o
crescimento em cerca de duas décadas:
n A Irlanda conseguiu-o nos anos 80 e 90. Investiu fortemente em capital humano,
abriu a sua economia ao exterior e IDE
n E reduziu o peso do sector público em 17 pontos percentuais do PIB em cerca de
20 anos!
n Passando de um PIB per capita de 62% da média da UE em 1980 para 110% em
1999
Que reformas são necessárias para melhorar a competitividade da nossa economia?
n A aceleração do processo de crescimento depende crucialmente da melhoria da
competitividade das nossas empresas através da
n Formação profissional
n Reengenharia organizacional
n Internacionalização
n Aposta na inovação e novas tecnologias
n E alterar a política económica para uma orientação pró-concorrencial e prócompetitiva
Abel M. Mateus
Lisboa, Outubro 2000.
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