68 A contribuição do conceito de Professor reflexivo para a

Propaganda
Número 15 – Janeiro / Junho – 2005 - ISSN 2179 5215
A contribuição do conceito de Professor reflexivo
para a formação de professores
MÁRCIA FLORIANO SILVA
Resumo
Apresentamos o conceito do professor como reflexivo, na perspectiva da melhoria do trabalho docente,
ultrapassando o termo reflexivo como adjetivo. O texto revisa a bibliografia que trata deste assunto
evidenciando as idéias de Dewey, Schön e Zeichner, como também outros autores que contribuem para
a divulgação do conceito. O texto não privilegia as questões de adequação do termo reflexivo ou as
críticas que lhe são feitas como conceito. A abordagem do conceito de professor reflexivo se faz a
partir da leitura de autores que tratam o assunto, na perspectiva de possibilidades para iluminar a
prática docente dos professores e professoras, observando que nas últimas décadas as pesquisas em
educação têm se voltado consideravelmente para a problemática do ensino e aprendizagem no ambiente
de sala de aula. Isto, não significando considerar a sala de aula como espaço isolado dos fazeres
pedagógicos. Ao contrário, a pretensão é investigar as problemáticas de ensino e aprendizagem em seu
contexto particular que é a sala de aula e no contexto geral que é a sociedade, buscando a transformação
dos dois. O conceito de reflexividade, tem sido usado por pesquisadores educacionais, formadores de
professores e educadores, para se referir às tendências da formação de professores.
Introdução
Parece repetitivo empregar o termo reflexivo para falar do professor ou professora, que como
seres humanos seriam reflexivos naturalmente, isto se consideramos o fato da reflexão ser uma
característica da natureza humana. Do mesmo modo, abordar a reflexividade como característica do
professor acabaria por não considerá-la como característica de qualquer outro profissional. Tal
afirmação seria um disparate pois, sendo esta uma condição estrita do ser humano, se todos os
profissionais, de todas as áreas são seres humanos, logo, seriam reflexivos.
Neste texto, meu objetivo não é abordar a adequação do termo, e muito menos falarei das
críticas feitas ao reflexivo como conceito. Abordarei o professor reflexivo a partir da leitura de autores
que tratam o conceito, na perspectiva de vislumbrar algumas possibilidades para iluminar a prática
docente dos professores e professoras.
Nas últimas décadas as pesquisas em educação têm se voltado consideravelmente para a
problemática do ensino e aprendizagem no ambiente de sala de aula. Não significando em meu olhar,
considerar a sala de aula como espaço isolado dos fazeres pedagógicos. Ao contrário, a pretensão é
investigar as problemáticas de ensino e aprendizagem em seu contexto particular que é a sala de aula e
no contexto geral que é a sociedade, buscando a transformação dos dois.
68
Número 15 – Janeiro / Junho – 2005 - ISSN 2179 5215
O professor, depara-se, a cada dia, com situações novas, complexas, incertas e até imprevisíveis
no ambiente de sala de aula, fazendo do ser professor um desafio permanente. É nesse contexto da
imprevisibilidade do ensino e da aprendizagem em sala de aula que o conceito de professor reflexivo se
insere.
O conceito de reflexividade, tem sido usado por pesquisadores educacionais, formadores de
professores e educadores, para se referir às tendências da formação de professores. A popularidade deste
conceito se comprova quando observamos referências escritas sobre propostas de formação de
professores que, de algum modo, incluem este conceito como elemento estruturador.
Tanto nos EUA quanto no Brasil, a partir das décadas de 1980 e 1990, o conceito de professor
reflexivo aparece como mais uma contribuição para a formação de professores. Esta contribuição
aparece com o que se tem chamado de crítica à racionalidade técnica. Entendendo-se por "racionalidade
técnica" um conjunto de conhecimentos considerados como verdadeiros sobre as ciências da educação e
do como ensinar, adquiridos nas universidades, que os professores aplicariam na prática sem se
preocuparem com o contexto, apenas procurando considerar os objetivos previamente estabelecidos.
Dentre os autores que criticam esta racionalidade técnica estão, Zeichner (1993), Elliott (1990), Nóvoa
(1992).
É necessário colocar entretanto que, nas duas últimas décadas do Século XX o conceito de
profissional reflexivo sem dúvida, teve Donald Schön como seu maior divulgador. Embora, inicialmente
Schön não tenha tratado da formação de professores, seus estudos foram fundamentados em Dewey,
que por sua vez, defendia que “a reflexão é um processo em que se integram atitudes e capacidades nos
métodos de investigação, de modo que o conhecimento da realidade surge da experiência da mesma... a
investigação, a intervenção reflexiva, aberta e sincera, na realidade configuram o pensamento criador do
ser humano apegado a realidade, mas crítico e reflexivo frente à mesma” (Peres Gómez,2000 p. 366).
Dewey, ainda conforme Perez Gómez, (2000) foi um obstinado em criticar as práticas pedagógicas para
a obediência e submissão.
Para Dewey (1953) o "pensamento reflexivo" fundamenta-se no exame ou averiguação, entre as
idéias e os fatos. Significa que toda a reflexão tem como base a experiência pessoal, a qual é tomada
com "perplexidade", "confusão" ou "dúvida". "Dewey definiu a ação reflexiva como sendo uma ação
que implica uma consideração ativa, persistente e cuidadosa daquilo em que se acredita ou que se
pratica, à luz dos motivos que justificam e das conseqüências a que conduz. (...). Reflexão é uma
maneira de encarar e responder aos problemas, uma maneira de ser professor (...). A reflexão implica
intuição, emoção e paixão; não é, portanto, nenhum conjunto de técnicas que possa ser empacotado e
ensinado aos professores" (Zeichner, 1993 p. 18). Influenciado pelas idéias de Dewey, Schön em 1983
publica The Reflective Practitioner e Educating the reflective Practitioner em 1987.
69
Número 15 – Janeiro / Junho – 2005 - ISSN 2179 5215
Estas obras contribuíram para estender e popularizar no campo de formação de professores as teorias
da epistemologia da prática, ou seja, Schon desenvolveu o que denominou de uma prática para a
reflexão, utilizando conceitos como: "conhecimento na ação" – valorização do próprio conhecimento;
"reflexão na ação" – que é o diálogo reflexivo no momento da ação, sem interrompê-la; "reflexão sobre
a ação" – retomada e reconstrução mental da reflexão na ação para análises; e "reflexão sobre a reflexão
na ação" – progressão continuada do profissional de forma pessoal. Esta perspectiva de análise da
profissão docente destaca a importância do estudo do pensamento prático dos professores como fator
influenciador e determinante da prática de ensino. Esta perspectiva de análise da profissão docente
destaca a importância do estudo do pensamento prático dos professores como fator influenciador e
determinante da prática de ensino.
O grande questionamento que se faz sobre a abordagem de Dewey e de Donald Schön é que
eles não levaram os determinantes estruturais da sociedade de classe em que vivemos em consideração,
quando propuseram o conceito de reflexividade. Kenneth Zeichner (1993) procura ampliar as pesquisas
de Schon, situando a reflexão no âmbito da prática social. Interessa-se por compreender a "maneira
como os professores aprendem a ensinar e do modo de ajudar os professores a aprender a ensinar"
(1993, p. 14). Defende que os estudos sobre o como ensinar é de prioridade dos professores, pois são
eles que convivem com tal problemática permanentemente em sala de aula e, que por esta razão, o
professor já possui de certa forma "teorias" que são tão importantes como as teorias acadêmicas sobre o
tema.
Zeichner (1993), aborda o ensino reflexivo ampliando o conceito proposto por Schon
apresentando três categorias básicas: 1ª ) O professor reflexivo olha para a sua própria prática –
"reflexão para dentro - e ao mesmo tempo para as condições sociais em que sua prática está situada –
"reflexão para fora"; 2ª) A prática reflexiva deve ser "democrática e emancipatória", levando em
consideração as decisões do professor sobre situações de desigualdades e injustiças no interior da sala de
aula; 3ª) Reflexão compromissada com a prática social. É o processo coletivo de reflexão em
"comunidades de aprendizagem" num ambiente de solidariedade, crítica, auto-crítica e fortalecimento
pessoal para as mudanças institucionais e sociais.
Diversos autores têm identificado basicamente três tipos de atitudes necessárias ao ensino
reflexivo, que como disse anteriormente, Dewey já
defendera, nos anos 30 do Século XX, “o
conhecimento dos métodos não basta , pois é preciso que exista o desejo e a vontade de os empregar”.
Zeichner, (1993), destaca quais seriam as atitudes necessárias para a reflexão: a primeira seria a
mentalidade aberta – escutar e respeitar diferentes perspectivas, ter em conta possíveis alternativas e
reconhecer a possibilidade de erro. Esta atitude obriga a escutar e respeitar as diferentes perspectivas, a
prestar atenção às alternativas disponíveis, a indagar sobre as possibilidades de erro a investigar
evidências conflituosas, procurar várias respostas para a mesma pergunta.
70
Número 15 – Janeiro / Junho – 2005 - ISSN 2179 5215
A segunda atitude para o ensino reflexivo é a responsabilidade. Trata-se de considerar as
conseqüências do trabalho planejado ou desenvolvido, tanto no curto como no médio prazo. Significa
procurar os propósitos educativos e éticos da própria conduta docente e não apenas os utilitários. A
última atitude é o entusiasmo, descrito como predisposição para questionar, curiosidade para procurar,
energia para mudar, capacidade de renovação e de luta contra a rotina.
Níveis de Reflexão
Os níveis da reflexão na prática pedagógica de acordo com Zeichner e Liston, (1987) estariam
divididos em Três níveis ou análise da realidade. O primeiro nível é a análise das ações explícitas, é a
reflexão técnica. O que fazemos e é passível de ser observado (andar na sala de aula, fazer perguntas,
motivar). O segundo nível corresponde ao planejamento e a reflexão, que é a análise do que se
observou à luz do conhecimento teórico, incluindo questões sobre a disciplina lecionada, os processos
de aprendizagem e os objetivos da escola. O terceiro nível é o das considerações éticas. A reflexão
ética/política, a análise das ações do professor e suas repercussões no contexto e sobre o modo como as
estruturas sociais e as instituições influenciam o seu trabalho.
Características de reflexividade
Geraldi, Messias e Guerra (1998) destacam as "cinco características chaves" do professor (a)
reflexivo segundo o pensamento de Zeichner e Liston: "- examinam, esboçam hipóteses e tentam
resolver dilemas envolvidos em suas práticas de aula:
a) estão abertos a respeito das questões e assumem os valores que levam/carregam para
seu ensino;
b) estão atentos para o contexto institucional e cultural no qual ensinam;
c) tomam parte do desenvolvimento cultural e se envolvem afetivamente para a sua
mudança;
d) assumem a responsabilidade por seu desenvolvimento profissional;
e) procuram trabalhar em grupo, pois é nesse espaço que vão se fortalecer para
desenvolver seus trabalhos" (p. 252 e 253).
71
Número 15 – Janeiro / Junho – 2005 - ISSN 2179 5215
Tendo como base estes apontamentos e de algumas outras leituras sobre o ensino reflexivo,
assume-se o desafio de ser de fato um professor reflexivo em sala de aula.
Korthagen e Wubbes, (2001) destacam também algumas Características do professor reflexivo:
1- Importância que confere à reflexão associada à sua capacidade de estruturar situações e problemas
relacionados coma sua prática. 2- Análise das suas práticas colocando questões a si próprio como: o que
aconteceu? Por que aconteceu? De que modo eu influenciei o que se passou? Poderia ter sido de outro
modo? 3- Identificar os aspectos em que precisa aprender incluindo predisposição para falar e escrever
sobre as suas próprias experiências. 4- Analisar a sua atuação nas suas relações interpessoais incluindo
as relações com os alunos.
Conclusões
A meu ver tanto as idéias de Dewey, Schön, e Zeichner, além de outros autores relacionados
neste texto, nos levam na direção de um professor, mais crítico, reflexivo e livre em relação às escolhas
de sua prática em oposição aquele professor marcado pela racionalidade técnica, preocupado em seguir
receitas elaboradas por outros. No meu entendimento este é o ponto principal. Entretanto, o caminho
aberto pela necessidade da reflexão como modelo de formação não é único. É óbvio que este é um
conceito passível de sofrer qualquer tipo de reducionismo. Como diz Pimenta, estes conceitos podem ser
reduzidos aos “ problemas pedagógicos que geram ações particulares em aula.”( Pimenta 2002 p. 25).
Como disse anteriormente não descarto de modo algum as críticas feitas, por outro lado, reafirmo que
as possibilidades advindas do conhecimento deste conceito são fantásticas, pois como afirma ainda neste
texto
“no reverso da crítica ao professor reflexivo e pesquisador da prática, a fertilidade desses
conceitos para novas possibilidades” (Pimenta 2002, p. 25). Especialmente para aqueles professores que
estão encarcerados em suas salas de aula, com problemas que só eles podem resolver.Se para estes
professores tais conceitos servirem de vislumbre de resposta para problemas imediatos de suas práticas,
só por isso já valeram as contribuição de Schön e Zeichner.
72
Número 15 – Janeiro / Junho – 2005 - ISSN 2179 5215
Referências Bibliográficas
DEWEY, John. Como Pensamos. 2ª ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1953.
SCHON, Donald. Educating the reflective practitioner: How professional think in action. Aldershot
Hants: Avebury, 1983.
SCHON, Donald. Educating the reflective practitioner. New York: Jossey-Bass, 1987.
KORTHAGEN, F and WUBBELS, T (1995). Characteristics of Reflective Practitioners: Towards an
Operationalization of the Concept of Reflection. Teachers and Teaching: theory and practice, 1, 1,
51 - 72
GERALDI, Corinta M. G.; MESSIAS, Maria da G. M. e GUERRA, Mirian D. S. Refletindo com
Zeichner: Um Encontro Orientado por Preocupações Políticas, Teóricas e Epistemológicas. In:
GERALDI, Corinta G. M.; FIORENTINO, Dario e PEREIRA, Elisabete M. de A . (orgs.).
Cartografias do Trabalho Docente: Professor(a) Pesquisador(a). Campinas, São Paulo: Mercado de
Letras: Associação de Leitura do Brasil, ALB, 1998.
ZEICHNER,K.E LISTON,D. Teaching student teacher to reflect. Harvard Educational Review, 1987.
ZEICHNER, Kenneth M. A Formação Reflexiva dos Professores: Idéias e Práticas. Lisboa: Dom
Quixote, 1993.
WEINS, JE LOUDEN, W. Images of reflection. Texto apresentado à conferência Anual da American
Education Research Association, 1989.
PIMENTA, Selma G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, Selma G (org.).
Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito.2 ed., São Paulo: Cortez, 2002.
PÉREZ GOMEZ, A. I. A Função e formação do professor/a no ensino para compreensão: diferentes
perspectivas. In: SACRISTAN, J. Gimeno E PÉREZ GOMEZ, A . I. Compreender e Transformar o
Ensino , Porto Alegre: ARTMED Editora, 2000.
73
Download