Caderno de Resumos

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Thomas Bustamante, Bernardo Gonçalves Fernandes,
Marcelo Cattoni de Oliveira e Élcio Nacur Rezende
Organizadores
I Congresso Internacional de Direito
Constitucional e Filosofia Política
O Futuro do Constitucionalismo:
Perspectivas para a Democratização do
Direito Constitucional
Caderno de Resumos
1st International Congress on Constitutional Law and
Political Philosophy
On the Future of Constitutionalism:
Perspectives for Democratizing Constitutional Law
Book of Abstracts
I Congreso Internacional de Derecho Constitucional y
Filosofía Política
El Futuro del Constitucionalismo:
Posibilidades para la democratización del
Derecho Constitucional
Libro de Resúmenes
Belo Horizonte
2014
I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
O Futuro do Constitucionalismo: Perspectivas para a Democratização
do Direito Constitucional
Thomas Bustamante, Bernardo Gonçalves Fernandes, Marcelo Cattoni
de Oliveira e Élcio Nacur Rezende (Orgs.)
Copyright © desta edição [2014] Initia Via Editora Ltda.
Rua dos Timbiras, nº 2250 – sl. 103-104
Bairro Lourdes
Belo Horizonte, MG
30140-061
www.initiavia.com
Editora-Chefe: Isolda Lins Ribeiro
Editora Adjunta: Renata Esteves Furbino
Editora Júnior: Lídia M. de Abreu Generoso
Revisão: autores
Diagramação: Amanda Bastos
Capa: Eduardo Furbino
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deste livro ou de quaisquer umas de suas partes, por qualquer meio ou processo, sem a prévia autorização do Editor. A violação dos direitos autorais é
punível como crime e passível de indenizações diversas.
______________________________________________________
C749 Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política (1. : 2014 : Belo Horizonte, MG)
O futuro do constitucionalismo: perspectivas para democratização do
direito constitucional / organizadores: Thomas Bustamante, Bernardo
Gonçalves Fernandes, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira, Élcio Nacur
Rezende. - Belo Horizonte : Initia Via, 2014.
480 p. – Caderno de Resumos
ISBN 978-85-64912-58-8
1. Direito constitucional - Congressos . 2. Filosofia do direito – Congressos. I. Bustamante, Thomas. II. Fernades, Bernardo Gonçalves. III.
Cattoni de Oliveira, Marcelo Andrade. IV. Rezende, Élcio Nacur. IV.
Título.
CDU: 340(061.3)
I CONGRESSO INTERNACIONAL DE
DIREITO CONSTITUCIONAL E FILOSOFIA POLÍTICA
O Futuro do Constitucionalismo: Perspectivas para a
Democratização do Direito Constitucional
Comissão Organizadora Prof. Dr. Thomas da Rosa de Bustamante (Presidente)
Prof. Dr. Bernardo Gonçalves Fernandes
Prof. Dr. Marcelo Cattoni de Oliveira
Prof. Dr. Élcio Nacur Rezende Profa. Ana Luisa de Navarro Moreira
Prof. Rafael Dilly Patrus Ludmila Lais Costa Lacerda
Christina Vilaça Brina Igor de Carvalho Enríquez
Comitê Assessor
Profa. Dra. Adriana Campos Silva Prof. Dr. André Mendes Moreira Prof. Dr. Brunello Souza Stancioli
Prof. Dr. Emílio Peluso Neder Meyer
Prof. Dr. Fabrício Bertini Pasquot Polido
Prof. Dr. Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves
Prof. Dr. Léo Ferreira Leoncy Prof. Dr. Marcelo Campos Galuppo Prof. Dr. Márcio Luís de Oliveira
Profa. Dra. Maria Fernanda Salcedo Repolês
Profa. Dra. Mariah Brochado Ferreira
Profa. Dra. Misabel de Abreu Machado Derzi Prof. Dr. Onofre Alves Batista Júnior Prof. Dr. Ricardo Henrique Carvalho Salgado
Prof. Dr. Rodolfo Viana Pereira Deivide Júlio Ribeiro Evanilda Nascimento de Godoi Bustamante Lucas Azevedo Paulino
Renato Alves Ribeiro Neto
Sumário
Apresentação .................................................................................................... 13
Presentation ..................................................................................................... 15
Presentación .................................................................................................... 17
GT1: O constitucionalismo entre a separação de poderes e a democracia
A oposição de Jeremy Waldron às ideias constitucionalistas de Ronald Dworkin
Linara Oeiras Assunção; Simone Maria Palheta Pires .......................................... 19
Novo constitucionalismo latino-americano: uma via para a legitimação do
hiperpresidencialismo nas democracias populistas
Ana Tereza Duarte Lima de Barros; José Mario Wanderley Gomes Neto ................... 22
Desjudicialização da política, resgate do papel das instâncias representativas e
fortalecimento da democracia: um estudo à luz do argumento das
capacidades institucionais Rhaíza Sarciá Bastos; Zamira Mendes Vianna .................................................... 25
Separação dos Poderes, Lealdade Institucional e Cooperação Constitucional
Raoni Bielschowsky ........................................................................................... 28
Uma defesa da relativização da teoria da nulidade dos atos inconstitucionais
Christina Vilaça Brina; Igor de Carvalo Enríquez ............................................... 31
Ratio Decidendi e Stare Decisis - estudo da força vinculante do precedente constitucional
Vera Karam de Chueiri; Lucas Henrique Muniz da Conceição ............................. 34
As Organizações Internacionais e o Paradigma Atual entre de Proteção
à Dignidade da Pessoa Humana e a Projeção Externa da Soberania
Damasceno, G. P. M. ......................................................................................... 36
O dilema da jurisdição constitucional
Álvaro Ricardo de Souza Cruz; Bernardo Augusto Ferreira Duarte ....................... 38
A Teoria da Separação de Poderes e o Princípio da Representação segundo Kant
Valter Freitas ..................................................................................................... 41
Omissão legislativa e crise entre os poderes: a Lei de Inconstitucionalidade
por Omissão deve ser alterada?
Fabiana de Menezes Soares; Pedro Augusto Costa Gontijo .................................... 43
Diálogo institucional entre poderes e afirmação da democracia participativa: a
necessária superação da dicotomia entre a supremacia judicial e a soberania popular
Clarissa Fonseca Maia ....................................................................................... 46
La justificación del control de los contenidos constitucionales
Diana Sofía Zuluaga-Vivas; César Augusto Molina-Saldarriaga .......................... 49
GT2: Teorias da interpretação constitucional
Interpretação jurídica e o uso da teoria alexyana pelo STJ
Henrique Napoleão Alves ................................................................................... 52
Interpretação constitucional e justiça no estado democrático de direito: uma
análise crítica sobre o positivismo jurídico e a interpretação do Direito em Kelsen
Gabriella Sabatini Oliveira Dutra; Rafael Faria Basile ....................................... 56
La interpretación constitucional en contextos multiculturales
Jaime Gajardo Falcón ........................................................................................ 60
Da Hermenêutica Formal à Transacional: Estudos sobre a pré-compreensão do intérprete
Rodrigo Farias .................................................................................................. 63
Interpretação Conforme e Interpretação de Acordo com a Constituição:
Precedentes do STJ e Controle Difuso de Constitucionalidade
Luiz Henrique Krassuski Fortes .......................................................................... 66
Kelsen e a teoria da interpretação constitucional Humpty Dumpty
Samuel Moreira Gouveia .................................................................................. 69
Controle de constitucionalidade e hermenêutica filosófica: entre o
substancialismo e procedimentalismo
João André Alves Lança ...................................................................................... 72
Mitologia, caracterização do Poder Judiciário e novas diretrizes para a
hermenêutica jurídica: o Juiz Hércules encontra a Juíza Penélope
Igor Suzano Machado ........................................................................................ 75
Hermenêutica filosófica e sua contribuição para a jurisdição constitucional
Cristiano de Aguiar Portela Moita ...................................................................... 78
A (ir)racional aplicação da proporcionalidade pelo STF
Fausto Santos de Morais ..................................................................................... 81
Interpretación Judicial de la Corte Constitucional Colombiana en la sentencia
C 590 de 2005, respecto de los requisitos especiales: decisión sin motivación
y desconocimiento del precedente, en contraste con el debate entre reglas y principios
Alejandra Marcela Arenas Moreno ..................................................................... 85
Derrotabilidade: Perspectivas a cerca de um novo nível de interpretação jurídica
Lucas Costa Oliveira .......................................................................................... 88
A Interpretação do Direito em Dworkin: a interpretação jurídica
como uma forma criativa de interpretação
Robson Vitor Freitas Reis ................................................................................... 91
A legitimidade metodológica da extensão material dos direitos fundamentais
Fausto Santos de Morais; José Paulo S. dos Santos ................................................ 94
Aspectos para um avanço analítico-teórico a respeito da dignidade humana
Danilo Saran Vezzani; Marco Aurélio Ferreira Caires .......................................... 98
GT3: Novas propostas de democratização do controle de constitucionalidade
A sociedade no STF – diagnóstico e perspectivas: o caso da ADPF 54
Mário Cesar da Silva Andrade .......................................................................... 103
Constitucionalismo popular e crítica à supremacia judicial: lições para o Brasil
Miguel G. Godoy ............................................................................................ 106
Litígio Estratégico no Movimento das Mulheres: instrumento de
compensação na lógica do estruturalismo jurídico?
Lívia Gil Guimarães ........................................................................................ 108
O papel construtivo das possibilidades deliberativas para legitimidade e
democratização de decisões constitucionais
Ludmila Lais Costa Lacerda ............................................................................. 110
Dissenso e democratização do controle de constitucionalidade: fundamentos para
o diálogo institucional a partir de Carl Schmitt e Chantal Mouffe
Jairo Néia Lima .............................................................................................. 113
Constitucionalismo Popular Mediado: a promessa delicada de um diálogo
social seletivo e pelo alto
Joana de Souza Machado ................................................................................. 116
Public Participation in Constitution Building Processes
Diego Andrés González Medina ....................................................................... 118
Judicial Review nos Tribunais Maçônicos
Grégore Moreira de Moura .............................................................................. 123
La legitimidad democrática de la jurisdicción constitucional y el
acceso directo de los ciudadanos al control de constitucionalidad
Jorge Ernesto Roa Roa ..........,........................................................................... 125
(I)legitimidade democrática e os critérios de composição do Supremo Tribunal Federal
Rene Sampar; Henrique Franco Morita ............................................................ 127
O dilema da conexão entre os conceitos de omissão legislativa inconstitucional
e as normas de eficácia limitada
Danielle Cevallos Soares ................................................................................... 130
Hermenêutica Constitucional: uma análise do amicus curiae à luz da
“integridade” proposta por Dworkin
Ismael Fernando P. Villas Boas Jr. ..................................................................... 132
GT4: Liberdades democráticas e suas restrições: liberdade religiosa,
liberdade de expressão e direitos análogos
Restrições na liberdade em nome da igualdade: sempre algo a se lamentar?
Jacqueline de Souza Abreu ............................................................................... 134
A intolerância religiosa às religiões afrodescendentes como forma de
violação ao direito à liberdade religiosa – uma análise a luz da decisão
na ação civil pública 0004747-33.2014.4.02.5101
Jessica Hind Ribeiro Costa ............................................................................... 137
O filtro da razão pública rawlsiana no debate entre seculares e religiosos
Franklin Vinícius Marques Dutra .................................................................... 140
O caso das biografias não autorizadas: uma análise de ponderação e
proporcionalidade à luz da teoria dos princípios de Humberto Ávila
Thais Fernandes; Tatiane Munhoz .................................................................... 142
“Hate Speech” e Estado Democrático de Direito: breves considerações
acerca da limitação à liberdade de expressão
Mariana Colucci Goulart Martins Ferreira; Alexandre Ribeiro da Silva ................ 146
What’s the political justification of the freedom of speech?
Francisco Tarcísio Rocha Gomes Júnior .............................................................. 149
A imposição jurídica da moral - Um debate entre Lord Devlin e H.L.A. Hart
Clarissa Gross ................................................................................................. 152
O ensino religioso nas escolas públicas
Lucas de Barros Peron Maciel ........................................................................... 155
Mínimo existencial e liberdades:
interfaces a partir da teoria do desenvolvimento como liberdade
Matheus Medeiros Maia; Talita Soares Moran .................................................. 157
Perspectiva alemã acerca das pesquisas envolvendo DNA Humano:
liberdade de pesquisa, direitos da personalidade e direitos patrimoniais
Vítor Carvalho Miranda ................................................................................. 160
Reflexões sobre a liberdade religiosa e o discurso de ódio no Estado Democrático de Direito
Natália Torquete Moura .................................................................................. 163
Laicidade, estereótipos e o “outro”: uma conversa com Jean Baubérot sobre o caso francês
Maria Fernanda Salcedo Repolês; Francisco de Castilho Prates ........................... 165
O direito ao esquecimento (right to oblivion)
Leonardo Netto Parentoni ............................................................................... 168
O chumbo e o discurso: Jeremy Waldron e Ronald Dworkin sobre liberdade de expressão
Leonardo Gomes Penteado Rosa ....................................................................... 170
Liberdade de expressão e democracia: pluralismo e justiça nas sociedades contemporâneas
Marina França Santos ..................................................................................... 174
A liberdade de expressão e o público infanto-juvenil
Thaís Fernanda Tenórico Sêco .......................................................................... 176
GT5: Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na
jurisdição constitucional
Legitimidade do controle de constitucionalidade no marco da separação funcional entre direito e
política: a jurisdição constitucional pode estar aberta à decisão com base em razões pragmáticas?
André Freire Azevedo ....................................................................................... 179
A separação dos poderes e a expansão da jurisdição constitucional:
uma análise da mutação do artigo 52, X, CF/88
Adriano Souto Borges ....................................................................................... 182
Julgando pelas consequências: o pragmatismo cotidiano de Richard
Posner e sua influência no processo de tomada de decisões judiciais
Mariah Brochado Ferreira; Evanilda Nascimento de Godoi Bustamante .................... 185
O pragmatismo, o Supremo Tribunal Federal e o amianto
Gabriela Miranda Duarte; Carlos Fernando Silva Ramos .................................. 188
Economic arguments and judicial review: the alternative of Neil MacCormick’s framework
Vinícius Klein ................................................................................................. 190
O princípio da eficiência na efetividade dos direitos sociais:
a inaplicabilidade da análise econômica para as decisões judiciais
Rebeca Borges Machado A. Leitão; Davi Augusto Santana de Lelis ..................... 193
A interpretação pro homine e suas perplexidades
Luís Fernando Matricardi ................................................................................ 195
Constitucionalismo e diálogo institucional: uma análise dos limites
pragmáticos e normativos da noção de ativismo judicial
Danilo Nunes Cronemberger Miranda ............................................................. 197
Separação dos Poderes, Cortes Constitucionais e o Constrangimento da Razão Pública
Rafael Bezerra Nunes ....................................................................................... 200
Uma abordagem descritiva (e suas conseqüências normativas) das relações
entre constitucionalismo e democracia
Cláudio Ladeira de Oliveira ............................................................................ 203
Em busca do verdadeiro papel da Lei Orçamentária e suas possíveis correções pela via judicial
Daniel Giotti de Paula .................................................................................... 206
Audiência pública o ‘lugar’ dos argumentos consenquencialistas
Égina Glauce Santos Pereira ............................................................................. 208
Norma fundamental como axioma de legitimação principiológica em Ronald Dworkin
Sherman Soares Silva ....................................................................................... 211
GT6: Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de
princípios internacional
O Acórdão Omega do Tribunal de Justiça da União Europeia e sua
Contribuição Teórica para a Construção de um Constitucionalismo Global
Jeison Batista de Almeida ................................................................................. 214
Red judicial interamericana y constitucionalismo multinivel
Paola Andrea Acosta Alvarado .......................................................................... 216
Sistema carcerário brasileiro e Sistema Interamericano de Proteção dos
Direitos Humanos: uma análise do caso da unidade de detenção Urso Branco
Cinthia de Cerqueira Alves .............................................................................. 218
Constitucionalismo global: novo paradigma para a proteção dos direitos humanos
Priscilla Saraiva Alves ..................................................................................... 220
A teoria jusnaturalista dos princípios de Antônio Augusto Cançado Trindade e a
sua reconstrução à luz da teoria do discurso de Jürgen Habermas
Bruno de Oliveira Biazatti .............................................................................. 223
La naturaleza como “grundnorm” e “tertium comparationis” del
“constitucionalismo global”
Michele Carducci; Lidia Patricia Castillo Amaya .............................................. 226
Memória, estigmas e compreensão do Direito Muçulmano
Marcelo Kokke Gomes ...................................................................................... 229
A aprovação da Lei Geral da Copa e a suspensão de direitos:
entrelaçamentos e interferências transnacionais na ordem constitucional
Cícero Krupp da Luz ....................................................................................... 232
A problemática de um constitucionalismo global em face da soberania dos estados
Eduardo Silva Luz .......................................................................................... 234
A Hierarquia Constitucional dos Tratados de Direitos Humanos
Incorporados ao Ordenamento Jurídico Brasileiro
Ana Carolina Rezende Oliveira ....................................................................... 237
As constituições democráticas em face de um constitucionalismo global
Frederico Antonio Lima de Oliveira; Alberto Papaleo Paes ................................. 240
Constitucionalismo global e as interações entre Direito Internacional e Direito
Interno: um olhar crítico sobre o papel dos três poderes na Constituição de 1988
Fabrício Bertini Pasquot Polido; Lucas Costa dos Anjos ...................................... 243
Os conflitos de nossa época e a exigência de uma orientação ético-política universal
Lilian Márcia de Castro Ribeiro ....................................................................... 247
O constitucionalismo de Direito internacional privado: inspiração pluralista e
tradução metodológica
Kellen Trilha Schappo ...................................................................................... 250
Constitucionalismo global, cortes e o exercício de autoridade pública internacional: redefinindo as bases de legitimidade do direito internacional contemporâneo?
Fabia Fernandes Carvalho Veçoso; João Henrique Ribeiro Roriz ......................... 253
A constitucionalização do direito internacional em face do fenômeno da “excludência”
Fernando César Costa Xavier ........................................................................... 256
GT7: A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica
A eficácia dos direitos fundamentais sociais nas relações privadas: um desdobramento do processo de constitucionalização do Direito
Marcos Felipe Lopes de Almeida ................................................................... 258
A força normativa dos princípios constitucionais e o Direito do Trabalho
Isabela Murta de Ávila .................................................................................... 260
O surgimento do Direito Ambiental na CF/88 e sua importância
Tayanná Santos Bezerra ................................................................................... 262
O instituto da separação na Constituição e no Código Civil
Laura Souza Lima e Brito ............................................................................... 265
O direito constitucional do trabalho em um estado de exceção econômico: um estudo
da proteção dos direitos sociais trabalhistas no contexto de uma sociedade da austeridade
Paulo Rogério Marques de Carvalho ................................................................. 268
Direitos Fundamentais, Democracia Constitucional e Cláusulas Pétreas: uma
análise da impossibilidade de redução da maioridade penal.
Jéssica da Rocha Marques; Richardson Hermes Barbosa Chagas .......................... 271
Estado de Direito, Democracia e Processo: a projeção dos valores democráticos no Direito
Processual e a importância da participação efetiva para legitimação de decisões-modelo
Victor Barbosa Dutra; Saelli Miranda Lages ..................................................... 275
Análise da intervenção judicial no sistema socioeducativo do estado do Rio Grande do Norte
Mariana Dias Ferreira ..................................................................................... 278
A justiciabilidade do direito fundamental social à educação
Natascha Alexandrino de Souza Gomes; Paola Durso Angelucci ..................... 281
A constitucionalização do Direito Penal: do simbolismo formal à plenitude
Luiz Laboissiere Junior .................................................................................... 284
Entre o direito e a internet: a soberania em rede
Ramon de Vasconcelos Negócio .......................................................................... 287
Elementos para uma nova compreensão constitucional da jurisdição penal
Paulo Henrique Borges da Rocha; Lidiane Mauricio dos Reis ............................. 290
Os mutirões de Habeas Corpus realizados pela DPE-BA como via de promoção de
acesso à justiça em Feira de Santana
Élida Priscila Araujo Santana .......................................................................... 292
A constitucionalização da execução penal: perspectivas de estudo e operacionalidade
da disciplina jurídica a partir de uma interpretação constitucionalizada
Adriano Resende de Vasconcelos ......................................................................... 294
GT8: História do Constitucionalismo, História Constitucional Brasileira e
Reformas Políticas
Soberania e Indecisão; notas sobre a crítica de Schmitt à Constituição de Weimar
Ingrid Oliveira de Almeida .............................................................................. 297
A pretensão do plebiscito para uma Constituinte exclusiva e soberana sobre reforma política
Bruno César Braga Araripe ............................................................................... 299
Atuação político-democrática e práxis constitucional: o poder constituinte sob
a ótica de Antonio Negri e de Friedrich Müller
Vitor Sousa Bizerril .-....................................................................................... 301
O controle de constitucionalidade no Brasil e os modelos clássicos
Edna Torres Felício Câmara ............................................................................. 304
Direito de Exceção e Normalidade em Giorgio Agamben
Andréia Fressatti Cardoso ................................................................................ 307
O debate sobre a reforma política no Brasil: realizações e alternativas
Lucas de Oliveira Gelape .................................................................................. 310
Constituinte exclusiva e soberana: uma velha ilusão sob nova roupagem
Cezar Cardoso de Souza Neto; Diego Vinícius Vieira ......................................... 313
É possível identificar um consitucionalismo antigo? A politeia e o status
civitatis como princípios organizadores da ordem política
Leonam Baesso da Silva Liziero; Matheus Farinhas de Oliveira .......................... 316
Constituinte Exclusiva para a Reforma Política: exercício legítimo da soberania popular ou golpe?
Deivide Júlio Ribeiro; Lucas Azevedo Paulino ................................................... 319
O ressurgimento do Confucionsimo Político na China: um novo constitucionalismo chinês?
Marcelo Maciel Ramos; Rafael Machado da Rocha ........................................... 322
Intributabilidade e terras remanescentes quilombolas: a interpretação constitucional na proteção dos direitos fundamentais
Guilherme De Lima Soares .............................................................................. 324
Uma nova constituinte: a necessidade de se (re)desenhar o sistema político brasileiro
Igor Campos Viana .......................................................................................... 327
GT9: Ativismo judicial e comportamento judicial
O Judicial Review e o Ativismo Judicial da Suprema Corte Americana
Estefânia Maria de Queiroz Barboza; Katya Kozicki ......................................... 330
Ativismo Judicial: Fatores e Dimensões
Carlos Alexandre de Azevedo Campos ............................................................... 335
Direitos fundamentais e a judicialização da política: implicações do ativismo
judicial no Estado brasileiro
Gabriela Nodari Fróes de Castro; Luana Amaral Prado ..................................... 338
Ativismo judicial à luz do princípio da Separação dos Poderes: Uma análise de
seus efeitos sobre a democracia no Brasil a partir do contraponto entre decisões do
Supremo Tribunal Federal e a atuação do Poder Legislativo
Aparecida de Sousa Damasceno ........................................................................ 341
The conception of judicial activism in Frederick Schauer’s formalism and a critique
Rodolfo de Assis Ferreira .................................................................................. 343
O que é um Superprecedente?
Siddharta Legale ............................................................................................ 345
Judicialização e Ativismo Judicial: o comportamento do Poder Judiciário
Isabella Oliveira Godinho; Rebeca Barbosa Andrade .......................................... 348
Teria Ronald Dworkin defendido o ativismo judicial?
Henrique Cruz Noya; Vitor Amaral Medrado ................................................... 351
O papel do Supremo Tribunal Federal na construção de uma constituição transversal:
os perigos do autismo e da expansão imperialista do direito
Edvaldo de Aguiar Portela Moita ..................................................................... 354
Hard cases: estudo do caso Natan Donadon
Barbara Brum Nery ........................................................................................ 357
O ativismo judicial como mecanismo para a efetividade do processo civil democrático
Isabela Dias Neves ......................................................................................... 363
Collegiality and deliberative democracy
Rafael Dilly Patrus .......................................................................................... 366
O problema da votação seriatim e a ADPF 132
Ana Beatriz Ferreira Rebello Presgrave .............................................................. 369
Como pensam os juízes: entre o pesadelo e o nobre sonho
Katya Kozicki; William Soares Pugliese ............................................................. 371
Justiciabilidade dos Direitos Fundamentais Sociais e Conflito de Competências
Cláudia Toledo ................................................................................................ 374
GT10: Teorias contemporâneas da Democracia
Democracia, ética e jurisdição constitucional: Legitimidade e responsabilidade
social do Supremo Tribunal Federal
Antônio Gomes de Vasconcelos; Isabela Vaz de Mello Lima e Silva Almeida ......... 377
Democracia Material – Um enfoque constitucionalista cético
Samira Costa Arcanjo; Daniel Nunes Pereira .................................................... 380
Jurisdição constitucional no Brasil: tecnologias de uma razão de Estado antidemocrática
Adalberto Antonio Batista Arcelo ...................................................................... 383
De Rashomon ao Senhor das Moscas: o processo de identificaçâo democrática
com os fenômenos da esfera jurídica
Gustavo Augusto de Bourbon; Yuri Rios Casseb ................................................. 386
Relações de reconhecimento e a infraestrutura normativa da democracia
Luiz Philipe de Caux ...................................................................................... 390
Multiculturalismo en el siglo XXI: los modelos de interculturalidad en las sociedades contemporaneas
Daniel Antônio da Cunha ................................................................................ 392
As exigências da igualdade democrática
Paulo Baptista Caruso MacDonald .................................................................. 394
A decisão majoritária é a mais justa ou a mais popular? A crise da legitimidade
democrática da jurisdição constitucional diante do conflito entre as concepções
agregativas e deliberativas de democracia
Deborah Dettmam .......................................................................................... 396
A internet como espaço deliberativo legítimo: As redes sociais podem ser um locus
de legitimidade democrática à jurisdição constitucional?
Thomas da Rosa de Bustamante; Ana Luísa de Navarro Moreira ........................ 398
Os direitos políticos dos analfabetos: o caso brasileiro e o paradigma da democracia liberal
Alexander Augusto Isac Beltrão; Marcelo Sevaybricker Moreira ........................... 401
Democracia procedimental e estado poiético: reflexões iniciais
Leonardo Antonacci Barone Santos ................................................................... 404
Democracia e justiça em Hans Kelsen: uma abordagem crítica do ideal
democrático na teoria constitucional contemporânea e no Brasil
Mariane Andréia Cardoso dos Santos ................................................................ 407
Construção e reconstrução normativa: a teoria democrática contemporânea entre
política e moral na Escola de Frankfurt
Thiago Aguiar Simim ...................................................................................... 410
Variações democráticas, emancipação de pluralidades
Agnelo Corrêa Vianna Júnior ........................................................................... 413
GT11: Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo
O constitucionalismo democrático no paradigma do Estado Democrático de Direito:
apontamentos acerca da legitimidade do direito a partir do princípio do discurso
Adamo Dias Alves ; Benedito Silva De Almeida Junior ..................................... 416
Ações afirmativas e igualdade de oportunidades: um conceito de justiça para
atores sociais em disputa
Priscila da Silva Barboza ................................................................................. 419
Justiça Política e luta pela dignidade: explorando a política do reconhecimento de Charles Taylor
Carlos David Carneiro .................................................................................... 421
Estado e locus civis versus os fundamentos político-filosófico do constitucionalismo
Miguel Ivân Mendonça Carneiro ..................................................................... 423
Teoria descolonial dos direitos fundamentais e filosofia intercultural dos direitos humanos
Konstantin Gerber ........................................................................................... 426
Críticas de Amartya Sen à teoria contratualista de John Rawls
Luíza Kitzmann Krug ..................................................................................... 428
Em defesa da democracia deliberativa: uma possível resposta de Carlos Santiago
Nino às críticas feitas por Jeremy Waldron
José Arthur Castillo de Macedo ......................................................................... 431
O Constitucionalismo moderno frente aos dilemas morais
Victor Cristiano da Silva Maia ........................................................................ 433
Uma análise sobre algumas das bases filosóficas e políticas do Processo de
(re)dimensionamento Global e Intergeracional do Direito Constitucional
Juliana Guedes Martins ................................................................................... 436
Fundamentos filosóficos do direito à vida em John Finnis
Dilson Cavalcanti Batista Neto ........................................................................ 439
Novos Direitos: aportes a partir da Filosofia da Libertação Latino-Americana
Ana Paula de Oliveira Mazoni Vanzela Paiva .................................................. 442
Revisitando a jusfilosofia de Kelsen e seu constitucionalismo
Daniel Nunes Pereira; Patrick de Almeida Saigg ............................................... 445
Contribuição da experiência literária para a neutralidade liberal
Bruno Anunciação Rocha; Galvão Rabelo ......................................................... 448
A legitimidade democrática do controle de constitucionalidade à luz da teoria de John Rawls
Mariana Oliveira de Sá ................................................................................... 451
Poder Constituinte e Fundação Contínua em Hannah Arendt
Ana Paula Repolês Torres ................................................................................. 454
GT12: O Direito Constitucional e a Política: formas de interferência da
jurisdição constitucional sobre o processo político e eleitoral
O Supremo Tribunal Federal e a utilização da hermenêutica constitucional como
meio para o seu emponderamento na arena política
Paulo Alkmin Costa Júnior .............................................................................. 456
A insurreição do “constitucionalismo político” sobre o “legal”: por que o processo
legislativo pátrio (ainda) é visto com desconfiança?
Matheus Henrique dos Santos da Escossia ......................................................... 459
Princípio da Proporcionalidade e Controle de Constitucionalidade
Lucas Costa Gonçalves ..................................................................................... 462
O cabimento dos embargos infringentes na Ação Penal 470: legitimidade da jurisdição
constitucional no espaço democrático
Cristina Sílvia Alves Lourenço; Maurício Sullivan Balhe Guedes ........................ 464
Construcción deliberativa de una dogmática constitucional del procedimiento
parlamentario: El caso colombiano
Leonardo García Jaramillo ............................................................................. 467
A pressão judicial nos casos de omissão legislativa e a ausência de vontade política:
uma introdução à necessidade do diálogo entre os poderes
Karina Denari Gomes de Mattos ...................................................................... 470
Two Levels of Social Rights: A Democratic Justification of Judicial Review
Leticia Morales ............................................................................................... 473
A aplicação judicial do direito na Suprema Corte: o jogo do colegiado
Paula Pessoa Pereira ........................................................................................ 475
O Supremo Tribunal Federal no combate à deformação do processo político e
eleitoral e a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung)
Williana Ratsunne da Silva Shirasu; Camile Araújo de Figueiredo ..................... 478
Apresentação
O I Congresso Internacional em Direito Constitucional e Filosofia Política, promovido pelos Programas de Pós-Graduação em
Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Faculdade Dom Helder Câmara, traz como tema “O Futuro do Constitucionalismo e a Democratização do Direito Constitucional”.
O evento se insere no contexto de internacionalização dos Programas de Pós-Graduação em Direito da UFMG e da Escola Superior
Dom Helder Câmara, buscando refletir criticamente sobre os sistemas
de jurisdição constitucional existentes no direito comparado e analisar
os fundamentos políticos e morais do controle de constitucionalidade.
Adotam-se como pano de fundo as críticas à jurisdição constitucional recentemente desenvolvidas por filósofos do direito e filósofos
políticos como Jeremy Waldron, Mark Tushnet e Richard Bellamy,
que colocam em xeque a legitimidade das cortes constitucionais por
desconfiar da premissa liberal de que elas constituiriam um “foro
privilegiado” para deliberação sobre questões morais e argumentos
fundados em princípios.
Pretende-se examinar, no Congresso ora proposto, os argumentos
encontrados na filosofia política e jurídica contemporânea para se estabelecer uma ética deliberativa para as cortes constitucionais e para o desenvolvimento de reformas políticas-institucionais para redefinir a função e a configuração das cortes constitucionais. Nesta última seara, as
contribuições dos Plenary Speakers convidados buscarão definir uma
espécie de modelo ideal de equilíbrio e cooperação entre os poderes,
em busca da legitimação do discurso sobre os direitos fundamentais.
Serão analisados, ainda, alguns modelos recentemente adotados
por sistemas jurídicos estrangeiros, cuja experiência pode ser um indicador razoável para avaliar recentes propostas de “enfraquecimento” do sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, com o
fito de estabelecer um “diálogo institucional” com o poder legislativo.
14 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Finalmente, serão expostos também os argumentos em defesa
da jurisdição constitucional e os elementos políticos, morais e institucionais capazes de fortalecer a função representativa e deliberativa
das Cortes Constitucionais e, em particular, do Supremo Tribunal
Federal Brasileiro.
A Comissão Organizadora
Presentation
The First International Congress on Constitutional Law and
Political Philosophy, organized by the Centre of Graduate Research
Studies in Law of the UFMG (Federal University of Minas Gerais)
and the Centre of Graduate Research Studies in the Dom Helder
School of Law, has as central theme “On the Future of Constitutionalism and the Democratization of Constitutional Law”.
The event is part of the internationalization plans of the Centre
of Graduate Research Studies in Law of the UFMG and of the Centre of Graduate Research Studies in Law of the Dom Helder School
of Law. It aims to reflect in a critical way about the systems of judicial
review found in Comparative Law and to analyze the moral and political foundations of judicial review.
The background of the event is constituted by the critics to
constitutional adjudication raised by legal and political philosophers
such as Jeremy Waldron, Mark Tushnet and Richard Bellamy, who
challenge the legitimacy of constitutional courts and no longer support the liberal assumption that these courts are a special forum for
deliberation about moral issues and principled arguments.
We intend to examine, in the Congress, the arguments found
in contemporary legal and political philosophy to establish a deliberative ethics for constitutional courts and for the development of
institutional and political reforms with a view to redefining the role
and the configuration of constitutional courts. In this context, the
contributions of the Keynote Speakers aim to define a sort of an
ideal-type for the equilibrium and the cooperation of powers, with
the aim of legitimizing the discourse about rights.
We will analyze, furthermore, some models recently adopted by foreign legal systems, the experience of which can be a reasonable indicator
to assess ongoing proposals to “weaken” the Brazilian system of judicial
review, in order to enhance the “institutional dialogue” with the legislature.
16 • 1st International Congress on Constitutional Law and Political Philosophy
Finally, the Congress will also expound the arguments in defense of judicial review and the moral and political aspects that claim
to be capable of providing a representative function for the Constitutional Courts.
Organizing Commission
Presentación
El 1er Congreso Internacional de Derecho Constitucional y Filosofía Política, auspiciado por los Programas de Posgrado en Derecho
de la Universidad Federal de Minas Gerais (UFMG) y de la Escola
Superior Dom Helder Câmara, lleva como tema “El futuro del constitucionalismo y la democratización del Derecho Constitucional”.
El evento está inserido en el contexto de internacionalización de
los Programas de Postgrado en Derecho de la UFMG y de la Escuela
Superior Dom Helder Câmara, buscando pensar críticamente acerca
de los sistemas existentes de jurisdicción constitucional. Usándose
herramientas del derecho comparado, intentaremos hacer un análisis
sobre los fundamentos políticos y morales de la revisión judicial.
Adoptaremos como base las críticas al Tribunal Constitucional
recientemente desarrolladas por algunos filósofos del derecho o filósofos políticos, como Jeremy Waldron, Mark Tushnet y Richard
Bellamy. Ese pensamiento desafía la legitimidad de los tribunales
constitucionales por la desconfianza de la premisa liberal de que habría en esos tribunales un “ foro privilegiado” para la discusión sobre
cuestiones morales y argumentos baseados en principios.
En el Congreso se propone la revisión de los argumentos encontrados en la filosofía política y jurídica contemporánea, estableciendo
una ética de deliberación a los tribunales constitucionales. Intentamos enfocar en el desarrollo de políticas y reformas de las instituciones para redefinir la función y la configuración de los tribunales constitucionales. En este último punto, las aportaciones de los ponentes
plenarios buscarán definir un tipo de modelo ideal de equilibrio y
establecer líneas de cooperación entre los poderes en la búsqueda del
discurso legítimo de los derechos fundamentales.
Se analizarán más detenidamente algunos modelos recientemente adoptados por algunos sistemas jurídicos de varias partes del mundo, cuya experiencia puede ser un lastro para evaluar las propuestas
recientes acerca del “ enflaquecimiento “ del sistema brasileño de re-
18 • I Congreso Internacional de Derecho Constitucional y Filosofía Política
visión judicial. Para eso, tenemos como objetivo crear caminos para
un futuro diálogo institucional con el Poder Legislativo.
Por último, también expondremos los argumentos en defensa
de la jurisdicción constitucional y los elementos políticos, morales e
institucionales capaces de fortalecer la función representativa y deliberativa de los Tribunales Constitucionales concentrándonos, en
particular, en el Supremo Tribunal Federal de Brasil.
El Comité Organizador
A oposição de Jeremy Waldron às ideias
constitucionalistas de Ronald Dworkin
Linara Oeiras Assunção
Doutoranda em Direito (UFMG). Professora do Curso de Direito da
UNIFAP. Brasil. Email: [email protected].
Simone Maria Palheta Pires
Doutoranda em Direito (UFMG). Professora do Curso de Direito da
UNIFAP. Brasil. Email: [email protected].
Este estudo tem por objetivo discutir o raciocínio jurídico de
Waldron e Dworkin a acerca do constitucionalismo e da democracia
constitucional, e, especificamente, a oposição do primeiro ao segundo, pois para Waldron as ideias constitucionalistas defendidas por
Dworkin são antidemocráticas e ineficazes porque pretendem se justificar a partir de princípios preexistentes, que, na verdade, possibilitam ao Poder Judiciário uma verdadeira intervenção legislativa.
Neste sentido, Waldron acredita que a democracia só pode ser
alcançada por meio da noção de auto-governo, devendo os próprios
cidadãos serem os responsáveis pela legitimidade de suas escolhas,
através de uma formação representativa, que inclui as minorias, respeita a participação igualitária e pressupõe a capacidade de autonomia entre todos os membros da sociedade.
O autor acredita que a interferência do Poder Judiciário no âmbito de inovação das decisões legais fere toda a estrutura de separação
dos poderes intrínseca ao modelo de Estado Democrático. Critica o
ativismo judicial e a ampliação dos poderes jurisdicionais além do seu
âmbito de atuação, descrevendo o caráter democrático do Poder Legislativo como o mais eficiente na aplicação dos interesses da sociedade.
Em oposição a Dworkin que defende um julgamento moral dos
juízes com base em princípios constitucionais pré-estabelecidos, Waldron defende um direito sem a interferência de julgamentos morais,
20 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
apoiado unicamente na legalidade, que ele entende ser a única maneira de se atingir a democracia.
Há um positivismo latente em Waldron, ao criar uma ideia de
“positivismo normativo”, que induz à imprescindibilidade de textos
normativos condutores das decisões judiciárias, que devem aplicá-los
sem que existam influências morais.
Enquanto Dworkin reitera a coerência interpretativa necessária
às respostas a casos específicos, com solução aparentemente difícil,
Waldron admite que as divergências são o único meio de se alcançar
uma produção normativa e só a partir desta pode ser construído um
raciocínio democrático.
Ademais, Dworkin defende uma interpretação integrativa, capaz de garantir uma coerência ao texto normativo, por meio do respeito aos seus precedentes e a uma teoria de princípios fundamentais
que constituem a base da pirâmide normativa.
Waldron defende uma democracia deliberativa, com predominância do Poder Legislativo na construção normativa. Já Dworkin
defende um modelo de democracia pautado na supremacia constitucional e sua influência em todo o ordenamento jurídico via controle
de constitucionalidade.
Dworkin, diferentemente de Waldron, entende que abandonar
todas as questões de uma comunidade nas mãos do Poder Legislativo
denota um demasiado poder a um órgão tão passível de influências
políticas e exclui o Poder Judiciário da responsabilidade de equilibrar os Poderes, assegurando a garantia dos interesses da coletividade,
função essa que só se torna possível pela proteção dos direitos fundamentais nos tribunais constitucionais.
Contudo, Waldron lembra que tanto o Poder Legislativo quanto Poder Judiciário são influenciados pelos interesses da maioria, uma
vez que o caráter decisório de ambos se baseia em questões procedimentais sujeitas à falibilidade.
Dworkin critica, também, o que ele chama o “ponto de vista da
intenção de locutor” que se baseia na compreensão de que o juiz, ao
aplicar uma lei que não seja clara, deve descobrir qual a intenção do
O constitucionalismo entre a separação de poderes e a democracia • 21
legislador, ou seja, deve fazer um exercício de raciocínio que o fará
retroagir a gênesis da história legislativa. Critica esse ponto de vista
apresentando o que denomina de “método de Hércules”.
Hércules é uma personagem criada pelo próprio Dworkin, que
representa um juiz quase perfeito em sua atuação. Diz o autor que
diante da aplicação de uma lei obscura, o juiz deverá levar em consideração que o Parlamento, como o autor anterior a ele na cadeia criativa do direito, tem poderes e responsabilidades diferentes dos seus, e
fundamentalmente, vai reconhecer seu próprio papel de colaborador,
que continua a desenvolver o sistema legal iniciado pelo Parlamento,
levando em conta o contexto de aplicação da lei.
Dworkin avança para afirmar, com base na distinção entre regras e princípios, que as teses positivistas são insuficientes para uma
interpretação em que o juiz descubra qual a decisão correta para cada
caso em análise e que a hermenêutica jurídica é um exercício de interpretação construtiva da prática social.
Assim, conclui-se que Dworkin aponta deficiências que julga
inerentes à deliberação parlamentar, sustentando a maior participação alcançada com a decisão judicial e que Waldron faz o contra
ponto a partir do reconhecimento de que os indivíduos podem atuar
de maneira imparcial, deliberando sobre seus direitos, mas também
sobre o bem comum. Por esses motivos, cabe o apoio à Waldron e
à sua crença na possibilidade de uma deliberação parlamentar séria,
tudo em nome da manutenção do Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: Constitucionalismo. Democracia Constitucional.
Poder Legislativo. Poder Judiciário.
Novo constitucionalismo latino-americano: uma via para a
legitimação do hiperpresidencialismo nas democracias populistas
Ana Tereza Duarte Lima de Barros
Graduanda do curso de Bacharelado em Direito e bolsista de Iniciação
Científica (PIBIC) da Universidade Católica de Pernambuco – Brasil. E-mail:
[email protected].
José Mario Wanderley Gomes Neto
Professor da graduação em Direito da Universidade Católica de
Pernambuco. Mestre em Direito e doutorando em Ciência Política pela
Universidade Federal de Pernambuco – Brasil. E-mail: [email protected].
O populismo não é um fenômeno recente na América Latina. Podemos separar os momentos populistas em três: o dos velhos
populistas, o dos populismos neoliberais e o das novas expressões
contemporâneas do populismo (FREIDENBERG, 2007). Nesses três momentos podemos destacar, como denominador comum
para caracterizar o populismo, a concentração de poderes nas mãos
do presidente e a consequente supressão das instituições, sobretudo
do Congresso, que perde sua capacidade de fazer contrapeso ao
Executivo, o que termina por mitigar a separação de poderes.
As novas expressões do populismo surgiram, no final da década
de 90 e início do século XXI, com os governos de Hugo Chávez na
Venezuela, de Evo Morales na Bolívia e de Rafael Correa no Equador.
Nesses governos podemos destacar a tensão entre a inclusão política
e o ataque às instituições democráticas (FREIDENBERG, 2011: 9).
As lideranças populistas costumam surgir em momentos de
profunda crise institucional. Na Venezuela, Bolívia e Equador os
cidadãos não se sentiam representados pelos partidos políticos, de
forma que resolveram eleger políticos que não pertenciam a nenhum
dos partidos tradicionais. Estes líderes, uma vez eleitos, passaram a
incluir pessoas e grupos sociais que antes estavam excluídos do sistema. Contudo, seu discurso é “radical e polarizador, excludente da
O constitucionalismo entre a separação de poderes e a democracia • 23
oposição partidária, de alguns meios de comunicação de massas e daqueles setores da cidadania que criticam seu projeto político” (FREIDENBERG, 2011: 9).
Assim, tanto Chávez, quanto Morales, como Correa, integraram os excluídos se utilizando de um estilo de liderança populista
(FREIDENBERG, 2007), que se caracteriza “pela relação direta e
paternalista entre líder-seguidor, sem mediações organizativas ou institucionais”, que polariza a sociedade, uma vez que de um lado está
“o povo”, do outro, “os outros” (FREIDENBERG, 2011: 9).
Dessa maneira, embora haja quem creia que o populismo aprofunda a democracia ao incluir os setores antes excluídos, a verdade
é que, nas democracias populistas, “o líder está por cima das regras,
por isso não necessita preocupar-se pelo Estado de Direito nem pelas
instituições” (FREIDENBERG, 2011: 10).
Classificar o tipo de regime existente nesses países vem sendo
uma tarefa complexa para as ciências sociais. Contudo, é importante destacar que nenhuma das principais classificações feitas, como
a que o enquadra como sendo um regime “híbrido” (DIAMOND,
2002; MORLINO, 2004; DIAMOND; MORLINO, 2005), nega
a existência de um regime democrático, pelo contrário, o que essas
classificações buscam é “explicar os elementos que indicam o grau de
distanciamento da democracia ou que se transformaram em déficit
em algum de seus aspectos” (PACHANO, 2009: 234-235). Para fins
desse trabalho, o regime populista existente nesses países é considerado como uma forma diminuída da democracia.
Por fim, as lideranças populistas também mudam as regras do
jogo (FREIDENBERG, 2011: 10). Da tentativa de mudar as regras do
jogo nasceram as Assembleias Constituintes convocadas na Venezuela,
Bolívia e Equador para criarem novas Constituições, seguindo a linha
doutrinária constitucional que Roberto Viciano Pastor e Rubén Martinez Dalmau chamaram “novo constitucionalismo latino-americano”.
Foi feita uma análise comparativa entre as Constituições recentes e antigas desses países no que diz respeito aos poderes conferidos ao chefe do Executivo. Utilizando-se as variáveis trabalhadas por
24 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Mainwaring e Shugart (1993: 204) para medir os poderes presidenciais, quais sejam, poder de veto total, de veto parcial, de decreto, de
iniciativa legislativa exclusiva, de iniciativa orçamentaria e de proposta de referendo, - em que cada uma dessas variáveis foi valorada de 0
a 4, onde 0 seria considerado um poder fraco, e 4, um poder muito
forte -, chegou-se à conclusão de que essas novas Constituições acentuaram bastante os poderes legislativos do presidente.
O princípio da separação de poderes é o fundamento das democracias presidencialistas. O novo constitucionalismo latino-americano aceita e promove a mitigação desse princípio sob a falsa justificativa de que através desses referendos promovidos pelo Executivo se
escutará a vontade do poder constituinte. Contudo, é evidente que o
poder constituinte, ao eleger seus legisladores, já está demonstrando
sua vontade, uma vez que o Parlamento é o representante direto dos
cidadãos e, portanto, é ele quem deve convocar a cidadania para decidir a respeito de mudanças constitucionais, não o Presidente.
A adoção de mecanismos da democracia direta por uma Constituição deve ser acompanhada por uma descentralização do poder,
não de uma concentração de poderes em torno da figura presidencial.
Dessa maneira, conclui-se que o novo constitucionalismo latino-americano reforça o hiperpresidencialismo característico das democracias populistas, uma vez que, ao promover o uso recorrente a instrumentos da democracia direta, busca, na realidade, legalizar a vontade
soberana do líder através da apelação direta às massas.
Os líderes populistas sabem que suas iniciativas legislativas, em ordem a aumentar seu poder, correriam o grave risco de não serem aprovadas pelo Congresso. É por isso que, apelar diretamente ao “povo” é a
maneira perfeita e ideal de ver sua vontade soberana legitimada.
Desjudicialização da política, resgate do papel das
instâncias representativas e fortalecimento da democracia:
um estudo à luz do argumento das capacidades
institucionais.
Rhaíza Sarciá Bastos
Acadêmica do oitavo período de graduação em Direito e participante do
programa de iniciação científica em Pensamento Constitucional Contemporâneo
pelas Faculdades Integradas Vianna Júnior, Juiz de Fora – MG. Tradutora do
artigo “On the concept and the nature of Law”, de Robert Alexy, em parceria
com o doutorando Bruno Stigert, in: Tratado de Direito Constitucional, Volume
I: Constituição, Política e Sociedade, de coordenação de Felipe Asensi e Daniel
Giotti, Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. ISBN 978-85-352-5414-3. Apresentação
e publicação do artigo: “Acesso à Justiça e a Excessiva Judicialização das
Pretensões Resistidas”, in: III Simpósio Interdisciplinar de Sociologia e Direito
da Universidade Federal Fluminense, 2013, Niterói. PPGSD-UFF. ISSN 22369651, n.3, v. 3, 2013. v. 3. p. 218-237. [email protected]
Zamira Mendes Vianna
Possui graduação em Direito pelas Faculdades Integradas Vianna Júnior
(2004), pós-graduação em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas
– FGV (2007) e mestrado em Teoria do Estado e Direito Constitucional
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC - Rio (2010).
Atualmente é professora nas Faculdades Integradas Vianna Júnior nas disciplinas
Introdução ao Estudo do Direito e Direito Constitucional. É revisora do
periódico Vianna Sapiens. [email protected]
Dentre as mudanças decorrentes do fenômeno do neoconstitucionalismo, tem-se destacado, tornando-se recorrente no debate
constitucional brasileiro, a judicialização da política e das relações
sociais, o que provoca um considerável deslocamento de poder do
âmbito dos poderes constituídos - Legislativo e Executivo -, para o
Judiciário. Há quem defenda esse comportamento sob o amparo de
argumentos acerca da ineficiência das demais instituições. Há ainda,
aqueles que se oponham ao esquema decisório no âmbito do Poder Legislativo, que perpassa pelo debate, deliberação e pelo voto de
26 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
maioria dos parlamentares, o que não implicaria na expressão dos
verdadeiros anseios dos representados sobre questões relevantes para
a vida em comunidade. Há, por derradeiro, os defensores do ativismo
judicial, que sustentam seu posicionamento na descrença geral existente quanto aos representantes, o que, por sua vez, autorizaria a tomada de decisões por uma instituição que originalmente fora criada
para aplicar o Direito. Na contramão dessas ideias, a crítica que se
faz a essa ênfase no Judiciário consiste justamente no caráter antidemocrático desta instância. Isso se dá porque as decisões judiciais não
são legitimadas pelo voto popular, diferentemente da atuação dos
outros dois poderes, cujos representantes são eleitos pelo voto direto.
Ademais, o tecnicismo inerente à atividade jurídica provoca a inacessibilidade do debate na arena do Judiciário. Insta consignar, ainda,
que as decisões nos órgãos colegiados do Judiciário também perpassam pela regra da maioria, e que, portanto, o que se constata é uma
mera mistificação do Estado-juiz, já que não se trata de diferença de
método decisório entre as esferas legiferante e as instâncias judiciais.
Diante desse cenário, torna-se imperiosa a busca por propostas de
resgate do Poder Legislativo em nosso desenho institucional com o
fim precípuo de buscar o fortalecimento do regime democrático e
garantir maior segurança jurídica. Este trabalho tem como objetivo
trazer ao debate a grande relevância e singularidade do argumento
das capacidades institucionais, nos moldes de Sunstein e Vermeule,
como medida de definição dos limites de alocação de poder entre as
instituições, de maneira a proporcionar a decisão mais acertada a cada
caso. A operacionalidade dessa teoria encontra-se, precipuamente, no
seu afastamento de uma dimensão do ideal, na medida em que leva
em conta as limitações das instituições e de seus atores. À luz deste
argumento, que é o ponto de referência de toda a pesquisa, discute-se
a necessidade de se recuperar a dignidade da legislação, como ferrenhamente defendido por Jeremy Waldron, por meio do processo deliberativo dos Parlamentos, realocando para arena legislativa o debate
acerca dos desacordos morais razoáveis. O trabalho desenvolve a noção
da utilidade do argumento das capacidades institucionais, sobretudo,
O constitucionalismo entre a separação de poderes e a democracia • 27
como forma de se esclarecer a importância do tratamento adequado do
processo decisório dentro do arranjo institucional de sociedades plurais
modernas, como a brasileira, como forma de se aprimorar o modelo
democrático utilizado, tendo como fundamento a soberania popular.
Palavras-chave: desjudicialização da política – capacidades institucionais – dignidade da legislação – democracia.
Separação dos Poderes, Lealdade Institucional e
Cooperação Constitucional
Raoni Bielschowsky
Doutorando em Filosofia do Direito pela Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais, bolsista CAPES; mestre em Ciências
Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; bacharel
em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Brasil. rmabiel@
hotmail.com
“Para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder limite o poder”, a clássica frase do Barão
de Montesquieu no Espírito das Leis retrata uma das construções teóricas mais influentes da cultura política do ocidente: que as funções
do Poder estatal devem ser distribuídas, repartidas e institucionalizadas em poderes autônomos que mutuamente se controlam através
da faculdade de estatuir e da faculdade de impedir. O triunfo político
desta construção pode ser reconhecido desde a gênese do constitucionalismo, quer a realidade Norte Americana – com todas suas peculiaridades e desenhos jurídico-políticas – quer no constitucionalismo
europeu continental – já, inicialmente, no art. 16 da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão em França.
Fato é que com a complexidade da dinâmica política; com os
desdobramentos da teoria dos freios e contrapesos; com a intensificação das relações de interdependências e, mesmo, das zonas cinzentas
de interseção entre as competências dos poderes constituídos; com
o avanço da estrutura constitucional, passando historicamente, com
especial relevância, pela criação e reconhecimento de instrumentos
de controle jurídico de constitucionalidade; por muitas vezes vê-se
no Estado um ambiente de verdadeira guerrilha institucional1, que,
por sua vez, fomenta um ambiente de insegurança e incerteza intraestatal. Os desdobramentos dessa atmosfera de tensão são muitos que
O constitucionalismo entre a separação de poderes e a democracia • 29
vão desde a ambígua inflação das instituições até a tão proclamada
crise de representatividade.
Assim, sendo, há de se refletir sobre qual força terá a capacidade
de sustentar e integrar o Estado evitando e contornando as crises geradas pelas tensões entre os três constituídos? Quem ou, melhor dito,
o que garantiria a ordem, harmonia e equilíbrio entre esses poderes,
bem como, a unidade (em pluralidade) política do Estado? Uma resposta a essas perguntas é encontrada em Karl Loewenstein quando
afirma que “com o tempo se foi demonstrando que este propósito
é mais bem atendido pela articulação dos limites que a sociedade
desejaria impor aos detentores do poder na forma de um sistema de
regras fixas – a ‘constituição’ – limitando o exercício do poder político desses detentores. A constituição, então, se tornou o instrumento
básico para o controle dos processos de Poder”2.
Portanto, mais que um poder que controle outro poder – formulação que, sem dúvida, continua sendo chave para a composição do
Estado de Direito –, o arranjo do constitucionalismo pretende que
a normatividade (força normativa da Constituição) controle o Poder
como um todo. Nesse sentido Hesse, por exemplo, trata da necessidade de uma vontade de Constituição que é necessária a todos os cidadãos, especialmente aos atores dos poderes constituídos3. E é nesse
sentido que um dos elementos necessários à própria estrutura constitucional de separação dos poderes é aquilo que Canotilho chama
de lealdade institucional.
Esse conceito compreende duas dimensões, sendo uma positiva e outra negativa. A primeira consiste na mutua cooperação entre
os diversos órgãos do Estado, concorrendo para realizar os objetivos
constitucionais e promovendo o funcionamento do sistema de governo. Enquanto isso, a dimensão negativa da lealdade institucional
pode ser identificada pelo dever dos titulares do Poder respeitar-se
mutuamente, não criando – s arbitrariamente – óbices ao exercício
das competências alheias, renunciando a práticas de guerrilha institucional e abuso do poder. Nessa linha, os principais efeitos da lealdade
institucional desdobram-se em três sentidos: enquanto elemento de
30 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
interpretação, enquanto fonte de deveres e adstrições e enquanto limite ao abuso de poderes4.
A partir dessa construção vale a reflexão sobre a necessidade e
a possibilidade de uma cooperação constitucional – que é inerente ao
próprio Estado Democrático de Direito – a partir de uma deontologia
política, fundada no respeito dos agentes e das instituições para com
a coisa pública, desde um apurado sentido da responsabilidade no
Estado e de respeito ao princípio republicano.
Notas
1
Gomes Canotilho e Vital Moreira, Os poderes do presidente da República, Coimbra, Coimbra Editora, 1991. p. 71.
2
Loewenstein, Political Power and the Governmental Process, 2 ed. Chicago, The
University of Chicago Press, 1965, p. 123.
3
Hesse, A força normativa da constituição, Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris
Editor, 1991, pp. 19.
4
Jaime Valle, O Princípio da Lealdade Institucional nas relações entre os poderes públicos – alguns aspectos gerais, Direito & justiça, Loures, n. 1, p.- 62-72, out./dez. 2012.
Uma defesa da relativização da teoria da nulidade dos
atos inconstitucionais
Christina Vilaça Brina
Mestranda em direito pela Faculdade de Direito da UFMG, Bolsista
CNPQ, Brasil, [email protected]
Igor de Carvalo Enríquez
Mestre e Doutorando em direito pela Faculdade de Direito da UFMG,
Bolsista FAPEMIG, Brasil, [email protected]
O sistema jurídico brasileiro adota o controle de constitucionalidade em duas modalidades: o concreto e o abstrato. No primeiro, a
análise de constitucionalidade da norma é realizada de forma conjugada à aferição de direito subjetivo ou interesse legítimo cuja tutela
jurisdicional dela dependa. Sua finalidade é verificar a aplicação da
norma constitucional no caso concreto, possuindo efeitos, a princípio, limitados e inter-partes. Já no segundo modelo, busca-se aferir
a constitucionalidade da norma objetivamente, desvinculando-se
processualmente de qualquer direito subjetivo e de situação conflitiva concreta. O controle abstrato é, portanto, mecanismo processual
voltado unicamente à análise da compatibilidade constitucional da
norma dentro do sistema jurídico, tendo caráter erga omnes.
Com o passar do tempo, a doutrina brasileira, contudo, vem flexibilizando essa separação tradicional. Isso porque, apesar de existir uma divisão
formal entre estes dois tipos de controle de constitucionalidade, verifica-se
na prática uma miscigenação de ambos. É possível citar como exemplo, a
aplicação erga omnes dos efeitos de decisão de controle incidental, prática
que disseminou-se em tempos recentes e tornou impossível a afirmação
que o controle concreto se limita ao caso concreto. Hoje, faticamente, não
se nota qualquer separação quanto a origem da ação ou impedimento da
produção de efeitos atrelado ao modo de controle. Nesse sentido, ambos
os modelos se mesclam na prática constitucional de modo a impossibilitar
a implementação de visões estanques advindas do direito comparado ou
mesmo analisar qualquer um dos modelos separadamente.
32 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Todavia, mesmo mecanismos que fomentam a relativização dos
modelos tradicionais, como a técnica de efeitos prospectivos adotada
pelo STF para modular temporalmente os efeitos de suas decisões,
são pensados a partir da teoria da nulidade dos atos inconstitucionais. Essa concepção, que tem origem no sistema abstrato, prega a
nulidade do ato inconstitucional, sendo que qualquer norma julgada
como incompatível com a constituição é imediatamente retirada do
ordenamento, sendo declarada nula. Essa nulidade teria natureza absoluta, sendo comparada ao ato inexistente.
Embora alguns autores relativizem essa visão, havendo um entendimento pela invalidade, e não pela inexistência da norma por
desconformidade com regramento superior, no caso dela desatender
requisitos impostos pela constituição1, tal abordagem se mostra em
conflito com a lógica inerente ao uso de precedentes vinculantes.
Isso porque no controle de constitucionalidade concreto, típico do
common law, não há uma preocupação com a nulidade, mas com a
incompatibilidade, sendo estranho defender a extirpação de qualquer
norma do ordenamento sem a anuência do processo legislativo.
Assim, mesmo onde existe um controle de constitucionalidade
mais forte, como na Suprema Corte norte-americana, a prática comum é declarar uma norma inválida e retirar seus efeitos, sendo que a
negação de sua existência não é posta em questão. O precedente que
declara uma norma inconstitucional pode, inclusive, ser revertido por
decisão futura, criando a situação fática na qual a norma antigamente
tida como inconstitucional, volta a produzir efeitos. A Suprema Corte
norte-americana tem a faculdade de ressuscitar leis anuladas, por terem
sido declaradas inconstitucionais, retirando-as do plano teórico e reimplementando-as no campo normativo ordinário2.
Esse retorno, apesar de cercado por uma série de condições fáticas que nem sempre se materializam, como a mudança de entendimento da corte a respeito de seus próprios precedentes, demonstra
a incompatibilidade do uso de precedentes vinculantes no âmbito
constitucional com a visão da teoria da nulidade dos atos inconstitucionais em seu caráter absoluto da nulidade. A impossibilidade de
O constitucionalismo entre a separação de poderes e a democracia • 33
retorno daquela norma ao plano do direito válido seria, assim, um
cerceamento do poder da corte adaptar seu entendimento a mudança
política ou social e corrigir um erro histórico. A afirmação que a casa
legislativa deve produzir uma mesma lei em sentido contrário, usada
por muitos que defendem uma suposta primazia do parlamento e a
desnecessidade de abandono da visão tradicional sobre a nulidade
absoluta da norma em questão, desconsidera a essência do processo
legislativo e simplifica o valor intrínseco a uma decisão democrática
específica tomada em determinado momento histórico.
Destarte, é possível questionar a legitimidade moral das Cortes
Constitucionais terem a prerrogativa de retirar do ordenamento jurídico leis votadas por representantes do poder legislativo. Embora
estas leis possam ser reconstruídas em sua integralidade por legisladores interessados em fazê-lo, cada uma das duas normas supostamente idênticas representa um aspecto democrático específico que só
pode ser modificado pela indicativa do poder legislativo do presente
em relação à sua contraparte do passado. Qualquer tese defensora
da nulidade absoluta, e consequente retirada do sistema jurídico da
norma inconstitucional, não representa apenas uma problematização
da produção de efeitos em termos temporais, mas a violação da própria autonomia dos poderes Legislativo e Judiciário em modificar seu
entendimento, dentro de seus procedimentos específicos.
Defende-se aqui, portanto, a necessidade de produção de mecanismos de compatibilização que passem pelo abandono de visões ortodoxas a respeito da nulidade da norma tida como inconstitucional,
dando-lhe mais flexibilidade em relação a sua natureza temporal e modificável, ao mesmo tempo em que garanta o respeito à segurança jurídica e à autonomia de cada poder em realizar suas atribuições legais.
Notas
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito
brasileiro. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 13.
2
SARLET, Ingo; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de
Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 1023.
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Ratio Decidendi e Stare Decisis - estudo da força
vinculante do precedente constitucional
Vera Karam de Chueiri
Professora associada de direito constitucional do departamento de
direito público da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná
(nos programas de graduação e pós-graduação em Direito) e vice-diretora da
Faculdade de Direito. Coordena o Núcleo de Constitucionalismo e Democracia
do PPGD.
Lucas Henrique Muniz da Conceição
Aluno de graduação em Direito pela Universidade Federal do Paraná,
vinculado ao Núcleo de Constitucionalismo e Democracia como pesquisador da
graduação no programa de PIBIC, orientado pela professora Estefânia Maria de
Queiroz Barboza.
Ao exercer a função de guardião da Constituição Federal brasileira, o STF cria precedentes vinculantes que devem ser seguidos
por todos os tribunais inferiores, entretanto a falta de respeito aos
mesmo cria uma grande insegurança jurídica, bem como violação do
princípio de igualdade.
Os precedentes seriam todas as decisões judiciais, que possuem
em si um princípio de direito. GOODHART afirma que enquanto
a decisão concreta vincula as partes, a razão abstrata que embasou a
decisão judicial (a ratio decidendi) tem a força de vincular todos os
sujeitos de direito e futuros casos.
Destarte, se apresenta de suma importância a necessidade de
meios viáveis e concretos para o estabelecimento do que venha a ser
a ratio decidendi. GOODHART prescreve que a ratio pode ser definida pelo levantamento e distinção dos fatos do caso que o juiz utilizou para fundamentar sua decisão (fatos materiais) e aqueles que não
foram considerados pelo mesmo (fatos imateriais). Deve-se buscar
aquilo que o juiz considerou relevante no momento que proferiu sua
decisão e analisar as analogias entre esses fatos e aqueles presentes no
caso a ser vinculado pelo precedente.
O constitucionalismo entre a separação de poderes e a democracia • 35
No presente trabalho, se busca esmiuçar o precedente, utilizando das teorias e pesquisas dos doutrinadores da Common Law, com o
intuito de melhor compreender o sistema da stare decisis e da norma
jurídica criada pelo trabalho hermenêutico do magistrado. Para tal,
analisaremos o que são os precedentes judiciais e a stare decisis no
contexto da Common Law britânica e americana, de que forma eles
vinculam os magistrados, e por fim como essa doutrina se alinha com
as práticas recorrentes do STF.
Os tribunais brasileiros não conseguem se adaptar à nova norma jurídica explicitada pelo Supremo. O teor dos precedentes, assim
como a sua real força vinculativa, deve ser analisado, para um verdadeiro conhecimento da norma jurídica imposta, o que deve ser
feito a partir de sua ratio decidendi. Para tal, buscou-se aprofundar a
doutrina da stare decisis e da descoberta da ratio decidendi, por meio
da doutrina do Common Law britânica e estadunidense. Por fim,
justificar-se-á de que forma essa doutrina se alinha com as práticas
recorrentes do STF.
Palavras-Chave: Ratio Decidendi, Precedentes, Supremo Tribunal
Federal, Common Law, Stare Decisis.
As Organizações Internacionais e o Paradigma Atual
entre de Proteção à Dignidade da Pessoa Humana e a
Projeção Externa da Soberania
Damasceno, G. P. M.
Graduando do curso de Direito das FIPMoc, Brasil,
[email protected]
Introdução: Nas últimas décadas, as transformações na política mundial foram drásticas, alterando o ambiente no qual as Organizações Internacionais atuam. Este novo quadro é composto pelo
desenvolvimento da consciência em relação aos problemas sociais, de
natureza global, fome, educação e, inclusive, a propagação de organizações internacionais. Por conseguinte, estas organizações se constituem
em um tema em constante mutação, gerando um debate sempre mais
intenso entre os especialistas do direito. Objetivo: O objetivo deste
trabalho foi analisar os precedentes históricos e a área de atuação das
Organizações Internacionais com foco na promoção dos direitos humanos e a evolução do conceito de Bodin da soberania estatal, com
enfoque nos fundamentos da República Federativa do Brasil. Metodologia: Para atender ao propósito desse trabalho, utilizou-se como
opção metodológica a revisão bibliográfica de doutrinas e artigos dos
principais autores brasileiros que tratam de Direito Constitucional,
Direito Internacional Público (material e processual) e Direitos Humanos, e da análise sistemática da Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988, valendo-se da investigação de tratados e convenções
internacionais onde o Brasil se adere a Organizações Internacionais
Universais. Resultados: Da análise de resultados percebe-se que a importância dos Direitos Humanos, e em especial da dignidade da pessoa
humana, tem levado os Estados a assumirem responsabilidades através
de tratados internacionais que regulam que o indivíduo tenha seus direitos respeitados por todos, contra o Estado e contra os particulares.
Conclusão: Conclui-se que as Organizações Internacionais adquiri-
O constitucionalismo entre a separação de poderes e a democracia • 37
ram paulatinamente um nível elevado de independência em suas ações,
gerindo-se sem a interferência dos Estados que, a initio, criaram-nas.
Essa independência alcança a definição de suas prioridades, suas ideias,
persuadindo, inclusive, países subdesenvolvidos, o que gera o desafio
de se compreender as suas ações.
Palavras-chave: Organizações Internacionais. Direitos Humanos.
Dignidade da Pessoa Humana. Soberania. Direito Constitucional.
O dilema da jurisdição constitucional
Álvaro Ricardo de Souza Cruz
Procurador da República em Minas Gerais. Mestre em Direito Econômico
e Doutor em Direito Constitucional, Professor da Graduação e da Pós-Graduação
da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Vice-Presidente do Instituto
Mineiro de Direito Constitucional. Membro do Instituto de Hermenêutica
Jurídica/MG. Brasil. E-mail: [email protected]
Bernardo Augusto Ferreira Duarte
Assessor da Procuradoria da República de Minas Gerais. Especialista em
Direito Constitucional pelo Instituto de Educação Continuada (IEC), Mestre em
Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerias, Professor
de Direito Constitucional e Introdução ao Estudo do Direito do Instituto
Metodista Izabela Hendrix. Brasil. E-mail: [email protected]
A discussão sobre a devida dimensão da jurisdição constitucional não é nova. Em pauta desde o embate Jefferson/Madison, pelo
menos desde o século passado ela encampa controvérsias entre interpretativistas e não interpretativistas, substancialistas e procedimentalistas, “teóricos” e pragmatistas. Atualmente, entretanto, suas “novas
dimensões” parecem advir dos argumentos neoformalistas de Sunstein e Vermeule, das objeções morais/pluralistas de Waldron e, ainda,
da proposta dos diálogos interinstitucionais de Hubner Mendes. Por
detrás de todas essas temáticas, no entanto, encontra-se a mesma (e
antiga) questão referente a se (ou até que ponto) seria devido um
controle jurisdicional de constitucionalidade das leis. Assim, tanto
antes quanto agora, encontram-se face a face defensores do passivismo
e do ativismo jurisdicional. Seria possível transcender esse debate? Seria possível ir além de “tudo isso”? No Brasil, uma resposta minimamente convincente demanda uma rápida retrospectiva. No final da
década de 1980, com o término da Ditadura Militar, diversos juristas
nacionais passaram a defender o ativismo jurisdicional como uma
saída para a consolidação da força normativa e do potencial emancipacionista da Constituição Federal (Constitucionalismo da Efetivida-
O constitucionalismo entre a separação de poderes e a democracia • 39
de). Esse discurso, rapidamente, tornar-se-ia ainda mais sofisticado,
graças à defesa do emprego de técnicas ponderativas, provenientes
da jurisprudência dos valores alemã, como forma de “depurar” a jurisdição constitucional brasileira. Daí em diante, guiados por pensadores do escol de Bonavides, Barroso e Clève, a maioria dos juristas
nacionais passaria a enxergar o princípio da proporcionalidade como
um método argumentativo infalível para solucionar dilemas surgidos
no âmbito da jurisdição constitucional. Essa tendência seria ainda
mais fortalecida pela adoção quase generalizada de pressupostos conceituais provenientes da teoria alexyana. No final dos anos 1990, a
adesão a essa vertente de pensamento indicava, segundo muitos, um
“sinal de avanço” em relação ao formalismo jurídico e ao juspositivismo contemporâneo. Entretanto, havia também quem noticiasse os
excessos dessa corrente. Em Minas Gerais, pelo menos desde 1992,
uma corrente minoritária no constitucionalismo nacional passou a
noticiar e criticar os problemas da concepção majoritária. Pautada
principalmente nas teses de Habermas, Günther e Dworkin, a Escola
Mineira do Direito se opôs à defesa do ativismo judicial, sem, contudo, propugnar um retorno ao passivismo. A objeção central contra a
tese majoritária era a de que o seu emprego conduzia à desnaturação
do discurso jurídico, transformando-o em política. Contra o livre
trânsito argumentativo no interior dos discursos jurisdicionais, defendia-se o emprego apenas daqueles argumentos que tivessem passado pelo filtro do princípio democrático. O problema é que também
essa vertente crítica agarrou-se demasiadamente às suas verdades, cultivando um dogmatismo que contrariava seus próprios pressupostos.
Isso conduziu a academia brasileira a um diálogo de surdos, em que
muitos falavam, mas poucos verdadeiramente escutavam. Apenas em
2005, quando os resultados do ativismo começaram a vir à tona, os
adeptos da vertente majoritária se deram conta da necessidade de um
recuo. Só então as “novas dimensões” da jurisdição constitucional
chegaram ao Brasil, conduzindo o discurso ironicamente na direção
do passivismo. De um lado, sob forte influência da “virada institucional” defendida por Sunstein e Vermeulle, a Escola Fluminense passou
40 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
a admitir uma postura mais deferente dos julgadores diante das decisões técnicas do Legislativo e do Executivo. A isso, agregou a temática
dos standards, na tentativa de racionalizar as ponderações judiciais.
O recuo, de outro lado, foi também alimentado pelo ceticismo waldroniano em relação ao judicial review. À luz dessa perspectiva, é
possível encontrar pensadores que se mostram dispostos a defender
uma jurisdição constitucional fraca no Brasil. Essa fraqueza, dizem
estes, decorreria da ampliação do quórum exigido para a declaração
de inconstitucionalidade das leis, e, ainda, da criação de uma “fronteira” para o debate de certas decisões políticas em sede jurisdicional.
Finalmente, há também juristas que apostam nos diálogos interinstitucionais como uma opção para um aprimoramento da democracia.
O controle jurisdicional de constitucionalidade, sob essa perspectiva,
produz uma resposta provisória, sempre aberta à possibilidade de revisão decorrente de leituras advindas do Legislativo. Nesse diapasão,
há quem compactue inclusive com a criação de um “mecanismo contra-controle”, nos moldes canadenses, a fim de fortalecer o diálogo
entre o Judiciário e o Legislativo. Eis os “novos ares”, que nos causam um misto de estranheza e surpresa. A estranheza se deve não ao
confronto com o difer(a)nte, mas à percepção de que, novamente,
estamos na contramão da tendência que começa a se consolidar. A
surpresa, por outro lado, revela-se a partir da constatação de que há,
aqui, “vinhos velhos em odres novos”. Não é apenas possível ir além
dessas temáticas. É necessário! Existem muitas coisas propositalmente esquecidas pelo “novo debate”. Il y a muita coisa encoberta! Eis
o ponto que pretendemos abordar. Se a busca por uma sociedade
verdadeiramente democrática perpassa pela devida dimensão da jurisdição constitucional, parece-nos que há ainda muito a ser dito...
Palavras-chave: Jurisdição; Constitucional; democrática; Ativismo;
Passivismo.
A Teoria da Separação de Poderes e o Princípio da
Representação segundo Kant
Valter Freitas
Graduado em Direito e Filosofia, graduando em história, especialista em
direito administrativo e filosofia política, mestrando em filosofia política pela
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) – Paraná – Brasil.
E-mail: [email protected]
A teoria de governo, pensada por Kant, pode ser considerada
uma síntese de diversas doutrinas políticas iluministas que surgiram
no contexto dos estados despóticos. Seu propósito foi pensar uma
forma de governo que impedisse o abuso de poder por parte do soberano. Com esse intuito, Kant agrega em sua teoria de Estado pelo
menos três elementos de correntes diversas, a saber: a existência dos
direitos naturais (teoria jusnaturalista), a separação dos poderes (teoria da divisão dos poderes) e a vontade geral como fundamento do
poder legislativo (teoria democrática ). O Estado que reúne essas características, segundo Kant, é o Estado liberal, que se manifesta por
meio de um governo republicano. No entanto, para ele governo republicano não é sinônimo de governo democrático. Explica o filósofo
que há duas formas de classificar um Estado: a primeira se estabelece
com base no número de pessoas que governam e a segunda no modo
de governar. Como desdobramento da primeira classifcação temos
três tipos de governo: governos autocráticos ou monárquicos (governo de um só), aristocráticos (governo de alguns) e democráticos
(governo de todos). O segundo critério, que faz referencia à forma
como estes governam, traz a lume dois tipos de governo: despótico
ou republicano. Se exercem o poder de forma arbitrária, atuando
em vista de interesses próprios, então são considerados despóticos,
mas se governam de forma legal, agindo em atenção aos interesses do
povo, recebem o atributo de republicano. Nesta forma, vige o princípio da separação dos poderes, naquela, vige a concentração arbitrária
42 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
dos poderes em um único governante. Por isso, no Estado despótico
o soberano concentra todos os poderes, legislando, julgando e executando as leis, enquanto no governo republicano, prevê Kant, o poder
aparece tripartido em legislativo, judiciário e executivo. Seguindo
nessa ótica, nota-se que não há contradição entre o republicanismo
e a monarquia, pois é possível uma monarquia republicana (autocracia). Esta seria a boa forma de governo, enquanto que a má, nesse
caso, seria a monarquia despótica. Da mesma forma pode-se falar de
uma aristocracia republicana. A democracia (direta), ao contrário das
demais, é considerada, para Kant, como necessariamente despótica,
posto que há uma confusão entre os poderes legislativo e executivo.
Aliás, o pensador alemão não acredita na democracia direta, pois,
para ele, nem todos são cidadãos plenos e esclarecidos suficientemente para opiniar politicamente. O representante do povo, ao contrário, seria escolhido entre os melhores e, “iluminado” por um razão
plena, governaria como se todos (considerando um povo de madura
razão) pudessem dar assentimento aos seu atos. Por isso, o princípio
da representação é muito caro ao filósofo alemão que tem repusla ao
modelo de democracia direta ateniense e de outro lado nutre admiração à monarquia republicana. Por fim, deve-se mencionar ainda
que Kant não aceita a ideia de uma tripartição de poderes como um
sistema de freios e contrapesos, no qual um poder poderia restringir
a atuação de outro, nos moldes pensados por Montesquieu. Nesse
sistema, acredita o filósofo de Konigsberg, haveria o perigo de uma
concentração de poderes, pois um dos poderes poderia interferir indevidamente no outro e usupar suas funções. Deste modo, pode-se
afirmar que a teoria da separação de poderes de Kant prevê uma separação absoluta entre os poderes e que o povo só poderia participar
politicamente por meio de seus representantes, jamais diretamente.
Palavras-chave: República. Tripartição de poderes. Princípio da Representação. Kant.
Omissão legislativa e crise entre os poderes: a Lei de
Inconstitucionalidade por Omissão deve ser alterada?
Fabiana de Menezes Soares
Doutora em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora
associada da Faculdade de Direito da UFMG, Brasil.
Email: [email protected].
Pedro Augusto Costa Gontijo
Graduando em Direito Pela Universidade Federal de Minas Gerais. Brasil.
Email: [email protected].
A omissão legislativa em relação ao adensamento e regulamentação de normas constitucionais de eficácia limitada é um dos grandes
entraves para a fruição de direitos e garantias fundamentais, bem como
para a construção de um sistema normativo sólido, coerente e coeso.
Nesse sentido, o presente trabalho tem a finalidade de discutir o vigor,
a eficácia e a efetividade do mandamento jurisdicional que declara a
mora legislativa no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade por
Omissão e, por conseguinte, avaliar se a processualística desse instrumento de acesso jurisdicional deve ser modificada no que diz respeito
aos efeitos e consequências da decisão emanada pelo judiciário.
A análise qualitativa das ADO em trâmite, e das já extintas, no
âmbito do STF, é indispensável para se constatar quais os tipos de
matéria que têm sido negligenciadas pelo legislador, como a sua inércia tem evoluído ao longo da consolidação do regime democrático
pós Constituição de 1988 e se a jurisdição constitucional tem sido
respeitada por parte do Poder Legislativo.
Assim, a inserção do Apelo ao Legislador como elemento indissociável do dispositivo jurisdicional que declara a omissão legislativa
é de extrema importância para que este ganhe imperatividade e cogência no âmbito de seus efeitos. Ao mesmo tempo, deve-se estipular
a possibilidade de se impor consequências a partir do momento em
que o Poder Legislativo não cumpre o prazo estipulado pelo órgão
44 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
jurisdicional constitucional, de modo que a sentença que declare
a mora tenha características essências de uma norma jurídica, tais
como a cogência, imperatividade e sanção.
Não há que se falar, diante da decisão do órgão jurisdicional, de
invasão de competência ou sobreposição das funções típicas de cada
um dos Poderes do Estado. O que defenderemos nesse trabalho é
que a relação entre os Poderes deve ser vista de maneira complementar, não segmentada, pois suas atribuições não podem ser dissociadas
de suas finalidades dentro de nossa ordem constitucional como, por
exemplo, o dever de servir aos indivíduos, preservar, defender e densificar os comandos constitucionalmente plasmados.
Dentro dessa perspectiva, as ações constitucionais que instrumentalizam a verificação de existência da omissão legislativa devem
servir como ponte dialógica entre os Poderes Republicanos, de maneira a possibilitar a efetivação do Estado Democrático de Direito
com a implementação de mecanismos que deem maior porosidade
ao processo decisório e que tenham como critério a asseguração de
influência dos envolvidos e afetados na conformação e observância
do provimento jurisdicional que declara a mora legislativa.
A pesquisa também aborda a evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no que diz respeito aos efeitos provenientes
da decisão jurisdicional. A razão disso é relativa ao fato de que ao
analisar os julgados em sede de ADO no âmbito do STF, temos que
as decisões foram ganhando características cada vez mais ricas e com
o intuito de fortalecer a cogência das mesmas.
Com a edição da Lei 12.063/2009, alteradora da Lei 9.868/99
que dispõe sobre o processo e julgamento das ADI e ADC, houve a incorporação em nosso ordenamento da processualística da ADO que,
contudo, colocou como efeito da decisão (art. 12-H da Lei 9.868/99)
tão somente a declaração da mora e a ciência ao Poder Legislativo,
negligenciando-se em relação à figura do Apelo ao Legislador e de
outras hipóteses que pudessem potencializar os efeitos do decisum
no sentido de torná-lo obrigatório para que determinada lacuna seja
colmatada da maneira mais adequada e rápida possível.
O constitucionalismo entre a separação de poderes e a democracia • 45
Diante disso, vemos como salutar a modificação da lei de ADO
para que o instituto possa cumprir sua função com a eficiência que
lhe é requerida. Este posicionamento vem no sentido de elucidar que
a declaração da mora legislativa e o apelo ao legislador não podem ser
vistos como ingerência entre os poderes, mas como forma de complementar e construir uma relação interinstitucional que tenha como
escopo a preservação da normatividade da própria Constituição.
Diálogo institucional entre poderes e afirmação da
democracia participativa: a necessária superação da
dicotomia entre a supremacia judicial e a soberania popular
Clarissa Fonseca Maia
Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza,
doutoranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza, professora
efetiva da Universidade Estadual do Piauí, Instituto Camilo Filho, Universidade
de Fortaleza, bolsista do programa CAPES/PROSUP.e-mail: clarafonsecamaia@
hotmail.com
A Constituição Federal de 1988 consagra um extenso rol de direitos fundamentais em perspectivas abstencionistas e prestacionais.
Pode-se afirmar que o entendimento acerca da efetividade e normatividade dos preceitos constitucionais aliados a uma concepção de
cidadania inclusiva que foi fomentada nas experiências pós-redemocratização, é que lançam um novo olhar sob a perspectiva de realização dos direitos fundamentais.
Observa-se, pois, a existência de um arcabouço normativo garantista que se desenvolve em uma expectativa objetiva, geral e inspiradora
para o funcionamento do estado, da política e das relações sociais. Esse
fenômeno tem um cunho universal e se desenvolve nas esteiras do que
se proclama de judicialização da política com variáveis comuns, tais,
como: a institucionalização de uma ordem democrática; um sistema
de orientação vigente na opinião pública- que concede uma maior
respeitabilidade e legitimação ao judiciário-; uma consciente delegação de responsabilidade do poder legislativo ao judiciário em matérias
fortemente controversas; e conjunturas políticas que manifestam uma
ineficiência do governo e das instituições de representação majoritária.
Diante desse cenário, observa-se o judiciário como a instancia
mais referencial de estado. É como se a ideia republicana de estado
e contrato social só funcionasse em relação ao judiciário. Os demais
poderes se enquadrariam em um sentido negativo de “política”, pois
O constitucionalismo entre a separação de poderes e a democracia • 47
a crise de representatividade os desqualifica, fazendo com que a confiança da sociedade seja depositada justo em relação ao órgão que não
tem vinculação com a soberania popular.
A pesquisa revela no que diz respeito ao poder legislativo o seu
gradativo desprestígio perante a opinião pública e, em decorrência
disso, sua desqualificação sumária no embate com os demais poderes,
notadamente, em relação ao judiciário.
A questão que se estabelece na atualidade é, pois, calcular o custo da primazia do judiciário na expectativa de realizações de direitos.
Investiga-se quais são os danos causados ao Estado Democrático de
Direito, diante das decisões oriundas dessa hipertrofia do judiciário.
O artigo inclina-se pela defesa da abertura de diferentes caminhos de investigação e da insistência de que o pensamento e interpretação doutrinária e judicial, não sejam fins em si mesmos, mas apenas
instrumentos a serviço de objetivos humanos valorizados. Assim,
propugna-se a investigação de novas perspectivas teóricas que questionem a primazia do judiciário na pauta de efetivação de direitos
fundamentais e no domínio da ultima palavra sobre questões essenciais do estado e da sociedade.
Desta forma serão objetos de estudo dois projetos de emenda
a Constituição nos quais se apresenta claramente uma via de reação
do parlamento em relação ao protagonismo judicial. Tratam-se da
PEC n. 03/ 2011 na qual se reafirma a função normativa primária
do legislativo, ampliando a possibilidade de utilização do decreto legislativo (art. 49, V da Constituição Federal) para sustar atos normativos secundários que exorbitem de suas atribuições, incluindo a
direção desta ação também ao judiciário; e da PEC n. 33/2011 que
sugere profundas mudanças sobre o controle de constitucionalidade
firmado em uma concepção branda de jurisdição constitucional, ao
que parece inspirado na tendência de “auto-restrição” que vem sendo
adotado em alguns tribunais constitucionais, a exemplo do empregado pela Constituição Canadense de 1982.
Intenta-se, especialmente, verificar se a PEC 33/2011 guarda
consonância com as propostas alternativas de controle de constitu-
48 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
cionalidade que visam afastar a supremacia judicial e que vem provocando diversos debates acadêmicos- doutrinários sob a dicção de
teorias do diálogo, que defendem o debate contínuo, paralelo, de
qualidade argumentativa e interlocução institucional entre o legislativo e o judiciário, sem negar a jurisdição constitucional, mas superando a denunciada primazia da ultima palavra pelo judiciário.
Portanto, o artigo investiga na proposição de reforma constitucional as possíveis conexões entre os poderes do estado, bem como o diálogo
deste estado com a população emancipada que participa do processo
decisório e assim, concilia legitimidade, legalidade e estabilidade jurídica.
A metodologia utilizada é bibliográfica e jurisprudencial, pura,
qualitativa, descritiva e exploratória. Como resultado, verifica-se que o
judiciário, antes técnico, passa a atuar motivado pela decisão de realizar
os direitos inerentes à cidadania inclusiva e à dignidade humana. Pontua-se, entretanto, à necessidade de equalizar a pauta constitucionalista
com a soberania popular, por meio de diálogo entre as funções estatais.
Palavras-chave: jurisdição constitucional; teoria do diálogo institucional; democracia participativa.
La justificación del control de los contenidos
constitucionales
Diana Sofía Zuluaga-Vivas
Abogada, estudiante de Maestría en Derecho, con énfasis en filosofía del
derecho constitucional.
César Augusto Molina-Saldarriaga
Abogado, especialista en derecho administrativo, magíster en diseño del
paisaje, Docente interno asociado e investigador de la Universidad Pontificia
Bolivariana, sede Medellín-Colombia.
El Poder Constituyente es una categoría epicéntrica del discurso
constitucional. Fundamenta la teoría democrática, situando al pueblo como protagonista político, encargado de definir las formas de
ejercicio de la dominación y el contenido de los derechos, en la
medida en que es el órgano que legitima todas las fuentes de poder;
como bien lo plasmo Emmanuel Sieyès, en su panfleto “Que es el
Tercer Estado” (Sièyes, [1789]-1945), que circuló en Francia durante
la época de la Revolución.
En las Constituciones actuales, que surgen como manifestación
solemne y escrita de aquel Poder Constituyente, este le atribuye a
unos órganos constituidos la potestad de garantizar la integridad y
la supremacía de los contenidos Constitucionales. De esta manera
no solo quedan plasmados los valores, principios y derechos, sino
también la estructura de representación y de separación de poderes.
En este marco de la separación de poderes, y siguiendo los postulados de (Ferrajoli, 2008), la clásica división de poderes resulta insuficiente para abarcar las diversas manifestaciones políticas y normativas
de los regímenes democráticos actuales. Las ramas convencionales del
poder público pareciesen insuficientes para cubrir todas las funciones
político-administrativas y de garantía que en la actualidad todo Estado Constitucional debe garantizar.
50 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Se identifican pues, dos esferas de los contenidos constitucionales en relación con los poderes públicos. De un lado, la esfera de
la indecidible, definida como todo aquello que, incluso en las democracias, está vedado a la voluntad de las mayorías. De otro lado, la
esfera de lo decidible, que se corresponde con el espacio obligado de
decisión (Ferrajoli, 2008). Ambas se refieren tanto al poder púbico
como al privado, y son simétricas y complementarias. Así, se refieren
al Estado y al mercado, dado que en el Estado de Derecho –Estado Constitucional de Derecho- no hay poderes absolutos. Y ambas
permiten identificar la esfera discrecional de la política y la esfera de
sujeción al orden jurídico (Ferrajoli, 2008).
En este sentido, la relación de los poderes públicos en un modelo de estado simple es insuficiente para explicar su régimen de competencias y legitimidad. Esto en la medida en que este modelo ya
no garantiza la separación de funciones, la colaboración armónica y
el control recíproco; entregando así importantes funciones al poder
ejecutivo (Ferrajoli, 2008), y ha impedido efectivos mecanismos de
control político a este poder en los regímenes presidencialistas.
De esta forma resulta posible entender por lo menos dos fenómenos. En primer lugar, las relaciones entre la rama ejecutiva y legislativa
se soportan en la con-división y coordinación de competencias, y no
propiamente en el control (Ferrajoli, 2008). Y en segundo lugar, las
funciones de garantía requieren mayores niveles de independencia.
Por ello la esfera de lo indecidible requiere poderes de control,
representados por el poder judicial y cuya legitimidad está determinada por la sujeción al orden jurídico. Por su parte, la esfera de lo decidible, sometida a la discrecionalidad política, está en manos de los
poderes de representación –legislativo y ejecutivo-, cuya legitimidad
está determinada por la representación democrática. Así, si ambos –
los poderes de control o garantía y los poderes de representación- son
distintos, ambos deben de ser separados e independientes. Los de
poderes de representación han de estar orientados a la satisfacción
del interés general; y los poderes de control han de estar orientados al
interés particular, en un enfoque de derechos humanos.
O constitucionalismo entre a separação de poderes e a democracia • 51
Conforme al anterior marco teórico, los poderes de control tienen en sus manos regular la actividad de los poderes de representación y, en ese ejercicio, guardar los contenidos constitucionales de la
intromisión de las mayorías. Esta situación plantea un dilema que
merece una mirada detallada: ¿cómo justificar el control de los poderes de representación y las mayorías en relación con los contenidos
constitucionales, en manos de un poder contra-mayoritario, como
los poderes de control y garantía?
Este texto es producto de una investigación de carácter hermenéutico. Una revisión de bibliografía especializada sobre el tema, lecturas
siempre en clave de la pregunta epicéntrica de esta investigación ¿Cómo
justificar el control de los contenidos constitucionales?, que da lugar a
unas conclusiones que se muestran como resultado de este ejercicio.
Interpretação jurídica e o uso da teoria alexyana pelo STJ
Henrique Napoleão Alves
Doutorando, Mestre e Graduado em Direito pela UFMG. Professor da
Pós-Graduação em Direito Tributário das Faculdades Milton Campos, Belo
Horizonte, Brasil. Endereço eletrônico: [email protected] e
[email protected].
A tese de que a pesquisa jurídica brasileira padece, de modo geral,
de problemas metodológicos graves encontra guarida em extensa literatura, além de possivelmente refletir as intuições de qualquer jurista
mais atento. Um dos elementos centrais da tese é o de que os trabalhos
acadêmicos comumente valem-se de citações de autores consagrados
como argumentos de autoridade, sem cuidado e interlocução com as
diferentes teorias mencionadas, e mesmo com a cumulação de autores
cujas teorias nem sempre coincidem e podem ser até mesmo conflitantes (sincretismo epistemológico) (cf. Nobre, 2004; Alves e outros,
2008, p.24-25 e 42-45; Gustin, 2005; Marchi, 2009, p.22-24).
Visando testar a hipótese de que os problemas apontados também
estão presentes no Poder Judiciário, escolhi um autor consagrado, Robert Alexy, e uma instância judicial central ao sistema jurídico, o STJ.
Os aspectos mais relevantes da teoria de Alexy (1993) para a
interpretação e decisão judicial depreendidos de sua obra “Teoria dos
Direitos Fundamentais” são a distinção entre regras e princípios e os
critérios de solução de antinomias entre as diferentes espécies, especialmente o critério de solução de conflitos (colisões) entre princípios, que envolve três máximas: adequação (a solução deve realizar
o mandamento de pelo menos um dos princípios em conflito); necessidade (a solução deve fazer com que a realização de pelo menos
um dos princípios resulte no menor sacrifício possível dos demais);
proporcionalidade (em sentido estrito) (deve ser dada precedência
ao princípio que tenha mais peso diante das circunstâncias do caso
concreto). Com isso, a solução expressa-se na forma de uma regra
Teorias da interpretação constitucional • 53
de precedência condicionada do tipo: o princípio 1 tem precedência
sobre o princípio P2 nas circunstâncias C.
Em 29/09/2014, realizei pesquisa com os termos “Alexy” e
“Alexi”, no sítio de acórdãos do STJ (http://www.stj.jus.br/SCON/
jurisprudencia/). Foram encontrados 13 resultados. 3 não foram
considerados por citá-lo pontualmente. Os acórdãos foram medidos
segundo as seguintes variáveis: (i) incompletude total (inexistência
de qualquer menção, direta ou indireta, às máximas); (ii) incompletude parcial presença de menção, direta ou indireta, a apenas uma
ou duas máximas); (iii) sincretismo metodológico (combinação sem
ressalvas de autores distintos e mesmo conflitantes); (iv) presença de
incorreção teórica, referente a erros explícitos ou implícitos (omissões graves) no uso da teoria alexyana; (v) falta de fundamentação
(no sentido de não exibir nem explicações mínimas, corretas ou não,
sobre a teoria e sua relação com o caso).
Variável
Incompl.
total
Incompl.
parcial
Sincr.
epistem.
Incorreção
Falta de
fundam.
1
2*
3*
4*
5*
6
7
8
9
X
X
X
X
X
X
X
X
X
10
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
* Casos virtualmente idênticos.
X
X
54 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Caso
REsp 541239
EREsp 675201
AgRg no REsp 672480
AgRg no Ag 886162
EDcl noREsp 541.239
REsp 963871
REsp 706769
REsp 296391
REsp 706987
REsp 948944
Número
1
2*
3*
4*
5*
6
7
8
9
10
Os resultados sugerem fortemente que o STJ tende a fazer uso
da teoria de Alexy com problemas análogos àqueles identificados pela
literatura em relação aos trabalhos acadêmicos. Os descuidos são metodológicos, conceituais (v.g. atribuição do termo alexyano mandamento
de otimização a Dworkin) e mesmo terminológicos (em um dos casos,
por exemplo, Alexy foi grafado incorretamente, e repetiu-se por quatro vezes o equívoco de denominar Ronald Dworkin como Edward
Dworkin). A amostragem, contudo, é bastante reduzida, e não permite conclusões generalizantes. Para o futuro, seria interessante expandi-la por meio de pesquisa com uso de outros termos, particularmente:
“ponderação”, “proporcionalidade”, “adequação”, “necessidade”. Outra sugestão é aplicar a mesma metodologia para outros autores “consagrados” (critério algo subjetivo, mas não tão arbitrário diante das convenções cognoscíveis por qualquer membro da comunidade jurídica),
nacionais e estrangeiros. Por fim, uma pesquisa sociológica sobre as
causas estruturais dos problemas encontrados (especula-se: número de
processos por ministro, possível delegação da redação de votos a trabalhadores jurídicos menos qualificados, etc.).
Teorias da interpretação constitucional • 55
Referências bibliográficas
Alexy, R. Teoría de los derechos fundamentales [Theorie der Grundrechte].
Trad. Ernesto Gazón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993 [1986].
Alves, Rafael Francisco; Bresser-Pereira, Luiz Carlos; Campilongo, Celso
Fernantes; Fragale Filho, Roberto da Silva; Vieira, Oscar Vilhena.
Tema 1 - Panorama atual da pesquisa em Direito no Brasil. Cadernos
Direito GV, n.25, setembro de 2008, p.17-59.
Marchi, Eduardo C. Silveira. Guia de metodologia jurídica. 2 ed. São Paulo:
Saraiva, 2009.
Nobre, Marcos. Apontamentos sobre a pesquisa em Direito no Brasil. Cadernos Direito GV, n.1, 2004, p.3-19.
Interpretação constitucional e justiça no estado
democrático de direito: uma análise crítica sobre o
positivismo jurídico e a interpretação do Direito em Kelsen
Gabriella Sabatini Oliveira Dutra
Graduanda em Direito pela PucMinas, Brasil, ([email protected]).
Rafael Faria Basile
Doutorando e Mestre em Teoria do Direito pela PucMinas. Professor do
Curso de graduação e Pós-graduação Lato Sensu em Direito da PucMinas. Brasil
([email protected]).
O presente resumo visa problematizar a hermenêutica constitucional como pressuposto para construção da justiça e de sua aplicação
no Estado Democrático de Direito. Para tanto analisa criticamente a
teoria positivista e interpretativa de Hans Kelsen1.
Nesta esteira, a construção da justiça a partir da hermenêutica constitucional apresenta como premissa a hermenêutica jurídica, cujo sentido implica um rebuscamento científico que transcende a reprodução da
norma abstrata elaborada pelo legislador ou da escolha pelo intérprete de
uma das interpretações disponibilizadas pela ciência jurídica.
Dessa forma, importante enunciar que o Estado de Direito e
a sociedade contemporânea apresentam como esteios fundamentais
o pluralismo e a descentralização, que permite, a cada indivíduo, a
criação de um projeto ideal.
O pluralismo é refletido na Constituição Federal Brasileira, que
determina a democracia como modelo estatal e planejamento social,
a qual não pressupõe um modelo alternativo, tampouco uma homogeneidade. Pelo contrário busca condições mínimas para a realização
de todos os ideais.
A problemática maior se instaura ao constatar que o pensamento
jurídico brasileiro encontra-se marcado por uma cultura positivista2
extremamente incompatível com o constitucionalismo contemporâ-
Teorias da interpretação constitucional • 57
neo. A Constituição democrática apresenta diversos conceitos do que
seja vida boa, não podendo ser ignorado qualquer destas concepções.
Portanto é um equívoco a aplicação do conceito de sistema fechado
ao texto constitucional brasileiro.
Problemática esta, que perante a Teoria do Direito, apresenta
como pressuposto a análise da primeira e maior perspectiva sistemática, a de Hans Kelsen.
Citado autor, desenvolveu uma teoria jurídica baseada em um
método puro, desprendido de toda ideologia política, buscando responder o que é o Direito e não o que deveria ser. E para tanto descreve um sistema que encontra em si mesmo seu referencial normativo.
Destarte, grande parte do esforço interpretativo atual encontra-se na compreensão do ordenamento jurídico como um sistema3. Entretanto aqui o ideal pluralista passa a ser boicotado, na medida em
que esta é uma perspectiva facilmente aceitável na criação das normas
jurídicas, mas não em sua aplicação.
Torna-se evidente a inadequação de tal teoria a uma sociedade pluralista, ao apresentar um modelo que conjuga o papel do legislador com o do
aplicador, na medida em que Kelsen reconhece a criação do Direito através
da interpretação autentica realizada por órgãos aplicadores do Direito.
Assim o maior questionamento perante a teoria interpretativa de
Kelsen encontra-se em sua concepção de moldura, pelo fato desta permitir a possibilidade da produção de normas absurdamente fora da mesma.
Nesta medida evidencia-se a incompatibilidade de tal teoria
com o Estado Democrático de Direito, o qual exige, por meio da
resolução de conflitos, uma articulação entre o Direito vigente e os
fatos específicos, resguardando concomitantemente a segurança do
Direito e a justiça de decisões proferidas.
Com efeito, a Constituição se manifesta como estrutura jurídica
que positiva contrastes e valores reconhecidos pela sociedade, permitindo a participação político-jurídica dos cidadãos, tornando estes,
atores de uma articulação interpretativa expandida.
Destarte a hermenêutica constitucional passa a ser construída
através de um exercício valorativo, em que a aplicação ocorre por
58 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
meio do raciocínio problemático e não mais sistemático, ficando o
intérprete encarregado do exercício da justiça sem impor uma supremacia principiológica, o que será possível por meio da prática dialógica4 entre as partes envolvidas.
Todavia, o afastamento da instabilidade delineada como crítica
à concepção de justiça distributiva no Estado de Direito será afastada pela prática argumentativa, que permite, através de seu caráter
linguístico, o alcance de uma solução jurídica razoável sob a égide de
uma Constituição Democrática repleta de antinomias.
Palavras-chave: hermenêutica constitucional – hermenêutica jurídica – positivismo jurídico - Estado Democrático de Direito – pluralismo – justiça distributiva.
Referências bibliográficas
AVRITZER, Leonardo et al. (Org.). Dimensões políticas da justiça. 1.
ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
CITTADINO, Gisele. PLURALISMO, DIREITO E JUSTIÇA DISTRIBUTIVA: Elementos da Filosofia Constitucional Contemporânea. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
SAMPAIO, José Adércio Leite; SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo de. (Coord). HERMENÊUTICA E JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL:
Estudos em Homenagem ao Professor José Alfredo de Oliveira Baracho. Belo Horizonte: Delrey, 2001.
Notas
Teoria interpretativa de Kelsen encontra-se prevista no Capítulo VIII da
“Teoria Pura do Direito” (KELSEN, 2000).
1
Teorias da interpretação constitucional • 59
O positivismo jurídico propõe uma análise formal do Direito.
A perspectiva sistemática surgiu com o formalismo, apresentando o Direito como uma totalidade fechada.
4
Habermas citado por Cittadino enuncia que os sujeitos capazes de linguagem e ação estabelecem práticas argumentativas através da intersubjetividade (CITTADINO, 2004. p. 108).
2
3
La interpretación constitucional en contextos
multiculturales
Jaime Gajardo Falcón
Abogado, Universidad de Chile. Magíster en Derecho, Universidad de Chile.
Máster en Gobernanza y Derechos Humanos, Universidad Autónoma de Madrid.
Máster en Derecho Constitucional, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales.
Doctorando en Derecho, Universidad Autónoma de Madrid. Actualmente se
desempeña como Personal Investigador en Formación, Universidad Autónoma de
Madrid. Correo electrónico: [email protected].
Origen. El fenómeno multicultural ha dejado al descubierto
la falta de reconocimiento normativo –entre otros- de la diversidad cultural y las perspectivas sociales de los grupos desaventajados
(por ejemplo: pueblos indígenas, migrantes, minorías culturales o
lingüísticas y minorías nacionales) que habitan en nuestras sociedades. Así, el desafío de la multiculturalidad depende, a la postre,
de las posibilidades abiertas a la plena participación de todos en el
proceso democrático1. Para ello, junto con nuevas fórmulas que se
incorporen a la democracia representativa que permitan la inclusión
de perspectivas sociales de los grupos etno-culturales desaventajados,
también puede jugar un papel importante, la incorporación de la
perspectiva multicultural en la interpretación de los casos difíciles
que conozcan los tribunales constitucionales que involucren derechos
fundamentales2. Revisando la evolución que ha tenido el debate sobre los derechos de las minorías culturales, Will Kymlicka señala que
actualmente los defensores de estos derechos han logrado redefinir
con éxito los términos del debate, desplazando la carga de la prueba,
la que recae –ahora- en los defensores de las instituciones ciegas a las
diferencias en el sentido de que son ellos quienes deben probar que su
análisis “neutro” no genera injusticias para los grupos minoritarios3.
Asimismo, plantea que tanto críticos como multiculturalistas aceptan que las demandas de los grupos culturales sean evaluadas caso a
Teorias da interpretação constitucional • 61
caso, tomando en consideración las peculiaridades que le imprime el
grupo cultural al caso concreto y sus criterios interpretativos4.
Objetivo. El objeto del presente trabajo es doble. En primer lugar, revisar la reciente doctrina que aboga por la incorporación de
criterios especiales en la interpretación constitucional cuando nos
encontramos frente a casos que involucran una perspectiva multicultural5. En segundo lugar, explorar los límites teóricos y prácticos de la
interpretación constitucional en contextos multiculturales.
Propósito. El proyecto es descriptivo y normativo. Descriptivo, en
cuanto se hará una reconstrucción de los planteamientos doctrinales en
lo relativo a la interpretación constitucional en contextos multiculturales. Normativo, en la medida, que a partir de dichos planteamientos
se realizará una reflexión sobre los límites, alcances y perspectivas de la
interpretación constitucional en contextos multiculturales.
Estructura. En primer lugar, el texto tendrá una breve introducción al problema y los aspectos teóricos relevantes, con centro en la
teoría política-jurídica del multiculturalismo. Luego, revisaré las propuestas de los principales autores que se han referido a la interpretación
constitucional en contextos multiculturales y destacaré los elementos
comunes y las diferencias de cada uno de ellos. Posteriormente, analizaré de forma crítica las propuestas doctrinales y, desde ahí, reflexionaré sobre los límites, alcances y perspectivas de la interpretación constitucional en contextos multiculturales (revisando los casos de recepción
que ha tenido en la jurisprudencia comparada). Finalmente, expondré
las principales conclusiones a las que he podido arribar.
Notas
Cf. Gutiérrez Gutiérrez, Ignacio (2007). “Introducción: Derecho Constitucional para la sociedad multicultural”. En: Derecho constitucional para la
sociedad multicultural, Madrid: Trotta, p. 20.
2
Cf. Denninger, Erhard (2007). “Derecho y procedimiento jurídico como
engranaje en una sociedad multicultural” [Recht und rechtliche Verfahren
als Klammer in einer multikulturellen Gesellschaft]. En: Derecho constitucional para la sociedad multicultural, Madrid: Trotta, pp. 37-38.
1
62 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Véase: Kymlicka, Will (2001). Politics in the vernacular. Nationalis, Multiculturalism and Citizenship, Oxford: Oxford University Press, p. 33.
4
Ibid., pp. 34-35. Véase en ese sentido el trabajo de: Álvarez Medina, Silvina
(2014). “Los derechos humanos como valores plurales. Multiculturalismo,
cosmopolitismo y conflictos”. En: Entre Estado y Cosmópolis. Derecho y justicia en un mundo global. Madrid: Trotta, pp. 179-212. Asimismo, para un
análisis centrado en la incorporación de esta perspectiva en los criterios de
ponderación, véase: Grimm, Dieter (2007). “Multiculturalidad y derechos
fundamentales”. En: Derecho constitucional para la sociedad multicultural.
Madrid: Trotta, pp. 51-69.
5
Sobre la interpretación constitucional en contextos multiculturales, véase: Álvarez Medina, S., “Los derechos humanos como valores plurales. Multiculturalismo, cosmopolitismo y conflictos”, ob., cit., pp. 179-190. Asimismo, véase: Grimm, D. “Multiculturalidad y derechos fundamentales”, op.,
cit., pp. 51-69. Para una propuesta de ampliación del espectro argumental
de la discriminación indirecta, incorporando criterios interpretativos adicionales (discriminación estructural y la interseccionalidad de las discriminaciones), véase: Añón Roig, María (2013). “Principio antidiscriminatorio y determinación de la desventaja”, Isonomía, N 39, pp. 127-157.
3
Da Hermenêutica Formal à Transacional: Estudos sobre a
pré-compreensão do intérprete
Rodrigo Farias
Graduando do quinto período da Faculdade de Direito da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Brasil. Endereço eletrônico: rvfariasuerj@gmail.
com.
O presente resumo discute, no âmbito da hermenêutica constitucional, os avanços que o estudo sobre a pessoa do intérprete, tais
como aspectos psicológicos antecedentes à atividade de interpretação
– tal como a análise transacional - trariam para o estudo da interpretação da Constituição, juntando-se aos já consolidados métodos
hermenêuticos e, também, confrontando-os.
A moderna dogmática jurídica, no entanto de longa data já não
endossa a crença de que as normas jurídicas tenham, invariavelmente,
sentido unívoco, oferecendo uma única solução possível para os casos
concretos aos quais se aplicam. Em muitas hipóteses, a norma – especialmente a norma constitucional, quando tem conteúdo fluido e textura
aberta – oferece um conjunto de possibilidades interpretativas, figurando
uma moldura dentro da qual irá aturar o intérprete. Como consequência, a atividade de interpretação da norma consistirá também em um ato
de vontade (volitivo), uma escolha, envolvendo uma valoração específica
feita pelo intérprete1. Ele participa ativamente das construções interpretativas possíveis de se extrair de dado enunciado normativo.
Mas o que se observa, historicamente, é o interprete sendo pouco
explorado: ainda que tenhamos a interpretação histórica, que se destina precipuamente à descoberta da vontade do legislador, tal método não
se atém aos fatores que influenciam na formação desta vontade – além
de que, sendo a lei produto da vontade da maioria ou de acordo de
grupos ideologicamente diversos, expressa uma direção normalmente
conciliadora, não vontades individuais. Deste modo, temos a interpretação jurídica – e constitucional, de forma mais específica – de uma
64 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
forma incompleta, em que apenas dois de seus três componentes (texto
e contexto) são analisados com a correta profundidade.
Uma vez que o Direito não possui substrato teórico adequado
para fazer esta análise do intérprete, posto que tal observação foi de certo modo marginalizada, utilizaremos a Análise Transacional para tanto.
A personalidade dos indivíduos é formada por estados de ego,
que pode ser descrito fenomenologicamente como um sistema coerente de sentimentos relacionados a um dado sujeito e operacionalmente
como um conjunto de padrões coerentes de comportamento ou, ainda,
do ponto de vista pragmático, como um sistema de sentimentos que
motiva um conjunto de padrões de comportamento afins2. Estes estados de ego são três: pai, adulto e criança.
No primeiro estado, derivado de figuras parentais, a pessoa sente, age, fala e reage como um dos seus progenitores fazia quando ela
era pequena. Este estado de ego é ativo na educação dos próprios
filhos3. Trata-se, assim, do reflexo das experiências passadas pelos pais
quando o indivíduo era criança.
No segundo, a pessoa analisa seu meio ambiente objetivamente,
calculando suas possibilidades e probabilidades com base em experiências passadas. Este funciona como um computador, consultando o
“acervo” da memória a fim de melhor decidir o que se deve fazer em
determinado momento.
O terceiro, por sua vez, parte da ideia de que cada ser humano carrega dentro de si um menininho ou menininha que sente, pensa, age, fala
e reage de forma semelhante à que fazia quando ele ou ela eram crianças4,
se assemelhando a uma reminiscência do passado que ainda vive no presente. O estudo destes estados é chamado de Análise Estrutural.
A Análise Transacional, por sua vez, trata de que maneira os estados de ego interagem no contato entre os indivíduos, chamados de
transações. Estas podem ser complementares, em que as comunicações
podem se dar indefinidamente, ou cruzadas, em que a comunicação
é interrompida, havendo problemas5. O objetivo é verificar estas comunicações e entender como elas poderão ser otimizadas, a fim de
Teorias da interpretação constitucional • 65
torna-las as mais bem feitas possíveis. Veremos, deste modo, de que
forma esta construção teórica pode colaborar na ciência jurídica.
Notas
1
BARROSO, Luís Roberto, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo,
2ª Edição, Saraiva, 2009, p. 80.
2
BERNE, Eric, Análise transacional em psicoterapia, tradução de Lúcia
Helena Cavasin Zabotto, São Paulo, Summus, 1985, p. 17.
3
Idem, O que você diz depois de dizer olá? A psicologia do destino, tradução
Rosa R. Krausz, São Paulo: Nobel, 1988, p. 25.
4
Idem.
5
Ibidem., p. 27 e 28.
Interpretação Conforme e Interpretação de Acordo com
a Constituição: Precedentes do STJ e Controle Difuso de
Constitucionalidade
Luiz Henrique Krassuski Fortes
Mestrando em Direito das Relações Sociais no Programa de Pós-Graduação
em Direito da Universidade Federal do Paraná, sob orientação do prof. Dr. Luiz
Guilherme Marinoni. Especialista em Direito Constitucional pela Academia
Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Membro do Núcleo de
Direito Processual Civil Comparado (UFPR). Membro do Grupo de Pesquisa
Interdisciplinar em Justiça Eletrônica - e-Justiça (CNJ-CAPES-UFPR). Servidor
Público da Justiça Federal de 1º Grau em Curitiba-PR. País: Brasil. E-mail:
[email protected]
O controle de constitucionalidade no Brasil possui diversas vicissitudes, em grande parte decorrentes do processo de découpage
institucional de vários elementos estrangeiros, deixando um enorme
campo aberto para reflexões que não podem se satisfazer apenas com
uma visão fragmentada e exógena que busque compreender o sistema
brasileiro de controle a partir de uma análise acrítica direito comparado e dos institutos alienígenas que o influenciaram.
Partindo-se desse pressuposto, propõe-se a investigar se é possível
harmonizar a técnica da interpretação de acordo com a Constituição imposição do Estado Constitucional a todos os órgãos investidos do
Poder Jurisdicional, inclusive aos Tribunais Superiores, compreendido
como cortes de precedentes1 -, a qual se buscará diferenciar da interpretação conforme a Constituição (técnica de decisão em sede de controle
de constitucionalidade), com o controle difuso de constitucionalidade,
poder-dever do qual todos os juízes estão investidos no Brasil.
Pode um magistrado deixar de aplicar um precedente do Superior Tribunal de Justiça, órgão que tem dever de proceder a interpretação da legislação federal de acordo com a Constituição e de formular
precedentes sobre o direito federal, simplesmente ignorando o precedente formado, sob o argumento de realizar diretamente controle de
Teorias da interpretação constitucional • 67
constitucionalidade da aplicável? Ou seja, pode o juiz se afastar da interpretação de acordo feita pelo STJ sem superar argumentativamente
o precedente, distinguindo-o do caso sob exame?
Para buscar responder a essas questões, são, primeiramente, revisitadas as comumente chamadas teorias clássicas sobre a Jurisdição à
luz do Estado Constitucional e da relação entre justiça constitucional
e democracia constitucional.2
A passagem do Estado de Direito Liberal para o Estado Constitucional implicou três significativas alterações na compreensão do
fenômeno jurídico (na teoria das normas, a compreensão da força
normativa dos princípios; na técnica legislativa, a partir da superação
do dogma da legislação geral, abstrata e com fattispecie bem delimitada, dando espaço para uma técnica casuísta através de cláusulas
gerais e conceitos abertos; na teoria da interpretação, com a difusão
da compreensão não cognitivista e de univocidade de sentido)3, o que
evidenciaria o relevante papel a ser desempenhado pelos precedentes
na dimensão da igualdade, segurança jurídica e coerência do Direito.
Busca-se, então, verificar a distinção entre interpretação de acordo com a Constituição com a interpretação conforme a Constituição,
geralmente tratadas de forma indistinta, como se vê, por exemplo,
na obra de Luís Roberto Barroso, para quem a interpretação conforme
se destina a um só tempo à preservação da validade constitucional
de determinados dispositivos legais cuja interpretação aparenta inconstitucionalidade, bem como à atribuição de sentido à legislação
infraconstitucional, a cargo de todos os juízes, conectada à máxima
efetividade que deve ser dada aos mandamentos da Constituição.4
Partindo da caracterização legal, Luiz Guilherme Marinoni entende que a interpretação conforme não constitui método de interpretação, mas sim técnica de controle de constitucionalidade que impediria
a declaração de inconstitucionalidade da norma mediante a afirmação de que há um sentido possível ou interpretação compatível com
a Constituição5, distinguindo-se da declaração parcial de nulidade sem
redução de texto, pois na primeira se estaria no âmbito de interpretação
e, na segunda, no de aplicação da norma. Dessa forma, na primeira
68 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
exclui-se a possibilidade de outras interpretações, declarando-se aquela
que se reputa conforme, ao passo que na segunda se discute o próprio
âmbito de aplicação da norma, declarando-se que em determinadas
hipóteses a aplicação da norma em si é inconstitucional.6
Essa distinção, porém, não resolve o problema das duas categorias que podem ser abarcadas sob o mesmo manto da interpretação conforme (interpretação propriamente dita e técnica de controle
de constitucionalidade), evidenciando a possibilidade de se tratar a
primeira com a nomenclatura interpretação de acordo.
Isso pois declaração de inconstitucionalidade, técnicas de decisão na jurisdição constitucional e o dever de interpretar o direito à luz
da Constituição, não se confundem. Assim, o juiz ordinário, por mais
que exerça ao mesmo tempo a Jurisdição ordinária e o poder de controle de constitucionalidade, não pode, sem a adequada justificativa,
se afastar dos precedentes firmados pelos Tribunais Superiores a que
está subordinado, procurando fazer o controle de constitucionalidade
da interpretação de acordo que foi firmada no precedente infraconstitucional aplicável ao caso.
Notas
MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto Corte de Precedentes: Recompreensão do Sistema Processual da Corte Suprema. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013; MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas:
Do Controle à Interpretação, da Jurisprudência ao Precedente. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2013.
2
ZAGREBELSKY, Gustavo; MARCENÒ, Valeria. Giustizia Costituzionale. Bologna: Il Mulino, 2012. p. 63.
3
MITIDIERO, Daniel. Cortes..., Op. cit, p. 13-15.
4
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo:
os Conceitos Fundamentais e a Construção do Novo Modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 301.
5
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 7ª Ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2013. p. 59.
6
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria..., Op. cit, p. 60.
1
Kelsen e a teoria da interpretação
constitucional Humpty Dumpty
Samuel Moreira Gouveia
Doutorando pela Université Paris Ouest, em cotutela com a Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Endereço eletrônico: samuel_gouveia@yahoo.
com.br.
Pretende-se tratar, no presente ensaio, da relação entre “validade” e “interpretação autentica”, elaborada por Hans Kelsen (1999)
no último capítulo da segunda edição da Teoria Pura do Direito.
Com base nas elaborações críticas realizadas por Troper (1981), se
lançará a hipótese da impossibilidade jurídica ao erro pelas Cortes
Supremas, tomadas como intérpretes autênticos.
Tal assertiva se sustenta pelo fato que, uma vez estando no cume
da hierarquia judiciária, as Cortes Supremas possuiriam total liberdade jurídica na criação de normas (entendidas como significação de
textos) e na estipulação da força normativa de diferentes textos. Essa
liberdade jurídica decorreria da capacidade de tais cortes prolatarem
decisões irrecorríveis juridicamente. Ainda, a mencionada liberdade
se agudizaria pelo fato de que, entre os textos interpretados pelas
Cortes Supremas, encontram-se aqueles que prescrevem a sua própria competência. Não raro, tal liberdade na atividade interpretativa
seria direcionada no sentido do aumento de poderes (i.e. competência), como no caso Marbury versus Madison decidido pela Suprema
Corte dos Estados Unidos, ou na decisão Liberté d’association, do
Conselho Constitucional francês.
Se neste caso, uma eventual “norma fundamental” não pode
mais ser considerada como base para tomada de decisão na criação
de normas jurídicas – visto que a liberdade das Cortes Supremas decorre da inexistência de norma reguladora e/ou sancionadora de suas
decisões -, este espaço “fundante” não pode ficar vago. Não é fortuito que teorias tão díspares como as de Troper (1981), Van Hoecke
70 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
(2002) ou mesmo a elaborada por Hart (2012) pressuponham uma
racionalidade fundada, cada uma a seu jeito, na pluralidade de atores.
A visão de um intérprete supremo e livre, no cume da ordem jurídica hierarquizada passa a dar lugar a concepções de sistema jurídico como “rede”, além da instituição de outras instâncias normativas.
A sugestão que se trata presentemente é que tal desenvolvimento decorre da percepção de impossibilidade do uso da linguagem na forma
de uma prática totalmente autônoma do âmbito social (linguagem
privada), sublinhada já na segunda filosofia analítica, principalmente
nas Investigações Filosóficas de Wittgenstein (1986).
Para o filósofo austríaco, o sentido de uma palavra ou de um
enunciado é estabelecido pelo seu uso em um determinado jogo de linguagem - mediado por regras pragmáticas – o que pressupõe a pluralidade de atores. Em contraposição aos jogos de linguagem, as práticas
autônomas seriam aquelas cuja normatividade não depende de nada
além dela mesma, o que asseguraria sua correção. Esta seria a posição
das Cortes Supremas como intérpretes autênticos no modelo kelseniano, sintetizada pela famosa afirmação do juiz Jackson, da suprema
corte norte-americana: “Nós não somos a última instância porque somos
infalíveis, mas somos infalíveis porque somos a última instância” (opinião
concordante no caso Brown versus Alle, 344US 443-1953).
Contudo, ao invés de garantir a correção no processo de produção de significação – i.e. de criação de normas -, a liberdade das
práticas autônomas destrói a probabilidade de tal correção, porque
estar correto perde sua força, quando a possibilidade de estar incorreto desaparece. Para Medina (2007, p. 164), “(…) o argumento de
Wittgenstein sugere a diferença entre parecer correto e ser correto requer
a possibilidade de negociação e correção mútua, que para tanto deve
haver diferentes centros de avaliações normativas”. As regras do jogo se
desmoronam quando o que conta como correto não pode ser contestado, quando o “ser” e o “parecer” correto se confundem.
Pretende-se, portanto, demonstrar que, no sentido observado
por Kelsen, as Cortes Supremas se apresentariam como uma espécie
de Humpty Dumpty, personagem criado por Lewis Caroll (1986).
Teorias da interpretação constitucional • 71
Assim como o personagem, as Cortes Supremas poderiam escolher livre e aleatoriamente o significado das palavras utilizadas, entretanto,
sem conseguir nada comunicar, haja vista a falta de normatividade.
Se sugere, portanto, que o paradigma kelseniano contrapõe a ideia
de jogo de linguagem, na forma entendida por Wittgenstein, a qual
se utiliza presentemente como paradigma crítico. Assim o é, visto
que na concepção wittgensteiniana, toda instância discursiva deve
conter a possibilidade da incorreção na sua pluralidade de núcleos
normativos. Deve conter, sobretudo, a possibilidade de negociações
normativas, em um processo dialético de contestação e justificação possibilidade esta, eclipsada na análise kelseniana.
Referência bibliográfica
CARROLL, Lewis. The Complete Illustrated works of Lewis Carroll.
Londres: Bounty Books, 1986.
HART, Herbert Lionel Adolphus. The Concept of Law. 3ª ed. Oxford:
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KELSEN, Hans. Théorie Pure du Droit. Paris: L.G.D.J., 1999.
MEDINA, José. Linguagem: conceitos-chave em filosofia. Porto Alegre :
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VAN HOECKE, Mark. Law as communication. Oxford: Hart Publishing, 2002;
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Blackwell Ltd, 1986.
Controle de constitucionalidade e hermenêutica
filosófica: entre o substancialismo e procedimentalismo
João André Alves Lança
Graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e
Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da
UFMG. País: Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].
É possível dizer que uma das objeções centrais das teorias críticas do controle de constitucionalidade judicial gira em torno da acusação de ser tal controle contramajoritário e, por isso, antidemocrático e ilegítimo, em especial quando se entrega aos juízes a “última”
palavra sobre declarações de direitos.
Críticos contemporâneos do controle judicial de constitucionalidade, sobretudo em sua manifestação “forte”, como Jeremy Waldron
e Richard Bellamy, fundamentam a acusação acima com a afirmação
de que as decisões sobre direitos envolvem escolhas morais sobre as
quais os desacordos razoáveis são inevitáveis. E, nesse sentido, acreditam que não existem razões suficientes para se dizer que poucos
juízes tomariam decisões melhores do que os representantes políticos
eleitos, haja vista no seio das cortes também existir dissensos morais.
Assim, defendem que o processo político democrático-parlamentar possui maior legitimidade e se resulta mais eficaz do que o
processo judicial para tomar tais decisões sobre direitos e resolver tais
desacordos, em especial quando se fala em democracias razoavelmente desenvolvidas. Pressupõem que apenas quando os próprios indivíduos participam no interior do processo democrático, por meio de
seus representantes eleitos, esses podem ser considerados como iguais,
uma vez que apenas desse modo se garantiria a igual consideração e
respeito com relação aos seus direitos e interesses (BELLAMY, 2007).
O que está por traz dessa opção pelo processo parlamentar, segundo Waldron (2006), é a opção por razões de processo em detrimento
de razões de resultado. Para o impasse da inevitável existência de de-
Teorias da interpretação constitucional • 73
sacordos razoáveis, as razões de tipo processual seriam a melhor solução para a questão, uma vez que não se pode garantir que o resultado
das escolhas tomadas pelo judiciário, ou mesmo pelo legislativo, seja
mais apropriado em um caso ou do que em outro. Diante disso, o
ideal seria adotar um procedimento que pudesse legitimar a decisão
adotada. E esse procedimento deveria ser o político-parlamentar e
não o judicial, por ser aquela o mais legítimo democraticamente.
No marco do giro linguístico-ontológico, todavia, aqui analisado a partir da hermenêutica filosófica, o processo compreensivo não
é mais visto ao modo especulativo ou ao modo objetivista, como era
próprio da filosofia da consciência ou do campo das ciências naturais,
em que um método ou um procedimento pré-determinado seria capaz
de levar ao conhecimento coerente e válido. Assim, se por um lado,
não há critérios seguros para se definir quais decisões seriam mais adequadas, se as do judiciário ou se seriam as adotadas pelo legislativo, por
outro, o caminho da opção pelas “razões de processo”, sem sua devida
crítica, oferece o risco do retorno ao problema dogmático do positivismo que ignora a dimensão ontológica da compreensão.
Dito de outra forma, se não há um procedimento universal
que leve a decisões válidas e se não há uma solução estanque para
a questão dos desacordos, optar pela via procedimental do debate
político-parlamentar pelo motivo da legitimidade pode significar a
desconsideração dos efeitos da história no próprio processo político e
do que, de fato, “é o legítimo” na existência tradicional.
Nesse sentido, deve-se ter em mente que a coerência do processo
compreensivo de tudo aquilo que pode ser conhecido, inclusive os imperativos constitucionais, tem muito menos a ver com escolhas procedimentais, do que com questões relacionadas ao horizonte hermenêutico, ou das
pré-compreensões, do qual partem ou no qual se colocam os sujeitos.
“A elaboração da situação hermenêutica significa então a obtenção do horizonte de questionamento correto para as questões que se
colocam frente à tradição.” (GADAMER, 1999, p. 452).
Nesse sentido, tratando-se de decisões constitucionais sobre direitos fundamentais, as pretensões voltadas, em primeiro plano, para
74 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
argumentos de política ou para argumentos de princípios, dependendo
de qual posição se ocupa, se no legislativo ou no judiciário, oferecem
maior influência no que se deve entender por controle de constitucionalidade, do que simplesmente optar pelas “razões de processo”.
Foi o que demonstrou, por exemplo, a pesquisa empírica feita
por Pickerill, citado por Hübner (2008), ao revelar que nos períodos
da história americana em que a revisão constitucional foi mais tímida,
as decisões do parlamento quase não levaram em conta argumentos
constitucionais. Por outro lado, nos períodos de maior engajamento da
Corte e de ameaça de revisão constitucional, o parlamento reagiu dedicando maior atenção à dimensão constitucional dos assuntos tratados.
Desse modo, a hipótese e a conclusão que se afirma é que, para
ficarmos entre o substancialismo (e seus desacordos) e o procedimentalismo, sem ignorar os desafios da tomada de consciência do caráter ontológico de toda compreensão, não se trata de rejeitar medidas de processo
ou novos arranjos institucionais, mas de encará-los como instrumentos
auxiliares ao “alargamento” e à tomada dos horizontes adequados.
Uma decisão relevantemente democrática não significa uma decisão baseada em razões de processo, o que não significa desacreditar
medidas que visem o reforço e a seriedade da deliberação democrática na interpretação da constituição.
Referências
BELLAMY, Richard. Political Constitutionalism: A Republican Defence of
the Constitutionality of Democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.
MENDES, Conrado Hübner. Controle de constitucionalidade e democracia.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
WALDRON, Jeremy. The Core of the Case Against Judicial Review. The
Yale Law Journal, v. 115, 2006.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
Mitologia, caracterização do Poder Judiciário e novas
diretrizes para a hermenêutica jurídica: o Juiz Hércules
encontra a Juíza Penélope
Igor Suzano Machado
O Poder Judiciário possui uma caracterização com base num
personagem da mitologia grega que já se tornou clássica. Trata-se do
juiz Hércules, trazido à tona pelo trabalho do influente jusfilósofo
norte-americano Ronald Dworkin, e que já gerou extensa bibliografia sobre suas características, formas de trabalho, embasamento
filosófico, etc. Outras figuras mitológicas mesmo, como Hermes,
já foram inclusive confrontadas com Hércules, tanto pelo próprio
Dworkin (2003 [1986]), quanto por seus críticos com o objetivo de
desmistificar a construção teórica do juiz de capacidades hercúleas e
suas “únicas respostas corretas” e, necessariamente, liberais aos casos
jurídicos difíceis (Warrington; Douzinas; McVeight, 1991). Meu objetivo aqui é semelhante. Buscando um outro parâmetro de orientação para a prática judicial e interpretação constitucional que não o
semideus mobilizado por Dworkin, trago à tona a figura de Penélope, a tecelã esposa de Ulisses na Odisseia de Homero.
Ou seja, o presente artigo parte da construção do juiz Hércules
na teoria jurídica de Ronald Dworkin para propor um novo personagem mitológico como possível base de caracterização do Poder
Judiciário nas democracias contemporâneas: justamente a “Juíza Penáelope”. A atividade de infinita costura e descostura a que tal personagem se dedicou na Odisseia de Homero, como forma de lidar com
o assédio de novos pretendentes sem abandonar sua fidelidade ao
antigo marido desaparecido é então evocada para caracterizar como
os juízes reagem ao assédio das partes tecendo um discurso jurídico
coerente, mas sempre incompleto por sua vinculação a uma promessa
que não pode ser abandonada. Se, no caso de Penélope, essa promessa era o retorno de Ulisses a Ítaca, seu reflexo no Judiciário traduziria
76 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
esse compromisso na noção de uma “justiça por vir” – categoria que
derivo da ideia de “democracia por vir” de Jacques Derrida (2005).
Meu objetivo com isso é utilizar as intuições de Dworkin acerca
da atividade desenvolvida pelos juízes, mas sujeitando-as a uma leitura
pós-estruturalista, que, por um lado, se abre a um pluralismo radical,
mas, por outro, rejeita a mera hiperfragmentação como característica
principal da sociedade contemporânea, agregando a essa característica de “descentramento” – isto é, falta de centro fixo – a busca por
centros provisórios, fechamentos precários da estrutura social que lhe
dão inteligibilidade, naquilo que a tradição pós-estruturalista convencionou chamar de “discursos”, na esteira de sua caracterização por
Foucault (2007[1969]) como “regularidades na dispersão”.
Caracterizando a atividade judicial como formatação de um
discurso, entendido nesses termos, os juízes passam a ser menos os
seguidores de um herói capaz de encontrar sempre a única resposta
correta dos casos jurídicos difíceis, como seria o juiz Hércules, e passam a desempenhar uma atividade de “costura” de textos e instituições que podem resultar em peças inusitadas e cuja configuração final
passa a ser radicalmente dependente da intenção desses costureiros
não chegando nunca, no entanto, a se apresentar como uma obra
plenamente acabada, tal qual o trabalho de costura de Penélope.
A publicidade da atuação de Penélope, sua necessária passividade, e a coerência de princípio exigida de suas decisões, permitiriam
que sua atividade fosse avaliada e discutida publicamente, propiciando o controle democrático do poder dos juízes que agem em seu
reflexo. Esses juízes são instados a, como Penélope, costurar uma teia
que agrega os valores da comunidade política, usando como linhas
dessa costura, como destaca Dworkin, a cultura institucional da comunidade em que estão inseridos, materializada em decisões políticas
pretéritas, como a Constituição, as leis, os precedentes judiciais, etc.
Mas como, mais do que encontrar as respostas dos casos jurídicos
contidos nessa teia, os juízes seriam os responsáveis pela costura da
própria teia, ganha destaque na atividade jurisdicional, tal como entendida aqui, o compromisso dos juízes com uma referência de justi-
Teorias da interpretação constitucional • 77
ça: é esse compromisso que faz com que a teia seja costurada de um
jeito e não de outro. Tal compromisso se basearia em uma promessa
de justiça e precisaria transcender a vontade das partes e mesmo compromissos legais fugazes, precisando se basear em pressuposições morais profundas, como nos acordos materializados numa Constituição
e na filosofia política e moral que a embasa.
Contudo, ao contrário do que ocorre no trabalho de Hércules,
esse compromisso de justiça não precisa ser vinculado a um liberalismo individualista, assim como não precisa negar essa possibilidade.
A escolha e fidelidade a uma construção de justiça possível dentre
muitas passa a ser então parte integrante da atividade judicial, assim como da avaliação dessa atividade pela sociedade, que deve ser
constante, por ser essa sociedade também a portadora dessa noção
de justiça que os tribunais devem efetivar, tendo os juízes como seus
emissários e não aqueles que a impõem de fora e de cima.
Hermenêutica filosófica e sua contribuição para a
jurisdição constitucional
Cristiano de Aguiar Portela Moita
Mestrando em Ordem Jurídica Constitucional pela Universidade Federal
do Ceará. Brasil. Email: [email protected].
Desde que o homem se lançou na busca de compreensão do
mundo que o cerca bem como do mundo que se constituiu no seu
próprio pensar, buscou encontrar o sentido último ou o sentido verdadeiro das coisas. Entender o funcionamento da natureza e entender o modo próprio de se comportar do ser humano sempre foi o
objetivo do homem pensante. A teorização ou a sistematização do
estudo da busca dos sentidos ocorreu, a princípio, sobre os sentidos
dos textos, especificamente, bíblicos, naquilo que se resolveu chamar de Hermenêutica. Acreditava-se, num primeiro momento, com
Friedriech Schleiermacher e depois com Wilhelm Dilthey, na possibilidade de elaboração de um método que permitisse encontrar o
verdadeiro sentido quisto pelo produtor do texto. Seguindo alguns
passos, conseguir-se o sentido almejado pelo próprio autor. Essa concepção de hermenêutica, no entanto, revelou-se falha e insuficiente,
principalmente pelos avanços teóricos na Hermenêutica ocorridos
no limiar do século XX, levados a cabo por Martin Heidegger e, de
forma mais detida, seu discípulo Hans-Georg Gadamer. Com a ideia
de que o homem é, por si só, hermenêutico, no sentido de ser finito
e histórico, e que sua experiência de mundo é marcada pela temporalidade, reformula-se, fundamentalmente, a concepção de Hermenêutica. Ocorre aqui a superação da hermenêutica psicologizante
de Schleiermacher e Dilthey por uma hermenêutica propriamente
histórica. Com efeito, para Gadamer, a finitude e a historicidade do
homem reposicionam a hermenêutica; deixa de ser entendida como
um problema de metodologia específica para as ciências do espírito,
como outrora propôs Dilthey, e passa a ser entendida como um pro-
Teorias da interpretação constitucional • 79
blema de ontologia, reformulada nos moldes heideggerianos. Ponto
fulcral na hermenêutica de Gadamer é precisamente ser considerada
uma hermenêutica da finitude, o que significa que a história tem papel fundamental na determinação da consciência do homem. Assim,
pode-se asseverar que a historicidade configura-se verdadeira condição de possibilidade da compreensão humana. Em outras palavras,
a compreensão sempre parte daquilo que foi entregue pela tradição
(traditio em latim significa entrega) ao homem, constituindo nele
pré-conceitos que farão parte, necessariamente, do ato de compreensão do mundo. Os pré-conceitos gestados na história são, dessa
forma, condições transcendentais da compreensão. E assim Gadamer
conceitua hermenêutica como “mobilidade fundamental da pré-sença, a qual perfaz sua finitude e historicidade, abrangendo assim o
todo de sua experiência de mundo”.
Especificamente no âmbito do Direito, a Hermenêutica Filosófica traz algumas contribuições. Em primeiro lugar, pergunta-se: em
que medida a Hermenêutica Filosófica contribui para o Direito e,
especificamente, para o Direito Constitucional? Em relação à noção
fundamental de historicidade, é possível concluir que não portam os
textos legislativos, em definitivo, um sentido dado a priori, como já
percebido por juristas como Kelsen e Hart, e que a tarefa de compreendê-los exige que o intérprete se perceba dentro da história e se
posicione aberto aos fatos subjacentes à aplicação da norma jurídica.
Os fatos que circundam o texto a ser interpretado moldam, de forma
necessária e particular, a interpretação lançada sobre esse texto. O
intérprete é, aliás, sempre um aplicador. Interpretação, compreensão
e aplicação confundem-se na applicatio que se dá no jogo de apreensão de sentidos. Aplicar não é reproduzir sentidos já pensados; aplicar é produzir sentidos. E toda vez que o intérprete lança-se sobre a
interpretação de um caso concreto, deve fazê-lo cônscio dessa estrutura hermenêutica que o constitui. Especificamente em relação ao
Direito Constitucional, a contribuição da Hermenêutica Filosófica
é particularmente importante. É no bojo da compreensão das constituições que se molda o entendimento do atual modelo de Estado
80 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Democrático de Direito, configurado como Estado Constitucional,
em que as cortes constitucionais assumem a função relevantíssima de
interpretar e compreender – aplicar, afinal – o texto constitucional.
Responsáveis por dar a última palavra a respeito do sentido do texto, confrontam-se, inevitavelmente, com os novos problemas abertos
pela Hermenêutica Filosófica.
A (ir)racional aplicação da proporcionalidade pelo STF
Fausto Santos de Morais
Doutor em Direito (UNISINOS/RS), docente do PPGD IMED –
Passo Fundo/RS – Brasil. Pesquisador com apoio da Fundação Meridional.
E-mail:[email protected].
A aplicação do princípio da proporcionalidade pelo Supremo
Tribunal Federal pode ser considerada racional? O pressuposto teórico para essa questão investigativa está em Alexy, entendendo que:
primeiro, os problemas jurídicos que envolvem Direitos Fundamentais correspondem questões de princípio e devem ser resolvidas pela
máxima da proporcionalidade (ALEXY, 2008, p. 116). Segunda, as
decisões judiciais a esses problemas devem ser racionalmente fundamentadas para serem legítimas (ALEXY, 2005, p. 5).
Fixado o marco teórico, a investigação da fundamentação das
decisões do STF foi determinada em decorrência da adoção pelo
tribunal do discurso da proporcionalidade em questões de Direitos
Fundamentais e pela validade dessas decisões estar condicionada a
sua fundamentação, nos termos do artigo 93, IX da CRFB.
Intentou-se, nesse sentido, verificar na jurisprudência do STF se
sua aplicação correspondia às orientações dogmáticas do jurista alemão. Para isso procedeu-se coleta de dados junto à jurisprudência do
STF, disponíveis no seu website. Escolhendo a palavra-chave “princípio da proporcionalidade”, no marco temporal de 07/07/2002 até
07/07/2012, obteve-se 189 decisões, entendidas como representativas da práxis jurisprudencial do STF. Todas as decisões foram objeto
de descrição e análise em trabalho anterior (MORAIS, 2013).
Alexy foi utilizado como um dos pressupostos teóricos à análise
pois sustenta que o Direito está orientado à razão prática – dizendo
aquilo obrigado, proibido ou permitido –, cuja estrutura envolveria
regras, princípios jurídicos e procedimentos (ALEXY, 2010, p. 173).
Alguns dos problemas jurídicos poderiam ser resolvidos facilmente,
por regras, outros, com recurso a sopesamentos o que, em última
82 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
ratio, se mostrariam abertos ao âmbito valorativo – moral – do intérprete cujo controle estaria na esfera argumentativo-procedimental.
Essa seria a abertura do Direito à Moral (ALEXY, 2008, p. 29).
Para além das categorias normativas, Alexy sustenta que a legitimidade judicativa é aferida mediante uma argumentação jurídica como forma de justificação racional (ALEXY, 2007, p. 131).
Essa capacidade racional reconheceria a produção procedimental do
consenso e a legitimidade jurídica das decisões judiciais (MORAIS;
TRINDADE, 2012, p. 164).
Retornando à pesquisa jurisprudencial realizada no STF, obteve-se a constatação das seguintes questões (MORAIS, 2013, p. 296-297):
1°) o emprego do discurso da colisão, havendo indicação (ou não)
das categorias colidentes;
2°) a proporcionalidade, as vezes adjetivada como princípio, é enunciada para resolução dos problemas;
3°) a autonomização do discurso sobre os elementos da adequação,
necessidade e sopesamento;
4°) a não preocupação com a produção de uma lei de colisão, na
condição de premissa inicial a ser justificada argumentativamente;
5°) a identificação da proporcionalidade com a noção de proteção do
excesso e proibição da proteção deficiente;
6°) os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade – com referência ao artigo 5°, inciso LIV da CRFB – foram empregados, em boa parte
das decisões, como fundamentos contra o abuso de poder do Estado;
7°) a proporcionalidade era empregada num sentido performático
de justeza ou correção do posicionamento assumido – e, em casos de
aplicação de penas, sobre a sua (in)correção; e
Teorias da interpretação constitucional • 83
8°) o emprego da proporcionalidade geralmente vem acompanhado de
adjetivações como: inquisição dos limites dos limites, núcleo essencial, âmbito de proteção dos Direitos Fundamentais ou reserva legal proporcional.
Em apreciação a essas verificações, o que se notou foi a ressonância de fragmentos da teoria de Robert Alexy no discurso do STF. Essa
condição faz com que a proporcionalidade assuma uma concepção
sui generis, de lógica incomensurável se contrastada a argumentação
jurídica fundada em critérios racionais intersubjetivos.
Exemplo disso, é a aplicação da proporcionalidade nas decisões
sem as devidas explicações sobre as opções valorativas sobre a escolha
dos princípios sopesados e a respectivas hierarquização entre eles.
Portanto, ao manter-se velado os motivos fáticos e jurídicos que
suportam os juízos de sopesamentos, entende-se faltar legitimidade
(democrática) de parte das decisões investigadas, deixando de cumprir com o imperativo da fundamentação (justificação) racional.
Referencial bibliográfico
ALEXY, Robert. Sistema jurídico e razão prática. In: ALEXY, Robert. Direito, razão, discurso: estudos para a filosofia do direito. Tradução de
Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010.
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio
Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
ALEXY, Robert. A fórmula de peso. In: ALEXY, Robert. Constitucionalismo
discursivo. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2007.
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva. 2. ed. São Paulo: Landy Editora, 2005.
MORAIS, F. S. de. 2013. Hermenêutica e pretensão de correção: uma revisão
crítica da aplicação do princípio da proporcionalidade pelo Supremo
84 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Tribunal Federal. São Leopoldo, RS. Tese de Doutorado. Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, 346p.
MORAIS, Fausto Santos de; TRINDADE, André Karam. Ponderação,
pretensão de correção e argumentação: o modelo de Robert Alexy
para fundamentação racional da decisão. SJRJ, Rio de Janeiro, v. 19,
n. 35, p. 147-166, dez. 2012.
Interpretación Judicial de la Corte Constitucional
Colombiana en la sentencia C 590 de 2005, respecto
de los requisitos especiales: decisión sin motivación y
desconocimiento del precedente, en contraste con el
debate entre reglas y principios
Alejandra Marcela Arenas Moreno
Abogada, especialista en Derecho Constitucional y Derecho Administrativo
de la Universidad de Antioquia. Aspirante a Magister en investigación en
Derecho, de la misma Institución. Colombia. Email: alejandrarenas17@gmail.
com.
En la presente ponencia se busca mostrar a partir de la Sentencia
C 590 de 20051, proferida por la Corte Constitucional Colombiana, cual fue la interpretación judicial adoptada por dicho Tribunal,
respecto de los requisitos especiales: decisión sin motivación, que implica el incumplimiento de los servidores judiciales de dar cuenta de
los fundamentos fácticos y jurídicos de sus decisiones en el entendido que precisamente en esa motivación reposa la legitimidad de su
órbita funcional y desconocimiento del precedente, hipótesis que se
presenta, por ejemplo, cuando la Corte Constitucional establece el
alcance de un derecho fundamental y el juez ordinario aplica una
ley limitando sustancialmente dicho alcance. En estos casos la tutela procede como mecanismo para garantizar la eficacia jurídica del
contenido constitucionalmente vinculante del derecho fundamental
vulnerado; y contrastarla con aspectos puntuales del debate entre reglas y principios, que hace parte importante de la discusión actual
respecto de la interpretación y grado de argumentación que debe demostrar el Juez en sus decisiones, para que estén acorde con el Estado
Constitucional de Derecho, donde se garanticen tanto la protección
de los derechos, como la supremacía de la Constitución Política.
Es de señalar que en el mencionado fallo de la Corte Constitucional se establecieron seis requisitos generales y ocho especiales,
86 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
para la procedencia de la acción de tutela contra sentencias judiciales, sin embargo, en esta presentación, aunque se enunciarán todos y
cada uno de ellos, el análisis se centrará en los dos ya señalados.
Para cumplir con dicho propósito, la ponencia se dividirá en tres
partes, en la primera, se expondrá de forma general el surgimiento de la
Corte Constitucional Colombiana en la Constitución Política de 1991
y las funciones que le fueron atribuidas, de igual manera se explicará
en que consiste la acción de tutela y como se ejerce. Lo mismo se hará
con los requisitos de procedibilidad de la acción de tutela, frente a sentencias judiciales, establecidos por el órgano de cierre de la jurisdicción
constitucional colombiana, en la Sentencia C 590 de 2005.
En segundo término, se expondrán de forma sucinta la teoría de
H. Hart, explicada en el texto “El concepto de Derecho”, en lo atinente al Derecho entendido como reglas, luego se pasará a la crítica y el
aporte introducido por Ronald Dworkin, en cuanto a los principios
como parte del Derecho, posteriormente se enunciará el aporte que al
debate de reglas y principios ha hecho Robert Alexy, especialmente en
lo que tiene que ver con la solución de casos puntuales, cuando se presente colisión entre reglas y principios, o algunas variaciones de estos,
por último se describirá el aporte que al debate hacen Manuel Atienza
y Juan Ruiz Manero, frente al carácter abierto o la consideración de los
principios como mandatos de optimización, señalado por Alexy.
En última instancia se hará el contraste entre la interpretación
hecha por la Corte Constitucional en la Sentencia C 590 de 2005,
respecto de los requisitos especiales decisión sin motivación y desconocimiento del precedente, y aspectos puntuales del debate entre reglas y principios. Más exactamente en la forma como debe interpretarse la colisión entre estos, y las posibles soluciones que desde dicho
debate puedan darse a partir de entender las normas y los derechos
como reglas o principios.
Dicho análisis apunta a dar cumplimiento al objetivo propuesto
de hacer el contraste, además de buscar evidenciar, la forma como
la Corte Constitucional al interpretar y decidir sobre los requisitos
de procedibilidad, entendió dichas “normas” como reglas o como
Teorias da interpretação constitucional • 87
principios, y como la presente ponencia nos sirven para fundamentar
mejor las acciones de tutela frente a decisiones judiciales, que vulneren los requisitos especiales escogidos para el presente trabajo, que
se considera, son los que tienen que ver con de forma directa con la
carga argumentativa que tienen los Jueces a la hora de fallar.
Por último, la propuesta aquí presentada, aporta también a la forma de entender el debate entre reglas y principios en clave de interpretación y argumentación jurídica constitucional, no obstante adscribirse
al caso puntual de la Corte Constitucional Colombiana enunciado.
Notas
1
Magistrado ponente Dr. JAIME CÓRDOBA TRIVIÑO.
Derrotabilidade: Perspectivas a cerca de um novo nível de
interpretação jurídica
Lucas Costa Oliveira
Aluno do 6º período em Direito; Faculdade Metodista Granbery; Brasil;
[email protected].
O presente artigo tem como finalidade expor e racionalizar um
novo conceito que vem insurgindo dentro do cenário da Teoria do
Direito, mais especificamente na interpretação jurídica: A Derrotabilidade das normas jurídicas. Dentro desse contexto reflete-se que
uma norma jurídica ainda que válida e totalmente aplicável a um
caso concreto específico, pode ter sua aplicação mitigada, gerando
portando uma decisão que enverede por algo diverso da ideal tradicional de subsunção entre fato e norma. Entretanto, partindo-se do
pressuposto de que todas as normas jurídicas são derrotáveis, duas
questões inauguram a discussão: Quando e como derrotar? A resposta para tanto pode ser construída através da obra Hartiana - The
Ascription of Responsability And Rights - Segundo o teórico inglês,
os conceitos normativos tem um caráter especial em que as normas
jurídicas estão sujeitas a exceções implícitas que não são passíveis de
antecipação. Logo, segundo essa lógica, a aplicação de uma norma
jurídica só pode ser precisada abstratamente se a mesma tiver seguida
de uma clausula de abertura que também não pode ser precisada, mas
que inevitavelmente leve a decisão para a derrota da norma visto que
trará a tona uma exceção implícita quando essa existir dentro das particularidades de um dado caso concreto. Atualmente não condiz mais
com o universo jurídico a adoção de uma lógica Monotônica em que
se estabelece que da relação de determinadas premissas sempre surja
um mesmo resultado, ainda que outras premissas sejam as duas principais adicionadas. Pelo contrário, vige hoje a adoção do raciocínio
lógico Não-Monolítico - as somas de duas premissas principais geram
de fato um determinado resultado, mas que pode ser alterado uma
Teorias da interpretação constitucional • 89
vez que sempre devem ser adicionadas premissas acessórias as principais. Esse novo raciocínio lógico-científico se amolda perfeitamente
à derrotabilidade das normas jurídicas em especial à teoria abandonada por Hart. As novas premissas analisadas se inserem exatamente
no lugar da clausula de abertura como instrumentos derrotadores da
norma. Assim sendo a resposta sobre quando e como derrotar pode
ser resumida em: Sempre que diante de um caso jurídico para o qual
haja uma norma totalmente aplicável, deve se analisar todas as premissas particulares do caso concreto e soma-las às premissas estabelecidas pela norma. Assim a ocorrência de uma premissa que cumpra
o papel da clausura de abertura como premissa derrotadora indicará
como e quando derrotar. Derrota-se quando ocorrer uma premissa
que cumpra esse papel alterador da lógica do raciocínio não-monolítico, e a maneira de se realizar tal superação da norma é provando
tal premissa e as suas influências no caso concreto. Se o Direito fosse
uma ciência capaz de se estruturar por um raciocínio matemático
estaríamos diante de uma resposta altamente satisfatória, porém a
realidade não é essa. Muito pelo contrário nosso trabalho é com uma
ciência da dúvida o que condiz muito mais com uma das pretensões
precípuas da matéria que é regular a conduta humana. Sendo assim
algumas formalidades exigidas à superação de uma regra devem ser
perpassadas. Há de se falar sobre a necessidade de uma justificação
condizente, em que seja demonstrada hipótese de que a aplicação da
regra divergiria da finalidade/propósito da mesma frente ao caso concreto; tal justificação deve ser exteriorizada, escrita e fundamentada,
para que assim possa existir um controle sobre a tomada de decisão;
além disso, a derrotablidade exige uma comprovação condizente com
o caso concreto, superar uma regra significa não simplesmente deixar
de aplicá-la ao caso concreto, significa também arcar com a consequência direta de suprir todas as suas características positivas que no
momento em que a regra é derrotada estão afastadas, isto é: levantar
todas as incertezas e controvérsias possíveis, e fazer uma escolha a
partir disso sabendo que o valor moral da sua decisão será duramente
analisado; tomar uma decisão com discricionariedade e sem um pa-
90 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
râmetro legal positivo de aplicação subsuntiva, e portanto de presumida validade, e ainda assim fazer com que tal decisão seja mantida; e
por ultimo arcar com todo o esforço argumentativo imaginável para
desviar uma decisão da aplicação lógica monotônica já tão arraigada
dentro de nosso sistema jurídico. Creio que até aqui tenha-se esboçado um pouco do que seja a
Teoria da Derrotabilidade, porém isso é somente o início dos problemas a serem enfrentados uma vez que a própria noção básica do
raciocínio lógico adotado afirma a adição de premissas alterando decisões e verdades aparentemente incontestáveis.
Palavras-chave: Derrotabilidade; Superabilidade; Raciocínio Monotônico e Não-Monotônico; Subsunção; Lógica; Moralidade; Valores;
Maniqueismo; Verdade.
A Interpretação do Direito em Dworkin: a interpretação
jurídica como uma forma criativa de interpretação
Robson Vitor Freitas Reis
Graduação em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF
Pos-graduação Lato Sensu em Direito Constitucional Aplicado pela
Faculdade de Direito Damásio de Jesus – FDDJ
Servidor Público na Universidade Federal Alfenas – Campus Varginha
Advogado OAB/MG 141443
Brasil
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5637267621645000
E-mail: [email protected]
No presente trabalho iremos abordar, de forma sucinta, o proposto pelo jusfilósofo Ronald Dworkin em sua obra O Império do
Direito. Nesta obra Dworkin irá tecer uma crítica àqueles juristas que
acreditam que só é possível discutir sensatamente “se (mas apenas
se) todos aceitarmos e seguirmos os mesmos critérios para decidir
quando nossas opiniões são bem fundadas”1 (DWORKIN, 2003, p.
55). Dworkin percebe que tal ideia não se ajusta bem ao tipo de
divergência que comumente ocorre no âmbito jurídico. No direito
grande parte das divergências é teórica e não empírica, e estes juristas
tentam subestimar as divergências teóricas. Argumente-se que advogados e juízes apenas fingem divergir sobre o direito quando o que se
tem em mente é uma decisão sobre aplicar ou não o direito, ou, num
linguajar mais direto, estariam fingindo discutir sobre o direito com
o intuito de criar suas próprias normas. Contudo, para Dworkin,
por vezes, esta dita “camuflagem” não ocorre, e nessas ocasiões estar-se-ia sim diante de uma verdadeira divergência de qual é o direito
para o caso, e não de uma decisão arbitrária acerca de se aplicar ou
não a norma. E tratar todos os casos como se fossem uma tentativa
despótica do juiz decidir se vai ou não aplicar o direito é simplificar
demasiadamente o problema.
92 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Diferentemente do que o sensu comum acredita o direito em
grande medida não é algo claro e preexistente. Quem assim pensa
confunde enunciado normativo com norma. O enunciado normativo
consiste meramente na sequência de palavras de uma lei ou outro ato
normativo qualquer, já a norma é a prescrição de dever ser que é o
resultado do processo de interpretação. Assim, o conteúdo do Direito,
apesar de formalmente estar esculpido na constituição, leis, decretos
etc., somente é obtido substancialmente após um processo de interpretação. Somente após este processo cognitivo interpretativo que se
extrairá a partir dos enunciados normativos, das valorações e dos dados
empíricos as normas aplicáveis aos casos2 (BUSTAMANTE, 2005).
Diante disso, é inevitável que se conclua que o Direito deve
ser entendido como um conceito interpretativo e “qualquer doutrina
digna desse nome deve assentar sobre alguma concepção do que é
interpretação” (DWORKIN, 2003, p. 60).
Em seu livro Dworkin enumera três formas de interpretação: interpretação conversacional, interpretação científica e a interpretação artística.
A primeira, que é a intepretação que ocorre no momento da conversação, do diálogo, teria um viés mais intencional e não causal. Ela não
pretende, tal como poderia ocorrer na interpretação científica, “explicar
os sons que alguém emite do mesmo modo que um biólogo explica o coaxar de uma rã” (DWORKIN, 2003, p. 61). Estando mais diretamente
relacionada ao que, em concreto, o seu interlocutor quis dizer.
Já a segunda, como dito anteriormente, teria um viés mais causal. Seria uma tentativa por parte dos cientistas de, a partir dos dados,
tentar encontrar a lógica que rege os acontecimentos. Para isso, o
cientista deverá interpretar, realizando uma série de juízos de valor no
momento de avaliação destes dados.
A terceira, por fim, seria aquela realizada pelos críticos ao se depararem com poemas, pinturas, peças teatrais, apresentações musicais etc. visando “justificar algum ponto de vista acerca do seu significado tema ou
propósito” (DWORKIN, 2003, p. 61). Teriam muitas semelhanças com
as interpretações das práticas sociais, já que elas “pretendem interpretar
algo criando pelas pessoas como uma entidade distinta delas, e não o que
Teorias da interpretação constitucional • 93
as pessoas dizem, como na interpretação da conversação” (DWORKIN,
2003, p. 61). Ele – Dworkin – atribui a ambas – interpretação artística e
interpretação das práticas sociais – a designação de interpretação criativa,
sendo elas uma forma construtiva de interpretação.
E, dentre estas três formas, Dworkin propõe que a interpretação
do Direito deve se harmonizar mais com a interpretação artística e a
interpretação das práticas sociais, sendo, portanto, uma forma criativa/construtiva de interpretação.
Assim, o objetivo de nosso trabalho é tentar aclarar um pouco
mais esta interessante e, a primeira vista, polémica afirmação. Demonstrando toda sobriedade, maturidade, e, porque não dizer, cientificidade da proposta.
Notas
1
DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
2
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Argumentação contra legem: a teoria
do discurso e a justificação jurídica nos casos mais difíceis. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005.
A legitimidade metodológica da extensão material dos
direitos fundamentais
Fausto Santos de Morais
Doutor em Direito Público (UNISINOS), docente do PPGD da Faculdade
Meridional. Pesquisador com apoio da Fundação Meridional. Advogado.
E-mail: [email protected].
José Paulo S. dos Santos
Acadêmico da Escola de Direito da Faculdade Meridional, bolsista
PROBIC/FAPERGS. E-mail: [email protected].
Este estudo situa-se nas áreas da Teoria dos Direitos Fundamentais e Direito Constitucional, propondo discussões pertinentes ao alcance e aplicação dos Direitos Fundamentais, sobretudo no Brasil. O
trabalho foi idealizado na tentativa de responder a problemática da
(i)legitimidade da extensão dos Direitos Fundamentais materiais, extra-constitucionais (CANOTILHO), através da cláusula de abertura
do artigo 5º, § 2º da Constituição brasileira (MIRANDA) (QUEIROS) (REIS NOVAIS) (SARLET).
Os Direitos Fundamentais, em síntese, podem ser percebidos
como posições jurídicas mínimas, universais e impreteríveis da pessoa humana (enquanto sujeito de direito) positivadas na Constituição, estando destinadas à proteção de determinados bens e direitos
essencialmente proeminentes ou ameaçados (MIRANDA), cuja realização se dá a partir da força normativa desempenhada pelo poder
judiciário (HESSE). Aliás, seria essa força normativa que permitiria
compreender os Direitos Fundamentais como: a) direitos de defesa
(negativos), padrões de vedação ao excesso estatal; b) direito de realização positiva das garantias mínimas, a pretensão de correção delas
emanada, que exigem “o fazer” estatal.
A positivação dos Direitos Fundamentais no texto constitucional inaugura um caráter duplo de fundamentação, qual seja, formal e
material, do qual, a exegese constitucional vem reconhecendo direi-
Teorias da interpretação constitucional • 95
tos além da simples expressão literal das disposições constitucionais.
Essa prática implicaria num ato de criação de direitos.
Primordial para tal prática seria o reconhecimento das normas constitucionais como regras e princípios (ALEXY, 2008), determinados por
procedimentos (ALEXY, 2010) (HABERMAS), cuja interpenetração da
Moral e do Direito se tornariam mais evidente. Assim, para além de uma
simples operação jurídica de reconhecimento de direito diretamente à
disposição constitucional, a atribuição de sentido à cláusula aberta dos
Direitos Fundamentais envolveria a discussão sobre uma metodologia
apta a lidar com a extensão dessa atribuição de sentido.
Nesse contexto, aponta-se três possibilidades: a) discricionária
forte: a autoridade competente poderia atribuir o sentido como decorrência da competência para o exercício de um ato de vontade, cujo
fundamento não poderia ser perquirido pois ínsito a um elemento
psicológico ou político do intérprete (KELSEN); b) discricionariedade fraca argumentativa: reconheceria a discricionariedade à autoridade competente para o exercício do ato de vontade, condicionando-o
a um exercício argumentativa a posteriori como forma de legitimação
da sua decisão (ALEXY, 2005) (ALEXY, 2007); c) discricionariedade
fraca hermenêutica: não reconheceria a discricionariedade do intérprete, exigindo-lhe uma extensão argumentação que dialogasse com
as questões de princípio consagradas na tradição jurídica a que está
atuando (DWORKIN) (MORAIS).
Cabe aqui uma explicação: a diferença entre a discricionariedade
fraca argumentativa e hermenêutica seria que esta exigiria a compreensão
de uma relação entre o Direito e a Moral mediante uma pretensão de
correção formada a priori e explicitada a posteriori (MORAIS). Deste
modo, pode-se conjecturar, a título de exemplo, a proposta aqui referida
poderia aliviar as críticas de insegurança jurídica do reconhecimento de
Direitos Fundamentais não expressos no texto constitucional.
Nesse enredo, o trabalho se justifica por buscar critérios de legitimação da plenipotencialidade material dos Direitos Fundamentais
surgidos através da cláusula de abertura do artigo 5º, § 2º da Constituição brasileira. Ainda, tal reflexão apresenta-se como pressuposto à
96 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
adequada concepção de tutela e efetividade dos Direitos Fundamentais no Estado Democrático de Direito.
Objetiva-se, portanto, evidenciar a necessidade de uma reformulação metodológica que oriente a doutrinária e a jurisprudência
no tocante à extensão dos Direitos Fundamentais não positivados
na Constituição brasileira. Essa investigação ajudará a desvendar as
problemáticas do atual papel do Poder Judiciário, sua atuação e discricionariedade na aplicação e realização dos Direitos Fundamentais.
Para fins metodológicos, o trabalho está orientado e organizado conforme os aportes da fenomenologia hermenêutica (STEIN)
(STRECK, 2011) (STRECK, 2014), sistematizando os conceitos e
as críticas mediante a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial sobre o
estudo da aplicabilidade dos Direitos Fundamentais no Brasil.
Referências bibliográficas
ALEXY, Robert. Sistema jurídico e razão prática. In: ALEXY, Robert. Direito, razão, discurso: estudos para a filosofia do direito. Tradução de
Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio
Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.
ALEXY, Robert. A fórmula de peso. In: ALEXY, Robert. Constitucionalismo
discursivo. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007.
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva. 2. ed. São Paulo: Landy, 2005.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009.
DWORKIN, Ronald. Império do direito; Trad. Jefferson Luiz Camargo;
Rev. Gildo Sá Leitão Rios. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Teorias da interpretação constitucional • 97
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, v. 1.
HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federativa
da Alemanha. Tradução Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. trad. João Baptista Machado. 6. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 1988.
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra, 2012.
MORAIS, F. S. de. 2013. Hermenêutica e pretensão de correção: uma revisão
crítica da aplicação do princípio da proporcionalidade pelo Supremo
Tribunal Federal. São Leopoldo, RS. Tese de Doutorado. Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, 346p.
NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente
autorizadas pela constituição. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010.
QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos Fundamentais. 2. Ed. Coimbra:
Coimbra, 2010.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
STEIN, Ernildo. Exercícios de fenomenologia: limites de um paradigma.
Ijuí: Unijuí, 2004.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.
STRECK, Lenio Luiz. Lições de crítica hermenêutica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014.
Aspectos para um avanço analítico-teórico a respeito da
dignidade humana
Danilo Saran Vezzani
Graduando em Direito pela Universidade Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” (UNESP), campus de Franca, brasileiro.
E-mail: [email protected].
Marco Aurélio Ferreira Caires
Graduando em Direito pela Universidade Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” (UNESP), campus de Franca, brasileiro.
E-mail: [email protected].
Os avanços da teoria constitucional pelos caminhos da ciência
do direito devem muito a Robert Alexy e em termos nacionais a Virgílio Afonso da Silva. Todavia, muito ainda há para ser concretizado,
pois como leciona Bobbio, um dos problemas fundamentais de nosso
período é a distância em relação a sociedade que o “dever ser” jurídico carrega em países que, como o Brasil, sustentam ainda grandes
contradições socioculturais (2004, p. 67-84).
Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho é, por meio, da análise de ambos os autores (Alexy e Silva), contribuir com esse necessário
aspecto transformador que a ciência jurídica deve incorporar à interpretação e à participação constitucional. Em primeiro momento se analisará
o que pode ser visto como um ponto de discordância entre as teorias dos
autores; referente à interpretação que cada um dá a dignidade humana.
Alexy dá especial tratamento à dignidade humana. Ao utilizar
a diferença entre os conceitos de regra e princípio como fundamentação da dogmática dos direitos fundamentais1, o autor leciona que
a dignidade humana trata-se na verdade de duas normas, uma com
caráter de regra e outra com caráter de princípio2 (ALEXY, 2014,
p. 111-112). Tal tratamento diferenciado para a dignidade humana
só pode ser entendido a luz do conceito e, consequentemente, da
validade do Direito. Isso porque a própria condição de possibilidade
Teorias da interpretação constitucional • 99
de uma ciência do Direito tem como base racional de argumentação
um tripé3 que perpassa a moral, a normatividade (norma e sistemas
normativos) e a validade social4.
É pressuposto da lógica-jurídica o que legitima e permite o
Direito, por meio desse tripé mencionado, dentro de uma sociedade, diferenciando-o da violência: uma pretensão à correção5 (ALEXY,
2011, p. 43-48), deve estar presente em toda uma sociedade, podendo esta se levantar contra as instituições jurídicas e seus agentes
diante da ausência dessa pretensão (ALEXY, 2011, p. 39-41).
Já Virgílio Afonso da Silva, trazendo tal teoria para o Brasil, ainda
que concordando com a teoria dos princípios e o vínculo entre conceito e validade de Direito (SILVA, 2011a, p. 30-31), encontra em função
da Constituição brasileira e de uma análise jurisprudencial o problema6
de considerar uma norma como a dignidade humana como princípio
e regra (SILVA, 2011b, p. 201-202). Portanto, a dignidade humana
deveria ser encarada como princípio7, que após o sopesamento com
princípios colidentes, formatará uma regra jurisprudencial.
Exposto tal ponto de discordância e os motivos que levaram cada
um dos autores a se distanciarem no aspecto normativo de seus trabalhos, passar-se-á a uma análise não apenas das consequências que tais
posicionamentos divergentes podem acarretar8, como também, principalmente, o que estes podem significar dentro do campo jurídico.
Como sustenta Virgílio, é sabido que não só em países como
o Brasil a dignidade humana ganha esse aspecto de proeminência e
maior proteção (SILVA, 2011b, p. 195). E que bem como a Alemanha
que passou por problemáticas históricas que justificam essa visão da
dignidade em sua Carta Magna (ALEXY, 2014, p. 113-114), o Brasil
também (SILVA, 2011a, p. 50). Além disso, ainda que não o tivesse
passado, não seria estranho sustentar que devido a influências do mundo globalizado tal aspecto de algum modo já não estaria presente na
interpretação e no posicionamento daqueles que participam mais ativamente do sistema jurídico bem como naqueles menos favorecidos na
lógica do jogo jurídico9, mas que ainda sim participam e exigem uma
proximidade entre tal direito fundamental e a pretensão à correção?
100 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Portanto, não desconsiderando que Virgílio toma suas obras
analítico-dogmáticas por modelos10, é possível considerar que tanto
sua visão quanto a de Alexy, a respeito da dignidade humana, podem
estar corretas. O fato de que existe dúvida entre as teorias e não se
pode acertar se uma delas tem condições de se sobrepor à outra mostra que as conclusões de ambas evidenciam a necessidade de outras
bases empíricas11 além da jurisprudência na ciência jurídica.
Por fim, o último aspecto do trabalho será tentar, por meio da
análise sociológica jurídica, inspiradas nas obras de autores como
Pierre Bourdieu e José Eduardo Faria, poder servir de fundamento
analítico-empírico, tanto para a percepção de quais os ganhos simbólicos para os agentes jurídicos agirem e sustentarem um dos pontos
de interpretação expostos sobre a dignidade ou outros não expostos
e que constituem verdadeiros lugares-comuns no Direito brasileiro,
quanto para a produção de novas pesquisas empíricas no Direito que
proporcionem a possibilidade de se entender como no Direito brasileiro, as estruturas de percepção se relacionam e permitem a relação
com os aspectos matérias, como por exemplo, a desigualdade de bens
e de vocabulário entre dos agentes jurídicos e aqueles que são verdadeiramente jogados no campo jurídico12.
Referências bibliográficas
ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. 1ª ed. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2011.
______. Teoria dos direitos fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2014.
CNJ divulga dados sobre nova população carcerária brasileira. Disponível em <
http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/28746-cnj-divulga-dados-sobre-nova-populacao-carceraria-brasileira>. Visualizado em 07 de Agosto de 2014.
SILVA, Virgílio A. da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.
Teorias da interpretação constitucional • 101
______. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas
relações entre particulares. 1ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.
SOUZA NETO, Cézar C. de. A pessoa e os valores, aspectos do pensamento de Max Scheler. 2003. 88 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Centro de Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica
de Campinas, Campinas. 2003.
Notas
Alexy mostra que a regra é um “mandamento definitivo” (ALEXY, 2011, p.
85), realizáveis em sua totalidade ou não, ou seja, deve-se fazer exatamente
o que ela dispõe, já que ela contém “determinações no âmbito daquilo que
é fática e juridicamente possível” (ALEXY, 2014, p. 91), e que o princípio é
um “mandamento de otimização” (ALEXY, 2014, p. 90), normas que definem algo que deve ser realizado na maior medida possível.
2
Alexy sustenta este argumento devido ao caráter histórico-cultural, marcadamente visíveis nas jurisprudências alemãs bem como na própria Carta
Magna deste país. A primeira norma da dignidade humana é uma regra, que
em razão de seu forte vínculo com a moral e, portanto, com a pretensão à
correção de modo que podem ser consideradas indissociáveis (ALEXY, 2011,
p. 154), apresenta uma maleabilidade semântica, que será trabalhada e solucionada pela segunda após o sopesamento, e permitirá que esta sempre seja
cumprida em sua totalidade (inclusive nos casos que o princípio da dignidade sofrer redução por outro princípio colidente) (ALEXY, 2014, p. 112-114).
3
Todo este tripé-fundamento do direito e do agir jurídico, que pode ser “dividido” para fins didáticos, ocorre, conjuntamente, e não, necessariamente,
em uma relação de igual influência.
4
A validade social caracterizada pela influência que o Direito e os agentes jurídicos exercem nas demais estruturas sociais diante da passagem do
“dever ser” para o “ser” (ALEXY, 2011, p. 151-155).
5
Sendo por esse mesmo pressuposto lógico necessário, para a ciência jurídica, estabelecer bases racionais para se pensar os aspectos morais presentes no Direito, tal base é a teoria dos princípios exposta acima.
É importante deixar claro que para Alexy não é assunto para a ciência do direito definir o que é o aspecto moral, pelo contrário, tendo em vista a pretensão à correção o que deve reinar entre os princípios é o sopesamento. Aliás,
não há bases racionais para garantir que os princípios sejam completamente racionalizados (ALEXY, 2014, p. 155-157). Coloca-se assim para além de
qualquer consideração possível teorias intuicionistas, como a de Max Sche1
102 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
ler, que sustentam a possibilidade de objetivar os princípios (valores). Para
maior aprofundamento na axiologia de Scheler cf SOUZA NETO, Cézar C. de.
A pessoa e os valores, aspectos do pensamento de Max Scheler. 2003. 88 f.
Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Centro de Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas. 2003.
6
Segundo o autor, a má utilização deste princípio como uma regra absoluta é,
em realidade, marca de um simbolismo que, por falta de fundamentação (bases
racionais de interpretação), pode enfraquecer o próprio princípio da dignidade.
7
Como bem afirma Virgílio, rompendo com o entendimento nacional dos
princípios, estes são apenas princípios não em razão de ser um “fundamento central do sistema”, mas sim por possuir uma estrutura normativa
diferente da regra (2011a, p. 36). E pela própria prática jurídica brasileira
estar ligada a essa confusão, seria melhor, a fim de garantir maior razoabilidade à aplicação destes, não sustentar como faz Alexy a dignidade humana como uma regra-princípio (SILVA, 2011b, p. 201).
8
As primeiras consequências podem parecer supérfluas tendo em vista que,
ambas as análises, não só apresentam uma fundamentação próxima, como
também, seguindo tanto pela interpretação de Alexy quanto pela de Silva, os
resultados, em geral podem ser muitos parecidos. Mas tal superficialidade desaparece quando se investiga as causas dessa discordância entre os autores.
9
“A crença que é tacitamente concedida à ordem jurídica deve ser reproduzida sem interrupção e uma das funções do trabalho propriamente jurídico
de codificação das representações e das práticas éticas é a de contribuir
para fundamentar a adesão dos profanos aos próprios fundamentos da
ideologia profissional do corpo dos juristas, a saber, a crença na neutralidade e na autonomia do Direito e dos Juristas (BOURDIEU, 2009, 243-244).
Indivíduos que são, verdadeiramente, profanos ao campo jurídico, mas que
diante da fórmula de Radbruch poderiam ser considerados, e que no Direito brasileiro poderiam ser encontrados aos montes entre os 711.463
presos. (Disponível em < http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/28746-cnj-divulga-dados-sobre-nova-populacao-carceraria-brasileira >).
10
Quanto a tais considerações (cf. SILVA, 2011a, p. 108; 176-177).
11
Não se quer dizer com isso que apenas esse aspecto “conflituoso” das teorias desses autores permitem concluir tal necessidade, nem que apenas aspectos conflituosos permitiriam mostrá-la. Como é possível ver de maneira
bastante direta nas obras de Virgílio, por exemplo, há outros vários momentos que comentam a presença e a importância que assumem alguns conflitos
entre autores e disciplinas dentro do campo acadêmico jurídico e também
como alguns autores podem servir como meio de influência legítima que extrapolam o limite da “cientificidade” de suas teorias (SILVA, 2011a, p. 44-45).
12
Ver nota 9.
A sociedade no STF – diagnóstico e perspectivas:
o caso da ADPF 54
Mário Cesar da Silva Andrade
Mestrando do Programa Direito e Inovação da Universidade Federal de Juiz
de Fora – UFJF; Ex-Professor da Faculdade de Direito da UFJF; Brasil;
e-mail: [email protected]
Atualmente, o controle de constitucionalidade brasileiro tem se
destacado pela crescente realização de audiências públicas, contando,
até o presente momento, com 16 (dezesseis) audiências convocadas,
dentre realizadas e a realizar.
As audiências públicas e o amicus curiae são institutos jurídicos
introduzidos no controle de constitucionalidade brasileiro pelas Leis
nº 9.868 (BRASIL, 1999a) e nº 9.882 (BRASIL, 1999b). Tais institutos funcionam como vias jurídico-processuais colocadas à disposição do Supremo Tribunal Federal (STF) a fim subsidiar a construção
de sua ratio decidendi. Em princípio, eles permitem que especialistas
e parcelas da sociedade civil tragam ao juízo de constitucionalidade
novos elementos, informações, esclarecimentos e visões de mundo
sobre o tema objeto de uma dada ação de constitucionalidade. Por
isso, esses institutos foram festejados pela doutrina como instrumentos de pluralização do controle de constitucionalidade, promovedores de uma maior legitimação democrática das decisões do STF.
Contudo, a potencialidade democrática desses institutos tem se concretizado? Como tais institutos têm sido, efetivamente, aplicados pelo STF?
Dentro desta perspectiva, pretende-se analisar como o STF tem concretizado as potencialidades franqueadas pelo instituto das audiências públicas.
Acredita-se que o potencial democrático-discursivo desse instituto de participação social não tem sido suficientemente consumado,
devido à quase total ausência de diálogo entre os participantes das
audiências públicas, o que tem impedido o intercâmbio argumentativo-reflexivo sobre os argumentos levantados nessas audiências. Os
104 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
institutos jurídicos de participação social no processo decisório do
STF, em sede de controle de constitucionalidade, não têm liberado
seu potencial reflexivo-emancipatório e de reconstrução institucional, nem parecem ter proporcionado uma renovação na legitimação
democrática das decisões do Tribunal, apesar do incremento argumentativo do processo decisório. Isso pode ser explicado por dois
fatores: (1) a transposição ao STF do juízo técnico dos experts, característico das perícias presentes nas instâncias ordinárias; e (2) a
busca apenas formal por legitimação democrática, desconsiderando o
caráter sócio-dialógico e pluralista do percurso argumentativo.
Para a pesquisa pretendida, adota-se como referencial teórico
a teoria da democracia deliberativa, a qual preceitua que a prática
democrática não deve estar limitada ao preenchimento eleitoral e
periódico de mandatos representativos, devendo abarcar também a
intervenção direta, efetiva e eficaz dos cidadãos nos procedimentos
de tomada de decisão e de controle da atuação dos poderes públicos.
Adota-se a análise de conteúdo como via metodológica, haja vista a pretensão de analisar como os argumentos levantados pelos expositores das audiências públicas foram abordados pelos ministros do
STF em seus respectivos votos. Para essa pesquisa, escolheu-se as audiências públicas realizadas pelo STF nos dias 26 e 28 de agosto, e 4 e
16 de setembro de 2008, sobre a constitucionalidade da interrupção
da gestação de fetos anencéfalos, as quais subsidiaram o julgamento
da ADPF nº 54. Essa escolha deu-se pela grande controvérsia que
subjaz à questão, haja vista o envolvimento de contrapostas visões
morais, éticas, religiosas, científicas e sociais sobre o tema em pauta.
Essa pluralidade argumentativa ressalta as audiências públicas realizadas sobre essa questão como um importante objeto para evidenciar
como o STF interage com as diversas visões e valorações possíveis
sobre um dado assunto socialmente problemático.
A análise depende do isolamento, catalogação e categorização de
todos os argumentos levantados pelos expositores das referidas audiências públicas. Ademais, a identificação da quantidade de expositores
Novas propostas de democratização do controle de constitucionalidade • 105
que levantaram um argumento denota a importância do mesmo, bem
como o impacto das omissões dos ministros do STF e da falta de proc.
Identifica-se que, apesar de o objetivo legal das audiências públicas ser oferecer esclarecimentos técnicos para as decisões dos ministros
do STF, os expositores identificam tais institutos como uma possibilidade de contribuir para o juízo do STF com as diversas visões de mundo presentes na sociedade, havendo, portanto, uma divergência entre
o objetivo legal e a pretensão dos participantes. Além disso, conclui-se
que as audiências públicas realizadas pelo STF não têm efetivado toda
a sua potencialidade discursiva, independentemente, do objetivo almejado, seja o de fornecer suporte técnico, seja o de democratizar o controle de constitucionalidade, pois essas audiências públicas têm sido
caracterizadas pela ausência de diálogo entre os participantes, e pela
omissão dos ministros em relação a diversos argumentos levantados.
Constitucionalismo popular e crítica à supremacia
judicial: lições para o Brasil
Miguel G. Godoy
Doutorando em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR), Brasil. Visiting Researcher na Harvard Law School. Pesquisadorbolsista do CNPQ. Membro e Pesquisador do Núcleo “Constitucionalismo e
Democracia: Filosofia e Dogmática Constitucional Contemporâneas” da UFPR.
E-mail: [email protected].
Se a Constituição, mais do que organizar o poder do Estado,
constitui o compromisso fundamental de uma comunidade de pessoas que se reconhecem reciprocamente como livres e iguais (NETO;
SCOTTI, 2011, p. 19-20), então o significado e conteúdo das normas
constitucionais também só adquirem sentido quando o povo participa
da tarefa de interpretação e concretização da Constituição. Vale dizer,
o sentido da Constituição deve ser construído e definido coletivamente
entre o povo e as instituições da sociedade. Nesse sentido, é de se destacar o papel fundamental de juízes e cortes na definição da interpretação
constitucional e da aplicação da Constituição. No entanto, a efetivação da Constituição não pode viver apenas da interpretação do Poder
Judiciário em geral, e do Supremo Tribunal Federal em particular. Ao
contrário, a Constituição só pode ser plenamente realizada pela política democrática. Em uma sociedade que se pretenda democrática e
igualitária – e a Constituição de 1988 assim nos constitui – a tarefa de
interpretar a Constituição, definir o conteúdo e o alcance de suas previsões, deve ser feita de forma conjunta e compartilhada pelos Poderes,
instituições e povo. No Brasil, especialmente a partir da Constituição
de 1988, a recepção e desenvolvimento de teorias hermenêuticas e de
aplicação da Constituição teve como consequência uma crença exacerbada na transformação do Estado e da sociedade por meio do Direito e
de seus aplicadores. O pêndulo tendeu demasiadamente para um lado
– o lado do Direito. Daí a necessidade de se retomar a interpretação e
aplicação da Constituição não apenas por meio de teorias de interpre-
Novas propostas de democratização do controle de constitucionalidade • 107
tação e aplicação, mas também por meio da política democrática. Se é
certo que a Constituição é norma e deve ser cumprida, por outro lado
ela só se realiza plenamente por meio da política democrática. Uma
política democrática que, no Brasil, tem deixado de lado seu elemento
mais fundamental: o povo. Daí a importância do constitucionalismo
popular, compreendido como movimento teórico crítico da ideia de
supremacia judicial e última palavra e defensor de um papel central
para o povo na interpretação da constituição. No entanto, a adoção
de teorias nascidas distantes da realidade brasileira, como é o caso do
constitucionalismo popular, exige cautela e atenção. Se por um lado
é importante trazer a tona umas das principais discussões da teoria
constitucional contemporânea, por outro é preciso cuidado para a adequada tradução desse debate aos nossos problemas, de tal forma que
essa adoção nos possibilite descortinar os nossos próprios problemas
jurídicos, políticos e sociais. Por isso, é preciso destacar que neste trabalho opto por tomar o constitucionalismo popular como um ponto
de partida, vale dizer, como instrumental teórico crítico apto a nos fazer repensar as nossas teorias e práticas políticas e jurisdicionais. Nesse
sentido busco, sobretudo, me valer mais das reflexões e críticas teóricas do constitucionalismo popular do que de suas propostas normativas. Se não me parece adequado importar as alternativas normativas e
institucionais propostas pelo constitucionalismo popular, como, por
exemplo, a extinção do controle judicial de constitucionalidade das
leis (TUSHNET, 1999), a primazia do Parlamento sobre os demais
Poderes (WALDRON, 2003) ou o impeachment de juízes (KRAMER,
2004), suas reflexões e críticas teóricas, no entanto, nos propiciam repensar nossas práticas, instituições políticas e jurisdicionais.
Litígio Estratégico no Movimento das Mulheres:
instrumento de compensação na lógica do
estruturalismo jurídico?
Lívia Gil Guimarães
Mestranda em Direito do Estado da Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo (USP), Brasil. ([email protected]).
Este artigo discute questões importantes sobre a relação da prática do litígio estratégico, realizado pelo movimento das mulheres no
Supremo Tribunal Federal, com o estruturalismo jurídico. O texto
analisa como entidades ligadas aos direitos das mulheres, tidas como
vulneráveis nas esferas Legislativa e Executiva do poder, dialogam
numa linguagem estratégica com o Judiciário, visando a conquista de
direitos outrora negligenciados, ou mesmo, negados naquelas esferas.
Apresento a ideia de litígio estratégico como forma de combate à
herança estrutural patrimonialista e patriarcal existentes na sociedade
brasileira, noções que atravancam o avanço de direitos individuais e
sociais ligados ao ser humano mulher. Adiante, traço breves linhas
de como o processo de democratização, no Brasil, favoreceu ao continuísmo do patrimonialismo e paternalismo herdados do período
colonial, de forma a refletir nas estruturas econômicas e políticas, as
quais reproduzem, atualmente, na esfera legislativa e executiva, uma
lógica de esquecimento dos direitos das minorias. A partir daí, busco
estabelecer o liame existente entre o litígio paradigmático e a ideia de
desenvolvimento, bem como a sua possível ligação direta com a redução das desigualdades econômicas e sociais e alteração das estruturas, por meio da consecução e concretização dos direitos e liberdades
substantivas. A ideia central nessa parte do texto é de que o êxito de
uma sociedade estaria intrinsecamente relacionado ao grau de liberdades substantivas que podem ser ali desfrutadas e, então, o litígio
estratégico, por meio do Judiciário, seria meio propício à obtenção
dessas liberdades e direitos. Destaco o fato de que as instituições,
Novas propostas de democratização do controle de constitucionalidade • 109
quando funcionam favoravelmente às propostas à que foram construídas, desempenham papel importante de fomento das liberdades
e direitos e, consequentemente, podem contribuir significativamente
ao desenvolvimento econômico e social, reduzindo desigualdades.
Não obstante essas análises, procuro relativizar os pressupostos de
que toda e qualquer prática do litígio paradigmático, da forma como
realizada e recebida no Brasil, é positiva em sua essência. Indago pontos cruciais do quanto anteriormente estabelecido, a fim de ponderar,
em uma balança sem pesos e contrapesos absolutos, se o litígio estratégico estaria apto a atacar as estruturas políticas e econômicas, ou se,
contrariamente, significaria mera medida compensatória para grupos
menos favorecidos no âmbito jurídico. Aponto como indícios dessa
relativização a assimetria de informações existente entre os grupos e
indivíduos que atuam em casos de litígios estratégicos , bem como o
limite e alcance a que se pode chegar com esse tipo de litígio no Judiciário, principalmente quando se fala em mera importância do ganho
do caso concreto ou em uma real consecução de políticas públicas
voltadas ao grupo em ação. Sobre este segundo aspecto, o questionamento gira em torno da própria noção de litígio estratégico praticado
atualmente no Brasil, bem como do funcionamento das decisões do
STF em relação aos demais poderes. Apesar de identificar pontos que
relativizam o potencial ativista de grupos praticantes do litígio paradigmático e consequentemente, o papel ativista da mais alta Corte
brasileira, termino por ponderar e responder , mesmo que de maneira ainda não completamente hermética, às relativizações levantadas
neste estudo, de forma a não descartar o uso do litígio estratégico como
ferramenta jurídica capaz de, criativamente, influenciar e proporcionar
o desenvolvimento, conforme destacado no início do artigo.
O papel construtivo das possibilidades deliberativas para
legitimidade e democratização de decisões constitucionais
Ludmila Lais Costa Lacerda
Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas
Gerais, Brasil – [email protected].
É possível destacar a teoria da decisão proposta por Ronald
Dworkin nos moldes da considerada “resposta correta”. Dworkin
não tratou de fixar qual poder democraticamente instituído seria o
principal responsável1 por essa resposta (inclusive em um possível
embate entre os Poderes Judiciário ou Legislativo). Adiante do debate
sobre uma possível “última resposta”2 ou “prevalência” institucional
para a tomada de decisão, destaca-se a importância que a mesma
possa ser considerada legítima e democrática.
Dworkin também destaca em sua obra que a decisão, ou “resposta
correta”, é resultado provisório, fruto do tempo e história, já que sempre
está ligada à interpretação construtiva3 (de princípios) dos membros da
comunidade a partir da interação e prática social, inclusive dos representantes em atuação nas instituições e de mecanismos políticos e jurídicos.
A partir de então é importante discorrer sobre a concepção de democracia constitucional e o papel da deliberação4 para essa construção
mútua das decisões por atores sociais. O objetivo é melhor elucidar a
ligação entre a possibilidade deliberativa tanto no âmbito institucional
(foco interno, entre integrantes das instituições no exercício de suas
funções e tomadas de decisão) quanto social (sociedade civil), além de
mecanismos de participação, inclusive através da atividade argumentativa, destacando as questões morais, força e reconhecimento de autoridade aos argumentos apresentados pelos participantes na deliberação.
Considerando o mecanismo do judicial review e os limites da
deliberação, principalmente nas atividades do Supremo Tribunal Federal, Mark Tushnet defende a ideia de ilhas de controle fraco em sistemas fortes, ou seja, que determinadas matérias possam ser elemen-
Novas propostas de democratização do controle de constitucionalidade • 111
tos de fluxos para diálogo mais rápido e permanente entre o Poder
Judiciário e o Poder Legislativo. Em tais diálogos, podemos observar um modelo de judicial review “fraco”, onde as cortes exerceriam
função diretiva, mas não conclusiva e definitiva, Tushnet denomina
esse modelo de: “managerial model”5. Indo além do modelo, busca-se
desenvolver a proposta dos diálogos em um modelo “fraco” e em
um modelo “forte”, questionando se há necessidade que as cortes
exerçam somente função diretiva ou conclusiva para que exista cooperação institucional, ou se a mesma independe de qualquer decisão
denominada como “definitiva” ou “final”.
Relevante destacar a função representativa dos Poderes Judiciário,
Executivo e Legislativo e forma de indicação dos integrantes de cada
esfera de Poder para a legitimidade democrática instituída. Desenhos
institucionais que objetivam maior “diálogo institucional” na informação e tomada de decisão podem melhor orientar, compreender, justificar e apontar soluções para as necessidades, demandas e conflitos em
relação a determinado espaço e tempo. Além de auxiliar na organização
da pauta de reivindicações da comunidade e ajudar no direcionamento
de políticas públicas. Contudo, há o risco de fechamento das instituições para a participação social através de outros canais de comunicação
efetivos e dinâmicos complementares da ideia democrática de representação, também há risco de burocratização, clientelismo e postura de
instituições como “superego de uma sociedade órfã”.
Junto de uma melhor articulação institucional e desenvolvimento de estruturas internas sobre o modo e locus para aperfeiçoamento das tomadas de decisões constitucionais, é preciso trabalhar com
mecanismos de participação da sociedade civil junto das principais
instituições representativas do Poder Público, o modelo brasileiro já
conta com institutos como o “amicus curiae” e “audiências públicas”
no âmbito do Poder Judiciário. Tais balizadores de participação são
criticados principalmente pela abertura a argumentos pragmáticos
e consequencialistas (em contraponto à “argumentos de princípio”)
para decisões em uma corte constitucional, além de dependência de
112 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
voluntarismo dos responsáveis por uma decisão “conclusiva” em cultivar e respeitar uma ética deliberativa, entre outras críticas.
É possível dizer que há possibilidade de benefícios como maior
e melhor circulação de informações na esfera pública, transparência,
accountability e novos argumentos trazidos ao debate, o que pode
fortalecer também a legitimidade de instituições públicas e ações justificadas diante da sociedade. Contudo, há a questão da morosidade,
o que por sua vez, não pode ser considerada como sinônimo de decisões céleres com qualidade e participação democrática. Outro perigo
pode ser a usurpação e captura dos canais de comunicação com a
sociedade por grupos ou indivíduos com interesses que não atendam
o caráter da coletividade, mas esse é um risco que envolve também as
funções representativas e não somente a possibilidade de canais para
participação direta ou argumentativa por setores da sociedade civil.
Nesse sentido, pretende-se ainda, e finalmente, desenvolver de forma
reflexiva propostas de inovação para participação da sociedade civil,
como os “júris constitucionais” propostos por Eric Ghosh6.
Por fim, o trabalho visa contribuir para que decisões constitucionais mais democráticas e com qualidade em termos de participação sejam alcançadas dentro da esfera pública.
Notas
DWORKIN, Ronald. 2006. Direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. São Paulo: Martins Fontes.
2
WALDRON, Jeremy. 2006. The Core of the Case Against Judicial Review. v.115.
The Yale Law Journal e MENDES, Conrado Hübner. 2007. Controle de Constitucionalidade e Democracia. São Paulo e Rio de Janeiro: Campus Elsevier.
3
DWORKIN, Ronald. 1999. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes.
4
Destaque sobre uma concepção de deliberação mais próxima da proposta aqui
discutida - ver em: MENDES, Conrado Hübner. 2013. Constitutional Courts and
Deliberative Democracy. Oxford: oxford university press. – Ver também: HABERMAS, Jürgen. 1995. Três modelos normativos de democracia. Lua Nova. n.36.
5
TUSHNET, Mark. 2006. Weak-form Judicial Review and “Core” Civil Liberties. Georgetown Law Faculty publications and other works.
6
GHOSH, Eric. 2010. Deliberative Democracy and the Countermajoritarian
Difficulty: Considering Constitutional Juries. Oxford J Legal Studies.
1
Dissenso e democratização do controle de
constitucionalidade: fundamentos para o diálogo
institucional a partir de Carl Schmitt e Chantal Mouffe
Jairo Néia Lima
Mestre em Ciência Jurídica (Universidade Estadual do Norte do Paraná UENP). Especialista em Filosofia Política e Jurídica (Universidade Estadual de
Londrina - UEL). Professor (UENP). Brasil. [email protected].
Dentre as diversas perspectivas as quais a tensão do constitucionalismo com a democracia pode se expressar, é possível vislumbrá-la
no controle de constitucionalidade, no qual as decisões políticas originárias da representação popular são revisadas por meio de corte judicial não eleita. Nesse ponto, apresentam-se os argumentos críticos
de Jeremy Waldron, Mark Tushnet e Larry Kramer. Waldron critica
a revisão judicial norte-americana com base na fragilidade democrática da Suprema Corte quando comparada com a representatividade
presente no Parlamento. Já Tushnet aponta a potencialidade democrática do controle de constitucionalidade fraco, no qual haja mecanismos de respostas legislativas de curto prazo às decisões de judicial
review. Por fim, Kramer posiciona-se firmemente contra o judicial
review pelo caráter elitista desse instituto em detrimento das decisões
políticas que devem ser tomadas pelo povo. Tais análises envolvem
a crítica à supremacia judicial, ou seja, o direito de o Judiciário dizer a última palavra sobre o sentido das normas constitucionais e a
possível participação do Legislativo nessa atividade. Essa perspectiva
indica a necessidade de que as decisões sobre a Constituição estejam
abertas ao diálogo entre as instituições em detrimento do monopólio
da interpretação, já que a dicotomia constitucionalidade/inconstitucionalidade apresenta caráter não exclusivamente jurídico, mas essencialmente político por decidir sobre os fundamentos que constituem
a sociedade. Nesse contexto, para que o diálogo aconteça é preciso
114 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
que o dissenso possa se expressar. Assim, se as interpretações constitucionais não podem sofrer discordância razoável, não há diálogo.
Todavia, a fundamentação do dissenso no controle de constitucionalidade não está totalmente aclarada, principalmente sua possível
relação com o aperfeiçoamento da democracia, já que nos últimos
anos o âmbito teórico-político tem dedicado maior valor ao consenso
fruto da deliberação. Diante dessa zona limítrofe, busca-se investigar
o problema em torno dos fundamentos aptos a sustentar a institucionalização do dissenso no controle de constitucionalidade a fim
de aprofundar o ideal democrático por meio da abertura ao diálogo.
Com o objetivo de trazer elementos para esse problema, levanta-se a
hipótese de que a partir da leitura do conceito schmittiano de político e de sua retomada feita por Chantal Mouffe, o dissenso, como
manifestação do político, assume papel de destaque no aprimoramento da democracia e, em razão disso, necessita ser potencializado
por meio da sua institucionalização, para o presente caso, no âmbito
do controle de constitucionalidade. Desenvolve-se, dessa maneira,
argumentação do resgate que Chantal Mouffe faz de Carl Schmitt
em sua definição do conceito de político pela identificação da categoria amigo/inimigo e da potencialidade aniquiladora que os conceitos
liberais possuem em relação ao político. Em Schmitt, a definição do
conceito de político só pode ser obtida pela identificação de uma categoria especificamente política, qual seja, a diferenciação entre amigo/inimigo. Trata-se de critério autônomo que objetiva evidenciar o
grau de intensidade de associação ou desassociação entre os homens.
Além disso, Schmitt credita à democracia liberal responsabilidade
pela negação do político, pois o racionalismo liberal não enxerga o
antagonismo e a extrema contingência da realidade humana. Essa
visão em prol de uma sociedade pacificada desconsidera a distinção
amigo/inimigo e, por isso, nega o político. A partir desse diagnóstico,
Mouffe reforça o papel constitutivo que o antagonismo exerce nas
sociedades buscando conciliá-lo com o pluralismo democrático. Tal
antagonismo funda-se no reconhecimento da existência legítima do
adversário com o qual se compartilha dos princípios éticos-políticos
Novas propostas de democratização do controle de constitucionalidade • 115
constitutivos da democracia, mas diverge-se em relação ao conteúdo
desses postulados. Trata-se, desse modo, de um consenso conflitual
diante da possibilidade de diversas interpretações desses princípios.
O legítimo adversário não se confunde com a denominação de um
inimigo eliminável, muito menos com um desafeto pessoal, pois são
pessoas cujas ideias discordamos, mas não do direito de defendê-las.
A autora entende que a inerradicabilidade do antagonismo não quer
dizer que os adversários não possam cessar de discordar, os acordos são
partes do processo político, mas com a excepcionalidade de uma confrontação em curso. Os acordos, portanto, não provam a erradicação
do conflito. Assim, a preocupação da autora em relação ao desapego
pela vida política vem expressa pelo excesso de ilusão de que se vive sob
consenso sem conflitos. Considera tal visão uma ameaça à democracia,
pois nega o político em seu caráter agonístico, já que o consenso tende a silenciar vozes dissidentes porque é impossível estabelecê-lo sem
exclusão. É essencial para a democracia, portanto, que o dissenso se
manifeste em razão de o interesse público ser sempre discutível e, por
isso, não objeto de acordo final, pois tal concepção pressupõe uma sociedade sem política. A partir desses argumentos, conclui-se que o dissenso assume papel relevante no aperfeiçoamento democrático quando
é vislumbrado sob a óptica do conceito schmittiano de político retomado por Chantal Mouffe, em razão disso, sua institucionalização no
controle de constitucionalidade promove um diálogo que pode tornar
produtiva a tensão inerradicável entre democracia e constitucionalismo
ao produzir decisões legitimadas e sempre abertas ao desacordo.
Constitucionalismo Popular Mediado: a promessa
delicada de um diálogo social seletivo e pelo alto
Joana de Souza Machado
Professora Assistente da Faculdade de Direito da Universidade Federal de
Juiz de Fora – MG. Doutoranda e Mestre em Direito pela PUC-Rio. Brasil.
E-mail: [email protected].
O presente trabalho retrata conclusões parciais da pesquisa realizada em fase de doutoramento, em torno do uso de instrumentos de
diálogo social pelo Supremo Tribunal Federal, especialmente o instrumento da audiência pública na tomada de decisão sobre controle
de constitucionalidade de atos normativos.
Com apoio no referencial epistemológico da racionalidade comunicativa de Habermas (2003), foi problematizado o diagnóstico
de que a crescente utilização de audiências públicas pelo Supremo
Tribunal Federal seria indicativa de um processo democratizante do
poder de dizer o que é o Direito, na trilha de um suposto constitucionalismo popular mediado, tal como descrito no contexto norte-americano por Barry Friedman (2003).
A hipótese investigada na pesquisa é de que embora o Supremo Tribunal Federal, por meio das audiências, viabilize uma abertura do constitucionalismo para a sociedade, a mediação do Tribunal acaba por imprimir
ao diálogo social caráter seletivo e, em alguma medida, autoritário.
Para testar a hipótese, a pesquisa, inicialmente, debruçou-se sobre a
distinção entre constitucionalismo popular (KRAMER, 2004; TUSHNET, 2006) e constitucionalismo popular mediado (FRIEDMAN, 2003).
Identificou, essencialmente, que os adeptos do constitucionalismo popular reconhecem o Direito Constitucional, ou a atividade
de interpretar a Constituição, como uma produção a um só tempo
jurídica e política. Ao interpretar a Constituição, haveria em alguma
medida um compromisso retrospectivo, de se buscar, com a observância da legislação e dos precedentes judiciais, o que já se disse sobre
Novas propostas de democratização do controle de constitucionalidade • 117
a Constituição; mas também o desafio prospectivo, de se extrair para
o futuro o que de melhor a Constituição teria a oferecer.
Nessa trilha, a produção constitucional seria fruto de uma conversa paritária entre os Poderes do Estado – Executivo, Legislativo e
Judiciário. Paritária no sentido de que a última palavra sobre a Constituição não recairia invariavelmente sobre o mesmo Poder. Ao contrário, a produção constitucional deveria refletir concepções populares, e não apenas técnicas, sobre o significado do texto constitucional.
O Constitucionalismo Popular Mediado reivindica a tese de
que os adeptos do constitucionalismo popular estariam, na prática,
obtendo essa desejada sintonia entre a jurisdição constitucional – a
atividade de dizer o que é a Constituição – e a opinião pública, mas
de forma mediada pelos tribunais, o que seria interessante para se
evitar uma politização excessiva da atividade ou um esvaziamento da
função contramajoritária da jurisdição constitucional.
Aplicando-se essas distinções para o campo de trabalho da pesquisa, isto é, o uso de audiências públicas pelo Supremo Tribunal
Federal, concluiu-se que o caminho pelo qual se constrói a relação
constitucionalismo e democracia – e não apenas o resultado final
(eventual sintonia entre opinião pública e produção constitucional)
– importa. Se o diálogo social, ao invés de contar com a interação
entre os poderes, é estabelecido diretamente pelo alto, ou seja, pelo
órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro diretamente com a
sociedade, e apenas por iniciativa seletiva do Tribunal, esse diálogo
pode servir para enfraquecer ainda mais as instituições políticas, ao
invés de contribuir para o incremento da democracia.
118 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Public Participation in Constitution Building Processes
Diego Andrés González Medina
Colombia. LL.B (Universidad Externado de Colombia, 2008), Master
in Laws (Universidad Externado de Colombia, 2013), and LL.M – Fulbright
Scholar (University of California, Berkeley). Professor of Fundamental Rights and
Constitutional Justice of the School of Law at Universidad Externado de Colombia
(2008-2014) and a Consultant for the Ministry of Justice and Law of Colombia (2014).
Consultant for the German International Agency of Cooperation (GIZ, 2008-2013).
E-mail: [email protected] y [email protected].
Our times are the era of constitution-building. An exceptional
boom in constitution-building processes has taken place over the last
thirty years1, so that approximately half of the two hundred existing
national constitutions have been enacted or reformed in that period2.
Additionally, “in any given year, some 4 or 5 constitutions will be replaced, 10 to 15 will be amended, and another 20 or so proposals for revision will be under consideration”3. It seems that ours is the most prolific era of constitution-building since the very promulgation of the
first modern constitutions in the United States, France and Poland,
between 1780 and 17914. In those terms, constitution-building is
both a classical theme and a contemporary issue within constitutionalism and in political theory and practice. By 1995, Jon Elster regretted the lack of literature on constitution-building and constitution making5. Since then, numerous organizations, research centers, constitutionalists, constitution-makers and
social scientists have been focused on constitution-building. Nowadays, there is a considerable range of specialized literature in constitution-building: from theoretical and conceptual analysis6 to empirical
and comparative studies about different stages, factors and outcomes
of constitution-building processes7. In particular, an extraordinary
amount of research has been done on the relationship between constitution-building and post-conflict societies in the last couple of decades.
Novas propostas de democratização do controle de constitucionalidade • 119
Such academic interest is not merely coincidental since constitution-building processes have been related to social and political crises8:
in fact, most of the constitutions enacted in the last decades have been deeply related to violent conflicts9. Despite this depth of academic study, the
relationships between constitution-building, conflict resolution and
post-conflict societies remain complex and controversial, to say the least.
On the one hand are those scholars and constitution-makers
who consider that constitution-building is the ideal scenario to tackle
several of the most critical issues of post-conflict societies and is also
a historic opportunity to promote democratization and sustainable
peace10. On the other hand, some scholars and experts consider that
the relationship between constitution-building –particularly, constitution making- and peacemaking, is a “dysfunctional marriage”11.
Finally, some authors are skeptical about the relationship between
constitution-building, conflict resolution and peacemaking. In their
opinion, constitution-building in conflict or post-conflict societies is
hyper-inflated by great expectations12.
This paper does not explore comprehensively the relationship
between constitution-building and peace making. Its purpose is far
more modest: to examine the role of public participation in constitution-building processes, particularly within post-conflict societies. This paper analyzes the pros and cons of public participation and
public referenda in constitution-building processes, utilizing comparative studies and lessons learned from various experiences around
the world. Additionally, this paper analyses the current Colombian
debate concerning public participation and public referenda in the
constitution building process that is expected to follow the aftermath
of the current Colombian peace process.
In that framework, this paper argues that public participation is
one of the most important factors in constitution-building processes13. Democracy involves the participation of citizens in selecting their
representatives to make decisions, but also involves their direct immersion in deciding on the most important political, social and economic themes14. Additionally, public participation plays a key role in
120 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
constitution-building processes as long as the new constitutionalism is
embraced in the idea of constitutional democracy15. In this sense, public
participation has become a vital element in constitution-building processes, although it faces important dilemmas and challenges16.
Despite its theoretical relevance, assessing the real impact of
public participation in constitution building faces at least three obstacles. First, public participation has traditionally been studied in
relation to formal procedures of decision-making as referendums or
constituent assembly. However, there are no studies on the informal
processes such as civil society mobilizations or public contributions
to constitution-building processes17. Second, there is no consensus
on the criteria to evaluate the real effects of public participation on
constitution-building. Researchers gauge effects on processes, public
debates, constitutions, and implementation of constitutions, among
other scenarios. Finally, there remain few empirical studies on public
participation in constitution building processes.
Notwithstanding this, this paper contends that public participation in constitution building process has six benefits: (a) Promotion of constitutional pedagogy; (b) Protection of human rights and
democracy; (c) Legitimation and support for Constitutions; (d) Accountability of constitution-building process; (e) Durability of constitutions; and (f ) Promotion of sustainable peace and democratization. Also, public participation in constitution building processes
involves at least five risks: (a) incoherence in the constitutions; (b)
high transactional costs; (c) risks in the implementation; (d) risks
of manipulation; and (e) utopic constitutions. At the end, in spite
of the significant amount of different experiences and cases, there is
space for skepticism about the actual benefits and risks attached to
public participation in constitution building processes18, which effects -all in all- depend on the particularities of each context.
Notes
1
Institute for Democracy and Electoral Assistance, [I.D.E.A], CONSTITUTION-BUILDING AFTER CONFLICT: EXTERNAL SUPPORT TO A SOVEREIGN PROCESS, 8, [2011].
Michele Brandt, Jill Cottrell, Yash Ghai, and Anthony Regan, CONSTITUTION-MAKING AND REFORM, iv, [2011]. In contrast, Jennifer Widner, CONSTITUTION WRITING IN POST-CONFLIC SETTINGS: AN OVERVIEW, 49 Wm.
& Mary L. Rev. 1513, [2008]. She points out “During the past forty years, over
200 new constitutions have merged in countries at risk of internal violence”.
3
Tom Ginsburg, Zachary Elkins, and Justin Blount, DOES THE PROCESS OF
CONSTITUTION-MAKING MATTER? Annu. Rev. Law Soc. Sci., 5, [2009].
4
Jon Elster, FORCES AND MECHANISMS IN THE CONSTITUTION-MAKING
PROCESS, 45 Duke Law Journal, 368, [1995].
5
Elster, supra note 4, at 364.
6
See generally, Elster, supra note 4. Andrew Arato, FORMS OF CONSTITUTION MAKING AND THEORIES OF DEMOCRACY (1995). Cardozo Law Review, Vol. 17, [1995-1996]. Angela Banks, EXPANDING PARTICIPATION IN
CONSTITUTION MAKING: CHALLEGES AND OPPORTUNITIES. 49 Wm. &
Mary L. Rev. [2008].
7
See generally, Institute for Democracy and Electoral Assistance, [I.D.E.A], supra
note 2. Widner, supra note 3. Ginsburg, Elkins, and Blount, supra note 4. Cfr. Kirsty Samuels, CONSTITUTION BUILDING PROCESSES AND DEMOCRATIZATION:
A DISCUSSION OF TWELVE CASE STUDIES, [2006]. Yash Ghai and Guido Galli,
CONSTITUTIONBUILDING PROCESSES AND DEMOCRATIZATION, [2006].
8
Elster, supra note 5, at 370.
9
Peter H. Russell, CONSTITUTIONAL ODYSSEY: CAN CANADIANS BECOME
A SOVEREIGN PEOPLE?, 116, [1993] “No liberal democratic state has accomplished comprehensive constitutional change outside the context of some
cataclysmic situation such as revolution, world war, the withdrawal of empire, civil war, or the threat of imminent breakup.”
10
Institute for Democracy and Electoral Assistance, [I.D.E.A], supra note 2, at 8.
11
Ludsin, Hallie, PEACEMAKING AND CONSTITUTIONAL-DRAFTING: A DYSFUNCTIONAL MARRIAGE. U. Pa. J. Int´L., 239, [2011] In this sense, Hallie
Ludsin considers that the compatibility between those tools and their goals
has been presumed, even though “deep and inherent tensions surface during
the merger of these two processes”. Given that constitution-building goals are
generally subordinated by peacemaking achievements, constitutions promulgated as a tool to create sustainable peace tend to design deficient governance
frameworks and poor human rights guarantees, among others. In other words,
“using constitution drafting to make peace sets up the merge process for failure”.
12
Kirsti Samuels and Vanessa Hawkins Wyeth, STATE-BUILDING AND CONSTITUTIONAL DESIGN AFTER CONFLICT, 3, [2006]. See also, Yash Ghai,
Constitution-Building Processes and Democratization: Lessons Learned, in
DEMOCRACY, CONFLICT, AND HUMAN SECURITY: FURTHER READINGS, 234,
[2006], “Constitutions have not always functioned to promote or consolidate
2
122 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
democracy. Indeed, historically, they have more frequently been instruments of
domination or oppression”. Likewise, “historically, in democratic societies, constitutions followed social forces that promoted democracy; they did not create
these forces.” Thus, the apparent causal relationship between constitutionbuilding processes and constitutional goals such as democratization could be
illusory: “the results of past practice are often ambiguous because of the many
factors, other than choice of procedure, that shape desirable outcomes”. In fact,
several factors such as available institutions, democratic traditions, armed
conflict, corruption and sharp divisions, to mention a few, generally impact the
real implementation of constitutions and actual achievement of its goals.
13
Yash Ghai, Constitution-Building Processes and Democratization: Lessons Learned, in DEMOCRACY, CONFLICT, AND HUMAN SECURITY: FURTHER READINGS, 234, [2006], at 234.
14
Michele Brandt, Jill Cottrell, Yash Ghai, and Anthony Regan, CONSTITUTION MAKING HANDBOOK, 81, [2011].
15
Eileen Babbitt, THE NEW CONSTITUTIONALISM: AN APPROACH TO HUMAN
RIGHTS FORM A CONFLICT TRANSFORMATION PERSPECTIVE, 69, [2010].
16
Kirsty Samuels, POST-CONFLICT PEACE-BUILDING AND CONSTITUTION
MAKING. Chicago J. Inter. Law 6(2), 667 [2006].
17
Michele Brandt, Jill Cottrell, Yash Ghai, and Anthony Regan, CONSTITUTION MAKING HANDBOOK, 81, [2011].
18
Devra C. Moehler, PARTICIPATION AND SUPPORT FOR THE CONSTITUTION IN UGANDA. J. of Modern African Studies, 44, 2, 283 (2006).
Judicial Review nos Tribunais Maçônicos
Grégore Moreira de Moura
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2001). Mestre
em Ciências Penais pela UFMG (2006). Doutorando em Direito Constitucional
(UFMG). Procurador Federal. Diretor da Escola da Advocacia Geral da União na 1ª
Região.
O presente trabalho tem por objeto o estudo e a análise do Judicial
Review nos Tribunais Maçônicos. Com o objetivo de relevar a fundamentação jurídica, política, social e crítico-reflexiva do Judicial Review
no âmbito da Maçonaria e de seus Tribunais, para cotejar as semelhanças
e diferenças entre o Poder Judiciário Maçônico e o Poder Judiciário profano (designação dada pelos maçons aos não iniciados na ordem. Este
conceito às vezes é estendido para instituições ou atos não maçônicos).
A Maçonaria é uma entidade filantrópica, filosófica, educativa que
tem por objetivo a promoção de certos princípios de ajuda mútua e ao
próximo, sendo que se fundamenta na tríade de valores propostos pela
Revolução Francesa, quais sejam a liberdade, a igualdade e a fraternidade.
Além disso, a Ordem Maçônica, como é assim chamada, tem
uma estrutura semelhante à do Estado, podendo-se dizer que existe
um verdadeiro Estado Maçônico, com a formação de três poderes
internos, na forma da tripartição de Poderes idealizada por Montesquieu, o que gera a criação de um verdadeiro Direito Maçônico com
destaque para o Direito Constitucional Maçônico, o qual exerce o
papel de fundamentador da árvore jurídica maçônica.
Inserido neste contexto, temos a formação do Poder Judiciário
Maçônico composto por diversos Tribunais que, regra geral, possuem
ampla competência julgadora e revisora de atos normativos e leis,
dando ensejo ao Judicial Review Maçônico com especificidades em
relação ao tradicional controle de constitucionalidade do Direito
profano, mas também com diversas semelhanças.
Para atingir o desiderato deste estudo, pretende-se trazer à baile
o estudo proposto a partir da divisão de Poderes na Maçonaria, o
124 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Supremo Tribunal Federal Maçônico e o Judicial Review Maçônico; a
fraqueza do Judicial Review Maçônico; a legitimidade na Ação de Inconstitucionalidade Maçônica; as decisões dos Tribunais Maçônicos,
e, por fim, apresentar as diversas nuances desta seara tão interessante
do Direito Constitucional Maçônico.
É importante também destacar algumas questões de grande
envergadura no controle de constitucionalidade no âmbito da Maçonaria, como a questão do mandado judicial dos juízes da Corte
Constitucional Maçônica, a possibilidade de controle de constitucionalidade preventivo e repressivo, a formatação do sistema na forma
de “check and balances” e uma visão constitucional principiológica e
hermenêutica de um verdadeiro Direito singular e especial.
Portanto, a ideia primordial do trabalho não é esgotar todas as
nuances do Judicial Review no âmbito da Maçonaria, mas principalmente trazer a lume para os operadores do Direito profano o conhecimento do Direito Maçônico e em especial o Direito Constitucional
Maçônico, para que possam conhecer e quiçá se abeberar de algumas experiências desta seara tão especial e desconhecida, para, quem
sabe, se buscar uma interpretação jurídica mais fraterna e legítima,
propiciando a redução de demandas com o incentivo de técnicas de
controle profilático de constitucionalidade, bem como promovendo
um Direito mais democrático e justo. Desta feita, se a Democracia é
calcada na ideia de dissenso e se o diálogo institucional é a tônica do
Direito Constitucional atual, nada mais propício noticiar a experiência especial da Maçonaria como instituição secular política que busca
antes de tudo o controle interno de suas ações.
La legitimidad democrática de la jurisdicción
constitucional y el acceso directo de los ciudadanos al
control de constitucionalidad
Jorge Ernesto Roa Roa
Abogado de la Universidad Externado de Colombia. Máster en Gobernanza
y Derechos Humanos de la Universidad Autónoma de Madrid, Máster en
Ciencias Jurídicas Avanzadas de la Universidad Pompeu Fabra de Barcelona.
Candidato a Doctor en Derecho de la Universidad Pompeu Fabra de Barcelona.
Profesor del Departamento de Derecho Constitucional de la Universidad
Externado de Colombia y del Área de Derecho Constitucional de la Universidad
Pompeu Fabra de Barcelona. Contacto: [email protected]
La polémica en torno a la legitimidad democrática del control
de constitucionalidad puede ser calificada como una discusión clásica
del Derecho Constitucional y de la Filosofía Política. No obstante,
también se trata de un debate que se mantiene constante y se renueva, en la medida en que se postulan nuevos argumentos para defender u objetar la existencia de controles judiciales al legislador.
Dentro de los últimos avances teóricos en la discusión, se aceptan las ideas de que: la legitimidad democrática de la revisión judicial
no es una cuestión absoluta sino de grado; el mejor modelo de control de constitucionalidad depende del diseño institucional de cada
sistema político y jurídico; los esquemas europeo y norteamericano
son insuficientes para analizar los problemas actuales de la revisión
judicial de la ley; pueden existir ordenamientos jurídicos en los que
la última palabra en materia de interpretación de la Constitución
sea el producto de un diálogo entre la Corte Constitucional y el legislador; es posible encontrar un punto intermedio entre la fórmula
del constitucionalismo fuerte y la fórmula de la democracia fuerte
y; especialmente, los sistemas de América Latina tienen particulares
características históricas, políticas y jurídicas, que justifican una discusión regional sobre la compatibilidad del control de constitucionalidad con el principio democrático.
126 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
En ese contexto, bajo un análisis de Derecho Constitucional
Comparado, en la ponencia se examinan los argumentos que han
sido formulados en defensa de la revisión judicial de ley dentro del
constitucionalismo europeo y norteamericano, con el fin de establecer cuáles de éstos son aplicables a los sistemas jurídicos latinoamericanos. En segundo lugar, se sostiene la tesis de que algunos de esos
argumentos se fortalecen por la existencia de sistemas de control de
constitucionalidad, en los que se reconoce legitimación activa a determinados grupos dentro de la sociedad o individualmente a cada
uno de los ciudadanos, para someter una ley al control de la Corte
Constitucional. En tercer lugar, se propone un conjunto novedoso de
argumentos en defensa de la revisión judicial de la ley, con base en la
experiencia de los estados que incluyeron formas de acceso directo de
los ciudadanos a los tribunales constitucionales. Por último, se analiza la relación entre la existencia de fórmulas de apertura de los tribunales constitucionales a los ciudadanos y la interpretación efectiva del
principio de subsidiariedad del sistema interamericano de protección
de los Derechos Humanos, en los casos de responsabilidad del Estado
por expedición o aplicación de normas contrarias a la Convención
Americana sobre Derechos Humanos.
Como consecuencia de lo anterior, en la investigación se concluye
con la tesis de que la apertura de los tribunales constitucionales a la
ciudadanía es una fórmula adecuada para superar algunas de las objeciones contramayoritarias a la revisión judicial de la ley. Finalmente,
se examinan los problemas de la existencia de una acción pública o
popular de constitucionalidad y se formula una propuesta de diseño
institucional que haga viable y compatible con el principio democrático, el acceso directo de los ciudadanos al control de constitucionalidad.
(I)legitimidade democrática e os critérios de composição
do Supremo Tribunal Federal
Rene Sampar
Mestre em Filosofia Política pela Universidade Estadual de Londrina.
Especialista em Filosofia Política e Jurídica pela Universidade Estadual de
Londrina. Especialista em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito
Constitucional e Cidadania. Professor de Direito Constitucional e Coordenador
adjunto do Curso de Direito da Faculdade Secal de Ponta Grossa-PR. Advogado.
Henrique Franco Morita
Especialista em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito
Constitucional e Cidadania. Pós-Graduando em Filosofia Moderna e
Contemporânea pela Universidade Estadual de Londrina. Bacharel em Direito pela
Universidade Estadual de Londrina.
A Constituição de 1988, ao propor um novo paradigma do
controle de constitucionalidade, bem como estabelecendo novos e
amplos direitos sociais humanos, com certa riqueza de detalhes e prolixidade, destacou o Supremo Tribunal Federal nas grandes questões
do país. Exsurge, então, a discussão importante acerca da legitimidade democrática das decisões da Corte, pouco levada a cabo na esfera
pública ou acadêmica.
Araújo (2006) sintetizou a escalada de poder do STF desde o
texto original da Constituição de 1988. As principais mudanças são:
a) A interpretação do STF, para a propositura da ADIn, restringiu
o acesso ao exigir comprovação de interesse e pertinência temática
para se provocar o controle constitucional. Criaram-se dois grupos de
legitimados – universais e especiais, sendo que o texto constitucional
não os diferenciava (ADI 1.157, Min. Rel. Celso de Mello, 1994).
b) A EC n. 03-93 introduziu a ADC, que foi prevalentemente reconhecida como inconstitucional, à época, pela doutrina (DIMOULIS;
LUNARDI, 2013, p. 143). Entretanto, o Supremo reconheceu a consti-
128 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
tucionalidade da Emenda (ADC 1, 1993). Entendeu ainda, mesmo sem
previsão no texto constitucional, que caberia medida cautelar na ADC,
bem como efeito vinculante da decisão (ARAÚJO, 2006, p. 337).
c) A declaração de constitucionalidade do artigo 28 da Lei 9.868-99, que
estendeu os efeitos vinculantes presentes na ADC, introduzidos pela EC
n. 03-93, garantiu à ADIn um efeito criado por força de lei ordinária.
d) A EC n. 45-04 representa capítulo fundamental no processo de
crescimento do vulto do STF, pois introduziu a Súmula Vinculante.
Há que se perguntar se um poder maior não demandaria outro
processo de ocupação da Corte. Processo este que se mantém o mesmo
desde 1988, com a indicação de “escolhidos dentre cidadãos com mais
de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável
saber jurídico e reputação ilibada”, sendo que “serão nomeados pelo
Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria
absoluta do Senado Federal”, conforme reza o artigo 101, CF.
A noção de “diálogos institucionais”, defendida por Mendes
(2011), deflaciona a importância de quem dá a “palavra final”, quem
controla a constitucionalidade. O que o autor defende é que o processo dialético da separação de poderes deliberativa, a longo prazo,
produz diálogos entre as instituições do Estado. Portanto, o fato de
uma Corte Constitucional dar a “última palavra” não impede que o
Legislativo responda.
No entanto, conforme reconhece Mendes (2011, p. 250), ainda
é relevante a questão sobre quem dá a “última palavra” a curto prazo,
pois as instituições demoram a responder. Assim, deve-se refletir as
possibilidades de qualificar os Poderes para que o diálogo institucional seja mais pleno, como também relativizar as características do
órgão que controla a constitucionalidade.
A noção de presidencialismo de coalizão, formulada por Limongi e Figueiredo (1998), bem como a concentração dos poderes da
Corte versus o modelo de indicação dos Ministros, já apresentada,
podem ser úteis. Verifica-se que o Executivo controla a agenda polí-
Novas propostas de democratização do controle de constitucionalidade • 129
tica do Legislativo, com negociações de cargos e medidas provisórias,
donde decorre um processo de formação de maioria parlamentar, em
que o Executivo também acaba por controlar o processo de indicação
e nomeação dos Ministros do STF.
Entendendo que a Constituição estabeleceu o escrutínio dos
candidatos pelo Senado com o fim de legitimar, mesmo que indiretamente, aqueles que dariam a “última palavra”, tem-se uma crise
de legitimidade constatada. Eis aí a importância de se discutir novas
formas de diálogo institucional efetivo, não mais apenas entre a Corte e o Legislativo, mas também entre o Executivo, o Legislativo e o
Judiciário, bem como a sociedade civil, na formação de uma Corte
mais representativa e independente.
Referências
ARAÚJO, Luiz Alberto David. O Acúmulo de Poder do Supremo Tribunal
Federal e o Controle Concentrado de Constitucionalidade. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; LIMA, Martorio Mont’Alverne Barreto. Diálogos Constitucionais: Direito, Neoliberalismo e Desenvolvimento em Países Periféricos. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Curso de Processo Constitucional – Controle Concentrado e Remédios Constitucionais. 2ª
ed. São Paulo: Atlas, 2013.
LIMONGI, Fernando; FIGUEIREDO, Argelina. Bases Institucionais do
Presidencialismo de Coalizão. Lua Nova. 1998, n.44, pp. 81-106.
MENDES, Conrado Hübner. Controle de Constitucionalidade e Democracia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
MENDES, Conrado Hübner. Direitos Fundamentais, Separação de
Poderes e Deliberação. São Paulo: Saraiva, 2011.
O dilema da conexão entre os conceitos de omissão
legislativa inconstitucional e as normas de eficácia limitada
Danielle Cevallos Soares
Bacharel em Direito pela Universidade do Estado de Mato Grosso
– UNEMAT (Brasil). Professora adjunta de Direito Constitucional e
Administrativo da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT (Brasil).
E-mail: [email protected]
O tema da presente pesquisa consiste na busca por um conceito
mais sólido do que se considera a omissão legislativa inconstitucional. Sabe-se que na Constituição da República de 1988, foram criados dois instrumentos para controlar a constitucionalidade da omissão legislativa, quais sejam, a Ação Direta de Inconstitucionalidade
por Omissão e o Mandado de Injunção, mas uma análise mais detida
da doutrina e jurisprudência nacionais leva à inevitável conclusão
de que os fundamentos do conceito de omissão inconstitucional são
sobremaneira frágeis, fato que, consequentemente resulta numa incerteza jurídica acerca da delimitação do objeto das referidas ações.
Isso decorre do fato de que o conceito de omissão inconstitucional
utilizado pela doutrina e jurisprudência brasileira está intimamente
ligado à classificação das normas constitucionais segundo a sua eficácia, que se tornou célebre no Brasil com a sistematização pensada
por José Afonso da Silva, sendo que a referida violação à Constituição
da República decorreria da desobediência de um mandamento constitucional no sentido de legislar contido em uma norma de eficácia
limitada. Contudo, a referida classificação das normas constitucionais, embora até hoje mencionada pela doutrina e jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, já há tempos é considerada como insatisfatória, na medida em que ignora, dentre outros, os fatos de que as
normas de eficácia plena eventualmente podem ser restringidas pela
legislação infraconstitucional (ou emendas constitucionais), tendo
em vista que não há princípios e/ou direitos absolutos no ordenamento jurídico constitucional; bem como o fato de que tais normas
Novas propostas de democratização do controle de constitucionalidade • 131
podem, em certos casos, demandar uma regulamentação para que
alcancem uma melhor eficácia – jurídica e social. Desconsidera, ademais, a dificuldade em se determinar, abstratamente, qual o “nível”
de eficácia de cada norma constitucional conforme a classificação
mencionada, fato muito utilizada para justificar a inércia do Estado
em se efetivar certos direitos. Desta feita, questiona-se a vinculação
do conceito de omissão legislativa inconstitucional com a classificação das normas constitucionais segundo a sua eficácia, levantando-se as seguintes problemáticas: quais os critérios utilizados pelo
Supremo Tribunal Federal e pela doutrina, para se definir quais são
as normas de eficácia limitada, bem como o momento e o “quanto”
de falta de regulamentação caracterizaria a omissão inconstitucional?
A inconstitucionalidade por omissão deve, necessariamente, ligar-se
à classificação das normas constitucionais conforme a sua eficácia?
Qual o impacto da utilização do referido conceito de inconstitucionalidade por omissão na efetividade dos instrumentos da Ação Direta de
Inconstitucionalidade por Omissão e Mandado de Injunção? Assim,
buscamos elementos teóricos aptos a subsidiar uma construção do conceito de omissão legislativa inconstitucional que seja compatível com
o Estado Democrático de Direito e capaz de atribuir maior eficácia
e segurança jurídica ao controle de constitucionalidade por omissão.
Para desenvolver esta problemática, partiu-se do método dedutivo, valendo-se da pesquisa bibliográfica na doutrina especializada, da análise
das decisões do Supremo Tribunal Federal, bem como dos tribunais
da Itália, Espanha, Alemanha e Portugal. Assim sendo, tendo em vista
– dentre outros -, o princípio da Supremacia da Constituição, e com
o fito de garantir maior efetividade à Lei Maior, busca-se delinear um
conceito adequado de omissão legislativa inconstitucional, de maneira
que as ações de controle da inconstitucionalidade por omissão sejam
mais eficazes na consolidação dos direitos fundamentais.
Hermenêutica Constitucional: uma análise do amicus
curiae à luz da “integridade” proposta por Dworkin
Ismael Fernando P. Villas Boas Jr.
Graduando em Direito, na Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.
O processo do controle de constitucionalidade excercido pelas
cortes constitucionais tem ganho, cada vez mais, relevância para o contexto político-jurídico em que vivemos, em especial após a promulgação da Constituição de 1988, que, ao apresentar normas programáticas e princípios gerais abstratos, abre considerável margem para a sua
interpretação. Temos visto julgamentos do Supremo Tribunal Federal
(STF), nos quais decide-se o status de uma norma conforme ou contrário à Constituição, em que a correta análise do conteúdo dos direitos
fundamentais possui um impacto importante e imediato para todo o
ordenamento jurídico e para a vida da sociedade em geral. Dessa forma, na medida em que a Corte admite para si competência de julgar o
que é (sein) e o que deve ser (sollen) o direito – e pressupondo que todo
ato de interpretação é, também, um ato de criação do direito1 – tem-se
que essa competência é muito questionada, já que os magistrados não
teriam sido eleitos por via democrática para representar os anseios e
percepções da sociedade em atividade que muito se assemelha àquela de competência do poder legislativo. Nesse sentido, a doutrina de
Peter Häberle2 encontrou, acertadamente, aceitação em nosso ordenamento com a positivação do instituto do amicus curiae e das audiências públicas, que visam a legitimação procedimental da hermenêutica
constitucional realizada pelo STF. Entretanto, a utilização meramente
procedimental desse instituto ainda não consegue suprir inteiramente
a falta de legitimidade democrática dessa interpretação, uma vez que os
participantes convidados a darem sua opinião sobre o tema em questão podem ver sua argumentação influir minimamente na decisão colegiada. Temos, então, que a ocorrência de uma participação externa
exclusivamente formal seria insuficiente para garantir a legitimidade
Novas propostas de democratização do controle de constitucionalidade • 133
da decisão, sendo necessário, para tal fim, a legitimação material das
decisões exaradas pelos magistrados. Destarte, procura-se por uma teoria jurídico-filosófica que amarre, em certa medida, a fundamentação
do juízo constitucional à argumentação apresentada pelos amici curiae.
Parte-se, portanto, da teoria de Ronald Dworkin3, particularmente no
que se refere à sua concepção de integridade e em sua metáfora do juiz
Hércules, para explicar a obrigação deontológica do intérprete de, em
uma sociedade pluralista como a nossa, ater-se materialmente à razão
argumentativa representada pelo amicus curiae para encontrar a resposta certa ao caso. Essa, por sua vez, caracterizaria-se como a interpretação
coerente do conjunto de princípios gerais, definidores da justiça e do
direito, apresentados pela sociedade em seu atual contexto histórico-político, e, não mais, sentenciados solipsisticamente pelo magistrado. Teria-se, ainda, uma sentença construída subjetivamente e, por isso, sujeita
às limitações da razão individual e ao conjunto de pré-compreensões do
indivíduo. Entretanto, ao fundamentar-se argumentativamente a decisão levando-se em conta, obrigatoriamente, os argumentos apresentados
pela sociedade em geral, seria possível que esse juízo se aproximasse, razoavelmente, daquele conjunto de princípios norteadores da ideia de justiça compartilhada por essa sociedade. Trata-se, enfim, de uma tentativa
de atar a metáfora do juiz Hércules e a noção de integridade de Ronald
Dworkin com os anseios por uma democratização do debate jurídico,
em especial, do controle de constitucionalidade.
Notas
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito (Reine Rechtslehre). São Paulo:
Editora Wmf Martins Fontes, 2009.
2
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – A sociedade aberta
dos intérpretes da constituição. Contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição (Die offene Gesellshaft der Verfassungsinterpreten. Ein Beitrag zur pluralistischen und “prozessualen”
Verfassungsinterpretation). Tradução de Gilmar de Mendes. Editora Sergio
Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1997.
3
DWORKIN, Ronald. O Império do Direito (Law’s Empire). São Paulo:
Editora Wmf Martins Fontes, 2014. DWORKIN, Ronald. A justiça de Toga
(Justice in Robes). São Paulo: Editora Wmf Martins Fontes, 2010.
1
Restrições na liberdade em nome da igualdade:
sempre algo a se lamentar?
Jacqueline de Souza Abreu
Graduanda na Faculdade de Direito da USP (Brasil). Bolsista FAPESP.
[email protected].
Na decisão do caso Ellwanger pelo Supremo Tribunal Federal
(STF), discurso a princípio protegido pela liberdade de expressão foi
censurado, porque a incitação ao ódio a determinado grupo, veiculado em seu conteúdo, negaria a pretensão de igualdade política entre
as pessoas.1 Na discussão em pauta no STF sobre financiamento de
campanhas eleitorais e partidos políticos por privados, a liberdade de
doar até mesmo de pessoas naturais, vista como forma de expressão e
de participação política, tem se mostrado fadada a ser restringida para
além dos termos já existentes na legislação eleitoral em favor da igualdade de influência das pessoas em disputas eleitorais.2 Na votação do
Marco Civil da Internet, a disputa sobre o princípio da neutralidade
da rede, se por um lado foi acompanhada de defesas do tratamento isonômico de usuários garantido por tal princípio, por outro, encontrou
obstáculos na oposição que atuava em nome da liberdade de contratar
não só das empresas de telecomunicações, mas dos próprios usuários.3
Nesses casos, nota-se uma relação antagônica entre liberdade e
igualdade. Esse antagonismo dá lugar a uma linguagem de perdas de
liberdades: liberdades de expressão, seja ela por discurso ou por doação enquanto participação no processo político, e de contratar são
restringidas por argumento fundado na igualdade (igualdade política,
igualdade de oportunidades, isonomia). Este tal conflito, do qual já
se falava enquanto ideais abstratos4, segundo os casos acima sugerem,
foi constitucionalizado – está presente entre os próprios valores consagrados na Constituição Federal. Cenários como o dos casos sustentam defesas5 de um conflito conceitual inevitável e trágico, por
incluir alguma perda irremediável, entre liberdade e igualdade.
Liberdades democráticas e suas restrições • 135
Ronald Dworkin defendeu6 que, em disputas argumentativas
político-morais que despertam o aparente conflito entre liberdade e
igualdade, como os casos citados – que dão lugar a defesas de concepções rivais do que sejam as liberdades envolvidas e de como se relacionam com concepções também rivais de igualdade – não se deve
abandonar, a priori, a possibilidade de que possam ser conciliadas.
Isso dependerá de teorias interpretativas, concepções que melhor revelem o point de tais conceitos de valores políticos. Na concepção de
Dworkin, estas revelarão que são não só conciliáveis entre si, negando
a retórica do conflito, mas até mesmo imbricados.
Meu trabalho analisa crítica feita por Bernard Williams a essa
abordagem de Dworkin. A sua principal objeção se fundamenta na
ideia de que as pessoas endossam concepções distintas de liberdade e igualdade – o conteúdo destes conceitos é preenchido por sua
história pessoal, do grupo ou da sociedade a que pertencem – o que
as fazem sentir a perda de sua liberdade seja quando uma restrição é
feita em nome de uma concepção de igualdade que defendem, ou
não.7 Por essa razão, conflitos entre liberdade e igualdade são mesmo
inevitáveis. Para que os participantes de uma comunidade sejam levados a sério em termos de suas convicções políticas, deve-se falar em
limitação da liberdade e reconhecer o conflito sempre que existir o
sentimento de perda, seja ela decorrente de decisão política ou judicial.
As ideias de Williams, inicialmente, encontram respaldo nos casos citados, demonstro. Objetivo do trabalho é, entretanto, apontar
as insuficiências do argumento de Williams contra Dworkin. Sua visão é a de que, não importa o que se decida, uma perda a ser lamentada sempre ocorrerá. Meu argumento é o de que o ressentimento sobre
a perda não pode e nem deve ser o que pauta as noções de restrição
ou violação desses valores e dos direitos constitucionais relacionados.
Esse ressentimento, associado ao preenchimento histórico desses
conceitos, não se relaciona com a correção deles e por isso não serve
para verificação do conflito. Nem sempre há o que se lamentar nas
restrições à liberdade: só é o caso quando o valor desse valor é atingido, o qual só pode ser compreendido à luz da própria igualdade.
136 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Notas
STF, HC 82.424/RS. Relator: Moreira Alves. Julgado em 17.09.2003, especialmente o voto de Gilmar Mendes, fl. 958.
2
ADI 4650, sob relatoria de Luiz Fux, em tramitação no STF. Cf. Notícia do
STF de 11.12.2013 (STF inicia julgamento de ação sobre financiamento de
campanhas eleitorais): http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=255811&caixaBusca=N Acesso: 05.09.2014.
3
Cf. RAMOS, Pedro. Uma questão de escolhas: o debate sobre a regulação da
neutralidade da rede no Marco Civil da Internet. Anais do XXII CONPEDI, 2013.
4
Cf. TOCQUEVILLE, Alexis. Democracy in America: vol. 2. 3ª Edição. Cambridge: Sever&Francis, 1863, p. 114-118, HAYEK, Friedrich. The Constitution of Liberty, Chicago: UC, 1960, p. 85-88.
5
Cf. BERLIN, Isaiah. Four essays on liberty. Oxford: OUP, 1969, p. 121-31;
WILLIAMS, Bernard. Moral Luck. Cambridge: CUP, 1981, p. 71-82.
6
DWORKIN, Ronald. Do Values Conflict? A hedgehog’s approach, Arizona
Law Review, n. 43, p. 251-259, 2001.
7
WILLIAMS, Bernard. In the beginning was the deed. Princeton: PUP, 2005, p. 75-128.
1
A intolerância religiosa às religiões afrodescendentes
como forma de violação ao direito à liberdade religiosa
– uma análise a luz da decisão na ação civil pública
0004747-33.2014.4.02.5101
Jessica Hind Ribeiro Costa
Mestranda em Direito Privado pela Universidade Federal da Bahia, Servidora
do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, Bahia – Brasil, email: jel_hind@hotmail.
com.
A intolerância, sob um ponto de vista contemporâneo, vai caracterizar a negação da tolerância. Entre leigos, ela é tida como sendo uma atitude mental de não aceitação do diferente, culminando,
em grande parte das vezes, em ações explicitas de violência. Assim,
“a intolerância se constrói como uma demonstração de um fracasso
moral, um fenômeno de não aceitação de opiniões e identidades diferentes daquela que é própria ao indivíduo”1.
Este instituto se torna objeto do estudo jurídico na medida que
manifesta-se em atitudes de preconceito e discriminação. Neste sentido, a Lei 7.716/89 estabelece em seu artigo primeiro que “serão
punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação
ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
A legislação brasileira, no que se refere à liberdade religiosa preza
pelo princípio da isonomia. Pode-se comprovar isto de acordo com o
Artigo 2º da Lei nº 16/2001 (Lei da Liberdade Religiosa) que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, perseguido,
privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever por causa
das suas convicções ou prática religiosa”.
Dessa forma, o Estado busca garantir a existência do pluralismo religioso, devendo porém, manter-se à margem do âmbito religioso, sem
incorporá-lo, conferindo-lhe sua condição de Estado laico previsto no artigo 19, inciso I, da Constituição Federal2. No mesmo sentido de proteção
às religiões a Constituição Federal declara no artigo 5º, inciso VI que “é
inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre
138 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias”. Assim, fica claro que a preocupação legislativa em consagrar a liberdade de religião um direito fundamental.
Pode-se observar no ordenamento jurídico vigente a preocupação com a afirmação do princípio da liberdade religiosa. O fundamento desta preocupação é anterior as normas citadas, estando presente já na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 19483.
Em verdade, a liberdade religiosa abrange três tipos mais específicos de liberdade: a liberdade de crença, a liberdade de culto e a
liberdade de organização religiosa. A primeira consiste na liberdade
da prática religiosa interior e da prática dos atos próprios das manifestações exteriores em casa ou em público, bem como a de recebimento de contribuições para tanto. Liberdade de crença, por sua
vez, engloba a liberdade de escolha da religião, a liberdade de aderir
a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou o direito) de mudar de
religião, mas também compreende a liberdade de não aderir a religião alguma, assim como a liberdade de descrença, a liberdade de
ser ateu e de exprimir o agnosticismo. Finalmente, entende-se como
liberdade de organização religiosa a possibilidade de estabelecimento
e organização de instituições religiosas e suas relações com o Estado.
Todavia, determinados eventos cotidianos e corriqueiros demonstram que existe uma grande disparidade entre o que está previsto em lei como modelo de conduta, e o que se observa na prática,
relativo às interações em sociedade. O ato nefasto de impedir a livre
expressão religiosa, individual e coletiva garantida por lei, é cometido
freqüentemente por vários setores da sociedade, sendo comuns os
casos de intolerância religiosa contra religiões de matrizes africanas.
A intolerância religiosa é um conjunto de ideologias e atitudes ofensivas a diferentes crenças e religiões. Em casos extremos esse tipo de intolerância torna-se uma perseguição. Sendo definida como um crime de
ódio que fere a liberdade e a dignidade humana, a perseguição religiosa
é de extrema gravidade e costuma ser caracterizada pela ofensa, discriminação e até mesmo de discursos de ódio fomentados nas redes sociais.
Recentemente os adeptos ao camdomblecismo e ao umbandismo
experimentaram mais uma vez o dissabor do preconceito, dessa vez, o
Liberdades democráticas e suas restrições • 139
ofensor foi o Juiz de Direito da 17ª Vara de Fazenda Federal do Rio
de Janeiro, Eugênio Rosa de Araújo, que proferiu a polêmica a decisão
que indicava que “o candomblé e a Umbanda não são religiões”4. A
ação movida pelo Ministério Público Federal pedia a retirada de vídeos
discriminatórios do “Google” de circulação o que foi negado em sede
de liminar. Tal atitude contraria frontalmente o direito à liberdade religiosa na medida em que não considera as citadas religiões com tal,
o que caracteriza do magistrado não só uma atitude de intolerância
como de ignorância – tendo em vista que demonstra desconhecimento
da matéria do ponto de vista filosófico, sociológico e religioso. A magistratura não pode se utilizar do princípio do livre convencimento motivado, assim como os preconceitos não podem se
disfarçar como liberdade de expressão. Estas não são “cartas brancas”
para a prática ou intolerâncias ou atitudes criminosas!
A questão que envolve as religiões de matrizes africanas no Brasil
traz em si diversos questionamentos e polêmicas que devem ser resolvidos por meio de uma reflexão sócio-cultural acerca dessas crenças e
dos aspectos que estas atingem.
Notas
Souza, Marcelo Gustavo Andrade de; Konder, Leandro. Tolerar é pouco?
Por uma filosofia da Educação a partir do conceito de tolerância, Rio
deJaneiro, 2006. 315p. Tese de Doutorado – Departamento de Educação,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
2
“É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência
ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.”
3
“Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião;
este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de
manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela
observância, isolada coletivamente, em público ou em particular”.
4
A decisão na íntegra pode ser encontrada no seguinte endereço eletrônico: http://s.conjur.com.br/dl/decisao-negou-retirada-videos.pdf
1
O filtro da razão pública rawlsiana no debate entre
seculares e religiosos
Franklin Vinícius Marques Dutra
Estudante de graduação em Direito pela UFMG, bolsista de iniciação
científica sob orientação do Prof. Dr. Thomas da Rosa de Bustamante. Brasil.
[email protected].
Para Rawls1, o problema do impacto político do papel da religião não foi resolvido com a secularização da autoridade política
(laicização do estado). Ele percebe que a laicização, que pretende
privatizar a religião, mantê-la apenas na esfera privada das pessoas,
não se sustenta, pois, de fato, a religião exerce importante poder e
influência na vida pública.
Temos então que o político não está na esfera do estado apenas e
vai para a sociedade. Rawls enfoca aqui não a sua ideia de se chegar a
um consenso por sobreposição, mas sim da razão pública. O debate,
a comunicação publica, se dará por meio desta. A proposta do autor
é vista a consolidar qualquer debate entre seculares e religiosos, ainda
que fora da esfera estatal. Contudo, o filtro institucional da razão
prática é inerente aos órgãos públicos, principalmente aqueles dos
quais o debate entre os membros gera normatização (assembleias).
Nesse sentido, o autor parte da ideia de constituição liberal, que
irá trazer igual liberdade para os religiosos e seculares e procurará proteger os órgãos públicos que irão decidir de sofrer influência religiosa.
Ou seja, considera-se que a constituição liberal não pode ignorar as
contribuições que os grupos religiosos exercem no processo democrático da sociedade civil.
A solução que Rawls propõe é que, no debate politico, como há sempre a possibilidade de haver pessoas que raciocinam baseadas em argumentos religiosos e aquelas que o fazem por meio de argumentos seculares, deve
haver um filtro de linguagem para possibilitar o debate público.
Tal filtro será institucional nos órgãos públicos de deliberação coletiva, ou seja, não se está tentando de forma alguma adentrar no subjetivo,
Liberdades democráticas e suas restrições • 141
no pensamento daqueles que se encontrem no debate público. A ideia
é proporcionar um critério objetivo para que seja possível o debate em
um país democraticamente constituído. Religiosos e seculares terão que
se respeitar mutuamente e a ideia é não sobrecarregar nenhum deles com
um ônus excessivo, mantendo uma posição de igualdade para ambos.
O filtro da razão pública irá trazer, para os religiosos, a necessidade de ser razoável com seus argumentos, aceitar que decisões sobre
conhecimento de mundano cabem à ciência natural e que conformar
os seus dogmas religiosos com os direitos humanos.
Com isso, no discurso democrático, a relação entre religiosos e
seculares será de complementariedade, uma vez que ambos utilizam da
razão pública, que é uma eficiente forma de garantir que o pluralismo
da sociedade, tão marcante no mundo atual, seja espelhado na política.
Subjaz a essa visão a ideia de que a democracia é um projeto
em aberto, não finalizado, tendo em mente que ela é o melhor que
se encontrou até agora. Outra Devemos, assim, encontrar o melhor
sistema possível para sua implementação prática.
Não obstante, possibilita também a visão apresentada no artigo viabilizar a melhor representação, reprodução da sociedade no debate político,
já que temos, então, representados no debate público não apenas os argumentos dos seculares, mas também o dos teístas, ambos, é bem verdade,
moldados na sua exteriorização de uma forma que seja possível o debate
entre eles e a obtenção d eum resultado que bem represente a realidade.
Uma compreensão universal dos direitos humanos nos lembra
da necessidade de desenvolver modelos institucionais que melhor se
adaptem às sociedades multiculturais da atualidade.
Notas
O texto toma como referência basicamente duas obras: HABERMAS, Jürgen. “’The Political’ - The Rational Meaning of a Questionable Inheritance
of Political Theology” In BUTLER, Judith; HABERMAS, Jürgen; TAYLOR,
Charles; WEST, Cornel. The Power of Religion in the Public Sphere e RAWLS, John. “A ideia de razão pública” In RAWLS, John. Liberalismo Político.
São Paulo: Editora Ática. 2000.
1
142 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
O caso das biografias não autorizadas: uma análise de
ponderação e proporcionalidade à luz da teoria dos
princípios de Humberto Ávila
Thais Fernandes
Advogada autônoma e associada da ANDHEP - Associação Nacional de
Direitos Humanos, Pesquisa e Pós-Graduação. Pós-Graduanda em Direito e
Processo Civil pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo U.E Lorena.
Graduada em direito pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo U.E
Lorena. [email protected].
Tatiane Munhoz
Graduanda em direito pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo
U.E Lorena. Membro associado da ANDHEP - Associação Nacional de Direitos
Humanos, Pesquisa e Pós-Graduação. [email protected]
Resumo
Instituir precedência entre valores e direitos fundamentais é atualmente um dos maiores desafios da hermenêutica constitucional. O
neopositivismo elevou os princípios jurídicos ao patamar das leis,
retirando-os do calabouço de suas funções integrativas e subsidiárias. É até possível afirmar que a doutrina constitucional vive hoje
sob a euforia do chamado “Estado Principiológico”. Considerando
a crescente demanda judicial na solução de conflitos entre direitos
fundamentais, o presente trabalho objetiva explorar os postulados de
ponderação e proporcionalidade, à luz dos recentes ensinamentos do
professor Humberto Ávila. O estuda visa, acima de tudo, contribuir
para o entendimento dos novos fenômenos constitucionais, de modo
a concorrer para a correta efetivação dos direitos fundamentais.
Objetivos
Visando esmiuçar as implicações da hermenêutica constitucional desse conflito, esse trabalho objetiva esclarecer as diferenças entre
Liberdades democráticas e suas restrições • 143
texto e norma jurídica; a dissociação entre princípios e regras; os conceitos
e aplicações dos postulados normativos da ponderação e proporcionalidade; e por fim, o modo de subsunção de tais postulados à polêmica das
biografias não autorizada.
Metodologia
No desenvolvimento desse projeto, será utilizado o método dedutivo científico, desenvolvendo a pesquisa sob a ótica doutrinária e comparativa das teorias de Humberto Ávila, Ronald Dworkin, Robert Alexy.
Superada a primeira etapa, finalizar-se-á o estudo, adequando o conhecimento alcançado ao recente caso das biografias não autorizadas.
Introdução
Para o professor Humberto Ávila, na obra ‘Teoria dos Princípios’, é possível afirmar que a doutrina constitucional vive hoje sob
a euforia do chamado “Estado Principiológico”. O neopositivismo
elevou os princípios jurídicos ao patamar das leis, retirando-os do
calabouço de suas funções integrativas e subsidiárias.
Com essa nova abordagem normativa, tentou-se evitar/punir o
cumprimento estrito das leis positivas manifestamente cruéis de um
estado, em face da obviedade da preservação de bens como a vida e a
liberdade. Valores reavivados pela crescente dos direitos humanos no
plano internacional e pelas teorias do direito natural.
No âmbito de aplicação do direito doméstico, tal fenômeno inevitavelmente elevou o grau de dificuldade na prolação de sentenças
judiciais, afinal, se já não era tarefa fácil priorizar uma regra sobre a
outra nas interpretações sistemáticas, tampouco seria sobrepor princípios uns aos outros nos hipóteses de colisão.
Privilegiar valores em detrimento de outros como vida, liberdade, liberdade de expressão, intimidade, entre outros não se mostra
uma tarefa simplória, haja vista tais bens gozarem do mesmo status
hierárquico constitucional.
144 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
‘A Polêmica das Biografias não Autorizadas’ apresenta mais um
exemplo dessa problemática, em que se discute o direito à intimidade
e à privacidade de uma parte em contraposição ao direito de liberdade de expressão e direito à informação das outras.
Considerações finais
Na utopia distante de se ter uma sociedade assentada sobre uma
justiça ideal, a escolha pela liberdade de expressão em detrimento do
direito à intimidade mostra-se como um “mal menor”.
Tais diretrizes são apontadas pelo estudo da hermenêutica constitucional. No que toca às espécies normativas, conclui-se que princípios e
regras são dissociados. Regras são válidas/inválidas, vigentes/não vigentes
de acordo com o dinamismo do direito. Princípios, não. São sempre válidos. Eles retratam o progresso social; os fundamentos primários na busca
de um estado de justiça. Porém, eles nem sempre conviverão harmoniosamente nas novas sociedades, que insistem em rivalizá-los.
A hermenêutica jurídica suscita a ponderação de valores, indicando que a escolha entre intimidade ou liberdade de expressão deve
ser proporcional: adequada, necessária e proporcional em sentido estrito.
No caso das biografias, considerando que, no plano concreto, a
escolha por um valor implica necessariamente a restrição do outro,
perfazendo-se, portanto, uma escala de preferência, o meio a ser
adotado é o afastamento do valor preterido para os fins de se ter o
maior aproveitamento do valor escolhido. Ou seja, a mitigação do
direito à intimidade (meio) promove a máxima extensão do direito
de liberdade de expressão (fim).
Tal medida é adequada, já que a mitigação do direito à intimidade é capaz de promover o fim relacionado ao gozo social da liberdade
de expressão. É também necessária, pois no plano concreto não há
a possibilidade de nivelamento hierárquico de ambos os valores. E,
em sentido estrito, é proporcional, pois as desvantagens de se tolher a
intimidade individual correspondem às vantagens de se ter uma so-
Liberdades democráticas e suas restrições • 145
ciedade estruturada em valores essenciais para a democracia, como a
liberdade de expressão.
Por todo o exposto, não é de se causar espanto que a liberdade
de expressão deva ser privilegiada em qualquer circunstância. Ela é a
base de toda sociedade que pretende se aprimorar pela dialética de
ideias que se contrariam. Ela é a pedra fundamental do Estado de
Direito. Seu enfraquecimento significa retrocesso.
Palavras-chave: Regras – Princípios – Hermenêutica – Biografias
Referências
ALEXY, Robert. Teoria Dos Direitos Fundamentais – 2ed. Trad. Virgílio
Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios - da definição aos princípios jurídicos. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. 6a tir. London, Duckworth, 1991.
SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma
distinção. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, 2003.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise – Uma exploração hermenêutica da construção do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.
“Hate Speech” e Estado Democrático de Direito: breves
considerações acerca da limitação à liberdade de expressão
Mariana Colucci Goulart Martins Ferreira
É mestranda em “Hermenêutica e Direitos Fundamentais” pela UNIPAC e
cursa pós-graduação lato sensu em “Direito Constitucional Aplicado” no Complexo
Educacional Damásio de Jesus. Possui graduação em Comunicação Social pela
UFJF (2010) e graduação em Direito pelo Instituto Vianna Júnior (2013).
Jornalista e advogada. Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].
Alexandre Ribeiro da Silva
Mestrando em “Hermenêutica e Direitos Fundamentais” pela UNIPAC. É
advogado e professor de literatura e português. Possui pós-graduação em Direito
Processual pela UFJF (2011), graduação em Direito pelo Instituto Vianna Júnior
(2009) e graduação em Letras pela UFJF (2010). Brasil. Endereço eletrônico:
[email protected].
Contemporaneamente percebe-se a ascensão de discursos de
cunho preconceituoso na sociedade brasileira. Trata-se do Hate Speech, ou discurso do ódio, compreendido como quaisquer formas de
expressão que aumentam, incitam ou justificam ódio racial, xenofobia, antissemitismo ou outros modos de discriminação baseadas na
intolerância, tais como o nacionalismo e o etnocentrismo agressivos
e a hostilidade contra minorias e imigrantes.
Nas sociedades democráticas há intensa preocupação com os limites da liberdade de expressão. Porém, o exercício irrestrito desta
pode afetar as bases da democracia, tais como as concepções de igualdade e de dignidade da pessoa humana.
O Brasil, sendo um Estado Democrático de Direito, parece não
tolerar o discurso do ódio. O Habeas Corpus n. 82.424-2 foi julgado
pelo STF em 2003 e tornou-se o principal caso pátrio que envolveu o
Hate Speech. Nele figurava como paciente o editor Siegfried Ellwanger
Castan, então acusado do crime de racismo devido a publicações de
caráter antissemita. Debateu-se a questão da oposição entre o direito
fundamental à liberdade de expressão e a dignidade da pessoa humana.
Liberdades democráticas e suas restrições • 147
Para a maioria dos ministros que decidiram sobre o HC, a liberdade de expressão trata-se de direito fundamental restringível em
situações nas quais sua manifestação não observe os limites impostos
pela Constituição Federal. Tal embate foi resolvido pela sobreposição
do anseio maior constitucional e pela primazia de um dos valores
basilares de nossa República: a dignidade da pessoa humana.
Conforme elucida o jusfilósofo Jürgen Habermas, que concebeu a
Teoria Discursiva do Direito, a aplicação das regras e dos direitos deve se
orientar por uma racionalidade comunicativa atuante em conformidade
com os pressupostos da democracia e da igualdade entre os seres humanos.
No contexto da pragmática-universal habermasiana exige-se que
ocorra nos discursos a defesa de opiniões mediante a utilização do melhor argumento e não do uso de força ou de uma alegação baseada em
autoridade. A prática comunicativa com racionalidade possui uma dimensão normativa que cobra uma postura dos sujeitos e objetiva construir discursos sobre os quais fomentam expectativas de entendimento.
Habermas sugere a utilização de uma razão comunicativa, inscrita
no telos linguístico do entendimento, formando um conjunto de condições possibilitadoras e simultaneamente limitadoras na linguagem.
Por conseguinte, não existindo direito fundamental absoluto, essencialmente quando conflitante com outro direito fundamental, é possível interpretar, argumentar e decidir com a pragmática-universal.
O Hate Speech fomenta opiniões consubstanciadas no preconceito
e no ódio que não contribuem para nenhum debate inerente às deliberações democráticas das liberdades de opinião e de expressão, fugindo
completamente de qualquer espécie de racionalidade comunicativa e servindo apenas como ultraje à dignidade da pessoa humana do ofendido.
Tal como propõe Habermas, os discursos devem ocorrer entre indivíduos livres e iguais em um contexto democrático. Portanto, diante do evidente desrespeito à dignidade da pessoa humana e à igualdade entre indivíduos, é possível enxergar que não há qualquer racionalidade comunicativa
em um Hate Speech, com consequente desrespeito à ordem democrática.
A dignidade da pessoa humana, mais do que um direito fundamental da República, representa o reconhecimento de que reside na pessoa
humana o valor fundante do Estado. Portanto, a liberdade de expressão
148 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
não se confunde com meio apto a legitimar a exteriorização de propósitos criminosos, especialmente quando o discurso de ódio transgride valores tutelados pela própria ordem constitucional e afronta a racionalidade.
A aceitação de um Hate Speech não é inerente ao nosso Estado
Democrático de Direito, visto que aquele desrespeita os princípios
inerentes aos direitos fundamentais e à democracia e, principalmente, afronta a dignidade da pessoa humana. Este tipo de discurso não
é detentor da racionalidade comunicativa de Habermas e igualmente
não condiz com os preceitos guardados no contemporâneo constitucionalismo brasileiro, sendo, portanto, indefensável.
Referências bibliográficas
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.
_____. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 82.424-2. Relator ministro Maurício Corrêa. Acórdão de 17.09.2003. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79052>. Acesso em: 21 set. 2014.
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. Teoria do Estado
e da Constituição. Direito Constitucional Positivo. 12ª ed., rev., atual.
e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Filosofia do Direito na Alta Modernidade: incursões teóricas em Kelsen, Luhmann e Habermas. 2. ed. rev.
e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed., rev.,
ampl. e atual. Salvador: JusPodium, 2009.
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Trad.
Flávio Beno Siebeneichler. v. 1. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 11. ed. rev.
e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
WEBER, Anne. Manual on hate speech. Council of Europe Publishing.
Disponível em: <http://www.coe.int/t/dghl/standardsetting/hrpolicy/
publications/hate_speech_en.pdf >. Acesso em: 19 set. 2014.
What’s the political justification of the freedom of speech?
Francisco Tarcísio Rocha Gomes Júnior
Graduate in Law in Federal University of Ceará (UFC), with academic
mobility in University of Coimbra, and student of the Masters in Constitutional
Law in the Federal University of Ceará (UFC), Brazil. E-mail: tarcisiorg@gmail.
com.
The debate about the right to freedom of speech involves more
than one specific case in a court. The judicial decision about freedom
of speech, as well any other right, has a direct relation with the political philosophy. The thesis about the total separation between law and
political philosophy is so weak has incoherent. Even that a theory
seeks the total separation between law and politics will produce important political consequences in a general meaning. A neutral political position about freedom of speech will be guilty of unsatisfactory
practical importance and naivety.
One of the most traditional movements of political philosophy
is the Utilitarianism. According to Stuart Mill, inspired in Jeremy
Bentham, the person who believes in the Principle of the Utilitarianism defends that the answer in moral conflicts is right in the proportion as it tends to promote happiness. In this theory, the happiness
is intended as pleasure and the unhappiness as pain. So, in a community, the right decision about a moral case will be that one which
promotes more happiness and less pain in its citizens. In addition,
Herbert Hart explains that the balance in this process should respect
the maxim “everybody is to count for one, nobody for more than
one”. In abstract, we can say that Utilitarianism valorize the public
dimension of the human being over the private dimension.
On the other hand, the critics made by philosophers against
Utilitarianism are based specially on two arguments. The first one
says that the utilitarianism balancing uses together two kinds of interests. The interest of the person about the community, called public
interests, and about the lives of the others citizens, called personal
150 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
interest. The problem is that a correct balancing between interests
should count just the public interests because the personal interests
invade the ethical decisions of the people.
The second argument holds that the Greatest Happiness Principle does not protect the citizens individually. In a situation of crises
normally the minorities are in dangerous because the majority can
produce political acts which prejudice their lives. So, the Greatest
Happiness Principle can be used has a process to legitimate a political
act against Jews or the black people, for example.
One of the alternatives in political philosophy is the Egalitarianism. According to Ronald Dworkin, influenced by John Rawls, this
theory separates the public and the private dimension of human being.
This separation, nevertheless, is not so much strong, but wishes protect
the rights of the citizens. The principal objective of this movement is to
defend the right of the people to decide about their own lives without
the interference of the others, except with a serious justification based
on rights, not in the well-being. So, in the Justice Holmes’s example,
someone who shouts falsely fire in a crowded theater can be stopped
because the rights of the others limit such freedom of speech.
The results of this political debate in the justification of the freedom of speech are two important theories. The first one is the instrumental justification as a market of ideas. That theory was created by
Stuart Mill and it is based on Utilitarianism. The principal element is
the thesis that the freedom of speech is important because, as in the
economic market, the best ideas will overcome the weaks in a free public debate. In addition, that best ideas will be the used in the government of the community. The other element is that the market of ideas
is important to the legitimacy of the political power because everyone
could be part of the debate about the principles used in the government. This theory can be used as justification of the freedom of press as
in the Brazilian case of the statute of press in the ADPF 130.
The other idea is based on the Ronald Dworkin’s Egalitarianism
and it defends the rights as trumps. The right is a constitutive justification for the limits of the state. So, even a kind of discourse that the
Liberdades democráticas e suas restrições • 151
majority agrees in produce restrictions can be protected by the constitutive justification of freedom of speech. The critics that Dworkin produces against the market of ideas are that the instrumental justification
does not protect important rights of the citizens as the polemic hate
speech. For example, the Brazilian case of the parliamentary Marcos
Feliciano’s speeches about homosexuality could finish differently.
So, an important conclusion is that, according to Dworkin and
Scanlon, the freedom of speech has a double political justification.
The first one is instrumental, that has a public dimension of protection, and the second one is constitutive, that is more directed to the
individual rights of the citizens.
A imposição jurídica da moral - Um debate entre Lord
Devlin e H.L.A. Hart
Clarissa Gross
Doutoranda em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo. Mestre em Direito e Desenvolvimento pela Faculdade de Direito de São
Paulo da Fundação Getulio Vargas. Brasil.
Endereço eletrônico: [email protected].
Este trabalho busca discutir a questão acerca de se é correto que uma
sociedade imponha por meio do direito (especialmente o direito penal) a
sua moralidade. Será dado enfoque ao debate travado no início dos anos 60
entre H. L. A. Hart, importante teórico do direito, e Lord Devlin, magistrado inglês. Ao final, será discutida as contribuições de Ronald Dworkin
para o debate no que diz respeito à noção de moralidade social.
Devlin desenvolveu reflexão sistematizada defendendo a correção moral de tornar obrigatória, por via do direito penal, a moralidade convencional de determinada sociedade1. Devlin critica aqueles
que acreditam haver um limite principiológico à interferência do direito no comportamento de relevância moral. Atribui o equívoco à
má compreensão da finalidade do direito penal como se fosse a de
estabelecer alguma ordem e forma de coordenação social. Se assim
fosse, não haveria qualquer ligação necessária entre o direito penal e
a ordem moral prevalente em determinada sociedade.
Devlin refuta esse argumento primeiramente indicando a sua incapacidade de explicar alguns institutos do direito penal vigente com
os quais normalmente concordamos de forma bastante intuitiva2. É o
caso, por exemplo, do afastamento do consentimento e do perdão da
vítima enquanto argumentos de defesa em alguns crimes. Esse elemento do direito penal inglês não se explicaria a não ser que se admitisse
que a sua finalidade consiste na imposição da moralidade em si.
Devlin afirma que a imposição da moralidade convencional pelo
direito se justifica em função da sua importância para manutenção da
Liberdades democráticas e suas restrições • 153
integridade da sociedade. Segundo Devlin, a integridade de uma sociedade é mantida muito em função dos vínculos do pensamento comum,
ou seja, pela existência de um acordo acerca do que é bom ou ruim.
Se é assim, a sociedade teria o direito de realizar julgamentos morais e
de impor a sua moralidade por meio do direito. Isso porque, desfeito o
acordo moral que estrutura a sociedade, esta última colapsaria.
H. L. A. Hart escreveu livro intitulado Law, Liberty and Mora3
lity , em cujo prefácio anuncia o objetivo de rebater as ideias centrais
do argumento de Devlin. Uma primeira crítica importante apresentada por Hart diz respeito à maneira como Devlin concebe o vínculo
entre moralidade convencional e a preservação da sociedade. Para
Hart, a associação tal como afirmada por Devlin é empiricamente
equivocada, bem como parece promover de forma dogmática e irrefletida a conservação tanto da moralidade convencional quanto da
sociedade tal como existe em determinado tempo e lugar.
Ademais, Hart afirma ser possível justificar, por meio de uma versão do argumento utilitarista, qual seja, o argumento do paternalismo
jurídico, os institutos que Devlin afirma serem somente explicáveis enquanto mecanismos de imposição da moralidade social convencional.
O presente trabalho pretende defender, por um lado, que a melhor forma para compreender as nossas convicções acerca da correção
dos institutos de direito penal debatidos pelos dois autores é admitindo que aquilo que socialmente operamos é de fato uma imposição
de uma moralidade social que não se resume ao utilitarismo. Nesse
ponto, Devlin apresenta os melhores argumentos.
Contudo, defendemos que algumas críticas de Hart à maneira
como Devlin valoriza a moralidade convencional e concebe sua relação com a preservação da sociedade são também acertadas. Acreditamos que, nesse ponto, as críticas de Ronald Dworkin4 à maneira
como Devlin concebe a moralidade são importantes para boa compreensão da natureza de nossas convicções morais e da relação que
existe e que deve haver entre direito e moral.
154 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Notas
Os argumentos de Devlin se encontram em palestras publicadas em DEVLIN,
Lord. The Enforcement of Morals. New York: Oxford University Press, 1965. O
magistrado foi provocado à reflexão em função da necessidade de realizar palestra na área de teoria do direito, tendo selecionado enquanto tema de partida de sua exposição o argumento teórico avançado no relatório do Comitê
Wolfenden, de 1957, comissão inglesa formada para discutir a legislação concernente a prostituição e a crimes relacionados ao comportamento sexual.
2
Ressalta-se que Devlin reconhece que o fato de o arranjo normativo positivo de determinada sociedade não refletir um determinado argumento
teórico não indica, por si só, a falta de pertinência ou correção do referido
argumento teórico. O argumento teórico pode pretender a modificação das
instituições existentes se essas não se mostram teoricamente sólidas.
3
HART, Herbert L. A.. Law, liberty and morality. Stanford: Stanford University
Press, 1963.
4
Exploramos, em especial, DWORKIN, Ronald. Lord Devlin and the enforcement of morals. Yale Law Journal. v. 75, p. 986 - 1005, 1966.
1
O ensino religioso nas escolas públicas
Lucas de Barros Peron Maciel
Bacharel em Direito pelas Faculdade Integradas Vianna Júnior. Pósgraduando em Direito Tributário pela UCAM/IDS/Intejur. Bacharelando em
Ciências Humanas pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Advogado. Brasil.
[email protected].
No presente resumo se exporá o debate sobre a questão do ensino religioso nas escolas públicas, analisando, em primeiro lugar, a
importância que a educação possui no desenvolvimento do país, e
como esta importância alcançou o status de garantia constitucional,
constando na Carta Magna tanto o direito ao acesso a educação básica, conferido a todos os cidadãos, como o fato de ser a educação
religiosa uma das disciplinas consideradas fundamentais ao desenvolvimento das crianças em cidadãos conscientes e dispostos a dar
efetividade aos princípios norteadores do Estado brasileiro.
Diante deste cenário, levanta-se algumas considerações sobre a
educação religiosa nas escolas, visto que, além de seu conteúdo ainda
não possuir um objeto claro de estudo, quão menos uma metodologia
de pesquisa e ensino definidas, há a questão do estudo religioso se tratar de matéria facultativa, devendo o ente político que oferta o ensino
religioso também ofertar matérias alternativas para aqueles que pretenderem não cursar a disciplina religiosa, trazendo as dúvidas sobre se seria mesmo razoável colocar a responsabilidade sobre cursar ou não uma
matéria da grade curricular nas mãos daquele aluno; se esta responsabilidade de decidir se o aluno cursaria ou não a disciplina estaria dirigida
aos tutores da criança; seria justo, considerando a situação psicológica
em desenvolvimento das crianças e jovens, coloca-los como indivíduos
anômicos ao meios social em que se inserem por recusarem-se a participar das disciplinas religiosas. São varias as dúvidas que são levantadas
ao se analisar a oferta de ensino religioso nas escolas públicas.
Em um segundo ponto, confronta-se a lei de diretrizes e bases
da educação nacional, analisando seu texto e sua teleologia, identifi-
156 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
cando pontos de conflito quanto aos interesses de desenvolvimento
de uma educação nacional de qualidade (incluindo-se todos os níveis) e os dogmas doutrinários praticados pelas manifestações religiosas, demonstrando o quanto que estas podem ser contraditórias e
o quanto estas podem repelir-se mutuamente, posto que muitas, ao
se declararem como verdades absolutas, rejeitam qualquer forma de
pensamento que seja contrário ao seus ensinamentos.
No último ponto, tratar-se-á da Ação Direta de Inconstitucionalidade no 4.439, proposta pela Procuradoria Geral da República,
em que se discute a constitucionalidade do Decreto no 7.107, que
promulgou o acordo celebrado entre Brasil e a Santa Sé. Entre os
vários pontos tratados neste acordo, há o tema específico do ensino
religioso, em que o país acordou com o representante e coordenador
mundial de uma determinada denominação religiosa sobre a forma
com que o ensino religioso deveria ser apresentado nas grades curriculares das escolas públicas.
Em tal acordo, o que mais chama a atenção é a redação de seu art.
11, que declara que o ensino religioso, respeitando o direito de crença e
demais liberdades constitucionais, garantirá nas grades curriculares o ensino religioso católico ou de outras religiões, o que se verifica frontalmente contrário aos preceitos determinados na Constituição da República.
Neste contexto que a ADI é apresentada evocando a interpretação que deve ser atribuída ao texto constitucional e ao acordo celebrado, levando-se em consideração o Estado laico e o ensino
secularizado, requerendo que haja uma interpretação conforme a
constituição, para que somente desta forma possa se dar validade ao
acordo celebrado e efetividade ao seu texto.
Ainda se infere, exemplificando, algumas controvérsias sobre a
possibilidade de um ensino católico nas escolas públicas e sua colisão
de ideários com aqueles que norteiam o Estado brasileiro.
Mínimo existencial e liberdades: interfaces a partir da
teoria do desenvolvimento como liberdade
Matheus Medeiros Maia
Estudante da graduação em Direito da Faculdade de Direito Santo
Agostinho (FADISA), Brasil. [email protected].
Talita Soares Moran
Mestre em Desenvolvimento Social pela Universidade Estadual de Montes
Claros (Unimontes). Professora do Curso de Direito da Unimontes e da Faculdade
de Direito Santo Agostinho (FADISA), Brasil. [email protected]
O Relatório do Desenvolvimento Humano de 2014 (RDH2014), divulgado pelo Programa de Desenvolvimento das Nações
Unidas (PNUD), identificou que, nos países em desenvolvimento,
quase 1,5 bilhões de pessoas vivem na pobreza multidimensional,
ou seja, com privações de direitos fundamentais sociais como saúde,
educação e proteção social latu sensu. Os dados traduzem a ideia de
que pessoas que não usufruem de um mínimo existencial vivem em
pobreza multidimensional. A teoria do mínimo existencial estabelece
que o ser humano, para ter uma vida com dignidade, deve usufruir de
uma gama mínima de direitos e condições materiais indispensáveis
à sobrevivência. Dada a amplitude numérica de pessoas que vivem
na pobreza multidimensional, com privação do direito ao mínimo
existencial, se torna pertinente questionar se essas pessoas seriam capazes de exercer suas liberdades. Liberdades é termo plurívoco. Pode
representar desde a autonomia privada do ser humano, sua liberdade
de ir e vir, expressar-se, pensar, professar sua fé, associar-se, exercer a
livre iniciativa, até uma concepção mais moderna, entendida como o
poder do ser humano buscar ser o que ele valoriza para si. O presente
trabalho se propõe a estabelecer um elo entre o direito ao mínimo
existencial e o exercício das liberdades humanas latu sensu. Objetiva-se, através de um método dedutivo e procedimento bibliográfico,
demonstrar que a impossibilidade de acesso, por parte do ser huma-
158 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
no, ao direito ao mínimo existencial gera a pobreza, entendida por
Sen (2010) como privação das capacidades reais. Sen (2010) defende
que a pobreza não deve ser entendida como mera privação de rendas, mas sim, como privação das capacidades, compreendidas como
as liberdades substantivas para que as pessoas possam buscar a vida
que têm motivos para apreciar. Entretanto, apesar da pobreza não se
resumir à baixa ou inadequada renda, esta exerce grande influência
na privação das capacidades, uma vez que, a ausência de renda é uma
predisposição ao estado de pobreza. Sob essa perspectiva teórica, o ser
humano que não tem acesso à saúde, educação, alimento, moradia e
renda tem suas liberdades reais ameaçadas, uma vez que, não usufrui
das condições mínimas necessárias à busca do que ele quer e valoriza
para si. O ser humano, nestas condições, tem mera liberdade de lutar
para sobreviver. O direito às liberdades não se esgota com a possibilidade do ser humano lutar para sobreviver, pelo contrário, ele é muito
mais amplo. As pessoas verdadeiramente vítimas da opressão socioeconômica, sem acesso às condições mínimas de sobrevivência digna,
têm restringidas suas liberdades e demais direitos análogos. A teoria
do desenvolvimento como liberdade elaborada por Sen (2010) é alvo
de algumas críticas, principalmente no que diz respeito a uma suposta abstração de sua obra. Alguns críticos alegam que Sen (2010) não
fez nada mais que outros filósofos já fizeram, ou seja, elaborou uma
teoria, todavia, sem identificar os meios para alcançar sua aplicabilidade. Em verdade, a teoria seniana é de grande utilidade prática. A
premissa de que um Estado se desenvolve quando enfrenta a pobreza, oferecendo à população condições para o exercício de suas capacidades, realmente, influencia no exercício das liberdades humanas.
As pessoas que não têm acesso à educação de qualidade, moradia,
alimento e saúde, têm suas capacidades restringidas. Estas pessoas
ficam presas a uma realidade em que o único objetivo possível de se
alcançar é sobreviver. A título de exemplo, uma pessoa que não sabe
ler não exercerá com excelência sua liberdade política de escolher seus
representantes. Um doente sem acesso à serviços de saúde de qualidade não exercerá sua liberdade de buscar ser o que valoriza, e em
Liberdades democráticas e suas restrições • 159
muitos casos, sequer exercerá sua liberdade de ir e vir. Conclui-se
que, sob a perspectiva seniana de pobreza como privação das capacidades, o ser humano que não usufrui do mínimo existencial tem
suas capacidades restringidas e, por conseguinte, a impossibilidade
do exercício das liberdades reais e direitos correlatos. Em outras palavras, o mínimo existencial poder ser visto como um pressuposto ao
exercício das liberdades humanas latu senso.
Palavras chave: Mínimo Existencial; Liberdades; Teoria do Desenvolvimento como Liberdade.
Referências
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
Perspectiva alemã acerca das pesquisas envolvendo DNA
Humano: liberdade de pesquisa, direitos da personalidade e
direitos patrimoniais
Vítor Carvalho Miranda
Mestre em direito alemão pela Universidade de Passau (Universität Passau),
Alemanha.
Os caminhos enveredados pela pesquisa frequentemente trazem
questões jurídicas inéditas, lançando novas luzes sobre conhecidos
institutos. Atualmente, alguns dos mais interessantes questionamentos vêm sendo trazidos pelas pesquisas acerca do genoma humano.
Per se, a possibilidade de pesquisar e decodificar o DNA já levanta vozes contrárias: umas, baseadas na princípio da precaução, temem as
possíveis consequências adversas; outras, em razão de influências mormente religiosas, objetam tais pesquisas pois se estaria brincando de Deus.
Em meio a essa polêmica, a União Europeia promulgou Diretiva
98/44/CE, um instrumento cujo objetivo é harmonizar a legislação intra-bloco, fornecendo linhas gerais que devem ser seguidas pelas leis internas dos países membros. Esta especificamente obriga os países membros a adequar suas normas para que permitam patentes de genes ou
sequências genéticas humanos, dentre outras invenções biotecnológicas.
No processo C-377/98 R, do Reino dos Países Baixos vs. Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia, relativo à Diretiva,
o Tribunal de Justiça da União Europeia considerou que a patenteabilidade do material genético humano, atendidos os requisitos da
Diretiva, tais como novidade e aplicabilidade industrial, não violaria
a dignidade humana, até mesmo porque a própria Diretiva conteria
dispositivos aptos a resguardá-la.
No ordenamento jurídico alemão, a parte da Diretiva atinente
às patentes genéticas humanas tornou-se o § 1a II da Patentgesetz,
cuja redação é idêntica à do art. 5º II da Diretiva 98/44/CE.
Liberdades democráticas e suas restrições • 161
Dessa forma, alguns dos envolvidos passaram a ter boa parte de
seus interesses expressamente resguardados pelo ordenamento jurídico, pois se possibilita que o fruto das pesquisas possa ser protegidos
pelas patentes, o que, contudo, traz consigo indagações além da liberdade de pesquisa e da proteção das descobertas.
O Human Genome Organization, iniciativa plurinacional para
a pesquisa genética, entende que o tipo de pesquisa mais promissor
é aquele que, ao invés de investigar aleatoriamente a população em
geral, com grande variabilidade genética e menores chances de descobertas, privilegia famílias com doenças genéticas extremamente raras,
haja vista que as descobertas realizadas, neste grupo, beneficiariam
grupos maiores com doenças mais comuns. Além disso, salienta-se
que, como no tipo de pesquisa mais promissor o grupo de pessoas é
menor e as características relevantes mais facilmente delineáveis, há
grande probabilidade de alguma característica inerente à personalidade de pessoas determináveis serem objeto de patente.
O caso John Moore v. The Regents of the University of California
et al. (271 Cal. Rptr. 146, 793 P. 2d 476 [1990]) é paradigmático
em pesquisa com substâncias humanas. O autor buscou o hospital
da Universidade da Califórnia para tratar de uma leucemia. Neste
tratamento teve seu baço extirpado e, sem seu conhecimento ou sua
autorização, foi pesquisado, a qual culminou em uma linhagem celular patenteada, cujos direitos pertencem à Universidade e à empresas
farmacêuticas cofinanciadoras das pesquisas com o material biológico
de Moore e sã responsáveis pela fabricação e comercialização dos insumos delas resultantes. A pretensão indenizatória não foi objeto de
decisão judicial em razão de acordo extrajudicial. A linhagem celular
ainda é comercializada e possui valor estimado de US$ 3 bilhões.
Na Alemanha, em regra, a cessão de material biológico humano
deve ser feita gratuitamente, v.g. sangue para fins de transfusão (§ 1
da Transplantationsgesetz). Essa, contudo, não é uma regra absoluta.
Assim, quando a cessão ocorrer para pesquisa científica ou não objetive transplantes ou fabricação de medicamentos, é possível que haja
162 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
alienação onerosa desse tipo de material, no que enxergamos possíveis reflexos patrimoniais de direitos da personalidade.
A jurisprudência alemã, desde o caso Zeppelin, decidido pelo
Reichsgericht (RGZ 74, 308, de 1903) admite reflexos patrimoniais
dos direitos da personalidade. Isso foi reafirmado no caso Marlene
Dietrich pelo Bundesgerichtshof (BGHZ 143, 214), no qual, inovando, concluiu-se pela transmissibilidade desses reflexos por meio
do direito sucessório. Em 1982, no caso “Wilhelm S. GmbH” (BGH
II ZR 51/82), ao discutir a possibilidade de a massa falida alienar a
firma empresarial, independente de outros bens e valores da empresa,
o Bundesgerichtshof,foi além e entendeu que um direito da personalidade especial pode se tornar autônomo em relação ao indivíduo e
ser alienado, mesmo contra a vontade da pessoa que o originou.
Ante à exposição das soluções jurídicas encontradas alhures e
da constatação de lacunas presentes também lá, pode-se identificar
a necessidade de melhoria existente em nosso ordenamento no regramento das liberdades aqui aventadas (liberdade de pesquisa, autonomia privada, direitos de propriedade e personalidade), para que
seu exercício não seja sobremaneira dificultado ante a imposição de
enorme ônus argumentativo para fazer valer seus direitos fundamentais, como, por exemplo, ao ter que se lançar mão de mecanismos
subsidiários como as ações que visam a sanar as omissões legislativas
ou se fazer valer da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
Reflexões sobre a liberdade religiosa e o discurso de ódio
no Estado Democrático de Direito
Natália Torquete Moura
Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa. Professora do Centro Universitário UniBH. Consultora
Técnico-legislativa na Secretaria de Estado de Casa Civil e de Relações Institucionais
de Minas Gerais (SECCRI). Brasil. E-mail: [email protected]
A liberdade de expressão, um dos direitos fundamentais elencados no rol dos direitos e das garantias do art. 5º da Constituição da
República de 1988, extraída dos enunciados normativos dos incisos
IV e IX que, respectivamente, referem-se à liberdade de manifestação
do pensamento, e à liberdade de expressão da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, desdobra-se em outros direitos fundamentais, como a
liberdade de participação política, a liberdade de aprender e ensinar,
a liberdade de criação e divulgação da obra artística, entre outras,
conjunto que se pode denominar de normas da liberdade de expressão.
No presente trabalho, faz-se um recorte dentro desse objeto
mais amplo das normas da liberdade de expressão e opta-se por tratar,
especificamente, da norma da liberdade religiosa com o propósito de
evidenciar, de forma analítica, quais os interesses e razões que apontam os limites do exercício dessa liberdade. Há que saber o que fazer
relativamente às condutas expressivas que visam defender e promover
a desigualdade social ou entre grupos de pessoas, nas suas diversas
manifestações (étnicas, raciais, sexuais, etc.).
A liberdade religiosa não pode contribuir para discriminar e subalternizar minorias étnicas, mulheres e homossexuais, acentuando a
posição de subordinação desses seguimentos, questão que diz respeito ao discurso de ódio (hate speech).
A opção pelo estudo do direito à liberdade de religiosa justifica-se, primeiro, pela atualidade da questão, já que no Brasil, são recen-
164 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
tes e frequentes os embates públicos que no uso do direito à liberdade
religiosa, incitam ou defendem o combate à determinada minoria,
com fundamento no exercício da liberdade de expressão religiosa.
Exemplo disso foi o discurso usado pelo candidato à presidência,
Levy Fidélix, em dois debates transmitidos pelos principais canais
de TV aberta do país onde, deliberadamente, o candidato propôs
à sociedade cristã uma atitude de combate à minoria homossexual.
Em segundo lugar, a opção justifica-se pelo fato deste ser um direito
fundamental emblemático no que diz respeito à questão da oposição
potencial entre Estado de Direito (direitos fundamentais) e princípio
democrático. Basta pensar em uma maioria no poder, pressupondo-se que tal poder teve origem e legitimação democráticas, em que o
governo ou a própria maioria parlamentar utilizem meios para ameaçar a liberdade religiosa, ou, por outro lado, considerando que a
liberdade de expressão nas sociedades atuais pertence aos poderosos,
imagine que esse mesmo governo ou maioria parlamentar conceda a
possibilidade de utilizar as palavras para construir, com total impunidade uma realidade de desigualdade e subordinação de determinados
grupos, ou seja, permita o uso do discurso de ódio.
Nessa perspectiva, o trabalho versará, de forma breve, as principais
doutrinas relevantes para o tema, identificando alguns dos principais conflitos normativos que podem decorrer da relação entre a norma da liberdade religiosa, o princípio democrático e o princípio do Estado de Direito.
Palavras-chave: Discurso de ódio. Liberdade de expressão. Liberdade religiosa. Princípio democrático. Estado de Direito.
Laicidade, estereótipos e o “outro”: uma conversa com
Jean Baubérot sobre o caso francês
Maria Fernanda Salcedo Repolês
Professora Adjunta dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade
de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-Doutora em
Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com bolsa Cnpq.
Francisco de Castilho Prates
Bacharel, Mestre e Doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bolsista do Capes/DS.
A comunicação pretende abordar, a partir de teses desenvolvidas
pelo pensador Jean Baubérot, algumas questões que versam sobre a
relação entre liberdade religiosa e laicidade no cenário francês após
a edição, nos anos de 2004 e 2010, de legislações que vedam o uso
de símbolos religiosos taxados como ostensivos nas escolas e espaços
públicos, as quais receberam a denominação de “Leis do Véu”, já que
atingiriam, principalmente, os véus islâmicos que cobrem todo ou
quase todo o rosto das mulheres mulçumanas.
Estas leis foram justificadas pela necessidade de se defender a
dimensão republicana do laico, a igualdade de gênero e a redução
das tensões sociais de base religiosas existentes, como que afirmando
que “se ninguém expuser publicamente sua orientação religiosa, ao menos ostensivamente, os conflitos serão reduzidos”, isto é, as legislações
francesas restringiriam condutas religiosas no espaço público, procurando enviá-las e mantê-las no privado.
Todavia, para o citado Jean Baubérot, haveria, subjacente a estas normatividades, uma instrumentalização política do sentido do
laico, uma verdadeira “falsificação”, convergindo com o crescente fenômeno, observado não apenas na França, de aversão ao estrangeiro,
ao diferente, aversão esta que, principalmente após os atentados de
11 de setembro em Nova York, Estados Unidos, recebeu uma face
mulçumana, isto é, como escreve Baubérot, “o Islã torna-se a repre-
166 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
sentação da imigração perigosa”. Com efeito, como salientou uma vez
o ex-Presidente Nicolas Sarkozy, a laicidade, na França, não pode se
desvincular da identidade francesa de raízes cristãs (“racines chrétiennes”), identidade esta que exigiria uma certa adaptação ou acomodação
da fé islâmica no interior da sociedade francesa. Esta estratégia de se
traduzir a laicidade a partir do confronto com o pluralismo religioso
pode estar ocultando, nas entrelinhas, um discurso anti-imigração,
bastando ressaltar o fato de que, na atualidade, uma das maiores defensoras do estado laico é a líder do partido da extrema direita Frente
Nacional, Marine Le Pen, conhecida por suas posições radicalmente
contra os imigrantes, o que conduziu Jean Baubérot a ironizar, afirmando que a mesma parlamentar era “la championne de la laïcité
dominante”. A título ilustrativo, devemos lembrar que, entre tantos
outros momentos, a referida Marine Le Pen comparou os religiosos
mulçumanos existentes nas ruas francesas (“prières de rue”) a uma verdadeira ocupação do território da França, como a ocorrida durante a
Segunda Grande Guerra, só que sem tanques ou soldados.
Diante de interpretações instrumentalizadas e “fechadas” da laicidade, não estaria havendo como que uma “subordinação” ou “predomínio” da noção de identidade nacional enquanto unidade, em relação
a identidade constitucional e a sua dimensão pluralista? A exigência de
laicidade não estaria sendo posta, primeira e principalmente, aos cidadãos e não ao Estado francês, colocando em xeque a própria noção
de liberdade de consciência? Como anota Baubérot, esta laicidade,
que chamaríamos de identitária e cultural, não estaria atrofiando as
liberdades individuais e denegando a própria separação entre o poder
do Estado e o poder religioso? Com efeito, diferentes orientações e
identidades religiosas podem, com justificativa da defesa da laicidade,
serem enviadas apenas ao privado?
Em suma, estaríamos ou não diante de um contexto em que
as restrições aos direitos fundamentais soariam, em realidade, como
condição de possibilidade da democracia constitucional, não sendo
exclusivamente direcionadas a “certos” movimentos religiosos, mas
sim a todos aqueles “fundamentalismos”, incluindo os “nacionalismos
Liberdades democráticas e suas restrições • 167
secularistas”, não sendo estratégicas responsivas e/ou midiáticas? Isto
é, pode-se, dentro de uma democracia constitucional de base plural, vedar-se a exposição pública de símbolos e condutas religiosas, como o véu
islâmico, tendo como fundamento de legitimação a defesa da laicidade e
como justificativa o interesse público de diminuir tensões sociais e preservar a autonomia e liberdade das mulheres?
Apropriando-nos de um pensamento desenvolvido por Newton
Bignotto ao refletir sobre as tensões entre tolerância e diferença, também indagaremos se não estaria ocorrendo como que um processo de
“nomear o outro e mesmo persegui-lo”, onde esta ação de constituir a
diferença não estaria, nas entrelinhas, pretendendo “criar a identidade
do corpo político pela sua negatividade” (BIGNOTTO, 2004: 68).
O que buscaremos é tentar iluminar o que subjaz nas sombras
de leis como as francesas, isto é, o potencial emprego estratégico da
defesa da laicidade, de direitos, como forma de subordinar, além de
uma enorme pretensão normativa de se procurar configurar e controlar a construção das identidades pessoais, da vida, através de “leis”, desconhecendo a dimensão do risco, de produzir-se o que se busca combater: o reforço de identidades religiosas de postura fundamentalista.
Observe-se que o pano de fundo de nossas indagações e assertivas é o constitucionalismo e suas exigências modernas de liberdade,
igualdade e diferença, de pluralismo constitutivo, onde a identidade
constitucional reflete uma abertura e uma incompletude normativa
em relação aos direitos fundamentais, os quais exigem, de modo crescente, maior problematização diante de disposições restritivas.
Palavras-Chave: Laicidade, Instrumentalização, Exclusão, Democracia Constitucional.
O direito ao esquecimento (right to oblivion)
Leonardo Netto Parentoni
Currículo Lattes completo: http://lattes.cnpq.br/3612200644224606
Como afirmado num dos mais tradicionais escritos sobre o
tema, do século XIX, as questões afetas à privacidade são tão antigas
quanto a própria humanidade (WARREN; BRANDEIS, 1890, p.
193). A despeito disto, é preciso, de tempos em tempos, enfrentar
novos desafios e repensar o alcance desse direito.
Já naquela época, preocupava-se a doutrina norte-americana
com uma faceta da privacidade conhecida como o “direito de ser
deixado em paz” (right to be let alone), a qual carecia de tratamento
específico, tanto na legislação quanto na jurisprudência. Na época, as
ameaças a esse direito provinham, principalmente, de algumas recentes invenções mecânicas, como a máquina fotográfica instantânea, ou
da mudança de hábitos sociais, que propiciaram a proliferação dos
jornais sensacionalistas (yellow journalism).
Vem dessa época a célebre frase de Warren e Brandeis segundo a
qual: “o que é sussurrado no closet pode vir a ser proclamado, em alta
voz, a partir do telhado” (Ibid., p. 194). Ou seja, há mais de um século
os citados autores advertiram que as modificações sociais e o advento
de novas tecnologias estavam expondo aspectos da vida privada, contra
a vontade das pessoas, muitas vezes com o intuito comercial de lucro.
Se, por um lado, a preocupação com o tema não é nova; por
outro, o desenvolvimento tecnológico das últimas décadas, principalmente com a invenção dos computadores pessoais e da internet,
trouxe uma miríade de problemas e questionamentos referentes à
privacidade, anteriormente inimagináveis (SOLOVE, 2008, p. 04).
A internet relativizou distâncias, permitindo a comunicação praticamente instantânea entre partes opostas do mundo, com som e imagens de alta definição. E, juntamente com os benefícios, o progresso
tecnológico trouxe também novos riscos.
Liberdades democráticas e suas restrições • 169
Adaptando a clássica frase de Warren e Brandeis a esta nova
realidade, pode-se afirmar que, atualmente: o que é sussurrado no
closet pode vir a ser reproduzido não apenas no telhado e para poucas pessoas, mas em qualquer canto do mundo, para um número
indeterminado de pessoas, a um custo geralmente muito baixo. E
mais, pode continuar sendo reproduzido indefinidamente, enquanto
houver alguém interessado em acessar esse conteúdo, mesmo contra
a vontade dos sujeitos envolvidos.
Em razão de suas próprias características estruturais, a internet
reacendeu as discussões a respeito da privacidade. De um lado, há
quem sustente que cabe ao indivíduo, em última análise e por sua
única vontade, decidir se deseja ou não tornar públicos aspectos de
sua vida privada. Quem assim pensa admite um direito fundamental
da pessoa em retirar da internet informações a seu respeito. Alguns
até consideram esta faculdade como parte dos direitos humanos. Em
sentido oposto, há quem faça uma ponderação entre a pretensão individual ao esquecimento e o interesse coletivo de certas informações, de maneira a justificar a publicação e preservação destas últimas, mesmo contra a vontade dos envolvidos.
Este trabalho insere-se no citado debate, realizando uma ponderação de valores entre memória e esquecimento, à luz do tratamento
de dados pessoais. Não tem por objetivo limitar-se a comentar o texto
da recente proposta de Regulamento Comunitário Europeu, mas sim
contextualizar juridicamente o direito ao esquecimento de forma ampla, enfocando seus antecedentes judiciais e normativos, bem como
traçar-lhe a natureza jurídica, objeto, legitimidade ativa e passiva, prazo
para exercício, limites e barreiras tecnológicas à sua plena efetivação.
Referências:
SOLOVE, Daniel. Understanding Privacy. Cambrige: Harvard University
Press, 2008.
WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis D. The Right to Privacy. Harvard Law Review. Cambridge: Harvard University Press. v. IV, n. 05,
p. 193-217, Dec. 1890.
O chumbo e o discurso: Jeremy Waldron e
Ronald Dworkin sobre liberdade de expressão
Leonardo Gomes Penteado Rosa
Bacharel e mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Professor assistente de Teoria do Direito na Universidade Federal de Lavras. País:
Brasil. Contato: [email protected] ou [email protected].
Em livro recente, Jeremy Waldron produziu – entre outros – um
argumento interessante sobre o modo pelo qual a liberdade de expressão é compreendida2. Waldron convida o seu leitor a considerar
as consequências de se pensar a regulamentação do meio-ambiente
como alguns pensam a regulamentação do discurso, a saber, de modo
a que se exija à limitação do discurso de ódio, por exemplo, que se
mostre que há uma “causation” específica entre o discurso de alguém
e o efetivo dano a outrem (“clear and present danger”)3. Se assim for,
argumenta Waldron, seria o caso de que dele – como um motorista
– não se demande o uso de filtros que diminuam a poluição causada
por seu carro “a não ser que alguém possa mostrar que o meu carro
causa poluição por chumbo em detrimento direto e dano iminente à
saúde de indivíduos identificáveis”4. A sugestão é absurda e Waldron,
é claro, quer com seu exemplo sugerir que devemos deixar de pensar a
liberdade de expressão como por vezes fazemos em direção a esquema
outro: por exemplo, o que usamos para proteger o meio-ambiente5.
Neste trabalho, minha ideia é criticar o exemplo (ou analogia,
como diz Waldron) e o argumento construído em torno dele. Embora
interessante a comparação, a cogência do argumento é colocada em
questão por uma série de indagações que se podem fazer. Em especial,
pelo menos tanto quanto parece haver uma “analogia” entre os danos
provocados pela poluição proveniente de carros e os danos provocados por certos tipos de discurso, há importante “desanalogia” entre o
suposto direito do motorista de trafegar sem filtro e o do emissor do
discurso de falar o que bem entender. Podemos tratar a liberdade de
Liberdades democráticas e suas restrições • 171
expressão como tratamos a liberdade – qualquer que seja, e que talvez
nem exista – que justifique trafegar sem filtro no escapamento?
Meu objetivo é bastante restrito: pretendo enfrentar este ponto e
talvez outros acerca do argumento de Waldron exposto acima. Apesar
disso, acredito que seja possível chegar a considerações mais gerais
acerca do tipo de considerações que se podem formular a favor de
restrição da liberdade de expressão. Em especial, acredito que diversos aspectos da teoria dos direitos de Ronald Dworkin explicam e dão
corpo à intuição de que o exemplo de Waldron tem desanalogia relevante com a liberdade de expressão. Em poucas palavras, Dworkin
rejeita a existência de um direito geral à liberdade6: para ele, o que
há são direitos a liberdades específicas7, o que, se de um lado gera
ônus de defesa individualizada destas liberdades8, de outro permite
atenção ao fundamento de cada um delas – no caso da liberdade de
expressão, uma exigência da justiça integrada a uma concepção de
bem viver (em Dworkin, uma concepção de dignidade)9.
Assim, para Dworkin cada direito precisa ser justificado; disso
decorrem pelo menos duas coisas: 1) nem tudo é direito – não há,
por exemplo, direito de andar em ambas as mãos numa via pública10
e 2) os direitos que existem são fortes, isto é, não se submetem a especulação sobre as más consequências de certas hipóteses de seu exercício11 e não se submetem ao jogo de interesses ordinário da política12
(aqui se insere a distinção dworkiniana entre princípios e políticas:
quando não há direito, a questão se resolve por julgamento sobre a
política preponderante, mas, quando há, juízo deste tipo é injusto13).
Estas reflexões de Dworkin esclarecem a desanalogia que escapa a
Waldron: as consequências ruins do discurso de ódio não justificam
a sua violação da mesma forma que as consequências da poluição por
chumbo justificam a exigência de filtro porque liberdade de expressão é um direito forte enquanto trafegar sem filtros é faculdade que
pode ser restrita sem perigo de atentar à dignidade do motorista. Daí
não ser de mesmo tipo a justificação de restrição aceitável da liberdade de expressão e a justificação de restrição aceitável da faculdade de
trafegar com carro mais poluente; daí não se poder tratar uma coisa
172 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
como se trata a outra. Por óbvio, isso não significa que nenhum tipo
de discurso possa ser regulado ou proibido: significa apenar que não
se pode tratar o discurso como se trata o chumbo.
Notas
Este resumo decorre da minha pesquisa de mestrado, que culminou em
dissertação intitulada “O liberalismo igualitário de Ronald Dworkin: o caso
da liberdade de expressão”, defendida na Faculdade de Direito da USP em
10.02.2014 em banca composta pelo orientador, prof. Ronaldo Porto Macedo
Júnior, e pelos professores Rafael Mafei Rabelo Queiroz e Júlio César Casarin
Barroso Silva, a quem agradeço pela presença na banca e pelas sugestões feitas; agradeço também aos professores Samuel Rodrigues Barbosa e José Reinaldo de Lima Lopes pela presença e sugestões feitas na banca de qualificação
(e fora dela). A minha pesquisa de mestrado foi financiada pela FAPESP, processo 2011/15618-4, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP). Reconheço e agradeço o financiamento da Fundação. “As opiniões,
hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de
responsabilidade do(s) autor(es) e não necessariamente refletem a visão da
FAPESP”. Pelo apoio, conversas, sugestões, revisões etc. agradeço à Renata do
Vale Elias, à Luciana Silva Reis, ao Yuri Corrêa da Luz, ao Pablo Antônio Lago,
ao Artur Péricles e ao Rodrigo Belda. Agradeço em especial ao prof. Ronaldo
Porto Macedo Jr. pela orientação e aos participantes dos grupos de estudo que
o professor tem realizado nos últimos anos na Faculdade de Direito da USP. Reprodução completa dos agradecimentos da dissertação é inviável pelo espaço
que ocupam, mas fico à disposição por e-mail.
2
Jeremy Waldron, The Harm in Hate Speech. Cambridge (Mass.): Harvard
University Press, 2012.
3
Waldron, The Harm in Hate Speech, op. cit., pp. 96-7.
4
Waldron, The Harm in Hate Speech, op. cit., p. 97, traduzi, itálicos de Waldron (no original, “unless someone can show that my automobile causes
lead poisoning with direct detriment and imminent harm to the health of
assignable individuals”, p. 97, itálicos no original).
5
Nas palavras do autor, um esquema que trabalhe com a ideia de que “(...)
the tiny impacts of millions of actions—each apparently inconsiderable in
itself—can produce a large-scale toxic effect that, even at the mass level,
operates insidiously as a sort of slow-acting poison, and that regulations
have to be aimed at individual actions with that scale and that pace of
causation in mind”, Waldron, The Harm in Hate Speech, op. cit., p. 97.
1
Liberdades democráticas e suas restrições • 173
Ronald Dworkin. “Que direitos temos?” in Levando os Direitos a Sério. Tradução Nelson Boeira. Revisão da tradução Silvana Vieira. São Paulo: Martins Fontes, 2001; no original, Ronald Dworkin. “What Rights Do We Have?”
in Taking Rights Seriously. London: Gerald Duckworth & Co. Ltd, 2005 (terceira impressão), publicado inicialmente em 1977.
7
Ronald Dworkin. “O lugar da liberdade” in A virtude soberana: teoria e
prática da igualdade. Tradução Jussara Simões; revisão técnica e da tradução Cícero Araújo e Luiz Moreira. São Paulo: Martins Fontes, 2005; no
original, Ronald Dworkin. “The Place of Liberty” in Sovereign Virtue: The
Theory and Practice of Equality, Cambridge/London: Harvard University
Press, 2001 (terceira impressão).
8
Veja nota acima e também Ronald Dworkin “Levando os Direitos a Sério”
in Levando os direitos a sério, op. cit.; para o original, veja “Taking Rights
Seriously” in Taking Rights Seriously, op. cit..
9
Ronald Dworkin. Justiça para Ouriços. Tradução Pedro Elói Duarte, Revisão Joana Portela, Coimbra: Almedina, 2012, caps. 9 e 17; no original, Ronald Dworkin. Justice for Hedgehogs, London/Cambridge: The Belknap Press
of Harvard University Press, 2011, caps. 9 e 17. Veja ainda Ronald Dworkin,
“Por que a liberdade de expressão?” in O direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. Tradução Marcelo Brandão Cipolla,
revisão técnica Alberto Alonso Muñoz. São Paulo: Martins Fontes, 2006; no
original, Ronald Dworkin, “Why Must Speech be Free?” in Freedom’s law:
the moral reading of the American Constitution. Cambridge (Mass.): Harvard University Press, 1996.
10
Ronald Dworkin “Levando os Direitos a Sério” in Levando os direitos a sério, op. cit., p. 293; para o original, veja “Taking Rights Seriously” in Taking
Rights Seriously, op. cit., pp. 191.
11
Ronald Dworkin, “Levando os Direitos a Sério”, op. cit., esp. pp. 289-90,
310; no original, veja “Taking Rights Seriously”, op. cit., esp. p. 188, 202.
12
Ronald Dworkin, “Devaluing Liberty”. Index on Censorship, 1988, 17: 7.
13
Ronald Dworkin “Casos difíceis” em Levando os direitos a sério, op. cit.,
pp. 141 e ss.; no original, Ronald Dwrokin “Hard Cases” in Taking Rights
Seriously, op. cit., pp. 90 e ss.. Veja ainda Ronald Dworkin, “Temos direito à
pornografia?”, “O caso Farber: repórteres e informantes” e “A imprensa está
perdendo a Primeira Emenda?”, os três em Uma questão de princípio. 2ª
Ed. Tradução Luís Carlos Borges. Revisão técnica Gildo Sá Leitão Rios. São
Paulo: Martins Fontes, 2005; para o original, Ronald Dworkin, “Do We Have
a Right to Pornography?”, “The Farber Case: Reporters and Informers” e “Is
the Press Losing the First Amendment?”, os três em A Matter of Principle.
London/Cambridge(Massachusetts): Harvard University Press, 1985. Veja
ainda Ronald Dworkin, “Devaluing Liberty”, op. cit.
6
Liberdade de expressão e democracia: pluralismo e justiça
nas sociedades contemporâneas
Marina França Santos
Doutoranda – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – Brasil –
[email protected].
Estados Unidos e Brasil. Em comum, duas democracias em
construção, fundadas, dentre os seus mais basilares princípios, na garantia da liberdade. Em ambas as histórias contemporâneas, um coincidente debate público em que se reivindica, justamente, a melhor
concepção acerca destes idênticos valores: a democracia e a liberdade
de expressão. Mais especificamente, disputa-se a compatibilidade ou
não do regime democrático com a restrição, pelo Estado, da utilização desses bens escassos e cruciais à liberdade de expressão que são
as vias públicas de comunicação. O presente trabalho nasce a partir
dos debates promovidos sobre o controle da propaganda eleitoral,
por ocasião do julgamento pela Suprema Corte dos EUA do caso
Citizens United vs Federal Election Comission, e sobre o controle da
mídia, em função das iniciativas de produção de um marco regulatório brasileiro da comunicação, ambos responsáveis por trazer à tona
posições contrastantes sobre a relevante questão da legitimidade da
imposição de limites à liberdade de expressão nas sociedades democráticas contemporâneas. No caso norteamericano, o Judiciário analisou a pretensão da organização “Cidadãos Unidos”, obstada, pela
Comissão Eleitoral Federal do Distrito de Columbia, de divulgar o
filme Hillary. The Movie, produção destinada à crítica de uma das
principais candidatas nas prévias do Partido Democrata na eleição
presidencial norte-americana de 2008, a então senadora Hillary Clinton. No Brasil, a discussão do marco regulatório da comunicação e
do controle social da mídia passou pelos três poderes da federação: no
Congresso Nacional, com a análise de dois Projetos de Lei (Projeto
nº 6.817, de 2002, e 3.985, de 2004) que pretendiam criar, respecti-
Liberdades democráticas e suas restrições • 175
vamente, a Ordem dos Jornalistas do Brasil e o Conselho Federal de
Jornalismo, no Governo Federal, com o lançamento de proposta de
regulação no 3º Programa Nacional de Direitos Humanos e no Supremo Tribunal Federal, em razão do julgamento da ADPF 130, em
que se questionava a recepção da Lei de Imprensa (Lei nº 5250/67)
pela Constituição da República de 1988. A análise dos argumentos
utilizados nas discussões públicas ocorridas nos dois países permite
observar que, em ambos os casos, os lados opostos em disputa, conquanto estivessem na defesa de políticas distintas, justificaram suas
posições na proteção dos mesmos valores, a liberdade de expressão e
a democracia, atribuindo-lhes, entretanto, condições e consequências
jurídicas completamente distintas. Pretende-se demonstrar que tal
divergência se deve à persistência de dois problemas teóricos, a
existência de um forte hiato entre a concepção de liberdade de
expressão defendida pela concepção hegemônica e o aprofundamento do caráter democrático das sociedades contemporâneas e,
ao mesmo tempo, a persistência de uma dicotomia injustificável
nos discursos sobre liberdade. A questão que se propõe enfrentar,
portanto, sintetiza-se na indagação de qual a concepção de liberdade
de expressão mais adequada às sociedades democráticas contemporâneas. Para tanto, será proposta uma análise de caráter político-normativo que se vale da contribuição da teoria da justiça, por meio
das concepções de liberdade contidas nos estudos de John Rawls,
Michael Walzer e Ronald Dworkin, filósofos políticos contemporâneos comprometidos com um projeto de identidade entre ética e
política. Defende-se, finalmente, uma concepção de liberdade de
expressão fundada na igualdade, com o sustentáculo irrecusável
do pluralismo democrático contemporâneo.
A liberdade de expressão e o público infanto-juvenil
Thaís Fernanda Tenórico Sêco
Mestre em direito civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Graduada em direito na Universidade Federal de Juiz de Fora. Professora de pósgraduação lato sensu em direito civil na PUC-Minas, Juiz de Fora. País: Brasil.
Endereço eletrônico: [email protected].
É comum que a proteção ao público infanto-juvenil contra informações abusivas opere pela exclusão do conteúdo de esferas de seu
acesso como escolas ou determinados horários de espetáculos públicos
e programação de TV. Preservado o direito do público adulto de acessar
qualquer conteúdo, tem-se por resguardada a liberdade de expressão.
No entanto, essa não será uma solução satisfatória, ao menos com relação a conteúdos especialmente direcionados a crianças e adolescentes.
Um caso ocorrido no Texas em 2010 pode ser revelador do pano
de fundo ético-político que subjaz à questão. A obra ‘Brown bear, brown
bear, what do you see?’, um inofensivo jogo de palavras com animais,
cores, rimas e ritmo, foi excluída do programa de educação do estado pelo temor de que estivesse promovendo visões marxistas junto ao
público infantil. Os temores partiram de uma confusão em torno do
nome do autor, Bill Martin, que é homônimo de um professor de filosofia da Univerdade DePall em Chicago e autor de textos que criticam
o capitalismo e o estilo de vida norte-americano. Em respeito à liberdade de expressão, as obras “marxistas” voltadas para o público adulto
permaneceram intocadas, mas ‘Brown bear...’ foi retirada das escolas.
Na verdade, os arranjos normativos do ordenamento, tanto quanto as estruturas administrativas criadas para o fim de proteger a criança
e o adolescente permitem indagar se existe, afinal, alguma liberdade de
expressão que se afirme em relação ao público infanto-juvenil.
Por força do princípio do melhor interesse, toda norma jurídica
assume feições peculiares diante da criança e do adolescente. Trata-se
de um princípio de conteúdo aberto e assim deixado para ser preenchido diante de cada caso concreto. O esvaziamento do princípio o
Liberdades democráticas e suas restrições • 177
transforma em pretexto de justificação para a flexibilização de diversas normas jurídicas nas mais diversas circunstâncias, as quais serão
especialmente pertinentes com relação a temáticas de índole moral.
Em teoria, o princípio do melhor interesse indica uma circunstância especial em que o paternalismo se faz necessário. Mas, pela atribuição descomprometida de interesses à criança e ao adolescente em
cada caso, conforme a visão subjetivista daquele a quem se reconheceu
a competência para fazê-lo, esse paternalismo, na prática, se transforma
em “perfeccionismo moral” e em um mecanismo manipulador do tipo
de mentalidade que se pretende vigente na sociedade do futuro.
Historicamente, o pensamento político em torno da criança e do
adolescente tem apresentado problemas desde sua origem. Entendia-se
no séc. XIX que uma criança filha de judeus preferiria uma educação
cristã e, no séc. XX, que uma criança filha de mulher solteira preferiria ser adotada por uma “família estruturada”. O relativismo da moral
convencional encontra na universalidade da moral pós-convencional
um argumento e uma justificativa para fazer-se impor, mesmo em sociedades que buscam a promoção da pluralidade e da tolerância.
Mas foi com o nazismo que se percebeu a partir do pensamento
evolucionista o potencial de transformação social contido nas gerações mais jovens. Elevou-se, então, a atenção política sobre a criança
e o adolescente projetando sobre si “interesses coletivos” postos acima de seus interesses pessoais. Não por acaso, Hitler expressamente
mandou queimar os exemplares do clássico ‘Ferdinando, el toro’, por
conter mensagem pacifista e valorizar a individualidade – a semelhança com o caso de ‘Brown bear...’ não deve ser desprezada.
Identifica-se uma fenda aberta no sistema de direitos pela qual
podem diversas violações podem buscar justificativas de difícil desconstrução. Podem ser citados diversos termos contidos no Projeto
de Lei 5.921/2001, que visa regular a publicidade infantil, dentre os
quais uma emenda que estabelece, para a “proteção da criança” que
somente famílias formadas por homem e mulher podem ser representadas em anúncios publicitários.
178 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Para que a eleição dos conteúdos adequados ao público infanto-juvenil perca a conotação de “ato discricionário” que tem implicitamente assumido, e para que se faça viável um controle judicial e
constitucional da questão e para que se faça possível um controle dos
sentidos que têm sido atribuídos ao princípio do melhor interesse da
criança e do adolescente é preciso resgatá-lo do abstracionismo perigoso em que tem sido mantido por meio do estudo das conotações
que assume mediante hipóteses concretas.
O trabalho proposto visa contribuir com um esforço amplo de decodificação do sentido jurídico-político de proteção à criança e ao adolescente, preservando a fluidez social que a permeia. A diversidade de
dados nesta seara pode traduzir entendimentos importantes e necessários
à construção de uma sociedade verdadeiramente tolerante e plural.
Legitimidade do controle de constitucionalidade no
marco da separação funcional entre direito e política:
a jurisdição constitucional pode estar aberta à decisão
com base em razões pragmáticas?
André Freire Azevedo
Aluno do curso de mestrado em Direito Constitucional no Programa de
Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), sob a orientação do Prof. Dr. Marcelo Andrade Cattoni
de Oliveira. Pesquisador bolsista da CAPES-REUNI. Estagiário docente nos
cursos de graduação em Direito e Ciências do Estado da UFMG. Graduado
em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2013.
Advogado. Contato: [email protected].
Em brilhante obra recentemente lançada (Constitutional Courts
and Deliberative Democracy), Conrado Hübner Mendes elabora
a tese de que as cortes constitucionais podem e devem ser “deliberadores especiais”, no sentido de que podem e devem desenvolver
qualidades deliberativas sem as quais as democracias constitucionais
restam empobrecidas. Partindo do pressuposto de que essa qualidade não pode ser a elas presumidamente atribuída, o livro apresenta
uma substantiva contribuição para o delineamento de um quadro
conceitual sobre as variáveis envolvidas na análise do desempenho
deliberativo das cortes constitucionais, tema ainda pouco explorado.
Para o autor, na prática não é possível verificar uma efetiva divisão, em termos funcionais, entre a atividade de cortes constitucionais no controle concentrado de constitucionalidade e a atividade
legiferante do parlamento. A atividade jurisdicional, nesse caso, não
se encaixaria em noções rígidas de legislação ou adjudicação, mas
teria natureza mais próxima da de um teste exógeno com atributos
legislativos, distinto da atividade do parlamento apenas em termos
estruturais e temporais, mas não em termos funcionais. A questão
sobre se há uma justificação normativa ou não para essa atividade
180 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
“legislativa” das cortes é então, diante dessa indistinção funcional,
endereçada por meio da ideia de desempenho deliberativo como
medida de legitimidade. Essa concepção seria argumentativamente
mais ambiciosa do que a de cortes entendidas, por exemplo, como
“tutoras da deliberação política” (como em Habermas) ou como
“fóruns de princípio” (como em Dworkin). O modelo proposto é
“pragmático ainda que principiológico” uma vez que, a despeito das
constrições impostas pela linguagem jurídica – única que pode ser adequadamente empregada nesse fórum deliberativo específico – caberia à
corte se basear em alguma medida “em seus instintos” para medir suas
habilidades de manter as circunstâncias políticas sob controle, em um
espaço aberto para considerações pragmáticas e consequencialistas.
O presente trabalho, reconhecendo a importância da obra citada, tomou a questão específica da abertura do modelo proposto
à possibilidade de decisão, por parte de cortes constitucionais, com
base em argumentos pragmáticos, como uma provocação para a realização de um estudo sobre essa questão específica. A jurisdição constitucional deve estar aberta à decisão com base em razões pragmáticas?
Dessa forma, o trabalho busca demonstrar que os modelos teóricos propostos por Habermas e Dworkin estão baseados numa fundamentação normativa para a legitimidade democrática do controle
de constitucionalidade que finca raízes na distinção entre direito e
política (entre argumentos de princípio e argumentos de política,
num autor como Dworkin; e entre justificação e aplicação normativa, para Habermas, com Günther). Nesses modelos, as cortes constitucionais não aparecem como instituições cuja atuação é tautologicamente legitimada pela sua mera existência fática na vida social, mas
instituições com imperativos funcionais próprios, cuja legitimação
concreta se vincula à imposição de constrangimentos epistemológicos específicos aos seus membros, justamente para que o controle de
constitucionalidade não se confunda com o exercício de um “poder
constituinte permanente” ou mesmo de um poder legislativo ordinário. A discricionariedade do aplicador do direito (pressuposta, por
exemplo, pelo positivismo de Kelsen e Hart) é, em Dworkin e Ha-
Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 181
bermas, um problema normativo quanto à própria legitimidade da
atuação jurisdicional – em especial no controle de constitucionalidade. O Judiciário não deve criar, mas aplicar o Direito.
Nesse contexto, o trabalho avança a tese de que se, por um lado
– diante da proeminência que o controle concentrado de constitucionalidade no STF tem ganhado no Brasil e em uma sociedade aberta de intérpretes da constituição – a corte constitucional deve estar
aberta, no controle concentrado de constitucionalidade, ao influxo
de interpretações proveniente de uma esfera pública ampla, formal
e informal, de forma que seu desempenho deliberativo é de fato um
importante elemento de legitimação; por outro lado, a peculiar legitimidade democrática das decisões tomadas em controle de constitucionalidade – que se distingue da legitimação pelo “princípio majoritário” ou pelo processo político democrático – encontra fundamento
normativo em uma separação funcional entre direito e política que
pressupõe um caráter não pragmático dos discursos de aplicação das
normas constitucionais, pois, com Habermas, “somente as instâncias
que aplicam o direito legitimam-se pelo simples direito; isso, porém,
impede que elas mesmas o normatizem”.
A separação dos poderes e a expansão da jurisdição
constitucional: uma análise da mutação do
artigo 52, X, CF/88
Adriano Souto Borges
Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais –
UFMG. Especialista em Direito Processual pela Universidade Estadual de Montes
Claros. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros. Brasil.
Endereço Eletrônico: [email protected].
No contexto da expansão pós-positivista da jurisdição constitucional no Brasil, o Supremo Tribunal Federal, antidemocraticamente, tem avocado a si a prerrogativa de interpretar a Constituição
de 1988 contrariamente a seu texto, em prejuízo da separação dos
poderes (autonomia do Legislativo), na chamada tese da “mutação
constitucional” - especificamente, no caso do artigo 52, X.
Assim, em que pese o texto normativo da carta política dizer que
“compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução da lei
declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal
Federal”, para os ministros Gilmar Mendes e Eros Grau, o Senado teria
apenas a função de dar “mera publicidade” às decisões proferidas pelo STF
em sede de controle difuso de constitucionalidade. Ou seja, a constituição
teria sofrido uma mudança em seu sentido, muito embora não houvesse
alteração de seu texto, pelo que se denomina “mutação constitucional.”1
No entanto, nota-se, facilmente, que a defesa da mencionada tese não
significa apenas a atribuição de um novo sentido possível ao texto original.
É óbvio que o STF “pretendia retirar o alcance do texto da norma e, então,
constituir outro inteiramente diverso”2, como se a corte constitucional fosse um verdadeiro “poder constituinte originário permanente”.3
Assim, pela referida tese, busca-se excluir um mecanismo constitucional de restrição ao próprio “judicial review”, de modo a ampliar as atribuições do STF no controle difuso (através da expansão
da abrangência dos efeitos de suas decisões) e restringir significativamente a participação do Senado a um reles publicizador das decisões.
Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 183
Isso tudo demonstra uma feição excessivamente forte4 do “judicial review”, que não encontra limites de interpretação nem na própria constituição federal, já que, partindo das premissas defendidas
na mutação, a constituição poderia vir a significar qualquer coisa que
entenda a maioria dos ministros da corte judicial.
Assim, espera-se demonstrar a arbitrariedade (imprevisibilidade, falta
de razão e ilegitimidade política) do referido tipo de deliberação pela corte
suprema que subverte a autonomia do Legislativo e o próprio mecanismo
de freios e contrapesos, dificultando a concepção de diálogos institucionais.
Em contrapartida, numa sociedade que discorda em questões
morais, políticas, e, inclusive, jurídicas, pretende-se apresentar as
vantagens da participação popular na construção do sentido e alteração da constituição, através da “regra da maioria” (do povo e, não, de
juízes), sob a base filosófica do constitucionalismo político de autores
como Jeremy Waldron. Para ele, “there is always a loss to democracy
when a view about the conditions of democracy is imposed by a
non-democratic institution, even when the view is correct and its imposition improves democracy.”5 Essa perda é muito maior, então, se
a visão da corte é errada e sua imposição não melhora a Democracia,
como é o caso da mutação defendida no artigo 52, X.
Portanto, o aspecto de democraticidade impõe, no mínimo, limites hermenêuticos ao “judicial review”. Desse modo, como alertaram Thomas Bustamante e Evanilda Godoi sobre a referida mutação
constitucional, “If this interpretation prevails, a constitutional mutation implicitly derogating a particular Constitutional provision will
be explicitly recognized.”6 E se a uma corte judicial tiver poderes para
derrogar normas originais da constituição, isso seria o suprassumo da
arbitrariedade judicial e, nas palavras de Montesquieu, sobre a concentração de poderes, “tudo então estaria perdido” 7.
Notas
Gilmar Ferreira Mendes, “O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional,” Revista de informação
legislativa, v. 41, n. 162, abr./jun. (2004): 164-165, acessado em 05 de outubro de
2014. Disponível em: < http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/953>.
1
184 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Cruz, Álvaro Ricardo de Souza; Meyer, Emilio Peluso Neder; Rodrigues,
Eder Bomfim. Desafios Contemporâneos do Controle de Constitucionalidade
no Brasil. (Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012), 117.
3
Streck, Lenio Luiz; Cattoni de Oliveira, Marcelo Andrade; Lima, Martonio Mont’
Alverne Barreto. “A nova perspectiva do Supremo Tribunal Federal sobre o controle difuso: mutação constitucional e limites da legitimidade da jurisdição constitucional.” Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1498, 8 ago. (2007). Acesso em 05
de outubro de 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10253>.
4
“In a system of strong judicial review, courts have the authority to decline
to apply a statute in a particular case (even though the statute on its own
terms plainly applies in that case)” Jeremy Waldron, “The core of the case
against judicial review,” The Yale Law Journal (2006): 1354.
5
Waldron, Jeremy. Law and Disagreement. (New York: Oxford University
Press, 1999), 302.
6
Thomas Bustamante e Evanilda de Godoi Bustamante, “Constitutional
Courts as ‘negative Legislators’: The Brazilian Case.” Colombia: Revista Jurídica Piélagus (2010), 151.
7
Montesquieu. Do Espírito das Leis. Tradução de Jean Mellville. (São Paulo:
Martin Claret, 2007), 166.
2
Julgando pelas consequências: o pragmatismo cotidiano
de Richard Posner e sua influência no processo de tomada
de decisões judiciais
Mariah Brochado Ferreira
Pós Doutora em Filosofia pela Ruprecht-Karls-Universität Heidelberg
(Philosophisches Seminar), Alemanha (Bolsa Capes Estágio Sênior- 2012/2013).
Doutora em Filosofia do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal
de Minas Gerais. Mestre em Filosofia do Direito pela Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais. Especialização em Filosofia do Direito
pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Professora
Associada da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.
Evanilda Nascimento de Godoi Bustamante
Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Bolsista CAPES. Mestre em Direito pela Universidad de Castilla-La Mancha
(Espanha). Especialista em Direito Social pelo Centro Universitário Newton
Paiva. [email protected].
Uma análise da relação entre direito, justiça e eficiência é sempre
muito controvertida. Essa análise torna-se ainda mais árdua dado o fato
de vivermos em uma sociedade pluralista que apresenta diversas concepções de ‘bem’, de significados do que seja ‘viver bem’, e de fontes
morais que determinam os padrões de comportamento humano. Nesse
contexto, os juristas normalmente buscam na filosofia uma resposta (ou
um caminho que leve a respostas) para suas questões mais angustiantes.
É nesse cenário, pois, que muitos conceitos são distorcidos e muitas teorias são criadas no intuito de se buscar conciliar o justo e a eficiência, ou, ainda, de defender que ter um sistema jurídico eficiente seria
o mesmo que ‘fazer justiça’, já que, conforme a célebre frase de Rui Barbosa: “justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada”.
Os entendimentos têm se diversificado, os tribunais têm divergido
e, com isso, os processos judiciais tornam-se cada dia mais arrastados. No
anseio de se fazer justiça, especialmente em um judiciário abarrotado,
como o é o brasileiro, alguns excessos podem ser cometidos, como, por
186 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
exemplo, a prática quase que constante do ativismo judicial, movimento
esse que vem crescendo em nosso país. Pensar nas implicações da decisão
judicial diante de um caso difícil parece ser uma atitude sensata. Mas, em
que medida as decisões devem ser guiadas por suas consequências?
Richard Posner12, com sua polêmica teoria do pragmatismo cotidiano, não só acredita que o processo de tomada de decisão deva
ser guiado pelas consequências da decisão, como afirma que, intimamente, é assim que os juízes atuam.
O pragmatismo de Posner foi por ele nomeado como pragmatismo cotidiano ou everyday pragmatism, cuja característica principal é a
prática do dia-a-dia sem universalizações, teorizações, generalizações
e ponderações filosóficas, em que os juízes seguiriam uma disposição
geral de fundamentar suas decisões em fatos e consequências e não
em, segundo o autor, ‘conceitualismos’ e generalidades.
Trata-se de uma versão totalmente distorcida do pragmatismo clássico, filosófico, sendo por ele utilizado no sentido mais comum do termo. Posner foi incapaz de importar para o direito os ensinamentos do
pragmatismo clássico. E, talvez, não tenha sido mesmo sua intenção.
Para o autor, as decisões devem ser fundamentadas em uma relação
de custo benefício, empiricamente informada e preferivelmente quantitativa, pensadas no bem estar da sociedade. A teoria jurídica por ele preferível
é aquela que seja contextual e adaptável ao sistema jurídico, mas que privilegie consequências a argumentos tidos por ele como teóricos e abstratos.
O pragmatismo jurídico de autores como Posner encontra suas raízes em movimentos como a escola do Realismo Jurídico que se desenvolveu nos Estados Unidos. Para essa corrente, as instituições jurídicas
devem estar atentas a necessidades sociais que objetivam suprir. Desse
modo, o direito seria constituído (ou criado) a partir das execuções das
decisões judiciais e, por isso, não estaria vinculado tão somente à aplicação das regras. Sustentam que os juízes exerceriam os seus poderes de
forma discricionária, sendo que os resultados dos julgamentos estariam
diretamente relacionados à realidade vista pelo julgador. Os adeptos
dessa corrente defendem, ainda, que os juízes devem considerar as
consequências (socioeconômicas futuras, em especial) de suas decisões,
pois entendem que teriam uma função de legislador ocasional.
Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 187
O juiz pragmatista, na visão de Posner, precisa decidir de acordo
com as consequências que “melhor” promovam os fins. Mas, quais
seriam os melhores fins? Cada juiz terá sua própria concepção de
bem comum (de senso comum) e de melhor consequência da decisão judicial. O pragmatismo cotidiano parece autorizar (ou validar)
uma subjetividade latente no processo de tomada da decisão judicial,
pois um dos grandes problemas dessa teoria é que Posner não é capaz
de dizer quais seriam tais fins, pois “diferentes juízes, cada qual com
sua própria idéia sobre as necessidades e interesses da comunidade,
pesará as consequências diferentemente”3, o que, ao contrário do que
afirma Posner, gera sim insegurança jurídica.
O pragmatismo jurídico, como se argumenta, aconselha e ratifica
a ilegitimidade, aceitando e abarcando a inevitabilidade de que casos
semelhantes não sejam tratados da mesma forma, já que juízes diferentes pesam as consequências de maneira diversa, dependendo da formação, temperamento, treinamento, experiência e ideologia de cada um.
Nesse contexto, o trabalho buscará expor a teoria e o pensamento de Posner, bem como contrastá-la com o pragmatismo filosófico,
demonstrando a distorção perpetrada pelo chamado pragmatismo
cotidiano, tentando demonstrar o que é o pragmatismo cotidiano
e no que ele se difere do pragmatismo clássico. Objetiva-se, ainda,
analisar qual a influência do pragmatismo cotidiano no processo de
tomada de decisões, mais especificamente em como os juizes decidem, a partir de exemplos de casos jurídicos brasileiros.
Notas
POSNER, Richard A. Law, Pragmatism and Democracy. Cambridge: Harvard University Press, 2003.
2
POSNER, Richard A. Problemas de Filosofia do Direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
3
HERDY, Rachel. O Pragmatismo Jurídico “levado a sério”. Boletim CEDES
[on-line], Rio de Janeiro, outubro/novembro de 2008, pp. 15-23. Acessado
em 18.11.2013. Disponível em http://cedes.iuperj.br ISSN:1922-1522, p. 19.
1
O pragmatismo, o Supremo Tribunal Federal e o amianto
Gabriela Miranda Duarte
Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Analista Judiciário no Tribunal de Justiça do Amapá. Brasil.
Endereço eletrônico: [email protected].
Carlos Fernando Silva Ramos
Doutorando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Juiz
Titular da 4.ª Vara de Família, Órfãos e Sucessões do Tribunal de Justiça do
Amapá. Brasil. Endereço eletrônico: [email protected]
Este artigo investiga a utilização dos argumentos consequencialistas e
extrajurídicos no Poder Judiciário brasileiro no que toca à matéria ambiental, tomando como referência o voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 3.937, ajuizada pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) contra a
lei estadual paulista n.º 12.687/2007, proibitiva do uso de produtos que
contenham amianto. Nesse caso, cujo julgamento ainda está em curso,
o voto acima referido denota clara preocupação com os impactos econômicos da decisão, apoiando-se em dados técnicos de outras ciências para
fundamentá-lo e afastando-se de uma análise puramente técnico-jurídica.
Tal constatação torna-se mais evidente quando esse voto é confrontado
com outro proferido pelo Ministro Ayres Britto na ADI n. º 3.357, também ajuizada pela CNTI, contra a lei estadual gaúcha n.º 11.643/2001,
proibitiva da produção e comercialização de produtos à base de amianto
no Estado. Nesse, o relator, considerando que o amianto, independentemente do tipo, é normativamente caracterizado “como nocivo à saúde e
põe em situação de fragilidade o meio ambiente”, afirma ser constitucional
a lei gaúcha. A Constituição Federal de 1988, nos termos dos arts. 225 e
170, concedeu ao meio ambiente ecologicamente equilibrado status privilegiado no conjunto de valores constitucionalmente protegidos, a ponto
de torná-lo condicionante do desenvolvimento econômico, o que significa
dizer que a variável ambiental integra a própria noção desenvolvimento
econômico no Brasil, o qual deve ser, do ponto de vista jurídico, sempre
Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 189
sustentável. A efetividade dessa diretriz constitucional depende, contudo,
de sua consideração pelos agentes públicos e particulares que têm poder
de decisão na área econômica e ambiental, o que inclui, necessariamente,
o Poder Judiciário. Os juízes, como agentes de transformação social que
são, ao aplicarem a lei ao caso concreto, devem promover os valores sociais
constitucionalmente protegidos, inclusive os ambientais, mormente em
uma sociedade que cada vez mais consome e esgota os recursos naturais não
renováveis. A despeito disso, no voto do Ministro Marco Aurélio é possível inferir um posicionamento que valoriza o desenvolvimento econômico
desgarrado da preservação ambiental. O debate que se propõe tem como
objeto justamente essa tensão entre a diretriz estabelecida pela Constituição Federal, a favor do meio ambiente, e o pensamento da jurisprudência
brasileira, que, algumas vezes, inclusive no âmbito dos tribunais superiores,
se orienta por um viés pragmático, pautado predominantemente no interesse econômico. A proposta é no sentido de superação dessa tensão, por
meio do equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e as exigências da
preservação ambiental, de modo que os dois interesses sejam, na medida
do possível, realizados conjuntamente. Essa superação tem como suporte
teórico a teoria do direito formulada por Dworkin, a qual considera que
os princípios do direito, extraídos da Constituição, da História e da Moral,
não podem submeter-se a orientações pragmáticas apoiadas em motivações exclusivamente políticas e econômicas. O artigo será desenvolvido
com amparo nas duas teses acima mencionadas, sendo cada uma delas
abordada em tópico próprio, assim sintetizadas: 1) conquanto o pragmatismo jurídico não tenha sido adotado expressamente no Brasil, é possível
detectar sua presença em alguns julgamentos, a exemplo do voto proferido
pelo Ministro Marco Aurélio, o qual incorpora uma análise consequencialista da decisão, bem como o exame de argumentos extrajurídicos na interpretação constitucional; 2) a constitucionalização do meio ambiente ecologicamente equilibrado como um valor autônomo com efeito transversal,
que, além de condicionar o conceito de desenvolvimento, determinando
que seja necessariamente sustentável, requer a sua inserção nas decisões
proferidas pelo Poder Judiciário. O método empregado na pesquisa é o
dialético, com suporte em análise documental e bibliográfica, além de uma
abordagem específica do voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio.
Economic arguments and judicial review: the alternative
of Neil MacCormick’s framework
Vinícius Klein
Doutor em Direito pela UERJ, Doutor em Economia pela UFPR, Filiação:
Universidade Federal do Paraná, Brazil, [email protected].
The judicialization of politics is a strong trend in the current
Brazilian scenario. This situation brings a challenge for legal theory:
the need to work with extrajuridical arguments in legal reasoning.
This problem is not an exclusivity of constitutional law, but it happens also in private law cases, for example in business contract decisions where the importance of the economic argument is increasing.
The solution must include at least a partial resort to consequentialist
reasoning. So, the aim of this article is to discuss new judicial reasoning models that are able to deal with consequentialist reasoning,
trough a substantive pattern of judicial justification1, but without
losing the control function of judicial reasoning on judicial decisions.
This work will focus on one extrajudicial argument: the economic argument. This economic argument will be discussed as a substantive
reason in the terminology presented by Robert S. Summers2.
To design this model the use of economic arguments must came
with some resort to consequialist reasoning. So, one alternative is
Posnerian Economic Analysis of Law, where the economic argument
is incorporated in the judicial justification. This article concludes
that this option is inadequate and supports Maccormick’s argumentative theory as the most promising, although some adjusts are necessary. The first one is the use of the extrajuridical consequences when
necessary. Maccormick’s theory is very skeptic these possibility3. For
that task the economic argument must be used as a scientific argument and the judge must play the role of a gatekeeper4. In this task
the judge must take into account the scientific compatibility between
the aims of the law and the alternatives in the scientific area in ques-
Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 191
tion. In the case of the economic argument the best alternative is
not the one that is most used in the economic community, but the
one that has a better match with the aims of the law. The reasoning
used in antirust cases is a good example of a juridical option between
conflicting economic arguments. We also need to focus on local coherency instead of global coherency. Although Maccormick’s proposition is grounded on global coherency it is possible to find support
in his writings for local coherency, mainly in his differences with
Ronald Dworking5. Another issue is the use of incomplete theorized
arguments as developed by Cass Sustein6, which can be applied not
only to juridical arguments but also on extrajuridical ones. In this
context it is possible to design a judicial reasoning that includes consequentialist reasoning and extrajuridical arguments and maintain
the control of the judicial activity with the three C’s from Maccomick’s theory (consequences, coherency and consistency requisites).
In this framework we can conclude that economic arguments
can be included in judicial justification as a scientific ones and the
judge must choose between the available scientific theories. This
choice must be made with publicity, so the reason of choosing a certain scientific theory must be part of the process of giving reasons.
In the perspective a substantive pattern of justification is necessary.
The use of local coherency and incomplete theorized arguments provide a way of reducing complexity. This solution provides a model of
judicial reasoning capable of dealing with the challenge of bringing
extrajuridical arguments in the judicial reasoning.
References
MACCORMICK, Neil. Rhetoric and The Rule of Law: a theory of legal
reasoning. Oxford: Oxford University Press, 2009.
MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. (ed). Interpreting Statutes: a comparative study. Ashgate: Dartmouth, 1991.
192 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
SCHUARTZ, Luis Fernando. Interdisciplinaridade a adjudicação: caminhos e descaminhos na ciência do Direito. Revista Brasileira de Filosofia, São Paulo, v. 232, ano 58, 2009.
SUMMERS, Robert S. Essays in legal theory. Dordrecht: Kuller Academic, 2000.
SUNSTEIN, Cass R. Legal Reasoning and Political Conflict. Oxford:
Oxford University Press, 1996.
Notas
1 MACCORMICK; SUMMERS, 1991, p. 496-508.
2 SUMMERS, 2000, pp. 321-358.
3 MACCORMICK, 2009, pp.103-104.
4 SCHUARTZ, 2009, p. 149.
5 MACCORMICK, p. 120.
6 SUNSTEIN, 1996, pp. 35-38.
O princípio da eficiência na efetividade dos direitos sociais:
a inaplicabilidade da análise econômica para as
decisões judiciais
Rebeca Borges Machado A. Leitão
Advogada. Estudou Direito na Universidade Federal de Viçosa, Minas
Gerais – Brasil. Correio eletrônico: [email protected]
Davi Augusto Santana de Lelis
Bacharel em direito pela Universidade Federal de Viçosa, mestre em
extensão rural pela Universidade Federal de Viçosa, doutorando em direito
público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – Brazil. Bolsista
da FAPEMIG. Correio eletrônico: [email protected].
No contexto da concretização dos direitos sociais fundamentais
no Brasil os debates acerca da atuação do Poder Judiciário são intensos.
O pensamento tradicional utiliza argumentos da Teoria da Reserva do
Possível e estudos da Análise Econômica do Direito para afirmar que
o orçamento estatal é limitado para a efetivação de direitos sociais via
Poder Judiciário. A via judicial é considerada ineficiente por ignorar o
planejamento estatal de políticas públicas para a concretização destes
direitos. Assim, através de uma análise de viés estritamente econômico, afirma-se que a atuação do Poder Judiciário, em virtude da má utilização dos recursos públicos, obstaculiza a concretização dos direitos
sociais fundamentais e resulta em maior injustiça social. O presente trabalho buscou questionar a linha argumentativa tradicional, construindo
uma resposta mais ampla para a questão: a atuação judicial na concretização de direitos sociais fundamentais é ineficiente e injusta? O Poder
Judiciário, ao condenar o Estado ao cumprimento de uma demanda
individual, estaria de fato obstaculizando a concretização coletiva dos
direitos sociais e, assim, contribuindo para uma realidade social injusta; ou esta é apenas uma suposição mascarada de racionalidade lógica? Com o escopo de investigar tais considerações em profundidade,
este trabalho buscou compreender, através de pesquisas bibliográficas
194 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
e documentais, a aplicação do princípio constitucional da eficiência no
ambiente do Estado brasileiro. Buscou-se problematizar o conceito de
eficiência, com a finalidade de perquirir os domínios de sua aplicação
no contexto do Estado e da sociedade. Para tanto, foi realizada pesquisa
bibliográfica no âmbito da Análise Econômica do Direito e da Teoria
da Reserva do Possível para construção de um argumento crítico às posições tradicionais. Em seguida foi realizada pesquisa bibliográfica de
teóricos da ciência econômica para a compreensão do conceito “eficiência” e da sua possível mensuração no âmbito da atuação do Estado. Por
fim, houve uma análise de dados do orçamento público federal do ano
de 2013. Assim, foi possível a construção de uma resposta alternativa
ao pensamento tradicional, que perpassou duas vertentes: a primeira é
a de que a afirmação tradicional – a concretização de direitos sociais via
poder judiciário é ineficiente e injusta – é insustentável teoricamente; e
a segunda é a de que as ideias tradicionais não se confirmam na prática.
O estudo revelou que o conceito de eficiência da corrente principal
da economia (mainstream) possui um modelo matemático intrínseco,
que reduz a complexidade social a meras equações, apresentando limites
para a leitura da realidade. Constatou-se, em contraposição à eficiência
matematizada, a existência de diversos fatores sociais que envolvem a
aplicação dos recursos públicos para a concretização dos direitos sociais
fundamentais no Brasil. A análise da eficiência da atuação judicial se
mostra como uma leitura simplista da realidade brasileira e desconsidera
fatores relevantes para a injustiça da distribuição dos recursos públicos.
Deste modo, o pensamento tradicional estaria contribuindo para um
direcionamento equivocado na busca pela solução dos problemas orçamentários da concretização dos direitos sociais fundamentais. Assim,
na atual conjuntura política, social e econômica brasileira, a prestação
judicial pode contribuir positivamente para a justiça social em âmbito coletivo. Concluiu-se pela inaplicabilidade da análise econômica do
direito, pela inconsistência das teorias eficientistas e pela manutenção
da justiciabilidade individual dos direitos fundamentais sociais como
método capaz de contribuir para a eficácia do texto constitucional.
Apoio: CNPq e FAPEMIG.
A interpretação pro homine e suas perplexidades
Luís Fernando Matricardi
LL.M. pela Ludwig-Maximilians-Universität München. Master pela
Università degli Studi di Genova. Doutorando em teoria do direito pela
Universidade de São Paulo, Brasil.: ( [email protected]).
O debate sobre concorrência de direitos floresceu especialmente
entre os direitos internacional e constitucional, em boa medida pelos
esforços dos internacionalistas. Mais preocupados do que os constitucionalistas com a aplicabilidade de normas supranacionais no direito
interno, o critério de solução a esse tipo de conflito foi por alguns
encontrado na chamada “interpretação pro homine”, a qual, em sua
acepção mais conhecida, defende a aplicação da norma mais favorável
ao indivíduo titular do direito concorrente.1 A proposta, afeiçoada ao
chamado “diálogo das fontes”, teria a vantagem de relegar a segundo plano o intrincado debate sobre a posição hierárquica de tratados
internacionais no ordenamento brasileiro. Sem avaliar diretamente a
verdade nessa vantagem, o presente artigo sugere que a proposta pro
homine é inapta ao fim almejado. Isso é assim porque ela pressupõe
uma constelação clássica de direitos fundamentais, nas quais estes direitos são garantidos contra interesses coletivos, personificados no Estado. As modernas dogmáticas constitucional e internacional, porém,
amparadas no reconhecimento de deveres de proteção e eficácia horizontal, reconhecem constelações complexas, nas quais se garantem
direitos contra ameaças advindas de outros indivíduos, que, por seu
turno, também são titulares de direitos. O exemplo do aborto facilita
a compreensão: o Estado tem o dever de proteger a vida do nascituro
(d1) contra a ação abortiva da mãe, que por sua vez é amparada em
um direito de livre disposição do corpo (d2) que tem prima facie contra esse mesmo Estado. A relação forma um triângulo com os vértices
nascituro, Estado e mãe, ou: (d1) ∙ (E) ∙ (d2). 2 Não é difícil perceber que o
reconhecimento de deveres de proteção e da eficácia horizontal, que
na literatura de origem aparece atrelado à chamada “dimensão objetiva
196 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
dos direitos fundamentais”, tem por insumo básico justamente interesses coletivos, os quais agora são agora reconstruídos como direitos
muitas vezes de titularidade individual. Nessas constelações complexas,
em que não se identifica uma única posição individual, a proposta pro
homine é inócua: as normas concorrentes priorizarão, cada uma, um
indivíduo diferente, que ela não consegue escolher. O artigo investigará
se resta alguma acepção interessante à interpretação pro homine dentro
e fora de tais constelações, para concluir que, embora subsista margem
para seu uso, ela é reduzida, e pode decepcionar seus defensores.
Notas
1 Cf. Humberto Henderson, “Los tratados internacionales de derechos humanos en el orden interno: la importancia del principio pro homine”, in:
Revista IIDH, v. 39, 2004, pp. 71-99. No Brasil, por todos: Valério de Oliveira
Mazzuoli,”O controle jurisdicional da convencionalidade das leis: o novo
modelo de controle da produção normativa doméstica sob a ótica do ‘diálogo das fontes’”, in: Revista Argumenta UENP, v. 15, 2011, pp. 77-114.
2 Cf. Christian Calliess, Rechtsstaat und Umweltstaat: Zugleich ein Beitrag
zur Grundrechtsdogmatik im Rahmen mehrpoliger Verfassungsverhältnisse. Tübingen: Mohr Siebeck, 2001, p. 258; Dieter Grimm, “The Protective
Function of the State”, in: G. Nolte (ed.). European and US Constitutionalism.
New York: Cambridge, 2005, pp. 137-155 (149).
Constitucionalismo e diálogo institucional: uma análise
dos limites pragmáticos e normativos da noção de
ativismo judicial.
Danilo Nunes Cronemberger Miranda
Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo –
Brasil. O contato com o autor pode ser feito pelo
correio eletrônico [email protected].
O constitucionalismo conheceu as mais variadas formas de desenvolvimento nas diferentes realidades em que tentou ser implementado. A pretensão de controlar as arbitrariedades do poder nas
relações entre pessoas possibilitou o surgimento de inúmeros instrumentos de canalização dos poderes políticos para espaços delimitados por normas e princípios. A luta pela constituição, nesse sentido,
toma o ar de uma luta pela constitucionalização do Poder. Cortes e
parlamentos são exemplos de espaços decisórios de afloramento do
poder social, através de procedimentos pré-estabelecidos. A alocação
de embates políticos dentro de espaços procedimentais, no entanto, não extinguiu as dificuldades concernentes à constitucionalização
do Poder. Regras, normas e procedimentos não possuem existência
fora de suas próprias conjunturas de aplicação. Ao mesmo tempo que
moldam e influenciam a conduta de parlamentares e juízes, constituições também são continuamente “ressignificadas” e desenvolvidas
pela atuação destes agentes. Normas constitucionais estão a todo momento submetidas à interpretação dos agentes políticos. Isto significa
que, se uma teoria sobre o constitucionalismo se preocupa em entender e prescrever mecanismo de controle do poder, parte destas preocupações passa por questionamentos sobre que tipo de relação pode-se extrair da convivência de interpretações e entendimentos diversos
sore a constituição, produzidos por juízes e parlamentares. Como,
quando e por quê juízes e parlamentares devem atuar dessa ou daquela forma, são perguntas óbvias que surgem destas constatações. O ati-
198 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
vismo judicial surge, em alguma medida, sobre considerações acerca
da legitimidade de instituições no cumprimento e respeito ao procedimento e às regras pré-estabelecidas. A interação entre instituições,
no entanto, nem sempre sai como planejada. Cortes, frequentemente
vão além do que a priori define-se como seu campo de atuação, “invadindo” espaços caros ao legislativo. Minha hipótese é de que esta
noção de ativismo judicial, em boa parte compartilhada e propagada pela literatura nacional, reflete características de um modelo de
constitucionalismo baseado em certa visão estática sobre a relação
interinstitucional. Parte da hipótese de trabalho aqui enunciada entende que o ativismo judicial, baseando-se em tal modelo estático de
constitucionalismo, é incapaz de compreender e perceber determinados problemas relacionados à interação institucional. A noção de ativismo judicial parece possuir limites explicativos que comprometem
seu potencial normativo como método de identificação, justificação
e definição da legitimidade de determinado arranjo constitucional.
O ativismo judicial, da forma como entende majoritariamente a literatura nacional, carece de maiores considerações sobre a natureza
histórica e institucional das relações entre tribunais constitucionais
e parlamentos. Por “institucional” entende-se especificamente a noção do “institucionalismo” como lente de observação e compreensão
das relações entre agente sociais, mais especificamente, no presente
caso, das relações entre juízes e parlamentares como atores políticos
imersos em contextos regulados por práticas e regras formais e informais. Em face de tais desdobramentos, o trabalho visa oferecer novas
perspectivas para a compreensão crítica da atuação de instituições
como o Judiciário e o Legislativo. Nesta perspectiva, a imagem do
diálogo institucional, oferecida pelas recentes Teorias do Diálogo,
podem oferecer novas bases normativas para uma compreensão mais
apurada da legitimidade democrática de arranjos institucionais, bem
como da atuação de juízes e parlamentares. Vale ressaltar que meu
objetivo não é identificar erros metodológicos ou teóricos nas noções de ativismo judicial. Diferentemente, pretendo explorar limites
dessas ideias, conforme minha hipótese inicial de que o modelo de
Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 199
constitucionalismo estático em que se escora a noção de ativismo judicial
possui limitações tanto pragmáticas quanto normativas. Tal posição não
implica a conclusão apressada de que a teoria deva deixar de analisar e
criticar decisões judiciais, inclusive pelo ponto de vista de sua legitimidade democrática. Significa apenas que talvez devamos trocar nossas lentes
para poder enxergar novos problemas e entender melhor velhos desafios.
Considero que a compreensão da legitimidade democrática de tribunais
constitucionais e parlamentos não pode ser suficientemente explicada
fora de seu contexto institucional e que, portanto, a construção de um
novo modelo de constitucionalismo passa pela superação do modelo estático e pela adoção de um modelo dialógico e deliberativo.
Palavras-Chave: Constitucionalismo; Ativismo Judicial; Diálogo,
Separação de Poderes, Interação Institucional.
Separação dos Poderes, Cortes Constitucionais e o
Constrangimento da Razão Pública
Rafael Bezerra Nunes
Mestrando em Direito do Estado da Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo (USP), Brasil. ([email protected]).
Neste trabalho, procurei demonstrar como determinadas premissas relacionadas a uma visão tradicional da separação dos poderes
são responsáveis pela paralisação do desenvolvimento institucional,
uma vez que se vislumbra apenas uma dentre muitas possibilidades
de concretização de um ideal específico, sem levar em conta as práticas que efetivamente se realizam nessas instituições e o potencial ganho que variados desenhos ou arranjos poderiam acarretar. Se a teoria
da separação dos poderes em muitos momentos é clara a respeito da
distribuição de funções e competências entre o Judiciário e Legislativo, em outros, essa distinção se torna penumbrosa. Assim é o caso da
interação entre cortes constitucionais e parlamentos. Nesse âmbito,
sustentar a distinção entre aplicação e criação do direito é fazer pouco
caso do desacordo prático sobre o que significa cada função em casos
constitucionais controversos. Argumentar pela clareza de uma divisão do trabalho entre poderes para resolver conflitos concretos é não
observar que o que está em jogo é o próprio significado e alcance dessa divisão. É na interação política cotidiana que ambas instituições
buscam espaço e reconhecimento. Mas também observam os demais
atores, ajustam suas ações às possibilidades e aceitam acomodações
prudenciais. Para captar esse fenômeno, Conrado Hübner Mendes
argumenta que há uma redundância funcional entre cortes e parlamentos na determinação do significado da constituição. Porém, essa
redundância funcional não gera equivalência institucional. A razão
disso são as diferenças estruturais e procedimentais dos dois espaços:
suas capacidades epistêmicas, importância simbólica, capital político,
desenho institucional, tempo e forma de resposta. A interação entre
Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 201
os poderes têm muito a ganhar se assumir uma forma cooperativa
e deliberativa, ao invés de puramente adversarial. Ressalto, todavia,
que a defesa aqui proposta de uma corte constitucional deliberativa
não é uma defesa incondicional da deliberação. Ela parte da intuição
de que cortes, por não dependerem de uma satisfação periódica de
seus constituintes através de um processo eleitoral, podem contribuir
de modo específico na interação entre os poderes se buscarem maior
legitimidade através do aumento de sua qualidade deliberativa. Entretanto, podem existir circunstâncias em que os custos da deliberação podem superar seus benefícios. O valor da deliberação depende
de um cálculo consequencialista sobre as expectativas das vantagens
e desvantagens de se deliberar. Essa defesa não-deontológica da deliberação, ao mesmo tempo em que a torna mais adequada a lidar com
condições não-ideais e dilemas do mundo real, bem por isso, adiciona
complexidade à já difícil tarefa de operacionalizar em uma instituição
concreta o ideal de uma corte constitucional deliberativa. A categoria do desempenho deliberativo propõe à corte a observância de um
contexto político de sua atuação, momento em que razões prudênciais e razões-de-segunda-ordem entrariam em jogo. Essas razões, que
seriam essencialmente considerações sobre o consenso possível e seus
benefícios, e sobre a efetividade de implementação da decisão, estão
em tensão com a noção de razão pública. Se em decorrência de seu
desenho institucional, a legitimidade da corte muito se deve às razões
que oferece e o modo de oferecê-las, sendo essa uma característica
peculiar, existe uma tensão entre racionalidade jurídica, entendida
como aquilo que é devido em razão dos direitos que as pessoas possuem segundo uma prática institucionalizada, e análise prudencial,
considerações consequencialistas, ou de second-best, decorrentes
do contexto político. É preciso distinguir entre duas coisas: a) uma
defesa da deliberação como fator adicional de legitimidade política
para além das razões oferecidas e b) que tipos de razões podem ser
consideradas pelos espaços deliberativos, a depender das instituições
que estão em jogo. É possível fazer uma defesa da deliberação que
incorpore a utilização de razões consequencialistas pela corte. É pos-
202 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
sível ainda defender uma visão de racionalidade jurídica que seja
compatível com considerações desse tipo, em se tratando de cortes
lidando com casos constitucionais controversos. Ocorre que, nesse
caso, a redundância funcional dilui uma divisão moral do trabalho
entre cortes e parlamentos, e deve enfrentar a objeção de que juízos
sobre o bom tem mais legitimidade no foro legislativo. Mesmo autores que enxergam um papel protagonista de cortes, como Rawls e
Dworkin, incorporam alguma forma de divisão moral do trabalho.
A atuação da corte com relação ao elementos constitucionais essenciais e à ideia de razão pública (com a prioridade do justo sobre o
bom), bem como a distinção entre princípios e políticas pretendem
desempenhar esse papel nas respectivas teorias.
Uma abordagem descritiva (e suas conseqüências normativas)
das relações entre constitucionalismo e democracia
Cláudio Ladeira de Oliveira
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, professor
da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (graduação e pós-graduação),
Brasil, [email protected].
Neste trabalho analiso temas tradicionais da teoria constitucional
adotando uma perspectiva “descritiva”, objetivando extrair conclusões
capazes de orientar os debates de cunho “normativo”. Análises “normativas” justificam a adoção de arranjos institucionais, argumentando em
defesa de sua legitimidade política. Exemplos de modelos normativos
são as formulações de Dworkin (2000) sobre os tribunais constitucionais enquanto “fóruns do princípio” e Waldron (1999) acerca da
supremacia parlamentar. Uma perspectiva “descritiva” analisa explica
as ações e as estratégias de indivíduos e grupos, descritos como agentes
buscam promover seus interesses e valores apoiados em crenças (sobre
as conseqüências prováveis de suas ações e os comportamentos dos demais indivíduos e grupos), limitados/autorizados por instituições.
Uma abordagem “descritiva” de tais problemas não é neutra do
ponto de vista normativo, pois (i) justifica a rejeição de modelos normativos que, embora dotados de argumentos morais convincentes,
estão apoiados em premissas teóricas cuja falsidade ou inviabilidade
foi revelada; e (ii) justifica a adoção de arranjos institucionais “não-ideais”, porém empiricamente mais aptos a estimularem o acatamento de
instituições razoavelmente democráticas. Neste trabalho apresentarei
submeterei alguns temas fundamentais a uma análise descritiva (constitucionalismo, democracia e separação de poderes). Ao final serão desenvolvidas as conclusões imprescindíveis para o debate normativo.
(1) O ideal constitucionalista pretende impor limites jurídicos ao
poder político, constituindo um governo que seja “das leis” e não
“dos homens”. No entanto, as instituições jurídicas que limitam o
204 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
poder político precisam ser criadas, interpretadas e aplicadas, e tais
atividades só podem ser realizadas por seres humanos: “as leis não
podem governar. Governar é uma atividade, e leis não podem agir”
(SÁNCHEZ-CUENCA, 2003: 62). Assim, é necessário identificar
os motivos pelos quais elites políticas, que possuem acesso privilegiado aos meios de coerção, acatam os limites impostos ao seu poder. A
questão é “por que pessoas com poder aceitam limites ao seu poder?
Por que pessoas com armas obedecem pessoas sem armas […] Na
teoria jurídica a questão correlata é: porque políticos muitas vezes
transferem poder a juízes?” (HOLMES, 2003: 24).
(2) Numa democracia as forças políticas organizadas competem
por votos em eleições e representam interesses e valores divergentes, muitas vezes irreconciliáveis. Sendo assim, um processo democrático inevitavelmente produz “vencedores” e “derrotados” quanto
à disputa pela autoridade de estabelecer as regras que valerão sobre
toda a comunidade (PRZEWORSKI, 2010). Os derrotados devem
obedecer decisões das quais discordam e por isso podem ser tentados
a subverter a ordem democrática; também os vencedores podem ser
tentados a fazê-lo, caso avaliem que podem impor seus interesses e
valores sem os constrangimentos constitucionais. Portanto, sistemas
democráticos levantam o problema do “acatamento” das instituições
pelas forças políticas organizadas. Instituições democráticas vigoram
quando expressam um “equilíbrio” entre as forças políticas e sociais
que a princípio poderiam derrubá-las; quando as forças políticas
aceitam permanecer sob as instituições sob a condição de que as demais forças façam o mesmo: as democracias são “auto-sustentáveis”.
(PRZEWORSKI, 2010). Também aqui a questão do “acatamento”
é fundamental: quais são os arranjos institucionais capazes de estimular o acatamento das instituições pelas forças políticas relevantes?
(3) O Estado, a burocracia que detém o monopólio do uso legítimo
da força, não é um “terceiro imparcial” em relação aos conflitos entre
as forças políticas, mas um agente interessado em tais conflitos e no
acatamento das instituições constitucionais, já que estas a princípio
Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 205
deveriam também organizar e limitar o seu próprio poder. Tampouco
o Estado é um agente plenamente coeso: os indivíduos e grupos que
ocupam postos na burocracia possuem interesses e valores institucionais potencialmente conflitantes e possuem capacidade institucional distinta para promovê-los. A “separação de poderes”, os arranjos
institucionais que distribuem competências políticas distintas entre
setores do Estado, fornece alguns dos mais importantes exemplos de
tais problemas, em especial os poderes legislativo e Judiciário: “instituições povoadas de pessoas” (FEREJOHN e PASQUINO, 2003),
cujos membros desenvolvem interesses e valores próprios e dispõem
de recursos específicos para promovê-los, tais como o processo legislativo e o controle de constitucionalidade. Neste caso, a questão é
existem arranjos institucionais que comprovadamente tendem a promover o acatamento das ordens constitucionais democráticas?
Referências bibliográficas
DWORKIN, R. 2000. Uma questão de Princípio. São Paulo: Martins fontes.
WALDRON, J. 1999. Law and Disagreement. New York: Oxford University Press.
SÁNCHEZ-CUENCA, I. 2003. Power, Rules, and Compliance, in Maravall, Przeworski (2003: 62-93).
MARAVALL, J.; PRZEWORSKI, A. (orgs). 2003. Democracy and the
rule of law. Cambridge: Cambridge University Press.
HOLMES, S. 2003. Lineages of the rule of law. In Maravall, Przeworski
(2003:19-61).
PRZEWORSKI, A. 2010. Democracy and the limits of self-government.
Cambridge: Cambridge University Press.
FEREJOHN, J. PASQUINO, P. 2003. Rule of Democracy and Rule of
Law, in Maravall, Przeworski (2003: 242-260).
Em busca do verdadeiro papel da Lei Orçamentária e suas
possíveis correções pela via judicial
Daniel Giotti de Paula
Doutorando em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela
UERJ, Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional, Professor-convidado
do Programa de Pós-Graduação em sentido lato da UFJF e Coordenador
Acadêmico do INTEJUR-Juiz de Fora-MG – Brasil. Email: [email protected].
O legislador constituinte originário tentou reposicionar as finanças públicas no Brasil. Estabeleceu-se um modelo segundo o qual
a legalidade seria a garantia de que os gastos públicos surgiriam de
uma decisão compartilhada e de que não ficariam no terreno das promessas irrealizadas. A força normativa dada ao orçamento representa
garantia mínima do Estado de Direito, que não pode ser renegada
pelo uso retórico da discricionariedade para afastar a obrigatoriedade
de seu cumprimento. Não se desconhece, por óbvio, que dentro da
ambivalência da Sociedade de Risco e as incertezas que a modernidade líquida traz, deve haver algum espaço para discricionariedade em
matéria financeiro-orçamentária, mas o espaço discricionário seria a
exceção, e não a regra geral. Algo trivial precisa ser demarcado: lei
deve ser levada a sério, pois possui normatividade, dentro do modelo
de Estado de Direito, na formulação que utilizam juristas de corte
analítico, como Joseph Raz e John Finnis. O que particulariza o orçamento, porém, é que ele é ao mesmo tempo um possível criador de
despesas públicas e um concretizador de direitos fundamentais e políticas públicas já previstas no ordenamento jurídico. Daí que, além
do aspecto formal de canalizar os meios de concretização de direitos
fundamentais e políticas públicas, haja uma preocupação com que
o orçamento seja substancialmente legítimo, incorporando-se uma
série de princípios para seu controle judicial. Contudo, a “força normativa dos fatos” subverte essa lógica e tenta transformar o orçamento numa mera autorização de gastos públicos, uma ideia que parece
Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 207
estar fora do lugar e sequer concretizando os conceitos básicos do Estado de Direito. Destarte, como pode se viver sob uma realidade de
alteração das despesas públicas pela via judicial? O ativismo em matéria orçamentária é um bem em si mesmo? Existiria discricionariedade
na execução orçamentária? Pode-se mudar dotação de recursos por
decreto ou outros atos infralegais? O controle judicial do orçamento
se justifica em todos os ciclos do orçamento? Responder a cada uma
dessas questões implica explicar e assumir sentidos possíveis para problemas e termos tão caros à Teoria do Direito, à Filosofia Política e
ao Direito Constitucional: o que é discricionariedade e quais seus
sentidos; a separação de poderes é um modelo apriorístico ou uma
noção construída dinamicamente; o que seria ativismo, sobretudo a
partir da jurisprudência analítica, construção teórica que tenta retirar valoração sobre a prática judicial ativista. Superados esses pontos,
pode-se pensar em que medida uma Constituição, como a brasileira,
na qual critérios substanciais de controle das finanças teriam sido
incorporados, pode sugerir o abandono de soluções formais de autorização legislativa para se alterar qualitativa e quantitativa os recursos financeiros. Tangencialmente, investiga-se ainda que situações
pretensamente ativistas escondem apenas o atingimento da legalidade
no Brasil, país que possui déficits de cumprimento de promessas da
modernidade e que sequer atingem aquele núcleo mínimo do Estado
de Direito. Esse quadro de desconsideração da Constituição Financeira
sugere que a normatividade deve ser recolada em seu devido lugar. Para
os céticos, isso representaria a necessidade de mudar o que está posto
na Constituição; para os entusiastas, tudo dependeria de rearranjar institucionalmente a prática de órgãos e entidades administrativas.
Palavras-chave: ativismo, legalidade, orçamento, jurisprudência
analítica, controle judicial do orçamento.
Audiência pública o ‘lugar’ dos
argumentos consenquencialistas
Égina Glauce Santos Pereira
Bacharela em Direito (FADISETE) e Letras (UFMG). Pós-graduada
em Direito Publico (NEWTON PAIVA) e Criminologia (PUC-MINAS).
Mestre e doutoranda em Linguística - Análise do Discurso (UFMG). BRASIL.
[email protected].
A definição de ‘lugares’, mais especificamente de ‘lugares comuns’, é ampla, desde a antiguidade, seja Aristóteles, Cícero ou
Quintiliano, todos afirmam ser esse elemento importante para a
construção de um discurso persuasivo focado no auditório, e poderia se conceituar, inicialmente, como valores partilhados ou valores
comuns. Atualmente, Amossy (2005; 2010) continua afirmando a
importância do conjunto de valores, de evidências, de crenças, sem
os quais todo diálogo não poderia acontecer, ou seja, o discurso deve
pautar-se por uma doxa comum, pela qual se busca a adesão pelo
compartilhamento de pontos de vista. Sabe-se que a modernidade
proporciona um ambiente argumentativo vasto, com valores cada
vez mais pluralistas. Para Meyer (2014) é a retórica que possibilita
a negociação da distância entre os pontos de vista a propósito de
uma questão, de um problema. Pode-se dizer que é a retórica que
reduziria a distância entre os pluralismos existentes. Nesse sentido,
segundo Meyer (2010), a função dos valores é essencial, pois estabelece a ponte entre as diversas esferas de atividade (como o direito, a economia, a politica, ou a religião). Chaïm Perelman, em suas
obras: “Lógica Jurídica” (2004) e “Tratado da Argumentação: a nova
retórica” (2000), produzido com Lucie Olbrects-Tyteca, discute a
aplicabilidade da ‘lógica dos julgamentos de valor’, visto que não se
aceitava, no discurso jurídico, que as decisões fossem apenas movidas
pelas emoções, interesses e impulsos pessoais, ou seja, é necessário
legitimar as decisões, principalmente no discurso constitucional, tor-
Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 209
nando a decisão aceita pela sociedade e não apenas coercitiva. Para
Perelman (2004, p. 200) o julgador tem como função conciliar os
valores dominantes na sociedade com os valores legais e as instituições estabelecidas, devendo evidenciar não apenas a legalidade, mas
“o caráter razoável e aceitável de suas decisões.” Na nossa sociedade pluralista e complexa, as decisões do Supremo Tribunal Federal
(STF) devem também ser fundamentadas e deveriam ser pautadas
pela ampla participação social. Isso porque a subsunção não é suficiente para a aplicação das normas e devido ao papel ocupado por
este Tribunal no sistema jurídico, como guardião da Constituição. É
exatamente nessa perspectiva que se viabiliza as audiências públicas,
enquanto mecanismo processual apto a viabilizar, institucionalmente, o diálogo com os diversos setores da sociedade, conferindo legitimidade às decisões tomadas no âmbito dessa jurisdição, em situações
necessárias. Assim, o gênero Audiência Pública tem se mostrado um
objeto interessante para a argumentação, principalmente pela exposição de argumentos consequenciais, conforme MacCormick (1978).
Isso acontece já que a argumentação se pautará por consubstanciar
decisões a respeito de temas que não apenas despertam grande interesse na sociedade, mas que são de elevada complexidade, os quais
demandam a visão tanto dos interessados como também dos experts.
Frise-se, então, que as audiências públicas acontecem porque os assuntos tratados nas discussões sobre a constitucionalidade da norma
ultrapassam os argumentos meramente jurídicos e, portanto, foca-se
o procedimento nos argumentos extrajurídicos e/ou consequenciais.
Para MacCormick (1978) o conceito de consequência não se restringe às implicações para as partes processuais e ao valor da utilidade,
mas alcança as consequências da norma em que se baseia a decisão e
outros valores como: justiça, conveniência pública e senso comum.
Então, a retórica é o elemento chave para se analisar esse processo
argumentativo. A Audiência Pública como gênero jurídico, discutirá
se a norma é justa, mas também útil, que se depreende do gênero deliberativo, não sendo possível distingui-los pelo assunto, como Aristóteles (1982) determinou. Ele distinguia três gêneros: o deliberativo,
210 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
para a assembleia, referente ao útil, o judiciário, para o tribunal, o
justo, e o epidíctico, ou demonstrativo, o belo, o honorífico, que se
destinava ao elogio ou ao vitupério de uma pessoa. No presente caso,
observa-se a possibilidade de empréstimo de lugares e, consequentemente, de argumentos. Pode-se afirmar que a Audiência Pública é o
lugar jurídico-político em primazia dos argumentos consequenciais
e o reforço dos lugares comuns, ao se estabelecer quais valores serão
abordados e como esses se desencadearão, proporcionando a possibilidade ou não de adesão. Por isso, utilizar-se-á como ferramentas
os elementos da Análise do Discurso (AD), que permitem verificar
a construção de significados, que irão auxiliar na compreensão dos
fenômenos culturais, sociais e jurídicos, que interferem na elaboração
da ordem jurídica, e, consequentemente, no discurso constitucional
produzido nas audiências públicas. Tal fato possibilitará compreender a estrutura argumentativa utilizada para a adesão ou não do auditório, que não se dará apenas pelo lógos, mas também pelo éthos e
pelo páthos, como aspectos fundamentais para a persuasão, e, porque
não para a possível legitimação da decisão a ser proferida.
Palavras-Chave: Discurso Constitucional; Audiência Pública; Retórica; Lugares; Juízo De Valor; Argumentos Extrajurídicos; Argumentos Consequencialistas.
Norma fundamental como axioma de legitimação
principiológica em Ronald Dworkin
Sherman Soares Silva
Hans Kelsen ao erigir o conceito de Norma Fundamental na sua
Teoria Pura do Direito, demonstra a existência de um axioma fundamental de validade de qualquer ordenamento de caráter jurídico.
Sendo que a mesma, por se tratar de um fundamento pressuposto,
não recai nas análises comuns de validade utilizadas à verificação das
normas jurídicas (legitimidade na esfera legislativa e controle de constitucionalidade), cabe assumi-lo como ponto de partida preexistente,
sem a qual qualquer ordenamento tenderia a retroagir infinitamente
na busca de normas hierarquicamente superiores que a justificassem.
Kelsen demonstra que o fundamento primeiro de todo ordenamento jurídico é metajurídico, ou seja, toda estrutura normativa de
um sistema advém de um axioma fundamental de legitimação jusfilosófica que pela forma se denomina Norma Fundamental. Esse axioma servirá, portanto, não somente de argumento de validade para o
ordenamento jurídico, em um contexto de análise purista do Direito,
como o austríaco utilizou, mas, de argumento de legitimidade para o
atual debate da filosofia do Direito acerca da fundamentação principiológica das decisões, em um modelo que o juiz exerça sua parcela
no contraditório (perspectiva não hierárquica do processo) e as partes
reconheçam a decisão construída como legítima e eficiente, como no
modelo de Direito como Integridade de Ronald Dworkin.
O primeiro fato a destacar é que Kelsen, por tentar formular
uma teoria pura, obrigou-se a valorar de forma reducionista certos
conceitos inerentes à própria análise da estrutura geral do ordenamento jurídico, de modo a manter a rigidez que caracterizaria sua
obra e o principal mártir no fundamentalismo do jurista foi a própria
formulação da natureza da Norma Fundamental.
212 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Como já destacado, a norma fundamental é um axioma que
serve de análise última tanto para a análise de validade de uma norma em específico quanto do ordenamento por inteiro, entretanto se
trabalharmos pela perspectiva de Dworkin de princípios como standards de legitimação da decisão, encontramos a aplicação de uma
preposição metajurídica em um sistema jurídico, percebemos que a
norma fundamental é também o pressuposto que operacionaliza a
utilização dos mesmos na construção argumentativa da decisão.
Os princípios por se tratarem de argumentos metajurídicos,
podem ou não conter uma posterior positivação no ordenamento,
mas, devido a percepção moral estar intrinsecamente refletida em seu
conteúdo, não podem ser tratados de maneira reducionista durante
tal processo, pois sua aplicação prática é sujeita à diversas variáveis
que somente são verificáveis na aplicação ‘in casu’, e que, possuindo
um aspecto constitutivo dinâmico, se modificam a cada aplicação,
aparecendo aí a percepção construtiva dos precedentes na metáfora
romance em cadeia, utilizada pelo jusfilósofo norte americano.
Princípios, não são passíveis de julgamento de validade, mas, somente de análise de peso em um caso concreto, portanto aparece a segunda
função da norma fundamental, que assim como a primeira tem uma construção singular em cada paradigma cultural quanto ao conteúdo, mas estruturalmente idênticas entre si, que é a dar legitimidade aos princípios.
Se princípios, apesar de serem argumentos pressupostos, são em
um caso concreto, sujeitos a uma análise de peso, essa análise somente pode ser coesa se um axioma de cunho também metajurídico, a
norma fundamental, o tornar legítimo. Princípios, sendo imunes à
percepção de validade normativa e, consequentemente da regulação
a ela imposta, careceriam de passibilidade de aplicação sem a legitimação advinda da norma fundamental.
Dworkin diferencia a aplicação silogística da norma da aplicação
dos princípios com a noção de Direito como Integridade, que vincula
o mesmo ao paradigma histórico-cultural de uma comunidade. Entretanto, por mais que pareça simplista e hoje, extremamente natural percebermos a atuação dos princípios nas decisões, os mesmos só o podem
Argumentos consequencialistas e argumentos extrajurídicos na jurisdição constitucional • 213
fazê-lo, sem uma análise de validade, por passarem por uma análise de
legitimidade, o que remete à estrutura da norma fundamental.
Se com Kelsen aprendemos que uma norma só é válida porque uma
norma anterior e supra jurídica a concedeu legitimidade (no sentido de
validade, que o mesmo usa), para considerarmos sua construção da forma completa, temos que perceber que nos princípios o mesmo ocorre,
porém com a definição no sentido de justificação no caso prático.
Palavras-Chave: Norma Fundamental, validade, legitimação, princípios.
O Acórdão Omega do Tribunal de Justiça da União
Europeia e sua Contribuição Teórica para a Construção
de um Constitucionalismo Global
Jeison Batista de Almeida
Mestre em Direitos Humanos pela Universidade do Minho (Portugal).
Professor Adjunto da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT
(Brasil). E-mail: [email protected].
O tema da presente pesquisa consiste numa análise e discussão do
Acórdão Omega (2004), do Tribunal de Justiça da União Europeia e
sua contribuição para a construção de um constitucionalismo global,
com vistas as particularidades de Direito doméstico dos Estados. Em
que pese o fracasso da aprovação de uma carta constitucional europeia,
a doutrina contemporânea tem admitido a existência de uma constituição material que tem como finalidade, sobretudo, a proteção dos
direitos fundamentais. A proteção dos direitos fundamentais no contexto da União Europeia é subsidiada, em grande escala, pela jurisprudência do Tribunal de Justiça que, desde o Acórdão Stauder (1969),
vem argumentando em favor da proteção dos direitos fundamentais.
No contexto da produção jurisprudencial do Tribunal de Justiça, infere-se que a proteção dos direitos fundamentais na União Europeia,
funda-se em três fontes, sendo elas: os princípios constantes dos tratados constitutivos da União; as tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros e; os instrumentos internacionais relativos aos direitos
humanos. Tendo em vista esta tríplice proteção dos direitos humanos/
fundamentais, quando se está em demanda uma norma que assegure estes direitos, por efeito de uma regra na teoria geral dos direitos
fundamentais, comuns aos níveis de proteção (nacional, europeu e internacional), preza-se pela norma que assegure, na esfera jurídica do
destinatário, a proteção mais elevada entre os níveis de proteção existentes. Deste modo, questiona-se a aplicação do princípio do primado na
norma de direito europeu, que a grosso modo, pode ser explicado como
Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 215
um meio para garantir a aplicação da norma europeia em detrimento da
norma interna dos Estados-Membros, ainda que em grau constitucional. Diante desse quadro, é possível levantar-se algumas problemáticas,
tais como: um direito previsto pela norma europeia pode ser restringido
por ser contrária aos valores fundamentais protegidos pela Constituição
de um Estado-Membro? Se o direito que têm os Estados-Membros de
obstar as liberdades fundamentais garantidas pelo Direito Europeu, depende da condição desta restrição se basear numa concepção de Direito
comum aos Estados-Membros? Ilustração da jurisprudência discursiva
do Tribunal de Justiça da União Europeia, o Acórdão Omega enfrenta
a problemática posta. O acórdão em apreço em poucas linhas assim se
resumiria: a) tem-se um padrão nacional no direito alemão de proteção
dos direitos fundamentais exigidos pela Constituição; b) a ter em vista
esse padrão de resguardo dos direitos fundamentais – a dignidade humana, em especial –, autoridades competentes, proibiram que um jogo
que vai de encontro a este padrão de proteção fosse comercializado; c)
uma vez que o jogo proibido utilizava produtos e serviços oriundos de
outro Estado-Membro da União Europeia, a referida proibição afetava
as liberdades garantidas pela ordem comunitária; d) a União Europeia
assegura a proteção aos direitos fundamentais e; e) o Tribunal de Justiça
admite que mesmo que o padrão de proteção dos direitos fundamentais na Alemanha não seja comum aos outros Estados-Membros – ao
revés disso é uma proteção mais elevada –, está apta a obstar as liberdades asseguradas no Direito Europeu, se o exercício de alguma liberdade
for violadora dos direitos fundamentais. Através da análise do referido
acórdão, buscamos identificar elementos teóricos que possam subsidiar
a construção de um constitucionalismo global. Para desenvolver esta
problemática, partiu-se do método dedutivo, valendo-se da pesquisa
bibliográfica na doutrina especializada, da análise dos tratados constitutivos da União Europeia e especialmente na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia. Busca-se, portanto, na experiência
jurídica europeia e na respeitada jurisprudência do Tribunal de Justiça,
os elementos teóricos que visam proporcionar a proteção dos direitos
fundamentais, numa comunidade global, mas sem deixar às margens as
concepções domésticas de proteção destes direitos.
Red judicial interamericana y constitucionalismo multinivel
Paola Andrea Acosta Alvarado
Doctora Suma cum Laude en derecho internacional y relaciones
internacionales, Universidad Complutense de Madrid. Docente investigadora,
Universidad Externado de Colombia. Bogotá. Colombia. [email protected]
Desde nuestro punto de vista, gracias a la creciente interacción
entre los jueces de protección, nacionales e internacionales, es posible
hablar de la existencia de una red judicial que ayuda a la constitucionalización del escenario internacional.
En la primera parte de nuestro trabajo, daremos cuenta del contexto, las normas y las herramientas jurisprudenciales que permiten el diálogo interjudicial que da lugar a la red judicial interamericana. Así mismo,
expondremos los efectos que tiene la existencia de esa red (entre otras,
resaltaremos la existencia de un ius commune interamericano y el papel
de la CorteIDH como tribunal constitucional) sobre el derecho internacional, el derecho constitucional nacional, las relaciones entre ambos y,
en general, sobre la efectividad de la protección ofrecida a los individuos.
En la segunda parte, expondremos la relación entre la red judicial interamericana y el proyecto de constitucionalización multinivel
en el escenario regional. Desde nuestro punto de vista, dicha red es
herramienta y, al mismo tiempo, resultado del proceso de constitucionalización internacional, así como motor del mismo.
Por una parte, la red judicial pone en evidencia tanto la necesidad cuanto la posibilidad de que se ejerzan funciones constitucionales y que se persigan objetivos constitucionales desde el escenario
internacional. Por la otra, la interacción en la que se basa ayuda a perfeccionar la forma de ejercer dichas funciones. Así, desde el punto de
vista sustancial, el proceso de interacción judicial ayuda a reivindicar
la existencia de ciertos valores comunes de la comunidad internacional y desde la perspectiva formal, su aporte radica en la articulación
de normas, procedimientos y estructuras para el ejercicio de funciones constitucionales desde el escenario internacional principalmente
Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 217
la protección de dichos valores esenciales y, con ello, el desarrollo ‘the
rule of law’ tanto a nivel nacional cuanto internacional. Finalmente,
la red judicial, en especial el ius commune que de ella emana, sirve
como ente articulador del proceso constitucional más allá de la región y más allá del asunto de los derechos humanos.
Sistema carcerário brasileiro e Sistema Interamericano de
Proteção dos Direitos Humanos: uma análise do caso da
unidade de detenção Urso Branco
Cinthia de Cerqueira Alves
Graduanda do Curso de Direito da Universidade Estadual de Feira de Santana
(UEFS); Bahia, Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].
Vive-se no Direito Internacional a expectativa da efetivação dos
direitos humanos através do fomento de medidas que possam fortalecer a existência humana. Tal intento é buscado através do funcionamento de sistemas globais e regionais de proteção e promoção
dos direitos humanos. Nesse cenário, o Brasil integra a Organização
dos Estados Americanos (OEA), sendo membro do Sistema Regional Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIPDH). Tal
sistema, composto pela Comissão e pela Corte Interamericana, atua
como órgão fiscalizador da implementação de medidas públicas que
visem à satisfação das necessidades humanas, e também como via
contenciosa ao apurar denúncias de violações de direitos humanos
em qualquer dos Estados partes. Desse modo, os indivíduos que
sofrerem violações de direitos humanos podem recorrer ao sistema
para obter a reparação quando há a incapacidade das instâncias nacionais em promover a justiça. O SIPDH objetiva promover mudanças abrangentes, pois os efeitos das decisões e medidas tomadas não
se restringem ao caso apreciado, mas abarcam a coletividade a fim de
impedir a ocorrência de novas violações.
A efetivação dos direitos humanos ainda é um desafio na realidade
brasileira, onde há um imenso fosso entre o ideal de proteção promovido pelo SIPDH e os fatos. Para ilustrar essa dissonância, trazemos a
análise da situação do sistema prisional brasileiro através do caso que
foi alvo de Medidas Provisórias emanadas pela Corte Interamericana
de Direitos Humanos, e está relacionado às violações de direitos huma-
Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 219
nos cometidas na Casa de Detenção José Mário Alves, conhecida como
Presídio Urso Branco, localizada no estado de Rondônia. Dentro dessa
unidade prisional ocorreram vários episódios de tortura e homicídios
perpetrados pelos presos e pelos agentes penitenciários, há também um
contexto de superlotação e falta de bens e serviços básicos, como água,
medicamentos, produtos de higiene e atendimento médico.
Essa análise visa verificar o nível de facticidade interna das decisões emanadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos
diante de países soberanos como o Brasil. O recorte proposto mostra relevância ao analisar os impactos internos em termos políticos
e judiciais que são gerados pela apreciação de casos de violação de
direitos humanos pela Corte Interamericana. Propõe, dessa forma,
avaliar como se opera o modelo de coerção internacional frente ao
direito interno no Brasil, analisando uma situação específica (o desrespeito aos direitos humanos no sistema carcerário), a partir de um
caso concreto apreciado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Caso Urso Branco). Preocupa-se não só com a facticidade das
decisões condenatórias da Corte interamericana, mas também com a
efetividade de todo o sistema de medidas que o SIPDH utiliza para
combater a violação dos direitos humanos.
Por fim, observando o objetivo do SIPDH de que suas resoluções e decisões em casos isolados repercutam de modo geral no
âmbito interno, evitando novas violações de direitos humanos, ponderamos como as Medidas Provisórias emanadas pela Corte Interamericana no caso Urso Branco podem servir de parâmetro para analisar situações de desrespeito aos direitos humanos em outros presídios
brasileiros. Desse modo, o esforço proposto visa identificar em que
medida as autoridades brasileiras encarregadas de dar efetividade aos
parâmetros constitucionais consideram decisões emanadas de uma
instância internacional para tomar suas próprias decisões. Em última
análise, pretende-se identificar a abertura do constitucionalismo brasileiro para o diálogo com uma ordem jurídica internacional.
Constitucionalismo global: novo paradigma para a
proteção dos direitos humanos
Priscilla Saraiva Alves
Pós-graduanda lato sensu em Direito Processual Civil pela Universidade de
Fortaleza. Brasil. [email protected]
O que se denominou de Estado de Direito Internacional, surge
da comunhão coordenada de vontades entre as nações, constituindo o que Valério Mazzuoli denomina de terceira onda evolutiva do
Estado, do Direito e da Justiça: o Internacionalismo. A base principiológica desta terceira onda evolutiva decorreu da passagem do
princípio do domestic affair (ou da não ingerência) para o do international concern, implicando uma responsabilidade internacional no
que concerne à proteção dos direitos e garantias fundamentais, que
é a finalidade maior de todos os ordenamentos jurídicos. As velhas
estruturas sofrem pressões pela necessidade de serem repensadas, remodeladas e rediscutidas, política e culturalmente. Problemas antes
vinculados às fronteiras domésticas dos Estados se tornaram questões
de legítimo interesse da comunidade internacional. A globalização,
acelerou a transnacionalização das relações econômicas e financeiras,
oportunizando principalmente a intensificação das relações sociais
e enfraquecimento do Estado-Nação, conectando e transformando-os, em prol de um pacto internacional pela proteção de direitos de
caráter supranacionais. Apesar dos constantes esforços para que o
Direito Internacional não se confunda com um simples aglomerado
de regras, todas dispostas aleatoriamente, sem critérios pré-definidos
que as tornem um todo coerente, tal confusão se observa com a globalização advinda pós século XX. Os diversos organismos internacionais proferem decisões baseadas em normas conflitantes entre si
(caso Mox Plant, por exemplo), comprometendo, esta assimetria, na
construção de um diálogo entre as diversas fontes do Direito Internacional, que busca resolver as contradições e os conflitos no pla-
Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 221
no externo. Como consequência disto, o Direito Internacional vem
apresentando fissuras em sua unidade, revelando um caráter extremamente fragmentário na contemporaneidade, comprometendo o
fortalecimento e a coerência das jurisdições internacionais, as quais
tornaram-se fracas, e desse modo, incapazes de lograr êxito no seu
objetivo principal de garantia da concretização dos Direitos Humanos. O Direito Constitucional não pode alhear-se da realidade que o
cerca, o que implica a necessidade de ampliação do constitucionalismo para um nível global a partir de uma reflexão acerca das três teses sobre o direito global, bastante exploradas por Gunther Teubner,
quais sejam, a teoria do pluralismo jurídico, que leva em conta os
processos espontâneos da formação de direito na sociedade mundial,
a tese de que o direito global não é Direito Internacional, mas constitui, um ordenamento jurídico diferente, e a tese de que a distância
desse novo direito mundial da política nacional e do Direito Internacional não significa a formação de um direito apolítico, longe disso,
considerando que o agir dos novos atores jurídicos globais contribui
para a sua repolitização, talvez não por meio de políticas institucionais convencionais, mas de processos pelos quais o direito é vinculado a discursos sociais altamente politizados. A projeção global de um
catálogo de direitos, baseados naqueles encontrados nas declarações
da ONU, bem como, um núcleo pétreo de temas que contaria com
proteção máxima, propugnariam pela formação de um constitucionalismo cooperativo, onde residiria a maior vantagem desse sistema.
Muito tem-se discutido acerca da necessária superação de fronteiras
e remodelação do conceito de soberania, arraigado na teoria de Maquiavel e Jean Bodin, para uma mudança de paradigma no discurso
constitucional, que vinculado à realidade interna, deve ser inserido
na realidade global. Acerca da soberania externa, argumenta-se que
esta não se coaduna com a sujeição do poder à lei, e igualmente é
contrária à vigência das atuais cartas internacionais que proclamam
direitos. Considerando a força de um Direito Internacional, embasado na autonomia dos povos, e não na soberania dos Estados, é
que autores como, Luigi Ferrajoli, são deferentes à adesão de valores
222 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
relativos a um constitucionalismo de caráter mundial, munido de garantias jurisdicionais globais acompanhados de uma filosofia política
liberal-socialista. Apesar de ser uma realidade ainda insipiente, faz-se
necessário o reconhecimento da pertinência de uma constituição material global, munida de jus cogens internacional e de princípios compartilhados, em suma, integrada por valores comuns, tendo como
suporte as experiência consumadas nas sociedades democráticas e a
jurisprudência consolidada pelas cortes internacionais, especialmente em matéria de Direitos Humanos, concluindo por conceber um
Direito Constitucional global, que emerge da comunhão de valores,
principalmente aqueles ligados à dignidade da pessoa humana.
A teoria jusnaturalista dos princípios de Antônio
Augusto Cançado Trindade e a sua reconstrução à luz
da teoria do discurso de Jürgen Habermas
Bruno de Oliveira Biazatti
Estudante do 7º período do curso de Graduação em Direito na
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no Brasil.
Endereço eletrônico: [email protected].
O jurista brasileiro Antônio Augusto Cançado Trindade leciona
que o Direito Internacional não é composto somente por regras, mas
também por princípios. Esta perspectiva conceitual é o resultado do
processo de humanização das normas internacionais, iniciado no fim
da Segunda Guerra e que se alonga até os dias atuais, caracterizado
pela expansão e consolidação dos direitos humanos no sistema jurídico internacional. Tal fenômeno acarretou a reconsideração dos
fundamentos do Direito Internacional, levando a desconstrução de
modelos positivista/voluntaristas e deslocando a ênfase do próprio
Direito para o bem estar do homem. Diante disso, segundo ele, se
faz evidente o despertar de uma consciência jurídica universal, como
reflexo deste novo paradigma, já não mais estatocêntrico, mas que
posiciona os interesses da humanidade como objetivo último do fenômeno jurídico. Esta consciência jurídica universal, definida como
o sentimento de preservação da pessoa humana e que permeia toda
a Comunidade Internacional, é o fundamento direto dos princípios.
Em linhas gerais, todas as normas internacionais encontram fulcro
na consciência universal, sendo, portanto, a fonte suprema de validação normativa. Cançado Trindade defende que a consciência jurídica universal deve ser lida como uma concepção jusnaturalista de
validação, impondo certos pressupostos transcendentais de natureza
axiológica, que garantem coesão, coerência e legitimidade ao corpo
normativo internacional. Nesse prisma, o jurista brasileiro assevera
que os princípios internacionais são, em última análise, princípios
224 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
de Direito Natural, pois o sistema jurídico precisa da proeminência
de valores superiores, capazes de orientar a dinâmica internacional
e atender as aspirações humanas. Assim, o Direito Natural na visão
de Cançado Trindade não busca resgatar concepções jusnaturalistas
clássicas, mas sim reafirmar de maneira enfática padrões mínimos
de justiça e, desta forma, reforçar a universalidade dos direitos humanos, que estão totalmente fora do escopo de barganha pelos Estados. In fine, o restabelecimento do jusnaturalismo contribui para
a sedimentação do primado de valores homocentristas, de forma a
constituir-se, no fim, um processo de moralização do próprio Direito, como um imperativo da humanidade que transcende a vontade
estatal. A grande ambição de Cançado Trindade é, portanto, deslocar
a formação do Direito Internacional do consentimento e da vontade
estatal para as necessidades da humanidade. Tirar a pessoa humana
da posição de mera coadjuvante, que simplesmente assisti a formação
e transformação do Direito Internacional pelos e para os Estados, a
fim de coloca-la no status de protagonista, cujos interesses se tornem
o centro e a finalidade maior do sistema normativo internacional. De
tal modo, os princípios internacionais são indispensáveis, pois constituem o substrato da ordem jurídica, baseada no conceito de justiça
objetiva, advinda tipicamente do Direito Natural. Eles são superiores
a própria vontade dos sujeitos internacionais, vez que são o reflexo
direto da busca de justiça pela humanidade e peça chave para a edificação de um sistema normativo verdadeiramente universal. É nesse
sentido que Cançado Trindade os defini como os “pilares básicos do
sistema jurídico internacional”. Todavia, não é difícil perceber que
a tese deste douto brasileiro é problemática. Seu trabalho é louvável
quando advoga que a moral tem papel relevante no Direito Internacional e também o homocentrismo que permeia as normas internacionais, em detrimento do protagonismo dos Estados. Todavia,
adotar uma concepção jusnaturalista para fundamentar a influência
axiológica no Direito se revela uma argumentação ultrapassada para
defender uma teoria atual e muita promissora. Acredito que uma
solução mais atraente é usar a racionalidade prática linguisticamente
Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 225
concebida, a fim de criar uma tese condizente com o giro linguístico-pragmático da Filosofia Contemporânea. Nesse prisma, fez-se
mister citar o alemão Jürgen Habermas, quando defende a Ética do
Discurso, voltada para a concepção de normas que gozem de aceitabilidade universal entre todos os participantes do discurso (princípio
da universalização). Assim, o conteúdo do Direito Internacional só
será legítimo, caso decorra de um discurso regido por regras procedimentais racionais. Substitui-se, dessa maneira, o recurso a elementos
jusnaturalistas por um procedimento balizada nas regras do discurso,
onde espontaneamente argumentos morais aflorarão e serão aceitos
ou rejeitados conforme a força destes argumentos. Destaca-se que o
discurso será realizado num “auditório ideal”, onde todos os falantes
possuem igual condição de fala, livres de qualquer tipo de coação ou
de qualquer interesse egoístico. O próprio Direito Internacional, como
positivado na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969), se
preocupa em impor regras mínimas para evitar a concepção de tratados
mediante corrupção e coerção. Assim, apesar dos méritos da doutrina
de Cançado Trindade, são identificáveis certos equívocos em seu trabalho. O presente artigo visa identificar alguns destes pontos fracos e
substituí-los por argumentos mais persuasivos, de forma a maximizar
o poder de convencimento da tese humanista de Cançado Trindade.
La naturaleza como “grundnorm” e “tertium
comparationis” del “constitucionalismo global”
Michele Carducci
Profesor ordinario de Derecho Constitucional Comparado, Centro
Didáctico Euroamericano sobre Políticas Constitucionales, Universidad del
Salento, Lecce, Italia, [email protected].
Lidia Patricia Castillo Amaya
Doctora en Derecho por la Universidad de Bari en Italia, Posdoctoranda
PNPD/CAPES en Programa de Posgraduación en Derecho de la Universidad
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil, [email protected]
La humanidad se encuentra en “déficit ecológico” respecto a la
Tierra, pues los sistemas de producción obtienen recursos naturales
más allá de cuanto la naturaleza misma es capaz de proporcionar. Una
“crisis de civilización” del consumo y la explotación de los recursos
naturales, legitimada por las instituciones que han construido dicha
civilización y por las desigualdades globales que la han avalado, parece ser inminente. ¿Cómo es posible pensar en una sociedad mundial
más igualitaria, más justa, más digna en el respeto de los derechos
y de las libertades , si los Estados, cuyas Constituciones nacionales
persiguen dichos “valores”, hacen poco o nada para evitar la auto-destrucción del planeta? En el presente trabajo pretendemos problematizar las actuales interrogativas respecto a la relación entre ecosistema
terrestre y el constitucionalismo nacional y global, descubriendo la
relación entre las semánticas del constitucionalismo y la naturaleza,
evidenciando las concepciones de comparación constitución que se
difunden en la actualidad en el debate sobre el constitucionalismo
global, y discutiendo nuevas y originales propuestas alternativas. Así,
iniciamos discutiendo el logos eurocéntrico y antropocéntrico del
derecho constitucional, que encuentra su fundamento en la idea de
que la convivencia humana está determinada únicamente por la dialéctica entre libertad y autoridad entre los seres humanos, y que
Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 227
hemos denominado, citando a Rousseau, el “dilema del cazador”.
Este logos reduce además a la naturaleza a “objeto” legitimando y
justificando así la relevancia de la economía sobre la ecología, y ha
otorgado hasta hoy, las bases para todas las propuestas políticas y
metodológicas sobre la convivencia en el planeta tierra. Continuamos argumentando que el debate sobre el constitucionalismo global,
entendido como “diálogo judicial”, se mantiene dentro de ese mismo
logos y reproduce el “dilema del cazador” (libertad individual versus autoridad) predicando el valor absoluto de la libre autodeterminación de la libertad individual, ignorando la necesidad urgente de
debatir el futuro no sólo de los individuos, sino del conjunto de la
humanidad entera como un ser vivo en el planeta Tierra; olvidando
que el “déficit ecológico” del planeta requiere de una respuesta rápida en términos de “autoridad” global y no de “libertad” global ;
y terminando por hacer caso omiso de la paradoja ambientalmente
catastrófica de la condición humana, es decir, decidir sobre su propia
supervivencia a través del consenso; y por lo tanto, a la vez que oculta
que el verdadero reto del “constitucionalismo global” no reside en la
conquista continua de nuevas libertades, sino más bien en la construcción de una “autoridad” de democracia global “eco-compatible”.
Además, apuntamos las limitaciones del enfoque comunicativo originado por las decisiones judiciales acerca de derechos humanos para la
construcción de un derecho verdaderamente general, por medio del
cual las “autoridades” de la escena mundial puedan llegar a garantizar supervivencia humana como un beneficio común global. Ante
esas limitaciones, analizamos y valoramos los innovadores y relevantes aportes del “nuevo constitucionalismo” andino y las propuestas
de la constitucionalización global del “derecho a la democracia” de
la Unión Africana, como tentativas constitucionales, provenientes de
la “periferia” de la modernidad, que presentan un elemento común
muy importante: emanciparse del individualismo metodológico del
“dilema del cazador”. Ambas propuestas convergen en la importancia
de un constitucionalismo, que no sea confiado a la “comunicación
trans-judicial” solamente, sino que discuta la legitimidad democráti-
228 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
ca de la convivencia social asumiendo a la naturaleza, y no a la libertad o a la autoridad, como “Grundnorm” de las opciones de “buen
vivir” de toda la humanidad (contribución del “nuevo constitucionalismo” andino), y la democracia como praxis cotidiana de discusiones y
debates participativos sobre el futuro de la especie humana (propuesta
de la Corte Constitucional internacional de la Unión Africana). Finalmente proponemos debatir sobre una ontología de las Constituciones
“en sentido natural”, relacionada con el reto de la supervivencia humana dentro ecosistema terrestre, y definir a la naturaleza como “tertium
comparationis” del “constitucionalismo global”: como un elemento
ineludible de evaluación de las políticas constitucionales presentes y
futuras., pues sostenemos que discutir la función de las Constituciones
respecto al “déficit ecológico” es un imperativo mucho más importante, imprescindible y prioritario, que discutir sobre el “diálogo judicial”
y cuales derechos individuales deban o no globalizarse.
Memória, estigmas e compreensão do Direito Muçulmano
Marcelo Kokke Gomes
Formado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pósgraduado em Processo Constitucional pelo Instituto Metodista Izabela Hendrix.
Mestre e Doutorando em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela PUC
- Rio. Aperfeiçoamento em Constitutional Struggles in the Muslim World University of Copenhagen. Professor de Direito Constitucional - Escola Superior
Dom Helder Câmara. Professor de pós-graduação PUC-MG e IDDE. Professor
Colaborador da Escola da Advocacia-Geral da União. Procurador Federal.
Procurador-Chefe da Procuradoria Especializada junto ao IBAMA em Minas
Gerais. Brasil – [email protected]
A busca por um constitucionalismo global e análise de bases
para construção potencial de uma comunidade de princípios internacional exige o enfrentamento do debate da alteridade, com a
tematização de compreensões diversas do Direito e do que envolve
o próprio constitucionalismo. O debate da alteridade, apoiado em
questionamentos de pensamentos hegemônicos, reclama compreensão e abertura para entendimento do Direito Muçulmano, da configuração constitucional elaborada sob esta matriz. Uma em cada cinco
pessoas no mundo professa a compreensão muçulmana da realidade,
fechar as portas para buscar entender os pilares que sustentam sua
forma de ver, pensar e formular o Direito equivale a fraturar o próprio debate da alteridade e inviabilizar a real busca por um constitucionalismo global. Estes fatores impelem tomada do jurídico enlaçada a fatores histórico-culturais, em um Direito que é inerentemente
concebido sob o prisma moral na perspectiva jurídica islâmica da
Sharia. A religião, embora fonte do Direito Muçulmano, não pode
ser considerada como “o fator” de conformação jurídico-social da
realidade vivenciada pelos países islâmicos. Elementos econômicos e
políticos, ligados principalmente à forma como se procedeu à incursão da Modernidade em seu patamar hegemônico europeu, são determinantes na apresentação contemporânea da realidade dos países
muçulmanos. A expressão hegemônica de uma forma de progresso
230 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
que impôs aos países muçulmanos um custo humano desmedido,
convertendo realidades, culturas e sociedades em instrumentos ou
meio foi determinante na desagregação e abertura para movimentos
de vertente extremista hoje erigidos em desafio visualizado pela comunidade internacional. A forma como se procedeu à incursão de
instituições de controle e instrumentalização a favor de políticas e da
economia dos ocidentais centrais levou ao sufocamento da tolerância
e à abertura ao extremismo, desconstruindo uma realidade secular,
principalmente na região correspondente ao desintegrado Império
Otomano, onde se destacavam o sistema Millet e o regime Dhimmi.
Dois dos fatores proeminentes para a análise de impactos justificados
sob a imagem da implantação do progresso próprio da Modernidade
são a política imperialista, pretensamente legitimada pela Liga das
Nações, de 1919, e a instrumentalização econômica relativa ao petróleo. A conjuntura jurídica e constitucional dos países islâmicos está
ligada à perspectiva própria do Direito, cuja matriz é originalmente
forjada nas relações comunitárias e privadas, sem uma organização
política institucionalizada. A razão é combinada com a revelação na
geração e construção da Sharia, sendo encadeadas relações de vida
em sua totalidade para compreensão do papel do jurídico, que não
pode ser apartado da moral e da vida da comunidade. Neste cenário,
o Autor-Jurista assume o papel de ponte entre a produção normativa
do Mufti e a aplicação do Juiz, mas sua ascendência é superior a ambos, pois cabe a ele extrair e desenvolver na maior medida o Direito
Muçulmano, com tratados sobre a Sharia. As bases do Fatwa são
expandidas, procedendo os Juízes ao estudo e à aplicação de seus
entendimentos. A tarefa do Juiz no Direito Muçulmano, na Sharia,
não se resume à adjudicação. O Juiz assume funções extrajudiciais,
por isto não é somente Juiz, seu papel é denominado por Qadi. A
elaboração de prescrições de conduta não se aparta da produção moral comunitária, presente nos Fatwa e moral-religiosa, exponenciada
pelo Hadith. O Qadi é o Juiz judicial e extrajudicial da Sharia, com
função de guardião jurídico e moral da comunidade, tutelando-a em
vários aspectos do contexto social, cabendo-lhe desde a resolução de
Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 231
conflitos até tutoria de órfãos e menores.1 A questão dos problemas
sociais ligados aos países muçulmanos possui raiz em fontes econômicas e políticas, muito mais do que em causas religiosas, o que reflete no constitucionalismo. Compreender o Direito Muçulmano é
passo necessário para pensar um constitucionalismo global e uma real
comunidade internacional. Para tanto, faz-se necessário quebrar estigmas e estabelecer um novo padrão de reflexão, centrado em Walter
Benjamin, manejando o constitucionalismo por meio da memória e
da redenção como meios de afirmação da alteridade.
Notas
A abordagem do Direito Muçulmano em si é abordada com base nas seguintes obras: Hallaq, Wael B. An introduction to Islamic Law. Cambridge,
New York: Cambridge University Press, 2009. Afsah, Ebrahim. Constitution-Making in Islamic Countries – A Theoretical Framework. In: Constitution-Making in Islamic Countries: Between Upheaval and Continuity, ed. by Rainer Grote and Tilmann Röder Oxford: Oxford University Press, 2010. Ahamed,
Farrah. Personal Autonomy and the Option of Religious Law. Oxford Student
Legal Research Paper Series Paper number 12/2011. October – 2011.
1
A aprovação da Lei Geral da Copa e a suspensão de
direitos: entrelaçamentos e interferências transnacionais
na ordem constitucional
Cícero Krupp da Luz
Doutor em Relações Internacionais pela USP. Professor do Mestrado em
Constitucionalismo e Democracia da Faculdade de Direito do Sul de Minas –
FDSM. Brasil. [email protected]
Não há um Poder Legislativo no âmbito mundial, tampouco uma
constituição mundial. Há, contudo, uma notória, hipercomplexa, interferência de processos e representação legislativa que tem ganhado
força e eficácia na incorporação de normas internacionais ao âmbito
doméstico. Esses dois vértices – processo legislativo e diplomacia parlamentar – dão consistência à análise ao Poder Legislativo, por serem a
forma legislativa e representação democrática na atual configuração do
direito internacional: fragmentado, descontínuo e heterárquico . Na
perspectiva de uma sociedade hipercomplexa/policontextural, ambivalências tradicionais, como nacional/internacional, esquerda/direita,
nacional/estrangeiro, tornam-se insuficientes para dar conta da intensa
malha de ordens jurídico-políticas e da diversidade de temas e regimes
internacionais que tencionam a literatura para um novo debate.
Esse novo debate retoma o tema da legitimidade e déficit democrático do direito internacional. A descontínua e fragmentada ordem
internacional é resultado de ordens supranacionais e transnacionais
emergentes, que proporcionam casos de processos e representação legislativa de natureza singular, como os casos do entrelaçamento de ordens
transnacional /nacional no caso FIFA/Brasil, caso a ser explorado no presente trabalho. O déficit democrático geralmente é associado ao debate
sobre governança. Essa noção compreende um governar por preferências
e normas, regimes e práticas que não têm centro localizável ou ethos.
Constantemente compreende, também, um penetrar e redefinir a soberania dos Estados na disputa por espaços de ação no plano mundial.
Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 233
Os entrelaçamentos legislativos devem ser analisados com os
preceitos constitucionais de formas democráticas de processos, como
garantia no procedimento adotado e acesso a representantes diretamente eleitos pela sociedade. A diplomacia parlamentar é a representação apta a projetar uma governança que desenvolva um papel
fundamental de accountability (ou fiscalização democrática) e legitimidade. Portanto, o esclarecimento sobre a natureza desse fenômeno
torna-se um novo ponto de debate para o desenvolvimento democrático de um processo político no plano mundial.
Essa dimensão na escala de poder abre espaço para a multiplicidade de atores que geram mudanças na forma da sociedade mundial,
e tem-se a passagem de um sistema hierárquico para uma heterarquia,
fruto da participação global de diferentes níveis dessas organizações:
locais, nacionais, supranacionais e/ou transnacionais. Dá-se início, então, a um projeto horizontal de relações internacionais, por meio de
novas esferas autônomas de autoridade. Se a resposta waltziana enfatiza o caráter do Estado como ator incondicional, nos contextos da
globalização e da governança global, tem sido sustentado o contrário:
sua diluição entre outros atores, com importância cada vez maior na
construção de uma heterarquia, em que o Estado é apenas um ator entre tantos, na busca de interesses próprios ou coletivos.Esses casos são
fontes primárias na busca de uma unidade jurídica internacional frente
ao avanço entrópico de iniciativas e processos legislativos (supra/inter/
trans) nacionais que moldam um sistema em que a sua síntese mais
apurada se parece com um entrelaçamento constitucional instável.
A partir desse cenário, o objetivo do artigo é avaliar no caso concreto da aprovação da Lei Geral da Copa, o papel das ordens transnacionais, nesse caso, da Lex Sportiva do Futebol, para a incorporação de
novas legislações que suspendam direitos ou garantias constitucionais.
A problemática de um constitucionalismo global em face
da soberania dos estados
Eduardo Silva Luz
Estudante do 6º Período de Direito, na Associação de Ensino Superior do
Piauí. Brasil. [email protected].
Hodiernamente nossa sociedade, de acordo com Neves¹, nossa
sociedade já nasce desvinculada de organizações políticas e territoriais
de um único Estado, devido principalmente ao contato constante,
com outras culturas e outros países. Esse processo é decorrente do
que passou-se a chamar no final do século XX de Globalização.
O Conceito de Globalização desenvolve-se principalmente pelo
aumento das relações econômicas e interdependência dos países entre
si, porém embora tenha sua gênesis devido ao livre comércio e a criação de Blocos Econômicos entre os países, após o final da Segunda
Guerra Mundial, hoje esse conceito se torna cada vez mais abrangente com o desenvolvimento tecnológico, combinando um conjunto
de fatores, sociais, políticos e culturais, que causam uma interação
maior entre as pessoas, causando principalmente a sensação de pertencimento a uma comunidade mundial.
Com essa nova sociedade integrada, e a relação de dependência
entre os países, cada vez maior, e o avanço do Direito internacional,
na regulação das relações entre os estados, surge no mundo jurídico,
o conceito de Constitucionalismo Global este deverá ter o condão de
garantir a busca pela paz mundial e a internacionalização dos direitos
individuais e sociais, e no atual estágio de desenvolvimento humano
um constitucionalismo global tem que proteger e garantir também
os Direitos Fundamentais de Terceira Geração como exemplo o Meio
Ambiente Ecologicamente Correto.
A primeira questão a tratar deve ser, sobre o que seria o Constitucionalismo e a diferença dele para Constituição, afinal é possível
haver o primeiro sem a necessária existência do segundo, exemplo do
Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 235
Common Law Inglês, em que existiu um Movimento Constitucionalista, mas não propriamente uma constituição. Sobre Constitucionalismo podemos transcrever a definição de Bobbio² em seu Dicionário Político, “a técnica jurídica pela qual é assegurado aos cidadãos
o exercício dos seus direitos individuais e, ao mesmo tempo, coloca o
Estado em condições de não os poder violar”.
O Constitucionalismo Global, só teria o condão de legitimar
o que já passou ocorrer desde o Fim da Segunda Guerra Mundial,
quando o individuo de forma mais clara, passou a ser sujeito de direito internacionais e poder exercer esses direitos, a esse respeito, temos
os vários Tratados que Garantiam os Direitos Fundamentais. Porém,
quando tratamos de um constitucionalismo global, passa-se a bater
de frente com os conceitos de soberanias de um Estado, tornando-se
esse o motivo de certa aversão por parte de alguns doutrinadores e
países na realização plena de Constitucionalismo Global.
A Soberania tal como concebemos decorre, principalmente da formação dos Estados-Nacionais, do mundo moderno, que buscavam sua
afirmação, e garantir seus poderes dentro de seus territórios sem sofrer
nenhuma influência externa. Daí deriva o conceito de soberania de ser
uma autoridade que não se limita a nenhum outro pode. Temos então
uma Soberania plena, que não poderia sofrer nenhuma limitação.
Porém, deve-se entender que esse conceito de soberania está
ultrapassado, pois que com a interdependência entre os países, e a
busca por uma garantia de direitos fundamentais universais, temos
que a Soberania passaria a ser limitada, a princípios internacionais e a
um começo de Constitucionalismo Global. A respeito assevera Luigi
Ferrajoli ³ que a soberania “a deixa de ser, com eles, uma liberdade
absoluta e selvagem e se subordina, juridicamente, a duas normas
fundamentais: o imperativa da paz e a tutela dos direitos humanos.”
Assim essa limitação no conceito e aplicação da soberania, não
seria um retrocesso, mas sim uma evolução, decorrente de um fortalecimento do Direito Internacional, e do Jus Cogens que segundo
Canotilho4 seria proteção à vida, liberdade e segurança, e o direito à
autodeterminação como direito básico da democracia, com isso tería-
236 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
mos uma soberania constituinte limitada a princípios internacionais,
dando origem assim ao Constitucionalismo Global.
A respeito do que já foi exposto alhures, conseguimos, apreender
que o Constitucionalismo Global, de maneira alguma viria suprimir
a Constituição de um Estado, esse argumento é uma falácia. De maneira inicial, esse novo modelo constitucionalista, estabeleceria regras
gerais, como exemplo o caso Direitos Humanos, e Fundamentais,
que deveriam servir de moldes para as Constituições dos Estados.
E nesse sentido as Constituições dos Países Latino-Americanos,
já demonstram um avanço pois trazem em seus artigos, um tratamento diferenciado, aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Porém ainda existe um longo caminho a avançar.
Os Estados e suas sociedades, estão caminhando para uma universalização de direitos e normas, e a existência de um Constitucionalismo Global torna-se necessário, principalmente para uma maior
proteção aos direitos individuais e a consagração da paz, que não
devem ser previstas e restritas apenas a Tratados, mas devem constar
nas constituições e ter meios que possam garantir sua validade.
Palavras-Chaves: Constitucionalismo Global, Direitos, Estados, Soberania.
Referências
¹NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 26-27.
²MATTEUCCI, Nicola. Verbete “Constitucionalismo”. In: BOBBIO,
Norberto; Dicionário de política.Tradução de João Ferreira . Brasília: Editora UnB, 1986. p. 120.
³FERRAJOLI, Luigi. A Soberania no Mundo Moderno. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 39-40.
4
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7. Ed.
Coimbra: Almedina, 2008. p. 1370-1371.
KELSEN, Hans, CAMPAGNOLO, Umberto. Direito Internacional e
Estado Soberano. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
A Hierarquia Constitucional dos Tratados de Direitos
Humanos Incorporados ao Ordenamento
Jurídico Brasileiro
Ana Carolina Rezende Oliveira
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – Brasil.
[email protected]
O trabalho busca analisar a importância dos tratados internacionais de direitos humanos enquanto instrumentos de efetividade
na consolidação do sistema constitucional de proteção dos direitos e
garantias fundamentais, bem como dos próprios objetivos do Estado
Democrático de Direito. Apesar da persistência de controvérsias acerca da interpretação do art. 5º, §3º, da Constituição da República de
1988 com relação à posição hierárquica assumida por esses tratados
no plano das fontes normativas do ordenamento jurídico brasileiro,
conclui-se que a inclusão do referido parágrafo em nada alterou a
estatura constitucional dos tratados de direitos humanos.
O ordenamento jurídico brasileiro, através dos arts. 1º a 4º da
CR/88, dispõe que o Estado Democrático de Direito formado terá
como fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana; no
âmbito das relações internacionais, o art. 4º, II, reitera que a República
reger-se-á, da mesma forma, pela prevalência dos direitos humanos.
O reconhecimento expresso do primado da dignidade humana
como princípio norteador da República, internamente ou nas suas
relações internacionais, demonstra a abertura constitucional ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos1. Somam-se a
esse quadro os §§ 1º e 2º, do art. 5º, da CR/88, segundo os quais as
normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata e incluem os direitos decorrentes dos tratados
internacionais ratificados pelo Brasil. Desta forma, faz-se necessária
uma interpretação constitucional sistemática, visando à efetivação
238 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
dos direitos consubstanciados nesses tratados e, consequentemente,
dos próprios objetivos da República.
Os tratados internacionais de direitos humanos apresentam-se,
portanto, como importantes instrumentos para a consolidação do
sistema constitucional de proteção dos direitos e garantias fundamentais, permitindo a ampliação do rol de direitos protegidos e aperfeiçoando o Estado Democrático de Direito2. Trata-se de ferramenta
essencial para a construção dos Direitos Humanos na perspectiva do
constitucionalismo moderno, fundado em uma sociedade plural, no
qual a Constituição é um projeto em desenvolvimento contínuo, em
decorrência do próprio caráter histórico dos Direitos Humanos3.
A partir dessa análise, verifica-se que a introdução do § 3º do art. 5º
pela Emenda Constitucional 45/2004 não logrou sucesso em seu objetivo de sanar as divergências acerca da hierarquia dos tratados de direitos
humanos. A CR/88 já assegurava a estes tratados a natureza de norma
constitucional em virtude da disposição do § 2º do art. 5º, por se tratar de
cláusula de abertura da Constituição aos direitos e garantias decorrentes
dos tratados internacionais em que o Brasil é parte, os quais, conforme §
1º do mesmo artigo, também já gozavam de aplicabilidade imediata.
Por força do disposto no § 2º, esses tratados, independentemente
de seu quorum de aprovação, serão normas materialmente constitucionais, bastando, para se converterem em normas formalmente constitucionais, que percorram o procedimento de aprovação pelo quorum
qualificado explicitado pelo § 3º4. Em ambos os casos, porém, integrarão o “bloco de constitucionalidade”5, conforme interpretação condizente com os objetivos sistematicamente expressos pelo texto constitucional, que prima pelos direitos e garantias fundamentais, bem como
pelo respeito aos direitos humanos em suas relações internacionais.
Conclui-se, mesmo os tratados de direitos humanos ratificados
anteriormente à Emenda Constitucional 45/2004 apresentam hierarquia constitucional6. Se, antes da inclusão do § 3º pela referida
Emenda Constitucional, a interpretação dos §§ 1º e 2º do art. 5º
mais benéfica ao ser humano e à efetividade dos Direitos Humanos
era aquela segundo a qual os tratados de direitos humanos gozam de
Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 239
aplicabilidade imediata e estatura constitucional, não seria possível,
após sua inclusão, uma interpretação mais restritiva e discriminatória
da nova regra, exigindo-se que os tratados já ratificados passassem
por um novo processo de aprovação pelo Legislativo para serem alçados à condição de normas constitucionais.
Notas
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 9ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2008. p. 30.
2
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direito Internacional e Direito Interno: sua Interação na Proteção dos Direitos Humanos. Disponível em:
<http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/introd.htm>. Acesso em 3 out 2014.
3
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 9ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2008. p. 56.
4
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Controle Jurisdicional da Convencionalidade das Leis. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 50-51.
5
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. Belo Horizonte:
DelRey, 2010. p. 317.
6
O Min. Celso de Mello entende que estes tratados gozam de estatura materialmente constitucional: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 87585-8/TO, Relator Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em
03/12/2008, DJ 25-06-2009. Voto-vista do Min. Celso de Mello. Para Flávia
Piovesan, são normas material e formalmente constitucionais: PIOVESAN,
Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 9ª Ed., São
Paulo: Saraiva, 2008. p. 72-74.
1
As constituições democráticas em face de um
constitucionalismo global
Frederico Antonio Lima de Oliveira
Professor da Universidade da Amazônia – UNAMA. Promotor de Justiça
de 3ª Entrância do Ministério Público do Estado do Pará. Doutor em Direito
de Estado (sub-área - Direito Constitucional) pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Direito Público (sub-área - Direito
Administrativo) pela Universidade Federal do Pará (UFPa). Pós-graduado em
Direito Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP), em Direito Sanitário pela
Universidade de Brasília (UNB), em Direito Ambiental e Politicas Publicas pelo
Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA-UFPa) e em Direito Eleitoral pela
Universidade Federal do Pará (UFPa). Mestre em Direito Público pela Universidade
da Amazônia – UNAMA. (Brasileiro, e-mail: [email protected]).
Alberto Papaleo Paes
Professor da Universidade da Amazônia – UNAMA. Professor da Faculdade
de Belém – FABEL. Mestre em Direito Público pela Universidade da Amazônia –
UNAMA. (Brasileiro, e-mail: [email protected]).
A Constituição dos antigos podia ser concebida como uma ordem ideal, onde, prescritivamente, o texto constitucional pudesse ser
entendido como um ordenamento posto, capaz de preservar e defender o Estado dos desequilíbrios porventura existentes. Os fatores
reais de poder nasceram na obra de Ferdinand Lassalle quando lecionou acerca da essência das constituições. Para a contemporaneidade
a sistematização do Na antiguidade, as preocupações com estrutura
estatal eram bem visíveis, sobretudo, com relação à res publica e a
polis, com a construção de uma unidade política e uma cidadania
comum. Essa característica da história Constitucional antiga perde
espaço para um discurso constitucional medieval, onde, as preocupações constitucionais deixam de pertencer aos campos da política e da
moral e passam a pertencer ao mundo do Direito. Estava nascendo alí
um direito público fundamentalmente contratual, mas, com sentido
eminentemente plural. O período moderno trouxe-nos um choque
Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 241
entre o conceito de soberania e o sentido de Constituição, fazendo
com que o absolutismo político de um poder soberano e indivisível,
contrasta-se com a nova necessidade de sua limitação. Eis que se encontrava o mundo moderno a discutir a natureza do poder soberano
que, dado a sua própria natureza, escapa da dimensão constitucional
de controle e de contra peso pelos poderes. O debate candente acerca
dos novos modelos de representação política do Estado, a presença
de um novo povo soberano e a necessidade de se garantir a integridade do texto constitucional, impedindo a inserção de elementos de
caráter particular que ameaçavam as características gerais do texto
constitucional formaram um tripé de preocupações que haveria de
serem conformados pelo constitucionalismo, absorvendo a Constituição o poder soberano e estabelecendo limites e garantias para o seu
exercício, sem com isso comprometer a integridade do Texto Maior.
As revoluções que instrumentalizaram o final do século XIX deram
abertura ao século XX, iniciando um debate sobre as chamadas constituições democráticas onde se procurou uma forma constitucional
mais estável de se adequar no plano constitucional o encontro entre
democracia e constitucionalismo. Ao chegarmos a esse contexto de
análise, concebemos as idéias de Konrad Hesse acerca da força normativa das constituições, como o elo entre a Constituição Jurídica e a
Constituição Real. Dessa forma, já enfrentada uma evolução conceitual necessária, aportamos no ambiente especifico deste estudo, que,
na contemporaneidade, para os propósitos deste articulado, torna-se
importante se contemplar um conceito de constituição que tenha o
processo de globalização como um fator real de poder, uma vez que
interfere diretamente nas relações econômicas, políticas e sociológicas (culturais). Neste sentido o presente trabalho possui como provocação principal: realizar um diálogo acerca da globalização como um
fator real de poder para teoria constitucional. Para tanto será necessário o atendimento de algumas questões norteadoras, como por exemplo: a) fundamentação teórica dos termos “fatores reais de poder”
para a teoria de Lassalle e de “Força Normativa” em Konrad Hesse;
b) a ideia, ou compreensão de Globalização como um fenômeno que
242 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
acontece para a contemporaneidade; e c) o diálogo teórico jurisprudencial dentro da tradição recente do Brasil. Pragmaticamente, a fim
de testar a validade da premissa metodológica da presente pesquisa
utilizar-se-ão Jurisprudências do Supremo Tribunal Federal capazes
de absorver o processo de globalização para o constitucionalismo,
dessa forma, travando uma relação (intrínseca) com os §2º e 3º do
artigo 5º da Constituição brasileira.
Constitucionalismo global e as interações entre Direito
Internacional e Direito Interno: um olhar crítico sobre o
papel dos três poderes na Constituição de 1988
Fabrício Bertini Pasquot Polido
Professor Adjunto de Direito Internacional da Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Professor do Corpo Permanente
de Pós-Graduação em Direito da UFMG. Doutor em Direito Internacional pela
Universidade de São Paulo. [email protected].
Lucas Costa dos Anjos
Mestrando e graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). [email protected].
Apesar de reconhecido em diversos âmbitos da ordem jurídica
interna na atualidade, o debate sobre a relação entre Direito Internacional e Direito Interno, como importante tópico nas disciplinas do
Direito Constitucional e do Direito Internacional, carece de revisão.
Em tempos da chamada “governança global”, Estados, organizações
internacionais e indivíduos são crescentemente vinculados à observância das normas internacionais. Enquanto destinatários de direitos e de
obrigações na ordem internacional, esses sujeitos ocupam posição de
destaque no cumprimento, no respaldo, e na garantia do Direito Internacional no âmbito interno dos Estados. É no contexto interno que o
Estado exerce seus direitos, em resposta à soberania, à territorialidade e
aos poderes de legislar e de julgar, com vistas à materialização da justiça. Especialmente no que diz respeito à Constituição Federal de 1988,
é necessário revisar os papeis atribuídos aos três poderes da organização
do Estado brasileiro nas relações internacionais, de forma a aproximá-los da ideia de um constitucionalismo global. Ainda que o Brasil
privilegie, na atualidade, uma solução consentânea com a aceitação e
a observância das normas internacionais, em particular no domínio
do Direito Internacional dos Direitos Humanos, as divergências entre
monismo e dualismo ainda despertam incongruências.
244 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
A interação entre Direito Internacional e Direito Interno também é particularmente relevante no que diz respeito ao absenteísmo
dos Poderes Legislativo e Judiciário em relação a temas contemporâneos da agenda de política externa brasileira. Na sistemática dos atos
internacionais estabelecida pela Constituição de 1988, tem o Congresso Nacional atribuições meramente formais, de deliberação sobre
o texto de tratados e de convenções negociadas e celebradas segundo
a competência exclusiva do Presidente da República. A insuficiência
do processo dialógico entre Executivo e Legislativo termina por afetar a compreensão de como o processo legislativo interno poderia ser
aperfeiçoado pelas incursões em temas da Globalidade, como a proteção do meio-ambiente e dos direitos humanos, a regulamentação
dos direitos de propriedade intelectual, e a universalização das formas
de incentivo à ciência, tecnologia e inovação nos Estados. Fenômenos como a paradiplomacia ou a cooperação entre distintos níveis
federalistas (municípios, estados federados, províncias e regiões) no
plano internacional também intensificam as rupturas do modelo tradicionalmente adotado pela Constituição brasileira.
Após quase três décadas, o tratamento do tema pelo Judiciário
também parece anacrônico e distante dos paradigmas contemporâneos do pluralismo jurídico e da legitimidade discursiva das normas internacionais. A título de exemplificação, o Supremo Tribunal Federal
decidiu, no Recurso Extraordinário nº 80.0041, que, na hipótese de
conflito entre tratado e lei interna posterior, deve prevalecer a norma de Direito Interno, ainda que o Brasil possa ser responsabilizado
internacionalmente pela violação de obrigações internacionalmente
assumidas, em claro desacordo com a racionalidade que inspira a
Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 e princípios
fundantes da Carta da Nações Unidas. Em seu acórdão, o STF não
afirmou existir a possibilidade de revogação de um tratado pela lei
posterior, sobretudo porque ambas as modalidades de fontes (Direito
Interno e Direito Internacional) têm distintas formas de elaboração,
seus próprios meios de formação e de revogação. Não havendo na
Constituição dispositivo expresso sobre a prevalência ou a primazia
Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 245
dos tratados, os tribunais estariam obrigados a emprestar eficácia ao
Direito Interno, porque oriundo do Congresso Nacional, poder representativo da soberania nacional. As demandas da sociedade internacional, na atualidade, entre as premissas do constitucionalismo
global e de princípios de governança no Direito Internacional e nas
relações internacionais (democracia, transparência, responsabilidade,
proteção dos direitos humanos, participação da sociedade civil e das
redes de cooperação transnacionais) reclamam novas abordagens.
Nesse contexto, o estudo pretende, primeiramente, estabelecer
o quadro analítico dos poderes atribuídos pela Constituição Federal
de 1988 aos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, no que tange
às relações internacionais empreendidas pelo Brasil. Posteriormente,
questionam-se a efetividade da atuação desses poderes, bem como a
necessidade de revisão do atual modelo ou conformação de competências nos contextos nacional e internacional. Finalmente, o trabalho propõe a revitalização e um regime de convergência das competências de cada um dos poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário
- como elemento propulsor ou indutor de maior efetividade à inserção do Brasil nas relações internacionais, fomentando cooperação,
desenvolvimento e adequação ao regime internacional de Direitos
Humanos. Com isso, pretende-se verificar de que modo o tema da
interface entre direito internacional e direito interno se reencontra
com problemas do constitucionalismo global.
Palavras-chave: Direito internacional; pluralismo jurídico; constitucionalismo global; fontes do direito internacional; relações internacionais; direito interno; monismo e dualismo; direitos humanos;
meio ambiente; tecnologias; Constituição de 1988
Bibliografia preliminar:
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A interação entre o direito
internacional e o direito interno na proteção dos direitos humanos.
In: Arquivos do Ministério da Justiça, v.46, n.182, 1993, p.27-54.
246 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
FRAGA, Mirtô. O Conflito entre Tratado Internacional e Norma de Direito Interno. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
JÄNTERÄ-JAREBORG, Maarit. Foreign law in national courts: a comparative perspective. In: Recueil des Cours, vol. 304, 2003, pp. 181-385.
OLIVEIRA, Amâncio Jorge de; ONUKI, Janina. Política externa brasileira
e Legislativo: a atuação dos grupos de interesse. In: Papeis Legislativos, n. 8, dez. 2007. Disponível em < http://observatorio.iesp.uerj.br/
images/pdf/papeis/12_papeislegislativos_PL_n_8_dez_2007.pdf>,
acesso em 5 de outubro de 2014.
PELLET, Alain; DINH, Nguyen Quoc. Direito Internacional Público. 2ª
edição. Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
VALLADÃO, Haroldo. Primado do Direito Internacional sobre Direito
Interno. Rio de Janeiro: Leuzinger, 1940.
Notas
1
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário nº 80.004. Rel.
Min. Xavier de Albuquerque. Publicação em 1º de junho de 1997.
Os conflitos de nossa época e a exigência de uma
orientação ético-política universal
Lilian Márcia de Castro Ribeiro
Advogada e Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Minas
Gerais, Brasil. [email protected]
No momento atual da história mundial nos deparamos com o
fenômeno de magnitude sui generis que é a globalização. De acordo
com o filósofo alemão Karl-Otto Apel, estamos imersos em uma “paradoxalidade da situação-problema”, uma vez que a Ciência e seus
avanços, apregoados com uma suposta neutralidade científica, atingiram uma proporção tal em que seus efeitos não mais se limitam
espácio-temporalmente, ou seja, tomaram uma dimensão planetária,
exigindo assim, uma responsabilidade solidária por seus efeitos. Contudo, ao mesmo tempo em que surge a necessidade de uma macro-ética universal, deslumbra-se com a impossibilidade de tal fundamentação. Em outros termos, temos de um lado, a necessidade de uma
ética intersubjetivamente vinculatória, de responsabilidade solidária
da humanidade, diante das consequências de atividades e conflitos
humanos nunca foi tão urgente, mas por outro lado, parece que a
fundamentação racional de uma ética intersubjetivamente válida
para a superação de conflitos nunca foi tão difícil.
Assim, os conflitos de nossa época exigem uma orientação ético-política fundamental, tendo em vista que, em face das ameaças
que pairam atualmente sobre a “bio ou ecoesfera humana por causa
de problemas como a escassez de reservas energéticas e destruição do
ambiente” etc., exige-se algo semelhante a uma modificação do sistema em medida planetária. Diante do questionamento ético-político
sobre o que devemos fazer diante de tal cenário, surge a exigência de
uma ética de responsabilidade solidária para a superação de conflitos.
O pano de fundo de tal teoria é a virada linguístico-pragmática,
que substitui o conhecimento de uma estrutura monológica por uma
248 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
dimensão intersubjetiva do discurso argumentativo que possui quatro pressupostos transcendentais intransponíveis para se alcançar um
consenso: a) pretensão de validade (um sentido intersubjetivamente
válido); b) pretensão de verdade; c) pretensão de veracidade; e d)
pretensão de correção. Mas além dos pressupostos transcendentais,
há ainda os pressupostos reais que remetem à constatação de que não
se argumenta sozinho, já que nascemos em uma comunidade real de
comunicação que nos leva à necessidade de considerar o outro como
detentor de igual direito na argumentação.
A aproximação da comunidade real de comunicação à comunidade ideal é uma noção importante para o propósito de um constitucionalismo global e de uma comunidade de princípios internacional, uma vez que para Apel, as respostas a perguntas sobre assuntos
como o Direito, Política, verdade e Justiça em uma época de conflitos
multiculturais necessita de um conteúdo ético em uma perspectiva
universal, que ultrapasse os limites particulares de cada forma de vida
cultural para conciliar discursivamente interesses e necessidades.
Desse modo, apenas em uma comunidade universal de princípios compartilhados intersubjetivamente torna-se possível um constitucionalismo global, capaz de solucionar estrategicamente e a longo
prazo as diversificadas demandas possíveis. Isso por possibilitar discursos práticos que sejam eticamente responsáveis, implementando
o entendimento consensual a longo prazo. Portanto, uma decisão
globalmente política em que podemos supor uma autêntica consciência de responsabilidade e uma orientação sobre princípios éticos universais, deve se esforçar “com recursos políticos buscados no
sentido de uma estratégia de longo prazo” por atuar sobre a intermediação otimista nas condições da atual situação histórica. Assim,
um constitucionalismo global, consistiria numa estratégia de busca
da controlada transformação do nosso sistema-humanidade. E isso
significa uma política de reformas modificadoras do sistema que não
fira as regras do jogo da democracia, que segundo Apel, “podem valer
como realização institucional da comunidade ideal de comunicação”.
Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 249
Desse modo, é imprescindível a busca por um constitucionalismo
global apoiado numa ética universal que possibilite a garantia do ingresso
da sociedade global e multicultural a participar de forma intersubjetivamente válida na construção de uma discussão democrática e universal
de direitos, onde o político e o cidadão eticamente responsável, além de
uma orientação ético-política de base, deverão considerar uma série de
ulteriores informações sobre as condições colaterais do agir político nas
decisões sobre os problemas compartilhados universalmente.
O constitucionalismo de Direito internacional privado:
inspiração pluralista e tradução metodológica.
Kellen Trilha Schappo
Pesquisadora, FGV Direito Rio, Rio de Janeiro, Brasil; doutoranda, Sciences
Po Law School, Paris, França; mestre e bacharel em Direito pela Universidade Paris
1 Panthéon-Sorbonne, Paris, França. Endereço eletrônico: [email protected].
1.- O constitucionalismo intervém como resposta à fragmentação
do direito global em uma série de ordenamentos e regimes cuja ação
desconcertada conduz a dificuldades na regulação de atividades que
superam os limites locais. O risco, todavia, de adotar uma perspectiva constitucionalista em um contexto global é o de se atrelar a um
raciocínio monista, concentrado em identificar e propor, de cima para
baixo, princípios uniformes. Apesar da simplicidade de tal solução, ela
peca em dois pontos principais. Inicialmente, ela ignora o pluralismo
próprio ao direito global: se o interesse em adotar essa perspectiva é
justamente o de admitir a diversidade das fontes que participam na
globalização, essa abertura é limitada pela imposição a posteriori de
princípios uniformes. Em seguida, a aplicação desses não pode ser verificada em prática. Cada ordenamento jurídico decidindo em termos
de princípios universais na realidade transpõe a uma escala global a sua
própria concepção sobre qual deveria ser o conteúdo de tais princípios.
2.- Diante dessas dificuldades, autores como Günther Teubner1 e em
seguida, de maneira mais detalhada, Christian Joerges2 chegaram à
intuição de que o Direito internacional privado, ramo do Direito dedicado à interação entre diferentes ordenamentos jurídicos, poderia
fornecer pistas de análise importantes para o desafio da fragmentação.
Essa proposição, que começou a ser explorada pela literatura anglófona de Direito internacional privado3, ainda não dispõe, contudo,
de uma tradução técnica completa, que demonstre de que maneira
essa forma de constitucionalismo seria realizada em prática. Tal é o
objetivo deste trabalho, que tem o intuito de apresentar brevemente
Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 251
quais instrumentos da disciplina contribuem para a realização de um
quadro constitucional de Direito internacional privado.
3.- A disciplina é comumente associada a três principais questões:
a jurisdição competente para julgar um caso; a lei em aplicação da
qual o caso será julgado; o reconhecimento e a execução de uma
decisão estrangeira. Portanto, de maneira geral, o Direito internacional privado remete à abertura de um ordenamento jurídico ao
que vem do exterior. Tal abertura pode ser mínima – a lei estrangeira não será aplicada, acordos sobre a competência não serão reconhecidos –, ou apresentar um maior grau de tolerância. O que
faz com que o Direito internacional privado inspire uma forma de
constitucionalismo global não é o seu aparato técnico em si, ou as
digressões teóricas que circundam há anos a questão da lei aplicável, mas essa característica de diálogo, abertura e coordenação entre
ordenamentos jurídicos. Como as dificuldades ligadas ao direito
global podem ser assimiladas à existência de conflitos – não somente entre leis ou regulamentos contraditórios, mas entre regimes
funcionais (e respectivas racionalidades) em colisão – o raciocínio
próprio ao Direito internacional privado é promissor na medida em
que a interação entre regimes pode ser organizada de modo a evitar
conflitos e impor limites a fontes normativas autônomas.
4.- É proposta ao longo do estudo uma apresentação em duas dimensões do constitucionalismo de Direito internacional privado. A
primeira estabelece uma conexão entre o espaço reconhecido pela
disciplina à autonomia das partes e a possibilidade para que regimes
autônomos se constituam e produzam decisões eficazes. A segunda
dimensão responde, quanto a ela, à questão, essencial no constitucionalismo global, relativa aos limites a serem impostos a fontes normativas autônomas (organizações internacionais, agências de notação,
empresas e demais regimes funcionais desprovidos de uma estrutura
coordenando a legitimidade e a responsabilidade do órgão tomador
de decisões). O artigo se inspira em um dos principais mecanismos de
Direito internacional privado – a exceção de ordem pública interna-
252 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
cional – para propor um sistema de interlimitação em rede, pelo qual
o reconhecimento do que é exterior ao ordenamento é acompanhado
da possibilidade de impor limites aos seus excessos.
Notas
Andreas Fischer-Lescano e Gunther Teubner, “Regime-Collisions: The
Vain Research for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law”, Michigan Journal of International Law 25 (2004): 999-1046.
1
Christian Joerges, “The Idea of a Three-Dimensional Conflicts Law
as Constitutional Form”, in ed. Christian Joerges and Ernst-Ulrich Petersmann, Constitutionalism, multilevel trade governance and international economic law (Oxford and Portland: Hart Publishing, 2011).
3
Em especial Jacco Bomhoff, “The constitution of the conflict of laws”,
Law Society and Economy Working Paper Series, WP4/2014, London School of Economics and Political Science; Horatia Muir Watt,
“Private International Law Beyond the Schism”, Transnational Legal
Theory 2.3 (2011): 347-428; Robert Wai, “Conflict and comity in transnational governance : Private international law as mechanism and metaphor for transnational social regulation through plural legal regimes”, in
ed. Christian Joerges and Ernst-Ulrich Petersmann, Constitutionalism,
multilevel trade governance and international economic law (Oxford
and Portland: Hart Publishing, 2011).
2
Constitucionalismo global, cortes e o exercício de
autoridade pública internacional: redefinindo as bases de
legitimidade do direito internacional contemporâneo?
Fabia Fernandes Carvalho Veçoso
Doutora e mestre em direito internacional pela Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. Professora Adjunta no curso de Relações Internacionais
da Universidade Federal de São Paulo. Brasil. E-mail: [email protected].
João Henrique Ribeiro Roriz
Doutor em direito internacional pela Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo, mestre (LLM) em direito internacional pela London School
of Economics and Political Science. Professor Adjunto no curso de Relações
Internacionais e no mestrado interdisciplinar em Direitos Humanos da
Universidade Federal de Goiás. Brasil. E-mail: [email protected].
A atuação de cortes e tribunais internacionais tem se intensificado nas últimas décadas. Além da criação de novas instituições no período pós-Guerra Fria (Project on International Courts and Tribunals
- The international Judiciary in Context, quadro sinótico de cortes internacionais disponível em: <http://www.pict-pcti.org/publications/
synoptic_chart/synop_c4.pdf>), o número de decisões proferidas por
cortes e tribunais internacionais é crescente desde 1989 (ALTER, Karen J., The Evolving International Judiciary, working paper n. 11-002,
junho 2011, disponível em: <http://ssrn.com/abstract=1859507).
Esse contexto torna possível falar em um novo paradigma de litigância rotinizada e governança judicial, para além de uma compreensão
das cortes e tribunais internacionais como instituições focadas na resolução de disputas entre Estados em uma dada controvérsia de direito internacional (KINGSBURY, Benedict. International Courts:
uneven judicialisation in global order. In: CRAWFORD, James;
KOSKENNIEMI, Martti. The Cambridge Companion to International Law, Cambridge: Cambridge University, 2012, p. 210).
254 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Esta mudança de paradigma tem relação direta com os debates
recentes em torno da noção de constitucionalismo, bem como com o
seu (suposto) processo de democratização. Para Christine Schwöbel
(Global Constitutionalism in International Legal Perspective. Leiden:
Martinus Nijhoff Publishers, 2011, p. 130-132), o debate sobre constitucionalismo no plano internacional é predominantemente formado a partir de princípios da democracia liberal enquanto forma de
governo que, por sua vez, seria baseada nos preceitos teóricos do liberalismo político. É neste sentido que certos autores enquadram o debate do constitucionalismo como uma questão de “valores universais
compartilhados” (KLABBERS, Jan. Introduction to International Institutional Law. 2ª ed., Nova York: Cambridge University Press, 2009,
p. 314-315) e dentro de uma grande narrativa de progresso que pode
desconsiderar discussões sobre igualdade e sobre distribuição social
(GALINDO, George Rodrigo Bandeira. Constitutionalism Forever.
Finnish Yearbook of International Law, v. 21, s/n, p. 137-170, 2010,
p. 169-170). As meta-questões levantadas pelo constitucionalismo
dificultam aprofundar sua proposta em casos concretos sem enfrentar
teses como, por exemplo, o de “valores universais compartilhados”.
Contudo, mesmo nas vertentes teoréticas tradicionais do constitucionalismo – que seriam segundo uma proposta taxonômica de
Schwöbel (op. cit., 2011, p. 48-50), os constitucionalismos social,
institucional, normativo e analógico – outra interpretação tem ganhado significativo espaço. Trata-se do trabalho de teorização proposto por Armin Von Bogdandy e Ingo Venzke, no contexto do
projeto “Exercício de Autoridade Pública Internacional”, lançado
pelo Instituto Max Plack de Direito Internacional e Comparado, e
atualmente desenvolvido por uma rede de pesquisadores de diversas
instituições europeias (http://www.mpil.de/de/pub/forschung/forschung_im_detail/projekte/voelkerrecht/ipa.cfm).
Segundo Bogdandy e Venzke, uma teoria de direito público para
decisões judiciais internacionais seria necessária para compreender e
articular essa mudança de paradigma. Nesse sentido, cortes e tribunais internacionais não deveriam mais ser considerados meros instru-
Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 255
mentos para a solução de disputas interestatais, mas sim atores que
exercem autoridade pública no plano internacional (VON BOGDANDY, Armin; VENZKE, Ingo. In whose name? A public law theory of
international adjudication. Oxford: Oxford University, 2014.)
Preocupação central dos autores nessa elaboração teórica diz respeito à legitimidade de cortes e tribunais internacionais: em nome de
quem são proferidas decisões judiciais? Para Bogdandy e Venzke, essas
decisões são prolatadas em nome dos cidadãos que têm sua liberdade
influenciada pelas mesmas (mesmo que se trate de uma influência indireta). Assim, não são as partes em uma controvérsia internacional, nem
a comunidade internacional, tampouco o regime internacional a que se
filia a corte ou o tribunal, que devem legitimar decisões internacionais.
Essa contribuição possui como objetivo discutir a proposta de Bogdany e Venzke, colocando em questão a construção de um constitucionalismo global centrado no juiz internacional. Sem desconsiderar o impacto da atuação de cortes e tribunais internacionais nos últimos anos, o
artigo discutirá o pressuposto cosmopolita necessário para adoção dessa
proposta teórica - a ideia de cidadãos ligados à uma ordem internacional
sem a mediação do Estado ou de organizações internacionais.
A constitucionalização do direito internacional em face
do fenômeno da “excludência”
Fernando César Costa Xavier
Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB),
Mestre em Direitos Fundamentais e Relações Sociais pela Universidade Federal
do Pará (UFPA) e Bacharel em Direito pela mesma instituição. Professor Adjunto
do Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Roraima (ICJ/
UFRR). Brasil. Email: [email protected].
Este artigo parte da premissa de que o tema da constitucionalização do direito internacional merece estudo cada vez mais aprofundado, sobretudo porque, como afirma Jan Klabbers (2009), ele
comporia a “trindade” do debate jusinternacionalista contemporâneo
nestes primeiros anos do séc. XXI, ao lado dos temas da verticalização
e da fragmentação do direito internacional. Embora se possa dizer
que esse tema esteja ainda muito adstrito ao estudo da evolução do
direito comunitário europeu, não há razões para se desconsiderar a
relação direta que há entre um tal fenômeno [a constitucionalização]
e outros como a relação entre política e o direito, e a internacionalização dos direitos humanos – e, ipso facto, o consequente interesse que
advém dessa constatação para contextos não-europeus. Em agosto de
2013, Jürgen Habermas fez um “apelo” pela constitucionalização do
direito internacional, ocasião em que a definiu como a continuidade
do processo de juridificação (enquanto “domesticação” pelo direito)
do poder político. Segundo ele, após a Segunda Guerra, esse processo
teria extravasado o âmbito dos Estados nacionais e alcançado o domínio internacional, favorecido pela atuação de uma rede de organizações internacionais de integração política e de cooperação. O caminho para essa constitucionalização, contudo, passa a ser “pedregoso”
não apenas se se tomar em conta, como faz Habermas, a crise que se
instalou na União Europeia, mas também a assunção de novos dispositivos que hoje consubstanciariam respostas jurídicas utilizadas de
modo cada vez mais frequente nas relações internacionais contra Es-
Em busca de um constitucionalismo global e uma comunidade de princípios internacional • 257
tados com tendências, por assim dizer, desintegradoras. Um exemplo
desses novos dispositivos seria o que Scott Shapiro e Onna Hathaway
(2009) chamam de “excludência” (outcasting). Como seria possível a
conformação constitucional do direito internacional se, como aponta Habermas, “a governança global é apenas um termo eufemístico
para se referir ao caráter antidemocrático das relações internacionais
a que temos assistido hoje”, sendo esse caráter especialmente notado no arranjo institucional da Organização Mundial do Comércio
(OMC)? A socialização política exigida por esse grau avançado de
constitucionalização seria compatível com o contexto em que entidades internacionais frequentemente marginalizam certos Estados
tidos por não-colaborativos? Até que ponto a excludência pressupõe
a racionalização do poder político? Eis as dúvidas que mobilizam as
análises levadas a efeito no presente texto.
Palavras-chave: constitucionalização do direito internacional; governança global; excludência.
A eficácia dos direitos fundamentais sociais nas
relações privadas: um desdobramento do processo de
constitucionalização do Direito
Marcos Felipe Lopes de Almeida
Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].
O neoconstitucionalismo, entendido como um corolário da filosofia pós-positivista, pode ser caracterizado pela consolidação da
Constituição como ápice da hierarquia normativa, de forma a ser
vista como um documento jurídico e não mais meramente político
como outrora. Então, a Lei Magna é dotada de imperatividade, o que
leva à possibilidade de deflagração de certos mecanismos em casos de
inobservância do determinado normativamente. Além disso, a Constituição assume a postura de referencial axiológico, o que auxiliará na
interpretação do ordenamento jurídico. Nesse contexto, insere-se o
processo de constitucionalização do Direito.
A constitucionalização pode se dar por duas vias: a primeira,
pela presença de institutos infraconstitucionais no texto constitucional; já a segunda, caracteriza-se pela influência de normas tipicamente constitucionais no ordenamento infraconstitucional. No âmbito
deste trabalho, interessa o estudo da segunda hipótese.
A afirmação de direitos fundamentais é uma tarefa sabidamente
constitucional, tendo em vista a sua relevância para o sistema jurídico. Por parte da Constituição Federal de 1988, isso ficou ainda mais
claro, dado o extenso reconhecimento de direitos, os quais abrangem
diversos aspectos da vida humana. Tais direitos foram concebidos,
inicialmente, como oponíveis apenas perante o Estado, porém não se
pode negar a vinculação dos particulares.
É majoritário o entendimento de que os direitos de liberdade
são eficazes nas relações entre particulares, cita-se inclusive o ilustre
RE 201.819 do Supremo Tribunal Federal, no qual é confirmada essa
A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica • 259
posição jurisprudencialmente. Entretanto, no que tange aos direitos
fundamentais sociais, a vinculação ainda é um tema controverso.
Primeiramente, deve-se partir da premissa de que negar o caráter vinculante dos direitos sociais, cuja fundamentalidade é indubitável em razão
da sua íntima ligação com a dignidade humana, significa recusar efetividade à Constituição. À Lei Fundamental, dada a sua posição no ordenamento
jurídico, deve ser garantida a máxima efetividade, já que espelha os ideais
de uma determinada sociedade em certo contexto histórico.
No estudo dos direitos fundamentais sociais, entra em cena a
discussão sobre a garantia de um mínimo existencial, definido como
o conjunto de direitos fundamentais sociais mínimos que garante
uma existência digna. Portanto, o mínimo existencial é formado pelo
núcleo essencial de direitos fundamentais sociais mínimos, pois não
são todos os direitos fundamentais sociais que o compõem, o qual é
variável conforme o contexto social e econômico do país. Além disso,
constitui direito subjetivo definitivo, o que indica a sua justiciabilidade, isto é, é exigível o seu cumprimento imediato em caso de violação, tendo em vista a íntima ligação com a dignidade humana, já que
o mínimo existencial resguarda a sua proteção em seu grau elementar.
Além desse argumento, deve-se considerar o estágio atual da
sociedade, em que se proclama solidariedade. Tal como previsto no
art. 3º, I, CF/88, constitui objetivo da República construir uma sociedade solidária, ou seja, busca-se a responsabilidade social. Deste
modo, os particulares são igualmente responsáveis pela garantia de
condições materiais mínimas para os excluídos, pois estão sujeitos ao
ideal de justiça delineado pela Constituição.
Na jurisprudência brasileira, há decisões que asseguram direitos fundamentais sociais nas relações entre particulares. Como exemplo, cita-se o caso
em que o Judiciário atua para obrigar os planos de saúde a realizar tratamento
de doenças excluídas da cobertura em razão de reajuste contratual.
Portanto, o presente trabalho busca explicitar e confirmar a influência
que os direitos fundamentais sociais exercem sobre as relações privadas, evidenciando a sua relação com o processo de ganho de relevância da Constituição e irradiação das suas disposições por todo o ordenamento jurídico.
A força normativa dos princípios constitucionais e o
Direito do Trabalho
Isabela Murta de Ávila
Advogada, pós-graduada pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) em Direito do Trabalho Ítalo-Brasileiro, em parceria com a Università
degli Studi di Roma Tor Vergata, mestrado em andamento pela Universidade
Federal de Minas Gerais, Brasil. [email protected]
O Direito Constitucional somente pode ser entendido como
ciência jurídica, normativa se for reconhecida a força normativa da
Constituição que, se traduz na pretensão da sua eficácia.
É nesse contexto que se exige o afastamento da ideia positivista
de separação entre a realidade (Constituição real) e a norma (Constituição jurídica), ou seja, entre o ser e o dever ser. Paralelamente a isso,
para que se tenha força e, consequentemente vontade normativa, há
que se observar a correlação que estabelecida com a realidade. Assim,
a vontade de Constituição é a força vital que faz atuar na realidade, o
que se exige um compromisso para sua realização.
O presente estudo exige uma interpretação construtiva, cujo limite está no respeito à proposição jurídica estabelecida, conforme
será delineado pela evolução do pensamento sobre a teoria das normas constitucionais e o caráter político pela distinção que se fazia
entre o valor político das declarações (sem caráter normativo), e o
valor jurídico das garantias dos direitos.
Veja-se que os princípios fundamentais possuem conteúdo desenvolvido dentro da realidade de vontade normativa ainda que considerando as possibilidades de mudança e convívio de forças antagônicas,
restando afastada a ideia de princípios absolutos e previamente definidos.
Neste contexto é importante destacar a força normativa dos
princípios sob a ótica das teorias trazidas por Ronald Dworkin e Robert Alexy tendo em vista que, ambos afirmam que a norma é com-
A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica • 261
posta de regras e princípios fazendo esta análise com o viés lógico e
não com apenas graus de concretização.
A proposta inicial é de afastar a classificação tradicional entre
normas de eficácia plena, contida e limitada, com base nos elementos
de restrição de um princípio por outro princípio ou por uma regra.
Já os elementos de restrição se consubstanciam na existência de um
suporte fático, amplo, decorrente da falta de conteúdo previamente
especificado dos princípios tanto no âmbito de proteção delimitado
com a restrição da regra quanto, na restrição decorrente da sobreposição dos princípios na temática juslaboral.
É neste contexto, que diante da reconhecida lacuna no ordenamento
jurídico sobre a proteção contra dispensa arbitrária, prevista no artigo 7º da
Constituição Federal é importante frisar a aplicação dos princípios gerais
do direito, especialmente, do direito do trabalho e de direito comparado.
Verifica-se com a contextualização da lacuna trazida em matéria
trabalhista não há lugar para o conceito de uma norma programática
eis que, o Judiciário deve conferir efetividade aos preceitos constitucionais com base na ordem jurídica, mais especificamente, as regras
e normas trazidas pelas Convenções e Tratados firmados pelos países
signatários perante a Organização Internacional do Trabalho – OIT.
No entanto, a “vontade de Constituição” se exterioriza quando
há relação dos princípios com proteção de valores, fazendo agregar a
norma, os princípios, as regras e a argumentação jurídica, conferindo
aos princípios a mesma força normativa das regras, como proposta de
uma nova hermenêutica constitucional.
Por fim, para que se vislumbre a efetividade do Direito do Trabalho no cenário constitucional proposto não se pode olvidar das
implicações teóricas para a realização de direitos pautados na aproximação dos valores e inserção da moral e justiça no Direito para
realização dos direitos fundamentais.
O surgimento do Direito Ambiental na
CF/88 e sua importância
Tayanná Santos Bezerra
Cursando o 3º período de Direito na Faculdade Mineira de Direito - PUC
Minas, localizada em Betim/MG – Brasil. E-mail: [email protected]
O Brasil abriga a maior biodiversidade do planeta, ocupa
quase a metade da América do Sul e abarca várias zonas climáticas
e consequentemente essas diferenças climáticas levam a grandes variações ecológicas e a formação de zonas biogeográficas distintas ou
biomas, como, por exemplo, a Floresta Amazônica, considerada a
maior floresta tropical úmida do mundo. Ocorre que, com a descoberta do Brasil pelos portugueses em
1.500, iniciou-se o processo de exploração dos recursos naturais com
o objetivo do favorecimento econômico que esses recursos iriam proporcionar a nobreza. Com isso houve o processo de exploração territorial, utilização da mão-de-obra escrava dos povos indígenas e posteriormente dos povos africanos e apropriação das terras indígenas
através de contenção dos movimentos sociais por meio da violência.
Em 1.530 iniciou-se a colonização do Brasil que passou ao
longo dos anos por ciclos relacionados à exploração do pau-brasil,
produção de açúcar e comercialização de produtos – as riquezas naturais eram extraídas e exportadas para outros países.
Por consequência desses episódios houve grandes desmatamentos, tanto pelo crescimento demográfico - criação de cidades -, quanto pela prática da monocultura que comprometeu o solo e ocasionou
destruição dos ambientes naturais. Ressalta-se que nesse período não
havia consciência ambiental, visavam apenas à busca do favorecimento
econômico que esses recursos poderiam proporcionar para a nobreza.
Ao passar dos anos, com o desenvolvimento industrial, fez com que
o crescimento populacional se tornasse ainda maior com a vinda dos
imigrantes a procura de trabalho, gerou a modernização agrícola, surgiu
A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica • 263
à globalização que intensificou o capitalismo. Esses fatores econômicos
são importantes para o desenvolvimento da nação, porem fez e faz com
que os problemas ambientais alcançassem uma grande escala de poluição
do ar, da água, do solo, bem maiores do que eram antigamente.
É importante salientar que algumas civilizações antigas se extinguiram pelo fato de não se preocuparem com os recursos naturais, pois não tinham planejamento populacional e não pensavam
em conservação ambiental, as civilizações antigas acreditavam que os
recursos naturais eram inesgotáveis.
Como medida de preservação, surge à proteção ao meio ambiente
na forma legal através de normas esparsas, pela Conferência das Nações
Unidas para o meio ambiente em 1972 em Estocolmo, legislações infraconstitucionais, a lei 6.938, que dispõe sobre Política Nacional do
Meio Ambiente, estabelecendo definições objetivas para o meio ambiente, qualificando as ações dos agentes modificadores e propondo
providencias para assegurar a proteção ambiental e estabelece também
sobre o Sistema Nacional de Meio Ambiente, que por sua vez é constituído por órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos municípios e por instituições públicas, responsáveis pela proteção
e pela melhoria do meio ambiente, porém o maior responsável pela sua
elevação foi a Constituição Federal de 1988 que representa um marco
na legislação ambiental brasileira, a qual possui um capítulo completo
sobre esse assunto e foi a primeira a tratar deliberadamente sobre a
questão ambiental – também conhecida como constituição Verde.
Em se tratando da matéria fática, é importante salientar e analisar que o meio ambiente só foi tratado de fato em 1988 na CF/88
e que a dogmática é importante, mas é preciso que as leis se tornem
eficazes para que os valores levados em consideração na norma sejam
protegidos para as gerações futuras, assim como garante o art. 225
CF/88 “Todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”.
264 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
O Direito Ambiental possui um importante papel na sociedade
atual, pois, através das leis correspondentes, busca de forma persistente a melhoria dos recursos e da qualidade ambiental propiciando
o desenvolvimento da gestão ambiental em organizações públicas e
privadas. O Direito Ambiental como ramo do Direito que objetiva a
proteção do meio ambiente deve ter maior importância e visibilidade
não só por parte do Governo, mas também da sociedade em geral
para que os grandes problemas ambientais que devastam o planeta sejam amenizados para que todas as gerações, atuais e futuras, possam
usufruir de um meio ambiente saudável.
O instituto da separação na Constituição e no Código Civil
Laura Souza Lima e Brito
Aluna do Programa de Pós Graduação da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo – nível doutorado
[email protected]/[email protected]
O presente resumo aborda as conseqüências da modificação
operada pela EC nº 66/2010 sobre o instituto da separação. Para
tanto, analisa o problema do ponto de vista histórico, o debate doutrinário acerca dos efeitos da referida alteração, o Provimento nº 120
do CNJ e as decisões proferidas pelo TJMG.
A Constituição de 1891 secularizou o casamento no Brasil e, a
partir da Constituição de 1934, passou a constar no texto constitucional a seguinte prescrição: “A família, constituída pelo casamento
indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado”. O mesmo se
repetiu nas constituições de 1937, 1946, 1967 e na EC nº01/1969.
Foi com a EC nº 09/1977, que o casamento passou a poder ser dissolvido com o divórcio, desde que houvesse prévia separação judicial, o que foi mantido na Constituição de 1988. Em 2010, a EC
nº 66/2010 trouxe nova redação, reafirmando a dissolubilidade do
casamento pelo divórcio e deixando de mencionar requisitos: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.
Pode-se observar que havia sido dada à indissolubilidade do casamento, herdada da Igreja Católica, um status constitucional. Diante disso, mesmo quando o matrimônio deixou de ser indissolúvel, a
matéria continuou a ser tratada no texto constitucional, inclusive no
que tange aos procedimentos - prazos, requisitos. Na realidade, essa
transição do casamento religioso para o secular foi gradual.
Por sua vez, na legislação infraconstitucional, tanto no Código
Civil de 1916, modificado pela Lei nº 6.515/1977, quanto no Código Civil de 2002, existem os requisitos de prévia separação judicial
ou de fato para o divórcio. No artigo 1.580 do atual Código Civil,
consta que os cônjuges podem requerer divórcio após um ano do
266 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação
judicial, após um ano da decisão concessiva da medida cautelar de
separação de corpos ou no caso de comprovada separação de fato por
mais de dois anos. E não houve modificação nesse dispositivo.
Diante disso, a pergunta que surgiu foi: após a EC nº 66/2010, a
separação prévia ainda é requisito para o divórcio? E mais: ainda há a possibilidade de separação como forma de dissolução da sociedade conjugal?
A respeito das perguntas acima formuladas, a doutrina se dividiu, de maneira genérica, em três posições.
A primeira delas é a de que não houve qualquer modificação
na dissolução do casamento no Brasil. Após o desaparecimento dos
requisitos de separação prévia ao divórcio da Constituição, seria necessária uma modificação infraconstitucional, por meio de nova lei
ordinária, para a possibilidade de divórcio direto. João Baptista Villela defende tal posição: “A nova redação do parágrafo, como se vê,
mantém intacta a legislação civil, que fazia e que continua a fazer a
exigência agora dispensada no plano da Constituição” (2010).
A segunda solução de interpretação é a de que a repercussão da
modificação constitucional operada pela EC nº 66/2010 é imediata
na legislação infraconstitucional, fazendo desaparecer, como um todo,
o instituto da separação do ordenamento jurídico brasileiro. Defende
essa postura Maria Berenice Dias: “A verdade é uma só: a única forma
de dissolução do casamento é o divórcio, eis que o instituto da separação foi banido - e em boa hora - do sistema jurídico pátrio. Qualquer
outra conclusão transformaria a alteração em letra morta.” (2010).
A terceira posição é a de que a modificação constitucional teve
o condão de permitir o divórcio direto, sem requisitos de separação
prévia, sem, contudo, eliminar o instituto da separação do direito
brasileiro. Segundo essa linha doutrinária, a separação e o divórcio
são livre opção dos cônjuges, com os respectivos efeitos. Regina Beatriz Tavares da Silva, signatária dessa posição, ainda defende que
as modalidades de separação (ruptura, culposa e remédio) também
podem ser aplicadas ao divórcio: “... além da espécie dissolutória pela
mera impossibilidade da vida em comum, também é aplicável ao di-
A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica • 267
vórcio a outra espécie dissolutória que se baseia na culpa, desde que
haja grave descumprimento de dever conjugal.” (2011)
No Poder Judiciário não há posicionamento pacífico sobre o
tema, nem mesmo decisão dos Tribunais superiores. O CNJ, em
decisão no Pedido de Providência nº 0005060-32.2010.2.00.0000,
decidiu que, inobstante o requisito da separação prévia houvesse desaparecido, não seria possível determinar a supressão do instituto,
“superando até mesmo possível alteração da legislação ordinária, que
até o presente momento não foi definida”. A posição majoritária no
TJMG é a de que não há mais requisitos temporais para o pedido de
divórcio, mas que subsiste a separação como meio de dissolução da
sociedade conjugal no direito brasileiro.
Em suma, trata-se de debate sobre a constitucionalização do direito civil, em que a solução até então encontrada é sui generis, fornecida
pela prática judiciária, pois foi dada eficácia imediata à modificação
constitucional em termos de eliminação de requisitos para o divórcio,
com a interpretação da legislação civil intacta no sentido de manter
duas formas de dissolução do casamento - a separação e o divórcio.
Referências bibliográficas
Dias, Maria Berenice. EC 66/10: e agora?. 2010. Disponível em: http://
arpen-sp.jusbrasil.com.br/noticias/2287526/artigo-ec-66-10-e-agora-por-maria-berenice-dias. Acessado em 16/09/2014.
Tavares da Silva, Regina Beatriz. A emenda do divórcio e a culpa. 2011.
Disponível em: http://www.reginabeatriz.com.br/academico/artigos/
artigo.aspx?id=257. Acessado em 16/09/2014.
Villela, João Baptista. Emenda Constitucional nº 66 - Outras Impressões. 2010. Disponível em: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/entrevistas/emenda-constitucional-n%C2%BA-66---outras-impressoes/6075. Acessado em 16/09/2014.
Palavras-chave: Constituição Federal. Código Civil. Separação. Divórcio.
O direito constitucional do trabalho em um estado de exceção
econômico: um estudo da proteção dos direitos sociais
trabalhistas no contexto de uma sociedade da austeridade
Paulo Rogério Marques de Carvalho
Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC), doutorando
em ciências juridico-políticas da Universidade de Lisboa com intercâmbio
acadêmico na Facoltá di Giurisprudenza da Universitá di Roma (Sapienza),
membro da Coordenação e Núcleo Docente Estruturante do Curso de Direito
da Faculdade 7 de Setembro em Fortaleza-CE e vice presidente da Comissão de
Direito Constitucional da OAB-CE.
Em tempos de crise econômica, o Estado acaba por assumir uma
função legitimada de monopólio da austeridade. Surge então um estado de emergência social que clama por sacrifícios individuais em nome
do bem estar coletivo. A manifestação disso acaba por recair no mundo
do trabalho e a sua tríade relação entre Estado, a livre iniciativa e os
direitos fundamentais do trabalhador. A partir dessas premissas, essa
pesquisa parte da construção dogmática de um conceito pluridisciplinar de estado de necessidade econômica para sistematizar os primeiros
conceitos de um eventual “direito do trabalho da crise” e seus reflexos
no processo de constitucionalização desse campo dogmático. A pesquisa é fruto de uma investigação oriunda de produção de tese em doutoramento em ciências jurídico-políticas da Universidade de Lisboa,
onde se pode perceber, em razão da atual crise econômica vivenciada
pela Europa, uma efervescência de estudos sobre emergência e seus
reflexos nos mais diversos campos dogmáticos.
Os estudos sobre emergência constitucional oferecem uma multidimensionalidade de abordagens teóricas, numa proporção ainda
mais evidente aos estudos contemporâneos da ciência política em
geral, na medida em que tratam de investigações sobre a delimitação
do ordenamento jurídico em mecanismos de manutenção da ordem
em situações de extraordinariedade. Originalmente, a ideia de medidas de exceção estava vinculada a grandes catásfrofes e guerras e
A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica • 269
assim não era tratada sobre o ponto de vista econômico. A crise é um
elemento que acompanha toda a evolução da reflexão metodológica
justrabalhista, na medida em que o direito do trabalho carrega como
estigma a ideia de que a situação econômica impõe o risco de se por
em discussão a própria certeza desse direito. Esse campo dogmático
retomando sua potencialidade histórica originária de limitar a expansão liberal, mostra-se ainda mais necessário e atual enquanto mecanismo de um direito de emergência na busca de ultrapassar a austeridade de um estado de exceção econômico. Esse debate próprio de um
pretenso “direito do trabalho da exceção” busca teorizar as relações
não apenas do ordenamento jurídico trabalhista com o cenário de
uma crise econômica, mas do próprio valor social do trabalho numa
conjuntura de austeridade econômico-financeira de dimensões globais. O estudo contextualiza-se também com a crise do Estado Social
que a emergência econômica provoca, com a desigual distribuição da
austeridade, em razão de se verificar que a maior parte dos problemas
sociais tem incidência em sociedades desiguais. As crises econômicas
e financeiras impõem o desafio de sustentação do modelo de Estado
de bem estar Social numa conjuntura internacional que acabou por
enfraquecer e desestabilizar seu projeto, potencializando o fenômeno
do desemprego de longa duração.
A crise econômica enfrentada pela Europa atualmente ameaça
atingir outros países em desenvolvimento, contaminação própria dos
danos transfronteiriços do mercado unificado global. Como companheiras de viagem do direito do trabalho, as crises arriscam um processo de retrocesso social definitivo de conquistas historicamente reconhecidas pelo arcabouço protetivo do direito do trabalho contemporâneo,
na busca do equilíbrio certo de valorização do capital, sem desvalorização do trabalho como fonte de produção elástica. Assim, o direito do
trabalho da crise é a expressão simbólica de um campo dogmático que
carece de restabelecer suas bases de sustentação dogmática e principiológica para se afirmar-se enquanto campo dogmático.
O trabalho investiga ainda os tradicionais princípios da “ reserva
do possível” e do “não-retrocesso social” costumeiramente vinculados
270 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
a crises financeiras em relação a direitos prestacionais de materialização pelo Estado e suas particularidades em dimensões trabalhistas. A pesquisa ainda enfrenta a necessidade de confrontação entre
as ordens jurídicas que propiciam um diálogo típico de um “transconstitucionalismo laboral” na busca de construção de uma racionalidade transversal no âmbito das relações trabalhistas em sua esfera
internacional. O contexto da pesquisa reconhece que a historicidade
das crises econômicas, com reflexos globais, resulta numa crise permanente de sustentação do direito fundamental social do trabalho
como conquista histórica de libertação de um povo e como princípio
atávico à dignidade da pessoa humana.
Direitos Fundamentais, Democracia Constitucional
e Cláusulas Pétreas: uma análise da impossibilidade de
redução da maioridade penal.
Jéssica da Rocha Marques
UNASP - [email protected] - Estudante de graduação do segundo
ano do curso de Direito do Centro Universitário Adventista de São Paulo –
UNASP, participante de grupo de iniciação científica.
Richardson Hermes Barbosa Chagas
UNASP - [email protected] - Estudante de graduação do
terceiro ano do curso de Direito do Centro Universitário Adventista de São Paulo
– UNASP, participante de grupo de iniciação científica.
Orientador dos dois autores: Dilson Cavalcanti Batista Neto – UNASP
- [email protected] - Professor do curso de Direito Centro Universitário
Adventista de São Paulo – UNASP, doutorando pela PUC-SP, orientador de
grupo de iniciação científica.
Introdução
Hodiernamente, se ascende uma discussão cada vez mais volumosa, que visa a redução da menoridade penal, pois sempre que ocorre
um crime hediondo com maior repercussão nacional no qual há algum
menor envolvido, a sociedade retorna à mesma discussão: se a solução
para a criminalidade estaria ou não na redução da maioridade penal.
Porém tal discussão esbarra em uma questão de caráter constitucional.
Isso devido à CF ter assegurado em seu texto a inimputabilidade
penal aos menores de 18 anos, devendo essa modificação ser realizada somente por meio de Emenda à Constituição, havendo inclusive
vários projetos de emenda à Constituição em ambas as casas do congresso nacional, contudo, a discussão se acalora no momento em que
se considera a maioridade penal como garantia individual e dessa
maneira, a mesma passa a ser tutelada como clausula pétrea, sendo
essa a problemática da pesquisa.
272 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Desenvolvimento
Quanto à metodologia, a pesquisa é do tipo bibliográfico, baseada
na análise da literatura já publicada, principalmente na forma de livros, artigos científicos. Utilizando-se do método hipotético dedutivo,
no decorrer do trabalho serão desenvolvidas as temáticas partindo de
premissas maiores, tal como a importância dos direitos fundamentais
em uma democracia, das cláusulas pétreas, para então trabalhar a problemática da pesquisa que é a redução da maioridade penal, observado
sob o ponto de vista de uma garantia individual do menor.
Resultados e discussões
O fundamento do Estado democrático constitucional o que ele
chama de “supremacia do indivíduo”, que segundo ele é perceptível
através da presença de elemento como a limitação de poder dos Estado, e a “racionalização do poder”. (Dallari, 2013, p. 197).
A supremacia do indivíduo, é notada por meio da maior valorização dos direitos fundamentais, e das garantias individuais, sobretudo, dando a esses direitos caráter de limitação poder estatal, mas essa
não é a única forma de se limitar o poder do Estado, outra forma que
será abordada aqui nesse trabalho, são as cláusulas pétreas.
Canotilho aduz que os direitos fundamentais (no plano de um
Estado que tem como preceito o respeito ao princípio democrático)
são tidos como “elementos básicos”, pois, ao observar de concreta,
é possível notar que os direitos fundamentais têm uma função naturalmente democrática, por atuarem como controladores do poder
estatal. (CANOTILHO, 2011, p. 290).
Embora em um regime democrático seja preponderante a ideia
de que as decisões políticas, sejam de acordo com a vontade majoritária do povo, haverá ocasiões em que mesmo as intervenções
contramajoritárias, serão um gesto democrático, sobretudo, quando
visarem a proteger direitos individuais. (BRANDÃO, 2007, p. 10).
A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica • 273
Mesmo que sejam atos praticados contra autoridade que representem o povo, e que esses possuam legitimidade democrática, caracteriza-se a eficácia contramajoritária. Isto indica um dos pontos daquilo
que se denomina democracia constitucional, que é uma ideia de democracia que procura aliar a vontade da maioria com o respeito aos direitos de minorias, e as cláusulas pétreas tem essa função. (Ibidem, p. 34).
Importante observar que ao estabelecer a maioridade penal na
Constituição, o legislador constituinte garantiu a todos dentro dessa faixa etária alcançada, a proteção trazida pela doutrina da proteção integral.
No entanto, a doutrina da proteção integral tem como papel significativo, além dos demais avanços, o fato de que aqueles sujeitos que são
alcançados por ela, além “dos direitos inerentes a todos os seres humanos” também tem respeitado direitos específicos que levam em conta sua
condição de pessoa em desenvolvimento. (SILVA, 2012, p. 246).
Sendo, portanto, um direito fundamental essencial para que
esse sujeito tenha um desenvolvimento da melhor maneira possível.
E que ao ser analisado, deve ser percebido como se fosse, por sua vez,
um núcleo de direitos irredutíveis, protegido dos discursos criminológicos de redução da maioridade penal. (SILVA, 2012, p.246).
Considerações finais
Diante do analisado, foi possível concluir que em um Estado
que vive sob a égide de uma democracia constitucional, é de fundamental importância o reconhecimento e a manutenção dos direitos
fundamentais, por se tratarem de limitadores do poder do Estado,
que é talvez o maior dos princípios democráticos, pois se trata de
freios contra o absolutismo e autoritarismo.
Uma das formas adotadas pela Carta Magna para proteger esses direitos fundamentais, foi a mantença dos mesmos como cláusulas
pétreas. Conforme analisado, a doutrina da proteção integral é uma
forma de limitação do poder do Estado, e supremacia individual, e,
portanto, trata-se de uma garantia que reveste a esses indivíduos por ela
atingidos de proteção contra a atuação estatal, e reduzir a maioridade
274 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
penal, é retirar desses indivíduos essa proteção, e por ter esse caráter,
é possível dizer que se trata de uma garantia individual, e dessa forma
uma clausula pétrea, então devendo ser mantida ainda que grande parte da população seja contrária, por possuir eficácia contramajoritária.
Referências
BRANDÃO, Rodrigo. Direito fundamentais, Democracia e Cláusulas
Pétreas: uma proposta de justificação e de aplicação art. 60 § 4°,
IV da CF/88. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE),
Salvador, Instituto brasileiro de direito público, n° 10, Abril/Maio/
Junho, 2007. Disponível em: <www.direitodoestado.com.br/codrevista.asp?cod=191> acessado em: 29/09/2014.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição.
7a ed.(11a reimpressão). Editora Almedina – Coimbra – Portugal, 2011.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 32a
ed. Editora Saraiva, São Paulo, 2013.
SILVA, Marcelo Gomes. Menoridade penal: uma visão sistêmica. Rio de
Janeiro. Editora Lumens Juris, 2012.
Estado de Direito, Democracia e Processo:
a projeção dos valores democráticos no Direito
Processual e a importância da participação efetiva para
legitimação de decisões-modelo
Victor Barbosa Dutra
Mestrando em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Minas
Gerais. Graduado pela mesma instituição. Professor e Advogado. Brasil. Endereço
eletrônico: [email protected].
Saelli Miranda Lages
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Aluna
da pós graduação em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais. Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].
Durante muito tempo se enxergou o Direito Processual como uma
mera rotina de práticas forenses destinadas à obtenção de um resultado
final. Entretanto, na perspectiva constitucional e democrática contemporânea, o processo ostenta a qualidade de instrumento de promoção da
Democracia, da Justiça e de diversos valores constitucionalizados.
Existe uma tendência irreversível e salutar de pensar, reconstruir e ressignificar temas fundamentais do Direito Processual Civil
a partir da Constituição da República. Essa nova perspectiva desafia
a reflexão dos problemas do processo não apenas em relação ao seu
“ser”, mas também ao seu “dever-ser”. Essa abertura para o dever-ser
do processo contribui para sua maior legitimação, justeza e aperfeiçoamento, fortificando-o contra irrupções autoritárias.
À luz desse olhar metodológico, foi realizado um cotejo entre o
fenômeno da padronização decisória e a importância da efetiva participação das partes para viabilização de um contraditório efetivo. Para
este desiderato, intentou-se destacar a importância da representação
adequada como limite objetivo à utilização de argumentos de praticidade nos procedimentos de padronização decisória.
276 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Desde a segunda metade do século XX, o processo civil clássico
demonstra sinais de fragilidade para atender a determinados fenômenos sociais que decorrem das exigências de uma sociedade pós-moderna. A massificação das relações jurídicas o desafia em termos práticos
e teóricos, instando-o a reinventar o modo de prestação jurisdicional.
As alterações nos perfis de litigância resultaram na propositura
de uma avalanche de demandas similares, o que ensejou a criação de
diversos institutos jurídicos orientados por uma inequívoca tendência de padronização das decisões.
O projeto do Novo Código de Processo Civil reforça essa tendência de instituir mecanismos de padronização decisória, cujos objetivos são proporcionar segurança jurídica e igualdade, uniformizar
o entendimento dos Tribunais e, por conseguinte, promover celeridade através da fixação de teses sobre questões de direito repetitivas.
Os ganhos em termos pragmáticos são expressivos, mas geram questionamentos acerca dos limites que devem ser impostos aos argumentos
de praticidade, da preponderância desses argumentos sobre outros valores
igualmente importantes e sobre os riscos decorrentes dessa prevalência.
Nos casos de padronização decisória, detecta-se uma tensão entre
os princípios e regras do próprio ordenamento jurídico, bem como
uma tensão entre os elementos internos e externos ao sistema jurídico.
Dois mecanismos de limitação que visam evitar a exarcebação
do pragmatismo, propostos por Misabel de Abreu Machado Derzi,
são analisados: a restrição ao modo de pensar tipificante ao mínimo
necessário e o respeito aos direitos fundamentais.
O respeito aos direitos fundamentais no contexto do fenômeno
da padronização decisória implica na estreita ligação entre a participação dos sujeitos e a legitimação das decisões.
A participação dos sujeitos não deve ser apenas formal, mas efetiva. O
conceito contemporâneo de contraditório não se resume apenas ao binômio informação e possibilidade de reação, mas pressupõe que essa reação
tenha o real poder de influenciar o juiz na formação do seu convencimento.
No intuito de destacar a importância do contraditório entendido como garantia de participação efetiva, optou-se por fazer uma
A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica • 277
incursão no campo da filosofia política e extrair de lá conceitos que
podem ser relevantes para o Direito Processual.
A premissa metodológica escolhida, qual seja, interação entre
Constituição, Democracia e Processo, nos incentiva a redescobrir a
importância do instituto da representação, tendo sido escolhida para
tanto a obra Law and Disagreement, de Jeremy Waldron, na qual o
autor intenta desenvolver uma teoria do direito democrática.
Waldron defende a participação como o direito dos direitos e
indaga que tipo de direito é esse, como ele é legitimado e qual seria
a importância da sua relação com os demais direitos. Para o autor, o
direito de participação, muito mais que um elemento alegórico ou
formal, deve, em verdade, ser o elemento decisivo.
As ideias de Waldron, conquanto voltadas ao processo político e à representação dos cidadãos no Poder Legislativo, nos levam
a concluir sobre a imprescindibilidade da participação dos titulares
dos direitos na conformação da decisão final, seja política ou judicial.
A efetiva participação das partes não apenas reconhece ao titular do
direito a sua condição de pensador do seu próprio direito, mas abre espaço para o diálogo entre posições divergentes cada vez mais comuns numa
sociedade plural e pós-moderna. Além disso, possui o condão de conferir
maior legitimidade à solução ofertada por uma autoridade decisória.
O uso de argumentos de praticidade não pode afastar o Poder Judiciário de seu papel institucional de prover a justiça individual. Ante
à iminência da aprovação de um novo Código de Processo Civil que
prestigia sobremaneira os institutos de padronização decisória, urge
darmos enfoque democrático às novidades processuais e procedimentais, estabelecendo um arcabouço de limites para a construção, desenvolvimento e compreensão de decisões-modelo que as tornem compatíveis com o regime e os princípios consagrados na Constituição.
Análise da intervenção judicial no sistema socioeducativo
do estado do Rio Grande do Norte
Mariana Dias Ferreira
Graduanda em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Estagiária na 65ª Promotoria de Justiça da Comarca de Natal/RN. Brasil.
E-mail: [email protected].
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu art. 227, a
doutrina da proteção integral em perfeita integração com o princípio
fundamental da dignidade da pessoa humana, assegurando às crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, direitos fundamentais.
Cabe à família, à sociedade e ao Estado o dever legal de assegura-los.
As crianças e os adolescentes são reconhecidos como sujeitos de direitos e não mais meros objetos dependentes de seus responsáveis ou
da arbitrariedade de alguma autoridade, como acontecia no cenário
jurídico brasileiro até então. Cumpre frisar que a doutrina da proteção integral adotou o princípio da descentralização político-administrativa. O legislador constituinte, no art. 227, § 7º da Constituição
Federal, reservou a execução dos programas de política assistencial às
esferas estadual e municipal, bem como entidades beneficentes e de
assistência social. Quanto à gestão, houve a revisão e reordenamento
das relações entre esferas governamentais, pois limita as ações a cargo
direto da União, ao deliberar sobre normas gerais e coordenação de
programas assistenciais. Além do mais, restringe o papel dos Estados
e amplia de forma considerável as competências e responsabilidades
do Município. Inserido nesse contexto cabe ao Estado, por meio de
entidades de atendimento, estabelecer os recursos humanos e materiais necessários ao desenvolvimento dos programas e projetos sociopedagógicos das medidas socioeducativa, respeitando as garantias
instituídas pela doutrina da Proteção Integral. O Estatuto da Criança
e do Adolescente traz as medidas socioeducativas como providências
legais aptas à ressocialização do adolescente que pratica ato infracio-
A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica • 279
nal, o qual consiste em conduta descrita como crime ou contravenção
penal, conforme art. 103 da Lei nº 8.069/90. Na concepção da Lei nº
12.594, de 18 de janeiro de 2012 (Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo – SINASE), a medida socioeducativa deve alcançar
seu caráter sociopedagógico, que visa à reintegração do adolescente
infrator, bem como a desaprovação da conduta infracional. Cumpre
salientar que a atividade estatal deve reger toda a sua atuação pelas
normas constitucionais, bem como toda sua atividade deve objetivar
a realização das metas e propósitos estabelecidos pela Constituição,
fixando atividades e serviços prioritários. Com isso, a intervenção
estatal consiste na formulação e execução de políticas públicas, indispensáveis para a consecução dos direitos fundamentais. Dessa forma, o legislador deixou clara a obrigação do administrador em dar
preferência, com absoluta prioridade, a formulação e execução de
políticas sociais públicas que visem à proteção à infância e juventude.
Sob pena de ser responsabilizado, o Estado deve assegurar que políticas públicas destinadas a crianças e adolescentes tenham prevalência
sobre as demais ações, em razão da sua condição peculiar. Assim,
a intervenção estatal sociopedagógica deve estar de acordo com o
programa de atendimento e o efetivo respeito aos direitos e garantias infantojuvenis. Há vários meios previstos na legislação brasileira
que podem ser utilizados para exigir a atuação positiva estatal a fim
de efetivar direitos fundamentais. O objetivo do presente trabalho é
analisar a ação civil pública perpetrada pelo Ministério Público Estadual, por meio de suas promotorias da infância e juventude, contra
o Estado do Rio Grande do Norte e a Fundação Estadual da Criança
e do Adolescente (FUNDAC), a qual compete manter uma rede de
atendimento para aplicação das medidas socioeducativas em meio
fechado (semiliberdade e internação). A ação civil pública versa sobre
a falta de gestão e o descumprimento dos preceitos da Lei do Sinase,
requerendo a intervenção judicial da Fundac para seu reordenamento
institucional, pedido este deferido em sede liminar. Para a realização
do presente estudo, utilizou-se de material bibliográfico e eletrônico,
bem como de metodologia pautada na apreciação de legislação, de
280 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
doutrina e de jurisprudência. Constata-se a partir do presente estudo acadêmico que a intervenção judicial nesse caso é viável, uma vez
que visa garantir o respeito à dignidade humana dos adolescentes que
cumprem medidas socioeducativas, bem como da própria sociedade
que sofre com o aumento da violência, assegurando seus direitos fundamentais que devem estar a sua disposição para o seu pleno exercício.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais das Crianças e dos Adolescentes. Absoluta Prioridade. Sistema Socioeducativo. Políticas Públicas. Intervenção Judicial.
A justiciabilidade do direito fundamental social à educação
Natascha Alexandrino de Souza Gomes
Mestrandas em Direito e Inovação junto a Universidade Federal de Juiz de
Fora (Brasil). E-mail: [email protected]
Paola Durso Angelucci
Mestrandas em Direito e Inovação junto a Universidade Federal de Juiz de
Fora (Brasil). E-mail: [email protected]
Direitos fundamentais sociais implicam prestações estatais positivas, visando à concretização da isonomia substancial. O presente
trabalho busca investigar quando é adequado o Judiciário exigir do
Estado as devidas prestações referentes ao direito à educação. A hipótese aqui considerada é a de que, possuindo aplicabilidade imediata
(artigo 5º, §1º, CF), os direitos fundamentais sociais podem ser exigíveis, por exemplo, em caso de omissão legislativa, através de mandado de injunção e, em caso de omissão do poder Executivo, através
de Mandado de Segurança, ou Ação Civil Pública. Para a verificação
de tal hipótese, utilizamos como marco teórico a Teoria dos Direitos
Fundamentais de Robert Alexy que, ao contribuir para a definição do
núcleo essencial do direito à educação, contribui para a delimitação
dos casos em que se justifica a atuação judicial.
O artigo 205 da Constituição Federal assegura o direito à educação em linhas gerais e abstratamente, trazendo em seu bojo um
princípio, que deve ser realizado na maior medida possível. Relativamente ao núcleo essencial, cumpre ressaltar que, caso se considere
que apenas a educação infantil está contida nesse núcleo, enquanto
as demais fases dependem de políticas públicas, disposição orçamentária e exercício da cidadania, entende-se que seu conteúdo essencial
não estaria protegido adequadamente. Por isso, doravante, analisar-se-á o núcleo essencial do direito à educação.
Quanto às posições jurídicas individuais, a educação básica formada pelo ensino infantil, fundamental e médio – é tratada no
282 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
parágrafo primeiro do artigo 208 da Carta Maior, o qual dispõe ser o
acesso ao ensino obrigatório e gratuito um direito público subjetivo.
Outrossim, o parágrafo segundo do mesmo artigo, assevera: “O não
oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta
irregular, importa responsabilidade da autoridade competente”. Desta feita, infere-se, expressamente, que este artigo garante um direito
público subjetivo definitivo e, desta maneira, o legislador constitucional quis tornar exigível a sua total efetividade (BARUFFI, 2011).
Integra o núcleo essencial do direito à educação o que for substancialmente indispensável à garantia de sua eficácia mínima. De outro norte, para além desses limites, a exigibilidade judicial do direito à
educação, dependerá da discricionariedade das políticas públicas, por
exemplo, no caso dos programas suplementares de educação, tais como
os que preveem o fornecimento de alimentação e transporte aos alunos,
que, apesar de indissociáveis do referido direito subjetivo, não integram
seu núcleo essencial e podem ser ponderados no caso concreto.
Um argumento constantemente utilizado para rebater a atuação judicial, a construção teórica da “reserva do possível” originou-se
na Alemanha, aproximadamente nos anos de 1970. Conforme esta
noção, a efetividade dos direitos fundamentais sociais é limitada pela
reserva das capacidades financeiras do Estado.
Ocorre que há diversos casos concretos em que o titular do direito fundamental recorre ao Judiciário com o fito de ter sua pretensão
material satisfeita. Desta feita, o conflito fica a cargo de uma decisão
judicial, o que aponta a uma questão assaz delicada, inaugurando
a colisão de diversos princípios, como o princípio da separação de
poderes versus o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional.
Na ordem constitucional brasileira, o direito à educação é densamente normatizado pela Carta Magna, tamanha sua relevância,
havendo, por exemplo, previsão de percentual orçamentário para a
efetivação desse direito, bem como regras de competência, previsão
da criação de fundos à educação, entre outros. Portanto, sendo o direito à educação fundamental, este é intangível e deve ser assegurado,
a despeito de quaisquer argumentos orçamentários.
A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica • 283
Assim, as restrições relacionadas à reserva do possível não poderão
prevalecer quando confrontadas com o conteúdo essencial definido. Desta feita, estas pretensões serão exigíveis judicialmente, visando às providências cabíveis para garantir, no caso concreto, a prevalência do direito
fundamental social à educação e a dignidade da pessoa, inclusive o (re)
direcionamento de prioridades em matéria de alocação de recursos.
Em suma, da constitucionalização dos direitos fundamentais sociais decorre a irresistível necessidade de proteção dos seus respectivos
núcleos essenciais, possibilitando, inclusive, a justiciabilidade dos direitos subjetivos definitivos contidos nesses conteúdos.
A constitucionalização do Direito Penal:
do simbolismo formal à plenitude
Luiz Laboissiere Junior
Professor de Direito Penal da Universidade Federal do Amapá. Mestre em
Direito pela mesma instituição e doutorando em Direito pela Universidade Federal de
Minas Gerais (DINTER UFMG/UNIFAP). E-mail: [email protected]. País: Brasil.
Em tempos onde a resolução de impasses jurídicos perpassa,
obrigatoriamente, pela observância dos ditames constitucionais,
onde princípios, como o da força normativa da constituição, ganham
amplo destaque, a adequação de todas as subdivisões do Direito a
estes parâmetros apresenta-se como pressuposto indispensável. O
Direito Penal, com seu conjunto de regras (incriminadoras e não-incriminadoras) e princípios, por óbvio, não poderia se distanciar
desta perspectiva, uma vez que, por trazer consigo as consequências
mais deletérias aos transgressores da ordem jurídica, necessita que
seus pilares estejam edificados num lugar onde os direitos fundamentais sejam tomados como base, apesar da privação de alguns, como
a liberdade de locomoção. Nesse sentido, a Constituição se impõe
como fundamento e limite ao jus puniendi, pois, a partir de suas prescrições, embora não haja uma seleção, em seu texto, de todos os bens
jurídicos a serem criminalizados, nela se encontra a justificativa para
a criação de novas infrações penais, posto que, em seu conteúdo, visualizam-se os bens jurídicos fundamentais para a vida em sociedade.
Além disso, a Constituição fornece as diretrizes das sanções penais,
fixando suas espécies e vedações, bem como a impossibilidade da descriminalização de algumas condutas e a obrigatoriedade na penalização de outras. Nota-se, ainda, que a Constituição apresenta balizas
à política criminal, posto que influencia nos mecanismos elaborados
para conter a expansão da criminalidade. Diante deste cenário, afirma-se que as constituições modernas não se limitam a especificar,
unicamente, as restrições ao poder de punir do Estado, passando a se
A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica • 285
preocupar com a defesa ativa do indivíduo e da sociedade em geral, já
que do Estado se espera mais do que uma simples atitude defensiva:
se espera que dê vida aos valores contemplados pela Constituição,
protegendo-os de eventuais ataques. Todavia, a despeito de todo o
clamor pelo respeito e subserviência à Constituição, por várias vezes,
no campo das leis penais, há conflitos entre as disposições legais e o
texto constitucional e, mesmo com a patente conflituosidade, em
alguns casos, os vícios não são sanados e, quando o são, são realizados de forma tardia. O Decreto nª 5.144/04, conhecido como a
“Lei do abate”, autoriza, após tentativas infrutíferas de comunicação
com uma aeronave, a sua destruição, com a consequente morte de
seus tripulantes. Observa-se, claramente, neste caso, uma espécie de
pena de morte fora da hipótese prevista constitucionalmente. Ainda
assim, o referido decreto continua em pleno vigor. Dentro da legislação penal, é assente que a vida é o bem jurídico que merece
uma atenção diferenciada. Dessa forma, nada justifica que a pena
mais gravosa inserida no Código Penal seja um crime, essencialmente, contra o patrimônio (extorsão mediante sequestro com resultado
morte), cuja pena mínima é de 24 anos de reclusão. Aqui, o princípio
da proporcionalidade, embora não previsto expressamente na Constituição, mas sendo uma máxima que têm, nela, seus parâmetros, é
visivelmente ignorado. Se a inovação legislativa deve atender à redação constitucional, e se esta afirmação soa demasiado óbvia, a Lei
dos crimes hediondos prova que esta obviedade não é tão patente. A
redação original da citada lei afrontava flagrantemente os princípios
da individualização da pena, da isonomia, da proporcionalidade e da
dignidade da pessoa humana. Os dispositivos que não observavam
estes princípios foram declarados inconstitucionais somente após 16
e 22 anos à promulgação da lei. Destarte, mesmo partindo-se do
pressuposto que a criação de leis, não somente penais, não deva colidir com os valores constitucionais, é imprescindível que tais valores
se sobreponham aos interesses políticos, bem como aos argumentos
emergenciais e odiosos que, não raras vezes, substanciam a legislação
penal, e que a presunção de constitucionalidade seja reforçada, de
286 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
preferência, preventivamente. Se assim não for, que as impropriedades
legais sejam sanadas com a maior brevidade possível, seja por meio do
controle concentrado de constitucionalidade, pelo controle difuso, ou
pela espécie mais inovadora e recente: o controle difuso abstrativizado.
Superadas as más-formações no aspecto formal, o foco se voltará ao
efetivo combate à criminalidade, às injustiças e arbitrariedades. Assim,
o caminho para que Direito Penal seja, plenamente, constitucionalizado, se tornará cada vez mais factível.
Entre o direito e a internet: a soberania em rede
Ramon de Vasconcelos Negócio
Mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP, professor da FA7-CE e
bolsista de doutorado pelo DAAD.
Duas semanas após o discurso na ONU, em que condenava as
práticas de espionagem, a Presidenta Dilma Rousseff e Fadi Chehadé,
presidente do Internet Corporation for Assigned Names and Numbers
(ICANN) se reuniram para firmar que o encontro mundial sobre
governança da internet seria realizado no Brasil em 2014. Os dois
movimentos praticados pela Presidenta anunciavam um novo ponto
de observação da soberania: entre Estados e órgãos técnicos. O presente resumo visa entender como a soberania deve compreendida em
rede, isto é, a partir de seu meio.
A internet é uma “rede de redes”, funcionando a partir de camadas interligadas: do cabeamento até a integração de pessoas. A ideia de
rede é expressa em uma unidade de acoplamentos interdependentes,
não-hierárquicos e flexíveis compreendidos como “nós”, transformando a autoridade compartilhada por toda a rede por meio de contrato
e associação pelos atores por expectativas vinculantes, sem que haja
hierarquia entre os atores. Tais expectativas são produzidas por normas
jurídicas e por padrões técnicos (todos os tipos de códigos de software
e de designs da rede para a coordenação e cooperação de componentes
técnicos), que possui tanto uma função normativa na redução da incerteza entre atores dentro da rede como cognitiva, afim de que exista
adaptabilidade para novas formas comunicativas. Se não houvesse problemas na ingerência da internet, poderíamos afirmar que há a “neutralidade da rede”. Contudo, os efeitos hierarquizantes entre normas
jurídicas e padrões técnicos (e o contrário também) têm resultado em
problemas constitucionais sem uma única localidade.
São dois casos importantes que reforçam essa problemática. A
primeira delas é o The Onion Router. Originalmente nascido da U.S.
288 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Navy, a Marinha dos Estados Unidos, com o objetivo de proteger
a comunicação governamental, o TOR é também de uso civil. Caracteriza-se por ser uma rede virtual que se permite o anonimato da
atividade do usuário na rede através de um proxy (servidor intermediário) anônimo. Assim, os servidores (não anônimos) só tem acesso
o nó de saída (exit nodes) do TOR, pois os dados são criptografados
automaticamente dando-lhe um falso IP. Portanto, na busca de um
site (de pseudo-TLD .onion) da rede TOR, ter-se-á acesso à informação, mas não quem a buscou ou enviou na rede. Entretanto, possui
um lado sombrio: a “Darknet”. Em razão do anonimato permitido,
ganharam espaço alguns sites que facilitam ou produzem teor criminal relativo a pornografia infantil, tráfico de drogas, venda de armas
etc. A subversão anônima das habilidades técnicas na rede resulta em
um potencial destrutivo da confiança necessária na rede e ainda na
ineficácia das ordens jurídicas de países territorialmente envolvidos
nessas práticas criminosas. Observa-se, assim, o saber técnico desvirtuando o “direito” através de um excesso, a saber, a liberdade sem
limites garantida pelo anonimato quase pleno.
O outro caso problemática vai em outra direção, mas não menos
hierarquizante. Após o atentado de 11 de Setembro de 2001, os Estados Unidos aprovaram o USA PATRIOT Act (Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and
Obstruct Terrorism Act of 2001), que permitiu a investigação, quase
que irrestrita, dos suspeitos de terrorismo (Sec. 215 e 501). Além
disso, segundo o USA PATRIOT Act, qualquer empresa pode ser
solicitada a dar informações ao Estado americano, e o deve fazer de
maneira sigilosa, caso contrário incorreria no risco de ser acusada de
estar colaborando com o terrorismo. A “camada física” também vai
estar implicada nas questões de espionagem, pois o cabeamento submarino, que facilita a interceptação da comunicação de fibra ótica,
passa pelos EUA ou por países aliados. Mesmo que o cabeamento
ligue diretamente dois países diferentes dos EUA, ainda assim existe
a possibilidade de acesso às informações, já que o cabeamento pode
ser gerido por uma empresa norte-americana que estará vinculada ao
A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica • 289
USA PATRIOT Act. Nesse caso, observa-se um fenômeno inverso
ao que ocorre com o TOR: os mandamentos jurídicos de uma ordem
aniquilam a confiança na rede e em seus padrões técnicos.
Pode-se notar que o meio de comunicação tem implicado em
problemas constitucionais de modo que reloca a soberania para outra
dimensão. A soberania, aqui tratada, indica uma diferenciação entre
os sistemas do direito e da política. Ela deslocou-se da “encarnação”
do corpo do rei, para se fixar na constituição impressa, processo que
resultou na dispersão da autoridade em uma multiplicidade independente de interpretação de texto e infinita prática. Entretanto,
algo deve ser acrescentado a essa ideia: se as ordens jurídicas querem
manter algum significado de sua soberania, demandam, sob a lógica
da rede, em construir uma horizontalidade entre ordens jurídicas e
instituições técnicas. Mais: uma horizontalidade transconstitucional
entre padrões técnicos e normas jurídicas.
Elementos para uma nova compreensão
constitucional da jurisdição penal
Paulo Henrique Borges da Rocha
Mestrando em Direito Constitucional, na área de concentração
Constitucionalismo e Democracia pela Faculdade de Direito do Sul de Minas.
Lidiane Mauricio dos Reis
Mestra em Direito Constitucional, na área de concentração
Constitucionalismo e Democracia pela Faculdade de Direito do Sul de Minas.
Professora da Faculdade São Lourenço. Advogada.
Atrelado ao modelo tradicional da teoria jurídica, o discurso jurídico se forma a partir de uma cultura normativista, em que os mitos e
as falácias são normatizados e oficialmente consagrados no mundo jurídico, reproduzindo-se, ao longo do tempo, no plano do conhecimento.
No entanto, a modificação constante da sociedade, somada a crescente
complexidade dos conflitos na esfera penal, nos revela a necessidade de
questionar e refletir, sobre a expansão da intervenção estatal, bem como,
os modelos normativos vigentes, a partir de um olhar crítico defendido
por Antônio Carlos Wolkmer. A teoria crítica jurídica, sustentada pelo
citado autor, refere-se a uma formulação teórico-prática, de se buscar, pedagogicamente, outro referencial epistemológico que atenda às contradições estruturais da modernidade. A análise crítica evidencia a insatisfação
de doutrinadores acerca do pensamento jurídico contemporâneo, fortemente institucionalizada pelo modelo normativo legitimado em posturas dogmáticas e formas alienantes, que são aceitas como uma realidade a
ser mantida, independentemente de considerações outras que não sejam
puramente normativas. Visando modificar essa postura, a teoria crítica
do direito deriva de uma concepção que atribuiu ao sujeito do conhecimento um papel ativo e constitutivo quanto ao respectivo objeto. Com
o nascimento do Estado Constitucional de Direito, a teoria crítica prega
a necessidade de uma adequação ao novo paradigma de produção científica. Deve-se criar uma ruptura com o direito meramente regulador, para
A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica • 291
que se possa ingressar no modelo de direito provedor e transformador,
orientado por uma tutela constitucional do processo, tendo o processo
como instrumento a serviço da ordem constitucional. Nasce a necessidade de afastar a ideologia do simples acatamento às leis e às instituições
que por meio dela se consolidaram como algo bom e inquestionável.
Portanto, deve-se questionar o ser do direito como algo objetivamente
existente, levando em consideração valores a concretizar na vida individual e na social, pelo o que o direito comporta necessariamente uma
ideologia. Exige-se uma investigação da correta construção dos sentidos
das normas jurídicas a partir de casos concretos. A ausência de significados estritamente definidos no texto constitucional é uma garantia do
Estado Constitucional de Direito, que não é estático, pelo contrário, está
vinculado a uma constante dinâmica social. Nesta perspectiva, a norma
processual penal deve ser constitucionalmente interpretada, para que o
discurso autoritário que inspirou a elaboração do Código de Processo Penal vigente, como também as reformas inseridas, não negue a efetivação
das garantias penais e processuais, asseguradas constitucionalmente. A
aplicação das premissas garantistas é condição necessária para a atribuição da responsabilidade penal no Estado Constitucional de Direito e a
ausência das garantias fratura todo o procedimento penal, tornando a
decisão judicial construída, totalmente ilegítima. Portanto, os dispositivos do Código de Processo Penal devem ser objeto de uma releitura mais
acorde aos postulados democráticos e garantistas na nossa atual Constituição Federal, sem que os direitos fundamentais nela insculpidos sejam
interpretados de forma restritiva para se encaixar nos limites autoritários
do Código de Processo Penal. Procurando constituir-se em instrumento
de transformação dos postulados da dogmática, a teoria crítica do direito recusa o papel de legitimação que o senso comum teórico absorveu,
rompendo com o pensamento tradicional, a partir da superação de seus
próprios obstáculos epistemológicos, para a construção de uma ordem
jurídica e social progressivamente melhor.
Palavras-chave: Teoria Crítica; Estado Constitucional; Dogmática.
292 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Os mutirões de Habeas Corpus realizados pela DPE-BA como
via de promoção de acesso à justiça em Feira de Santana
Élida Priscila Araujo Santana
Graduanda do sexto semestre de Direito na Universidade de Feira de Santana
(UEFS)- Bahia, Brasil. Com endereço eletrônico: [email protected].
Este artigo discorre sobre as principais peculiaridades do instituto
do Habeas Corpus desde a sua origem até sua atual aplicação no direito
pátrio e sobre como este tem sido utilizado como fundamento para
mutirões desenvolvidos pela Defensoria Pública do Estado da Bahia na
promoção do a cesso à justiça a custodiados que se acham ilegalmente
violados em seu direito a liberdade de locomoção em Feira de Santana-BA. Aborda também a metodologia e os resultados decorrentes do
segundo mutirão realizados nos dias oito e nove de agosto de dois mil
e treze. E os maiores reflexos e contribuições do evento para a conjuntura prisional de Feira de Santana e para o acesso à justiça.
O entendimento moderno da finalidade da prisão, como muito
se discute e já se apaziguou, é instrumento de exceção e não pode e
não deve ser admitida em moldes que desrespeitem esse limite. Hoje
todo tipo de legislação sobre o tema já garante o que vinha sendo
o entendimento na perspectiva dos direitos humanos e dos princípios de dignidade humana, bem como dos princípios processuais do
devido processo legal. O papel fundamental da Defensoria Pública
do Estado tenta cumprir com os mutirões é fazer valer o que é já é
determinado na Constituição Federal e a legislação infraconstitucional a saber que só sejam presos e mantidos em cárcere aqueles que
de nenhuma maneira possível estejam aptos a conviver plenamente
em sociedade, não como uma maneira de incentivar a criminalidade,
mas que seja utilizada a prisão como realmente última via.
Os dois mutirões de Habeas Corpus que ocorreram em Feira de Santana se analisados a partir de frios números estatísticos e da realidade assustadora da situação de custodiados em todo país, talvez ainda pareçam
A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica • 293
ser pequenos passos sem expressão. Entretanto, a nível local bem como
na perspectiva dos presos que foram libertos e dos que ainda serão devido
a essas práticas, esses mutirões restauraram-lhes a dignidade e o direito de
imensurável importância como é a liberdade de ir e vir.
A ação do segundo mutirão de Habeas Corpus aconteceu no
Complexo Penal de Feira de Santana e realizou vários atendimentos e
também foram feitas várias petições que foram encaminhadas para o
Tribunal de Justiça do Estado. Entre os presos provisórios para os quais
foram feitas as petições de Habeas Corpus, o tempo excessivo da prisão
provisória era a situação mais comum. Embora esse remédio constitucional que foi utilizado seja tratado no espaço reservado aos recursos
no Código de Processo Penal, a principal natureza jurídica do instituto
é de ação constitucional. Trata-se da invocação de tutela jurisdicional
estatal no sentido de promover direito expresso na Lei Maior nacional
contra aplicação erronia da lei, prisão ilegal, atos administrativos praticados por quaisquer agentes, além de outros casos onde seja atingido
injustificadamente o direito de ir, vir e permanecer do indivíduo.
Esses mutirões cumpriram sem dúvida esse papel importante. As
ações promovidas pela Defensoria Pública têm que se tornar um exemplo a
ser seguido em muitas comarcas espalhadas pelo país, que certamente lidam
com situações semelhantes às encontradas em Feira de Santana- Bahia.
A constitucionalização da execução penal: perspectivas de
estudo e operacionalidade da disciplina jurídica a partir de
uma interpretação constitucionalizada.
Adriano Resende de Vasconcelos
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Advogado. Brasileiro(Brasil). Endereço eletrônico: [email protected].
Este trabalho acadêmico objetiva estudar a relação existente entre
a execução penal a partir da perspectiva dos princípios e normas constitucionais, positivados no ordenamento jurídico brasileiro, em especial
tendo como parâmetro a Constituição Federal de 1988. Procurou-se
submeter à critica normas presentes na LEP-Lei de Execução Penal,
servindo-se do aparato de uma exegese que considera os princípios de
interpretação constitucional, estudados pela doutrina nacional.
Para que este desiderato seja alcançado, o autor irá partir de uma
metodologia que visa a principio estabelecer a finalidade de estudo da
Execução Penal, disciplina jurídica ainda em fase de implantação e
desenvolvimento, em face da Constituição Federal. Somente a partir
do estabelecimento do objetivo do estudo seria possível delinearmos
os meios através dos quais este será alcançado. Nesta perspectiva, o
autor procurará empregar as fontes de pesquisa jurídica de maneira
integrada e concatenada, observando os contornos do objeto de estudo. Serão utilizados as leis constitucionais e infraconstitucionais
em vigor, a jurisprudência dos tribunais, e em especial os estudos
pré-existentes sobre a questão na doutrina nacional.
O artigo observará uma disciplina lógica de estruturação de seus
capítulos, desde a introdução do tema, a relação da execução penal
com os direitos fundamentais, passando pela análise dos princípios
jurídico-constitucionais principais que norteiam o estudo da disciplina, e também considerando a inter-relação da execução das penas
com outras questões constitucionais de suma importância (como os
órgãos jurídicos que exercem papeis relevantes no programa de cum-
A Constitucionalização dos diversos ramos do direito e da dogmática jurídica • 295
primento de penas e medidas de segurança, a conexão entre a execução penal e matérias de interesse constitucional, a saber, o papel da
família na reintegração social do apenado, por exemplo.)
Além disso, o artigo cientifico confere importância também aos
princípios de interpretação constitucional, que infelizmente ainda
não são considerados de maneira exaustiva pelos profissionais que
lidam com a execução das penas. Princípios como o da unidade
constitucional, supremacia constitucional e interpretação conforme
a constituição, contribuem para servir como verdadeiros cânones lógicos para que possamos assim desenvolver um raciocínio jurídico
que supere a mera concepção persuasiva no tocante à disposição dos
enunciados, mas que também almeje através de um trabalho sério
contribuir para um olhar mais acurado e científico do Direito.
Serão abordados os principais princípios jurídicos que regem a
disciplina, tais como o principio do contraditório, da ampla defesa,
da individualização das penas, além do principio da legalidade. Vale
considerar o fato de que a compreensão do significado dos princípios
nesse ramo do direito em construção permite não apenas avaliarmos
com maior acuidade se as normas infraconstitucionais foram elaboradas observando a melhor técnica de legística1, mas também em
que medida podemos contribuir para alcançar o melhor sentido dos
enunciados normativos e que esteja melhor de acordo com direitos
fundamentais que um Estado Democrático de Direito almeja tutelar
e aprimorar através da participação dos destinatários da norma.
Acredita-se que o trabalho acadêmico deve partir de certas
premissas postas como fundamentais para que o artigo obtenha o
reconhecimento digno de um congresso da envergadura em que o
texto será apresentado. O autor irá se pautar na observância de uma
pesquisa jurídica multidisciplinar, que abarcará uma pluralidade de
áreas do conhecimento jungidas entre si pelo Direito Constitucional,
posto como o tronco do direito positivo que fornece a seiva para as
outras áreas do conhecimento jurídico2. Além disso, pretende-se elaborar um artigo que seja de fácil compreensão, com uma linguagem
296 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
clara e concisa, mas com a preocupação de sempre observar a técnica
jurídica e o alcance dos vocábulos.
Com base no exposto, espera-se que este trabalho contribua para
pesquisas posteriores acerca da relação entre Direito Constitucional e
Execução Penal, renovando o alcance das concepções acerca do tema
e com isto atendendo a finalidade do congresso de possibilitar que os
operadores e acadêmicos do direito, além de profissionais de outras
áreas do conhecimento, tomem conhecimento das perspectivas que
o direito constitucional promete agregar no aperfeiçoamento do sistema de aplicação das penas e medidas de segurança.
Notas
A LEP (Lei de Execução Penal) entrou em vigor em 11 de Julho de 1984, ou
seja em outro contexto político e social. Dessa feita, urge imprescindível verificarmos a compatibilidade da novel legislação com a Constituição de 1988.
2
ROMANO, Santi. Principios de Direito Constitucional Geral. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1977, trad. De Maria Helena Diniz. p.3.
1
Soberania e Indecisão; notas sobre a crítica de Schmitt à
Constituição de Weimar
Ingrid Oliveira de Almeida
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – Brasil
– e-mail: [email protected].
Este artigo pretende abordar a crítica conservadora de Carl Schmitt
à Constituição de Weimar de 1919, especialmente quanto às contradições
que o autor identifica entre o seu obsoletismo liberal-formal e a sua declaração de direitos; além dos seus “compromissos dilatórios”, que culminam
com a indecisão da soberania. Na visão de Schmitt, a normalidade e a lei
são meras formalidades; o fundamento da validade reside na exceção.
A maior preocupação do autor é a soberania que, na sua construção, está intimamente relacionada à decisão. Ele entende que “Soberano é quem decide na exceção” (“Souverän ist, wer über den Ausnahmezustand entscheidet”1). Portanto, a seu ver, a soberania compreende
a afirmação e a negação da ordem, ao mesmo tempo.2 Desse modo, em
Schmitt, considera-se a exceção como ponto de partida; admite-se que
o estado de exceção existe em contraposição ao reducionismo do positivismo normativo, que percebe a validade da decisão somente na legalidade, mas que não a vincula à decisão fundamental, como ele mesmo
o faz. “A lei e a política não podem ser ordenadamente separadas, afinal
os conceitos de lei do Estado são baseados em princípios políticos, e a
teoria política é sempre uma teoria do conflito”3. A política, pois, só é
possível se houver uma relação de amigo-inimigo entre os envolvidos.
Destarte, este texto busca demonstrar a decadência do Rechtsstaat
burguês, na visão de Schmitt, em decorrência da sua incapacidade de
integrar a classe trabalhadora, consciente da luta de classes e das ideias
marxistas, na unidade política do Estado. O autor apropriou-se do discurso institucionalista para manter o status quo e coibir a instituição
parlamentar, pois, no seu entendimento, essa unidade política sequer
tem lugar no regime parlamentarista, posto que ele possibilitaria a asso-
298 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
ciação de grupos com interesses comuns a fim de digladiarem por seus
próprios zelos. O pluralismo dessas estruturas organizadas de poder
(inclusive dos partidos políticos) transformaria o Estado em mero instrumento de exploração, ao usurpar seu monopólio do poder político.
A segunda parte da Constituição alemã de 1919, aos olhos de
Schmitt, subsidiava a deflagração do caráter indeciso e impotente
do Parlamento (Reichstag), na medida em que abdicava da política
em razão da tentativa de conciliar as mais diversas convicções ideológicas, partindo-se da irresolução entre o individual e o social. A
interminável discussão contribuía para os “compromissos dilatórios”,
desprovidos de decisão, que abalavam a realização da soberania na
República. Essa renúncia política, ademais, surge do pressuposto admitido pelo autor de que a política só pode ser realizada por meio do
embate, não pela circunspecção.
Se, por um lado, do ponto de vista jurídico-político, Schmitt
se mostra um inovador ao problematizar a representação política e
a ineficácia parlamentar; por outro, ao tratar da esfera econômico-social, ele é bastante conservador, já que suas propostas eram, em
grande medida, comprometidas com o objetivo de impossibilitar a
democratização do poder e a alteração das estruturas de Poder. Por
considerar a unidade política essencial para a manutenção da soberania, o autor idealiza um fenômeno democrático, no seu entendimento, mais original, mas que só se compatibilizaria com uma ditadura.
Notas
SCHMITT, Carl. Politische Theologie. Berlin: Duncker & Humblot, 2004. p.13.
BERCOVICI, Gilberto. Constituição e Estado de Exceção Permanente. Rio de
Janeiro: Azougue Editorial, 2004. p. 65-66.
3
JACOBSON, Arthur J. SCHLINK, Bernhard. Weimar: A Jurisprudence of Crises. Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 2002. p. 283.
(Tradução do autor).
1
2
A pretensão do plebiscito para uma Constituinte exclusiva
e soberana sobre reforma política
Bruno César Braga Araripe
Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza. Brasil.
[email protected].
Ganhou-se repercussão nacional a ideia de um plebiscito popular
por uma constituinte exclusiva e soberana com o objetivo de realizar
reformas profundas e radicais no sistema político. Seria plebiscito, pois
condiciona à previa aprovação da população, com uma ritualística à
margem do que discrimina a constituição; constituinte, já que teria o
condão de alterar a Constituição; exclusiva, posto que formada por setores externos a instituições públicas; e soberana, com a possibilidade de
impor mudanças sem que, para tanto, haja impeditivos de ordem constitucional. Seus atores, externos ao ambiente parlamentar, e vinculados,
majoritariamente, aos movimentos de esquerda, e contando ainda com
o apoio de instituições com reconhecida legitimidade social, a exemplo
da Ordem dos Advogados do Brasil e da Igreja, discursam que é preciso
realizar mudanças com a garantia de que os atuais políticos não influam e
instituam regras para se beneficiar. Como se vê, a moral ronda a política,
demonizando-a. De plano, o discurso propagado incute a ideia na qual a
política e os políticos não estão sendo úteis à sociedade a ponto de, inclusive, serem excluídos da participação na propugnada constituinte. Com
isso se esquece, ou omite-se propositadamente, a história política e constitucional do País, construída após intensos debates e consensos. Com
o sentimento de crise de representatividade, leva-se a crer que o atual
modelo político não funciona. Porém, analisar a história constitucional
brasileira é descobrir a transformação alcançada a partir da Assembleia
Nacional Constituinte de 1987, a originar a primeira Constituição efetivamente democrática. Pesquisar sobre seu funcionamento é constatar
a atenção dos atores políticos daquela época para a elaboração do texto
constitucional com feições progressista e dirigente, alcançado após inú-
300 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
meros debates, votações e discursos entre as agremiações envolvidas. Os
resultados, que precisam ser alcançados em longo prazo, fruto do amadurecimento da sociedade e das instituições, demonstram a prescindibilidade de uma constituinte, principalmente uma que não se sabe como se
iniciará e quais seus limites, haja vista que constituinte, em si, pressupõe
a reformulação total da ordem constitucional. De um exame sobre o funcionamento do sistema político, de forma imparcial, é possível apreender
que o regime adotado limita a atuação do parlamentar, mas nem por
isso, causa a sua inoperância. Em um primeiro momento, é válido reconhecer que a experiência democrática brasileira se consolidou. Num
segundo instante, com o sistema político atual se conseguiu garantir a
governabilidade em momentos de crises institucionais, como processo
de impeachment presidencial e em escândalos de corrupção, demonstrando, assim, sua utilidade. Num terceiro momento, estudar o atual sistema
político, e com isso a atividade parlamentar, é identificar a produção de
normas de caráter nacional, em detrimento as de cunho individualista,
e a atuação majoritariamente voltada aos interesses de uma sociedade
complexa e difusa, como a brasileira. Por fim, entender a política pressupõe a desvinculação de paixões, visto que sua compreensão deve se dar
no plano do concreto, ou seja, de como ela é, e não como ela deveria ser.
Portanto, é de se concluir que a intenção levada a cabo por organizações
majoritariamente de esquerda, embora induza ao debate sobre a política,
carrega uma perspectiva idealista, e por outro, põem em risco os avanços
do atual texto constitucional. Ilustra-se que a exemplo do que ocorre no
conto do Machado de Assis, a “sereníssima república”, no qual a república das aranhas era constantemente ameaçada pelas formas de fraudar o
processo eleitoral, embora sempre aperfeiçoadas os mecanismos de segurança do pleito, percebe-se, ao final, que mudar as regras do jogo por si só
não é a solução do problema, mas, sim, o amadurecimento e a sabedoria
da experiência democrática oferece. Isso porque a democracia não deve
ser entendida como um modelo pronto e acabado; mas sim, como um
processo de construção de consensos que conduz à emancipação humana. Por estas razões, este artigo defende a desnecessidade da Constituinte
exclusive e soberana nos termos aqui tratados.
Atuação político-democrática e práxis constitucional:
o poder constituinte sob a ótica de Antonio Negri e de
Friedrich Müller
Vitor Sousa Bizerril
Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Mestrando
do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Cerará
(PPGD/UFC). Brasil. E-mail: [email protected].
Antonio Negri e Friedrich Müller nos apresentam perspectivas originais sobre poder constituinte, dilatando, quiçá rompendo com a tradicional categorização de poder constituinte originário e derivado. Consoante Negri, qualificar constitucional e juridicamente o poder constituinte
não é, simplesmente, produzir normas constitucionais e estruturar poderes constituídos, mas sobretudo dispor o poder constituinte enquanto
sujeito, orientar a política democrática, razão porque Negri reputa poder
constituinte, política e democracia como umbilicalmente ligados.1
Segundo Negri, a política, contudo, não restaria adstrita aos formalismos e limites do poder constituído, que se apresenta como mediação centralizada, no sentido de um espaço tornado político porquanto
completamente absorvido pelo processo de representação, o que acarretaria na diluição do poder constituinte pelo mecanismo representativo, não podendo mais se manifestar senão no “espaço político”.
Na concepção de poder constituinte de Antonio Negri, destaca-se sua qualidade expansiva e emancipadora, tornando-o a força
motriz do debate político-democrático, que, neste distinto enfoque,
desprende-se dos limites do poder constituído, do “espaço político”
institucionalizado e do próprio constitucionalismo, convertendo-se
em um ato fundamental de inovação. Conforme Negri, o aparato
que nega o poder constituinte e a democracia é o constitucionalismo,
que, ao tentar definir o poder constituinte, “sufoca-o na sociologia ou
agarra-o pelos cabelos através da construção de definições formalistas”, naufragando nesse confronto conceitual.2
302 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
O viés revolucionário da teoria de Antonio Negri sobressai ainda mais quando o pensador italiano funde revolução e poder constituinte, aglomerando-os numa síntese das figuras de rebelião, de
resistência, de transformação, de criação, de construção do tempo e
de lei. O poder constituinte, então, se manifesta como “expansão revolucionária da capacidade humana de construir a história, como ato
fundamental de inovação e, portanto, como procedimento absoluto”
e ilimitado, o que seria o único conceito possível de Constituição.3
Negri conclui, dessarte, que o conceito de poder constituinte traduz a normalidade da revolução, oferta uma definição do “ser como
movimento de transformação”, pelo que defende a “desdramatização”
do conceito de revolução, que se torna, então, por meio do poder constituinte, o “desejo de transformação do tempo, contínuo, implacável,
ontologicamente eficaz. Uma prática contínua e incontrolável”.4
Em sentido diverso ao da vigorosa teoria de Antonio Negri, onde
se ressalta o caráter político, democrático e, principalmente, revolucionário do poder constituinte, Friedrich Müller assevera que o poder
constituinte atua de modo a legitimar democraticamente a Constituição, atualizando-a, revitalizando-a e, sobretudo, concretizando-a.
Consoante Müller, o poder constituinte, no pleno sentido do
termo, deixa de ser metafísico para se tornar “maciço e real”, sendo,
deveras, o poder do povo de constituir-se, pois, segundo o teórico
germânico, não existe poder constituinte do povo “onde o poder
contempla o povo em alienação; onde o povo não encontra a si mesmo, mas apenas a violência de um Estado que mantém um povo para
si”, visto que, para tal Estado, o poder constituinte é um símbolo
ostentoso, “uma metáfora especialmente luminosa”.5
Em vista disso, Müller assevera que o poder constituinte não age
apenas uma única vez, ficando “esgotado” até a próxima decisão revolucionária, ou seja, “poder constituinte não deve ser compreendido
como um ato isolado tópico, mas simultaneamente como capacidade
permanente de se regulamentar no tempo”.6
Friedrich Müller, então, arremata que o poder constituinte não
mais somente representa, enquanto texto de norma constitucional,
História do Constitucionalismo, História Constitucional Brasileira e Reformas Políticas • 303
um processo de preparação da Constituição ou um acontecimento
temporalmente definido, mas que o poder constituinte atua como
“norma para um critério de aferição”, subsistente no tempo, fundamentando a legitimidade da Constituição, conforme sua aspiração,
legitimação essa que se dará por meio da “permanência da práxis
constitucional no ‘cerne’ material”.7
Reavivar a política e a consciência crítica da sociedade, portanto, não significa apenas revigorar a democracia, mas, sobretudo, o
usual conceito de poder constituinte. Nesta ocasião, olvidar-se-á,
então, a habitual compreensão de democracia como mero procedimento legitimador da atividade legislativa, exsurgindo a democracia como práxis político-constitucional, como participação popular,
como concretização normativa, à medida que o povo não mais se vê
como ícone, mas torna-se iconoclasta de sua própria imagem divinizada, ocupando e ampliando o espaço público/político, percebendo
seu papel de sujeito ativo, de participante, e, ao mesmo tempo, de
destinatário das ações político-democráticas.
Notas
1
NEGRI, Antonio. O poder constituinte: ensaio sobre as alternativas da
modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, p.7.
2
NEGRI, Antonio. O poder constituinte: ensaio sobre as alternativas da
modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, p. 444.
3
Id., 2002, p. 39-40.
4
Id., 2002, p. 459.
5
MÜLLER, Friedrich. Fragmento (sobre) o Poder Constituinte do Povo.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 26-27.
6
MÜLLER, Friedrich. Fragmento (sobre) o Poder Constituinte do Povo.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.35-36.
7
Id., 2004, p.53.
O controle de constitucionalidade no
Brasil e os modelos clássicos
Edna Torres Felício Câmara
Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade
Federal do Paraná (Brasil). Endereço eletrônico: [email protected]
O presente trabalho tem por proposta expor os argumentos
principais de Víctor Ferreres Comella, francamente favoráveis ao modelo centralizado de controle de constitucionalidade predominante
na Europa, e, a partir desses argumentos, apontar possibilidades de
discussão sobre o sistema misto adotado no Brasil. O tema reveste-se
de importância tendo em vista não se tratar de discussão meramente procedimental, uma vez que a eficácia do modelo (in)viabiliza a
proteção da carta de direitos fundamentais inscrita na Constituição.
Em suas considerações sobre o padrão adequado para proteção de
direitos, Comella contrapõe o paradigma descentralizado (de matriz
estadunidense inaugurado pelo caso Marbury v Madison) ao paradgima centralizado (teorizado por Hans Kelsen) para afirmar que, no
cenário europeu, o controle de constitucionalidade concentrado é
desejável (aponta o êxito do modelo na maioria dos países daquele
continente). A legitimidade das decisões de cortes, no controle concentrando, historicamente, pode ser relacionada à divisão de poderes
ou ao princípio da segurança jurídica, mas há outros valores essenciais: o modelo centralizado protegeria de maneira mais eficiente os
direitos fundamentais, pois os tribunais constitucionais podem lidar
melhor com a norma constitucional haja vista o necessário manejo de
princípios de moralidade pública; esses mesmos tribunais contribuem
aos debates na sociedade devido à sua alta visibilidade; sua propensão
ao ativismo é necessária no embate político que, às vezes, é inevitável. Comella conclui que a segurança jurídica parece ser maximizada
no sistema centralizado, em especial, porque o tribunal é desenhado
somente para trabalhar com o controle de constitucionalidade. Em
História do Constitucionalismo, História Constitucional Brasileira e Reformas Políticas • 305
vista do exposto, a presente pesquisa aduz que está em aberto a questão relativa à adequação do modelo misto brasileiro para suportar a
atual demanda decisional a qual está submetido o Supremo Tribunal Federal, mantendo a coerência das decisões e, por consequência
viabilizando, a segurança jurídica. Esse questionamento abre portas
a outras reflexões. Segundo Comella, haveria restrições à adoção do
modelo descentralizado puro na tradição do civil law, especialmente
pela ausência de doutrina de precedentes. Embora a hierarquia entre
os juízes possa superar esse argumento (em alguns países da civil law,
as promoções dos juízes são decididas, ou pelos tribunais superiores
ou por instituições próximas a eles; portanto, se um juiz deseja ser
promovido, é melhor que respeite as decisões dos tribunais supremos), cada vez mais o circuito acadêmico insiste na necessidade do
reconhecimento formal dos precedentes, já que não se pode negar
uma tensão entre a teoria e a prática: os precedentes não são fonte de
direito, mas os juízes tendem a segui-los. Essas considerações (aliadas
a uma tendência de convergência dos modelos clássicos apontada por
Jorge Reis Novais) legitimam discutir se, no Brasil, é desejável e possível a formalização de um padrão de precedentes e se essa formalização aumentaria a segurança jurídica do sistema. Além de indagações
sobre o desenho da corte e a possibilidade de adoção de precedentes,
outras questões afloram a partir da análise da obra de Comella. Segundo o autor, são vantagens no sistema de controle concentrado o
fato de que os juízes podem ter a tranquilidade e isolamento necessários às suas decisões e o fato de que teriam tendência a levar a sério
os valores constitucionais, uma vez que lhes são exigidas coerência e
objetividade com base em razões que transcendam crenças pessoais
(Comella faz referências ao foro de princípios teorizado por Ronald
Dworkin). Nesse contexto, explica-se a relativa autonomia do discurso constitucional (que não prescinde dos princípios e tem ligação
com a razoabilidade e ponderação e que inclui considerações sobre
moral, políticas públicas e disposições programáticas). Essas considerações vão ao encontro das análises do autor sobre o ativismo judicial
e à necessária superação da timidez do discurso judicial na esfera do
306 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
controle de constitucionalidade: o tribunal não pode ser tímido, pois
fiscalizar leis significa enfrentar poderes políticos (a missão da corte é
controlar o legislador). Portanto, há uma inegável tensão entre justiça constitucional e democracia: compreender os direitos fundamentais e sua proteção como ingredientes da democracia e compreender
a Constituição como integrante da vontade popular não desqualifica
essa tensão (há custos democráticos no controle de constitucionalidade). Na esteira das teorizações de Comella, a presente pesquisa aduz
que é necessário não negar essa tensão e, ao mesmo tempo, questionar quais são os limites da interferência do discurso constitucional em
relação ao direito positivo, em relação ao fórum de princípios e em
relação à democracia – discussão absolutamente relevante e candente
no Brasil contemporâneo. Conclui-se que a análise da contraposição
dos paradigmas clássicos (concentrado e descentralizado) é importante
ferramenta para reflexão sobre o papel e eficiência do sistema misto
brasileiro, que agrega vantagens e desvantagens dos dois modelos.
Direito de Exceção e Normalidade em Giorgio Agamben
Andréia Fressatti Cardoso
Acadêmica do 3º ano do curso de Bacharelado em Direito da Universidade
Estadual de Maringá, participante de Projeto de Iniciação Científica (PIC/UEM),
sob orientação da professora Crishna Mirella de Andrade Correa, e do Núcleo de
Estudos Constitucionais Prof. Zulmar Fachin (NEC/UEM). Brasil.
Email: [email protected].
Diante de uma crise o Estado se vê impelido a atuar de forma
rápida, capaz de corresponder satisfatoriamente às necessidades que
lhe forem apresentadas, isto é, atuando em um estado de emergência.
Nesse estado, a decisão ganha destaque, pois a necessidade exige-a
para que logo siga uma ação justa de acordo com a situação, o que
destaca mais o Poder Executivo e permite que seus decretos ganhem
a mesma força que teria uma lei, sem contudo passar pelo processo
necessário para ser uma. O estado de exceção pode ser entendido
como uma reação do Estado à crise, independente do cunho desta,
embora mais relacionada a guerras e insurreições, como aponta Giorgio Agamben, na obra “Estado de Exceção”.
A crise pode levar um Estado ao caos, dando fim a sua ordem;
para evitar que se rompa completamente com qualquer forma de
ordem, muitos Estados optam por criar uma fictio jurídica, um estado que pode ser descrito como o paradoxal estar-fora (anomia) e
pertencer, um momento em que se afasta o Direito sem, contudo,
extingui-lo; um elo entre estado de exceção e Direito. Formar-se-ia
um “direito de exceção”, uma regulamentação para que se evite o
caos, mas que não pertença a ordem jurídica que imperava.
Afasta-se, por meio desta fictio o Direito, suspendendo a ordem
colocada, mas permitindo que ainda haja regulamentação, através da
manutenção de uma estreita relação com o poder soberano, como indica Agamben. Cabe ao soberano a decisão do estado de exceção, de
declará-lo como necessário, seja ele um único soberano ou um grupo
deles. O soberano torna-se figura necessária, sendo o representante da
308 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
segurança do Estado, em um modelo parecido com o Leviatã hobbesiano. A indeterminação, típica desse estado, gera insegurança, voltando-se
a população para um ente forte que demonstra a capacidade de protege-la, mesmo que para isso disponha de seus direitos. E vai além, assumindo a figura do pater, aquele que decide sobre a vida e a morte dos que
estão sob sua guarda. Explica-se aí como por meios legais ascenderam os
regimes totalitários europeus do século XX, como o nazismo.
Para dar a devida resposta à crise, recebem os atos do soberano
a força-de-lei, que se diferencia da força de lei por não dar eficácia a
leis, mas garantir a coercibilidade de decretos soberanos que, além de
não emanarem do Poder Legislativo, não são por si leis, uma vez que
não passaram pelo devido processo legal. Tais decretos, emitidos pelo
poder soberano, regulamentam a exceção, fundamentando a violência que se exerce no momento da crise. A força-de-lei pode ser vista
com a violência instauradora do “direito de exceção”, a violência que
exerce o soberano para fundamentar seus atos e permitir que haja
uma violência mantenedora na ordem fictícia que impôs ao Estado.
Juntamente com a necessidade de segurança, a força-de-lei gera
um espaço em que a vida humana (assim como a morte) se torna um
conceito acima de tudo político, cabendo à decisão soberana decidir
sobre ela. Surge a ideia de campo, oriunda do estado de exceção, que
suspende o homem como ser de direitos ao mesmo tempo que mantém sua qualidade humana como ser vivente. A vida dentro do campo
é a vida nua: aquela, nos termos de Agamben, matável, mas insacrificável; que poderá ser morta sem constituir homicídio, mas não será levada como sacrifício. A exceção permite que impere essa vida nua, que
a decisão entre vida e morte caiba ao poder soberano e às suas razões.
Entretanto, a problemática do estado de exceção se configura
quando deixa de existir a necessidade e não se retorna a um estado
de “normalidade”. O soberano da exceção não consegue prolongar a
ficção de segurança, uma vez finda a crise, sem que deixe o patamar
da incerteza, mantendo conceitos jurídicos indeterminados, e a insistência na manutenção da força-de-lei sem seu fundamento, torna-a
mera violência mantenedora do direito, esvaída de fundamento. En-
História do Constitucionalismo, História Constitucional Brasileira e Reformas Políticas • 309
tretanto, observa-se que o Ocidente tem a tendência de transformar uma
política de segurança, uma reação do Estado à crise para sua manutenção, como técnica de governo. Ao instituir a exceção como paradigma,
porém, perpetua-se o campo, sendo cada vida dentro de seu território
disponível, mesmo que tenha se esvaído o fundamento da exceção.
O paradigma da exceção não permite que o ser humano seja
considerado em sua carga axiológica, que a ele sejam atribuídos direitos fundamentais, que as Constituições do pós-guerra procuraram
trazer com tamanho zelo. A vida humana no campo instituído por
este paradigma torna-se a vida supérflua, não passa de vida nua, despida de seus direitos, de sua própria qualidade de humana, portanto,
incapaz de ser dada como sacrifício; mas ainda vivente, ainda passível
de ser matada. Estaria sujeita à decisão soberana, e a ela caberia a
escolha entre vida e morte daqueles sob sua guarda.
O debate sobre a reforma política no Brasil:
realizações e alternativas
Lucas de Oliveira Gelape
Aluno do curso de graduação em Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), Brasil. E-mail: [email protected].
A partir das reflexões de Speck (2013), Couto (2013) e Nicolau
(2013), o presente estudo pretende analisar as principais propostas
de reforma política que estiveram em debate no Congresso Nacional nos últimos 20 anos, levantando os motivos de seus insucessos,
apontando as modificações relevantes na legislação no período citado e discutindo as perspectivas do debate para os próximos anos.
Para tanto, serão abordados os seguintes tópicos: a definição sobre o
que seria a “reforma política”; os motivos para se reformar o sistema
político e/ou o sistema eleitoral-partidário brasileiro; as características das principais propostas de reforma que estiveram em debate no
Congresso Nacional nos últimos anos, os motivos de seus fracassos, e
as principais mudanças efetivadas nesse período; as alternativas para
se efetivar a grande reforma esperada pela sociedade e as possíveis
consequências da constância dessa pauta no debate público nacional.
Inicialmente, discute-se o que seria uma “reforma política”, tendo em vista a tensão existente entre duas diferentes concepções: uma
visão mais restrita, que compreende a reforma como mudanças nas
regras do jogo eleitoral; ou outra visão, que compreende esta como
uma profunda reforma nas estruturas do sistema político brasileiro (como regras de funcionamento interno do Congresso Nacional,
regulamentação da mídia ou reformas na estrutura do Judiciário)
(AVRITZER; ANASTASIA, 2006) (NICOLAU, 2013).
A partir disso, apesar de uma suposta ausência de diagnósticos
bem fundamentados sobre os motivos e os caminhos para se realizar a
reforma nos projetos até hoje apresentados (NICOLAU, 2013), o presente estudo adota o entendimento de Bruno Reis (2008), para quem
História do Constitucionalismo, História Constitucional Brasileira e Reformas Políticas • 311
a importância da reforma reside no alcance de um “equilíbrio mais
confiável”, quebrando a lógica atual, que combina um sistema eleitoral
que dispersa o poder com a concentração de um alto grau de poderes
(principalmente de agenda) no Presidente da República e no Colégio
de Líderes – concentração descrita em Figueiredo e Limongi (1999).
As principais discussões no Congresso Nacional nos últimos
anos se deram entre propostas caracterizadas pela visão restrita, que
consideram a reforma política como uma reforma da legislação eleitoral-partidária brasileira. Destacam-se três entre as propostas: a da
Comissão Caiado (2003 e 2007) – caracterizada principalmente pela
defesa do voto em lista fechada e pelo financiamento público exclusivo –, a da Comissão Fontana (2011) – defensora do voto em lista
flexível e do financiamento público exclusivo – e a do Grupo de Trabalho destinado a estudar e elaborar propostas referentes à Reforma
Política e à Consulta Popular sobre o Tema (2013) – que inovou,
propondo o voto proporcional nominal regionalizado, com regras
mais rígidas para o financiamento de campanhas, mantendo contudo
o sistema misto de arrecadação –. Apesar do insucesso das principais
propostas, Couto (2013) aponta que diversas alterações relevantes
ocorreram no período aqui abordado (como o fim da verticalização
das coligações ou a Lei da Ficha Limpa). Fleischer (2011) também
aponta para diversas outras modificações no sistema político nacional
nas décadas de 1990 e 2000 (reeleição, diminuição do período de
duração do mandato, introdução de cotas femininas nas listas de candidatos a eleições proporcionais). Ainda assim, os principais pontos
que conformam o sistema político-eleitoral não foram modificados,
como o sistema eleitoral e o modelo de financiamento de campanhas.
Speck (2013) aponta três motivos para o insucesso na aprovação da
maior parte dos pontos de uma reforma política: a inexistência de
consenso e incompatibilidade de respostas entre os partidos para problemas comuns; a incerteza quanto ao impacto dessas mudanças para
os atuais representantes em suas disputas eleitorais futuras; e o escasso tempo para deliberação e aprovação das reformas, especialmente as
312 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
que dependem de mudanças constitucionais, tendo em vista o modo
de funcionamento do calendário parlamentar.
Frente a essas dificuldades, uma das alternativas que podem vir
a lograr sucesso é a mobilização da sociedade civil para aprovação de
projetos de lei de iniciativa popular. Apesar das limitações desse instrumento (impossibilidade de mudanças constitucionais, por exemplo),
diversos pontos da legislação já poderiam ser modificados por esse meio.
Ainda que iniciativas desse porte já venham sendo utilizadas (diversas
entidades da sociedade civil e movimentos sociais, possuem seus projetos), elas ainda carecem de estratégias mais efetivas para a maximização
de seus resultados. Sendo assim, tendo em vista o fracasso recente do
Congresso Nacional na promoção das grandes reformas necessárias ao
melhor funcionamento do sistema político, a participação popular por
meio de manifestações ou pelos projetos de iniciativa popular revela-se
como um caminho alternativo para que seja alcançada uma reforma
política de grande porte no Brasil. Afinal, a ausência de respostas a essa
demanda da sociedade pode acarretar um descrédito das instituições e
a deslegitimação dos eleitos pelas atuais regras (SPECK, 2013).
Constituinte exclusiva e soberana:
uma velha ilusão sob nova roupagem
Cezar Cardoso de Souza Neto
Doutorando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, Mestre
em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Brasil.
E-mail: [email protected].
Diego Vinícius Vieira
Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Brasil.
E-mail: [email protected].
Na atual e complexa realidade política brasileira, o Estado parece ter
negligenciado sua tarefa de realizar os direitos sociais, tornado-se refém
dos interesses econômicos, quer de poucos privilegiados, quer de indivíduos ligados à estrutura governamental, ampliando as diferenças sociais
e proporcionando o surgimento de um clima de insatisfação e revolta.
As conquistas democráticas, obtidas ao longo de décadas de lutas, mostram-se eclipsadas pela desconfiança popular, tendo em vista
as atitudes incoerentes de inúmeros políticos cujas decisões são tomadas em situações de camaradagem recíproca, nas quais são considerados seus interesses pessoais e de grupos favorecidos e não mais
o bem público ou a satisfação da população, o que proporciona um
descrédito no modelo democrático (SCHMITT, 1996: 6).
Quando a organização política parece se distanciar, cada vez
mais, da ordem racional, entregando-se à manutenção de privilégios
e desigualdades, distancia-se da liberdade. Quanto mais livre, mais
será racional, pois, em um Estado onde a ordem não é racional, este
não será um Estado justo (SALGADO, 1996: 397).
Tal situação, somada à realidade da globalização, com a complexa passagem da relação modernidade-estado para modernidade-mundo (MARRAMAO, 2011: 30-31) com todas as implicações e tensões
provocadas por esta nova conjuntura, acrescida à complexa realidade
brasileira atual, acabou por repercutir nos protestos de junho de 2013.
314 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Aproveitando-se de todo este quadro problemático, bem como do
desconhecimento do texto constitucional pela maioria da população brasileira, surge um clamor por uma democracia popular, suscitado por sindicatos, associações, partidos políticos entre outros grupos, tradicionalmente
ligados a setores de esquerda, os quais propõem um plebiscito para a criação de uma Assembleia Constituinte exclusiva e soberana, alegando que a
Constituição Federal de 1988 já não representa os anseios do povo e, por
conseguinte, seria derrogada, juntamente com a democracia, dando lugar
a uma nova ordem política e social. (BARRETO LIMA, 2014).
Como ensina Cattoni, no que se refere à autodeterminação jurídica, os destinatários do direito devem se compreender como seus
autores (CATTONI DE OLIVEIRA, 2012: 69), o que parece ter
sido olvidado por grande parte da população brasileira, uma vez que a
Constituição Federal de 1988, aclamada pelo Presidente da Assembleia
Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, como a “Constituição Cidadã”, é fruto de décadas de lutas em favor da democracia no Brasil.
Como se pretende demonstrar, a História dos textos constitucionais brasileiros reflete os diversos momentos enfrentados pelo
país, despontando-se a Constituição de 1988 como o coroamento
dessa busca por liberdade, cidadania e democracia.
Embora revestido de nova roupagem, o clamor por uma democracia popular atavés de uma Constituinte exclusiva e soberana,
mostra-se mais próximo ao estado de exceção, já que se extinguiriam
as garantias fundamentais consagradas pela vigente Magna Carta.
O ideal de democracia popular difundido parece não considerar
que em uma nova Constituinte estarão presentes os diversos grupos sociais e seus cativos interesses, sejam eles representados pelos
membros dessa Assembléia ou, ainda, pela pressão da mídia, influenciando e movimentando a perigosa reconstitucionalização do país.
(BARRETO LIMA, 2014).
Assim, em nosso entender, tal movimento ou desconhece que
em uma nova Constituinte haverá os mesmos embates e conflitos presentes naquela de 1988, apenas com uma nova roupagem ou, então,
buscam, com este ideal de Constituinte exclusiva e soberana, extinguir
História do Constitucionalismo, História Constitucional Brasileira e Reformas Políticas • 315
a democracia, inaugurando um estado de exceção, onde apenas seus
ideais farão parte do que consideram como popular, exercendo, de tal
modo, a destituição da democracia e a soberania da exclusão.
Referências Bibliográficas:
BARRETO LIMA, Martonio; BERCOVICI, Gilberto; CATTONI DE
OLIVEIRA, Marcelo Andreade; STRECK, Lênio Luiz. Defender
assembleia constituinte, hoje, é golpismo e haraquiri institucional. Disponível em http://www.conjur.com.br/2014-ago-26/defender-assembleia-constituinte-hoje-golpismo-institucional. Acesso em 27 de setembro de 2014.
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Constitucionalismo e teoria
do estado: ensaios de história e teoria política. Belo Horizonte: Arraes
Editores, 2013.
______. Teoria da Constituição. Belo Horizonte: Initia Via, 2012.
MARRAMAO. Giacomo. La pasión del presente. Breve léxico de la modernidad-mundo. Barcelona: Editorial Gedisa: 2011.
SALGADO, Joaquim Carlos. A Ideia de Justiça em Hegel. Coleção Filosofia.
São Paulo: Ed. Loyola, 1996.
SCHMITT. Carl. Sobre el parlamentarismo. Madrid: Tecnos, 1996.
É possível identificar um consitucionalismo antigo? A
politeia e o status civitatis como princípios organizadores
da ordem política
Leonam Baesso da Silva Liziero
Doutorando e Mestre em Teoria e Filosofia do Direito pela UERJ. Professor
da UCAM. Advogado. Brasil. [email protected].
Matheus Farinhas de Oliveira
Graduando do 10º período em Direito pela Universidade Candido
Mendes. Brasil. [email protected].
O presente trabalho visa estudar o Constitucionalismo e suas raízes nos povos antigos, assim considerados os povos gregos e romanos
da antiguidade clássica, em contraposição aos modernos (sociedade
pós-medieval ocidental). Esta concepção é fundamental para o escorreito entendimento acerca de debate da doutrina constitucional no que
tange a existência ou não do chamado “constitucionalismo antigo”.
Sem embargo, figuras festejadas como Aristóteles e Platão, em um
tempo de profunda crise do mundo clássico grego (IV a.c – decadência
da polis, porquanto esta deixara de ser um local para o exercício dos direitos políticos e passou a albergar uma intensa mercantilização; havendo, ainda, um conflito entre pobres, desejosos de maior assistência pública, e ricos, que tentavam impedir que houvessem mudanças radicais e
a consequente perpetuação do status quo -) passaram a algumas reflexões
acerca da questão da democracia e da igualdade. Aqui é que entra a utilização do termo politeia, comumente traduzido por constituição.
Muitas vezes apontada pela doutrina como “atecnica”, porquanto
politeia pode ter outros significados, do ponto de vista objetivo este termo pode significar a organização política da sociedade. Politeia, assim,
é um instrumento conceitual de que se serve o pensamento político do
século IV para trabalhar o principal conceito em discussão, qual seja: a
busca pela forma de governo adequada, que reforce a unidade da polis.
História do Constitucionalismo, História Constitucional Brasileira e Reformas Políticas • 317
Se de um lado havia o risco de confrontos sociais e políticos (stasis), de
outro, os filósofos passaram a prever a resolução pacífica dos conflitos,
convivendo-se de uma forma ordenada e duradoura (eunomia).
Para Aristóteles, a politeia traz um “futuro político dotado de
constituição”, no qual a política adotada possa se traduzir em um
regime constitucional estavelmente fundado. Assim, também alberga
a constituição dos pais, visando extirpar o mal que havia corrompido
a unidade da polis, resultado direto de sua “mercantilização”.
Políbio (208? – 126? a.c) retoma os grandes temas afrontados pelo
pensamento político do século IV, transformando-os radicalmente. A
decadência política ocasionada pela corrupção moral pela ganância injusta, devendo-se buscar a politeia, ou seja, a constituição como modelo ideal de equilíbrio. Toda a forma de governo fundada em um só centro de poder é instável. A teoria do equilíbrio social era, reconhecido
pelo próprio Aristóteles, abstrata e inadmissível. Com Políbio, fala-se
em constituição mista que traduz uma teoria das magistraturas e do
equilíbrio entre os poderes. Com o tempo, a constituição vislumbra a
constante aplicação do equilíbrio entre os poderes em contraposição
à assembleia popular, titular do poder de deliberação das leis, tendo
que levar em conta a existência das competências reservadas ao Senado
(v.g., matéria financeira, política do exterior, eleição da maior parte dos
juízes). Há uma limitação de cada um dos três poderes por parte dos
outros. Trata-se de uma mudança de rumos. Não há aqui uma teoria da
disciplina social, mas uma teoria da disciplina do poder.
Contudo, o modelo aristotélico aparece novamente quando
buscou-se uma resposta adequada à crise romana. O mero equilíbrio
de poderes foi insuficiente, sendo necessário retornar às virtudes cívicas, cujo maior intérprete foi Cicero (106 – 43 a.c.), defensor da
conciliação e superação dos extremos em conflito. Sua definição de
res publica, como res que é do povo, considerando-se povo aquele que
está reunido sobre a base de um consenso sobre o direito de uma comunidade de interesses. A res publica forte só é possível com a união
e, consoante o pensamento grego, não pode ter uma origem unilateral e violenta. A forma de união, chamada por Cícero de status civita-
318 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
tis, é sempre utilizada no sentido de governo ideal, de forma mista e
moderada. Soma-se a isto o conceito de aequabilitas, que é a proteção
no plano político das virtudes da equidade e da moderação, devendo
caber ao omnius bonorum (os mais íntegros e mais bem dotados, que
sejam possuidores de posição moderada o suficiente que lhes permita
dedicar-se de maneira desinteressada ao cuidado da coisa pública)
A similitude com as conclusões visualizadas na Grécia e em Roma
fazem possível um balizamento das características do “constitucionalismo antigo”. Tanto a politeia como a res publica servem como medida das relações políticas e sociais do seu tempo. Sem embargo, não
possuíam o mesmo significado que hoje possui o constitucionalismo.
Para se entender o sentido de diversos institutos gregos, deve-se liberar
de conceitos modernos, ou seja, dos condicionamentos trazidos pelo
intérprete. Uma das características mais perceptíveis das constituições
modernas é a maneira extremamente complexa de repartição de competências, não visualizada no “constitucionalismo antigo”.
Constituinte Exclusiva para a Reforma Política: exercício
legítimo da soberania popular ou golpe?
Deivide Júlio Ribeiro
Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de
Direito da UFMG – [email protected]
Lucas Azevedo Paulino
Mestrando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de
Direito da UFMG – [email protected].
As manifestações de junho de 2013, que levaram milhões de brasileiros às ruas, foram sintomáticas para revelar a crise de representatividade
na política nacional. A necessidade de uma reforma política para diminuir
este hiato entre representantes e representados foi apresentada não só por
especialistas, mas – inclusive – pela Presidência da República, entre as medidas anunciadas para satisfazer as demandas dos manifestantes.
Inicialmente, cogitou-se a realização de uma assembleia constituinte exclusiva para a reforma política. Após críticas sobre a ausência
de fundamento jurídico dessa assembleia, sugeriu-se a realização de
um plebiscito sobre o tema, que também não chegou-se a efetivar.
As mesmas críticas foram recebidas no início do mês de setembro do corrente ano, momento no qual movimentos sociais organizaram uma consulta plebiscitária informal com o intuito de convocar
uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva e soberana, com a
finalidade de realizar a reforma política, tão discutida, mas não posta
em prática pelo Congresso Nacional.
Subjacente a toda esta discussão estão duas questões fundamentais: uma de ordem jurídica e outra de ordem política. Do ponto de
vista jurídico, opositores da ideia aduzem que qualquer tentativa de
reforma ou alteração da Constituição, somente poderia ser efetuada
pelo Congresso Nacional, atendendo os procedimentos do artigo 60
da Constituição. Outra possibilidade seria a revisão constitucional.
Entretanto, o artigo 3º do ADCT, apenas previu uma única revisão,
320 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
que ocorreu em 1994. Por tal razão, do ponto de vista dogmático, a
proposta de uma reforma constitucional por meio de uma “constituinte” seria inviável e qualquer tentativa de mudança constitucional,
fora destes procedimentos, soaria como um a espécie de “golpe”.
Por outro lado, sob a ótica da política, os entusiastas do movimento entendem que constituinte não se subordina a qualquer limite
jurídico, pois consiste em um poder de fato, que está além direito,
bastando, para tanto, apenas a vontade popular de instaurar uma
nova ordem constitucional. Sob essa vertente, a ideia de uma constituinte não pode ser compreendida dentro dos parâmetros do constitucionalismo, que persegue a limitação jurídica do poder, uma vez
que ela goza de um poder incondicionado e ilimitado.
No entanto, essa constituinte só seria legítima se proveniente da
verdadeira expressão da soberania popular. Uma vez que se fala da
legitimidade soberana do povo, surge a dúvida sobre a identificação
de quem é esse “povo” e quem o representa. E representação aqui não
convém dizer que é feita pelos representantes eleitos, pois, é justamente pelo sentimento de não representatividade que se propõe uma
participação popular direta na reforma política brasileira.
A dificuldade de se conceituar o povo, decorre justamente de sua
característica mais singular: a pluralidade. Assim, o fato de conceito
de povo comportar várias concepções, não impede nem deslegitima os
movimentos sociais que estão na articulação por uma pretensa melhoria política. Cabe ressaltar, ademais, a genuína preocupação existente
com os procedimentos e os atores que fariam parte desta constituinte.
Como seriam eleitos os membros da Assembleia? Por meio das
regras de financiamento atual? Os partidos e grupos de influência
que dominam a esfera política atual ficariam de fora? As atuais forças
de poder da sociedade não participariam? Seria diferente do atual
Congresso? Essas indagações questionam a necessidade, na prática,
de tal assembleia. Por sua vez, os defensores da constituinte sustentam que toda tentativa de mudança envolve uma aposta e um risco.
O engajamento cívico presente na intensa mobilização popular,
que todo processo constituinte envolve, poderia forçar os represen-
História do Constitucionalismo, História Constitucional Brasileira e Reformas Políticas • 321
tantes da assembleia a atuar em favor da melhoria substantiva do
sistema político. O fato é que o sistema atual aparenta não corresponde mais aos anseios de representação da população, enfraquecendo a
legitimidade da democracia brasileira.
É importante assinalar que essa consulta plebicitária informal,
até o presente momento, apenas consultou o interesse popular sob
a necessidade de uma assembleia constituinte exclusiva para reforma política. Enquanto processo pedagógico de esclarecimento sobre
a necessidade da mudança, os movimentos sociais organizadores da
ideia estão exercendo um papel de inegável importância.
No que concerne propriamente a Assembleia Constituinte Exclusiva para a reforma política, o fato de o poder constituinte ter
se manifestado em 1987 e 1988 no Brasil não impede que possa
eclodir novamente no futuro, no caso de um autêntico “momento
constitucional”, excepcional, em que há intensa mobilização popular
para ruptura – ainda que apenas em parte – com a ordem vigente. Há que se verificar se essa mobilização atual configura esse caso.
Ao contrário, nos contextos ordinários da vida política, as mudanças
constitucionais têm de ser perseguidas por meio dos procedimentos
estabelecidos pela própria constitucional.
O ressurgimento do Confucionsimo Político na China:
um novo constitucionalismo chinês?
Marcelo Maciel Ramos
Doutor em Direito e Professor Adjunto da Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Rafael Machado da Rocha
Mestrando em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Pela primeira vez, décadas após a revolução que, em 1949, levou
o Partido Comunista Chinês ao poder, intelectuais chineses congregam-se em torno de um novo objetivo comum: colocar-se no campo
do debate com o Ocidente, propondo uma teoria política com vistas
à desconstrução da aceitação tácita do pressuposto de universalidade
em que se fundam os direitos humanos e a democracia liberal. Trata-se, com efeito, de um verdadeiro movimento político-filosófico que,
remontando à tradição confucionista, vem definindo os contornos de
suas construções teóricas a partir da tentativa de responder às expectativas das nações ocidentais, no que toca ao futuro do Estado chinês,
em sua caminhada rumo à consolidação de um Estado de Direito.
Encabeçados por Jiang Qing (fundador da Academia Yangming), autores como Sheng Hong (diretor do Instituto de Economia
Tianze de Beijing), Kang Xiaoguang (professor da Universidade Renmin) e Chen Ming (professor da Universidade Normal da Capital),
vêm apresentando reflexões substanciais no sentido de resgatar uma
herança que, no último século, quedou-se silenciada ou, ao menos,
afastada dos debates políticos na China continental. Funda-se, assim,
uma nova vertente do Neoconfucionismo, cujos esforços concentram-se em recuperar o rico legado de instituições políticas e morais
de que dispõe a tradição cultural chinesa. Instituições estas que, doravante, se prestarão à constituição e legitimação de um Estado e de um
governo com preceitos muito diversos – para não dizer incompatíveis
– daqueles em que se fundam o nosso Estado Democrático de Direito.
História do Constitucionalismo, História Constitucional Brasileira e Reformas Políticas • 323
Falamos aqui de um Confucionismo Político (Political Confucianism), que, em oposição à sua contraparte - Confucionismo “Espiritual” (Mind Confucianism) - se prestará a denunciar o caráter
contingencial das teorias políticas que embasam a legitimidade dos
governos calcados no pressuposto da democracia liberal. Figura, pois,
dentre os dogmas centrais deste novo paradigma, a proposição de
uma teoria tridimensional da legitimidade política.
Segundo esta teoria, para se estabelecer com legitimidade, um
poder político deve simultaneamente observar três condições: 1) estar de acordo com o Caminho (道 dào), tal qual preconizam os textos
canônicos da Escola Confucionista, 2) não desviar-se de sua herança
histórico-cultural ou romper a continuidade histórica de uma nação
e 3) conformar-se à vontade das pessoas comuns.
Para transplantar a supracitada construção teórica à realidade
concreta, postular-se-á, por exemplo, o estabelecimento de uma legislatura tricameral, com cada uma das câmaras correspondendo a uma
das três dimensões de legitimidade do governo. É assim que, numa
câmara superior, figurariam membros nomeados por organizações
confucionistas não governamentais e instituições confucianas oficiais.
Logo abaixo, em sequência, estaria a casa responsável pela perpetuação da tradição cultural, com representantes das mais diversas religiões
e descendentes das famílias tradicionais. Por último, incluir-se-ia uma
corte representativa do povo, cujos membros seriam escolhidos por
meio de eleições livres. Um projeto de lei aprovado pelas três casas
converter-se-ia, desse modo, numa lei perfeita. Vê-se, aqui, um arranjo que parece misturar representação democrática e governo de letrados, moldado ao melhor estilo dos valores confucionistas.
Estaríamos diante de um constitucionalismo propriamente chinês?
Seriam os valores confucionistas desse novo constitucionalismo uma
alternativa original para a construção de um novo regime político na
China? Em seu esforço de compatibilizar tradição e democracia, seria
esse projeto de constitucionalismo neoconfucionista realmente capaz de
instaurar na China uma ordem política comprometida com a liberdade?
São essas as questões que a presente comunicação procurará esclarecer.
Intributabilidade e terras remanescentes quilombolas:
a interpretação constitucional na proteção
dos direitos fundamentais
Guilherme De Lima Soares
Aluno de graduação do curso de Direito do Instituto Federal do Paraná,
Brasil. [email protected]
A Constituição Federal reconheceu a titularidade das áreas ocupadas por remanescentes quilombolas, como expresso no artigo 68
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). O dispositivo regulamentou a titularidade das terras, porém, pelo seu laconismo, a regulamentação não abrangeu todas as questões que incidem
nas terras ocupadas. A questão dos procedimentos para a demarcação
e a questão da tributação, por exemplo, não foram regulamentadas
no art. 68 da ADCT. Questões procedimentais sobre as transferências
e demarcação dessas áreas foram regulamentadas apenas no decreto
4.887/2003, o qual “regulamenta o procedimento para identificação,
reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas
por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”. Muito embora o
decreto viabilizasse um grande avanço para a efetividade do art.68 da
ADCT, a tributação dessas áreas não foi regulamentada, formando
uma lacuna que possibilita a controvérsia sobre a não incidência de
tributos sobre tais terras. A questão da não cobrança de tributos dessas áreas se torna matéria de discussão no poder judiciário, pois não
há, explicitamente, uma regra de isenção ou imunidade tributária,
porém a Constituição protege as comunidades. Se opondo a Constituição, a Receita Federal sustenta o entendimento de que as terras
tradicionalmente ocupadas pelos quilombos, atualmente ocupadas
pelos remanescentes destas comunidades, devem ser tributadas normalmente, incidindo sobre elas o imposto ITR (Imposto Territorial
Rural). Contra esse entendimento é questionado: pode ser incidido
História do Constitucionalismo, História Constitucional Brasileira e Reformas Políticas • 325
tributo sobre as áreas ocupadas pelos remanescentes? Se sim, o não
pagamento do ITR poderia ocorrer à expropriação através da execução fiscal de propriedade de remanescentes quilombolas, sendo que
essas propriedades são definitivas conforme o art.68 ADCT? Analisando o entendimento da Receita Federal, é colocada outra questão,
relacionada à função social da propriedade rural. Como preconiza
Hugo de Brito Machado, o imposto sobre a propriedade rural privada é considerado um importante aparelho no combate aos latifúndios que não há produção, por isso a lei n. 9.393 de 19/12/1996,
instituiu alíquotas progressivas em função da área do imóvel e da
medida de sua utilização. A função social da propriedade das comunidades quilombolas é muito mais voltada à manutenção da cultura
e dos costumes de comunidades afro-brasileiras, estabelecendo nessas
áreas atividades de subsistência, para a manutenção desses sujeitos
coletivos, no qual estão intimamente ligados na formação da identidade cultural brasileira. Outro problema sobre a tributação nas áreas
demarcadas pelos remanescentes quilombolas é o reconhecimento de
direitos fundamentais. Nota-se que quando se faz a leitura dos dispositivos legais que versam sobre propriedade dos remanescentes, tais
como o art. 68 da ADCT e os art. 215 e 216 da Constituição Federal, visualiza-se que, além de conceder aos remanescentes de quilombos a titularidade das terras, é concedida também representação de
patrimônio cultural, pois são patrimônios portadores de referência e
consagram a memória dos diferentes grupos culturais que formaram
a sociedade brasileira. Trata-se do reconhecimento de um direito fundamental de terceira geração, no qual a finalidade legisladora constituinte foi a de amparar sujeitos coletivos hipossuficientes, objetivando a efetividade dos princípios constitucionais. Por fim, em relação à
imunidade tributária dos direitos fundamentais, impressa no artigo
150 da Carta Magna, cabe ressaltar que, neste artigo, o constituinte
ensejou a primazia dos direitos, que, pela não competência tributária,
garante a proteção dos direitos fundamentais. No caso da comunidade de Óbidos (ação ordinária n°: 72595-60.2013.4.01.3400), que
ajuizou uma ação para anular a dívida tributária, no qual a juíza deci-
326 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
diu que, mesmo na inexistência de regra expressa de intributabilidade
de ITR às áreas quilombolas com a isenção ou a imunidade, há que
se adotar a tese de “imunidade implícita”, uma vez que a imunidade
decorre da interpretação dos princípios e fundamentos seguidos pela
Constituição, tais como a proteção do patrimônio cultural nacional,
o pluralismo étnico e cultural e a dignidade da pessoa humana, não
dependendo regra no texto constitucional. Ao avaliar o problema
coloca-se uma possível alternativa, ressaltando-se a importância da
teoria da interpretação diante da lacuna posta, Ronald Dworkin em
romance em cadeia estabelece que a melhor interpretação seja aquela
que segue a ideia da intenção do texto, no qual a boa intepretação
do texto é a aquela que melhor se adapta. Nesses casos o intérprete terá que fazer analogia entre os princípios constitucionais, não se
prendendo apenas nas regras escritas. Esse entendimento se fundamenta na teoria de Dworkin, no qual o magistrado não cria Direito,
mas participa da construção por meio dos princípios. Ao expor à
problemática, conclui-se que de fato não existe um posicionamento
sedimentado do judiciário, muito embora existam decisões proferidas com fundamentos advindos da interpretação dos princípios que
indica a existência da imunidade implícita.
Uma nova constituinte: a necessidade de se (re)desenhar o
sistema político brasileiro.
Igor Campos Viana
Aluno do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG). Monitor do Grupo de Estudos sobre Constituição
e Política da UFMG. Monitor das disciplinas Direito Constitucional I e
Hermenêutica Jurídica. E-mail: [email protected]
A reforma política é uma pauta antiga no espaço do debate público
brasileiro. Diversas foram as propostas legislativas fracassadas no sentido
de reformar o sistema político no Brasil, destacamos a PEC 554/1997
que sugeria uma “miniconstituinte”; a PEC 157/2003 que previa uma
revisão constitucional; a PEC 193/2007 que visava incluir um procedimento revisional no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e
a PEC 384/2009 que pretendia possibilitar a eleição em 2010 de 180
parlamentares constituintes com a função de revisar os dispositivos da
Constituição Federal relativos ao regime de representação política.
O “Junho Brasileiro” - movimento de manifestações populares
que tomaram as ruas das capitais brasileiras em junho e julho de
2013 -, apesar de multifacetado1, teve na “Reforma Politica” uma
forte bandeira e pode ser interpretado como um sintoma da crise
de representação no país. Em resposta a esse chamado das ruas, a
Presidente Dilma Rousseff (PT) propôs no dia 24 de junho de 2013
a convocação de uma Constituinte Exclusiva para a reforma do Sistema Político brasileiro, entretanto essa ideia foi logo abortada pelo
Palácio do Planalto, destacando o papel dissuasivo assumido pelo vice-presidente e constitucionalista Michel Temer (PMDB).
A crise de representatividade político-partidária é nítida e se apresenta como um problema que necessita de uma rápida alteração. Conforme estudo divulgado pela Fundação Getúlio Vargas no segundo
semestre de 20132 (ICJ-Brasil), 15% da população brasileira confiava
no Congresso Nacional e apenas 6% confiava nos partidos políticos.
328 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Esse cenário comprova a situação de desgaste e limite que se encontra o
atual modelo brasileiro de representação política, fazendo-se necessário
pensar novas formas de aperfeiçoamento ou substituição desse modelo.
A sub-representação de determinados grupos da população que,
apesar de serem maiorias numéricas são minorias sociais no sentido
de sua influência política, é notória no Congresso Nacional. O índice
de parlamentares mulheres ou negros é mínimo, em contrapartida, é
evidente a consolidação das bancadas do agronegócio e empresariais,
que em termos numéricos apenas representam uma pequena parte da
sociedade brasileira. Razão primária para esse fato é o sistema misto
de financiamento de campanhas e partido eleitorais no Brasil, permitindo assim a transferência da desigualdade econômica para o jogo
político democrático. A omissão em relação à mudança do Sistema
Político é, na verdade, garantir a possibilidade de um ainda maior
crescimento de setores conservadores da sociedade.
Conforme destaca o jurista Roberto Gargarella, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, ainda que as nações latino-americanas tenham sido, por algumas vezes, vanguardistas
no modelo do constitucionalismo social, o impacto delas sob a vida
de seus cidadãos não tem sido muito eficaz em razão de uma tradição
constitucional que dá ênfase na autoridade centralizada e no fortalecimento do poder presidencial. A concentração de poder no Executivo
através da possibilidade de legislar por medidas provisórias, de declarar
estado de sítio, de realizar a intervenção federal e de designar e remover
ministros discricionariamente, inviabiliza uma atuação autônoma do
Poder Legislativo, contribuindo para o seu enfraquecimento.
Os movimentos sociais brasileiros – diante das seguidas propostas fracassadas pelo Congresso Nacional - decidiram encampar a luta
por uma nova constituinte. Entre os dias 01 e 07 de setembro de
2014 foi realizado o Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político com a participação de 7.754.436
brasileiros, sendo 97,05% favoráveis à nova Constituinte. A intenção
dos organizadores desse evento era contribuir para a conscientização
da população brasileira acerca das mudanças necessária e pressionar
História do Constitucionalismo, História Constitucional Brasileira e Reformas Políticas • 329
os candidatos à eleição de 2014 para o debate do tema. Entretanto,
muito claro foi o silêncio midiático em relação a tamanha mobilização social, confirmando o forte caráter conservador dos grandes veículos de comunicação em massa que não parecem estar insatisfeitos
com o atual sistema político brasileiro.
Caloroso debate acadêmico se instaurou entre os constitucionalistas brasileiros. Alguns como Marcelo Cattoni, ao lado de Gilberto Bercovici e Lenio Streck, atacam a posposta da Constituinte
Exclusiva alegando ser inconstitucional e um movimento político
não calculado, chegando a denominá-lo de ingênuo. Outros, como
o constitucionalista José Luiz Quadros de Magalhães, ressaltam o
caráter eminentemente político do Poder Constituinte Originário
que obviamente é inconstitucional em relação a ordem vigente que
pretende alterar, ou seja, sua legitimidade não é jurídica, mas sim
popular. Assim, concede-se verdadeira centralidade aos movimentos
sociais e ao poder “instituinte” das ruas.
Notas
Organizado sob a lógica do “enchameamento virtual” explicada pelo sociólogo Rudá Ricci e antropólogo Patrick Arley no livro: “Nas ruas: a outra
política que emergiu em junho de 2013”.
2
Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/6618.
Acesso em 29 de setembro de 2014.
1
O Judicial Review e o Ativismo Judicial da
Suprema Corte Americana
Estefânia Maria de Queiroz Barboza
Professora titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e professora
associada da Universidade Federal do Paraná, programas de graduação e pósgraduação em Direito. Brasil. Pesquisadora (bolsista de produtividade em
pesquisa) do CNPq. Mestre e Doutora pela UFSC. Visiting researcher associate
no Centre for the Study of Democracy, University of Westminster, Londres,
1998-1999. Visiting research scholar, Benjamin N. Cardozo School of Law, Nova
York, 2012-2013.. [email protected]
Katya Kozicki
Professora titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e professora
associada da Universidade Federal do Paraná, programas de graduação e pósgraduação em Direito. Brasil. Pesquisadora (bolsista de produtividade em
pesquisa) do CNPq. Mestre e Doutora pela UFSC. Visiting researcher associate
no Centre for the Study of Democracy, University of Westminster, Londres,
1998-1999. Visiting research scholar, Benjamin N. Cardozo School of Law, Nova
York, 2012-2013.. [email protected]
No presente trabalho, examinar-se-ão as origens históricas do
judicial review nos Estados Unidos da América e os reflexos de sua
concepção no chamado “ativismo judicial” norte-americano, o qual
acaba por priorizar o papel da jurisdição constitucional em prejuízo
ao princípio democrático, na proteção dos direitos fundamentais garantidos na Constituição. Ou seja, acredita-se que a Suprema Corte
é a instituição do governo melhor preparada para pronunciar e guardar os valores permanentes da sociedade, que por sua vez, não estão
prontos, precisando ser continuamente derivados e enunciados.1
Não se nega aqui a grande influência sofrida pela doutrina nacional, não só pelo judicial review americano, como também pelo
constitucionalismo europeu, em razão de nosso sistema ser parecido
com o sistema romano-germânico, mais comum naquele continente.
Ativismo judicial e comportamento judicial • 331
Não obstante, justifica-se a opção por aprofundar o estudo da experiência norte-americana, visto que a introdução da jurisdição constitucional, tanto no Brasil como nos países europeus, teve por influência
a experiência do judicial review estadunidense, por se tratar da primeira
experiência de controle de constitucionalidade no mundo.
Embora a Europa tenha rejeitado o modelo estadunidense de
controle difuso de constitucionalidade das leis em virtude do receio
do “governo de juízes”, haja vista a atuação da Suprema Corte norte-americana na primeira metade do século XX2, é certo que os modelos de constituição rígida e, consequentemente, de supremacia da
constituição, adotados pelos países europeus em meados do século
XX, têm origem no sistema constitucional americano, que foi o sistema precursor de controle judicial das leis provenientes do Poder
Legislativo que acabou por irradiar efeitos por todo o mundo.
Um segundo motivo que torna relevante o estudo do modelo do
judicial review norte-americano aparece na medida em que o papel criativo3 e ativista dos juízes no sistema estadunidense, na busca de soluções
para problemas concretos, transformando questões políticas em jurídicas, não tem comparativos4 no resto do mundo, resultando como o melhor exemplo de proteção e concretização dos direitos fundamentais de
que se tem conhecimento, mesmo que esta proteção tenha significado a
oposição da Suprema Corte americana às pretensões políticas da maioria.
Esse protagonismo do Judiciário é muitas vezes chamado de ativismo judicial, o qual deve ser entendido não o quanto uma Corte
é ocupada mas o quanto seus juízes estão dispostos a desenvolver o
direito. Apresentar-se-ão, por outro lado, as críticas e a controvérsia
a respeito do ativismo judicial, que se dão especialmente por duas
razões. A primeira diz respeito ao caráter contramajoritário dos juízes, que não teriam competência para elaborar novo direito pois não
foram eleitos pelo povo e numa democracia liberal a visão convencional permanece sendo a de que somente as pessoas eleitas ao Parlamento poderiam criar o direito. A segunda questão é em se aceitando
que os juízes podem desenvolver a lei, quais seriam os critérios para
definir que o desenvolvimento seria adequado5.
332 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Buscar-se-á, ainda, estudar e apresentar algumas definições de
ativismo judicial, em virtude da grande diversidade de sentidos utilizados pela doutrina. Adota-se, na presente pesquisa, a concepção de
Christopher WOLFE sobre o ativismo judicial convencional, como
sendo aquele nos quais os juízes devem decidir os casos que lhes são
apresentados e não evitá-los, de modo a realizar a justiça, especialmente protegendo a dignidade da pessoa humana pela expansão da
igualdade e da liberdade. Os juízes “ativistas” devem se comprometer
a garantir, dessa forma, soluções para os problemas sociais, principalmente utilizando-se de seu poder para dar conteúdo aos direitos
e às garantias fundamentais que venham a realizar a justiça social.6
Ativistas não no sentido pragmático de ignorar a Constituição ou os
precedentes que lhe interpretaram, para impor seu próprio ponto de
vista, mas no sentido de que devem estar eles preparados para responder às questões de moralidade política que lhe são apresentadas, nos
moldes da doutrina de DWORKIN7 do direito como integridade.
Por fim, analisar-se-á o projeto político que garante a manutenção da autoridade judicial para interpretar a Constituição e usar
ativamente o poder de controle constitucional das leis. Para que se
sustente o ativismo judicial, no sentido de declaração de inconstitucionalidade do ato normativo do Legislativo ou do Executivo, as
Cortes devem operar numa política de desenvolvimento favorável.
Juízes devem achar razões que levantem objeções aos atos do governo, e políticos eleitos devem achar razões para parar de sancionar ou
criticar juízes que levantam tais objeções.8
Notas
1 Neste sentido ver WELLINGTON, Harry H., “in” BICKEL, Alexander M. The
Least Dangerous Branch: The Supreme Court at the Bar of Politics. 2nd ed.
New Haven: Yale University Press, 1986, Foreword, p.xi. “It is a premise
we deduce not merely from the fact of a written constitution but from the
history of the race, and ultimately as a moral judgment of the good society, that government should serve not only what we conceive from time to
time to be our immediate material needs bus also certain enduring values.
This in part is what is meant by government under law. But such values do
Ativismo judicial e comportamento judicial • 333
not present themselves ready-made. They have a past always, to be sure, but
they must be continually derived, enunciated, and seen in relevant application”. “And Bickel believed the Supreme Court was ‘the institution of our government’ best equipped ‘to be the pronouncer and guardian of such values’.
“É uma premissa que nós deduzimos não apenas do fato de uma constituição ser escrita, mas pela história da raça humana e principalmente como um
julgamento moral de uma boa sociedade, a de que o governo deveria prover
os cidadãos não somente daquilo que concebemos de tempos em tempos ser
nossos bens necessários, mas também de alguns valores duradouros. Isto é
em parte o que se entende governar segundo a lei. Mas alguns desses valores
não estão prontos por si só. Eles sempre têm um passado, por certo, mas
precisam continuamente ser derivados, enunciados, e vistos em aplicações
relevantes’. E Bickel acreditava que a Corte Suprema era a ‘instituição do governo melhor equipada para declarar e proteger esses valores.”
2
Cf. FAVOREU, Louis. As Cortes Constitucionais, São Paulo, Landy Editora, 2004,
p. 18 et. seq.; e CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade
das leis no direitos comparado, Porto Alegre, Fabris, 1984, p. 116 et. seq.
3
O papel criativo que se defenderá no presente estudo é aquele proposto
por Dworkin, ou seja, não se trata de papel criador ou discricionário, mas
de buscar nos princípios constitucionais a resposta certa. A criatividade
da interpretação judicial ocorre “pelo fato de impor um propósito, uma
justificativa para o texto legal ou a tradição que está sendo interpretada.
O juiz não é livre para criar direito, pois sempre haverá um instrumento
do qual ele pode se servir – os princípios políticos constitutivos daquela
comunidade – para julgar o caso concreto e o qual afasta a possibilidade
da discricionariedade judicial.” (KOZICKI, Katya. Conflito e estabilização:
comprometendo radicalmente a aplicação do direito com a democracia nas
Sociedades Contemporâneas, Tese de Doutorado, Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis, 2000, p. 189.)
4
Tendo em vista o aparente caráter filosófico-abstrato e declamatório das
Declarações francesas e, por conseguinte, de seus direitos fundamentais,
afirmava-se a superioridade moral dos direitos, não se garantindo, porém
a sua eficácia e efetividade no plano jurídico, tendo, inclusive, escrito George Jellinek que: “sem a América, sem as constituições dos seus diversos
Estados, talvez tivéssemos uma filosofia de liberdade, mas nunca teríamos
uma legislação que garantisse a liberdade”(JELLINEK, G., apud VIEIRA DE
ANDRADE, José Carlos. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2. ed. Coimbra: Almedina, 2001, p. 21.)
5
DICKSON, Brice. Judicial Activism in The House of Lords 1995 -2007 In:
DICKSON, Brice. Judicial Activism in Common law Supreme Courts. Oxford
University Press, New York, 2007, p. 367.
334 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Christopher WOLFE define o ativismo judicial convencional como aquele
no qual “judges ought to decide cases, not avoid them, and thereby use
their Power broadly to further justice- that is, to protect human dignity –
especially by expanding equality and personal liberty. Activist judges are
committed to provide judicial remedies for a wide range of social wrongs and to use their power, especially the power to give content to general
constitutional guarantees, to do so.” The Rise of Modern Judicial Review:
from constitutional interpretation to judge-made law. Revised edition.
Maryland: Littlefield Adams Quality Paperbacks, 1994, p. 2. Mais a frente
conclui que: “judicial activism may be defined in terms of either the relation of a judicial decision to the Constitution or the manner in which judges
exercise what is conceded to be a broadly political, discretionary power.
The definition on which I place the greater emphasis will be dissatisfying
to most contemporary constitutional scholars, who subscribe to different
conceptions of the nature of judicial power and of the evolution of judicial
review in American history.” Ibidem, p. 31.
7
“Our constitutional system rests on a particular moral theory, namely that
men have moral rights against the state. The difficulty clauses of the Bill
of Rights, like the due process and equal protection clauses, must be understood as appealing to moral concepts rather than laying down particular conceptions; therefore a court that undertakes the burden of applying
these clauses fully as law must be an activist court, in the sense that it
must be prepared to frame and answer questions of political morality”.
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University
Press, 1978, p. 147. Ver também: BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz.
Precedentes Judiciais e Segurança Jurídica: Limites e Possibilidades para a
Jurisdição Constitucional brasileira. São Paulo: Saraiva, 2014.
8
WHITTINGTON, Keith E. “Interpose your friendly hand”: Political supports for the exercise of Judicial Review by the United States Supreme Court.
American Political Science Review, v. 99, n. 4, 2005, p. 583.
6
Ativismo Judicial: Fatores e Dimensões
Carlos Alexandre de Azevedo Campos
Mestre e Doutorando em Direito Público pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro – UERJ (Brasil). Professor de Direito Constitucional e Tributário
da Universidade Candido Mendes (campus Campos dos Goytacazes) e da
UNIFLU (Brasil). Email: [email protected].
Com toda a ascensão institucional do Supremo, o ativismo judicial tornou-se um dos principais assuntos de nossos debates doutrinários. Pode-se dizer, sem receio, ser um tema da moda. Porém, o ativismo
judicial no Brasil e, particularmente, do Supremo, está distante de ser
um fato isolado. Muitíssimo ao contrário, a discussão sobre o exercício
expansivo de poder decisório por juízes e por cortes sobre os outros
poderes possui alcance espacial e temporal muito maior que o incipiente debate brasileiro possa sugerir. A discussão é contemporânea
ao surgimento do controle judicial de constitucionalidade das leis. A
realidade é que a expansão do ativismo judicial tem sido mundial.
Mas, afinal, o que é o ativismo judicial? O que se pretende com
o “debate sobre o ativismo judicial”? Como se identificam práticas
de ativismo judicial? O que faz de uma decisão judicial uma “decisão
ativista”? Quais são as variáveis explicativas? O ativismo judicial é
uma escolha isolada dos juízes? Como se manifesta o ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal? Enfim, quais são as premissas e os
propósitos deste trabalho?
Mesmo antes da discussão acerca da legitimidade das decisões
ativistas e da postura de ativismo judicial, há a necessidade de se
apresentar e explicar o avanço do ativismo judicial nas ordens políticas particulares, assim como de identificar as decisões ativistas e
categorizá-las. Ambos os propósitos dependem da prévia definição
de “ativismo judicial”, e que esta seja capaz de dar conta da complexidade dos comportamentos adjudicatórios ativistas. Esta definição
deve ser construída em torno do “núcleo comportamental ativista”
– a expansão de poder político-normativo por parte de juízes e cortes
336 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
sobre os outros poderes –, e levar em conta as diferentes características desse comportamento apreendidas por meio da observação das
praticas decisórias de cortes constitucionais paradigmáticas.
Assim, faz-se possível fixar cinco premissas com implicações
normativas sobre a construção da definição mais adequada e útil de
ativismo judicial – a primeira premissa diz que o ativismo judicial é
uma questão de postura expansiva de poder político-normativo de juízes
e cortes quando de suas decisões, e não de correção de mérito dessas decisões
judiciais; a segunda, que o ativismo judicial não é aprioristicamente legítimo ou ilegítimo; a terceira aponta o caráter dinâmico e contextual da
identificação e da validade do ativismo judicial; a quarta diretriz afirma
a pluralidade das variáveis contextuais que limitam, favorecem, enfim,
moldam o ativismo judicial; e a última é aquela que explica o ativismo
judicial como uma estrutura adjudicatória multidimensional.
A partir dessas cinco diretrizes, o ativismo judicial pode ser definido como o exercício expansivo, não necessariamente ilegítimo, de poderes
político-normativos por parte de juízes e cortes em face dos demais atores
políticos, que: (a) deve ser identificado e avaliado segundo os desenhos institucionais estabelecidos pelas constituições e leis locais; (b) responde aos
mais variados fatores institucionais, políticos, sociais e jurídico-culturais
presentes em contextos particulares e em momentos históricos distintos; (c)
se manifesta por meio de múltiplas dimensões de práticas decisórias.
Esta definição tem a virtude de possibilitar a explicação e a identificação do ativismo judicial de Cortes particulares. Quanto ao caso brasileiro, precisamente do Supremo Tribunal Federal, a explicação do ativismo
judicial deve levar em conta a premissa de o ativismo judicial responder
aos mais variados fatores institucionais, políticos, sociais e jurídico-culturais
presentes em contextos particulares e em momentos históricos distintos. Com
efeito, o momento ativista do Supremo é totalmente vinculado ao contexto histórico brasileiro pós-Constituição de 1988 e às transformações
institucionais, políticas, sociais e jurídico-culturais que se seguiram. Com
isso, rejeita-se a ideia do ativismo judicial contemporâneo como decorrência pura e simples da vontade dos juízes do Supremo. Na realidade,
ele responde a múltiplos fatores, máxime, a fatores exógenos.
Ativismo judicial e comportamento judicial • 337
Quanto à identificação e categorização das decisões ativistas, revela-se ineludível reconhecer-se o caráter multidimensional do ativismo
judicial. As decisões ativistas se apresentam por uma variedade de condutas judiciais distintas. As cortes expandem poderes político-normativos em face dos outros poderes por meio: de interpretações criativas
e expansivas dos enunciados normativos constitucionais, notadamente
dos princípios constitucionais; da correção das leis, alterando os significados para conformá-las às constituições; da ampliação, por conta
própria, de seus instrumentos processuais e da eficácia de suas decisões;
da falta de deferência às capacidades legal e cognitiva dos outros poderes; da interferência na formulação e na execução de políticas públicas
em torno de direitos sociais e econômicos.
Tal realidade decisória se faz presente na jurisprudência contemporânea de todas as importantes cortes constitucionais ao redor
do mundo, incluído o Supremo Tribunal Federal e, por isso, a identificação do ativismo judicial deve ser realizada por um método que
reconheça a aludida estrutura multifacetada e faça dessa condição
o objeto de trabalho. Em incorporar o caráter multidimensional à
definição de ativismo judicial e em aplicar essa fórmula ao comportamento decisório dessas Cortes, torna-se possível compreender e identificar com muito mais proveito e certeza as decisões ativistas.
Direitos fundamentais e a judicialização da política:
implicações do ativismo judicial no Estado brasileiro
Gabriela Nodari Fróes de Castro
Graduanda do 9º período em Direito pela UFMG, Brasil. Endereço
eletrônico: [email protected].
Luana Amaral Prado
Graduanda do 9º período em Direito pela UFMG, Brasil. Endereço
eletrônico: [email protected].
Na construção histórica do Estado Democrático de Direito, principalmente após a promulgação da Constituição de 1988, o Poder Judiciário passou a representar papel de grande relevância diante da sociedade brasileira. Segundo Luis Roberto Barroso, a atuação mais ampla e
intensa do Judiciário, que se entende por ativismo judicial, pode ocorrer
naturalmente em Estados nos quais o Poder Legislativo – e também o
Executivo – se retraem e se mantêm distantes da sociedade.1
Nesse ínterim, o ativismo judicial tem sido uma questão amplamente debatida pelos juristas. Aqueles que defendem essa atuação
mais ampla do Judiciário possuem argumentos que devem ser considerados. O principal deles é da missão da instituição de garantir a
concretização dos valores constitucionais e dos direitos fundamentais
do cidadão2, além da efetivação do acesso a uma ordem jurídica justa. Outros juristas visualizam a questão de modo mais apreensivo,
levando em conta argumentos como os riscos para a legitimidade
democrática, de politização da Justiça, e dos limites da instituição.3
O debate se torna mais delicado quando se esbarra na questão
da garantia dos direitos fundamentais positivados na Constituição.
O texto constitucional é resultado do processo de redemocratização
do país, de modo que sua promulgação aumentou de maneira significativa a demanda por justiça. Por essa razão, o Poder Judiciário
adquiriu um papel simbólico importante de garantidor de direitos
fundamentais. Conforme Barroso:
Ativismo judicial e comportamento judicial • 339
Uma das instigantes novidades do Brasil dos últimos anos foi a virtuosa ascensão institucional do Poder Judiciário. Recuperadas as liberdades democráticas e as garantias da magistratura, juízes e tribunais deixaram de ser um
departamento técnico especializado e passaram a desempenhar um papel político, dividindo espaço com o Legislativo e o Executivo.4
Esse papel protagonizado pelo Poder Judiciário emergiu diante da
impossibilidade ao Poder Público em enfrentar com êxito as demandas
por direitos sociais prometidos pela Constituição, tais como a saúde
(art. 196, da CF/88) e a educação (art. 205, CF/88). É nesse contexto
que tem sido cada vez mais frequentes atitudes mais ativas dos tribunais
em matéria de políticas públicas, como a concessão de medicamentos
e tratamentos médicos aos cidadãos através de decisões judiciais. Por
essas medidas, há a tentativa de minimizar a falta de acesso efetivo dos
cidadãos a bens da vida que se mostram inteiramente necessários para
a concretização de direitos mínimos, como uma existência digna.
Não obstante o virtuoso papel em que se colocou o Judiciário,
essa atuação não pode ser vista sem o mínimo de ressalva, já que
quadros como o mencionado carregam consigo o contraponto da
invasão da competência do Poder Público, no que se refere ao dever
de administração das políticas sociais. Nesse sentido, não é possível
exigir do Estado a obrigação de prestar algo se o ente não dispuser de
recursos necessários ou que esteja além do razoável, devendo levar em
conta os limites de orçamento público e de gerência de recursos, sob
pena de tornar sem eficácia as garantias constitucionais. Até mesmo
a concretização desses direitos sociais deve ser pensada nos contornos
do princípio da reserva do possível, pelo qual devem ser consideradas
a disponibilidade financeira e a capacidade jurídica do ente, além da
competência constitucional e a reserva da lei orçamentária.5
Com efeito, a postura mais ativa do Poder Judiciário é fruto de
um distanciamento dos demais poderes da sociedade civil e se mostra
fundamental principalmente para a efetivação de direitos sociais e
individuais, nos casos de desídia do Poder Público. Contudo, limites devem ser observados na atuação, com observância de princípios
como o da separação de poderes e da reserva do possível. Certamente,
340 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
não é um equilíbrio simples de ser alcançado, tamanho o peso de
ambas as garantias constitucionais.
Referências
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade
democrática. Atualidades Jurídicas. Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB. Jan / Fev 2009, n. 4. Disponível em: http://www.oab.
org.br/editora/revista/0901.html.
FELLET, André Luiz Fernandes; PAULA, Daniel Giotti; NOVELINO,
Marcelo. As novas faces do ativismo judicial. JusPodium, 2011.
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do
Direito. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/7547/neoconstitucionalismo-e-constitucionalizacao-do-direito/2#ixzz3FJ6Doat1
Notas
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade
democrática. Atualidades Jurídicas. Revista Eletrônica do Conselho Federal
da OAB. Jan / Fev 2009, n. 4. Disponível em: http://www.oab.org.br/editora/revista/0901.html.
2
SAMPAIO JUNIOR, José Herval. Ativismo judicial: autoritarismo ou cumprimento dos deveres constitucionais. In: As novas faces do ativismo judicial. Org.: FELLET, André Luiz Fernandes; PAULA, Daniel Giotti; NOVELINO,
Marcelo. JusPodium, 2011. P. 403 – 429.
3
BARROSO. Op. Cit.
4
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do
Direito. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/7547/neoconstitucionalismo-e-constitucionalizacao-do-direito/2#ixzz3FJ6Doat1
5
BRAUNER, Arcênio. O ativismo judicial e sua relevância na tutela da vida.
In: As novas faces do ativismo judicial. Op. Cit. P. 597 – 624.
1
Ativismo judicial à luz do princípio da Separação dos
Poderes: Uma análise de seus efeitos sobre a democracia no
Brasil a partir do contraponto entre decisões do Supremo
Tribunal Federal e a atuação do Poder Legislativo1
Aparecida de Sousa Damasceno
Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Bolsista PROBIC/FAPEMIG. E-mail: [email protected]. Brasil.
A pesquisa pretende investigar os efeitos do ativismo judicial sobre
a democracia no Brasil, circunscrita pela Constituição da República de
1988, a partir do princípio da separação dos poderes e da soberania popular, mediante análise de decisões do Supremo Tribunal Federal que
reflitam na conformação e atuação do Poder Legislativo. Nesta senda,
necessário destacar que o processo histórico brasileiro de redemocratização e a promulgação da Constituição da República de 1988 permitiram
que o Poder Judiciário fosse fortalecido, de maneira que o chamado fenômeno da judicialização da política pode ser compreendido como uma
consequência do modelo constitucional que se adotou. Entretanto, o
Supremo Tribunal Federal tem desempenhado nos últimos anos papel
de destaque no contexto político brasileiro e, ao decidir sobre temas que
refletem na conformação e atuação do Poder Legislativo, aponta alguns
indicativos quanto à representatividade desse órgão no cenário constitucional vigente no país. Portanto, a partir do princípio da soberania
popular, discute-se a legitimidade do Judiciário para intervir em questões
políticas, uma vez que seus membros, ao contrário do que ocorre no âmbito legislativo, não são eleitos pela escolha popular. Ademais, o art. 2º da
Constituição da República de 1988 prevê a independência e a harmonia
entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, consagrando o princípio
da separação dos Poderes como um dos pilares essenciais do paradigma
democrático. Acresce a problemática o fator de que a sociedade brasileira
tem demonstrado ultimamente grande insatisfação e desconfiança em
relação aos parlamentares, o que fomenta discussões em torno de uma
342 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
suposta crise de representatividade do Legislativo. Nesta perspectiva, é
possível questionar se o ativismo judicial é elemento capaz de promover
tensões e enfraquecer a estrutura democrática, ou se é via necessária de
correção de deficiências do sistema representativo. Qualquer posicionamento sobre o tema requer uma abordagem cautelosa, à luz do intuito
maior de preservação da estabilidade da democracia no Brasil. O trabalho objetiva compreender o arcabouço jurídico-constitucional conformador do Poder Legislativo e do Judiciário no Brasil, em uma análise
de suas atribuições e limites e, a partir de então, examinar decisões do
Supremo Tribunal Federal, posteriores à Constituição da República de
1988, que tenham por objeto a conformação e atuação do Poder Legislativo. Pretende-se, ainda, a reflexão sobre o controle judicial de atos
interna corporis; examinando o ativismo judicial a partir do panorama
de uma suposta crise de representatividade legislativa. No mesmo sentido, importante a análise de propostas do Poder Legislativo que visem à
alteração dos limites de atuação do Judiciário, em especial do Supremo
Tribunal Federal; tais como a Proposta de Emenda à Constituição nº.
33, de 2011, que pretende rever a sistemática de aprovação de súmulas
vinculantes e do modelo de controle de constitucionalidade e, em sua
justificativa, traz como motivação a crítica ao ativismo judicial. Parte-se
da hipótese de que o protagonismo judicial pode desequilibrar a relação
entre os poderes constituídos e comprometer a efetividade democrática
no Brasil. Assim, a pesquisa, de vertente jurídico-sociológica, segue o método hipotético-dedutivo; analisando a produção científica que envolve
o estado da arte das variáveis do problema, as decisões judiciais proferidas
pelo Supremo Tribunal Federal e as ações legislativas que expressem, no
plano federal, a relação entre o Poder Judiciário e o Legislativo.
Palavras-chave: Ativismo Judicial. Supremo Tribunal Federal. Poder
Legislativo. Separação dos Poderes. Soberania Popular.
Notas
1
Pesquisa em andamento.
The conception of judicial activism in Frederick Schauer’s
formalism and a critique
Rodolfo de Assis Ferreira
Especialista em Direito Tributário. Graduado em Direito. Professor do
Curso de Direito da FIC/Doctum Caratinga-MG – Brasil.
Email: [email protected]
Judicial activism is a phenomenon widely debated in the Philosophy of Law, Theory of Law and Constitutional Law in the current times. Normally the treatment of activism is always displayed in
a evaluative conception among other possible considerations, treating it either as something to be permitted or prohibited, or either
as something good or bad. It can be said, however, that despite the
activism being treated in such approach, there is a lack of clarity or
ambiguity about what activism is about. Allied to this difficulty of
treatment there are several conceptions of how judges should treat
the content of legal texts, and among these, we have focused on the
formalism of Frederick Schauer, who defends, in most situations of
judgment, a model of respect to the authority of the rules even when
they do not say what we want. In other words, the author defends the
maintenance of the consequence determined by the rules in a particular case even when the text of the rules conflict with the purposes
that justify them. After these considerations, the aim of this paper is
to present a description of what would be judicial activism in Frederick Schauer’s formalist methodology and reflect critically about him.
Through some readings of Schauer’s theory, we can say that to him,
judicial activism would be characterized as the prevalence of rule’s
purpose and justification at the expense of their literal content, when
applying the law. And in Schauer’s view, rules work as generalizations
of certain situations that generate some consequence, if activated,
generalizations that have some justifications or purposes, but that
have authority independently of it. There would be situations where
344 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
the purposes (external or internal) that justify or outweigh the establishment of a particular rule may come into evidence and even in
conflict with this rule: first, situation when applying the literal text of
a rule in a particular case does not conflict with the purposes of the
rule; second, situations when applying the literal text of a rule is not
possible, due to problems related to the establishment of meaning of
this rule, being, therefore, necessary to realize legal reasoning in order
to determine the normative content; and lastly, situations when applying the literal text of the rule generates a result inconsistent with
the purpose that justifies the rule or other purposes that related to
it. It happens that, according Schauer, the rules would have exactly
the feature to block the analysis of the justifications for the decision.
In view of Schauer’s formalism Schauer, one could say that activism
occur in the last two hypotheses mentioned above: when the text is
unclear or when the text generates a completely absurd result. A critiqueto the theory of Schauer will be directed specifically as to cases
in which the text generates absurd if related to the goals that relate
to the rules result. The relevant point is that the author does not formulate an adequate theory about how to differentiate cases where the
incompatibility between the meaning of the literal text and purposes
of the rule generates absurd results and cases in which the incompatibility exists but do not generate an absurd result. In other words, to
the author does not provide a sufficient criteria that should be taken
in order to differentiate bad and absurd results.
Keywords: judicial activism, formalism, rules, purposes.
O que é um Superprecedente?
Siddharta Legale
Professor da UFJF-GV. Doutorando pela UERJ. Mestre pela UFF
O que é um superprecedente? Quais são as características que
permitem que sejam identificados? No contexto norte-americano, o
debate tornou-se público quando o Presidente do Comitê Judicial do
Senado Arlen Specter e o Chief Justice Roberts concordou com a existência de um “super-duper precedent”, referindo-se, sem endossar ou
rejeitar, a expressão tomada por empréstimo do Juiz Michael Luttig, referindo-se ao super-stare decisis do caso Roe. Vs. Wade. Academicamente, os precursores na temática foram os professores Richard A. Posner e
William M. Landes e, desde então, muitos outros autores trataram do
tema, como, por exemplo, Bruce Ackerman, Michael Gehardt, Michael Sinclair e outros. No Brasil, ainda não há debate a respeito, havendo
necessidade de refletir e debater as formas de vinculação do precedente
à vida política e social em a uma cultura de precedentes.
É possível conceituar os superprecedentes possuem as seguintes
características: (i) são amplos e não precisos; (ii) pacificam em alguma
medida disputas políticas ou sociais; (iii) possuem uma vinculação
jurídica e social que se relaciona com a constituição viva, o que dificulta a sua superação; e (iv) mais do que fama, possuem redes sociais
que sustentam a sua normatividade. O oposto ao superprecedente é
o miniprecedente que costuma ser uma decisão cotidiana dotada de
descrições intuitivas, frágeis, estreitas e fáceis de evitar.
O acréscimo dessa dicotomia “mini” e “superprecedentes” à
tipologia dos precedentes tradicionais (vinculante, intermediário e
persuasivo), que parte eminentemente do ponto de vista normativo,
procura incitar à investigação para a mudanças na cultura brasileira de precedentes, pensando especialmente o que vêm acontecendo
mais recentemente em casos emblemáticos do STF. Alguns casos têm
se diferenciado dos demais, como, por ex., pela repercussão na mídia
346 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
e na sociedade, pela existência de um número de páginas enorme e debates prolongados na corte, e, ainda, pelo crescente número de citações
pelos jornais, revistas, livros não especializados ou específicos da área.
É interessante notar, no último caso, que manuais contemporâneos de
direito constitucional como os do prof. Gilmar Mendes, prof. Alexandre de Moraes ou Bernardo Gonçalves citam mais decisões do STF
do que obras clássicas do direito constitucional brasileiro costumavam
citar, como as dos professores José Afonso da Silva e Paulo Bonavides.
A novidade é que, assim como certas leis “pegam” ou não, o mesmo está ocorrendo com precedentes: caem ou não nas graças dos legisladores e dos diversos segmentos sociais e, resistindo ao passar do
tempo, adquirem algum grau de vinculação não apenas jurídica. A
judicialização da política e da vida, somadas à publicidade ostensiva e
o acompanhamento cada vez maior das decisões judiciais, vem contribuindo para uma gradativa mudança da cultura de precedentes no Brasil (informativos semanais e mensais, tvjustiça, youtube, twitter etc).
Mesmo quando se está diante do controle difuso de constitucionalidade, é possível verificar o incremento na vinculação, como noo caso
Ellwanger (HC 82424), o que fornece um indício dessa transformação
da cultura de precedentes no Brasil. Se isso não fez surgir superprecedentes por aqui, pelo menos, ensejou precedentes com mais “pegada”.
Os casos do STF tornam-se, por isso, grandes em página e em
importância, dotados de redes que sustentam a sua normatividade,
amplamente conhecidos no senso comum jurídico e também para
além da área. Muito ainda precisa ser feito para que se vivencie plenamente uma cultura de precedentes no Brasil, que sirva para consolidação de decisões relevantes institucionalmente e que figurem
no imaginário coletivo por conta do amplo debate público. Ainda
assim, o cenário encontra-se em efetiva e franca transformação. Não
há hoje, por exemplo, cidadão no país que não tenha pelo menos
ouvido falar no mensalão (AP 470). Joaquim Barbosa, por exemplo,
tornou-se sem exagero o Ministro mais popular da história recente
do tribunal depois da relatoria do mensalão, chegando a ter seu rosto
estampado em máscaras de carnaval e, para além de questões folcló-
Ativismo judicial e comportamento judicial • 347
ricas, estima-se até que, caso fosse candidato à Presidência, teria um
número expressivo de votos.
O esquema para nomear juízes antes da posse do novo Presidente
(Marbury vs. Madison) ou a segregação racial nas escolas(Brown vs. Board of Education) difere sem dúvida do esquema de compra de votos do
Mensalão (AP 470) e da vedação da publicação de material antissemita
(HC82424).Os casos são diferentes nos EUA e aqui no Brasil. O Chief
Justice Rehnquist não é o Ministro Moreira Alves, tampouco o Chief
Justice Warren pode ser equiparado ao Ministro Gilmar Mendes. A
Suprema Corte americana não é idêntica ao STF. As comparações e diferenças, porém, permitem que nos dar conta da modificação de nossa
cultura de precedentes, que aproxima common law e civil law.
Os precedentes do STF não são mais como eram antigamente
no tempo de Rui Barbosa, quando nascia o controle difuso de constitucionalidade no Brasil. Das inúmeras decisões de efeito meramente
persuasivos dos primeiros anos da Constituição de 1988, sob a judicatura do Min. Moreira Alves, vemos hoje, com a atuação do Ministro Gilmar Mendes, uma gama de decisões do STF, televisionadas
pela TV Justiça, divulgadas no youtube, debatidas nos jornais e que
não raro contam com audiências públicas para refletir qual seria a
melhor decisão com a sociedade e agentes públicas, convocadas pela
própria Corte. Mobilizamos, por isso, o conceito superprecedente
para que evidenciar que, se não saímos dos mini para os superprecedentes, passamos pelo menos de uma cultura de pseudoprecedentes
para os precedentes em fortalecimento e transformação.
Judicialização e Ativismo Judicial:
o comportamento do Poder Judiciário
Isabella Oliveira Godinho
Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, Brasil. Email: [email protected]
Rebeca Barbosa Andrade
Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, Brasil. Email: [email protected]
O Brasil, como uma democracia, respalda-se, dentre outros, no
princípio da separação de poderes. Assim, Legislativo, Executivo e
Judiciário são funções autônomas com atribuições típicas e atípicas,
estas adquiridas após um processo de reinterpretação sobre o conceito de “separação dos poderes” (GOUVEIA; AMARAL, 2010). Neste
cenário, cumpre ao Judiciário zelar pelo respeito à Constituição (CANOTILHO, 2003), desempenhando competências próprias. Porém,
tem sido o Judiciário chamado cada vez mais frequentemente a se
pronunciar sobre matérias originalmente típicas do Legislativo. Para
melhor entendimento da questão, mostra-se relevante compreender
os conceitos de judicialização da política e de ativismo judicial, o
que se buscou por meio, sobretudo, de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial comparativa. A proliferação de decisões judiciais envolvendo questões de largo alcance político, implementação de políticas públicas ou escolhas morais em temas controvertidos elevou a
importância do tema, uma vez que os contornos das fronteiras que
divisam a política e a justiça tornam-se cada vez menos nítidos. O
fenômeno da judicialização está ligado à busca pela efetivação dos
direitos fundamentais através de decisões judiciais, significando que
algumas questões de larga repercussão política ou social vêm sendo
cada vez mais decididas no Judiciário, e não nas instâncias políticas
tradicionais, representando aquilo que Tate e Vallinder (1995) definem como transferência do poder decisório. Para Barroso (2009),
Ativismo judicial e comportamento judicial • 349
Fux (2011) e Rocha (2012), esta atuação atípica do Judiciário, representa maior controle dos poderes políticos e maior eficácia dos
direitos constitucionalmente garantidos. Esta posição é combatida
por Appio (2005 e 2008), Paterniani (2013) e Carlini (2010), segundo os quais a judicialização pode ser danosa para a democracia,
uma vez que os membros do Judiciário não foram eleitos para desempenhar tal mister. Fato é que é cada vez mais perceptível o avanço do Direito sobre temas de cunho social, atingindo pontos mais
sensíveis da vida em sociedade. A judicialização do direito à saúde,
por exemplo, encontra-se representada por dezenas de milhares de
ações nos fóruns e tribunais da República (STRECK, 2013). Já com
respeito ao ativismo, encontram-se disponíveis na literatura jurídica
nacional diversas conceituações do fenômeno. Para Barroso (2009,
p. 6), “o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo
específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o
seu sentido e alcance”. Segundo Rafael Oliveira (2012), ao adotar a
postura ativista, o Judiciário pauta-se exclusivamente pela convicção
pessoal do magistrado decisor. Streck aponta o ativismo como um
grande problema da atualidade jurídica, relacionado ao comportamento “solipsista” do juiz, que substitui os juízos políticos e morais
pelos seus (STRECK, 2013). Do estudo, percebe-se que o ativismo
está associado a uma participação cada vez mais intensa do Judiciário no contexto legislativo, o que significa, consequentemente, maior
interferência nos demais poderes. Casos emblemáticos na atualidade
nacional estão a demonstrar uma postura ativista de nosso Judiciário, como aquele envolvendo o deputado Natan Donadon (STF, MS
32.326/DF), onde o Ministro Luis Roberto Barroso, contrariando as
suas lições professorais, nitidamente extrapolou sua função de julgar,
ao criar critérios para a decisão inexistentes na Constituição ou nas
leis brasileiras e desconectados dos limites interpretativos do texto
constitucional. Assim também outros casos emblemáticos como, entre tantos, a decisão a respeito da fidelidade partidária (STF, ADI
4086/DF) ou a edição da Súmula Vinculante nº 13 (vedação do nepotismo). Ressalte-se, ainda, que a postura ativista não é exclusiva da
350 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
magistratura brasileira (BARROSO, 2008; STRECK, 2013; FUX,
2011; GALLO, 2009; CAMPOS, 2014). Desse modo, a pesquisa
revela que ambos os fenômenos florescem em um ambiente de expansão do poder de decisão do Judiciário brasileiro. Isso faz com que
em análises menos criteriosas o ativismo judicial e a judicialização
sejam tratados como um único instituto (como em POGREBINSCHI, 2012), o que se demonstrou incorreto. Como informado, há
importantes diferenças a delimitá-los: o ativismo está ligado a uma
escolha ou postura do julgador, que opta pela subjetividade (solipsismo), ao interpretar a norma, julgando por argumentos de políticas
e não por princípios (DWORKIN, 2003). A judicialização, por sua
vez, diz respeito a uma transferência de poder para a esfera jurisdicional, com alterações significativas na linguagem, na argumentação
e no modo de participação da sociedade (BARROSO, 2009), ocorrendo quando o Judiciário é instado a decidir sobre casos que envolvem a atuação institucional ou posicionamentos adotados por outro
poder (ARAGÃO, 2012). Ambos afetam, cada qual ao seu modo, o
princípio de separação de Poderes. À guisa de conclusão, do estudo
realizado resulta que o ativismo judicial e a judicialização da política
são conceitos relevantes e presentes na atualidade do debate jurídico,
porém distintos e, portanto, não devem ser confundidos, merecendo
a crítica os trabalhos que assim o fazem.
Teria Ronald Dworkin defendido o ativismo judicial?
Henrique Cruz Noya
Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. E-mail: [email protected]
Vitor Amaral Medrado
Professor de Direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(PUC Minas). Doutorando e Mestre em Teoria do Direito pela PUC Minas.
Graduado em Direito pela PUC Minas. Graduado em Filosofia pela Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Membro do Grupo de Pesquisa CNPq
Núcleo Justiça e Democracia. E-mail: [email protected].
Diante do cenário de intensa judicialização da política e das relações sociais, surge uma profusão de posicionamentos quanto à jurisdição constitucional contemporânea. Nesse sentido, traremos no
presente resumo as contribuições de Ronald Dworkin ao debate do
Ativismo Judicial. O autor tangencia o tema ao longo de toda sua obra.
Nosso intento nas linhas que seguem será reunir suas variadas reflexões
em torno da questão. Isso nos levará a conceitos-chave de sua filosofia como a “Leitura Moral da Constituição”, “Questões de Princípio”,
“Princípio da Integridade”, “Romance em Cadeia” e a figura do “Juiz
Hércules”. Concluímos que a filosofia dworkiniana endossa um comportamento judicial proativo, centrado em preocupações morais, sem
desguarnecer frente aos riscos de um ativismo desbragado ou irrestrito.
Muito embora as reflexões de Ronald Dworkin se deem no contexto de um sistema Common Law, elas podem ser proveitosamente reportadas ao nosso sistema jurídico, visto que adotamos, grosso
modo, a concepção norte-americana de democracia constitucional.
Dworkin foi um declarado entusiasta desse modelo. Foi o próprio
Dworkin quem afirmou que “os Estados Unidos são uma sociedade mais justa do que teriam sido se seus direitos constitucionais tivessem sido confiados à consciência de instituições majoritárias”
(DWORKIN, 2007, p. 426-427). Acreditava, assim, que questões
352 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
constitucionais exigem interpretação, e que a melhor resposta nem sempre é aquela ancorada no convencionalismo. Isto é suficiente para afastá-lo
do programa do passivismo judicial (também denominado moderação
ou autocontenção) e, de fato, o rejeitava expressamente. Compromissado com a efetividade dos direitos individuais, Dworkin propugnava uma
interpretação construtiva, substancialista e moralmente responsável, que
“leve os direitos a sério”: a “leitura moral” da Constituição.
Tudo isso parece sugerir que Dworkin defende o ativismo. Entretanto, uma leitura mais acurada indica que essa não é a caricatura
mais apropriada da teoria dworkiniana, ou, ao menos, não se adotada
a acepção corrente e pejorativa de “ativismo judicial”. O autor demonstra especial preocupação com os “riscos de tirania” que o ativismo envolve e, por tal razão, engendra em sua teoria restrições concretas ao alvedrio dos juízes. Nesse sentido, “o direito como integridade
condena o ativismo e qualquer prática de jurisdição constitucional
que lhe esteja próxima” (DWORKIN, 2007, p. 452).
O interpretativismo de Dworkin é sensível à tradição, à cultura
política, à linguagem e ao legislador; na medida em que todos são
levados em conta no sentido de limitar o poder discricionário do
juiz-intérprete. A exigência de integridade constitucional afasta do
“Juiz Hércules” a discricionariedade positivista1; suas decisões deverão harmonizar-se à história e a uma moralidade constitucional coerente, segundo a construção do “romance em cadeia”. Igualmente
importante é a distinção que o autor opera entre “argumentos de
princípio” e “argumentos de política”. Os juízes estariam adstritos
aos primeiros, enquanto ao Legislativo competiria também os segundos. Como defendemos, essas construções conceitos de Dworkin
funcionam como verdadeiras restrições ao ativismo, pelo que é em
certa medida incoerente a crítica de que Dworkin conferiria poderes
absolutos aos juízes para impor suas próprias convicções morais à
sociedade (DWORKIN, 2006, p.16-17).
Dworkin afiançava uma atividade jurisdicional forte e proativa.
Não olvidava, contudo, dos riscos envolvidos nessa opção; mas dizia:
“não precisamos exagerar o perigo”; este “não repousa inteiramente
Ativismo judicial e comportamento judicial • 353
do lado do excesso”. (DWORKIN, 2014, p. 232). Toda a filosofia de
Dworkin perpassa por tentativas de reduzir o “risco do erro”, através
de uma aproximação necessária entre o direito constitucional e a filosofia moral. Isso porque, para o filósofo, não há fórmulas mecânicas
capazes de balizar a atuação judicial. A restrição genuína está na boa
argumentação (DWORKIN, 2009, p. 202). Afinal, “os juristas são
sempre filósofos” (DWORKIN, 2007, p. 454).
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Paulo: Martins Fontes, 2014.
DWORKIN, Ronald. O Direito da Liberdade: a leitura moral da constituição norte-americana. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo:
Martins Fontes, 2006.
Palavras-chave: Ronald Dworkin; Ativismo judicial; Autocontenção; Jurisdição constitucional; Política majoritária.
Notas
Segundo os positivistas Kelsen e Hart, o juiz tem poder discricionário
para decidir, o qual é tão mais presente na medida em que certas normas
são gerais (Kelsen) ou são regras de textura aberta (Hart). Em Dworkin, a
tarefa do juiz é a de declarar um direito de alguma forma preexistente, e
não inventar um direito novo.
1
O papel do Supremo Tribunal Federal na construção de
uma constituição transversal: os perigos do autismo e da
expansão imperialista do direito
Edvaldo de Aguiar Portela Moita
Mestre em Direito com ênfase em Ordem Jurídica Constitucional pela
Universidade Federal do Ceará (UFC). Advogado. Professor de Teoria da
Constituição na Faculdade 7 de Setembro (Fa7). Brasileiro.
E-mail: [email protected].
Partindo da diferenciação funcional da sociedade na modernidade, quando emerge o conceito moderno de Constituição, concebida, de
um lado, para resolver problemas de estrutura do Estado e de limitação
do poder e, de outro, para proteger direitos fundamentais, percebe-se a
ascensão, cada vez maior e em proporções mundiais, das Cortes constitucionais como intérpretes últimas das disposições constitucionais.
Ocupando a jurisdição o centro do sistema jurídico, onde o non
liquet é proibido e onde decisões devem ser dadas, surgem alguns
problemas, entretanto, que são dignos de nota, principalmente quando ações judiciais tratam de questões constitucionais, ou mais especificamente, de direitos fundamentais e de direitos humanos. Aborto, liberdade de expressão, ações afirmativas, casamento civil entre
pessoas do mesmo sexo, políticas públicas são temas que, através
da Constituição, parecem acoplar o sistema jurídico não somente
à política mas também a outros subsistemas sociais, v.g., imprensa,
religião, educação, economia, amor.
O ponto central é que as decisões das cortes constitucionais não
têm como dar conta da complexidade do ambiente do direito, mas,
a despeito disso, promovem irritações nesse ambiente. Em algumas
ações específicas, decisões têm o poder de forçar a inclusão de indivíduos excluídos de outros subsistemas.
No Brasil, por exemplo, uma decisão do Supremo Tribunal
Federal (ADPF 132/RJ, 2011) levou, por transcendência dos seus
Ativismo judicial e comportamento judicial • 355
motivos determinantes, à autorização do casamento civil entre casais
do mesmo sexo (Resolução 175 do Conselho Nacional de Justiça –
CNJ). Logo depois, além de muitas igrejas começaram a celebrar casamentos religiosos, o sistema de seguridade social teve que se adaptar a essas mudanças causadas pela decisão.
Daí surge o questionamento: quais as consequências dessas decisões guiadas por um código jurídico/constitucional que afetam a
racionalidade de outros subsistemas da sociedade?
Uma dessas consequências é a possibilidade de o sistema jurídico forçar a inclusão/exclusão de indivíduos em outros sistemas
sociais. Nessa perspectiva, será aqui analisada a atuação específica
do Supremo Tribunal Federal no contexto brasileiro, com o objetivo de verificar se essa atuação, em alguma medida, contribui para
a compreensão da Constituição brasileira como uma racionalidade
transversal entre o direito e outros sistemas sociais, em que se torna
possível a aprendizagem recíproca e o intercâmbio criativo na troca
de complexidades pré-estruturadas entre as racionalidades em jogo.
De outro lado, porém, como um conceito de duas formas, não se
deve desconsiderar que a compreensão de uma Constituição como racionalidade transversal possui não somente efeitos positivos mas também negativos. No primeiro caso, o sistema jurídico/constitucional pode
integrar indivíduos que são histórica e socialmente excluídos de outros
subsistemas da sociedade, especialmente aqueles que não possuem acesso
regular às prestações desses sistemas. Isso pode ser observado, a título
ilustrativo, quando decisões constitucionais legalizam relações homoafetivas e, por conseguinte, dão acesso às políticas de seguridade social.
No segundo caso – e aqui o diagnóstico é mais delicado de se
precisar –, essas decisões podem implicar não somente corrupções
sistêmicas, com a sobreposição de um código de racionalidade sobre
outro, como também uma negação da alteridade, seja pela (a) perda
da capacidade de observar o outro, seja pela (b) atuação negativa no
desenvolvimento da racionalidade do outro. Na hipótese (a), residem
os perigos do autismo com o aumento da consistência interna, mas
ao custo da diminuição da necessidade do sistema de se adaptar ao
356 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
ambiente, o que resulta na incapacidade de construtivamente oferecer suas estruturas como critérios para outros sistemas. Na hipótese
(b), surge o perigo de uma expansão imperialista, em que um sistema desenvolve um código de comunicação tão forte que prejudica
a capacidade de outros sistemas de agir propriamente na sociedade.
Portanto, este trabalho consistirá em (1) identificar o papel das
Cortes constitucionais, com foco especialmente no Supremo Tribunal Federal, na interpretação da Constituição; (2) visualizar os perigos
da interpretação constitucional, notadamente quanto às possibilidades (2.1) de autismo e (2.2) de uma expansão imperialista do direito
em relação a outros subsistemas sociais; (3) e avaliar em que medida
a atuação do STF, em alguns casos paradigmáticos, contribui ou não
para a construção de uma Constituição transversal no contexto brasileiro, mais especificamente na sua capacidade de incluir através do
direito os indivíduos excluídos em outras esferas de racionalidade.
Hard cases: estudo do caso Natan Donadon
Barbara Brum Nery
Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Especialista pela Pós- graduação Lato Sensu em Direito Processual do
Instituto de Educação Continuada na Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais — IEC PUC Minas. Mestranda em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais. Brasil. Advogada. E-mail: [email protected].
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1494580038161956.
O desenvolvimento de teorias acerca das decisões judiciais domina há muito os estudos realizados por filósofos e teóricos do direito. Em que pese a vasta distância entre os mais diversos marcos
teóricos adotados pelos juristas, em comum, é praxe se deparar com
a preocupação a respeito dos limites e a possibilidade de construção
de métodos para as decisões judiciais.
Atualmente mostra-se recorrente na doutrina e jurisprudência
brasileira a cisão das demandas judiciais em dois principais grupos,
classificados quanto ao nível de ‘dificuldade’ de sua resolução. São os
chamados, ‘casos fáceis’ e ‘casos difíceis’.
Do ponto de vista doutrinário, o uso do termo ‘casos difíceis’, remeter-nos-á à obra de Ronald Dworkin e à sua crítica ao positivismo jurídico, especialmente àquela concepção teórica cunhada por Hebert Hart.
A definição de casos difíceis cunhada por Dworkin parte da crítica à concepção de textura aberta hartiana, sendo entendida como
situações nas quais uma ação judicial não se submete a uma regra
de direito clara, estabelecida previamente por alguma instituição
(DWORKIN. 2002, p. 127).
O que afasta e coloca em lados diametralmente opostos as duas
teorias, a positivista e a dworkiniana, é justamente o desenvolvimento de propostas acerca de como devem ser solucionados esses casos.
Enquanto os alinhados à teoria hartiana defendem o poder discricionário, segundo o qual os juízes, diante de um ‘caso difícil’, em razão
da textura aberta do direito, poderiam escolher de uma forma ou de
outra, Dworkin (2002) crítica fortemente essa linha de argumentação.
358 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Em seu lugar propõe a construção de uma teoria que possibilite a afirmação de que, mesmo nos casos difíceis, quando inexiste
uma regra clara para regulação do caso, o juiz continua com o dever
de descobrir o direito das partes, não podendo criar retroativamente prerrogativas. Os argumentos apresentados, inclusive nesses casos difíceis, devem ser argumentos de princípios e não argumentos
de políticas. (DWORKIN, 2000).
No Brasil, a teoria desenvolvida por Dworkin ganhou inúmeros adeptos, o que motivou a elaboração de diversos trabalhos acadêmicos nesse sentido.
Lênio Luiz Streck citando a noção fenomenológica de círculo
hermenêutico desenvolvida por Gadamer, faz fortes críticas à distinção entre casos fáceis e difíceis. A classificação de casos como ‘fáceis’,
ou seja, passíveis de solução por mera subsunção, desconsidera a existência de um acontecer no pré-compreender e implica uma separação
de discurso de validade e de discurso de aplicação característica do raciocínio causal-explicativo da filosofia da consciência, onde ninguém
se pergunta sobre o sentido atribuído a algo. (STRECK, 2008).
Cruz e Duarte (2013) apresentam também objeções à distinção
estabelecida entre casos fáceis e casos difíceis, que decorreria da crença
na possibilidade, especialmente nos easy cases, de limitar a interpretação
ao processo de descoberta de uma regra geral e abstrata que resolva o
caso concreto, como se existisse uma resposta correta a priori.
Ademais, o próprio Dworkin, reconhece que a postura do juiz
deverá ser a mesma tanto em casos difíceis, como nesses casos tidos
como fáceis, já que “questões consideradas fáceis durante um certo
período tornam-se difíceis antes de se tornarem novamente fáceis –
com as respostas opostas” (DWORKIN, 1999, p. 424).
A adesão jurisprudencial brasileira à distinção em questão pode ser
exemplificada a partir da decisão proferida pelo ministro Luiz Roberto
Barroso na Medida Cautelar em Mandado de Segurança 32.326 do
Distrito Federal, no notório caso ‘Natan Donadan’ (BRASIL, 2013d).
Objetivando minimizar controvérsias acerca da polêmica questão objeto da demanda, Barroso denomina de caso fácil a decisão que
Ativismo judicial e comportamento judicial • 359
se segue formulada em 21 (vinte e uma) páginas de remissões a métodos de interpretações desenvolvidos por Savigny, ainda no século
de XIX, que hoje são expostos pela doutrina tão somente como dados
históricos, já que objeto de fortes críticas decorrentes de sua origem
cunhada no paradigma filosófico da consciência.
Após as digressões teóricas e fáticas, conclui-se pela insuficiência
da fundamentação narrada na decisão, a qual, utilizando métodos
ultrapassados de interpretação, com o objetivo de fornecer uma impossível noção de cientificidade à teoria da decisão jurídica, revela-se
contraditória com os pressupostos teóricos apresentados e, por consequência, falha em conferir juridicidade ao decisium.
A liberdade na escolha e própria noção de método, tal como
concebida na decisão, não coaduna com a perspectiva hermenêutica
desenvolvida por Dworkin e acaba se aproximado mais da ideia de
textura aberta e discricionariedade positivista desenvolvida por Hart,
com a qual o ministro relator expressou sua prévia discordância.
Por fim, endossam-se as críticas dos professores Álvaro Ricardo
de Souza Cruz e Luiz Lênio Streck à cisão das demandas judiciais em
‘casos fáceis’ e ‘casos difíceis’ assumidas por Luís Roberto Barroso na
narrativa exposta, inclusive com fincas a afastar a classificação adotada pelo ministro, o qual rotula como fácil o deslinde da questão objeto do Mandado de Segurança, como se a resolução do caso tivesse
sido alcançada a partir da mera subsunção do fato à norma.
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O ativismo judicial como mecanismo para a efetividade do
processo civil democrático
Isabela Dias Neves
Doutora pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mestre
pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Professora
Adjunta de Direito Processual Civil da Universidade Federal de Lavras e
consultora jurídica. Brasil. E-mail: [email protected].
O ativismo judicial é um mecanismo hermenêutico imprescindível para o processo civil moderno, principalmente porque o Estado
Democrático de Direito (acolhido pelo texto constitucional) exige
que a jurisdição seja exercida a partir de um verdadeiro processo justo, apto a dar efetividade aos direitos e às garantias fundamentais,
aproximando-se da verdade real.
A atuação hermenêutica dos juízes é relevante para a obtenção
de provimentos legitimamente democráticos, pois a sociedade não
busca a aplicação puramente dedutiva dos textos legais em seus casos
concretos. Por mais criativo que seja o legislador, não há como prever
todas as situações controvertidas, além do fato de que, muitas vezes,
é imprescindível uma adequação das normas à realidade. Ademais, o
ativismo não compromete a imparcialidade do juiz, na medida em
que aquele possui limites impostos pelo texto constitucional.
Tendo em vista a regra constitucional de que todo poder emana
do povo (parágrafo único do art. 1º da CRFB/1988), a jurisdição
também tem este caráter, a partir do momento em que as partes, juntamente com o juiz, constroem o provimento final de maneira colaborativa. O povo, a que se refere a Constituição, representa as partes
envolvidas no processo, assim como terceiros que queiram intervir
e fiscalizar a relação processual. Para que exista uma decisão justa, o
magistrado deverá proceder a uma válida individualização e interpretação da norma a ser aplicada ao caso concreto, reconstruindo verdadeira e racionalmente os argumentos colacionados pelas partes envol-
364 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
vidas no processo. O provimento não pode, portanto, se dissociar da
realidade prevista nos autos, eis que o juiz deve submeter ao contraditório argumentos que por ventura não tenham sido ventilados pelas
partes; com isso, não há que se falar em surpresas em um processo
verdadeiramente democrático, na medida em que há necessidade de
se dialogar com as partes de forma colaborativa, a fim de atingir um
resultado legítimo. A justiça da decisão, caracterizada pelo seu grau
de aproximação à realidade dos fatos, coloca em evidência a função
do processo como mecanismo apto ao acertamento da verdade real.
O ativismo judicial exige que o comportamento dos juízes seja
mais ativo, no sentido de se utilizar de técnicas hermenêuticas aptas a
resolver as questões que forem objeto de controvérsias individualmente, haja vista que não são apenas meros aplicadores das letras frias da lei.
É importante ressaltar, ainda, que o ativismo precisa atentar às técnicas processuais, preocupando-se primordialmente com a satisfação do
direito material tutelado. Além disso, é por meio do ativismo que o juiz
pode implantar a verdadeira igualdade jurídica das partes dentro do processo, viabilizando o respeito à constitucionalidade vigorante.
Nessa linha de raciocínio, o órgão jurisdicional serve ao direito
quando reconhece que as regras que surgiram em uma geração remota podem atender perfeitamente às demandas de uma sociedade
em determinado contexto, mas, quando necessário, devem ser descartadas e readequadas às demandas atuais da sociedade. Não cabe
ao juiz apenas aplicar o direito de maneira dedutiva como se fosse
uma operação matemática, porque exerce um papel fundamental na
adequação do direito à realidade social, sem engessá-lo. O trabalho
do juiz, dessa maneira, compreende a otimização do direito posto.
Considerando que o direito a ser aplicado e tutelado não se resume à lei, que hoje o processo é instrumento de concretização de
direitos e garantias fundamentais, o juiz tem por obrigação conduzi-lo, em cooperação com as partes, de modo a criar um espaço discursivo-democrático de tomada de decisões. Em virtude disso, é possível
afirmar que a função jurisdicional será exercida a partir dos limites
impostos pelo ativismo judicial dentro da perspectiva democrática.
Ativismo judicial e comportamento judicial • 365
O compromisso com a verdade e a igualdade impõe o reforço dos
poderes do juiz, retirando-o de uma posição de mero espectador, para
torná-lo sujeito ativo na elaboração do provimento jurisdicional. O
ativismo judicial, porém, não deve ser confundido com a arbitrariedade, pois há de ser praticado com moderação, de forma a superar
a neutralidade indesejável, respeitando o direito vigente. Compete
ao Judiciário, em suma, manter o equilíbrio necessário ao bom funcionamento do mecanismo processual, agindo de forma imparcial e
tornando efetiva a vontade da lei concretizada para o caso dos autos.
Ante o exposto, releva ressaltar que o ativismo judicial, adequadamente empregado, pode contribuir para o exercício da democracia
e para a eficiente atividade jurisdicional, garantindo aos cidadãos a
real satisfação do direito material tutelado.
Collegiality and deliberative democracy
Rafael Dilly Patrus
LL.M. candidate, Assistant professor, Federal University of Minas Gerais
(Universidade Federal de Minas Gerais), Brazil. E-mail: [email protected].
Recent proposals of restructuring the constitutional distribution of powers in Brazil bring forward an old but renewed research
agenda: the necessary reanalysis of the repartition of competencies
and prerogatives between the Legislature and the Judiciary, namely in
what concerns two specific activities: reviewing the constitutionality
of legislation, and interpreting the Constitution. Some of the most
profound and prompting constitutional debates of the past decades
have tried to examine the phenomenon of constitutional jurisdiction
in light of the modern democratic rule of law.1
In this regard, the judicial deliberative procedure is elevated to a
central position. The subject refers not only to the traditional issues
on legal reasoning, but also to the structure of a court’s opinion. In
light of a more democratic distribution of assignments between the
State’s deliberative spaces, the way judges deliberate and decide plays
a key role in determining the premises on which a legislative dialogue
will eventually establish itself.
As far as the jurisdictional collegial enterprise is concerned, Conrado Hübner Mendes argues that collegiality must consist in more
than a mere judicial commitment towards cooperation.2 Through
the deliberative process of interacting and communicating with his
colleagues, a judge must assume the responsibility of supraindividual
action, especially when spontaneous consensus does not come forth.
The purpose is to push deliberators to find pragmatic yet principled
compromises where unprompted agreements prove unviable: “second-order reasons can push a judge who believes he is right to alleviate his first-best choice and join the group”.3
Ativismo judicial e comportamento judicial • 367
Although this defense rightfully acknowledges that the legitimacy of courts depends entirely upon their deliberative performances,
I believe that Hübner Mendes’ idea of collegiality is utterly contrary
to the democratic institutional operation of a constitutional State. In
spite of the relevance of interaction and communication, collegiality
cannot disguise the existence of different views and opinions among
the deliberators. A legitimate method of adjudication is therefore one
that puts in evidence the full reasons and disagreements within the
deliberation process, however insignificant they are.
Considering the intensity of a preference implies the recognition
that every question arouses a varied degree of involvement, interest and principled conviction.4 In public deliberation, these degrees
must be necessarily brought to light. A majority cannot present its
weak inclination in a false shell, since the democratic game requires
that intense minorities may plead, claim, discuss and persuade based
on the strength of their preference. This dialectical dynamism is the
fundamental basis of a regime in which groups with less space are
able to engender their demands through efficient channels. In this
sense, the mentioned pragmatic yet principled model of constitutional argumentation, which intends to strike a balance between the
legal and political constraints that interfere in the deliberative activity of a court, is unquestionably dangerous to the maintenance of an
open and continuous space of democratic decision-making.
The reinstallation of apparently closed discussions depends largely on the intensity of the preferences that support the closing decisions.
Hence, a transparently non-unanimous decision taken by a court is
much more easily reintroduced into the debate arena than a falsely
unanimous one. And more, the allocation of the Legislature as a genuine space of deliberative containment, which I consider to be one of the
most important pillars of our modern democratic rule of law, strongly
relies upon the sincerity and the clarity of the motivation that upholds
any public resolution, mainly the opinions delivered by a court in a
circumstance of profound and authentic disagreement.
368 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Notes
See e.g. R Dworkin, A Matter of Principle (Belknap 1985), Law’s Empire
(Belknap 1986), Freedom’s Law: The Moral Reading of the American Constitution (Belknap 1996), and J Waldron, Law and Disagreement (OUP 1999).
2
C Hübner Mendes, Constitutional Courts and Deliberative Democracy (OUP
2013) 130-132.
3
ibid 130.
4
G Sartori, A teoria da democracia revisitada: o debate contemporâneo (Ática 1994) 300-351.
1
O problema da votação seriatim e a ADPF 132
Ana Beatriz Ferreira Rebello Presgrave
Doutora em Direito Constitucional pela UFPE, Mestre em Direito
Processual Civil pela PUC-SP, graduada em Direito pela PUC-SP. Professora e
Coordenadora do Curso de Direito da UFRN. Brasileira. [email protected]
O Supremo Tribunal Federal (STF) exerce no Brasil uma função
extremamente importante, pois realiza – em única ou última instância – o
controle de constitucionalidade das normas aplicáveis no sistema jurídico
nacional. Este tipo de controle torna possível a manutenção da coerência
interna no sistema jurídico, pois permite que o Tribunal, em constatando a incompatibilidade da norma inferior com a Constituição Federal,
declare a sua inconstitucionalidade e promova a reorganização sistêmica.
Para que as decisões do STF cumpram sua função de maneira
adequada no sistema, o projeto do novo Código de Processo Civil1
(NCPC) prevê que a vinculação de tais decisões se dá pelas razões
determinantes dos julgados, e não pelo seu dispositivo.
Nesta perspectiva, analisamos neste trabalho a forma de tomada de
decisão do STF (seriatim), tratando das diversas possibilidades decisórias
da Corte, em especial o acórdão, já que é este o instrumento de veiculação
das decisões tomadas pelo plenário. Abordamos também a previsão do
projeto de lei a respeito da utilização dos precedentes, de modo a constatar
se a forma de votação utilizada pelo STF é adequada para a realização
desta função, permitindo que haja coerência interna no sistema jurídico.
Diversos aspectos problemáticos decorrentes do seriatim foram
abordados, como a possibilidade de voto-vista e o decurso de prazo
entre o início e o final da colheita de votos – que em casos emblemáticos chegou a quase uma década (Rcl 4335-AC).
Para a elaboração da pesquisa foram estudados, dentre outros,
trabalhos de Laffranque (2003), Oscar Vilhena Vieira (2008), Conrado Hübner Mendes (2010), Vojvodic, Machado e Cardoso (2009)
e Dimoulis e Lunardi (2011).
370 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Para contextualizar a problemática, analisamos os votos proferidos pelos Ministros do STF na Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) 132-RJ (Ação direta de Inconstitucionalidade - ADI 4277-DF), abordando cada uma das manifestações apresentadas pelos Ministros.
O objetivo da análise do caso foi verificar empiricamente o maior
problema decorrente da votação seriatim, qual seja a impossibilidade
de se estabelecer qual o valor que orientou o julgamento, tampouco se
mostra possível perceber a linha argumentativa que foi afirmada pelo
STF. Em síntese, a análise do caso demonstrou que não existe uma “posição do Tribunal” acerca da problemática levada a juízo, mas apenas
uma convergência no que tange ao dispositivo da decisão.
Se não há como se estabelecer os motivos determinantes do julgado, não há como extrair qualquer norma jurídica do julgamento,
senão aquela que decorre estritamente do dispositivo – in casu a interpretação conforme a Constituição do art. 1723 do Código Civil
para o fim de reconhecer a possibilidade de união estável entre pessoas do mesmo sexo para fins de proteção jurídica do Estado.
Outro ponto relevante tratado no estudo – e que também decorre
do seriatim - diz respeito à efetiva colegialidade dos julgamentos, já que o
acórdão acaba por se compor de um somatório de votos, de um dispositivo e de uma ementa, sendo esta última elaborada unicamente pelo relator
do processo e, curiosamente, é o único elemento utilizado pela maioria
absoluta dos juristas para referenciar as decisões adotadas pelo Tribunal.
A pesquisa apontou para a necessidade de alteração no sistema de votos do STF, pois o seriatim causa inúmeros transtornos e
inviabiliza a extração da “posição da Corte”. A sugestão é que seja
elaborado um voto único vencedor, contendo a posição do Tribunal
sobre o tema, com a possibilidade de existência de votos vencidos, o
que facilitaria a extração do que foi julgado e decidido pelo Tribunal,
mantendo-se a possibilidade de divergência interna na Corte.
Notas
1 Projeto de Lei 8046/2010, em redação final da Câmara dos Deputados de
26 de março de 2014.
Como pensam os juízes: entre o pesadelo e o nobre sonho
Katya Kozicki
Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Paraná (1986) e
graduação em Ciências Econômicas pela Faculdade Católica de Administração e
Economia (1988). Mestrado em Filosofia e Teoria do Direito (1993) e doutorado
em Direito, Política e Sociedade pela Universidade Federal de Santa Catarina (2000).
Visiting researcher associate no Centre for the Study of Democracy, University of
Westminster, Londres, 1998-1999. Visiting research scholar, Benjamin N. Cardozo
School of Law, Nova York, 2012-2013. Atualmente é professora titular da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná e professora associada da Universidade Federal do
Paraná, programas de graduação e pós-graduação em Direito. Pesquisadora (bolsista
de produtividade em pesquisa) do CNPq. [email protected].
William Soares Pugliese
Possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Paraná (2008).
Mestre em Direito das Relações Sociais pelo PPGD/UFPR. Doutorando em Direitos
Humanos e Democracia pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade
Federal do Paraná. Membro da Comissão de Educação Jurídica da OAB/PR. Professor
dos Cursos de Pós-graduação strictu sensu do Centro Universitário Curitiba e da
Academia Brasileira de Direito Constitucional. Advogado. [email protected].
São diversas as obras que procuram analisar o raciocínio e a argumentação que devem ser utilizados pelos advogados. Destacam-se,
dentre elas, as obras de Frederick Schauer, Kenneth J. Vandevelde,
Antonin Scalia e Piero Calamandrei. Por outro lado, porém, são escassas as fontes que se ocupam de examinar a forma como os juízes
se comportam (ou devem se comportar) diante do ato de decisão judicial. Muito se produz sobre interpretação, mas a relação específica
do magistrado com a norma não se revela um tema caro aos juristas. Dentre as poucas referências encontradas estão a obra clássica de
Benjamin N. Cardozo, sobre “A natureza do processo judicial” e a de
Richard Posner, “How Judges Think”, bastante criticada por autores
como Dworkin, mas ainda assim relevante pela análise pragmática
do processo de decisão judicial. De todos os temas que essa discussão
pode tocar o que se revela cada vez mais relevante no cenário jurídico
372 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
brasileiro é o da criação do direito pelas vias judiciais (ou judicial
lawmaking). Afinal, foi somente após o advento da Constituição de
1988 e da ampliação do escopo do Direito Constitucional que questões sociais e políticas passaram a ser levadas ao Poder Judiciário, sob
o manto dos princípios, das cláusulas abertas e do conteúdo valorativo dos direitos fundamentais. Desse modo, apenas nas três últimas
décadas é que a criação do direito pelos juízes passou a ser um tema
relevante para o Direito brasileiro. Até então, vale lembrar, o raciocínio jurídico nacional era muito próximo do positivista, no sentido
de que a fonte do direito era a lei e que o magistrado não inovava ao
decidir. Esta discussão, porém, há muito vem sendo travada entre os
autores oriundos da common law, tradição jurídica da qual decorre, por exemplo, a doutrina do controle de constitucionalidade, que
teve sua origem em uma decisão judicial. Dentre os autores que se
preocuparam com o tema, o que parece ter melhor descrito a tensão
existente foi Herbert L. A. Hart, quando expôs que as opiniões a respeito da criação do direito pelos juízes se situam entre um pesadelo
e um nobre sonho. O pesadelo é a criação do direito propriamente
dita, enquanto o nobre sonho se justifica pela declaração de uma
resposta pré-existente à decisão. Entre esses dois pontos, porém, observa-se uma esfera de outras possibilidades nas quais diversos juristas
construíram suas teorias – e nas quais há sempre um ponto maior
ou menor de criação. Destaca-se, aqui, o trabalho de revisão desenvolvido por Edmund Ursin, em que os pensamentos de magistrados
como Richard Posner, Henry Friendly e Roger Traynor são descritos,
comparados e criticados. É possível extrair deste espectro uma série
de questões que merecem ser consideradas e refletidas, tendo o presente trabalho foco em duas delas: a primeira é a legitimidade dos
tribunais brasileiros de criar o direito ao decidir, especialmente o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, e se essa
criação de fato existe, se o procedimento para a tomada dessas decisões é democrático; a segunda tem relação com a noção denominada
de backlash (repercussão) das decisões, especialmente no que toca à
recepção desse direito criado nos tribunais pela sociedade, bem como
Ativismo judicial e comportamento judicial • 373
no âmbito de relacionamento entre o Judiciário e os demais poderes
do Estado. Se o Judiciário pode criar o direito, não se pode deixar de
examinar sua legitimidade para tanto, nem os efeitos produzidos por
essa criação. Para tratar do primeiro tema, o artigo se utiliza das concepções filosóficas de quatro autores: Hart e Dworkin, que ilustram
os limites entre o pesadelo e o nobre sonho, Schauer e MacCormick,
que se situam entre os limites desenvolvidos pela teoria. O trabalho
também pretende comparar as concepções filosóficas com decisões
dos tribunais brasileiros, a fim de investigar em que medida cada
uma das teorias é compatível com a situação nacional. Esta mesma
proposta de análise teórica e aplicação prática será empregada no segundo tema: a questão do backlash será inicialmente trabalhada a
partir dos textos de Cass Sunstein, Robert Post e Reva Siegel; em
um segundo momento, discute-se as repercussões de uma decisão no
direito brasileiro, especialmente no que toca à recepção do que foi
decidido pela sociedade e pelos Poderes Executivo e Legislativo. Em
conclusão, diante dos resultados obtidos, procura-se demonstrar que
a racionalidade do magistrado – especialmente das cortes supremas
– deve ir muito além do raciocínio clássico de que uma decisão afeta
apenas as partes envolvidas. Pelo contrário, uma decisão pode provocar profundas mudanças sociais, de modo que o magistrado tem o
dever de pensar nos efeitos de suas decisões.
Justiciabilidade dos Direitos Fundamentais Sociais e
Conflito de Competências
Cláudia Toledo
Doutorado em Filosofia e Teoria do Direito (Universidade Federal de
Minas Gerais); Pós-doutorado em Filosofia do Direito (Universidade Federal de
Santa Catarina). Pós-doutorado em Filosofia do Direito (Christian-Albrechts
Universität zu Kiel, Alemanha). Professora adjunta na Universidade Federal de
Juiz de Fora, Brasil. [email protected].
Justiciabilidade significa exigibilidade judicial. É característica
crescentemente atribuída aos direitos à ação positiva fática do Estado,
os direitos fundamentais sociais.
Os processos judiciais sobre direitos fundamentais sociais são os
maiores geradores de conflitos de competência. Questiona-se a adequação da atuação do Judiciário em relação a ações dos demais poderes.
Debate-se se essa atuação é decorrência do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional ou se configura “ativismo judicial”, expressão que assumiu conotação negativa, associada à ingerência indevida do Judiciário na competência dos outros poderes, contrariando
os princípios da separação dos poderes e da democracia.
O princípio da separação dos poderes determina a tripartição
dos poderes. O princípio da democracia protege a liberdade do indivíduo para decidir através debate legislativo.
Argumenta-se também que o Judiciário não possui nem visão
macro da realidade social, nem conhecimento técnico para a tomada
de decisões políticas.
Em tese, não há dúvida do acerto desses argumentos. No entanto,
também em tese, não há dúvida do acerto de seus contra-argumentos.
Compõe a estrutura do Estado Democrático de Direito o controle do
Judiciário sobre os atos dos demais poderes. A questão está no equilíbrio,
que deve ocorrer tanto entre a revisão judicial e a separação de poderes, quanto entre a liberdade do legislador e a proteção aos direitos fundamentais.
Ativismo judicial e comportamento judicial • 375
Equilíbrio exige ponderação, o que implica gradação. De um
lado está o princípio material da liberdade do legislador, representante do indivíduo, resguardado pelo princípio formal da democracia;
do outro, está a proteção pelo Judiciário dos direitos fundamentais,
declarados em princípios materiais, fundada no princípio formal da
inafastabilidade do controle jurisdicional.
A competência originária para decidir é do Legislativo, porque
liberdade é o princípio elementar da democracia. Como princípio, ela
deve ser realizada na maior medida possível, do que decorre a prioridade da competência do Legislativo. Com isso relaciona-se o conceito
alemão Spielraum ou espaço de ação do legislador para decidir, espaço
que é prioritário na democracia.
Entretanto, essa liberdade não é irrestrita. Seu limite está nos
direitos fundamentais. Mas não se trata de uma questão de tudo-ou-nada e sim de gradação da afetação aos direitos fundamentais pelo
legislador. Como se decide sobre valores, a gradação não é algo exato,
sendo possível apenas uma determinação do grau de interferência em
um princípio como leve, moderado ou grave.
Os direitos fundamentais são protegidos pela revisão judicial. Mas
essa é cabível apenas em caso de (i) clara inadequação ou completa insuficiência das ações do legislador em relação aos fins propostos ou (ii)
sua completa omissão na regulamentação das normas constitucionais.
A imposição de que a inadequação seja “clara” e que a insuficiência ou omissão sejam “completas” conduz à exigência de evidência
da deficiência. Tal exigência é denominada “controle de evidência”.
Se observado tal controle, não há ingerência indevida do Judiciário.
Outros fatores que influenciam na definição de competências são:
1. Qualidade da decisão – Quanto maior a qualidade da decisão,
maior a competência do legislador. A qualidade é determinada pelos
argumentos utilizados. Quanto mais abrangentes e convincentes, maior
a qualidade da decisão;
376 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
2. Conhecimento técnico – Quanto maior a exigência de conhecimento
técnico, maior a competência do legislador;
3. Efetividade do ordenamento jurídico – Quanto maior a efetividade do ordenamento jurídico como um todo, maior a qualidade da
decisão do legislador. Isto é, quanto maior o grau de observância da
ordem jurídica, maior a competência do legislador;
4. Incerteza epistêmica quanto ao objeto – Quanto maior a incerteza
epistêmica quanto ao objeto, maior o peso das instituições com autoridade especial para resolver essa incerteza. Assim, tanto maior será
a competência do legislador, quanto menor for a certeza epistêmica. A
incerteza pode ser normativa ou empírica:
a. Incerteza normativa – Quanto mais politicamente controversa a questão, maior a competência do legislador. Inversamente,
quanto maior o conteúdo jurídico da questão, maior a competência do Judiciário. Quanto maior o consenso sobre as questões
normativas, menor a discricionariedade do legislador;
b. Incerteza empírica – Quanto maior a incerteza empírica sobre
a questão, isto é, quanto menor o conhecimento técnico sobre o
objeto, maior a competência do Legislativo;
c. Legitimidade democrática – Quanto maior a busca de legitimidade democrática da decisão, maior a competência do Legislativo;
d. Relevância dos princípios materiais – Quanto mais relevantes
os princípios materiais, menor a competência do Legislativo, pois
menor é sua margem de interferência nos direitos fundamentais.
A definição de competências não é, portanto, questão de fácil implementação. Não obstante, é crescente o desenvolvimento
doutrinário de parâmetros nesse sentido. Afinal, da dificuldade do
fornecimento de resposta racionalmente articulada não decorre a impossibilidade de sua realização.
Democracia, ética e jurisdição constitucional:
Legitimidade e responsabilidade social do Supremo
Tribunal Federal.
Antônio Gomes de Vasconcelos
Doutor e mestre em Direito pela UFMG – Universidade Federal de Minas
Gerais. Especialista em Direito Público pela FDMM. Bacharel em Direito pela
UFMG. Bacharel em Filosofia pela PUC – Pontifícia Universidade Católica,
de Minas Gerais. Professor adjunto da UFMG, nos cursos de graduação em
Direito e em Ciências do Estado e de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e
Doutorado), da Universidade Federal de Minas Gerais. Juiz titular da 45ª Vara
do Trabalho de BH - Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região. Coordenador
do Programa Universitário de Apoio às Relações de Trabalho e à Administração
de Justiça da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais
(Prunart-UFMG). Brasil. E-mail: [email protected].
Isabela Vaz de Mello Lima e Silva Almeida
Bacharel em Direito pela UFMG. Especialista em Direito Público
pelo CAD – Centro de Atualização em Direito/Universidade Gama Filho.
Pesquisadora do Prunart-UFMG. Brasil. E-mail: [email protected].
O problema que se propõe é o da legitimidade política do Supremo Tribunal Federal (STF) na contemporaneidade. Parte-se da hipótese
de que o STF, enquanto órgão de cúpula e de caráter eminentemente
político, não corresponde aos padrões de legitimidade das teorias contemporâneas da democracia e da ética do discurso. São analisadas duas
teorias principais: da democracia participativa (BONAVIDES, 2008;
SOUSA SANTOS, 2002; GESTA LEAL, 2001; ALVRITZER, 2009)
e da democracia integral (CORTINA, 1995; 2010; VASCONCELOS,
2007, p. 473-509). Ainda que a democracia participativa, já existente
na sociedade brasileira, tenha trazido avanços em relação à anterior democracia meramente representativa, a democracia integral pode oferecer
maiores possibilidades de concreção do projeto societário constitucionalmente definido, por trazer em si um princípio de responsabilidade e de
solidariedade, por se fundar na intersubjetividade, razão dialógica, bem
378 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
como por ser voltada à ação e à responsabilidade dos sujeitos quanto
às consequências que dessa possam advir. A ética do discurso a que se
trata implica, não só questões de argumentação jurídica das decisões do
STF, mas uma ética de responsabilidade solidária – em suma, uma ética que responsabiliza os sujeitos envolvidos na tomada de decisão pelas
consequências sociais produzidas, com o respeito aos valores constitucionais, gerando uma responsabilidade social. Pressupõe-se o reconhecimento mútuo de todos os atores sociais enquanto sujeitos – caráter de
emancipação do novo paradigma do direito proposto por Sousa Santos
(2011, p 255-328). A análise de casos da jurisprudência e da administração do Judiciário demonstra que o STF ainda atua, por vezes, conforme
os modelos liberal e elitista de democracia, motivo pelo qual é alvo de
críticas doutrinárias. O caminho para a legitimidade requer do STF a
assunção da responsabilidade social (FARIA, 1997; SOUSA SANTOS
et al, 1996, p. 19-35), não apenas na mídia, mas nos resultados de suas
decisões jurídicas e administrativas para os cidadãos afetados.
Palavras-chave: Legitimidade política do STF. Responsabilidade social. Democracia. Ética da responsabilidade solidária.
Referências
AVRITZER, Leonardo (Org). EXPERIÊNCIAS NACIONAIS DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL. São Paulo: Cortez, 2009. p 7-54.
BONAVIDES, Paulo. TEORIA CONSTITUCIONAL DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA: Por um Direito Constitucional... São Paulo:
Malheiros, 2008.
CORTINA, Adela. RAZÓN COMUNCATIVA Y RESPONSABILIDAD SOLIDARIA: Ética y política em K. O. Apel. Salamanca: Sígueme, 1995. p 79-232.
______. ÉTICA SEM MORAL. São Paulo: Martins Martins Fontes, 2010.
p 136-221; 243-316.
Teorias contemporâneas da Democracia • 379
FARIA, José Eduardo (Org). DIREITO E JUSTIÇA: A função social do
Judiciário. São Paulo: Ática, 1989. p 123-201.
GESTA LEAL, Rogério. TEORIA DO ESTADO: Cidadania e poder político
na modernidade. Porto Alegre: Livraria o Advogado, 2001. p 121-236.
GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa. Acesso à Justiça como Promoção do
Bem-Estar e da “Vida Boa”: Uma transformação possível? In ORSINI,
Adriana Goulart de Sena; CORRÊA DA COSTA, Mila Batista; ANDRADE, Oyama Karyna Barbosa (Coord). JUSTIÇA DO SÉCULO
XXI. São Paulo: LTr, 2014. p 51-58.
SOUSA SANTOS, Boaventura de. A CRÍTICA DA RAZÃO INDOLENTE: Contra o desperdício da experiência: Para um novo senso
comum: A ciência, o direito e a política na transição paradigmática.
Vol 1. São Paulo: Cortez, 2011. p 255-328; 339-343.
______. PARA UMA REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA DA JUSTIÇA.
São Paulo: Cortez, 2007. p 9-44.
______. O DISCURSO E O PODER: Ensaio sobre a sociologia da retórica jurídica. Porto Alegre: Fabris, 1988.
SOUSA SANTOS, Boaventura de et al. OS TRIBUNAIS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS: O caso português. Porto: Afrontamento, 1996. p 19-35.
VASCONCELOS, Antônio Gomes de. PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS E POLÍTICO-CONSTITUCIONAIS PARA APLICAÇÃO
DO PRINCÍPIO DA DEMOCRACIA INTEGRAL E DA ÉTICA
DE RESPONSABILIDADE NA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA: O sistema... 2007.
2 v. Tese (doutorado). Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Direito. Belo Horizonte. p 473-509.
______. O novo sentido da jurisdição na estratégia do Poder Judiciário
Nacional e seu desdobramento na experiência do SINGESPA/TRT3-MG. In ORSINI, Adriana Goulart de Sena; CORRÊA DA COSTA, Mila Batista; ANDRADE, Oyama Karyna Barbosa (Coord).
JUSTIÇA DO SÉCULO XXI. São Paulo: LTr, 2014. p 135-147.
Democracia Material – Um enfoque
constitucionalista cético
Samira Costa Arcanjo
Graduanda em Direito – Universidade Veiga de Almeida – Campus Tijuca
– RJ. Monitora da disciplina “Hermenêutica Jurídica”. Membro participante do
programa institucional de Iniciação Científica – PIC/UVA – Brasil. Contato:
[email protected].
Daniel Nunes Pereira
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito
e Mestre em Ciências Sociais e Jurídicas (PPGSD/UFF), Mestre em Ciência
Política (PPGCP/UFF), Bacharel em Direito (UFF). Especialista CPE em
História Europeia (U.U.-Utrecht). Professor I-RTI do Curso de Direito
da Universidade Veiga de Almeida. Professor Adjunto (Direito Público) da
Faculdade de Direito de Valença – Brasil. Contato: [email protected]
O presente trabalho busca uma analise crítica sobre o fenômeno
da democracia material, tendo por base a metodologia reflexiva do ceticismo, desviando-se da inserção de valores ao proceder ao estudo deste
acontecimento que guarda em si caracteres peculiares e paradoxais.
A democracia, como objeto a ser estudado pela filosofia e pelas ciências sociais, compreende terreno vasto e de difícil compreensão quando
explorado sob apenas um aspecto, o que se justifica pelas suas variadas
linhas adaptativas, conforme padrões culturais e prioridades político-ideológicas de um país. Apesar da complexidade etimológica e semântica
atribuídas à palavra democracia ao longo de sua história, o conceito de
Lei universal, atribuída a esta por seus adoradores, nunca foi abandonada.
Com o ingresso do constitucionalismo, seus pressupostos mantiveram suas características (GOYARD-FABRE, 2000:2). No entanto, reformulações adaptativas foram necessárias ao ingresso do novo
sistema (GOYARD-FABRE, 2000:2). Observamos no contexto constitucional, o fenômeno da materialização em forma de princípio de um dos padrões morais convencionados pela sociedade, que é o da dignidade da pessoa humana.
Teorias contemporâneas da Democracia • 381
Este se mostra imprescindível à concretização da democracia pelos parâmetros da nossa sociedade (HABERMAS, 1997:127). No entanto,
sua generalidade, cuja característica é indiscutível, se mostra de difícil
efetivação do mundo dos fatos, e até mesmo teoricamente, se analisado
levando em consideração a pluralidade moral. (JHERING, 1915)
Um dos paradoxos presente no sistema democrático material situa-se justamente na análise crítica e positivista do princípio acima mencionado. O que surge com o fim de equiparar e salvaguardar direitos
e deveres acaba, na prática, insurgindo contra seu próprio propósito, a
partir do momento em que a discricionariedade e ausência do necessário
e correto uso das técnicas hermenêuticas atingem sentenças carregadas
de concepções morais e políticas, oriundas de uma realidade que muitas
vezes diverge daquelas de quem se submete ao judiciário, em busca do
mínimo do princípio da isonomia prometido pela constituição.
A ilusão do idealismo faz surgir na sociedade concepções eivadas
de padrões morais abstratos, no qual nestas se debruça como arreio
de esperanças e promessas de passividade e igualdade.
Imersa a uma legião de princípios evocados a tutelar direitos e
exigências que, em grande parte, conflitantes e subordinados à um
mesmo sistema jurídico – político, a democracia se vê incapaz de
suportar tal demanda que, em muitos casos, guardam pouca aproximação com questões efetivamente políticas.
Como um ópio à sociedade moderna, a democracia carrega
em si caracteres de algo ilimitado - no que se refere a possibilidades
de modificações do cenário social-político- superior e salvador dos
desarranjos políticos e erros da humanidade. (MAUS, 2000: 186).
O que se mostra como um paradoxo, ao passo que as disparidades
e decepções humanas possuem origem nela mesma. Tal relação de
dependência de guarida por uma entidade-instituição, na qual toda
esperança de salvação lhe é depositada, guarda alguma semelhança
com o sentimento de religiosidade e outras neuroses de transferência paternal observado sob o ponto de vista da psicanálise (FREUD,
2010: 18, 23, 24). Por fim, caberá ao presente uma análise sobre
esse fenômeno paradoxal, onde governantes e governados ocupam o
382 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
mesmo lugar, bem como o possível sentimento de frustração dos que
pretendem o fim dos males sociais através de sua materialidade.
Referências bibliográficas
FREUD, Sigmund. ‘’O Mal-estar na Civilização’’
FREUD, Sigmund. “L’Avenir D’une Illusion”. Paris: Presses Universitaires
de France / Quadrige: 2010b.
GOYARD-FABRE, Simone. ‘’ O que é Democracia?’’, São Paulo: Editora
Martins Fontes, 2000.
HABERMAS, Jürgen. “Direito e Democracia: entre a facticidade e validade. Vol. 2”. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
JHERING, Rudolf Von. “The Struggle for Law”. Nova Iorque: J. J. Lalor
Editor. 1915.
LESSA, Renato. ‘’ Agonia, Aposta e Ceticismo – Ensaios de filosofia política’’, Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.
MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na ‘sociedade órfã’. In. Novos Estudos CEBRAP,
n. 58. São Paulo. 2000.
Jurisdição constitucional no Brasil: tecnologias de uma
razão de Estado antidemocrática
Adalberto Antonio Batista Arcelo
Doutor em Filosofia do Direito (UFMG); Professor da PUC Minas; Brasil;
[email protected].
Tendo como base a análise microfísica do poder, em que Foucault aponta a genealogia de uma razão de Estado materializada em
um complexo de jogos estratégicos de dominação que funcionam
como dispositivos/tecnologias de normalização, identifica-se a dinâmica da jurisdição constitucional no Brasil com um aparato de normalização individual e social, posto que a Corte Constitucional brasileira, fazendo uso do controle de constitucionalidade, tem o poder
de definir os sujeitos de direitos fundamentais. Percebe-se, neste cenário, a reprodução dos conceitos foucaultianos de poder disciplinar
e de biopoder, ou seja, uma complementaridade entre dispositivos de
poder que se exercem sobre o corpo dos indivíduos e dispositivos de
poder que se exercem sobre a vida da sociedade, determinando assim
indivíduos e grupos incluídos no restrito espaço de abrangência em
que o Estado garante direitos. Denuncia-se, por tal perspectiva, a
seletividade de uma tecnologia de inclusão e de exclusão que, sob a
autoridade da jurisdição constitucional, define quem é e quem não é
sujeito de direitos fundamentais. Analisa-se, a partir de tais elementos, os reflexos da construção teórica do paradigma político-jurídico
do Estado Democrático de Direito na dinâmica da sociedade brasileira contemporânea, considerando-se a atuação do Supremo Tribunal
Federal como guardião da Constituição e dos direitos fundamentais.
Em tese a Corte Constitucional brasileira, amparada pelo consenso
teórico em torno da jurisdição constitucional, atuaria para garantir
direitos fundamentais por meio de suas decisões, revisando leis e políticas sociais públicas sob a diretriz da fundamentalidade dos direitos. Contudo, suas decisões têm evidenciado um problema: trata-se
384 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
de garantir direitos fundamentais universais, independentes do perfil
identitário dos sujeitos que os demandam ou trata-se de assegurar
uma tradicional razão de Estado pautada no padrão de utilidade reproduzido por uma estrita parcela da sociedade que se identifica com
aqueles que têm poder de consumo? O aspecto delineador do amplo
consenso quanto à democracia/democratização da sociedade brasileira atual consiste na institucionalização de um Estado de Direito
fundado em princípios constitucionais que explicitam a universalização da dignidade humana e das garantias jurídicas fundamentais
individuais e coletivas. O desenho formal do Estado Democrático de
Direito brasileiro atinge certa consistência teórica, posto que descortina um sistema de direitos garantidos e promovidos por uma jurisdição constitucional. Mas a dinâmica político-jurídica desta mesma
sociedade evidencia algo diverso: com a atual ênfase nos princípios
constitucionais percebe-se a garantia e efetividade dos direitos individuais e coletivos fundamentais mantidas em suspenso, enquanto o
Judiciário brasileiro decide conflitos orientado pelo atingimento de
metas quantitativas e, confirmando a suspensão das garantias fundamentais, recepciona uma teoria dos princípios jurídicos que atenua
sua força normativa no momento do controle de constitucionalidade. Para completar o atual cenário do Estado Democrático de Direito
brasileiro – que uma análise sócio-antropológica denuncia como um
Estado de Exceção – assiste-se a um processo sistemático de criminalização de movimentos sociais oriundos de grupos identitários minoritários e vulneráveis. A recepção da hermenêutica constitucional
pelo Judiciário brasileiro tem gerado na dinâmica jurídico-judicial
um protagonismo antidemocrático da Corte Constitucional que, sob
o pretexto de uma jurisdição constitucional, monopoliza a interpretação e a aplicação – ou não – dos direitos fundamentais. Depois de
dez anos de vigência da Emenda Constitucional Nº 45/2004, percebe-se que os obstáculos estruturais ao acesso à Justiça no Brasil permanecem: o Judiciário, antes de independente e autônomo, permanece uma célula opaca e intransparente que insiste em reproduzir a
dinâmica de uma fábrica que produz decisões em série, sem pacificar
Teorias contemporâneas da Democracia • 385
conflitos e sem garantir direitos para expressiva parcela da sociedade.
Essas considerações levam ao questionamento da plausibilidade do
Estado Democrático de Direito brasileiro. Mantém-se um quadro
de dominação autoritária legitimada pela violência simbólica reproduzida em grande medida pela dogmática jurídica e pela estrutura
jurídico-judiciária brasileiras. Usa-se o conhecimento técnico como
manutenção da insensibilidade e distanciamento desta organização
em relação às demandas e necessidades humanas de grupos identitários marginais como trabalhadores rurais sem terra, trabalhadores
urbanos sem moradia, consumidores sem poder de consumo. Para o
enfrentamento de alguns dos problemas levantados – que em síntese projetam o Estado brasileiro atual como um Estado de Exceção,
antes de um Estado Democrático de Direito – busca-se suporte nas
contribuições do pensamento crítico e desconstrutivista contemporâneo para a tematização de uma dinâmica democrática nas sociedades hipercomplexas da contemporaneidade – como a brasileira. Neste
mister as reflexões de Foucault possibilitam um perfil consistente para
a problematização da dinâmica jurídico-judicial brasileira, vez que a jurisdição constitucional no Brasil tem garantido direitos fundamentais
segundo a conveniência do próprio Estado – “na medida do possível”
– retroalimentando um cenário de vulnerabilidade social e individual.
Palavras-chave: Jurisdição Constitucional. Direitos Fundamentais.
Estado Democrático de Direito. Estado de Exceção.
De Rashomon ao Senhor das Moscas:
o processo de identificaçâo democrática com os
fenômenos da esfera jurídica
Gustavo Augusto de Bourbon
3º Ano de Direito, Universidade Estadual Paulisa “Júlio de Mesquita
Filho”, UNESP Campus Franca, Brasil, [email protected].
Yuri Rios Casseb
3º Ano de Direito, Universidade Estadual Paulisa “Júlio de Mesquita
Filho”, UNESP Campus Franca, Brasil, [email protected].
É inerente ao ideário democrático uma identificação imprescindível entre a vontade expressa do povo e as decisões de seus representantes políticos - para algumas correntes da ciência política, ele revela-se
tanto mais perfeito quanto maior a identificação existente entre o agir
político e o dever ser efetivado1. De fato, os Estados Democráticos ditam-se “governos do povo” por acreditar-se que, em última instância,
o povo sempre estaria governando. Entretanto, na realidade jurídica, o
sistema legislativo não só prescinde de tal necessidade, como, muitas
vezes, verifica-se um desconhecimento do agir jurídico-legislativo pelo
agente comum, sujeito político do sistema democrático2.
Não obstante, tem-se para esse agente comum, intermitentemente, uma noção de participação política despida do reconhecimento tácito dos elementos representativos que a compõe; ou seja,
em muitos casos, a prática do agir eleitoral simboliza, para o cidadão
comum, a própria efetivação de sua participação no processo de decisão legislativo, a despeito da correspondência do agir legislativo do
representante a tal anseio3. Assim, não há vínculo definitivo entre a
ideologia do Estado Democrático e a pretensa identidade do povo.
No contexto dado, o presente artigo busca compreender como
a forma democrática – publicamente embasada no ideário exposto –
vincula os fenômenos da esfere jurídica ao dever ser popular, mesmo
Teorias contemporâneas da Democracia • 387
quando a própria forma democrática omite um vínculo definitivo
entre o agir político do povo e o de seus representantes.
A forma encontrada para realizar uma reflexão acerca da problematização exposta dá-se pela observação de duas grandes obras da
literatura contemporânea, a título de exemplo.
Primeiramente, em O Senhor das Moscas4, de William Golding,
pode-se observar que, quando todos os membros de um grupo de indivíduos estão em um estado desindividualizado, seu funcionamento
social se altera, passando-se a viver num momento de presente expandido, o que torna o passado e o futuro distantes e relativamente irrelevantes. Em tal estado, os processos cognitivos convergem rumo a uma
internalização acelerada da ordem estabelecida, nesse, recém-fundada5.
Argumenta-se, ainda, que o instrumento democrático na organização jurídica se dá, justamente, pela desindividualização do sujeito político. Formal e materialmente, o processo político no qual se
expressa o poder do Estado na esfera jurídica estabelece uma relação
arbitrária, aparentemente lógica, entre o grupo desindividualizado e
a fonte de poder criadora da norma.
Por si, entretanto, esse fenômeno de desindividualização não sustentaria a legitimidade do sistema jurídico perante o povo, tal como é
demonstrado no Senhor das Moscas, uma vez que aquela sociedade,
simplesmente estabelecida pela desindividualização e força do grupo,
rapidamente se rompe em virtude de suas discordâncias pessoais.
Contudo, eis que a dominação pelo método democrático necessita também de mais dois elementos. Um deles, encontramos numa
breve reflexão sobre a obra Rashomon6, de Ryunosuke Akutagawa, e
o outro, trata-se do conceito de ideologia proposto por Weber7.
No conto, por mais que se apresente a verdade por meio de
diversos pontos de vista discordantes, contempla-se que existe um
outro ponto de vista escondido, legitimado acima dos outros, o da
organização burocrática. Embora o Japão representado no conto não
se configure como uma forma democrática, analisando o método que
as autoridades legais utilizam para entender os fatos, nota-se que esse
aproximá-se muito dos métodos processualistas jurídicos contempo-
388 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
râneos; assim sendo, a genialidade de Akutagawa está em conferir
aos depoimentos um certo grau de individualidade, fazendo as personagens pensar que, de fato, carregam parte da verdade, quando, na
verdade, só são utilizadas para legitimar o processo burocrático.
Quanto ao último ponto, o poder do sistema envolve um mecanismo de autorização e proibição, por meio dos aparelhos burocráticos. A
legitimação desse sistema surge mascarada pelo manto da ideologia. Essa,
por sua vez, legitima o funcionalismo jurídico do Estado, passando-se
como natural para os membros da sociedade, uma vez que parece vincular o sistema jurídico enquanto resultado da participação democrática.
Desenvolvida a problemática, o artigo busca, por meio da análise histórica do direito em alguns países, e de seus autores, elucidar
quais pontos do campo jurídico sustentam a identificação com o
povo por meio do agir democrático. Dentre os autores, cita-se Alexy8
e a pretensão a correção no Estado Alemão, John Rawls9 e o véu da
ignorância no Estado Americano, e José Eduardo Faria10 e a Constituição idealizada no Estado Brasileiro.
Em suma, pretende-se entender como a forma democrática
sustenta a identificação do povo para com os fenômenos da esfera
jurídica, através da percepção da desindividualização, da aparente individualidade e da dominação ideológica, trazendo essa análise para a
realidade histórico desses países, com base nos autores supracitados.
Notas
AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. São Paulo: Globo, 2008, p. 325/6.
Nas palavras de Müller “A identidade entre a vontade do povo – como
totalidade – e de seus governantes, suportados nessa identidade, obivamente, facilmente recusaria tanto os direitos das minorias como também a
necessidade de controle e de responsabilidade dos governantes”. MÜLLER,
Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 49.
3
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Fabris, 1991, p. 21.
4
GOLDING, William. O Senhor das Mosca. Alfaguara, 2014.
5
ZIMBARDO, Philip. O Efeito Lúcifer. Rio de Janeiro: Record, 2013, p. 310.
6
AKUTAGAWA, Ryunosuke. Rashomon e outros contos. Hedra, 2008.
1
2
Teorias contemporâneas da Democracia • 389
WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: UNB, 2012.
Partindo da distinção estrutural entre regras e princípios, obter-se ia,
como efeito, um parâmetro das normas do sistema jurídico. Assum, não
bastaria que estivessem de acordo com o texto Constitucional em estrito
sense, mas também que se conforme às normas atribuídas ao texto Constitucional. Por meio desse pensamento, Robert Alexy apresenta meios para
garantir a legitimidade discursiva das discussões sobre direitos fundamentais. Sua ideia de pretensão à correção, portanto, justifica-se como o elo
entre o povo alemão e a instituição jurídica alemã. ALEXY, Robert. Teoria
da argumentação jurídica. Forense, 2011.
9
Rawls pretende anular os efeitos das contingências que levam os indivíduos a oporem-se uns aos outros dentro do agir político. Dessa forma,
ele parte do princípio de que as partes deverão estar situados em um véu
da ignorância. O artigo demonstra que esse véu da ignorância é o fator de
percepção dos indivíduos para com os fenômenos jurídicos. RAWLS, John.
Uma teoria da justiça. Ed. Martins, 2008.
10
Para Faria, a Constituição de 1988 incorpora elementos diversos que
impossibilitam sua concretização plena, entretanto, esse idealismo Constitucional é o que sustenta a aprovação popular da ordem vigente. FARIA, José
Eduardo. Eficácia jurídica e violência simbólica. São Paulo: EDUSP, 1988.
7
8
Relações de reconhecimento e a infraestrutura
normativa da democracia
Luiz Philipe de Caux
Graduado em Direito (UFMG), mestrando em Filosofia (UFMG).
Endereço eletrônico: [email protected]
Se não há, no sentido canônico, uma teoria democrática desenvolvida por Axel Honneth, há em sua obra em teoria do reconhecimento, por certo, uma crítica da teoria democrática. Seu sentido
não é o de uma crítica do regime democrático enquanto tal ou de
sua vertente parlamentar liberal em alguma medida vigente em parte
significativa dos países do mundo, mas sim o de uma crítica da teoria
democrática hegemônica a partir da explicitação de seus enunciados
de fundo não tematizados, em vista de uma ampliação de seu âmbito
objetual, a fim, pelo contrário, de melhor compreender as possibilidades e vias para efetivação dos ideais democráticos que constituem
o solo normativo dessa teoria. Num sentido próximo ao do dito de
Böckenförde sobre o Estado secular, Honneth sustenta que a democracia, compreendida em seu sentido formal, se alimenta de pressupostos para cuja reprodução ela certamente contribui, mas que não
pode, por si só, garantir. É em vista desse fato que sua teoria do
reconhecimento tomaria o rumo de uma reconstrução normativa das
esferas de ação de uma “eticidade democrática”. Como Habermas,
ainda que em termos distintos, Honneth quer demonstrar o vínculo
entre autonomia pública e autonomia privada: não há participação
democrática sem que todos os sujeitos envolvidos tenham condições
de “vir a público sem sentir vergonha”, para usar uma expressão de
Adam Smith frequentemente citada por Honneth. Investigando, no
entanto, aquilo que é apenas pressuposto por Habermas, Honneth
dedica-se a examinar as condições sociais tanto para a formação da
autonomia pública quanto para a da autonomia privada, assim como
a relação de condicionamento recíproco entre elas. Na base da crítica
Teorias contemporâneas da Democracia • 391
de Honneth, está a constatação de que os sujeitos necessitam de distintas formas de reconhecimento social para estarem em condições
de efetivamente participar da formação da vontade democrática. Sem
autoconfiança, autorrespeito e autoestima, autorrelações práticas positivas que os sujeitos adquirem respectivamente nas interações íntimas, jurídicas e profissionais, os sujeitos não se põem em condições
plenas de tomar parte em pé de igualdade na esfera pública democrática. Assim, uma democracia não se encontra ameaçada apenas por
obstáculos, por assim dizer, do mundo externo, como a corrupção, o
desequilíbrio entre os poderes ou a má arquitetura das instituições,
mas também por problemas ligados à constituição interna dos indivíduos, como a apatia ou o medo de agir politicamente. Honneth
não está, no entanto, a propor uma crítica da teoria democrática desde uma redução psicologista, pois seu interesse recai na constituição
social das patologias de reconhecimento que retiram as condições
estruturais para a formação da vontade democrática. Tais condições
Honneth encontra explicitamente na obra madura de John Dewey,
que como que traduz sua concepção formal de eticidade para os termos da teoria democrática. Em Dewey, Honneth vê um modelo apto
a superar as dificuldades tanto dos modelos democráticos liberais
quanto dos procedimentais ou dos republicanos. Ao conceber a democracia como cooperação reflexiva de uma sociedade integrada pela
divisão do trabalho e pela troca, Dewey pode entendê-la de forma
mais substancial do que as concepções liberais e procedimentais, sem,
todavia, vinculá-la a valores materiais compartilhados. Tal concepção
encontrada em Dewey serve menos à prescrição normativa de um
modelo democrático do que à explicitação das condições pré-políticas da democracia na distribuição econômica.
Palavras-chave: Axel Honneth; John Dewey; teoria democrática;
teoria da justiça; teoria crítica; desigualdade econômica; patologias
sociais; reconhecimento.
Multiculturalismo en el siglo XXI: los modelos de
interculturalidad en las sociedades contemporaneas
Daniel Antônio da Cunha
Estudiante de Derecho en la Universidad Federal de Minas Gerais en Brasil.
Este trabajo tiene el objetivo discutir la temática del multiculturalismo y las situaciones de conflicto entre el pluralismo cultural
y las libertades individuales en el mundo globalizado de hoy. Por lo
tanto, se hace necesario tratar sobre los modelos de interculturalidad
existentes en las sociedades actuales, sobre todo las occidentales, para
así definir un camino posible de convivencia de distintos grupos en
una misma sociedad.
Teniendo como estructura el análisis de Maria Elosegui Ixtaso,
que en su obra se refiere a grandes filósofos contemporáneos como
Taylor y Habermas, detallaremos las sociedades que se estructuran en
el llamado modelo asimilacionista o monocultural, modelo este que
se aparta de la esfera pública las minorías para rechazarlas. También
evocará a los sociedades del llamado modelo multicultural cerrado,
donde a fin de suprimir los problemas de la ausencia del estado en
el modelo asimilacionista, se llena de un modelo muy interventor
que nuevamente segrega las minorías, ahora con la argumentación
de protección. Por fin, se tiene el modelo intercultural o multicultural abierto, existente en el Libro Blanco sobre Interculturalidad en
Europa, que trae un analisis de un orden público que agregue las
minorías y garantiza un ordenamiento protectivo y no segregador.
Así se defiende que los conflictos deben ser resueltos mirando cada
caso en concreto, haciendo todavía la ponderación de la realidad de
cada país, sus normas y su comprensión de lo que debe ser tutelado
positivamente y lo que no debe ser tratado.
En realidad, es de profunda importancia definir pronto cuál
es el punto de definición del modelo multicultural como referencia
para las sociedades actuales. Por esto, en una línea de argumentación
Teorias contemporâneas da Democracia • 393
que agrega desde la idea de patriotismo constitucional habermasiana
hasta las prácticas de “acomodamientos razonables” canadienses, ponerse los derechos humanos como referencia y como punto de salida
para asegurar la diversidad dentro del Estado.
Solamente con este análisis los estados de hoy pueden otorgar
un tratamiento de protección a determinados grupos culturales, discerniendo cuales materias pueden ser protegidas, observando el respecto a los derechos humanos y mirando la justicia distributiva.
Como parte de una convivencia posible e intercultural se hace
necesário un cambio de un patriotismo étnico hacia un patriotismo
cívico. Así se vuelve comprensible como aquel patriotismo que lucha
en favor de las libertades y del respeto a la dignidad humana de una
manera abierta y sin apasionamientos irracionales es decir, un patriotismo basado en la defensa de valores políticos democráticos.
Por fin, se debe discutir sobre cuál Estado y cual orden público
estamos hablando, se defiende en este trabajo un orden público que
parte del respeto a la libertad y se hace un mecanismo de protección
positiva que no degenera la colectividad al mismo tiempo que no se
omite y no coacciona derechos de los individuos. Aún sea necesario
una coacción positiva del orden público mientras también el respecto al ejercicio libre y pacífico de los derechos individuales, políticos
y sociales reconocidos en el ámbito legal. Este reconocimiento pasa
por un reconocimiento también constitucional por el Estado de la
pretensión positiva del actuar de los ciudadanos, es decir, que los
ciudadanos tienen la condición de cobrar una protección jurídica en
cuanto al respecto a sus derechos individuales como una protección
jurídica de la própia cultura por parte del Estado.
As exigências da igualdade democrática
Paulo Baptista Caruso MacDonald
Doutor em Filosofia. Professor do Departamento de Direito Público e
Filosofia do Direito da UFRGS e Professor Colaborador do Programa de PósGraduação em Filosofia da UFRGS. Brasil. E-mail: [email protected].
A importância da distribuição igualitária de poder político entre
os cidadãos é reconhecida por vários dentre os principais autores do debate contemporâneo sobre justiça. Tratar todos os cidadãos com igual
respeito e consideração não se reduz a resultados justos na distribuição
de recursos materiais obtidos pela aplicação de normas jurídicas, pelo
funcionamento das instituições sociais e pela adoção de políticas governamentais. O igual respeito e consideração devido a seres autônomos caracteriza-se também pela oportunidade de participar em pé de
igualdade com os demais nas decisões que definirão, direta ou indiretamente, o conteúdo dessas normas, o arranjo institucional e as políticas
públicas. Em outras palavras, está presente no debate contemporâneo
sobre justiça a preocupação com a igualdade democrática.
Há, entretanto, restrições que o próprio compromisso com a democracia impõe à implementação de uma concepção de justiça que
contemple a igualdade democrática. Jeremy Waldron tende a considerar como antidemocrático um arranjo institucional em que decisões
tomadas pela maioria dos cidadãos ou por seus representantes eleitos
possam vir a ser revertidas pela ação de um poder que carece da mesma
legitimidade, ainda que a reversão possa ser justificada nos termos de
uma concepção de justiça com a qual o próprio autor concorde. O
fórum deliberativo em uma democracia caracterizar-se-ia exatamente
pela disputa entre concepções rivais de justiça, constituindo a obediência à vontade da maioria condição necessária à legitimidade da decisão. O principal exemplo de arranjo contramajoritário nas democracias contemporâneas residiria no controle de constitucionalidade das
leis promovido por órgãos do Poder Judiciário. Com isso em vista,
Waldron opõe-se frontalmente à concepção de democracia de Ronald
Teorias contemporâneas da Democracia • 395
Dworkin e alerta para as consequências antidemocráticas de uma certa
interpretação da ideia de razão pública de John Rawls.
Embora Waldron não abra mão de considerar o respeito à regra da maioria como condição necessária à igualdade democrática
– e, consequentemente, à legitimidade das decisões políticas –, ele
reconhece a insuficiência do cumprimento de tal regra. A igualdade
democrática exige também uma distribuição justa no que diz respeito
a uma série de direitos e liberdades fundamentais, os quais compreendem desde a liberdade de expressão até a ausência das situações
apontadas por Rousseau de haver indivíduos suficientemente ricos
para comprar concidadãos ou indivíduos pobres a ponto de precisarem se vender. Frente a isso, levantam-se as seguintes questões: (1)
A noção de igualdade democrática que, segundo Waldron, legitima
as decisões políticas não dependeria, em razão disso, de uma certa
concepção de justiça? (2) A concepção de justiça de John Rawls poderia exercer esse papel ou ela abrangeria exigências que excederiam
aquelas implicadas pela noção de igualdade democrática? (3) Até que
ponto a existência de um poder contramajoritário responsável apenas por invalidar as decisões tomadas em violação da concepção de
justiça exigida pela igualdade democrática seria incompatível com
esta última? A busca por respostas a essas indagações insere-se em
um projeto mais amplo de investigação acerca das tensões inerentes à
noção de Estado Democrático de Direito.
A decisão majoritária é a mais justa ou a mais popular?
A crise da legitimidade democrática da jurisdição
constitucional diante do conflito entre as concepções
agregativas e deliberativas de democracia
Deborah Dettmam
Professora de Direito da Universidade Federal do Piauí. Doutoranda em
Direito na Universidade Federal do Paraná. Mestre em Direito da Faculdade de
Direito do Recife – UFPE e Bacharel em direito da Universidade de Brasília.
Brasil. E-mail: [email protected].
Desenvolvendo umas das teorias mais robustas contra o constitucionalismo, Jeremy Waldron busca desconstruir a tese na qual
os tribunais constitucionais asseguram melhor proteção às minorias,
atuando como órgãos contra-majoritários. Waldron argumenta que
a supremacia judicial, ao optar por um procedimento majoritário
de escolha de decisão vencedora, não fornece segurança substantiva aos direitos básicos da minoria, permitindo que os juízes possam
invalidar as decisões da maioria, sempre que delas discordem, em
desrespeito à igualdade política. Para Waldron, em uma democracia
marcada pelo sufrágio universal, onde haja um poder judicial submetido ao império da lei, onde a comunidade esteja comprometida
com os direitos individuais e coletivos (embora possa ter desacordos
substantivos de boa-fé acerca da ideia desses direitos), a regra majoritária é o procedimento adequado, por sua natureza equitativa e igualitária, concedendo a cada um a mesma cota de influência e impacto
sobre a decisão política. Diversos argumentos, porém, como a crise
de governabilidade, a corrupção, o lobby das grandes corporações ou
de movimentos sociais bem estruturados, o elitismo do sistema eleitoral, o afastamento do representante em relação ao eleitor, o déficit
de representação de certos grupos ou segmentos ou o desigual poder de influência entre cidadãos têm levado diversos autores a não
compartilhar do otimismo de Waldron acerca do valor igualitário
Teorias contemporâneas da Democracia • 397
da regra da maioria. Ronald Dworkin é um desses autores a questionar a regra majoritária como mecanismo intrínseco da democracia
para resolução de todas as deliberações públicas. Ele sustenta que, em
uma democracia justa, nem todas as decisões podem ser tomadas pela
maioria e conclui afirmando que a melhor forma de democracia é a
que tem mais probabilidade de produzir as decisões substantivas que
tratem todos os membros da comunidade com igual consideração e
respeito. Diante do conflito entre concepções agregativas, como de
Waldron, e substantivas, como de Dworkin, surgem teorias democráticas que tentam conciliar, ou pelo menos minimizar, as tensões
entre igualdade política e o valor epistêmico do melhor argumento
defendendo que a deliberação, seguida de uma decisão majoritária, é
capaz de fornecer os melhores resultados empíricos. Denominada de
procedimentalismo epistêmico, é difundida por autores como David Elstund e Federico Arcos Ramíriz, que defendem que a decisão
majoritária expressa um valor apto a identificar as decisões mais justas, admitindo, portanto, um juízo de correção. Não obstante, apesar
de defender o caráter cognitivo da regra majoritária e de enfatizar a
importância da deliberação, o procedimentalismo epistêmico ainda
outorga preferência por um modelo de supremacia legislativa em detrimento de um constitucionalismo forte, aumentando as dúvidas
acerca da capacidade da supremacia judicial encontrar amparo democrático. Diante disso, este trabalho objetiva enfrentar esses problemas, discutindo: a) se a regra da maioria é ou não um procedimento de decisão necessário em uma democracia ou se outras formas
de decisão podem ser empregadas sem comprometer a legitimidade
democrática; b) se é possível afirmar que a decisão da maioria é a
melhor decisão ou apenas a decisão mais comum; e, finalmente, c) se
é possível a conciliação entre igualdade política e a ética deliberativa
em um constitucionalismo forte.
Palavras-chave: Democracia. Regra da maioria. Constitucionalismo.
A internet como espaço deliberativo legítimo:
As redes sociais podem ser um locus de legitimidade
democrática à jurisdição constitucional?
Thomas da Rosa de Bustamante
Professor Adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutor em
Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Mestre em
Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Brasil,
email: [email protected].
Ana Luísa de Navarro Moreira
Professora Substituta da Universidade Federal de Minas Gerais. Mestranda
em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Brasil,
email: [email protected].
Como a interpretação é inerentemente um processo aberto, grande parte dos teóricos almeja encontrar limites à jurisdição constitucional. A busca por esses limites é frequentemente associada ao modo pelo
qual se compreende a relação entre jurisdição constitucional e democracia1. Necessariamente há uma relação entre estas? Seria uma relação
complementar, interdependente ou, por outro lado, antagônica?
Do ponto de vista normativo não há Estado de Direito sem
democracia2. O poder político é transformado em direito legítimo
por meio da aplicação do princípio da democracia, que é a fonte de
legitimidade da criação do direito3.
O Princípio da democracia decorre da institucionalização do
princípio do discurso e se insere como núcleo do sistema de direitos4.
Somente serão válidas as normas jurídicas que obtiverem a concordância daqueles que podem ser afetados por elas, ou seja, é indispensável que o indivíduo se expresse discursivamente e racionalmente no
âmbito político de produção dessas normas (princípio do discurso)5.
A deliberação, nesse sentido, deve ser compartilhada através da esfera
pública6 com cada uma das pessoas a fim de que estas sejam capazes
de expressar suas escolhas em discursos racionais. Todos têm o mes-
Teorias contemporâneas da Democracia • 399
mo direito de serem ouvidos, porque a participação política é temperada por princípios de justiça e equidade.
Qualquer que seja a ação, esta será democrática quão maior for
a possibilidade de cada indivíduo exercer sua autonomia política e,
assim, participar do exercício e controle do poder, minimizando as
formas de dominação. Uma sociedade democrática se constrói, portanto, através de fortes valores como o da participação política que
exige amplos e abundantes recursos de participação.
Como a jurisdição constitucional desempenha um papel importante na integração social, em sintonia ao que se expos, a melhor maneira de ampliar a sua legitimidade é garantir uma maior atuação dos
indivíduos no processo judicial de tomada de decisão. O processo
interpretativo da Constituição, então, deve ser aberto à comunidade
de intérpretes7 com base na “comunidade de princípios” Dworkiana8.
Mas a questão central é: como viabilizar uma participação mais
individualizada? Participar do processo argumentativo sobre o significado da Constituição é uma característica fundamental do Estado
Democrático de Direito. No entanto, uma das dificuldades é a viabilidade fática dessa participação direta.
A presente proposta, então, é que os argumentos que integram o
processo constitucional argumentativo circulam entre espaços formais
e informais, principalmente espaços informais nos dias de hoje. O rápido crescimento da Internet e suas vantagens sobre os formatos de
comunicação tradicionais, em termos de flexibilidade e velocidade o
tornam um instrumento viável para a participação individual direta. A
troca on-line de argumentos pode realmente influenciar a forma como
as decisões são tomadas, especialmente em jurisdição constitucional.
Inclusive, destaca-se a viabilidade da utilização da internet para
fins comunicativos citando-se o presente projeto “Você fiscal”9 disponibilizado por um professor da Universidade Estadual de Campinas,
São Paulo, para fins de fiscalização direta e individual das eleições de
2014, por meio de um aplicativo que pode ser baixado gratuitamente.
Assim, diante dos avanços tecnológicos da globalização, a proposta é revisitar o conceito de esfera pública Habermasiana. A esfera
400 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
pública não é uma instituição ou um sistema, pelo contrario, constitui-se uma ampla rede de horizontes abertos que se reproduz por meio
de influxos comunicativos. A rede de comunicação da esfera pública
através da internet infiltra a esfera privada, de modo que as interações
deliberativas de cada cidadão podem ser expandidas, fornecendo-lhes
uma ampla participação para efeitos de justificação democrática das
razões adotadas no exercício da jurisdição constitucional.
Dessa forma, o modo como a Internet pode ser utilizada e compreendida através do prisma das teorias da democracia deliberativa
torna-se um tema filosófico importante. O presente artigo, portanto,
é uma explicação teórica sobre as razões pelas quais a jurisdição constitucional deve ser aberta a participação dos argumentos que permeiam as redes sociais, espaço deliberativo legítimo.
Notas
MENDES, Conrado Hübner . Controle de Constitucionalidade e Democracia.
1. ed. São Paulo e Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2007. 2
HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro (estudos de teoria política). Trad.
George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002. 243.
3
HABERMAS, Jürgen. Factididad y validez. Sobre el derecho y el Estado democratic de derecho en terminus de teroia del discurso. Trad. Manuel Jiménez Redondo, Cuarta edición. 2005, p. 187.
4
Idem, p. 187.
5
Idem, p. 172.
6
HABERMAS, Jürgen. O espaço público 30 anos depois. Trad. Vera Lígia C.
Westin e Lúcia Lamounier. Caderno de Filosofia e Ciências Humanas: a. VII,
n. 12, abril, 1999b, p. 07-28.
7
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – a sociedade aberta dos
intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e
procedimental da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto
Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1997.
8
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São
Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 272-332.
9
Disponível em http://www.vocefiscal.org/.
1
Os direitos políticos dos analfabetos:
o caso brasileiro e o paradigma da democracia liberal
Alexander Augusto Isac Beltrão
Graduando em Direito pela Universidade Federal de Lavras (UFLA), Brasil,
email: alexbeltrã[email protected].
Marcelo Sevaybricker Moreira
Doutor em Ciência Política e professor adjunto da UFLA, Brasil, email:
[email protected].
Este artigo tem como propósito avaliar a construção dos direitos
políticos dos analfabetos no Brasil, a luz das diversas variantes de um
importante modelo da teoria política contemporânea, a democracia liberal. Com a promulgação da Lei de Saraiva de 1881, ainda
durante o Brasil Império (o que também estaria previsto na Constituição da República de 1891), a exclusão dos direitos políticos por
aspectos financeiros cedeu espaço a uma exclusão socioeducacional.
Deve-se destacar que a participação eleitoral nesse período decaiu,
quando comparada às décadas anteriores, dado que a imensa maioria
da população nacional à época era analfabeta. A despeito das diversas reformas no sistema eleitoral brasileiro ao longo do século XX,
essa barreira perduraria até a denominada “Constituição cidadã” de
1988, na qual os analfabetos conquistaram o direito facultativo de
voto, mas ainda não o de elegibilidade. Porquanto, o debate sobre
os direitos políticos dos analfabetos implica considerar igualmente
diversos aspectos da teoria democrática, entre eles o da tecnicidade
da política e o papel da participação popular. Argumentos contrários
a essa última são facilmente identificáveis nos escritos de pensadores
do elitismo democrático, tal como Joseph Schumpeter. No entender
de tal corrente, a política consiste numa atividade que supõe uma
competência técnica, devendo ser orientada, consequentemente, por
poucos, educacionalmente capazes, sendo que a participação popular é vista com desconfiança, por estar supostamente mais sujeita à
402 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
irracionalidade e à manipulação demagógica. Contudo, esta corrente pode ser confrontada com outra variante da democracia liberal,
denominada de pluralismo democrático, representada por autores
como John Stuart Mill e Robert Dahl, para os quais a própria participação popular assume um sentido positivo. Para o primeiro, a
participação do indivíduo, além de garantir melhor os seus direitos,
geraria o seu desenvolvimento, ao passo que a sua exclusão criaria
uma situação de embotamento moral. Entretanto, é verdade que o
próprio Mill propunha diferenciar os votos dos escolarizados dos não
escolarizados, concedendo aos primeiros um peso maior. Dahl, por
seu turno, assevera que quanto mais inclusivo é um regime político,
mais poliárquico ele se torna, isto é, mais competitivo e mais responsivo perante a população. Um terceiro grupo de autores da democracia liberal, a chamada teoria da escolha racional, fornece outros
elementos para se pensar a relação entre racionalidade, informação e
participação. Anthony Downs, por exemplo, assegura que participar
implica sempre em assumir um ônus (em se informar, por exemplo),
escolha esta que só é racional se os benefícios esperados da participação superarem os seus custos. Racionalidade não deve, então, ser
confundida com conhecimento. Percebe-se, portanto, que dentro da
corrente da democracia liberal, como um todo, há variações para se
pensar tanto a proibição do voto e da elegibilidade dos analfabetos,
quanto a sua permissão, variações essas a serem exploradas criticamente por esse trabalho. No caso brasileiro, é importante considerar
que o direito à educação é assegurado pela atual Constituição, sendo
um dever do Estado provê-lo a todos os cidadãos. Sendo assim, não
há razão em punir com a inelegibilidade, aqueles que são analfabetos
não por vontade, e sim por serem vítimas circunstanciais da não efetividade de políticas públicas consistentes. Além disso, cumpre dizer
que os analfabetos são sujeitos de todos os direitos civis e sociais, sendo considerados indivíduos plenamente capazes de discernimento,
inclusive, tendo que cumprir com os deveres de quaisquer cidadãos.
Logo, resta hoje como um resquício de nosso passado oligárquico a
inegibilidade dos analfabetos. Como bem notou Wanderley Guilher-
Teorias contemporâneas da Democracia • 403
me dos Santos, em democracias contemporâneas, a grande disputa
se dá em torno não de quem são os eleitores, mas em relação a quem
são os elegíveis, o chamado eixo do “controle”. Sendo extremamente custoso retroceder e limitar o número dos que podem votar (em
contextos em que tal direito já foi conquistado), a grande estratégia
dos grupos que disputam o poder é restringir o número dos que podem ser votados. Como no mercado econômico, na disputa eleitoral,
quanto menor o número de adversários, maior a chance de cada qual
ser eleito. Nesse sentido, esclarece Santos, a democracia é a antípoda
da oligarquia, assim como a livre concorrência o é do oligopólio.
Ela deve ampliar ao máximo a competição não violenta pelo poder,
institucionalizando a contestação pública e incluindo nela o maior
número de indivíduos, o que, por sua vez, acarreta a valorização do
voto de cada um, aumenta as possibilidades de escolha do cidadão
e do seu controle sobre os governantes. Entretanto, passados quase
vinte e sete anos da Constituição de 88 e de funcionamento regular
da democracia no país, o debate sobre os direitos políticos dos analfabetos ainda não foi seriamente retomado.
Democracia procedimental e estado poiético: reflexões iniciais
Leonardo Antonacci Barone Santos
Graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.
Bolsista de Iniciação Científica CNPq. Monitor de Teoria do Estado I.
Contato: [email protected]
O objetivo deste ensaio é estabelecer uma interface entre o conceito e a organização do Estado Poiético, apresentado por Salgado1, e
a concepção procedimentalista de democracia. Almeja-se, nesse passo,
demonstrar como a democracia procedimental é uma face do Estado
Poiético. Conclui-se assim, posto que as decisões não sejam mais tomadas pela substancia política, mas sim tomadas e validadas por meio de
procedimentos que aparentam ter o melhor cálculo técnico para colher
os votos e opiniões, estabelecendo o que seria justo e democrático.
Quanto ao adjetivo “poiético”, Aristóteles (Ética a Nicômaco,
1140a) diferencia o produzir (poiein) do agir (pratein). O primeiro é
aquele agir humano para produzir um resultado e, portanto, aplicado sobre as coisas. Nesse sentido, é a realidade que coordena a razão, de quem
se torna serva. No poiein, a finalidade de produzir está fora de si mesmo.
Paralelamente, o agir (pratein) ou sabedoria prática, se relaciona com a capacidade verdadeira e raciocinada de agir com respeito
às coisas que são boas ou más para o homem. Atua, então, sobre o
homem, sobre as pessoas. Não por menos, Aristóteles identifica essa
capacidade com bons administradores de casas e Estados (1140 b).
Seguindo esta linha de raciocínio, Salgado nos dá os contornos
do Estado Poiético. Esta categoria surge quando um grupo da sociedade
civil domina a técnica através do econômico e, passo seguinte, quer
adentrar o Estado para usá-lo como produtor de regras para as relações
sociais e econômicas, sem responsabilidades com o ético ou o jurídico.
Doravante, não é mais o político que toma as decisões. Um grupo
de tecnocratas, sob aparente manto de cientificidade, pretensamente
exerce a soberania “de acordo com os melhores critérios técnicos”. O
que este grupo tecnocrata empreende é despolitizar a decisão pública
Teorias contemporâneas da Democracia • 405
em prol da técnica. A pouco e pouco, o Estado de Direito perde seu
fim ético, qual seja o de consagrar direitos fundamentais. Salgado, pois,
afirma que o Estado Democrático de Direito apresenta uma cisão: entre o ético, axiologicamente centrado na liberdade, igualdade e fraternidade; e o poiético, com sua submissão ao fazer econômico.
Na democracia procedimental prevalece o entendimento de que
o tramitar em procedimentos racionais pré-estabelecidos entrega à
norma jurídica legitimidade, legalidade conforme o ordenamento,
justiça e garante sua qualidade democrática. Os procedimentalistas
puros, tais como Kelsen ou Schumpeter, conceituam a democracia
como uma série de estruturas formais que atendem a premissa majoritária e, por isso, a ordem jurídica é democrática quando seu destinatário participa da formulação das normas, através dos processos.
Essa perspectiva procedimentalista, recorrendo ao liberalismo
dos séculos XVIII e XIX, enxerga, através de uma lente atomística,
uma sociedade pluralista onde inexiste uma ética material comungada pela comunidade que determine princípios morais e, por conseguinte, o Estado deve adotar uma postura neutra em favor do subjetivismo moral. O procedimentalismo é, então, alheio a substancia: se
não há a necessidade de correção material das normas, valendo a separação entre moral e direito, então é valido o que for decidido pelo
procedimento e todo conteúdo pode ser jurídico. Assim, o procedimento democrático se justifica como sendo o método para somar as
distintas concepções éticas dos indivíduos e aferir a maioria de votos.
A interface entre o Estado poiético e a democracia procedimental,
em suma, aparece quando se busca apenas a legitimidade formal, e não
material, das decisões e quando a democracia se limita a participações
pontuais no processo decisório. Os tecnocratas empossados no poder
dominam os procedimentos a fim de garantir que cheguem a decisões
favoráveis à sua “governabilidade”. As decisões tomadas, por mais que
agridam direitos fundamentais ou a soberania (ou quaisquer princípios caros à democracia) podem ser validadas porque não há controle
político das normas. Estas não são questionadas porque passaram pelo
procedimento adequado e, só por isso, são justas e democráticas. Os
406 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
critérios políticos que deveriam determinar o conteúdo das decisões
em um Estado Ético são então substituídos por critérios técnicos, o
Estado Poiético. Por fim, substitui o Estadista pelo Gerente.
O paradigma deve ser invertido. O Estado Poiético no mesmo
passo que impede a consagração de novos direitos fundamentais,
obstrui a efetivação dos já consagrados ao seu contragosto. Deve-se
restituir o poder político ao povo e à soberania popular para que
retomem o sentido do Estado Ético com decisões calcadas em critérios políticos que atendam os direitos fundamentais. Não queremos
prescindir de procedimentos, mas submetê-los aos parâmetros da real
democracia com fins éticos reunidos no centro axiológico do Estado
Democrático de Direito, o princípio da dignidade humana.
Notas
1
SALGADO, Joaquim Carlos. “O Estado Ético e o Estado Poiético.” Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, abr./jun. de 1998: 37-68.
Democracia e justiça em Hans Kelsen:
uma abordagem crítica do ideal democrático na teoria
constitucional contemporânea e no Brasil
Mariane Andréia Cardoso dos Santos
Mestranda e graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas
Gerais. Brasil. Contato Eletrônico: [email protected].
O presente trabalho tem como principal intuito realizar uma
abordagem crítica do ideal democrático altamente difundido na atualidade, em duas perspectivas. Uma, referente às consequências da idealização da democracia como pressuposto absoluto de qualquer forma
de Estado e fonte de direito considerados válidos ou, ainda, legítimos,
a partir de uma tentativa de questionar, inclusive, os próprios conceitos
de validade e legitimidade adotados no constitucionalismo moderno,
como em Dworkin e Waldron. E outra, buscando traçar um panorama
entre a abordagem crítica da ideia de democracia que se pretende desenvolver e as perspectivas atuais da democracia no Brasil.
Segundo Hans Kelsen1, as revoluções burguesas de 1789 e 1848
quase transformaram o ideal democrático em lugar comum do pensamento político, tanto que aqueles que ousavam opor-se em qualquer
medida à efetivação desse ideal, faziam-no com uma quase reverência
cortês ao princípio fundamentalmente conhecido, ou, ao menos por
trás de uma terminologia democrática. Justamente por isso, nos últimos
decênios que antecederam as duas Guerras Mundiais, praticamente nenhum estadista importante ou pensador renomado ousou fazer qualquer
confissão aberta e sincera em defesa da autocracia. De se notar, inclusive
que, a despeito da luta de classes, crescente nesse período entre a burguesia e o proletariado, não existia oposição no que refere à forma de Estado.
Democracia foi então a palavra de ordem nos séculos XIX e XX
e, passadas duas Guerras Mundiais em que foi duramente violada por
parte das potências que polarizaram os conflitos, permanece, ainda
hoje no século XXI, dominando quase universalmente os espíritos,
408 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
praticamente inatacável. Mas será que assim ela não acaba perdendo
o sentido que lhe seria próprio? Afinal, uma democracia pressuposta
que se impõe como obrigatória, inclusive como ideia, para cercear o
discurso que nela se apresenta para criticá-la, para debatê-la, para propor (porque não?) alternativas à ela, ou, até mesmo, para questionar
verdades tidas como absolutas, seria mesmo uma democracia de fato?
Esses são questionamentos que o presente trabalho buscará
abordar, talvez não com a finalidade de apresentar respostas, mas sim
dúvidas diante de afirmações que hoje se tenham por inquestionáveis.
Já a justiça, para Hans Kelsen2, em uma perspectiva coerente à
sua posição eminentemente relativista, enquanto problema valorativo, situa-se fora da teoria do Direito, que se limita à análise do Direito Positivo, ou realidade jurídica posta. Segundo ele, a procura de um
conceito geral de justiça é algo de que a ciência do direito não deve
se ocupar. Após rigorosa análise das mais variadas teorias e normas
de justiça, Kelsen conclui que não passam de teorias vazias porque
necessitam pressupor uma ordem positiva que lhes dê conteúdo3.
Portanto, partindo da perspectiva de justiça kelseniana, pretende-se restringir a possibilidade de construção de parâmetros de justiça para além de uma ordem jurídica posta, inclusive para delimitar
uma concepção de democracia.
Esse é o salto necessário para abordar especificamente a questão
democrática no Brasil, que somente pode ser avaliada, na atualidade,
sob o ponto de vista jurídico, à luz do que determina a Constituição
da República de 1988. Não que se negue a possibilidade de apresentar
propostas para alteração do atual panorama da democracia no Brasil,
mas pretende-se retirar do discurso propositivo o caráter obrigatório,
que ele tenta tomar das normas jurídicas, para situá-lo no seu espaço:
o debate político. Assim, chega-se ao cerne da questão: atualmente,
no Brasil, a democracia é o mecanismo que institucionaliza e permite
o debate capaz de dar origem a alterações no ordenamento jurídico
posto, que permanece incólume até que uma decisão válida emitida
por um órgão competente (Parlamento, Corte Constitucional, Poder
Executivo, a depender do caso) o modifique.
Teorias contemporâneas da Democracia • 409
Apesar de não ser fonte imediata de normas válidas o debate é
fundamental para legitimar as decisões. Afinal, a força de uma ideia
somente se prova diante de uma argumentação contrária forte, e não
de argumentos fracos escolhidos por quem a sustenta.
Portanto, trazendo as conclusões acerca do ideal democrático que
serão construídas em um primeiro momento no presente trabalho,
pretende-se apontar os fundamentos que impedem o cerceamento do
discurso no âmbito político pelo seu conteúdo, caso se pretenda sustentar a existência atual de uma democracia. Caso contrário, ter-se-á
que reconhecer não só a existência de um modelo autocrático (ou ao
menos de um discurso de defenda um), como deverão ser apontadas as
fontes dos parâmetros de conteúdo que se pretende impor para cercear
o discurso em Estado, então, pseudodemocrático de direito.
Notas
1 KELSEN, Hans. A democracia. Tradução: Vera Barkow, et. al. São Paulo:
Martins Fontes, 2000. p. 25.
2 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 6. Ed.
São Paulo: Martins Fontes, 1998. XXVIII.
3 MATOS, Andytias Soares de Moura Costa. Filosofia do Direito e Justiça na
obra de Hans Kelsen. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 319.
Construção e reconstrução normativa: a teoria
democrática contemporânea entre política e moral na
Escola de Frankfurt
Thiago Aguiar Simim
Mestrando em Direito na Faculdade de Direito da UFMG, Brasil.
E-mail: [email protected]
A teoria crítica se ocupou desde seu início com a questão do
poder político e seus desdobramentos, seja no círculo interno, com
Max Horkheimer, Theodor Adorno e Walter Benjamin, ou no círculo
externo, com Michel Foucault. Mas é com Jürgen Habermas que a
discussão sobre o poder político na democracia e no direito moderno
adentra na teoria crítica e ultrapassa seus debates internos.
Habermas tem uma teoria política sobre a relação entre democracia e Estado de direito de cunho procedimental. Na discussão
sobre os paradigmas do direito, ele afirma que o paradigma liberal
sofreria do problema de enxergar a manutenção da autonomia privada através de direitos individuais burgueses e da idéia de liberdade
negativa como garantia de participação na esfera pública. A concepção liberal de fundo é que sem obstáculos econômicos e político aos
indivíduos, eles estariam livres para exercer também sua autonomia
privada. O pressuposto do Estado Social seria que falhas e desigualdades geradas pelo mercado que minam a igual participação no processo de formação da vontade democrática devem ser corrigidas pela
intervenção estatal. Isso provocaria um reforço da tese de que a garantia da autonomia privada é a condição da autonomia pública e
resultaria ainda num déficit de legitimidade, pois as ações do Estado
intervencionista minariam a autonomia pública dos cidadãos. Como
solução histórica, Habermas afirma que a democracia procedimental seria a resposta para esta relação tensa, pois, pelo procedimento
democrático, os destinatários da lei são também emitentes dela. Ou
seja, autonomias pública e privada seriam cooriginárias.
Teorias contemporâneas da Democracia • 411
A forma do direito moderno e seu embricamento estrutural com
a democracia teriam o papel de transpor ao sistema a normatividade
da ação comunicativa do mundo da vida, como forma também de
resistência da pressão sistêmica.
Apesar de ter boa parte de sua obra realizada em debate com
Habermas, Axel Honneth sofre a crítica de ter um déficit político pela
ausência da teoria política sistematizada na sua obra. A teoria do reconhecimento de Honneth ajudaria a explicar as razões até mesmo
pré-linguísticas da desigualdade na participação do procedimento
democrático, pela análise de patologias sociais, porém não seria capaz
de contribuir a priori para a teoria política democrática. O método
da reconstrução normativa é, para Honneth, a maneira de se analisar
as instituições sociais – em um sentido amplo – que já são normatizadas, pois possuem pretensões morais já dentro de sua estrutura e
que podem ser sempre mais efetivadas. Poder político, neste caso não
pode ser tratado como uma disputa vazia pelo poder, mas como uma
disputa substancial e de conteúdo moral.
Rainer Forst parece concordar com esta relação, quando desenvolve uma teoria política com fundamento normativo forte em sua
base. Ele realiza, no entanto, uma teoria construtivista com princípio
ético de fundo do direito à justificação. Para ele, o direito à justificação
é o primeiro direito político, uma vez que nasce com a necessidade de
legitimar o exercício do poder de uns sobre outros. Assim como Habermas, ele identifica este momento com o projeto da modernidade. O
poder político deve estar justificado e esta justificação deve estar sujeito
à crítica. De certa forma, esta é a explicitação do funcionamento interno da cooriginariedade entre autonomia pública e privada, para Forst.
A relação prática determina os contextos de justificação, o que
significa que, prescindindo do contexto, não é possível se realizar a
crítica dessas relações. Por isso, o construtivismo de Forst teria o mesmo problema do de John Rawls: seu estofo empírico é amplo demais
– a modernidade, o direito moderno e a experiência democrática ocidental. Uma teoria puramente construtivista sofreria do problema de
colocar critérios pouco profícuos para o enfrentamento de questões
412 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
concretas. Ao mesmo tempo, parece necessário se elaborar critérios
de justificação do poder político na modernidade.
Não existe uma arquitetura institucional perfeita para a relação
entre poderes, mas deve-se adentrar ao contexto para análise concreta. Um “bom” funcionamento tem relação com a “cultura política”
e especificidades de um contexto, como é o exemplo da relação entre poderes na Suiça, Nova Zelândia e Alemanha. As desigualdades
sociais ainda existentes precisam ser enfrentadas agora não mais no
paradigma do Estado Social e sim no Estado democrático de direito.
A relação entre moral e política é uma boa alternativa para a crítica ao utilitarismo e, ao mesmo tempo, uma aproximação de teorias
normativas às relações de poder. A defesa explicita neste trabalho, antes de ser uma defesa do modelo de democracia de Habermas e Forst,
é de uma teoria crítica das instituições políticas, cuja possibilidade
subsiste a partir de um critério imanente que possa universalizar, ou
racionalizar, o que há de concreto nos contextos sociais.
Variações democráticas, emancipação de pluralidades
Agnelo Corrêa Vianna Júnior
Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de
Direito/UFMG – Brasil – [email protected].
Quando se fala democracia imediatamente se lembra da declaração
de Lincoln “do governo do povo, pelo povo, para o povo”. Porém, quando
se aprofunda no tema, estudando os principais teóricos, constata-se uma
profusão de conceitos e características para falar do mesmo fenômeno.
Partem da conceituação histórica, mas divergem posteriormente. Entretanto, alguns elementos aparecem frequentemente, juntos
ou não, como a livre manifestação de opiniões, representatividade,
participação popular, eleições, princípio da maioria, sufrágio universal, voto direto, entre outros. O que se leva a indagar como um sistema predominante apresenta-se, assim, com tantas versões.
A proposta do texto, com suas limitações, é analisar e comparar
as algumas características de sistemas relevantes, com o objetivo de
localizar convergências e divergências. Assim, pretende-se buscar formas de ação democrática capazes de emancipar a maior pluralidade
possível de segmentos sociais excluídos.
Para tanto, serão estudadas as teorias de Habermas, de Bourdieu, de
Chantal, de Honneth e de Rancière, sobre a idéia de democracia. Pois são
representativas da diversidade de modelos, baseados, respectivamente, no
consenso, no simbólico, no agnóstico, no reconhecimento e no dissenso.
A hipótese é que cada sistema surge como o mais adequado para
a emancipação de um segmento específico de cidadãos ou para um
conjunto de segmentos, conforme o contexto econômico, histórico,
político e social em que estão inseridos.
Além de demonstrar que a imposição de um modelo único, independente de suas características, inibirá a emancipação dos grupos
que não se adequarem a essa metodologia.
414 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Habermas trabalha um modelo procedimentalista, onde o direito atua como medium, o discurso racionalmente motivado leva a
prevalência do melhor argumento, reconhecido pelos participantes.
Alcança-se, assim, um consenso, evitando-se o agir estratégico em
defesa de interesses pessoais.
Bourdieu trabalha a idéia de poder simbólico, aquele que domina sem ser percebido como imposição, por ser visto como natural.
Portanto, os discursos são por ele moldado e limitado, através do
habitus, do capital e do campo de ação a que pertencem. Impossibilita-se, assim, o consenso procedimentalista racionalmente motivado,
pois inexiste racionalidade quando o argumento provém da posição
simbólica de um campo de ação, forjada na tensão entre dominantes
e dominados. A superação do poder simbólico é sua explicitação.
Mas com cuidado para impedir que a emancipação transforme-se,
por si mesma, em um novo poder simbólico.
Chantal trabalha a idéia de desmitificar o consenso, que considera de difícil concretização, devido as diferenças de interesses entre
as pessoas. Reconstrói a dicotomia schmittiana amigo/inimigo, suavizando-a para amigo/adversário.
Considera imprescindível, para o fortalecimento democrático,
a instrumentalização da classe trabalhadora com habilidades para influenciar a esfera cultural, econômica e social, além da política. Esquece-se que, no interior de cada classe social também atua o poder
simbólico entre dominantes e dominados.
Honneth identifica grupos sociais que foram historicamente excluídos para que sejam reconhecidos ou visibilizados pelas suas lutas,
perdas e reivindicações. E, dessa forma, recebam estímulos específicos para valorizar suas identidades.
O problema é que reconhecimento depende da ação de terceiros, em vez de representar uma conquista dos excluídos pela sua mobilização social. A emancipação legítima torna-se, assim, uma troca
negociada, com um traço de subserviência implícita.
O reconhecimento é uma divisão do sensível imposta, mesmo
quando baseada nas conquistas da modernidade. Pois a modernidade
Teorias contemporâneas da Democracia • 415
é uma criação européia, cristã e branca, que impõem ao reconhecido
à incorporação da sua homogeneização e dos seus interesses.
Rancière considera que o consenso somente é possível entre
iguais, entre os mesmos interesses, impedindo, assim, quaisquer resquícios de pluralidade social. A partilha do sensível somente define a
essência, variando sua formatação conforme a disputa de visibilidade
social, de quem pode aparecer e falar.
Portanto, defende que somente existe democracia onde há dissenso. O consenso é autoritário, uma concertação entre iguais ou
parecidos, pois é improvável chegar a um acordo mínimo quando as
partes pensam e agem de forma completamente diferente.
Conclui-se que os sistemas democráticos apresentados possuem
suas qualidades e problemas em relação à viabilização da emancipação social. Mas a própria emancipação também carrega em si mesma
a pluralidade de anseios a serem satisfeitos, dependendo da posição
contextual dos excluídos.
O denominador comum é a necessidade de expressar a identidade, a individualidade, que deve ser respeitada igualitariamente, apesar
da dessemelhança. Portanto, os Estados devem evitar o encaminhamento monocórdio da manifestação da soberania popular, impondo um único sistema democrático, pois, assim, torna-se incapaz de
perceber a variabilidade da diversidade. A proposta é disponibilizar
vários sistemas de acesso, concretizando, assim, a emancipação social
de uma pluralidade maior de segmentos historicamente excluídos.
O constitucionalismo democrático no paradigma do
Estado Democrático de Direito: apontamentos acerca da
legitimidade do direito a partir do princípio do discurso1
Adamo Dias Alves
Doutorando e Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em
Direito da Faculdade de Direito da UFMG. Professor Assistente do curso de
Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora campus Governador Valadares.
Benedito Silva De Almeida Junior
Graduando em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora, bolsista
de Iniciação Científica.
O presente artigo tem por objetivo discorrer sobre os elementos
que distinguem o constitucionalismo democrático característico do
paradigma do Estado Democrático de Direito das experiências presentes no contexto histórico do Estado Liberal e do Estado Social.
Parte-se da premissa de que, a partir da Modernidade, os pressupostos fundamentais dos sistemas políticos e do Direito vêm sendo constantemente questionados. O processo histórico contínuo de
racionalização da sociedade ocidental impossibilitou que assertivas
transcendentais pudessem ser utilizadas para justificar o exercício do
poder e a existência das leis – isso porque a razão progressivamente
substituiu a fé, sendo que a gradativa conquista de autonomia dos
indivíduos também foi fator imprescindível para tal contexto histórico específico que reclamou a reconstrução das bases do Estado,
agora sob as balizas da razão. A problemática, entretanto, é muito
mais complexa do que se pode imaginar a priori: a partir do momento em que as estruturas do Ancien Régime, embasadas sobretudo na
religião, foram corroídas, a função da integração social a qual essa se
ocupava também precisava ser repensada – nesse sentido, a própria
forma pela qual a sociedade estrutura-se e o substrato das relações
sociais precisaram adequar-se a essa nova realidade que é marcada
sobretudo pela conquista progressiva das liberdades individuais num
Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo • 417
contexto de secularização da compreensão de mundo e de valorização
da razão. É a partir disso que emerge o esforço teórico que aponta
para as modernas ordens normativas democráticas: a fundamentação da legitimidade do sistema político na “soberania do povo” e da
lei enquanto “vontade geral da nação” dá uma resposta razoável aos
clamores da sociedade moderna racionalizada e propicia o exercício
da autonomia dos indivíduos (enquanto “governar-se a si mesmo”)
– nesse sentido, as leis só são consideradas legítimas se possuírem
aceitabilidade social, o reconhecimento intersubjetivo dos indivíduos
em relação a esse ordenamento jurídico enquanto válido ou antes, a
participação desses indivíduo na própria elaboração dos conteúdos
normativos. Ora, a partir do momento em que os indivíduos “trazem
para dentro” do Direito seus costumes, crenças e valores, por mais
variados que sejam, estão ao mesmo tempo reafirmando-os perante
toda a comunidade jurídica – e é principalmente por causa disso que
o próprio Direito obteve grande preponderância em relação a outros
sistemas no cumprimento da tarefa de promover a integração social e
a estabilização das expectativas de comportamento. Entretanto, essa
proposta de adoção do Direito como o principal mecanismo promovedor da coesão social não se manteve por muito tempo, pela advento do “desencantamento” das ciências jurídicas por obra das Ciências
Sociais, sob o argumento de que estas são demasiado insuficientes
para cumprir satisfatoriamente essa tarefa – e da mesma forma a dificuldade de cumprir a promessa acerca da legitimidade. E essas duas
críticas, principalmente, minaram essas pretensões do Direito. Ocorre
que esse “desencantamento” apenas fez acentuar esses problemas, principalmente ao longo de um forte processo de complexificação e pluralização da sociedade: e é por causa disso que este artigo pretende rediscutir o papel do Direito a partir desse contexto específico, levantando
a hipótese pela qual este poderia assumir a função de mediador entre a
facticidade dos sistemas sociais e o sistema do Direito – a tensão entre
facticidade e validade. O esforço teórico empreendido nesse artigo é
no sentido de, primeiramente, atestar-se na realidade esse problema
da legitimidade (existente/não-existente), em todas as suas nuances, e
418 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
posteriormente desenvolver uma discussão acerca da possibilidade de o
Direito voltar a desempenhar essa função da integração social nos moldes habermasianos, a partir do entendimento intersubjetivo que orienta as ações dos agentes inseridos em determinada comunidade jurídica.
Notas
Trabalho realizado com o apoio do Programa de Iniciação Científica BIC/
UFJF, no qual o primeiro autor é orientador e o segundo autor é orientando.
1
Ações afirmativas e igualdade de oportunidades:
um conceito de justiça para atores sociais em disputa
Priscila da Silva Barboza.
Advogada, professora universitária (Unicuritiba), doutoranda em Direito
pela Universidade Federal do Paraná, Brasil. [email protected].
As ações afirmativas tornaram-se uma política de Estado a partir
da década de 60 nos Estados Unidos da América. Inicialmente foram tratadas como medidas compensatórias a danos suportados por
trabalhadores que sofriam alguma forma de discriminação. Posteriormente, essa política assumiu dimensões redistributivas. Desde então,
tem se difundido nos mais diversos países, ocasionando discussões em
torno das noções de igualdade e diferença. Nesse contexto, tornou-se
um dilema para o direito conciliar essas duas perspectivas, sempre
em conflito, o que desafia a construção de um padrão de correção em
torno de um conceito de justiça que englobe as complexidades atinentes à execução das ações afirmativas como uma política pública.
Tanto é que, no país onde se originou, a Corte de Justiça questiona a
viabilidade de sua aplicação, principalmente com relação à afirmação
de minorias em função da cor da pele. Nesse contexto, pretende-se
questionar nesse trabalho conceitos como igualdade de oportunidades (noção cara às teorias filosóficas da justiça), bem como ponderar
a respeito da forma como grupos em disputa conciliam (ou não) seus
interesses por meio das ações afirmativas, estando em uma estrutura
social bastante hierarquizada e desigual. Como conciliar tantos extremos? Acredita-se que a construção das ações afirmativas perpassa por
considerações a respeito da construção histórica que os atores sociais
realizam na esfera pública em torno de seus interesses sempre em disputa. Ora legitimando-se como grupo e, assim, requerendo medidas
afirmativas em prol do que entendem como uma minoria. Ora preservando a sua necessidade de serem vistos como sujeitos detentores
de direitos, ou seja, assumindo uma identidade para além do grupo.
420 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Que característica define determinado grupo e/ou indivíduo como
legítimo para ter seus direitos viabilizados por uma política de ação
afirmativa? Ao direito resta o desafio de transmutar esses anseios
para um conceito de justiça que equalize perspectivas em disputa e
consiga enquadrar em uma noção de igualdade formal tantos indivíduos e/ou grupos.
Justiça Política e luta pela dignidade: explorando a
política do reconhecimento de Charles Taylor
Carlos David Carneiro
Mestre em Direito pela UERJ. Atualmente cursa programa de doutorado
na mesma instituição.
A conferência de Charles Taylor para a inauguração do Princeton
University’s Center for Human Values em 1990, intitulada “A política do
Reconhecimento” despertou desde sua publicação uma série de interpretações, críticas e controvérsias1. Hoje, mesmo depois de 20 anos, as ideias
apresentadas por Taylor na ocasião continuam a despertar interesse e a
orientar alguns dos mais importantes debates políticos de nossa época.
O que permite abordagens tão ricas quando diversas é justamente o fato de Taylor não só realizar uma leitura bastante ampla
da tradição política que ele identifica com o as democracias liberais,
quanto de suas fontes morais e possibilidades presentes. Neste artigo,
pretendo revisitar “A Política do Reconhecimento”, analisando criticamente alguns de seus principais pontos e explorando seus desdobramentos em aspectos que serão apresentados a seguir.
Em primeiro lugar, procurarei expor o conteúdo da conferência,
reproduzindo os principais argumentos e pontos levantados por Taylor.
Aqui procuro reconstruir a tensão apresentada por Taylor entre a política
igual dignidade e a política da diferença, suas principais formulações e
seu modo de lidar com a questão das identidades substanciais e a diferença no espaço público. Também reproduzo os argumentos de Taylor
acerca da possibilidade de um novo liberalismo, o conceito de fusão de
horizontes e a centralidade atribuída à política do reconhecimento.
Em seguida, proponho-me a fazer uma leitura crítica dos principais pontos levantados na conferência, enfatizando a reconstrução
elaborada por Taylor da luta por igual dignidade nas sociedades contemporâneas, sua crença na possibilidade de uma mediação racional
de diferenças significativas no espaço público e, finalmente, sua proposta de um outro modelo de democracia, contraposta àquela que o filósofo canadense chama de “democracia da república procedimental”.
422 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
No que diz respeito à luta por igual dignidade, reconstruo os
passos normativos abordados em Taylor, retomando o ensaio de Berger no qual o autor se baseia para, em seguida, analisar a aparente
contradição entre a assunção formal da dignidade ao nível das representações e as práticas concretas negadoras de dignidade, incrustrada
no pano de fundo social das sociedades contemporâneas.
Em relação à capacidade de mediação racional das diferenças
profundas no espaço público, procuro analisar criticamente o conceito tayloriano de “fusão de horizontes”, baseado na hermenêutica
de Gadamer, e seu modelo de razão prática, perquirindo em que medida esses recursos podem ou não promover a possibilidade de um
entendimento racional entre diferentes e seus possíveis perigos para a
estabilidade e o entendimento democrático.
Finalmente, procuro, partindo da conferência acerca da “política
do reconhecimento”, discutir em que medida a crítica de Taylor à democracia procedimental é bem sucedida e em que medida o modelo
alternativo proposto pelo autor oferece um ideal atraente de democracia. Aqui, procuro mobilizar outros textos de Taylor acerca da democracia, como “Democratic Exclusion and Its remedies”, “The Dynamics of
Democratic Exclusion” e o ensaio mais conhecido do autor acerca do
tema “Debate Liberais-Comunitários: propósitos entrelaçados”. Mais do
que isso, procuro mostrar como a ideia de um auto-governo em Taylor
procura ancorar-se na possibilidade de uma versão democrática ao tema
Hegeliano da “eticidade”, presente em seu “Hegel and Modern Society”.
Meu objetivo, ao analisar esses pontos, é o de questionar em que
medida o projeto de Taylor em “A Política do Reconhecimento” e outras
obras, pode ser útil para se redimensionar os problemas políticos e jurídicos das sociedades contemporâneas em geral e do Brasil em particular.
Notas
1 Para uma visão geral das diversas abordagens do tema do “reconhecimento”, bem como das principais críticas e interlocuções com texto de
Taylor, ver MENDONÇA, Ricardo. A dimensão intersubjetiva da autorrealização: em defesa da teoria do reconhecimento. In: Revista brasileira de
Ciências Sociais, vol.24, nº 70, PP.143-154, 2009.
Estado e locus civis versus os fundamentos políticofilosófico do constitucionalismo
Miguel Ivân Mendonça Carneiro
Mestre em Filosofia pela Universidade de Brasília, Mestre em Ciência da
Família e bacharel em Filosofia pela Universidade Católica de Salvador. Atualmente
é professor de Teoria Geral do Estado no Centro Universitário Instituto de
Educação Superior de Brasília (IESB). Brasil, [email protected].
O presente resumo visa investigar os fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo, pois a vida em coletividade apresenta-se como inerente ao próprio ser humano, pois faz parte da natureza e existência humanas a necessidade pelo outro e do outro – na
Política – o cidadão. A partir do século XX foi possível definir que a
organização da vida pública em sociedade seria regida por documentos legislativos reunidos em Constituição. Nesse documento deveriam
conter as diretrizes basilares do hipotético acordo das relações entre
os homens, entre si e entre as instituições por ventura criadas por
cada sociedade portadores de objetivos coletivos. Passou-se, então, o
consenso de que a justiça seria viver em conformidade com as diretrizes constitucionais. Esperava-se, também, que os conflitos ideológicos, políticos, econômicos, religiosos fossem dirimidos a partir de
cada singular Constituição, obrigando a sociedade a adotá-la, invariavelmente, como parâmetro de conduta moral e ética: o conjunto
dos hábitos (Moral) para viver a Justiça (ideal do bem, Ética). Contudo, como sendo norma hipotética, a Constituição é insuficiente
para transformar as ideias em atos. Julga-se ser esse o principal desafio
para se fundar argumentos político-filosóficos, a saber: transpor para
a Constituição o sentido de pertença do povo e não a mera dogmática jurídica do poder hegemônico ou mesmo de um “ideal particular”
travestido em vontade geral. Nesse sentido, um dos principais desafios do constitucionalismo é responder à problemática: como se atingir uma sociedade justa e estável de cidadãos ao mesmo tempo ga-
424 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
rantir-lhes liberdade e igualdade cívica? Enquanto Democracia, qual
será a fronteira entre a força da minoria ou o poder da maioria? O
que mantém uma sociedade unida? Se as crenças morais fundamentais, se as doutrinas religiosas, filosóficas e morais que subsistem ao
longo do tempo em uma sociedade bem-ordenada já não conseguem
manter o senso de justiça, qual deva ser o fundamento da sociedade
justa? O que mantém uma sociedade unidade e justa? Para responder
essas questões, vislumbra-se a teoria de John Rawls sobre a “ideia
de razão pública revisitada” como a saída para a concórdia pública.
Entende-se o Estado enquanto agente chancelador da vontade geral
do povo (consciência coletiva). Depois da segunda metade do século
XX, o ente estatal passa a ter governança no neoconstitucionalismo,
que exige o retorno às questões de base do Direito e da Justiça, reconhecendo que a “a lei pela lei” já não asseguram o ideal de justiça e
igualdade. Para tanto, analisar-se-á a sociedade (locus civis) enquanto
espaço comum à todos os cidadãos, que deve ter prioridade porque
antecede a própria criação do Estado, pois o monismo estatal já não
se sustenta como porta-voz do justo. Urge o movimento inverso: é a
consciência coletiva que forma e fornece os parâmetros do agir estatal
elencados em constituição. O elo condutor entre Estado e sociedade
é a própria ideia de bem comum que estão enfeixadas no agir do Direito (seja enquanto burocracia quanto hermenêtica) na consecução
da igualdade, liberdade e dignidade humanas. Entende-se, portanto,
que o Direito deva ser fruto da dialética do povo que compõe a sociedade. Trata-se, por fim, de configurar o Direito como o próprio
pacto político público do viver em coletividade.
Será debatida a obra “O liberalismo político” onde Rawls analisa
a concepção da política e da justiça, da sociedade como um sistema
equitativo de cooperação. A pessoa política integra um espaço definido como sociedade, por isso, John Rawls vai investigar quais são
os pressupostos de uma “sociedade bem-ordenada” e os desafios das
concepções abstrata nem de uma comunidade, nem de uma associação. A Segunda Conferência trata de “As faculdade dos cidadãos e
sua representação”, onde o autor aborda o razoável e o racional, os
Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo • 425
limites da capacidade de juízo e as doutrinas abrangentes razoáveis.
Destaque especial vai para os itens “autonomia racional: artificial,
não política”, “autonomia plena: política, não ética”. Conclui Rawls
a Segunda Conferência analisando as bases da motivação moral e a
psicologia moral: filosófica, não psicológica. Na Terceira Conferência
ocupa-se do construtivismo político, notadamente o construtivismo
moral kantiano porque “seu construtivismo é mais profundo e adentra na própria existência e na constituição da ordem de valores. Isso
é parte de seu idealismo transcendental” (RAWLS, 2011, p. 118).
John Rawls indagará se é possível o liberalismo político e como se
relacionam entre si “concepção” e “doutrinas”, objeto de análise da
Quarta Conferência que é finalizada pela defesa de que uma concepção política não necessita ser abrangente. Na Quinta Conferência, o
autor dedica-se a analisar “A prioridade do justo e ideias do bem”.
Palavras-chave: Filosofia política. Constitucionalismo. John Rawls.
Teoria descolonial dos direitos fundamentais e filosofia
intercultural dos direitos humanos
Konstantin Gerber
Advogado em São Paulo, mestre em filosofia do Direito e do Estado, com
a dissertação “Antropologia Jurídica e Direitos Humanos: o etnocentrismo,
o relativismo cultural e os direitos sociais”, PUC SP, onde integra o Grupo
de Pesquisas em Direitos Fundamentais e assiste nas disciplinas de direito
constitucional e historia constitucional na graduação. Email: [email protected].
Pretende-se discorrer em caráter literário sobre constitucionalismo, sua história, suas tendências, bem como sobre nossa jurisdição
constitucional, de maneira descontraída dado haver manuais de direito
constitucional ‘descomplicado’, ‘esquematizado’, ‘simplificado’, portanto já se faz hora de se editar um manual de direito constitucional
esculhambado, pois nessa estória meus founding fathers são Zumbi,
Chico Mendes, Frei Caneca, Luiz Gama, Cacique Tibiriçá, esse primeiro contratante, Plínio de Arruda Sampaio, Ulisses Guimarães e o
Nelson Jobim, que incluiu serviços da dívida na CF. Se juristas da
exceção tinham por objetivo ‘racionalizar a democracia’ e reformar o
ordenamento jurídico nos moldes da ‘Revolução de 1964’, momento
de se ‘viver a democracia’, ou de se ‘sentir a democracia’, remover o entulho autoritário com projetos de lei em favor da Revolução de 05 de
outubro de 1988, ou como querem alguns, fazer a Revolução Caraíba,
o que não deixa de sempre lançar perguntas sobre o conceito de democracia, em tempos de ‘novo constitucionalismo latino-americano’ e o
conceito de cultura política, no pós manifestações de junho.
Pretende-se revisitar a história do constitucionalismo brasileiro,
ou mesmo sua pré-história em Dom João VI, pois ainda que tenha
traços democráticos, seu perfil é oligárquico-liberal-conservador - e
se apropriar do constitucionalismo proprietário dos Eua e França para recontá-la, por meio de outras categorias, para além do que se
nomina de constitucionalismo popular, constitucionalismo de transformação ou constitucionalismo como mito, mas advogar por um
Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo • 427
constitucionalismo que se sente na pele, para além desse constitucionalismo de conservação, revisitar a origem do direito internacional dos direitos humanos, o que pode nos lançar para a história do
direito subjetivo e suas variadas classificações, em tempos em que se
escreve sobre o fim dos direitos humanos.
Em realidade, se pretende percorrer novamente o tema dos
direitos humanos e da filosofia intercultural, temas explorados em
dissertação de mestrado, em que se procurou realizar uma carnavalização de saberes, para se aproximar do tema do relativismo cultural,
com considerações sobre quilombos, terras indígenas, populações
tradicionais, costumes proibidos, história da propriedade na América
do Sul, com reflexão sobre o significado de direitos humanos, bem
como sobre o que se debate atualmente na Filosofia do Direito: da
estrutura medieval do pensamento à experiência religiosa ou amorosa
do humano, da dimensão ética da visitação do outro, dos direitos
humanos como acontecimento antropológico, ainda que não tenha
havido pesquisa empírica para falar dos direitos humanos, de uma
antropologia da violação dos direitos humanos.
O método é o surrealista, que ganha novo fôlego com o chamado “pensamento descolonial e práticas acadêmicas dissidentes”, de
modo a re-ler a teoria dos direitos fundamentais e re-pensar a historicidade dos direitos humanos, o que fará com que perguntas sobre o
poder constituinte se mantenham acesas.
Críticas de Amartya Sen à teoria contratualista de John Rawls
Luíza Kitzmann Krug
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].
O presente trabalho avalia a adequação da maneira como Amartya Sen reconstrói a teoria da justiça como equidade de John Rawls,
bem como se as críticas a ela apresentadas são pertinentes, especialmente no que tange à substituição da ideia de bens primários, presente no princípio da diferença, pela abordagem baseada nas capacitações, elemento central à ideia de justiça de Sen e principal ponto de
inflexão entre a sua teoria e a de Rawls.
Na obra The Idea of Justice (2009), Amartya Sen desenvolve uma
teoria da justiça que visa aprimorar a justiça e remover a injustiça, sem
preocupar-se com a resolução de questões acerca da natureza de uma
justiça perfeita. Diante disso, promove uma crítica à teoria da justiça
de John Rawls, desenvolvida em obras como A Theory of Justice (1971)
e Political Liberalism (1993). Segundo Sen, a teoria da justiça de Rawls
funda-se em uma noção transcendental de justiça, inaugurada por Thomas Hobbes e desenvolvida com base na ideia de contrato social por
autores como John Locke, Jean-Jacques Rousseau e Immanuel Kant.
Trata-se de uma busca por instituições perfeitamente justas.
Sen apresenta a ideia da equidade (fairness) como fundacional à
teoria da justiça de Rawls, sendo, em sentido amplo, uma exigência
por imparcialidade derivada da ideia de posição original (original position), a qual é, por sua vez, uma situação imaginária de igualdade
primordial. Sob o véu de ignorância (veil of ignorance), que também
consiste em uma situação imaginária de ignorância dos indivíduos a
respeito de sua identidade, interesses e concepções de vida boa, são
escolhidos de forma unânime os dois princípios de justiça, determinando as instituições sociais básicas que governarão a sociedade
criada pelos membros da posição original.
Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo • 429
Sen considera que a justiça social é, em Rawls, um desdobrar em
múltiplos estágios. Após a escolha, na posição original, dos princípios
de justiça, no estágio constitucional são especificadas as instituições,
levando em consideração as particularidades de cada sociedade. Já no
estágio legislativo, o funcionamento dessas instituições leva a mais
escolhas sociais. Essa sequência imaginada de movimentos levaria ao
desenrolar de arranjos sociais perfeitamente justos.
Dentre as lições positivas da teoria da justiça de Rawls apontadas
por Sen estão a centralidade da ideia de equidade, sua tese sobre a natureza da objetividade na razão prática, o destaque às duas faculdades
morais (moral powers) – capacidade para um senso de justiça e para uma
concepção de bem –, a priorização da liberdade, o enriquecimento da
literatura sobre inequidade nas ciências sociais, a atenção dada aos menos
favorecidos através do princípio da diferença e, finalmente, o reconhecimento da importância da liberdade real de fazer o que bem se entende de
sua vida implícito no enfoque dado por Rawls aos bens primários.
O caráter extremo da prioridade total da liberdade e as falhas do
princípio da diferença são tratados por Sen como problemas que podem ser efetivamente enfrentados, sem que se torne necessário abandonar a tese da justiça como equidade. Sen considera que Rawls falha
ao julgar as oportunidades das pessoas através dos meios que possuem,
sem levar em conta a variação na habilidade de converterem bens primários em boas condições de vida. Como solução, Sen propõe uma
abordagem baseada na análise das capacitações (capabilities).
Sen aponta ainda outras objeções à teoria de Rawls, indicando que necessitam de análise mais aprofundada. Rawls falha ao não
associar a operação dos princípios de justiça a uma análise do comportamento real dos indivíduos, essencial para o desenvolvimento de
uma teoria da justiça, limitando-se a destacar a necessidade de um
comportamento razoável por parte deles. A segunda objeção consiste
nas alternativas à abordagem baseada na ideia de contrato social, em
especial a ideia do espectador imparcial (impartial spectator) de Adam
Smith, que é visto por Sen como uma alternativa para embasar a análise da justiça nas demandas da equidade. A terceira objeção consiste
430 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
na relevância das perspectivas globais para a análise da justiça em uma
dada sociedade, fator que Sen vê negligenciado na teoria de Rawls.
Em Politial Liberalism, Rawls responde à objeção de Sen a respeito
da lista de bens primários tomando como base a ideia de que, tendo todos a capacidade de serem membros normais e cooperativos da sociedade ao longo de toda a vida, quando os princípios de justiça são satisfeitos,
nenhuma das variações entre os cidadãos apontadas por Sen são injustas.
Ante o exposto, este trabalho sustenta que a teoria da justiça
como equidade de Rawls é compatível com a análise baseada nas
capacitações proposta pela ideia de justiça de Sen. Conclui, ainda,
que o cerne da teoria de Rawls sobrevive às críticas apresentadas pelo
economista indiano, sendo possível compatibilizar-se o projeto de
uma justiça transcendental com a análise de problemas sociais reais
enfrentados pelas sociedades contemporâneas.
Em defesa da democracia deliberativa:
uma possível resposta de Carlos Santiago Nino
às críticas feitas por Jeremy Waldron
José Arthur Castillo de Macedo
Estudante de graduação - e-mail: [email protected]
O presente trabalho apresenta uma resposta às críticas de Jeremy Waldron à concepção de democracia deliberativa defendida
por Carlos Santiago Nino. Apesar de quase desconhecido no debate acadêmico ou constitucional no Brasil, Nino foi um importante
constitucionalista argentino que faleceu prematuramente em 1993.
Como intelectual e ativista dos direitos humanos teve um papel fundamental na redemocratização da Argentina, pois foi o assessor do
presidente Raul Alfosin para temas ligados aos direitos humanos.
Quando esteve próximo ao poder, Nino pode experimentar na prática, as ideias de um liberalismo igualitário que já vinha defendendo
na academia. Seu papel foi fundamental para que os generais da ditadura argentina fossem levados à julgamento. Contudo, o presente
trabalho centrará a atenção em outro aspecto da obra de Nino: a
sua defensa de uma democracia deliberativa, a partir de sua crítica aos fundamentos jurídico, políticos e filosóficos às democracias
e constituições latino-americanas, realizada especialmente nas obras
“Fundamentos de Direito Constitucional” e “A Constituição da democracia deliberativa”, esta publicada após a sua morte. A partir de
uma sofisticada construção que leva em consideração os aspectos históricos, os princípios morais e a dimensão política da legitimidade,
Nino defende uma “Constituição da democracia deliberativa” a qual
permitiria que fosse construída uma democracia mais justa, legítima,
mas que conseguisse reconstruir de forma adequada os melhores aspectos da tradição constitucional de determinado país (a chamada
metáfora da catedral). Dialogando com Rawls e Habermas, Nino
sustenta a sua defesa de uma concepção deliberativa de democracia
432 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
que conciliaria a concepção que os dois autores possuem de virtuoso
e consistiria em um ganho naquilo que eles têm de deficiente. É por
isso que Nino defende, diferente de Rawls e Habermas, que a democracia possui um valor epistêmico, pois as decisões democráticas
possuem uma tendência a imparcialidade, a qual é reforçada em uma
democracia deliberativa, na qual todos podem apresentar e debater as
razões que justifiquem as suas posições. Todavia, segundo Nino, para
que haja esse valor epistêmico da democracia é indispensável um arranjo institucional que o promova. Em um seminário realizado após
a morte de Nino para discutir a obra “A Constituição da democracia
deliberativa”, Jeremy Waldron crítica a concepção deliberativa defendida por Nino. Em primeiro lugar ele sustenta que é problemática
a relação entre deliberação e votação, de um lado, e, de outro, entre
deliberação e pluralismo. Waldron faz uma breve e – parcialmente –
equivocada reconstrução da teoria de Nino para sustentar, em cinco
pontos a sua teoria majoritária da democracia. Baseado na noção de
“desacordo razoável” sobre questões de justiça e autoridade, Waldron
desenvolve uma visão majoritarista da política, a qual, segundo ele,
é mais adequada para compreender o funcionamento da deliberação
das Cortes, e, também, seria mais adequada para a compreensão da
forma adequada para lidar com o pluralismo, o que, segundo ele, seria um problema na teoria de Nino. O presente texto procura responder estas objeções feitas por Waldron a partir do caráter epistêmico
que pode ter uma democracia deliberativa e do arranjo institucional
que ela pressupôs e que Waldron ignora.
O Constitucionalismo moderno frente aos dilemas morais
Victor Cristiano da Silva Maia
Aluno do 3º período de graduação do curso de direito da Universidade
Federal de Lavras (UFLA) – MG – Brasil.
Endereço eletrônico: [email protected]
O presente trabalho tem o intuito de analisar os pressupostos
político-filosóficos do constitucionalismo moderno que retoma a
categoria do “dever-ser”, e, portanto, uma interpretação do direito
através de elementos axiológicos ou ético-valorativos. Esse movimento tem sua base no pensamento “pós-positivista” ou “não-positivista”
(como preferem chamar alguns autores). O movimento positivista
científico do final do século XIX tinha como característica principal
a total rejeição à metafísica. Essa ideologia das ciências, que visava
reduzir as ciências da cultura ao modelo das ciências naturais, tem
como característica fundamental a sua avaloratividade, isto é, a distinção entre juízos de fato e juízos de valor, excluindo estes últimos do
campo científico. Negava-se importância à filosofia dos valores, por
se entender que, a axiologia, por definição, subjetiva, não poderia de
modo algum pretender uma objetividade reservada à ciência empírica, que deveria, por sua vez, versar sobre fatos. As consequências da
perspectiva positivista aplicada ao direito levaram a refletir sobre a
possibilidade – e, talvez, a necessidade – da retomada da validade de
uma interpretação valorativa das normas. A partir da segunda metade
do século XX – período pós-guerra –, há o surgimento do pensamento “pós-positivista” que se propõe como superação do positivismo,
porém, não necessariamente sua negação, retomando, as ideias de
justiça e equidade promovendo uma reaproximação entre ética e direito. Tal reaproximação fica evidente quando estivermos diante de
um caso complexo, isto é, de um caso que advogue uma instância de
ordem superior, ou, simplesmente, de ordem diferente - por exemplo, e não por acaso - quando estivermos diante dilemas morais. Ronald Dworkin um dos maiores representantes do pensamento “pós-
434 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
-positivista”, nos oferece um arcabouço argumentativo para debater
tais problemas. O aborto, conforme Ronald Dworkin significa matar
deliberadamente um embrião humano em formação, e a eutanásia,
por sua vez, significa matar alguém por razões de benevolência. Ambos os casos, porém, compartilham um aspecto em comum, qual
seja, há uma escolha pela morte. Tais discussões perpassem os tempos, porém, sem alcançarem uma conclusão definitiva. O principal
problema diante de tais questões gira em torno do valor atribuído à
vida. Para alguns uma vida digna é aquela na qual podemos alcançar
nossas realizações. Nesse sentido uma pessoa em estado terminal que
sofre de uma doença incurável e padece de dores terríveis não seria
mais dotada de dignidade, pois o paciente não poderia desfrutar de
mais nenhum prazer e deveria conviver ainda com a aflição contínua
da dor; para outros a vida é tida como sagrada, possui um valor em si,
intrínseco e inviolável, e que, por esse motivo, não temos a possibilidade de decidir sobre como e quando ela deve começar ou terminar.
Diante disso, cabe a nós nos perguntarmos: a lei deveria permitir que
os médicos suprimissem a vida dos pacientes terminais que, por estarem sofrendo dores terríveis, pedem para morrer? Na mesma esteira
do problema da eutanásia segue também o problema do aborto. Para
a maioria das pessoas o aborto não passa de uma questão moral e metafísica que envolve o problema de identificar quando a vida começa.
Influenciados fortemente pela corrente tomista, temos aqueles que
consideram o embrião como sendo uma criança, tanto quanto uma
semente já é uma árvore; por outro lado, a corrente natalista considera como o início da vida somente a vida extrauterina, quando o bebê
é então capaz de sobreviver independentemente da mãe. A ideia de
que a vida é sagrada e inviolável é o ponto central para as discussões
que dizem respeito aos dois extremos dela, seja em relação ao aborto
ou a eutanásia. Sendo assim, pretende-se analisar, as premissas de
Ronald Dworkin para tentarmos encontrar a forma com que o Estado deveria lidar com tais dilemas morais. Questões abstratas como
estas expressam a importância dos princípios no ordenamento jurídico-constitucional. Quando não encontramos uma solução pré-de-
Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo • 435
finida no ordenamento, faz-se necessário uma interpretação do texto
constitucional através dos aparatos hermenêuticos. Essas discussões
cujo conteúdo envolve relação aos direitos e garantias fundamentais
como a dignidade da pessoa humana, o direito à vida, à liberdade,
bem como o fato de que ninguém será submetido à tortura nem a
tratamento desumano ou degradante, entre outras, exigem um novo
olhar para o texto constitucional a fim de fazer com que se tornem
efetivos os ideais de justiça e equidade.
Palavras-chave: Constitucionalismo moderno; Ronald Dworkin;
Dilema morais.
Uma análise sobre algumas das bases filosóficas e
políticas do Processo de (re)dimensionamento Global e
Intergeracional do Direito Constitucional
Juliana Guedes Martins
Mestre em Direito –Instituições Jurídicas e Políticas- UFSC. Doutoranda
em Direito Público na Universidade de Coimbra
O presente trabalho busca identificar aspectos das matrizes filosóficas e políticas dos princípios da Sustentabilidade/Intergeracionalidade a partir do reconhecimento de que tais princípios constituem
um dos eixos legitimadores centrais do fenômeno jurídico e político denominado Transconstitucionalismo/Interconstitucionalismo e
operam no Século XXI o “passo além” do papel que cumpriu e ainda
cumpre o “Princípio da Dignidade da Pessoa Humana” no Século
XX. O fim da Segunda Guerra Mundial constitui o marco histórico
que conduz ao “turning point” do Direito Constitucional que o desloca do Positivismo Jurídico para o Pós-positivismo Jurídico, quando ocorre a chamada virada Kantiana do significado de Soberania,
momento no qual o sujeito nacional passa a ser o protagonista das
preocupações estatais, segundo Kant a única e verdadeira razão de Estado é a defesa do individuo, ocorre então a abertura das Soberanias
estatais a um sistema normativo internacional, cujo pilar principal
é constituído pela Dignidade da Pessoa Humana. Em tal processo
podemos situar como, um dos marcos o texto “Cinco Minutos de Filosofia do Direito” de Gustav Radbruch, que após a Segunda Guerra
Mundial, escrito como manifesto dirigido aos alunos da Universidade de Heildelberg onde afirma: “Esta concepção da lei e sua validade,
a que chamamos Positivismo, foi a que deixou sem defesa o povo e os
juristas contra as leis mais arbitrárias, mais cruéis e mais criminosas”.
A força jurídica central e condicionante do Direito Constitucional
passa a ser Dignidade da Pessoa Humana, cujo status é de núcleo fundamental, inicialmente através da Declaração Universal de Direitos
Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo • 437
Humanos e na seqüência densifica-se na via do constitucionalismo
contemporâneo a kantiana idéia de humanidade como um fim em si
mesma. O Século XXI é marcado pelo imperativo categórico de uma
ética universalista dos Direitos Humanos e pela amplitude global e
temporal da questão ambiental e econômica, cada vez mais, marcada
pela repercussão que as decisões políticas locais são capazes de gerar
no ambiente global. O “novo Imperativo categórico” de Hans Jonas,
cuja proposta é a ética da responsabilidade, constitui a matriz filosófica do Princípio da Sustentabilidade/Intergeracionalidade e confere o
suporte filosófico original do conceito de sustentabilidade, que eclode no Relatório da ONU sobre meio ambiente global denominado
“ Nosso Futuro Comum” e pauta-se na comensuração da dimensão
global e intergeracional das ações humanas, pressupostos inerentes ao
próprio conceito de Desenvolvimento Sustentável que na atualidade
ocupa centralidade não somente de ordem ambiental, mas também
econômica, política e social. Tal discurso permeado por princípios
axiológicos, e estabelecedores de tal redimensionamento do horizonte dos valores para uma ordem cosmopolita, global e intergeracional
implicam no reconhecimento de uma identidade do indivíduo como
cidadão do mundo, inserido como responsável em uma realidade que
só faz sentido na dimensão de comunidade compartilhada pela humanidade. Juridicamente é sobretudo nas Constituições que tal sistema valorativo cristaliza os Direitos Humanos e a Questão Ambiental,
situando a ótica do Estado Nação em uma Nova
Ordem Jurídica Tal realidade jurídica instalada pelas Constituições confere “Força Normativa”(HESSE) ímpar e até então inédita aos Direitos Fundamentais, consagra-se na engenharia política e
jurídica do Estado Democrático de Direito, cuja tônica decorre da
marcada tensão entre Democracia e Direitos Fundamentais, no qual
o protagonismo intepretativo desloca-se do interprete privilegiado e
autorizado (KELSEN) para o cidadão que compõe a chamada sociedade aberta de interpretes (PETER HABERLE) e assume o papel não mais apenas de destinatário de direitos mas de co-autor do
sistema jurídico na medida em que intepreta e os reinvidica através
438 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
das vias políticas e jurídicas. Identifica-se aqui, que tal processo de renovação e redimensionamento das pautas ocorre principalmente com
a ascensão hegemônica dos EUA e com a emergência do fenômeno
da institucionalização desta mundialização. O processo em questão é
operado, principalmente através de Organizações Internacionais sendo que a introjeção e o reconhecimento destes novos conceitos (p.e.
sustentabilidade) efetua-se pela ciência e pela mídia. (LUHMANN).
A dignidade da pessoa humana _ argumento nuclear na gramática
compartilhada da interjusfundamentalidade _ constitui um fator indispensável no exame de legitimidade das conexões entre as instituições
jurídicas e políticas que compõe a nova rede de instâncias processuais
interjurisdicionais. A sociedade cada vez mais complexa e heterogênea
possui como último cimento social a gramática compartilhada dos
Direitos Fundamentais (HABERMAS). O Estado Democrático de
Direito constitui suporte apto a conciliar tal renovação estrutural de
ordem prática com a gramática axiológica e vinculativa dos Princípios
Constitucionais. Tal processo de (re) significação deflagra e possibilita
um processo permanente de (re)construção de sentidos e significados
gerados pela Sociedade Aberta de Intérpretes, a partir da carga axiológica compartilhada e constitucionalmente positivada dos Direitos
Fundamentais, que no Século XXI encontram-se redimensionados
nas perspectivas espaço (global) e tempo (intergeracional).
Fundamentos filosóficos do direito à vida em John Finnis
Dilson Cavalcanti Batista Neto
Doutorando em Filosofia do Direito e Teoria do Estado na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito Público pela Universidade
Federal da Bahia. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe.
Professor do UNASP (Centro Universitário Adventista de São Paulo, campus
Engenheiro Coelho). E-mail: [email protected] e [email protected].
John Finnis é um dos mais relevantes propagadores na atualidade
do Jusnaturalismo. Em sua principal obra, Natural Law and Natural
Rights (2011c), busca contrapor críticos (geralmente positivistas, como
H. L. A. Hart) que negam que a validade jurídica de uma norma dependa de qualidades substancialmente morais. A principal crítica que
Finnis propõe sobre o pensamento de Hart (2009, p. 270-271) é que
uma teoria do direito não deve simplesmente levar em consideração
uma perspectiva interna (daquele que aceita o direito enquanto válido),
mas a teoria deve assumir a visão desta perspectiva porque os indivíduos que se encontram no jogo de conceitos do direito acreditam que
normas válidas geram obrigações morais (BIX, 2010, p. 217-218).
Procura fundar sua teoria não num conceito de divindade, mas
em bens autoevidentes: Vida, Conhecimento, Jogo, Experiência Estética, Sociabilidade (Amizade), Razoabilidade Prática e Religião. (FINNIS, 2011c, p. 81-99). Cada um destes bens é universal e eles conduzem todas as sociedades humanas, em todos os tempos. Possuem valor
intrínseco, não sendo meio para atingir outros valores. Não se confundem com valores morais, mas os antecedem. A moral e os princípios de
direito natural resultam da combinação de tais bens com os requisitos
de razoabilidade prática. (WACKS, 2006, p. 14-18).
Apesar de não ter escrito uma obra exclusiva sobre o direito à
vida, John Finnis possui um trabalho substancial sobre o tema no
qual faz uma contribuição que combina conhecimento jurídico e filosófico (KEOWN, 2013, p. 305) que se expõe, resumidamente e de
forma exemplificativa, a seguir.
440 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
No artigo Justice for Mother and Child (FINNIS, 2011a, p. 307314), afirma que qualquer tipo de experimentação ou observação que
é susceptível de pôr em perigo o embrião é injustificável a menos que
os procedimentos sejam destinados a beneficiar os próprios embriões.
Sobre a fertilização in vitro, Finnis escreve no artigo CS Lewis and
the Test-Tube Babies (FINNIS, 2011a, p. 273-281) que a existência
humana não se inicia por conta de um ato de união conjugal, ou de
qualquer fator social que dê significado ao “bebê no tubo”, que a
vida começa no ponto culminante do processo de fertilização, quando se possui uma constituição genética e integração orgânica. Estes
elementos mínimos são ratificados no escrito When Most People Begin
(FINNIS, 2011b 287-292), quando reitera a importância do reconhecimento do elemento mínimo – zigoto composto de 46 cromossomos
– como elemento de início da história do humano. Críticos desta visão,
como Ronald Dworkin (2009), advogam o não status legal do feto ao
afirmarem que a legislação antiaborto deve existir não para protegê-los,
mas para garantir, entre outras coisas, a saúde da mãe.
Em relação à discussão sobre o fim da vida, Finnis critica, p.
ex., os defensores da eutanásia, ao afirmar que não se trata de um
ato privado puramente. Aceitar isso seria comparável a aceitar um
acordo para vender a si mesmo como escravo. Além disso, argumenta
contra a ideia de proteção à autonomia do sujeito que se submete
à eutanásia, pois estaria acometido, em certo grau, de algum tipo
de enfermidade ou doença. No artigo Brain Death and Peter Singer
(FINNIS, 2011b, p. 302-312), aponta insuficiências na ideia de que
a vida de seres humanos em estado de coma irreversível não possui
valor intrínseco. Trata-se de uma alternativa ao conceito operacional
de vida sustentado por Peter Singer (2011, p. 155-190).
Por fugir de padrões vazios de argumentação comumente presentes em debates sobre direito à vida, é que a contribuição de John
Finnis merece atenção.
Referências
BIX, Brian. Natural Law Theory. In Dennis Petterson (ed.). A Companion to Philosophy of Law and Legal Theory. West Sussex: Wiley-Blackwell, 2010.
Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo • 441
DWORKIN, Ronald. Domínio da Vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. Jeferson Luiz Camargo (trad). São Paulo: Martins Fontes, 2009.
FINNIS, John. Human Rights and Common Good. Oxford: Oxford
University Press, 2011a. (Collected Essays Vol. III)
______. Intention and Identity. Oxford: Oxford University Press,
2011b. (Collected Essays Vol. II)
______. Natural Law and Natural Rights. 2ª ed. Oxford: Oxford University Press, 2011c.
HART, H. L. A. O Conceito de Direito. Antônio de Oliveira Sette-Câmara (trad). São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
KEOWN, John. A New Father for The Law and Ethics of Medicine. In KEOWN, John; GEORGE, Robert P. Reason, Morality and Law: The
Philosophy of John Finnis. Oxford: Oxford University Press, 2013.
SINGER, Peter. Pratical Ethics. 3ª ed. Cambrigde: Cambridge University Press, 2011.
WACKS, Raymond. Philosophy of Law: A Very Short Introduction.
Oxford: Oxford University Press, 2006.
Novos Direitos: aportes a partir da Filosofia da
Libertação Latino-Americana
Ana Paula de Oliveira Mazoni Vanzela Paiva
Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Paraná (Curitiba,
Brasil). Email: [email protected].
O objetivo a ser perseguido consiste na análise da consecução
dos novos direitos elaborado pelo filósofo argentino Enrique Dussel,
através de sua fundamentação ética, buscando suas raízes de pensamento no conceito de dominação engendrado na expressão de ser do
povo latino-americano, caminhando, na ocasião em que reconstrói o
paradigma ético vigente através do método analítico, para uma ética
mundial enquanto fundamento para a justiça, na medida em que
destrói as éticas contemporâneas em crise e concretiza novos direitos
fundamentais a partir da libertação do oprimido. Filosofia da libertação, dentro de uma análise paradigmática da própria filosofia, se caracteriza pela corrente de pensamento que rechaça o eurocentrismo, a
partir da descolonização do ser, saber e viver (entre outros aspectos),
e tem como ponto de partida e chegada a vida negada (para cria-la,
reproduzi-la e desenvolvê-la), do outro enquanto Outro, pensado a
partir de uma exterioridade que, de forma contra hegemônica, se
liberta da totalidade totalizada. A função do filósofo, via de consequência, é ser servidor do Outro, comprometido com uma práxis de
libertação. Enrique Dussel propõe uma ética da libertação fundada
em uma utopia possível, qual seja a consideração do outro não apenas
enquanto igual (o Mesmo rechaçado junto a uma totalidade colonizada), mas, sobretudo, enquanto diferente, em busca da passagem do
dever ser para o dever viver. Ou seja, negando-se a negatividade da
vida das vítimas (ainda que não intencionais) e tendo esse raciocínio
como ponto de partida, seu projeto ético visa a opção pelos pobres e
oprimidos a partir da realidade da América Latina e do resgate de sua
identidade. Neste sentido, as concepções de justiça da epistemologia
Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo • 443
do norte (que se contrapõem a uma epistemologia do sul), pautadas
por uma errônea ideia de justiça que parte da centralidade da Europa
no sistema-mundo, são, na verdade, perpetuadoras de injustiças. Seu
verdadeiro conceito parte, então, da periferia deste sistema-mundo,
e, após a constatação de tais negatividades presentes na vida dos oprimidos (do latino-americano, negro, pobre, homossexual, mulher,
entre outros), nega a negação, logrando afirmar outro modo de produção, reprodução e desenvolvimento de vida. Importante considerar que seu conceito de Outro se caracteriza como o condicionante
anterior de toda e qualquer comunicação, do excluído da condição
de partícipe da argumentação, não obstante afetado pelas decisões
tomadas, sendo a vítima não intencional do sistema (que nunca será
perfeito), o não-falante e não-ser (que ontologicamente é o nada).
Não é o diferente da razão, mas a razão do outro, distante da realidade hegemônica, eurocêntrica, machista, autoritária e fetichizada (sob
essa perspectiva, Enrique Dussel parte da problemática da indissolubilidade do outro ao sistema a que pertence, enquanto dificuldade de
enxergar outro homem e não apenas outra engrenagem do sistema).
Considera que o paradigma da linguagem, orientado por Karl-Otto
Apel e Jürgen Habermas não é suficiente para abarcar as necessidades da América Latina, que se encontraram por tanto tempo eivadas
por uma filosofia europeia e norte-americana e que, exatamente por
isso, não se encontram com possibilidades reais de resolução de seus
conflitos pertinentes. A esse fenômeno de colonização do ser e saber dá-se o nome de eurocentrismo, fundado na falsa ideia de que
o conceito de modernidade, enquanto emancipação, se dá por um
esforço da razão a partir de processo crítico que tem na Europa o
germe criador e fundamentador da sociedade moderna– como se os
eventos ocorridos no interior da Europa fossem a força motriz de
desenvolvimento da modernidade. Ou seja, desde a negação da origem da modernidade, engendra uma ética material (na medida em
que informa ser insuficiente uma ética formal), com vista a ter na
justiça o atendimento do pobre e excluído. A conceito de justiça para
a filosofia da libertação, perpassa a compreensão de homem como
444 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
supra-stância com poder-ser e práxis (enquanto modo de ser do homem no mundo) e, considerando a infinidade de caminhos possíveis
a serem tomados por este homem assim considerado, escolhe valores
pensados na ética dusseliana através das categorias supracitadas (erótica, família, pedagógica e política). A consecução de novos direitos
passa, portanto, pela consciência de ser latino-americano, bem como
pela análise de seus momentos éticos que buscam novos consensos (a
partir de conflitos, também institucionalizados), com vistas à tornam
hegemônicas práticas então contra hegemônicas, tendo como ponto
norteador a produção, reprodução e desenvolvimento da vida, projeto transmoderno de libertação latino-americana.
Revisitando a jusfilosofia de Kelsen e seu constitucionalismo
Daniel Nunes Pereira
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito
e Mestre em Ciências Sociais e Jurídicas (PPGSD/UFF), Mestre em Ciência
Política (PPGCP/UFF), Bacharel em Direito (UFF). Especialista CPE em
História Europeia (U.U.-Utrecht). Professor I-RTI do Curso de Direito
da Universidade Veiga de Almeida. Professor Adjunto (Direito Público) da
Faculdade de Direito de Valença. Brasil. Contato: [email protected].
Patrick de Almeida Saigg
Graduando em Direito – Universidade Veiga de Almeida – Campus Tijuca
– RJ. Brasil. Monitor da disciplina “Introdução à Ciência do Direito”. Membro
participante do programa institucional de Iniciação Científica – PIC/UVA.
Contato: [email protected].
O presente artigo visa desfazer alguns entreveros na interpretação da obra de Hans Kelsen, desconstruir o mito de um positivismo
exegeta inexistente na jusfilosofia do mestre de Viena. Especificamente, a premência de uma Jurisdição Constitucional, a partir da teoria Kelseneana necessita de subsídios filosóficos de grande amplitude temática e elaborada complexidade, que constantemente não são
adequadamente descritos ou interpretados. A argumentação constitucional do autor deriva de constructos filosóficos próprios, coerentes entre si, nos quais jazem os arcabouços epistemológicos próprios.
Kelsen lidou com a Crise Antropológica da Vienna Fin-De-Siècle,
momento e locus de crítica e indagação sobre as formas tradicionais
de se pensar o homem e o mundo decorrentes de um descrédito existencial estabelecido pela desilusão com os projetos liberal e Iluminista
(SCHORSKE, 1981: 181). A compreensão deste momento histórico é
condição necessária para crítica cética à imanência do objeto intelectual
a ser estudado (ADORNO, 1988: 207). Ou seja, a teoria kelseneana é
construída a partir de uma Weltanschauung específica fundada na Crise Antropológica da Mitteleuropa. Ao contrário da mitificação de um
positivismo autoritário, o autor estudado em sua acepção político-ju-
446 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
rídica de Constitucionalismo migrou do Monarquismo à fundação da
República Austríaca, sempre pela senda da socialdemocracia, nunca a
dialogar com o obscurantismo que geraria a “experiência” Dollfuß (Stenographische Protokolle, 1918-1919: 32-33 apud LAGI, 2012: 276).
O desiderato de Kelsen concernente a Estado, Democracia e
Direito, depende de uma Ontologia específica, paradoxalmente, uma
negação metafísica de qualquer crença ontológica última. Na teoria de Kelsen, em última análise, há duas formas político-jurídico
antagônicas entre si: absolutismo filosófico e relativismo filosófico
(KELSEN, 2000: 161), ao contrário da caricatura de um totalitarismo exegético por vezes esboçada.
A Antropologia Política de Kelsen é eclética Ao tratar da questão
antropológica do poder Kelsen atenta a três importantes categorias da Teoria Política: Renúncia (FREUD, 2010a: 50, 86), Autoridade (BURKE,
1823: 106) e Contrato Social Parricida (FREUD, 2010b: 18, 23, 24).
Outro tema importante no constitucionalismo de Kelsen é o
Estado, proposto em termos jurídicos e ontológicos, enquanto fenômeno e também enquanto personalidade distinta dos indivíduos que
representasse determinada comunidade enquanto ordem jurídica nacional, autônomo de ordenações jurídicas internacionais (KELSEN,
1990: 188). Assim é que seu Constitucionalismo parte de algumas
críticas e também concordâncias às Teorias do Estado de Weber e
Jellinek (MOTTA, 2011: 10), concluindo que o “Estado é a sua ordem jurídica” (KELSEN, 1990: 185).
Ao contrário do mito de um Kelsen “totalitário” seus escritos
que tratam de Estado e Constituição evidenciam um defensor de
ideais democráticos e dialógicos, crítico direto de Schmitt, Smend e
Forsthoff (SOSA WAGNER, 2008: 84). O formalismo metodológico de significava a intensa luta pela Democracia material e pelo Direito como meio e não fim para consecução dos ideais de emancipação humana. O Estado Constititucional e Democrático para Kelsen
imprescinde de dialogia, razão crítica e Regra da Maioria em respeito
à minoria como em Tocqueville (KELSEN, 1990: 283).
Para Kelsen, portanto, o Direito é conceituado como “Sistema
de Regras”, cuja principal característica é a positividade lógica, se
Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo • 447
opondo ao Direito entendido como justiça, caracterizado por posição valorativa (KELSEN, 2003a: 18), é um meio para a Democracia
material e não um fim em si mesmo. A revisitação ora proposta evidencia Kelsen como um campeão do Constitucionalismo Democrático, ao contrário da caricatura esboçada pela dogmática dita crítica.
Referências Bibliográficas:
ABÉLÈS, Marc “Anthropologie de l’État”. París: Armand Colin. 1990
ADORNO, Theodor, “Teoria Estética”. Lisboa: Edições 70, 1988
BURKE, Edmund. “Réflexions Sur La Révolutions de France”. Lyon: Egron. 1823
FREUD, Sigmund. “L’Avenir D’une Illusion”. Paris: Presses Universitaires de France /
Quadrige: 2010b.
_______ .“O Mal Estar na Civilização – Obras Completas Vol. 18”. São Paulo: Companhia das Letras. 2010a.
KELSEN, Hans. “A Democracia”. 2ª ed., São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000.
_________. “O Estado como Integração”. São Paulo: Martins Fontes. 2003b.
_________. “Teoria geral do direito e do Estado”. São Paulo: Martins Fontes. 1990.
_________. “Teoria Pura do Direito”. São Paulo: Martins Fontes. 2003a.
LAGI, Sara. “Hans Kelsen and the Austrian Constitutional Court (19181929)”. In. Co-herencia vol.9 Nº.16. Medellín. 2012.
MOTTA, Luiz. “Direito, estado e poder: poulantzas e o seu confronto com Kelsen”. In.
Revista de Sociologia e Politica. vol.19 no. 38. Curitiba. Fevereiro. 2011.
SCHORSKE, Carl E. “Fin-de-Siécle Vienna”. Vintage Book Edition. Nova Iorque:
Vintage Books. 1981.
SOSA WAGNER, Francisco. “Carl Schmitt y Ernst Forsthoff: Coincidencias y Confidencias”. Madrid: Marcial Pons Ediciones Juridicas y Sociales S/A. 2008.
Contribuição da experiência literária
para a neutralidade liberal
Bruno Anunciação Rocha
Mestrando em Teoria do Direito pela PUC Minas. Brasil.
E-mail: [email protected].
Galvão Rabelo
Mestrando em Teoria do Direito pela PUC Minas. Brasil.
E-mail: [email protected].
As teorias políticas liberais formam uma tradição plural. Entretanto, todas elas possuem um núcleo comum, especialmente aquelas
de matriz kantiana, que garante certa coesão a essa corrente de pensamento: todas elas trabalham com as ideias de autonomia e concepções
individuais de bem (CASQUETTE, 2001).
Partindo dessas duas ideias principais, as teorias liberais procuram formular modelos de Estado cujo objetivo central é propiciar aos
cidadãos condições para agir com base em suas próprias convicções
sobre aquilo que tem valor intrínseco na vida. Para tanto, a autoridade política não pode determinar que fins as pessoas devem se empenhar em realizar, supondo que haja uma doutrina universalmente
verdadeira sobre o que constitui a vida boa, à qual todos os membros
da comunidade política devem se conformar (VITA, 2013). Assim,
as funções do modelo de Estado liberal se restringem à garantia dos
direitos básicos dos indivíduos, relacionados à possibilidade de buscar a vida boa, segundo suas próprias concepções sobre o bem.
Para cumprir essa função, o Estado deve assumir uma postura neutra diante da pluralidade de visões de vida boa. A autoridade
política deve se abster de valorar os méritos relativos às diferentes
concepções de bem, limitando-se a avaliar se a conduta humana se
adequa à autonomia das outras pessoas: o Estado deve regular apenas
os aspectos externos da ação, valendo-se do Direito para tanto.
Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo • 449
Embora o ideal de neutralidade tenha sido acolhido na matriz
do Estado Democrático de Direito, a demanda pelo reconhecimento
da importância das concepções de vida boa para a realização humana
aparentemente o coloca em xeque. Contudo, esse problema adquire
outro contorno quando se considera a neutralidade não como uma
postura de tolerância pela indiferença, mas uma postura de tolerância
pelo reconhecimento do outro e da importância do direito que cada
um tem de perseguir seus objetivos de vida e realizar sua existência
segundo valores que lhe são peculiares.
Além de garantir a liberdade negativa, que se refere à não-interferência nos direitos e liberdades fundamentais, é preciso fomentar
a autonomia política dos indivíduos, tornando-os cidadãos capazes
de argumentar politicamente a partir de argumentos razoáveis, dos
quais estão excluídos aqueles que se baseiam exclusivamente em concepções morais ou religiosas, cujos conflitos são insolúveis. Tal autonomia só é possível quando se reconhece o outro como um ser humano igual, cuja existência é permeada também por medos e desejos
guiados por concepções de vida boa. Para isso, a experiência literária
pode contribuir significativamente.
Segundo Martha Nussbaum, a literatura possui relevante papel
a exercer na esfera pública como instrumento para a formação de
cidadãos comprometidos com o bem-estar alheio. Isso é possível porque a experiência da leitura de romances, em razão da forma como
o discurso se desenvolve, é capaz de ativar a imaginação literária do
leitor e provocar nele a identificação empática com a sorte das personagens (NUSSBAUM, 1997).
A peculiaridade da contribuição da literatura para o reconhecimento do outro situa-se precisamente na formação de um elo emocional entre o leitor e as personagens envolvidas na trama. A imaginação literária possibilita que o leitor “sinta” o que significa estar na
situação de outra pessoa, levando-o a compreender de modo mais
abrangente o sentido de diversas escolhas valorativas.
A neutralidade pode ser melhor compreendida pela ótica do
“espectador judicioso”, a saber, daquele que, embora se relacione
450 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
emocionalmente com as personagens, assumindo em grande parte
suas emoções, situa-se numa posição de espectador – e não de ator
– em relação aos acontecimentos. Por não estar pessoalmente envolvido, pode razoavelmente avaliar os sentimentos suscitados e eleger
boas emoções como subsídios para as razões que fundamentam decisões na esfera pública (NUSSBAUM, 1997).
A neutralidade não implica exclusão absoluta das convicções
morais ou religiosas do discurso político; ela apenas limita o uso dessas convicções, rejeitando-as como fundamento exclusivo das normas pertinentes à estrutura básica da sociedade, que devem ser fundamentadas em razões e valores políticos que todos poderiam, em
princípio, aceitar (VITA, 2013). É desejável que os cidadãos de uma
sociedade democrática realmente internalizem as razões e valores políticos necessários para a convivência pacífica entre as diversas doutrinas abrangentes do bem. Nesse ponto, acredita-se que a experiência
literária pode ser útil, pois ajuda a desenvolver cidadãos democráticos
capazes de reconhecer o outro em sua plenitude, e não apenas agir
com indiferença em relação a ele.
Referências bibliográficas
CASQUETTE, Jesús. Liberalismo, cultura y neutralidad estatal. Signos
Filosóficos, Iztapalapa v. III, n. 6, p. 59-83, 2001.
NUSSBAUM, Martha. Justicia Poetica: la imaginación literaria y la vida
pública. Barcelona: Editorial Andrés Bello, 1997. 183p.
VITA, Álvaro de. Sociedade democrática e tolerância liberal. Novos estud.
– CEBRAP, São Paulo, n. 84, p. 61-81, 2009.
Palavras-chave: Liberalismo; Neutralidade; Direito e Literatura.
A legitimidade democrática do controle de
constitucionalidade à luz da teoria de John Rawls
Mariana Oliveira de Sá
Bacharelanda em Direito da Faculdade Arquidiocesana de Curvelo.
Monitora das disciplinas Teoria Geral do Direito e Direito Civil da Faculdade
Arquidiocesana de Curvelo. Estagiária do Ministério Público de Minas Gerais.
Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em DireitoCONPEDI. E-mail: [email protected].
A democracia constitucional é um sistema político, cuja as instituições submetidas ao império do Direito, possuem um arcabouço material e existencial, que atua procedimental e funcionalmente
através da soberania popular. É nesse contexto que o presente estudo
possui como objetivo demonstrar a necessidade do controle de constitucionalidade seguir parâmetros concernentes a uma legitimidade
democrática, ou seja, ser a expressão das concepções de justiça dos
detentores do poder político, o povo. Isso é o que expõe John Rawls
em sua obra Political Liberalism (1993), que tem como fio condutor a ideia de razão pública, ou seja, o exercício do poder político
através de deliberação de questões fundamentais. Para o desenvolvimento da pesquisa, utilizou-se como metodologia análise bibliográfica das principais obras do autor, como seus conceitos elementares,
bem como um estudo das ações apreciadas pelo Supremo Tribunal
Federal em sede do controle de constitucionalidade. O objetivo central de Rawls é dar vazão ao pensamento que revela a possibilidade
de possuir uma base de justificação razoável no que diz respeito às
principais questões políticas fundamentais de uma sociedade. Rawls
busca traçar o procedimento para alcançar decisões justas, tendo
como cerne a ideia de razão pública, que é a razão de um povo democrático. A razão pública aplica-se especialmente a uma Corte Suprema ao realizar o controle de constitucionalidade de suas leis e atos
normativos, pois é a ela que especifica quais são os princípios que
devem ser adotados para a fundamentação das decisões do Estado,
452 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
para que elas passem por um crivo democrático. A ideia de razão
pública propõe um modo de caracterizar a estrutura e o conteúdo das
bases fundamentais da sociedade que seja apropriado a deliberações
políticas, e se aplica somente a questões que envolvem os elementos
constitucionais essenciais e questões de justiça básica. Os elementos
constitucionais abarcam os direitos e liberdades políticas, que podem
ser incluídos em uma Constituição escrita, supondo que a mesma
possa ser interpretada por uma corte suprema, ao passo que questões de justiça básica, envolvem questões de justiça social, econômica
e outras matérias que não são abarcadas por uma Constituição. É
assim, que, a ideia de razão pública, com todo o seu arcabouço, se
aplica de forma especial ao Judiciário, e, sobretudo, a uma Suprema Corte. Ao realizar o controle de constitucionalidade, para que o
mesmo seja revestido de legitimidade democrática, deve os magistrados fundamentar sua decisão de acordo com o conteúdo da razão
pública, que é determinado pelos princípios e valores das concepções políticas de justiça, que devem ser completas, expressando princípios, padrões e ideais junto com diretrizes de investigação, para
que os valores por ela explicitados ofereçam uma resposta razoável
às questões que envolvem elementos constitucionais essenciais e matérias de justiça básica. É nesse contexto que a proposta rawlsiana se
demonstra de suma relevância para que haja uma democratização do
controle de constitucionalidade. A democracia para Rawls, consiste
em um exercício de deliberação, e ao analisar questões de justiça
básica e elementos constitucionais essenciais a Suprema Corte deve
possibilitar uma abertura institucional apta a prover a participação da
sociedade civil para apresentar os valores e princípios que expressam
as diretrizes dos sujeitos constitucionais. Para tanto, é necessário mecanismos que possibilitem uma abertura institucional apta a proporcionar um diálogo entre os entes institucionalizados e os atores civis.
O Supremo Tribunal Federal utiliza como ferramenta para possibilitar a participação popular as audiências públicas, cuja principal função é possibilitar o exercício do poder político consagrado constitucionalmente como um direito de todo cidadão, sendo portanto, uma
Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo • 453
garantia fundamental que deve ser efetivada pelo Estado. A audiência
pública tem o condão de conferir uma legitimidade democrática às
decisões proferidas pela Corte. Porém, este trabalho alcançou resultados no sentido de verificar que, no Brasil, as audiências públicas
ainda não estão aptas a proporcionar uma legitimidade democrática
nas decisões de controle de constitucionalidade, seja porque o número de participação dos cidadãos não é elevado, a educação cívica se
apresenta defasada, e não há publicidade suficiente nem um estímulo
para a participação nas mesmas. É sob esta perspectiva que se apresenta
a proposta deliberativa de Rawls. Com ela tem-se o fortalecimento dos
fóruns públicos para a constituição do direito, da política, e, assim, da
própria sociedade. O modelo de deliberação pública rawlsiana, baseada
na ideia de razão pública, permite com que os valores e princípios dos
detentores do poder político cheguem até os responsáveis por emitir a
decisão referente ao controle de constitucionalidade, e assim, garante
que a interpretação da Constituição seja de acordo com a expressão da
soberania popular, e assim, dotada de legitimidade democrática.
Palavras-chave: Legitimidade; Democracia; Controle de Constitucionalidade; Audiências Públicas; John Rawls.
Poder Constituinte e Fundação Contínua em
Hannah Arendt
Ana Paula Repolês Torres
Doutora em Filosofia pela FAFICH/UFMG; Graduada e Mestre em
Direito pela FD/UFMG. Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da
3ª Região, lotada na Escola Judicial. Brasil. E-mail: [email protected].
A partir da concepção do poder como sinônimo de liberdade em
Hannah Arendt, buscamos refletir sobre o conceito de poder constituinte, o que nos leva a superar a identificação do poder constituinte
originário como mero fato, como um poder ilimitado e desvinculado
de qualquer parâmetro normativo. Isso não significa dizer que não
exista regime jurídico instaurado com base na mera violência, mas
sim que tal regime é antes um sistema de mando e de sujeição, de governantes e governados, do que um verdadeiro regime democrático.
Ressalte-se que não estamos negando a distinção entre poder constituinte e poderes constituídos, ou entre poder constituinte originário
e derivado. O que pretendemos é superar a tópica do mítico e heroico
fundador, e até mesmo a noção de que a fundação é realizada unicamente por uma Convenção ou Assembleia Constituinte Originária ou de
Reforma, pois com Arendt sabemos que a fundação de uma comunidade
política e jurídica não pode ser compreendida exclusivamente pela noção
de fabricação, requerendo também a presença da ação política, a qual implica transcendência do momento inaugural e engajamento constante.
Para tanto, cabe voltarmos às origens do pensamento político ocidental, analisando a substituição da praxis pela poièsis, isto é, da ação
política pelo governo no pensamento de Platão. O que vemos aparecer
então é a figura do Rei Filósofo, daquele que “sabe” e que por isso está
apto a governar, a ditar leis aos súditos, aos quais resta apenas “executar”
o que lhes foi determinado. O conceito de ação política em Arendt, por
sua vez, permite-nos não separar o “saber-fazer” e o “executar”, pois ambos fazem parte do agir no espaço público. Assim, tanto os novos inícios
Fundamentos político-filosóficos do constitucionalismo • 455
quanto a realização concreta dos empreendimentos são dimensões da
ação política, a qual é necessariamente uma ação plural, já que não somos capazes de governar soberanamente a nós mesmos e a outros.
Ocorre que, de forma semelhante a esta substituição da ação
política pela fabricação, existe uma tendência moderna, não obstante
ser muito questionada atualmente, de considerar a Constituição apenas como uma lei positivada, como uma obra pronta e acabada, que
foi fabricada em determinado momento histórico por alguns poucos
cidadãos, os “sábios” legisladores.
Questionamos, portanto, o papel dos “constituintes” e a redução do direito e da política aos experts, o que nos leva a pensar numa
reatualização contínua do poder constituinte, pois somos todos autores/intérpretes das normas constitucionais. A questão é que, se não
podemos negar que a Constituição em termos formais é uma aquisição evolutiva da modernidade, como nos diz Niklas Luhmann, a
simples elaboração de um documento constitucional escrito não nos
garante que exista efetivamente uma igualdade na diferença.
Com Arendt, podemos pensar então em um poder constituinte
permanente sem ser permanente, haja vista que há algo instransponível
que é responsável pela própria natureza constituinte do poder. Defendemos então a existência de princípios intrínsecos à fundação, os quais
delimitariam o próprio poder constituinte originário, o que significa
dizer que estamos assumindo que para nos constituirmos como uma
comunidade político-jurídica de homens e mulheres livres e iguais em
deveres e direitos, há um pressuposto que é imprescindível, qual seja,
o respeito à diferença, que não haja um consenso excludente, em outras palavras, estamos afirmando, com Arendt, e em oposição a Carl
Schmitt, que a violência e a soberania não constituem uma democracia constitucional. Em suma, perguntamos: se cada vez mais se torna
explícita a relação constitutiva entre constitucionalismo e democracia,
não teríamos que rever nosso conceito dogmático de poder constituinte, caracterizando o mesmo necessariamente como poder legítimo e
não mais apenas como a assunção fática do poder?
O Supremo Tribunal Federal e a utilização da
hermenêutica constitucional como meio para o seu
emponderamento na arena política
Paulo Alkmin Costa Júnior
Mestre em Direito Administrativo - UFMG, Doutorando em Ciência
Política – UFMG, Brasil, [email protected]
O presente trabalho tem como objetivo contribuir para o conjunto de pesquisas acerca do papel desempenhado pelo Supremo Tribunal
Federal – STF – na arena política, em especial nos momentos em que o
mesmo opera como Corte Constitucional. A intenção é estudar o fenômeno por meio da promoção de um maior diálogo entre duas diferentes
tradições acadêmicas: aquela oriunda dos teóricos do constitucionalismo
nos cursos de Direito, e outra orientada a partir da Ciência Política.
Trata-se de um diálogo proveitoso e, fundamentalmente, necessário. Na Ciência Política, porém, nem sempre os seus trabalhos têm primado pela correta mobilização de um arcabouço teórico suficientemente
atento para com aspectos relevantes do sistema jurídico, os quais impactam diretamente as análises feitas sobre o Poder Judiciário (prejudicando,
assim, a capacidade preditiva de algumas das variáveis explicativas utilizadas porque se omitiu alguma variável dependente importante, ou porque
há problemas de multicolinearidade ignorados). Com isto, os trabalhos
na área acabam tendo muitas vezes um tom excessivamente descritivo;
mesmo quando se busca a produção de inferências causais, esta nem
sempre acaba precedida deste necessário esforço reflexivo, tornando-as,
por vezes, passíveis de críticas substantivas quanto à capacidade de as
variáveis dependentes mobilizadas realmente demonstrarem sua conexão
causal com os fenômenos objeto de atenção da academia.
Um exemplo do que ora se afirma é a baixa atenção dada pela
academia para um tema candente no debate constitucionalista: a
grande importância que os operadores do Direito conferem a uma
hermenêutica constitucional valorativa dos princípios insertos na
O Direito Constitucional e a Política • 457
Constituição, com destacado uso de técnicas de ponderação de valores constitucionalmente inscritos, ainda que eventualmente em detrimento de regras que também detém estatura constitucional.
Não se objetiva com este trabalho travar o debate acerca da legitimidade democrática desta espécie de hermenêutica constitucional,
abordagem esta mais próxima da Filosofia do Direito ou da Filosofia Política. Trata-se, na verdade, de partir da constatação inegável
de que esta chave interpretativa aumenta singularmente o campo de
discricionariedade dos magistrados na tomada de suas decisões. O
mesmo se diga da conhecida crítica de respeitáveis constitucionalistas
quanto déficit de diálogo e coerência do STF com seus precedentes,
assim como da crítica aos problemas existentes no enfrentamento
adequado do ônus argumentativo de suas decisões.
Dito de outro modo, o objetivo é aprofundar a perspectiva teórica,
própria da Ciência Política, segundo a qual o papel do STF como veto
player no processo político decorre de reconhecidas razões de natureza
institucional (afinal, o desenho deste arranjo empreendido pelo constituinte originário de 1988 realmente importa) e dos incentivos para a
ação que uma Corte detém em um regime de presidencialismo de coalizão, no qual se reduzam os riscos de retaliação dos demais poderes. A
nossa contribuição passa por trazer para a agenda de pesquisas na área a
perspectiva de que a postura ativista da Corte, especialmente após o Governo Lula, encontrou nesta referida chave hermenêutica principiológica
um poderoso instrumento que serviu objetivamente para aumentar o
grau de interferência dos Ministros no processo político brasileiro, conferindo-lhe uma centralidade que seu desenho institucional inicialmente
não permitiria supor. Trata-se de propor, no Brasil, uma abordagem própria da clássica asserção da ciência política norte-americana, pela qual os
juízes buscam maximinizar suas preferências no processo decisório, mas
atuam constrangidos pelo que se espera que eles façam e também pelo
marco legal/institucional no qual se inserem.
Por fim, convém ressalvar que o trabalho também parte do pressuposto de que o termo que se convencionou denominar “ativismo
judicial”, ainda que sabidamente não designe um conceito unívoco,
458 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
será mobilizado para nos referirmos apenas ao exercício do judicial review que possa caracterizar uma extrapolação da competência assegurada a uma Corte Constitucional para interpretar a Constituição, em
prejuízo do delicado sistema de checks and balances que demarca a relação do Poder Judiciário com o Executivo e o Legislativo; não trataremos do ativismo judicial que é entendido como o exercício do judicial
review nos limites da potencialidade normativa da Constituição.
Palavras-chave: Judiciário – Brasil - STF – ativismo - judicial – hermenêutica – constitucional – princípios – institucional.
A insurreição do “constitucionalismo político” sobre o
“legal”: por que o processo legislativo pátrio (ainda) é
visto com desconfiança?
Matheus Henrique dos Santos da Escossia
Graduando da Faculdade de Direito de Vitória (FDV-ES). Bolsista de
Iniciação Científica da Faculdade de Direito de Vitória (FDV-ES). Membro do
Grupo de Pesquisa Hermenêutica e Jurisdição Constitucional da Faculdade de
Direito de Vitória (FDV-ES). Brasil. Email: [email protected]
O estudo do direito nas últimas décadas tem sido sinônimo de
levar a sério o que a jurisprudência diz. O apego à lei sucumbiu ao
entendimento dos Tribunais, bem como se passou a ter uma percepção
de que os textos normativos só seriam direito após essas instituições
dizerem que o fossem. Inevitavelmente, esse “preconceito” quanto à
legislação foi um dos fatores que pavimentou o caminho pela predileção de um modelo de supremacia judicial. (WALDRON, 2003, p. 2)
Em meio a essa ojeriza, a Teoria da Constituição se mostrou fértil
em articular uma série de justificações em prol do “constitucionalismo
jurídico”, a fim de demonstrar que seria preferível a “última palavra da
Corte” sobre questões constitucionais. (MENDES, 2011, p. 68-88)
No entanto, apesar da suposta hegemonia das teorias adeptas
por um modelo de supremacia judicial, observa-se o alinhamento de inúmeros autores ao chamado “constitucionalismo político”
(BELLAMY, 2010, p. 23). Essa corrente formula uma proposta de
que as questões constitucionais seriam melhores desenvolvidas no
seio de um processo democrático, ao invés de serem entregues para
as Cortes decidirem. Em que pese as variadas percepções sobre esse
fenômeno, diversos autores se inclinam nessa defesa, tais como Jürgen Habermas (2010, p. 266), Robert Dahl (2012, p. 298), Jeremy
Waldron (2003, p. 3) e o próprio Richard Bellamy.
O denominador comum entre esses autores repousa na ideia de
que o processo legislativo não seria secundário quanto à legislação.
460 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
Ao contrário, a defesa por um processo democrático como o melhor
mecanismo para potencializar os direitos constitucionais passa pela
noção de que a legislação não é fruto do acaso, mas sim um dos principais espaços de deliberação.
Nesse contexto, cumpre fazer a leitura do processo legislativo
brasileiro a partir dos fundamentos do “constitucionalismo político”.
E poderiam ser apontados quatro entraves, numa perspectiva institucional, que ainda impedem enxergar os procedimentos legislativos
como sinônimos de constitucionalismo e democracia: i) a manutenção do voto de liderança; ii) o poder deliberante das comissões (as
leis comissionais); iii) o poder normativo do Executivo; iv) o controle
judicial do processo legislativo.
Esses entraves contribuem para esclarecer as dificuldades de se
enxergar no Brasil o processo legislativo como “processo de justificação democrática do direito” (CATTONI, 2006, p. 141), além de
sugerirem que o “constitucionalismo legal” seria o mais adequado
para a realidade constitucional brasileira.
Referências
BELLAMY, Richard. Constitucionalismo Político: Una defensa republicana de la constitucionalidad de la democracia. Trad. Jorge Urdanóz
Ganuza y Santiago Gallego Aldaz. Madrid, Barcelona, Buenos Aires:
Marcial Pons, 2010.
CATTONI, Marcelo. Devido Processo Legislativo. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2006
DAHL, Robert. A democracia e seus críticos. Trad. Patrícia de Freitas
Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
HABERMAS, Jürgen. Facticidad y Validez: sobre el derecho y e Estado
democrático de derecho em términos de teoria del discurso. Trad. Manuel Jiménez Redondo. 6. ed. Madrid: Editorial Trotta. 2010.
O Direito Constitucional e a Política • 461
MENDES, Conrado Hübner. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação. São Paulo: Saraiva, 2011.
WALDRON, Jeremy. A Dignidade da Legislação. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Notas
1 Este texto repercute parcialmente as pesquisas e discussões desenvolvidas no Grupo de Pesquisa Hermenêutica Jurídica e Jurisdição Constitucional no Programa de Pós Graduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito
de Vitória (FDV-ES).
Princípio da Proporcionalidade e Controle de
Constitucionalidade
Lucas Costa Gonçalves
Graduando da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF), Brasil, [email protected].
O presente trabalho tratará do princípio da proporcionalidade
como instrumento necessário ao controle de constitucionalidade, por
fornecer critérios objetivos e racionais para a solução dos conflitos
principiológicos. Há de se ressaltar que o método a ser adotado é o da
inferência, a partir da pesquisa bibliográfica realizada, de modo que
se busque demonstrar, a parir dos conceitos e reflexões apresentados,
a correta fundamentação da tese proposta.
O princípio da proporcionalidade, com suas três máximas de
adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, consiste em critério interpretativo que objetiva a implementação, no
maior grau possível, de normas principiológicas colidentes. Diante
de um paradigma pós-positivista do Direito, o postulado da proporcionalidade encontra a sua justificação na própria estrutura das
normas principiológicas, como afirma Robert Alexy. Tais normas,
por admitirem concreção gradual, necessitam de um juízo de ponderação, tendo em vista a sua otimização em face das possibilidades
jurídicas, e juízos de adequação e necessidade, considerando a sua
otimização em relação às possibilidade fáticas.
O controle de constitucionalidade, entendido como conjunto
de procedimentos pelos quais se afere a eventual inconstitucionalidade de uma norma, lida necessariamente com a dimensão principiológica das normas, por ter o dever de garantir a compatibilidade
das leis com as normas de Direitos Fundamentais. Deste modo, o
princípio da proporcionalidade se demonstra instrumento essencial
ao controle de constitucionalidade das leis, por se constituir como
instrumento de solução de colisão principiológica indispensável à
aferição da compatibilidade entre princípios antagônicos, de modo
O Direito Constitucional e a Política • 463
que se busque a máxima efetivação dos direitos fundamentais. Isso se
verifica de modo mais acentuado em relação às leis restritivas de direitos fundamentais, nas quais temos claramente uma oposição legal
ao âmbito de proteção de determinado direito fundamental.
Assim, ao verificar a correção da norma, seja em sua análise abstrata ou na sua aplicação no caso concreto, o controle de constitucionalidade cumpre a função de garantia dos direitos fundamentais,
atuando, consequentemente, como instrumento do poder Judiciário
para o enfrentamento de eventuais abusos cometidos pelo poder Legislativo, quando na edição de lei. Aqui, podemos ver claramente
os Direitos Fundamentais, a serem defendidos pelo judiciário, como
limite à liberdade na ação legislativa.
Critica-se o controle de constitucionalidade com base na utilização do princípio da proporcionalidade afirmando que tal prática implicaria em uma invasão do Judiciário na competência do Legislativo,
ao incidir sobre o juízo de ponderação realizado na edição da norma.
Contudo, devemos considerar que, pela vinculação do legislador à
Constituição, há a necessidade de limitação da atividade legislativa
de fixação dos fins legais com base em sua conformidade aos fins
estabelecidos constitucionalmente.
Outra crítica é a de que o princípio da proporcionalidade seria incompatível com o controle de constitucionalidade, por ser um
procedimento que dá margem a subjetivismos e relativização da efetividade dos direitos. Contrapondo-se a esta crítica, deve-se ressaltar
que o princípio da proporcionalidade não se encontra à mercê do
arbítrio de quem o aplica, tendo em vista a sua sujeição a um controle
racional, com a exigência de uma estrutura argumentativa racional
para sustentar a solução dada ao conflito principiológico. Ademais,
deve-se considerar que certo grau de subjetividade é sempre presente
no discurso jurídico, tendo em vista a sua permeabilidade a valores.
Deste modo, tendo em vista o exposto, conclui-se pela compatibilidade do princípio da proporcionalidade com o controle de
constitucionalidade, sendo o primeiro exigência para a correta consideração da dimensão principiológica dos direitos fundamentais no
controle de constitucionalidade das normas.
O cabimento dos embargos infringentes na Ação Penal 470:
legitimidade da jurisdição constitucional no
espaço democrático
Cristina Sílvia Alves Lourenço
Doutora em Direito Penal pela Universidade de Sevilha. Mestre em
Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra. Professora Adjunta I
e Diretora Geral do Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade da Amazônia
– UNAMA. Email: [email protected].
Maurício Sullivan Balhe Guedes
Acadêmico do Curso de Direito e Bolsista de Iniciação Científica da
Universidade da Amazônia – UNAMA. Email: [email protected].
Iniciado no segundo semestre do ano de 2012, o julgamento da
Ação Penal 470 foi amplamente acompanhado pela opinião pública.
A imprensa, por seus diversos veículos, manifestou os mais variados
juízos de valor sobre aspectos jurídicos pertinentes ao processo. A
sociedade civil também não ficou alheia ao feito judicial e a pesquisa
do Instituto Datafolha apontou que para 74% dos brasileiros, os réus
do chamado “mensalão” deveriam ser conduzidos ao cárcere após a
condenação, sem a possibilidade de recurso. A discussão acerca do cabimento dos embargos infringentes acirrou os ânimos no debate público. Diversos fatores contribuíram para tal fato: a notoriedade política de muitos dos réus filiados ao partido governista, a postura “lei
e ordem” do Relator Min. Joaquim Barbosa diametralmente oposta à
conduta garantista do Revisor Min. Ricardo Lewandowski, a alteração na composição da corte com o ingresso dos Ministros Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso, em decorrência da aposentadoria dos
Ministros Ayres Britto e Cezar Peluso, dentre outros. O problema
jurídico era o seguinte: (i) O art. 333, inc. I, do Regimento Interno
da Suprema Corte brasileira preceitua que cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma que julgar
procedente a ação penal. Entretanto, (ii) tal dispositivo foi editado
O Direito Constitucional e a Política • 465
sob a égide da Constituição 1967-1969, o que permitiu questionar se
foi ou não recepcionado à luz da Constituição de 1988. (iii) A Carta
Magna atual atribui poder privativo aos Tribunais para elaborar os
seus respectivos regimentos internos, desde que conforme as normas
processuais vigentes (art. 96, inc. I, a), e dispõe que compete privativamente à União legislar sobre direito processual (art. 22, inc. I). (iv)
A Lei 8.038/90, ao instituir normas referentes ao trâmite processual
perante o STJ e o STF, aponta que em ação penal originária a instrução se dará também conforme o Regimento Interno do Tribunal
(art. 2o), e com o término de tal fase, o Tribunal procederá ao julgamento na forma determinada pelo Regimento Interno (art. 12). (v)
Para cinco dos Ministros integrantes da Corte a não previsão legal do
recurso impedia o acolhimento, frente ausência de taxatividade. (vi)
Em 18 de setembro de 2013, o Plenário do STF decidiu pelo cabimento do recurso de embargos infringentes na Ação Penal 470, pois
entendeu por maioria simples que o Regimento Interno do Tribunal
foi recepcionado pela ordem constitucional de 1988, e que o legislador não o revogou de forma tácita ou expressa quando se manifestou.
Ao adotar tal posicionamento, a Corte divergiu da opinião pública
formada em torno do caso, autorizando questões relativas à legitimidade democrática da deliberação judicial que se opõe ao entendimento majoritário no seio social. O problema não é novo, desde que a
Suprema Corte Norte-Americana julgou o caso Marbury v. Madison
em 1803, muitos foram os argumentos utilizados para se opor ao
modelo de controle judicial, desde “juiz não tem voto” (dificuldade
contramajoritária) até “o que juiz decide não pode ser revisto” (dificuldade democrática). Para a análise da problemática posta, o presente artigo adotou o método indutivo no qual foi possível alcançar uma
regra geral a partir de um caso específico, em questão o cabimento
dos embargos infringentes na AP 470 e o reflexo na discussão acerca da legitimidade democrática da jurisdição constitucional. Após o
desenvolvimento, puderam-se obter as seguintes propostas conclusivas: (i) Não cabem embargos infringentes em ação penal originária,
isto porque os arts. 2o e 12 da Lei 8.038/96, ao fazerem referência à
466 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
figura do Regimento Interno do STF, em momento algum delegam
competência normativa ao Tribunal para instituir recurso de natureza
processual, devendo-se, assim, entender pela não recepcionalidade do
art. 333 que faz referência aos embargos infringentes. (ii) Por outro
lado, em mais de uma ocasião, a Corte monocraticamente afirmou a
existência de tal figura recursal, o que implica dizer que tão somente
na AP 470, por deferência à segurança jurídica, o Tribunal acertou
pelo cabimento, porém deveria ter sido claro ao expor que se cuidava
de situação excepcional. (iii) As constituições existem para que seus
efeitos sejam perpetuados no tempo, e que não venham a sucumbir diante de maiorias transitórias, o STF foi capaz de manter sua
tradição garantista mesmo com o forte apelo popular, que influenciou a conduta de Ministros integrantes da própria Corte. (iv) Neste
sentido, legitimou-se democraticamente ao permitir o debate aberto
sobre a matéria, feito de modo crítico, e com aporte argumentativo
substancialmente fundamentado nos autos.
Construcción deliberativa de una dogmática
constitucional del procedimiento parlamentario:
El caso colombiano1
Leonardo García Jaramillo
Departamento de Gobierno y Ciencias Políticas, Universidad EAFITMedellín, Colombia. [email protected]. Profesor visitante, Instituto
Tecnológico Autónomo de México (ITAM). Abogado con estudios en Filosofía.
Magíster en Humanidades, con énfasis en estudios políticos. Estudiante del
Master en Global Rule of Law and Constitutional Democracy, Istituto Tarello per
la Filosofia del Diritto – Università Degli Studi Di Genova, Italia. Coeditor con
Miguel Carbonell de El canon neoconstitucional.
Se ha argumentado que la Corte Constitucional Colombiana es
el tribunal judicial más poderoso del mundo, incluso respecto de la
Corte Suprema de los Estados Unidos2, asimismo que supone en Latinoamérica el punto de inflexión que marca el inicio y establece las
bases para el desarrollo de una forma constitucional durante las dos
últimas décadas. Con su numerosa jurisprudencia, particularmente
sensible a la desigualdad y la discriminación, la Corte ha visibilizado
muchos problemas permitiendo que adquieran relevancia política. En
el contexto del diseño de estándares de constitucionalidad la Corte ha
seguido el planteamiento neoconstitucional de alcanzar su legitimidad
popular a partir del establecimiento de sólidos criterios argumentativos
y de abordajes creativos e interdisciplinarios en casos difíciles.
La Corte ha tomado una serie de decisiones sobre temas abandonados por la política tradicional. La multiplicidad de cuestiones
sobre las que ha decidido y el contenido de sus sentencias (fundamentación, enfoque teórico, metodología y creatividad), así como
el progresismo que las ha inspirado, son factores importantes en el
examen sobre la novedad del constitucionalismo colombiano y sobre los asuntos en los que se ha situado a la vanguardia del constitucionalismo en la región. En su prolija jurisprudencia, además de
legislación negativa, ha tomado decisiones que suscitan críticas desde
468 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
diversos sectores pero que al tiempo han hecho a Colombia un país
interesante en términos de derecho comparado3.
Uno de los principales asuntos que han merecido la atención de
la Corte –que sin embargo no ha merecido particular atención doctrinaria o académica– es la construcción de una dogmática constitucional
del procedimiento parlamentario. A partir de esta dogmática puede
reconocerse que la concepción democrática de los constituyentes, y la
que ha reivindicado la Corte en su jurisprudencia, es la deliberativa en
la versión defendida por autores como Nino, Sunstein y Habermas.
Con esta dogmática la Corte ha desarrollado, respecto del procedimiento parlamentario de aprobación de leyes y actos legislativos,
los principios constitucionales que consagran el carácter democrático, pluralista, transparente e incluyente del Estado Colombiano.
La etapa propiamente deliberativa del procedimiento parlamentario,
previa a la votación, cuenta con unos presupuestos particularmente
importantes para realizar el principio democrático y para proteger
el diseño de la forma de gobierno establecido por el Poder Constituyente. La dogmática constitucional estabiliza los argumentos y la
interpretación del derecho. Este tipo de dogmática se concibe como
un grupo de conceptos y categorías en los que se sostiene el derecho
constitucional y a partir de los cuales se estructura. Conforme a tales
conceptos y su interpretación el derecho adquiere coherencia interna4. La buena dogmática exige una adecuada fundamentación teórica, por lo cual la Corte ha recurrido a argumentos deliberativos en la
fundamentación de su jurisprudencia sobre la elusión del Congreso
de la normativa constitucional y reglamentaria que incorpora precisamente el ideal deliberativo de la democracia en el procedimiento de
expedición de leyes y reformas constitucionales.
El estudio de los precedentes es esencial para estructurar la naturaleza del derecho como una empresa racional guiada por la razón práctica5. En la ponencia se presentan los precedentes que se
ha tomado la Corte Constitucional en desarrollo de la normativa
sobre el procedimiento parlamentario en amparo de principios constitucionales. Los precedentes en esta materia se han organizado en
O Direito Constitucional e a Política • 469
los siguientes temas: Debate, deliberación y votación; principio de
instrumentalidad de las formas; principios de consecutividad, identidad y unidad de materia; publicidad de proyectos y de convocatorias
a sesiones; principio deliberativo y mayorías necesarias para aprobar
proyectos; “No taxation without Representation” y racionalidad deliberativa; elusión deliberativa por falta de consulta previa; y relación
entre amplitud deliberativa y capacidad de acción legislativa.
Notas
1
Este artículo presenta algunos resultados de la investigación desarrollada
como tesis de maestría en humanidades con énfasis en estudios políticos.
Director: Mauricio García Villegas.
2
David Landau, “Political Institutions and Judicial Role in Comparative Constitutional Law”, en: Harvard International Law Journal. Vol. 51, No. 2, 2010.
3
Juan Carlos Henao (ed.) Diálogos constitucionales de Colombia con el Mundo. Bogotá, Universidad Externado - Corte Constitucional, 2013.
4
Manuel Aragón Reyes, “Las singularidades de la interpretación constitucional y sus diferencias respecto de la interpretación de la ley”, en: Juan Carlos
Henao (ed.) Diálogos constitucionales de Colombia con el mundo. Op. cit.
5
Neil MacCormick – Robert S. Summers (eds.) Interpreting Precedents: A
comparative study. Op. cit., p. 6.
A pressão judicial nos casos de omissão legislativa
e a ausência de vontade política: uma introdução à
necessidade do diálogo entre os poderes
Karina Denari Gomes de Mattos
Autora de diversos ensaios tais como “Fidelidade Partidária: análise crítica
da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal” e “Supremo Tribunal Federal:
O caso paradigmático da Corte Constitucional brasileira”, mestranda em Direito
Constitucional na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – FDUSP,
Brasil, e-mail: [email protected].
Na esteira da doutrina constitucional europeia, a brasileira parte
tradicionalmente do princípio da plenitude do ordenamento, e desta
forma, a existência de vazios normativos é tida como uma anomalia
do sistema – e necessariamente, passível de correção.
Seja pela previsão de instrumentos constitucionais de combate
à omissão legislativa e administrativa sobre a indeclinabilidade da
jurisdição, seja pelos instrumentos do Mandado de Injunção e Ação
Direta de Inconstitucionalidade por Omissão na Constituição Federal, a prevenção e repressão de lacunas é tida como consequência
direta da adoção de um sistema jurídico de base positivista.
Nos casos de omissão legislativa, quando o magistrado avoca
para si a mens legislatoris muitas vezes o faz sem a dimensão acerca do
juízo de oportunidade vinculado àquela diretriz, e ao catalisar este
momento de regulamentação da lacuna normativa que, até então,
não era relevante o suficiente para a atuação legislativa, gera algumas
consequências no cenário político.
Esta atuação do STF nos temas de omissão legislativa (censura
política, concessão de prazo, correção direta da omissão - inter partes
ou erga omnes), sugere uma decisão completamente apartada da deliberação parlamentar, o que sugere algumas reflexões: há identificação
de pontos de vista entre o Legislativo e o Judiciário no reconhecimento das omissões normativas? Qual a consequência desta tomada
de decisão produzida externamente ao órgão político responsável?
O Direito Constitucional e a Política • 471
Dois casos que podem ser brevemente mencionados servem de
base ao debatemos a receptividade do Legislativo e Executivo à determinação judicial: a regulamentação do Fundo de Participação dos
Estados - FPE e a regulamentação da criação de Municípios, ambos
tratados pelo STF recentemente.
No caso do FPE, o prazo dado pelo STF até dezembro de 2012,
e posteriormente a extensão até 27 de junho de 2013, acabou gerando uma movimentação parlamentar que encerrou o processo legislativo finalmente. Com a edição da Lei Complementar n. 143/2013
a omissão normativa foi suprida. Porém, ainda que promulgada e
publicada, segundo a doutrina ela não atende às previsões constitucionais, ou ao menos, às diretrizes postas pelo STF.
Tanto o é, que em agosto de 2013, por meio da ADI n. 5.069
(Relator Ministro Dias Toffoli) o governador de Alagoas ataca parte das
modificações que a LC n. 143/2013 procedeu na LC n. 62/1989. Argumenta o legitimado que a nova lei apenas renovou até 31 de dezembro de
2015 os coeficientes já declarados inconstitucionais pelo STF e os transformou em piso para os repasses a partir de 2016, mantendo por mais
alguns anos o estado de inconstitucionalidade já reconhecido pelo STF.
O ajuizamento desta ADI demonstra a singular situação jurídica
em que a atuação legislativa sem a vontade política subjacente acabou
por agravar a situação jurídica que já padecia de inconstitucionalidade. Ainda que a expressão seja popular, é caso típico em que vemos
“pior a emenda que o soneto”.
Outro caso representa a mesma situação é a questão ainda alvo
de divergência entre Executivo e Legislativo sobre a lei regulamentadora da criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios no Brasil. Alvo de ação direta de inconstitucionalidade no STF, a
ausência normativa tinha a intenção de barrar o aumento de despesa
relacionado a este tipo de demanda dos entes federativos, e por este
motivo nunca havia sido editada a lei complementar federal a que se
referia o art. 18 §4º da CF.
Após concessão de prazo de 18 meses para atuação na ADI n. 3682,
foi publicada a Emenda Constitucional n. 57/2008 que anistiava a cria-
472 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
ção dos municípios inconstitucionais até então. A demanda para atuação
legislativa sobre o tema permaneceu, já que os municípios criados após o
lapso previsto ainda estavam em situação de inconstitucionalidade.
Tendo em vista a ausência de vontade política para a elaboração normativa, e por trazer à baila fatores orçamentários dificilmente
pacificados entre os atores do processo legislativo, a lei ainda não
foi criada e assistimos ao segundo veto integral da presidente sobre
o projeto de lei referente ao tema (PLS n. 104/2014), ao dividir o
Congresso acerca da melhor solução a ser adotada.
O fortalecimento das instâncias políticas, mediante a valorização do diálogo entre as Casas é a única medida que permite, neste e
em outros casos de omissão legislativa, a efetivação dos direitos democraticamente assegurados e o privilégio da vontade constitucional.
Two Levels of Social Rights:
A Democratic Justification of Judicial Review
Leticia Morales
Postdoctoral fellow at the Institute for Health and Social Policy and the
Faculty of Law, McGill University, Montreal, Canada.
E-mail: [email protected].
A vast increase in the number of social and economic claims
in the last decade in Latin America and South Africa has produced
strong views in favor of and against the idea of constitutional social rights. Many legal scholars and human rights practitioners hold
that the guarantee of social rights is a requirement of a just society, which in turn justifies the imposition of strong judicial review
over policy and legislation. However, theories of distributive justice
and the principles they proscribe are always subject to persistent disagreement amongst the citizens of a modern democracy, resulting
in considerable uncertainty about what follows from imputing such
social rights. In addition, strong constitutional protection is deemed
controversial because judges are an unelected body which is given
considerable power to impose a particular conception of social justice upon the polity (or its elected representatives) when deciding the
constitutionality of social rights policies. For these reasons, critics
such as Jeremy Waldron or Richard Bellamy have condemned strong
judicial review of rights in general (and presumably also social rights)
as illegitimate in democratic societies, insisting it must remain the
purview of democratically controlled institutions.
This paper examines the legitimacy of constitutionally protecting social rights through the mechanism of judicial review. I argue for
the protection of social rights as demands of democracy. In doing so,
I distinguish between two levels of social rights. A first level should
be understood as part of the preconditions of democratic legitimacy
that safeguard the effective political participation of all citizens. A
474 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
second level, by contrast, consists of social rights as demands of social
justice shared by the majority of the society. These rights are very important for promoting justice, but are not strictly speaking necessary
for producing democratic legitimacy. The second level of social rights
is therefore a legitimate focus for democratic disagreements. The two
levels are distinguished internally through the test of preconditions.
A careful empirical analysis of the practical conditions that guarantee
political participation specifies the content of the first level. Adopting this pragmatic approach, I argue the proposed account is not
vulnerable to the problem of persistent value disagreements in contemporary democratic societies.
Finally, this paper claims that the compound model of social
rights justifies a distinctive institutional division of labour in relation
to its constitutional protection. The first level of social rights is legitimately protected through strong judicial review. Hard cases might be
best solved by mechanisms of weak judicial review including dialogic
proposals between different public institutions, while the content
and scope of the second level of social right should be decided by the
democratic assembly, and remain free of judicial interference.
A aplicação judicial do direito na Suprema Corte:
o jogo do colegiado
Paula Pessoa Pereira
Doutoranda e mestre em Direito das Relações Sociais, com ênfase em Direito
Processual Civil na Universidade Federal Paraná. Especialista em Processo Civil
pela Universidade Federal da Bahia. Membro do Núcleo de Pesquisa de Direito
Processual Civil Comparado da UFPR. Membro da Asociación Colombiana de
Derecho Procesal Constitucional. Membro da Asociacón Mundial de Justicia
Constitucional. País: Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].
A Jurisdição constitucional é vista como mecanismo contramajoritário para tomar decisões sobre assuntos em que os cidadãos consideram de extrema importância para a justiça e os direitos fundamentais.
Nossa prática de delegar certas questões para os Tribunais Constitucionais para tomar a decisão final (ao menos no nível processual) reflete
uma desconfiança na tomada de decisões democráticas na arena política. Mas essa desconfiança que temos, bem vistas as coisas, está nas
pessoas e não na regra da maioria, uma vez que adotamos esta regra no
campo processual para resolver os desacordos surgidos na interpretação
constitucional. Desse modo, como podemos justificar a prática da regra da maioria na deliberação judicial colegiada?
Os defensores do controle judicial de constitucionalidade, muitas vezes, argumentam em seu favor, a partir do potencial deliberativo dos tribunais e seu papel como representantes de uma “razão
pública”, ao passo que os críticos da revisão judicial normalmente
argumentam que a deliberação nos tribunais tende a ser muito pobre
e, por isso, não justifica o seu caráter contramajoritário, até porque
decidem através do método da regra da maioria, a mesma tomada
no plano legislativo. Por certo, a falta de debate acerca das regras
internas e das variáveis práticas de deliberação dos tribunais, pode
promover ou dificultar fortemente a legitimidade de um tribunal.
Neste contexto, a forma da deliberação acerca da interpretação
constitucional nos tribunais apresenta-se como decisiva. Os recentes
476 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
acontecimentos no Supremo Tribunal Federal, inclusive, nos demonstra o quão mal compreendemos a natureza do julgamento coletivo
(que contam com votos estruturalmente aberrantes) e como problemático pode ser a falta de conhecimento sobre as questões decorrentes.
E é neste ponto que reside o objeto desta pesquisa. Queremos dizer
com isto que o presente artigo tem por objetivo investigar o desenho institucional do órgão colegiado a fim de verificar se esse é capaz de propocionar a realização da função normativa constitucional atribuída ao Supremo
Tribunal Federal, qual seja, a de definir a interpretação constitucional.
A decisão coletiva pode ser feita por três processos principais: deliberação, negociação e votação. O que nos interessa aqui é a relação
entre a deliberação e a votação. Muitos órgãos colegiados combinam
deliberação e agregação. Quando não é necessária unanimidade, os
membros de um grupo podem deliberar extensivamente e, se opiniões
ficam aquém do consenso, a negociação não é uma opção, sendo a
votação inevitável. Como regra, as decisões tomadas pela Suprema
Corte não seguem o critério da uanimidade e a regra da maioria, haja
vista os desacordos jurídicos existentes sobre a interpretação das normas constitucionais. Fato este que não mitiga o potencial deliberativo
dos tribunais, quando bem compreendido o papel da regra da maioria.
Nesse cenário, a questão que se coloca é a seguinte: na estrutura
argumentativa da decisão judicial, onde esta regra deve ser aplicada,
na fundamentação ou da conclusão? A investigação desta questão se
impõe para que possamos fornecer elementos teóricos para a construção de uma justificação adequada para a regra da maioria como um
princípio razoável para resolver o desacordo sobre mérito de questões
complexas de justiça, direitos fundamentais e interpretação constitucional entre os membros da Suprema Corte Constitucional.
Esse problema da regra da maioria na estrutura argumentativa
da decisão e votação, embora seja estudado no âmbito da ciência política, cabe perfeitamente no estudo das decisões judiciais, dado que
o que pode ser afirmado a propósito de um tribunal coletivo pode ser
afirmado em relação a qualquer assembleia deliberativa, conforme a
crítica proposta por Jeremy Waldron.
O Direito Constitucional e a Política • 477
Mas quais os problemas decorrentes da regra da maioria na
estrutura argumentativa da decisão colegiada? Primeiro, a regra da
maioria quando tomada em consideração apenas na conclusão da
decisão pode acarretar o que a doutrina política chama de paradoxo
doutrinal ou dilema discursivo, o que implica dizer que a decisão tomada não necessariamente reflete as questões consideradas e deliberadas pela Corte, uma vez que o resultado é divergente das premissas,
fato este que acarreta a própria nulidade da decisão por ausência de
coerência. Segundo, porque a aplicação do direito pela Corte Suprema Constitucional, que trabalha com a definição da interpretação e
sentido da norma constitucional no sistema, implica a sua vinculação
para todos os demais tribunais e juízes, de modo que o a criação do
direito está na fundamentação da decisão e não na sua conclusão.
Por fim, acrescentamos que o problema aqui exposto não é desacreditar ou deslegitimar o controle jursidicional de constitucionalidade das leis, mas, ao contrário, é reafirmar seu papel contramajoritário por meio da disposição do acesso à Corte para a tutela dos direitos
fundamentais, colocando em pauta a discussão do método da regra
da maioria na deliberação da decisão colegiada como forma de justificar a legitimidade da jurisdição constitucional enquanto instituição
responsável pela criação do direito.
O Supremo Tribunal Federal no combate à deformação do
processo político e eleitoral e a vontade de Constituição
(Wille zur Verfassung).
Williana Ratsunne da Silva Shirasu
Aluna do Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu (Mestrado) em Direito da
Universidade Federal do Ceará. Brasil. Endereço eletrônico: [email protected].
Camile Araújo de Figueiredo
Aluna do Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu (Mestrado) em Direito
da Universidade Federal do Ceará. Brasil.
Endereço eletrônico: [email protected].
Em conformidade com as lições de Konrad Hesse, a vontade de
Constituição (Wille zur Verfassung) pressupõe uma ordem normativa inquebrantável, sujeita a um constante processo de legitimação,
mantendo-se vigente através de atos de vontade. Nesse contexto, a
interpretação relaciona-se à concretização da norma, sendo decisiva
para consolidar e preservar a força normativa da Lei Fundamental.
Em busca de garantir a supremacia constitucional confere-se ao Supremo Tribunal Federal, no Brasil, a condição de intérprete maior
das disposições constitucionais, cabendo-lhe, assim, dizer por último
o direito. Tal atribuição consubstancia-se no controle de constitucionalidade, através do qual se torna possível afastar qualquer antinomia
em relação aos preceitos constitucionais. O presente trabalho, a partir disso, volta-se à análise acerca do papel desempenhado pelo STF
no contexto político eleitoral brasileiro no tocante à compatibilização
das normas eleitorais aos ditames constitucionais. Objetiva verificar
o papel desempenhado pela corte supracitada no combate à deformação do processo eleitoral sob a perspectiva da vontade de Constituição. Ademais, procura analisar se o exercício de tal atribuição,
quando acarreta impactos na seara política, seria uma afronta à teoria
da separação dos poderes e, em última instância, à soberania popular.
Nesse sentido, o fito deste trabalho considera as premissas básicas
O Direito Constitucional e a Política • 479
do Direito Eleitoral, observando-se, sob certa ótica, a concretização
da independência do eleitor e a lisura do processo eleitoral. Compreende também que o Poder Judiciário, no âmbito de atuação do
STF, exerce papel fundamental visando a proteção da probidade e da
moralidade na realização do processo político, sendo ente fundamental para trazer normalidade e legitimidade às eleições, afastando-se
condutas intoleráveis, discrepantes da Constituição. Por corolário, é
necessário apresentar casos em que a corte em epígrafe desempenha
seu papel no tocante à concretização da vontade de Constituição.
Um dos casos mais recentes foi o do reconhecimento da constitucionalidade da Lei Complementar nº. 135/2010, popularmente conhecida como “Lei da Ficha Limpa”. Esta lei foi objeto do controle de
constitucionalidade concentrado de normas, quando da apreciação
pelo STF das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nºs. 29 e
30, bem como da Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 4.578.
Contudo, estes julgamentos enfrentaram o princípio da anualidade
das normas que alteram o processo eleitoral, razão pela qual os efeitos daqueles julgados foram de natureza prospectiva (ex nunc), só
valendo a partir das eleições de 2012. Nesse passo, através da atuação
do STF, promoveram-se diversas alterações relevantes na compreensão dos normativos supracitados. Dentre estas, destacam-se a proibição de candidatos (instituição de inelegibilidade) pretendentes a
mandatos eletivos que foram condenados em decisões colegiadas de
segunda instância e a majoração da inelegibilidade de 3 (três) para
8 (oito) anos. Outra importante alteração, como preleciona Marlon
Reis, deu-se na perspectiva de classificação das inelegibilidades, que
já não são mais classificadas como normas de caráter sancionatório,
pois são tidas como condições jurídicas que afastam o registro da
candidatura quando sua hipótese de incidência é realizada no mundo
fenomênico. Nesse passo, não há mais como aplicar os princípios do
direito penal, como os da irretroatividade e da não culpabilidade, eis
que a inelegibilidade possui o conteúdo de um requisito negativo.
Dessa forma, vê-se que a competência do STF possui impactos em
diversas esferas, transcendendo aspectos meramente infraconstitucio-
480 • I Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política
nais para um perfeito alinhamento às diretrizes constitucionais. Com
isso, tem-se assegurada a garantia da preservação da força normativa
da Lei Fundamental, constantemente legitimada quando efetivada a
vontade de Constituição. Inegáveis, porém, são os desafios vivenciados no contexto do processo político eleitoral brasileiro, que revelam
que a garantia da vontade de Constituição não está concentrada absolutamente no Poder Judiciário, na figura do STF. Na verdade, sua
realização vincula-se ao bom funcionamento dos três Poderes harmoniosamente, pois, ainda que seja profícua a atuação do STF como
intérprete constitucional, a efetivação da Wille zur Verfassung possui
essencialmente um viés material, de índole democrática, já que não
se desvincula da realidade política e social.
Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal; vontade de Constituição; soberania popular.
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