PROBLEMAS FILOSÓFICOS DA CONTEMPORANEIDADE O conceito de Honestidade Intelectual e a Ciência: Repensando a Filosofia da Ciência João Batista Cichero Sieczkowski - UNISINOS Neste trabalho procuramos enfatizar o conceito de Honestidade Intelectual em I. Lakatos. Esse conceito está ligado ao falseacionismo sofisticado de Imre Lakatos. No falseacionismo sofisticado, em alguns casos analisados, por exemplo, de Kuhn e Feyerabend, constatamos que este conceito está associado à irracionalidade no empreendimento científico. Essa irracionalidade deriva muitas vezes de não especificar as condições de renuncia de uma determinada posição. De maneira muito tímida tal conceito apareceu pela primeira vez na obra do autor com o título ‘Provas e Refutações – A Lógica da Descoberta Matemática’ (1976). Aí nesta obra o conceito de Honestidade Intelectual é aplicado às escolas da filosofia da matemática. Especificamente ao formalismo matemático. Lakatos, citando Dieudonné, fala de uma ‘integridade intelectual’. Esse conceito aos poucos vai sendo aplicado às tendências da filosofia da ciência, como o Positivismo Lógico do Círculo de Viena, Popper, Kuhn e Feyerabend. Fazendo uma leitura de L. Laudan em ‘O Progresso e seus Problemas’ (1977) pode-se perceber a mesma perspectiva Lakatosiana. Mas, o nosso objetivo geral é chamar a atenção do leitor para o fato de que a obra desse autor pode ser compreendida a partir deste conceito. Assim, o problema em pauta é o seguinte: Por que conceitos como o de honestidade intelectual não despontaram como paradigmas de reflexão da história e filosofia das ciências? A nossa hipótese é a de que nunca houve preocupação em estudar os 'desastres epistemológicos' à luz da especificação das condições de renuncia de um referencial teórico ou conceitual. E essa poderia ser a alternativa para quem acredita que somos prisioneiros de nossos referenciais teóricos. Passamos agora a descrever a estrutura de nosso trabalho que é a seguinte: em primeiro lugar, faremos algumas considerações sobre a mudança científica. Enfocaremos aí, brevemente, a perspectiva internalista com um referencial lógico e metodológico encontrado nas filosofias das ciências do Positivismo Lógico do Círculo de Viena e no Falseacionismo de Karl Popper, e a perspectiva externalista com o referencial teórico enfocado na psicologia e na história, que tem como expoentes maiores T.S. Kuhn e P. Feyerabend. Contudo, falamos de um possível e novo referencial teórico IX SEMANA ACADÊMICA DE 16 A 19 DE NOVEMBRO DE 2010 ANAIS - IX SEMANA ACADÊMICA DE FILOSOFIA UNICENTRO 2010 - ISSN 2178-9991 2 embasado na ética e na axiologia, cujos representantes principais seriam Imre Lakatos e Larry Laudan. É claro que sementes foram plantadas nas perspectivas anteriores. Em segundo lugar, abordaremos o conceito de honestidade intelectual. O conceito de honestidade intelectual surge como um exemplo do referencial ético/axiológico. E considera-se que a mudança científica passa pela mudança de valores. Na obra de Lakatos o conceito de honestidade intelectual é um desses valores centrais. A razão de Lakatos colocar a honestidade intelectual como valor central em sua obra é entendida pelas novas luzes que dão ao problema da demarcação entre o que é científico e não científico. A honestidade intelectual é sinônimo de racionalidade. Ser racional significa dizer em que condições nós cremos e fazemos ciência. Assim, a desonestidade intelectual é, por outro lado, a marca da irracionalidade, porque neste caso não se elabora as condições de renuncia de sua própria posição assumida. Em terceiro lugar, abordaremos o conceito de honestidade intelectual na tradição racionalista e empirista, conforme a perspectiva de Lakatos. Apesar dos esforços para manter uma racionalidade na ciência, assistimos na tradição uma crescente queda ao ceticismo. Em quarto lugar, com o Positivismo Lógico do Círculo de Viena, a situação não seria diferente. O esforço intelectual de tornar claro o conceito de probabilidade como justificador da indução científica, leva a bancarrota da racionalidade. Contudo, podemos visualizar aí ainda um propósito de manter uma honestidade. Em quinto lugar, a partir daí o debate entre Popper-Kuhn passa a ser uma discussão em que se precisa urgentemente esclarecer em que condições pode se ser racional. Mas, ser racional ou intelectualmente honesto se trata de elaborar condições de renúncia de uma posição e não de elaborar afirmação de sua posição. Esse é a perspectiva nova que irá sendo introduzida no problema da filosofia da ciência. Toda a tradição e o Positivismo Lógico de Viena entendeu o conceito de honestidade intelectual no segundo sentido. E essa foi a maior lição que poderíamos tirar. Porém, com Kuhn e o seu relativismo todos nós somos vítimas de nosso próprio referencial conceitual. Ora, se assim o é ninguém consegue desfazer-se de sua camisa de força, ou seja, de seu referencial teórico. Essa ideia tem um alto custo para os filósofos da ciência. Essa é a contramão de quem diz ser crítico em relação ao próprio referencial. Só há honestidade intelectual se pudermos renunciar ao nosso referencial teórico ou conceitual. Como podemos renunciar ao nosso referencial teórico? Permitindo que os nossos critérios de cientificidade se apliquem sobre as nossas próprias teorias. Assim, por exemplo, poderíamos perguntar: pode o falseacionismo falsear-se? Em que condições o falseacionismo seria falseado? Pode o relativismo ser relativizado? Em que condições isso poderia acontecer? E assim por diante... Em sexto lugar, o ceticismo de Feyerabend leva-o a generalizar a tese de Kuhn. Para Feyerabend, não há como elaborar uma teoria geral da racionalidade e nem IX SEMANA ACADÊMICA DE 16 A 19 DE NOVEMBRO DE 2010 ANAIS - PROBLEMAS FILOSÓFICOS DA CONTEMPORANEIDADE UNICENTRO 2010 - ISSN 2178-9991 3 mesmo podemos falar da existência da racionalidade. A questão é que Feyerabend trabalha com a pressuposição de que nenhum juízo humano é racional, e, portanto, elaborar teorias da racionalidade ou falar de racionalidade é um absurdo. Isso é pensar a ciência como um empreendimento irracional. E, irracionalidade é desonestidade intelectual para Lakatos. Por último descrevemos e analisamos um caso de desonestidade intelectual de nossos dias. O caso Sokal-Bricmont. O caso aponta para o abuso de conceitos e termos pelos filósofos pós-modernos. Ora, o que nos interessa é a referencia que Sokal-Bricmont fazem as filosofias da ciência de T.S. Kuhn e P. Feyerabend. A possibilidade de deslize dessas filosofias para propósitos anticientíficos é denunciada pelos autores. O principal ponto é a recusa de usar todas as informações disponíveis, como as provas científicas, com o fim de extrair as melhores inferências possíveis concernentes à história, sob pretexto de que estas informações não estavam disponíveis no passado. A conclusão desse trabalho caminha no sentido de alertar para possíveis interpretações da história da ciência que por um lado podem não fazer justiça à própria história da ciência ou, ainda pior interpretações da história da ciência que veem a ciência como um empreendimento em que só a prática, ou seja, a sua execução interessa, mas que não possui uma justificação melhor para essa mesma prática. E isso seria próprio de um relativismo. Ou ainda, como um irracionalismo completo onde os cientistas creem e fazem ciência sem ter um conceito de racionalidade e nem mesmo dispõe de uma teoria geral da racionalidade, o que é um incômodo pela visão cética da atividade cientifica. Ou, não o é? Por fim, os argumentos aqui desenvolvidos nesse trabalho são os seguintes: Se só podemos ser racionais quando estabelecemos as condições em que renunciamos a nossa posição ou o nosso referencial teórico; se não formulamos as condições de renuncia de nossa posição ou de nosso referencial teórico; então, não podemos dizer que somos racionais. Em segundo lugar, se estabelecer as condições de renuncia de nossa posição ou referencial teórico é uma questão de honestidade intelectual; se só somos racionais se estamos dispostos a renunciar a nossa posição ou o nosso referencial teórico; então, ser racional é uma questão de honestidade intelectual. IX SEMANA ACADÊMICA DE 16 A 19 DE NOVEMBRO DE 2010 ANAIS - PROBLEMAS FILOSÓFICOS DA CONTEMPORANEIDADE UNICENTRO 2010 - ISSN 2178-9991 4 Referências DENNETT, Daniel C. Brainstorms. São Paulo: Unesp, 2006. FEYERABEND, P. K. Contra o Método. Francisco Alves: Rio de Janeiro, 1977. FEYERABEND, P. K. Contra o Método. São Paulo: Unesp, 2007. KUHN, T.S. 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