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Encontro Temático 2009
ENTENDER COMO SE APRENDE PARA APRENDER COMO SE ENSINA
A construção de um mundo melhor começa com a possibilidade de se aprender mais e melhor
JÚLIO CÉSAR FURTADO1
A aprendizagem é um processo interno. Para começo de conversa, temos duas
importantes conclusões que resultam dessa afirmação: a primeira é que, sendo um
processo, a aprendizagem não ocorre de uma hora para outra, não se realiza de forma
imediata. É processual, precisa de tempo de maturação. Por ser interno, esse processo se
mostra, ou melhor, não se mostra observável na maior parte dos seus momentos.
Aprendizagem não se resume à mudança de comportamentos observáveis, o que
torna a avaliação dessa aprendizagem algo, no mínimo, subjetivo.
Aprender é um processo complexo, pois envolve a pessoa em todas as suas dimensões:
afetiva, cognitiva e psicossocial. Além de complexa, a aprendizagem implica mudança
em formas de comportamentos anteriores, que, muitas vezes, se estabelece como
ameaça, risco, perigo. Aprender coloca em risco a identidade da pessoa que aprende e
provoca medo e resistência, pois abala a segurança pessoal.
Querer aprender tem a ver com a concepção filosófica de afirmação da vida, já que
aprender implica abrir-se ao futuro. Aprender implica, como dizia Paulo Freire,
esperança. Só aprende quem sonha e só sonha quem tem esperança. Logo, antes de
ensinar, precisamos verificar se nossos alunos sonham e que esperanças eles constroem
com esses sonhos; no final das contas, que esperanças eles depositam no ato de estudar e
aprender coisas novas.
Um elemento complicador da aprendizagem é que ou o sonho e a esperança interferem
em nossa disposição para aprender (DPA) ou são resultantes dela. A DPA é o estado
emocional em que se encontra uma pessoa diante de uma situação de aprendizagem,
podendo ser favorável ou desfavorável. Sua principal característica é ser uma predisposição inconsciente, que não podemos controlar pela vontade. A DPA depende de três
fatores principais: o momento de vida da pessoa, que inclui a possibilidade de grande
mobilização emocional; a história pessoal de aprendizagens, que revela a maneira como
aprendemos a encarar o ato de aprender, desde a mais tenra infância e, por último, a
percepção do contexto de aprendizagens, que é a percepção particular do contexto de
aprendizagem, segundo a cultura do indivíduo.
O momento de vida foge ao nosso controle, cabendo a nós, educadores, a atenção para
apoiarmos os momentos difíceis de vida que nossos alunos enfrentam. Com relação à
história pessoal de aprendizagens, precisamos detectá-las, promover atividades e
estabelecer climas motivacionais que possam modificá-las, quando se constituírem
empecilhos ao processo. A percepção do contexto de aprendizagens diz respeito à
preocupação que devemos ter em proporcionar ambientes, linguagens, e metodologias
que não violentem o universo psicossocial do aluno, de forma que ele se reconheça no
cotidiano da sala de aula.
Para chegarmos ao “mundo cognitivo” do aluno, precisamos passar antes pelo seu
“mundo cultural” e pelo seu “mundo emocional”. A aprendizagem é um processo que
exige que o aluno se “desarme”, e para “desarmá-lo” preciso compreender e valorizar sua
visão de mundo e oferecer suporte às questões emocionais. Para estabelecer um diálogo
cognitivo com o outro, preciso primeiro estabelecer uma interação cultural e um diálogo
emocional. Cada um tem uma matriz de aprendizagem formada pelas dimensões
cognitiva, emocional e psicossocial que foram se configurando ao longo de sua história
de vida.
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Ao atingirmos o mundo cognitivo do aluno, precisamos assumir o papel de
mediadores do conhecimento. Mediar conhecimento é colocar-se, intencionalmente, entre o objeto de conhecimento e o aluno, modificando, alterando, organizando,
enfatizando o conteúdo para que ele seja apreendido pelos alunos. É transformar os
estímulos que vêm do objeto, para que o aluno tire suas próprias conclusões. O
resultado desse processo se manifesta através de uma mudança cognitiva no aluno,
que pode se dar através de três processos: substituição, enriquecimento ou
reorganização.
Ocorre a substituição quando o aluno anula o conteúdo anterior e coloca no lugar o
novo conteúdo. Um exemplo disso é quando ele descobre que a baleia e o morcego
são mamíferos. As noções de que eram, respectivamente, peixe e ave são
substituídas por uma nova noção. O enriquecimento ocorre quando o aluno
acrescenta novos dados a um conteúdo que já possui. Nesse mesmo exemplo, a
noção de baleia e morcego foi enriquecida com essa nova informação sobre sua
natureza. A reorganização é um processo mais complexo, que ocorre quando o aluno
reconstrói os conceitos de baleia e morcego. Observemos, pois, que esses processos
ocorrem paralelamente, sendo impossível sua separação. Quando aprendemos algo
novo, sempre substituímos noções, enriquecemos definições e reorganizamos
conceitos.
O professor precisa organizar a aula, tendo consciência de todos esses processos.
Com base na sugestão de David Ausubel, sugerimos a organização da aula em três
grandes momentos. O primeiro deve ser voltado para a organização prévia, ou seja,
o foco do professor precisa ser chegar ao mundo cognitivo do aluno. Para isso, ele
deve propor atividades que aproximem a rede neural-conceitual dos alunos ao
conteúdo que será apresentado. Nessa fase, bate-papos, recortes de jornal, vídeos,
músicas, dinâmicas de grupo se destacam como boas estratégias. O que importa é
levar o aluno a construir sentido com relação ao novo conteúdo.
A segunda fase da aula deve ser centrada na apresentação do conteúdo propriamente dito, respeitando-se o sentido que o aluno construiu. É nessa fase que o
professor mais atua como mediador, alterando, adaptando e transformando o
conteúdo para que a compreensão ocorra.
A terceira e última parte de uma aula deve ser dedicada à estrutura cognitiva, ou
seja, o professor deve propor atividades que evidenciem se o conceito foi, de fato,
construído. É a hora, também, de levar o aluno a realizar novas relações e
reorganizar o conceito.
É impossível imaginar um mundo melhor sem a melhoria dos processos de
aprendizagem. Essa melhoria só será possível através da compreensão por parte do
professor de como ocorre o processo de aprendizagem de seus alunos. Precisamos,
definitivamente, entrar na era da aprendizagem.
Dr. em Ciências da Educação pela Universidade de Havana – Cuba; Mestre em Educação pela UFRJ; MBA em gestão estratégica da qualidade pelo DDG-RJ; Autor de vários livros. www.juliofurtado.com.br
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