A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NOS CONSELHOS DE POLÍTICAS SOCIAIS: DESAFIOS PARA UMA EXPERIÊNCIA DEMOCRÁTICA Andréia Caroline Bissolati de Souza1 Bruna Cabral Borges 2 Christiane Zago Prestes 3 Cláudia Micheli Zimmer INTRODUÇÃO O interesse pela discussão sobre como acontece a participação no âmbito dos Conselhos de Políticas Sociais é resultante de discussões feitas em sala, durante as aulas do Núcleo Temático: “Espaços Participativos e Demandas por Cidadania”, do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, ministrado pela Professora Drª. Zelimar Soares Bidarra. O objetivo é debater como se dá o processo de constituição da participação democrática, a partir da implementação da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS4, posto que esta afirma a Assistência Social como uma política pública de direito do cidadão e de dever do Estado. Pretende-se estabelecer uma comparação entre o que essa Legislação prevê como participação, nos espaços que foram projetados para tal, e como tem sido a ocupação destes espaços pelos diferentes sujeitos sociais. Para isso, toma-se como referência uma breve contextualização dos movimentos que reivindicaram a democratização da sociedade brasileira e cujas demandas culminaram na Constituição de 1988. 1 Acadêmica do 4º ano do curso de Serviço Social, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, campus de Toledo – PR. Rua El Salvador, 265, Jd. América – Assis Chateaubriand – PR; Fone: (44) 3528-1753 e (44) 9129-1639; E-mail: [email protected] 2 Acadêmica do 4º ano do curso de Serviço Social, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, campus de Toledo – PR. Rua Hilário Zardo, 204, Toledo – PR. Fone: (45)3038-3706 e (45)8801-5567; E-mail: [email protected]. 3 Acadêmica do 4º ano do curso de Serviço Social, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, campus de Toledo – PR. Rua Agostinho dos Santos, 1150, Brasilia - Cascavel – PR; Fone: (45)3227-0920 e (45)9933-7035; E-mail: [email protected]. 4 Lei nº 8.742, de Dezembro de 1993. 1 Esta Constituição garante à área da Assistência Social um caráter de direito, ao integrála à Seguridade Social, junto com a Saúde e a Previdência. Além disso, assegura que a ação estatal dê-se mediante a gestão descentralizada e participativa, afirmada e regulamentada na LOAS, por meio dos conselhos gestores. A discussão sobre a condição de estes conselhos garantirem experiências democráticas de organizações da sociedade civil nos Conselhos de Políticas Sociais, exige uma reflexão sobre a participação nestes espaços, como ela acontece e quais os riscos ou ganhos que sua ausência ou efetivação representam. Pois, apesar do caráter participativo e descentralizado, previsto na Legislação, a literatura registra as tentativas de restringir estes conselhos à condição de meros órgãos consultivos sem poder de decisão e deliberação. Por isso a relevância de manter acesa a problematização sobre a natureza da participação. 1. A questão da Participação O movimento de democratização do país contra o regime militar ganhou forças em meados dos anos 70 e contou com a atuação decisiva das Comunidades Eclesiais de Base - CEB’s, sindicatos, partido político de oposição, algumas categorias profissionais e associações de moradores. Durante a década de 80, a sociedade brasileira foi palco de um processo de revitalização da sociedade civil que emergiu na busca da democratização do Estado e da sociedade. A expressão destas forças pode ser observada através das lutas de diferentes movimentos que buscavam garantir no plano legal o Estado Democrático de Direito, que vai se consolidar na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Essa Constituição trouxe inovações relacionadas à participação popular nas decisões políticas, pois, instituiu espaços participativos na formulação e gestão das políticas sociais ampliando o controle social exercido pela população, o que passa a ser viabilizado por meio de organizações representativas nos conselhos deliberativos. De acordo com VIEIRA (1992, p.13), participar “(...) envolve níveis crescentes de coletivização das decisões (...)”, “(...) fora disso a participação é formal, ou até mesmo 2 passiva ou imaginária (...)”. A “sociedade democrática é aquela na qual ocorre a real participação de todos os indivíduos nos mecanismos de controle das decisões havendo, portanto real participação deles nos rendimentos da produção” (VIEIRA, 1992, p.13). Entende-se a participação como “o próprio processo de criação do homem ao pensar e agir sobre os desafios sociais, nos quais ele próprio está situado. Como tal é um processo dinâmico e contraditório” (SOUZA apud Campos, 1997, p.149). É uma questão que atinge todos os sujeitos da sociedade, de qualquer categoria e pode ocorrer em, pelo menos, duas direções: a de subordinação ou a de emancipação. No primeiro caso, a ausência de participação representa riscos à garantia de direitos enquanto no segundo, a efetivação desta participação representa avanços e possibilidades de uma prática interventiva. Assim, o exercício da participação democrática no sentido da emancipação propicia a resistência à dominação, o que permite uma cidadania ativa e politizada que em geral se dissemina para todos os espaços da vida social. Segundo DEMO (1999, p.18) o verdadeiro sentido de emancipação está associado à prerrogativa da participação não como algo dado nem concedido como dádiva, mas sim, um processo de conquista. Desse modo a conquista da participação emancipadora dentro dos conselhos pode significar uma mudança em termos de produzir a igualdade democrática. Pois, a participação da sociedade civil não se refere somente à reivindicação de direitos sociais, mas também à definição dos rumos que as políticas públicas devem tomar. Por isso a participação deve ser efetiva. “Dizemos que participação é conquista para significar que é um processo, no sentido legítimo do termo: infindável, em constante vira-ser, sempre se fazendo. Assim, participação é em essência autopromoção e existe enquanto conquista processual. Não existe participação suficiente, nem acabada. Participação que se imagina completa, nisto mesmo começa a regredir”.(DEMO, 1999, p. 18). A participação efetiva emerge da conquista contra a opressão e persiste enquanto mantiver-se conquistada no âmbito do conflito, do jogo de interesses e das lutas. Por este enfoque, a participação popular nos conselhos reveste-se de um caráter dinâmico e 3 cumulativo, e somente através desta é que se garante seu caráter democrático5 e a conquista do poder. Entretanto há espaços institucionais nos quais estas características são limitadas, na medida em que, a participação para se tornar efetiva, exige a garantia de igualdade no acesso às políticas públicas. Cabe à sociedade civil o papel de desenvolver uma atuação crítica nos conselhos de modo a garantir a defesa dos interesses da parcela da população que se encontra excluída. É importante ressaltar que dada à diversidade de interesses manifestados nesses conselhos, os representantes podem, muitas vezes, estar contribuindo para reforçar ou reproduzir práticas e atitudes autoritárias. Podem também estar defendendo interesses individuais ou corporativos, e não interesses coletivos. Isso mostra que a descentralização nem sempre significa o não – autoritarismo. 2. Os Conselhos Gestores e a participação no âmbito da Política de Assistência Social A polêmica a respeito do significado político dos conselhos e das conseqüências de sua institucionalização vem despertando questionamento quanto à participação da sociedade civil nestes espaços. Existem duas posições em relação ao papel central dos conselhos: a primeira refere-se ao plano das consultas e defende que os conselhos sejam auxiliares do Poder Legislativo; a segunda coloca a atuação dos conselhos como órgãos de fiscalização do executivo, compreendendo a participação e a cidadania como eixos e diretrizes fundamentais. (GONH, 2003, p.89). No caso da Assistência Social, sua descentralização a partir da LOAS6 estimula o debate político ante as potencialidades dos conselhos e o papel que estes desempenham para a consolidação de uma experiência participativa. 5 Segundo Touraine, a concepção de democracia é de um regime político que permite aos atores sociais formar-se e agir livremente, traduzido pelos princípios de reconhecimento dos direitos fundamentais; representatividade social dos dirigentes e da sua política; consciência de cidadania e do fato de pertencer a uma coletividade fundada sobre o direito (TOURAINE apud STEIN, 1997, p.85). 6 Institui a participação popular através dos três níveis de governo: Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, Conselho Estadual de Assistência Social – CEAS e Conselho Municipal de Assistência Social –CMAS. 4 Segundo STEIN (1997, p.08) a descentralização político-administrativa das ações para os estados e municípios, como também a participação da população, por meio de organizações representativas, foram estabelecidas na Constituição e na LOAS como diretrizes para a organização da Política de Assistência Social. A descentralização pode ser entendida como a partilha de poder entre as três esferas de governo. Para que ocorra a descentralização é preciso a garantia do acesso universal às informações necessárias para a gestão, o que é, muitas vezes, dificultado pela burocracia. Além disso, é preciso garantir espaços aos segmentos menos poderosos da sociedade nos conselhos, a fim de que, possam participar ativamente na fiscalização das políticas públicas e da tomada de decisões. “A descentralização político administrativa e a municipalização das políticas sociais vêm representando uma possibilidade de alargamento do espaço ocupacional [da sociedade], no âmbito da formulação, gestão e avaliação de políticas, podendo direcionar a participação”. (IAMAMOTTO, 1998, p. 265). Com base nesta perspectiva, reordena-se o papel do Estado enquanto poder normativo e regulador da vida social. Abrem-se espaços plurais para a participação da sociedade civil no sentido emancipatório, onde o cidadão passa a ser reconhecido como sujeito de poder e da história e que pode dar a direção da vida pública na defesa da democracia. Isso exige novas formas de articulação e ampliação das representações das organizações e dos indivíduos. Assim, estendeu-se para os municípios a responsabilidade pela decisão e organização de suas políticas, integrando-os a um sistema descentralizado e participativo, que deve ampliar as condições de participação da população nas discussões sobre seus interesses e necessidades. Isso passa a ser operacionalizado por meio das conferências e dos conselhos gestores. Estes são canais que articulam representantes da população e membros do poder público estatal através da participação em práticas que dizem respeito à gestão de bens públicos. São compostos, portanto, por representantes do poder público e da sociedade civil organizada assumindo, no âmbito da Assistência Social, um caráter paritário. Essa nova forma de gestão da política pública, por meio da interlocução entre sociedade civil e poder público faz com que se alterem as relações entre o Estado e a sociedade 5 civil, uma vez que possibilita a construção de uma esfera pública na definição e implementação das políticas sociais. Os conselhos gestores de políticas sociais viabilizam as modificações nas formas de alocação de recursos para as ações relativas à área social nos municípios e isso incentiva e força que o número de conselhos cresça consideravelmente após a aprovação da LOAS. Assim, a Política de Assistência Social passa a adquirir novos contornos. O que se pretende é que ela seja entendida diferentemente das ditas formas tradicionais - como prática de ajuda aos necessitados centradas na caridade – mas sim, como uma política pública de atendimento às necessidades básicas da população, no campo dos direitos sociais e da cidadania. Buscando reverter o quadro historicamente construído no qual a Assistência Social tem sido um mecanismo de reprodução da tutela e do controle sobre as camadas empobrecidas e discriminadas da sociedade. Diante disso, a participação social e o controle das políticas públicas devem acontecer na perspectiva de uma fiscalização das formulações de planos, programas e projetos, passando por sua execução até a definição dos recursos utilizados, já que, é a sua alocação que define os rumos da Política de Assistência Social conquistado legalmente, na qual, esta é de direito do cidadão e dever do Estado. O sentido do Controle Social 7 é o da participação da população na elaboração, implementação e fiscalização das políticas sociais. (BRAVO, 2000, p.42). Este representa um dos elementos constitutivos da estratégia política da esfera pública que implica o acesso da sociedade civil nos processos de decisões políticas e torna sua participação efetiva na formulação, na revisão e na fiscalização das decisões pactuadas. O canal de participação legal constituído para o exercício da gestão democrática da política de Assistência Social é o conselho paritário, onde, representantes de organismos governamentais e entidades da sociedade civil assumem, conforme o Artigo 6º da 7 Segundo Correia, (2000, p. 124): “a lógica do controle social é a de que quem paga indiretamente os serviços públicos por meio de impostos é a própria população, portanto, ela deve decidir onde e como os recursos públicos devem ser gastos, para que tais serviços tenham maior qualidade e atendam aos interesses coletivos, não ficando à mercê de grupos clientelistas e privatistas”. 6 LOAS8, o compromisso de novas experiências na formulação e execução das políticas públicas. No conselho de Assistência Social a gestão democrática – participativa exige uma nova ética e um repensar de valores, o que requer uma reforma intelectual e moral, ou seja, novas subjetividades e uma nova cultura. Contudo, há o risco da participação efetiva por parte da população vir a estar comprometida se predominar atitudes burocratizantes no interior dos conselhos. Isso acaba sendo um fator de desmotivação da participação popular e de reforço à idéia de que os conselheiros não são portadores de conhecimentos relativos à estrutura burocrática e por isso, somente poderiam opinar e não decidir sobre a direção para a política de assistência. Pode-se perguntar se no âmbito da Assistência Social, a partir da criação dos conselhos e da implantação do processo de descentralização - em que a sociedade passa a ter a possibilidade de assumir o processo decisório na implementação das políticas públicas se realmente está sendo concretizado um processo democrático ou se os espaços participativos são mais um dos mecanismos para reforçar a estrutura verticalizada das políticas, onde, os conselheiros continuam apenas avalizando decisões já postas. Entre os riscos que dificultam o processo de participação e de representação podemos destacar a falta de clareza sobre o papel do conselho e da função dos conselheiros com relação à perspectiva da construção da cidadania e a falta de participação dos usuários, pois, não pode existir participação sem representação. O que se apresenta é um impasse na medida em que não se consegue pensar uma sociedade democrática sem a efetiva participação popular no controle das decisões acerca das políticas públicas. 8 “Art. 6º - As ações na área da assistência social são organizadas em um sistema descentralizado e participativo, constituído pelas entidades e organizações de assistência social abrangidas por esta lei, que articule meios, esforços e recursos, e por um conjunto de instâncias deliberativas compostas pelos diversos setores envolvidos na área”. (Lei nº 8.742 de 07 de dezembro de 1993). 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com a implementação da LOAS, a Assistência Social passa a fazer parte do tripé da Seguridade Social somado à Saúde e à Previdência, como políticas de dever do Estado. Amplia-se, assim, a possibilidade de participação da sociedade civil organizada no controle e gestão das políticas públicas com a implementação dos conselhos de políticas sociais, a partir de um processo de descentralização da gestão. É, então, um desafio para os conselhos “construir uma outra dinâmica de participação capaz de superar a tradição elitista dos processos representativos” (CAMPOS e MACIEL, 1997, p.150). Assim, a participação para ser efetiva precisa ser qualificada, pois, não basta que os conselhos tenham apenas a presença numérica das pessoas, é preciso dotá-las de informações sobre o funcionamento das estruturas estatais, para poder intervir de forma a exercitarem uma cidadania ativa e não regulada. (GOHN, 2003, p.95). Significa pensar o conselho como oportunidade de maior controle social sobre a administração pública nas três esferas de governo – federal, estadual e municipal contribuindo assim para a construção de uma cultura alicerçada nos pilares da democracia participativa, o que requer construir novos valores éticos e referências teóricas que destruam as práticas sem representação e a representação sem democracia. Construir uma cultura política que supere a acomodação, a indiferença, ou a idéia de que o voto é a única e mais efetiva forma de participar. Daí a importância de capacitação continuada e a de investigação sistemática, a fim de contribuir para que a instância dos conselhos torne-se de fato o lugar de interesse público e de resistência à redução dos direitos. Quanto mais qualificada for a participação, maior o grau de ampliação do espaço público. 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRAVO, Maria Inês. PEREIRA, Potyara (org.). Política Social e Democracia. São Paulo: Cortez, 2001, p.43-65. 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