Os Segredos da Produtividade por Pedro Conceição Em 1950, cada português produzia durante uma hora de trabalho um quinto do que um trabalhador norte-americano conseguia na mesma hora. Em 1999 esta diferença estava reduzida para metade. Ou seja, a produtividade horária do trabalho relativa à dos Estados Unidos aumentou em Portugal, em meio século, cerca de duas vezes e meia (Tabela 1). Porque é que a produtividade interessa? Porque, a longo prazo, o crescimento da produtividade é o elemento mais importante para o crescimento económico e para a consequente melhoria das condições de vida. A evolução do PIB per capita em Portugal, relativo ao dos Estados Unidos, seguiu sensivelmente a mesma evolução da produtividade (Tabela 2). A evolução da produtividade horária relativa à dos Estados Unidos em Portugal foi semelhante à que ocorreu na Grécia e muito mais acelerada do que a do México que, em 1999, tem o mesmo valor relativo que em 1950. O crescimento da produtividade em Portugal foi, por outro lado, menos rápido do que o que ocorreu nos “milagres” asiáticos do Japão e da Coreia e também menos rápido do que o da Espanha e da Irlanda (Tabela 1). Estas diferenças de crescimento da produtividade “pagam-se” nas assimetrias que existem no PIB per capita, mas a correspondência não é perfeita. Vê-se, por exemplo, que a produtividade relativa em Espanha em 1999 é cerca de três quartos da dos Estados Unidos (a de Portugal, relembre-se, é de cerca de metade) mas o PIB per capita em Espanha é só ligeiramente superior ao de Portugal (50% do dos Estados Unidos em Portugal face a 56% em Espanha). Contribuem para o PIB per capita dois factores. Um é a produtividade, ou seja, a eficiência com que cada trabalhador usa o seu tempo de trabalho para produzir. O outro factor é a proporção da população que trabalha, assim como o número de horas de trabalho. O que a comparação entre Espanha e Portugal em 1999 nos diz é o seguinte. A economia espanhola é muito mais produtiva que a portuguesa. No entanto, Portugal compensa a sua menor produtividade envolvendo mais pessoas da sua população em actividades produtivas (nomeadamente através de uma menor taxa de desemprego) e trabalhando mais horas. Na verdade, a taxa de desemprego em Portugal é das mais baixas da OCDE e os portugueses são dos que trabalham mais horas. Daí que, se Portugal quer continuar a crescer, não pode continuar a fazê-lo senão aumentando a eficiência da sua economia, isto é, a sua produtividade. A percepção da importância de aumentar a produtividade em Portugal está bastante difundida na sociedade portuguesa. Mais difícil é saber como fazê-lo. Recentemente, um conjunto de trabalhos académicos e um grande projecto de investigação da OCDE têm permitido perceber melhor o que caracteriza a produtividade. A novidade destes estudos recentes é que se baseiam não em dados agregados, como os que temos estado a analisar, mas em informação sobre empresas. Os resultados, por vezes surpreendentes, têm permitido desvendar alguns segredos sobre a distribuição dos níveis de produtividade entre empresas assim como sobre a evolução desta distribuição ao longo do tempo. Esta compreensão é essencial para a concepção e implementação de medidas que incentivem a aceleração do crescimento da produtividade. Um dos resultados mais robustos, e bastante surpreendente, é que há uma grande diversidade de níveis de produtividade entre empresas. Esta variação verifica-se mesmo entre empresas de um mesmo sector de actividade, numa mesma localização geográfica, e mesmo entre aquelas que partilham o tipo de bens e serviços produzidos e até os processos utilizados. Só para citar um exemplo, as diferenças entre empresas do sector automóvel num estudo internacional dos finais dos anos oitenta oscilavam entre uma produtividade máxima de 13,2 horas de trabalho por automóvel produzido e uma produtividade mínima de 78,7 horas por veículo. Mesmo que se consideram-se apenas as fábricas na América do Norte, a produtividade varia entre 18,6 e 30,7 horas de trabalho por veículo produzido. Verificou-se ainda que as empresas que hoje em dia são mais produtivas tendem a ser também as mais produtivas no futur. Note-se que se está a falar da posição relativa das empresas, no contexto da economia ou de um determinado sector. Ou seja, dizer que as empresas mais produtivas hoje serão, com maior probabilidade, as mais produtivas amanhã não implica que não haja diferenças de produtividade a nível agregado. No entanto, o que parece suceder é que as diferenças de produtividade entre empresas, para além de serem elevadas, são igualmente persistentes ao longo do tempo. Para além da dinâmica da produtividade das empresas que permancem em actividade, interessa também saber o que caracteriza a dinâmica associada à entrada e saída de empresas da economia. De facto, o estímulo ao empreendedorismo é uma medida apontada frequentemente como importante para estimular a introdução de novas tecnologias, revitalizar o emprego e acelerar a produtividade. Esta ideia é válida, mas não pelas razões que se pensa. De facto, o mecanismo através do qual o empreendedorismo contribui para o aumento da produtividade é complexo. Em geral, as empresas que encerram actividades têm produtividades inferiores à média do sector em que se inserem. Mas, por outro lado, as novas empresas que entram têm igualmente produtividades mais baixas que a média das empresas já em actividade. Vários factores contribuem para este facto. As novas empresas precisam de tempo para “aprender” (a trabalhar com as novas tecnologias, a perceber os canais de vendas e distribuição), para ganhar economias de escala, para fazer vingar as suas inovações no mercado. Embora a curto prazo este efeito combinado sugira que a dinâmica de entrada e saída de empresas tem pouco impacte a nível agregado – o que é verdade a curto prazo, até porque são relativamente poucas, proporcionalmente, as empresas que entram e saem – tal não acontece quando se toma uma perspectiva de médio prazo. As novas empresas rapidamente se dividem em dois grupos. O primeiro grupo inclui empresas de muito baixa produtividade que acabam por encerrar. O segundo grupo contém empresas que, num prazo de três a cinco anos, atingem ou superam os níveis médios de produtividade do sector. O efeito cumulativo do processo tende a ser o de aumentar a produtividade do sector e da economia. As estimativas do impacte associado à entrada e saída de empresas no aumento da produtividade agregada oscilam entre os 25% e um terço do aumento total agregado. Um outro resultado empírico importante diz respeito à natureza da relação entre o crescimento da produtividade e a dinâmica de variação do emprego. Ao nível agregado de um sector industrial, o aumento da produtividade vem associado a uma redução da intensidade de utilização do factor trabalho. No entanto, quando se analisa a dinâmica de variação de emprego ao nível das empresas a correlação entre crescimento da produtividade e redução do emprego parece desaparecer. Num estudo sobre estabelecimentos industriais nos Estados Unidos em que a produtividade cresceu entre 1977 e 1987 verificou-se que aproximadamente metade reduziram os postos de trabalho enquanto que a outra metade aumentou o emprego. Aqui ficam alguns dos segredos sobre a produtividade que podem ser tão importantes para que se pensem e executem medidas para aumentar o crescimento da nossa produtividade. Em primeiro lugar, há uma grande dispersão dos níveis de produtividade entre empresas, mesmo quando as empresas produzem produtos semelhantes com equipamentos comparáveis. Em segundo lugar, esta dispersão é persistente ao longo do tempo. Em terceiro lugar, a entrada de novas empresas e o encerramento de outras é uma importante fonte do crescimento agregado da produtividade, mas só quando se considera uma perspectiva de médio prazo: a curto prazo, as novas empresas reduzem o nível médio de produtividade. Finalmente, os aumentos de produtividade não estão correlacionados, ao nível da empresa, com dimininuições de emprego. Tabela 1 PIB por Hora de Trabalho, Estados Unidos = 100 1950 1960 1973 1987 1999 Coreia 12 .. 16 26 40 Espanha Grécia 23 20 .. .. 51 45 74 57 76 56 Irlanda 34 .. 48 67 96 Japão 16 21 48 63 74 México Portugal 30 21 .. .. 40 44 .. 47 31 53 Tabela 2 PIB per capita, Estados Unidos = 100 1950 1960 1973 1987 1999 Coreia 10 13 18 33 48 Espanha Grécia 26 22 32 31 55 51 52 47 56 46 Irlanda 40 43 46 50 79 Japão 20 36 69 76 74 México Portugal 27 22 30 27 31 45 28 43 25 50