Tópicos de Geometria

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Tópicos de Geometria
2003/2004
Eduardo Francisco Rêgo
FCUP - Departamento de Matemática Pura
Resumo
O tópico central do programa é constituído por Grupos de Isometrias e Grupos de Simetria no plano e no espaço: uma consulta à lista de conteúdos, em baixo,
dará uma ideia dos temas a abordar e da estrutura a seguir.
Como os títulos indicam, este é um tema onde o encontro e fusão de algebra
e geometria é especialmente forte. As isometrias no plano podem ser tratadas de
forma especialmente elegante com a identificação de R2 e C, recorrendo à estrutura
dos números complexos; optámos por não o fazer pois há alguns argumentos e
construções mais directas que, embora sejam menos elegantes, têm a vantagem de
se adaptar facilmente ao espaço tridimensional, onde as vantagens do uso de uma
estrutura algébrica auxiliar aparecem de forma mais indirecta e restrita (mas não
menos importante), através da relação rotações-quaterniões.
Os exercícios, definições, teoremas, etc., aparecem numerados de forma sequencial; optámos por manter este formato pois a maior parte dos "Exercícios" não são
mais do que provas e complementos aos resultados e teoremas enunciados: neste sentido, são exercícios de recolha, estudo e compreensão, por consulta dos livros indicados nas referências. Estas notas irão sendo completadas pela "publicação"paralela
de resoluções desses exercícios, que se espera sejam feitas e escritas maioritariamente pelos alunos como parte de avaliação contínua. Exercícios do tipo usual que servem para testar e aprofundar os conhecimentos da parte teórica - aparecem
agrupados em secções próprias; a referência a qualquer deles deve ser feita indicando
o número da secção a que pertence seguido do seu número dentro da secção (assim,
o exercíco que pede para investigar porque é que o arco-íris é um arco e se é um
arco de círculo, é o exercício 3.1 - 11)
Conteúdo
1 Isometrias e simetrias - generalidades
1.1 Subespaços afim e hiperplanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1.2 Reflexões em hiperplanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3
6
7
8
2 Isometrias de R2
2.1 Exercícios de revisão e aplicação... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1
3 Similitudes de R2
12
3.1 Exercícios de revisão e aplicação... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
19
4 Transformações afim de R2
4.1 Exercícios de revisão e aplicação... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
4.2 Colineações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
5 Grupos de simetria - introdução
5.1 Polígonos regulares . . . . . . . . . . . . .
5.2 Grupos finitos de isometrias do plano . . .
5.2.1 Exercícios de revisão e aplicação... .
5.3 Acções de grupos - noções gerais . . . . . .
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25
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27
28
29
6 Isometrias de R3
6.1 Similitudes de R3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
6.2 Exercícios de revisão e aplicação... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
7 Quaterniões e rotações
7.1 Conjugados e inversos: . . . . . .
7.2 Quaterniões unitários: . . . . . .
7.3 Acção de grupo de S 3 em R3 . . .
7.4 Exercícios de revisão e aplicação...
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33
36
37
38
40
8 Grupos de simetria finitos de R3
8.1 Prismas e anti-prismas . . . . . . . . . . . .
8.2 Os sólidos Platónicos . . . . . . . . . . . . .
8.2.1 A Fórmula de Euler: . . . . . . . . .
8.2.2 Dualidade e inclusão . . . . . . . . .
8.3 Os grupos de simetria dos sólidos platónicos
8.4 Os sólidos Arquimedianos . . . . . . . . . .
8.5 Grupos finitos de rotações de R3 . . . . . . .
8.6 Subgrupos finitos de I(R3 ) . . . . . . . . . .
8.7 Exercícios de revisão e aplicação... . . . . . .
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41
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56
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9 Grupos Cristalográficos
68
9.1 A classificação dos grupos cristalográficos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
2
1
Isometrias e simetrias - generalidades
O nosso tema central são as isometrias e simetrias em espaços euclidianos, em especial no
plano e no espaço (tridimensional). Recordemos as definições mais gerais, envolvidas.
Definição 1 Uma isometria do espaço métrico (X, d) é uma função
f : X ¡! X que é sobrejectiva e que é uma imersão isométrica, isto é, preserva as
distâncias: 8x, y 2 X , d(f (x), f (y)) = d(x, y).
Exercício 2 Recorde a definição de espaço métrico. Mostre que uma função que preserva
a distância, como na definição anterior (uma imersão isométrica) é sempre injectiva mas
pode não ser sobrejectiva.
Definição 3 Consideramos em Rn a métrica euclidiana dada, para x = (x1 , ..., xn ), y =
2
n
(y
P1n, ..., y2 n ) 2 R , por d(x, y)
Pn= kx ¡ yk, em que kk é a norma euclidiana: kxk = hx, xi =
i=1 xi , em que hx, yi =
i=1 xi yi é o produto escalar usual.
Exercíciop4PRecorde e escreva uma prova de que a métrica acabada de definir em Rn ,
n
2
d(x, y) =
i=1 (xi ¡ yi ) ,é de facto uma métrica; recorde também, a propósito, a desigualdade de Cauchy-Schwarz: jhx, yij ∙ kxk kyk; recorde ainda a regra do paralelogramo: kx + yk2 + kx ¡ yk2 = 2 kxk2 + 2 kyk2
Dado um espaço métrico, M, as suas isometrias, Isom(M) (ou simplesmente I(M))
formam um grupo para a composição de funções, que é um subgrupo do grupo de todas
as bijecções , Bij(M).
Temos a seguinte cadeia de subgrupos:
Isom(M) ∙ Sim(M) ∙ Homeo(M) ∙ Bij(M)
em que Sim(M) e Homeo(M) são os grupos das similitudes e dos homeomorfismos, respectivamente.
Exercício 5 Recorde as definições de similitude e homeomorfismo.
Dois tipos particulares de isometrias são as translações e as aplicações ortogonais.
Definição 6 A translação pelo vector a é definida por Ta (x) = x + a ; em particular a
identidade é translação pelo vector nulo, id = 1 =T0 ; é claro que a inversa é a translação
pelo vector ¡a , Ta−1 = T−a , e que Ta Tb = Ta+b .
Notação 7 Indicaremos frequentemente apenas por justaposição a composição de funções
, fg = f ± g, e também, desde que o contexto não permita confusões, as imagens de
elementos, f (x) = fx.
3
As translações formam, portanto, um subgrupo abeliano de I(Rn ).
O grupo linear geral (real), GL(n, R), consiste das matrizes reais n £ n, não-singulares;
identifica-se naturalmente ao espaço dos isomorfismos lineares L : Rn ¡! Rn : A 2
GL(n, R) representa a aplicação linear que, relativamente à base canónica (ou outra qualquer base ortonormada), tem matriz A. O determinante define um homomorfismo de
grupos: det : GL(n, R) ¡! Rn f0g. O núcleo é o grupo linear especial, SL(n, R), das
matrizes com determinante 1.
Definição 8 Uma aplicação linear L : Rn ¡! Rn é dita ortogonal se hLx, Lyi = hx, yi
para todos x, y 2 Rn , isto é, se preserva o produto escalar.
Exercício 9 Seja A 2 GL(n, R) e L : Rn ¡! Rn a aplicação linear correspondente.
Mostre que L é ortogonal se e só se A−1 = At , isto é, a inversa de A é a sua transposta
(diz-se, correspondentemente, que A é uma matriz ortogonal)
Temos o grupo ortogonal: O(n) = fA 2 GL(n, R) : AAt = Ig. Note-se que para A 2
O(n) temos det A = §1:
1 = det I = det(AAt ) = (det A)(det At ) = (det A)2
O grupo O(n) tem um subgrupo normal (de índice 2), o grupo ortogonal especial, SO(n) =
O(n) \ SL(n, R), das matrizes ortogonais com determinante
1. ¸É claro que O(1) = f§1g
∙
a b
para as quais existe um
e SO(1) = f+1g. O grupo O(2) consiste das matrizes
c d
θ tal que
∙ ¸ ∙
¸ ∙ ¸
∙
¸
a
cos θ
b
¡ sin θ
=
e
=§
c
sin θ
d
cos θ
Exercício 10 Verifique a afirmação anterior.
¸
∙
cos θ ¡ sin θ
. Uma matriz destas representa
SO(2) consiste então das matrizes
sin θ
cos θ
uma rotação,de ângulo θ, em torno ∙da origem.
¸
¸ Como SO(2) tem índice 2,∙ os outros elemencos θ
sin θ
1 0
.
que consiste das matrizes
tos de O(2) são os da classe SO(2)
sin θ ¡ cos θ
0 ¡1
Cada uma destas representa uma reflexão Rl na recta l que faz ângulo de θ/2 com o eixo
dos xx. Ficamos, por agora, com o significado intuitivo deste outro tipo de isometria, as
reflexões; mais à frente daremos a definição geral de reflexões em hiperplanos de Rn .
O conjunto de exercícios que se seguem conduz a uma caracterização básica das isometrias de Rn .
Exercício 11 Seja uma L : Rn ¡! Rn aplicação linear. Mostre que as seguintes afirmações são equivalentes: i) L é uma imersão isométrica; ii) L é uma isometria; iii)
kLxk = kxk , 8x 2 Rn ; iv) hLx, Lyi = hx, yi , 8x, y 2 Rn (isto é, L é uma aplicação
ortogonal).
O que pode afirmar se considerar, mais geralmente, aplicações lineares L : Rm ¡! Rn ?
4
Exercício 12 Seja f˙ : Rm ¡! Rn uma imersão isométrica.( Não supomos que é linear!).
Mostre que existem a 2 Rm e uma aplicação linear L : Rm ¡! Rn tais que f (x) =
Lx + a , 8x 2 Rm . Em particular, se f (0) = 0, então f é linear (!); se m = n então f é
uma isometria e é a composta de uma aplicação ortogonal seguida de uma translação.
Sugestão: Comece por supor que f (0) = 0 ; a) mostre que, sendo fa1 , a2 , ..., am g a base
canónica, e bi = f (ai ) , i = 1, ...m , fbi gi=1,...m é um conjunto ortonormado: hbi , bj i =
½
1 , se i = j
, 8i, j = 1, ...m; b) mostre, seguidamente, que f fica completamente
δ ij =
0 , se i 6= j
determinada pelas imagens bi = f (ai ) , i = 1, ...m ,isto é, se g(ai ) = f (ai ) = bi , 8i ,
então f = g .(Componha f com uma aplicação ortogonal L 2 O(n) tal que Lf (ai ) = ai .)
Recordemos que são equivalentes:
a) fa1 ¡ a0 , a2 ¡ a0 , ..., ak ¡ a0 g são linearmente independentes.
P
P
b) fa0 , a1 , a2 , ..., ak g são independentes afim, isto é, ki=0 λi ai = 0, com ki=0 λi = 0 sse
λ0 = λ1 = ¢ ¢ ¢ = λk = 0
Exercício 13 Sejam X ½ Rm não-vazio e f : X ¡! Rn uma imersão isométrica. Mostre
que existe uma imersão isométrica (única quando X gera Rm ) ϕ : Rm ¡! Rn tal que
ϕ jX = f .
Sugestão: Comece por provar, usando também o exercício anterior, que uma imersão
isométrica f˙ : Rm ¡! Rn fica completamente determinada pelas imagens de m + 1 pontos
independentes afim.
Provámos assim os seguintes teoremas:
Teorema 14 Se f˙ : Rn ¡! Rn é uma imersão isométrica então f 2 I(Rn ) e escreve-se,
de modo único, como a composta f = Ta L, com L 2 O(n).
Definição 15 Se na decomposição do teorema anterior, f = Ta L, temos que L 2 SO(n)
dizemos que f é uma isometria directa (ou: que preserva a orientação); caso contrário
dizemos que é inversa (ou que inverte a orientação).
Teorema 16 Toda imersão isométrica f˙ : Rm ¡! Rn fica completamente determinada
pelas imagens de m + 1 pontos independentes . Em particular, tomando m = n e f = id,
em Rn qualquer ponto fica determinado pelas suas distâncias a n+1 pontos independentes.
Teorema 17 Se fa0 , a1 , a2 , ..., an g e fb0 , b1 , b2 , ..., bn g são dois conjuntos de n + 1 pontos
independentes de Rn , com d(ai , aj ) = d(bi , bj ) para 0 ∙ i, j ∙ n, existe f 2 I(Rn ), única,
tal que fai = bi para 0 ∙ i ∙ n.
5
1.1
Subespaços afim e hiperplanos
Esta secção contém definições e algumas propriedades básicas sobre subespaços afim de
Rn : a descrição mais sumária é dizer que são translatados de subespaços vectoriais.
Definição 18 A ½ Rn é um subespaço afim se
λa + µb 2 A, 8a, b 2 A, 8λ, µ 2 R : λ + µ = 1
isto é, se A contém a recta por dois quaisquer dos seus pontos.
Exercício 19 Mostre que se A é um subespaço afim então para todo o k verifica-se:
k
X
i=1
λi ai 2 A , ai 2 A ,
k
X
λi = 1
i=1
Exercício 20 Seja A ½ Rn um subespaço afim.
a) Mostre que V = A ¡ a = fx ¡ a : x 2 Ag é um subespaço linear.
b) Mostre que A ¡ a = A ¡ b, 8a, b 2 A
Se A ½ Rn é um subespaço afim, a sua dimensão é a dimensão do subespaço vectorial V = A ¡ a0 , a0 2 A. Se fa1 ¡ a0 , a2 ¡ a0 , ..., ak ¡ a0 g são uma base para V ,
fa0 , a1 , a2 , ..., ak g são independentes afim e formam uma base afim para A: todo o elemento a 2 A se escreve de modo único como
a=
k
X
λi ai ,
i=0
k
X
λi = 1
i=0
Exercício 21 Sejam A ½ Rn , B ½ Rm subespaços afim e seja f : A ¡! B uma aplicação
afim, isto é,
f (λa + µb) = λf (a) + µf (b), 8a, b 2 A, 8λ, µ 2 R, λ + µ = 1
( e portanto que envia rectas em rectas - eventualmente degeneradas).Mostre que,para todo
o k,
!
à k
k
k
X
X
X
λi ai =
λi f (ai ) ,
λi = 1
f
i=1
i=1
i=1
Exercício 22 Sejam A ½ Rn , B ½ Rm subespaços afim, a 2 A , b 2 B. Mostre que:
a) Se L : A ¡ a ¡! B ¡ b é uma aplicação linear, a aplicação AL : A ¡! B definida
por AL (x) = L(x ¡ a) + b é uma aplicação afim.
b) Se f : A ¡! B é uma aplicação afim, Lf : A ¡ a ¡! B ¡ b definida por Lf (x) =
f (x + a) ¡ f (a) é uma aplicação linear e ALf = f .
Definição 23 Um hiperplano H de Rn é um subespaço afim de dimensão n ¡ 1.
6
Se H é um hiperplano de Rn e a 2 H, então H ¡ a é um subespaço linear de dimensão n ¡ 1, logo existe b 6= 0 (e podemos supôr kbk = 1) tal que H ¡ a = fbg⊥ =
fx 2 Rn : hb, xi = 0g: podemos considerar uma base ortonormal para H ¡ a e estendê-la,
por um vector b, a uma base ortonormal de Rn (veja o exercício seguinte). Portanto H
pode ser descrito como H = fy 2 Rn : hb, yi = tg, ou seja como o conjunto dos vectores
que têm a mesma projecção sobre o vector b.
Exercício 24 Recorde o processo de Gram-Schmidt para a obtenção de bases ortonormadas: dada uma base fa1 , a2 , ..., aj g de um subespaço S de Rn , começa-se por obter a
partir dela, por recorrência, uma base ortogonal:
¶
k−1 µ
X
hak , fi i
f1 = a1 , ... , fk = ak ¡
fi , ...
hfi , fi i
i=1
a) Aplique o método à seguinte base:
fa1 = (2, 1, 1), a2 = (0, 1, 0), a3 = (0, 0, 1)g
Os hiperplanos aparecem naturalmente como os bissectores ortogonais de segmentos:
Exercício 25 Se a, b 2 Rn com a 6= b, então B = fx : d(x, a) = d(x, b)g é um hiperplano
de Rn .
Exercício 26 Seja H um hiperplano em Rn . Mostre que todo x 2 Rn se pode escrever
de forma única como x = y + z com y 2 H e z? (H ¡ y).
1.2
Reflexões em hiperplanos
Definição 27 Seja H um hiperplano em Rn . A reflexão em H é a isometria RH 2 I(Rn )
definida por
RH (x) = y ¡ z
em que x = y + z com y 2 H e z? (H ¡ y) (exercício anterior).
Note-se que RH 2 = id e que RH é a identidade em H. Se H é o bissector ortogonal
do segmento ab, RH permuta a e b.
Exercício 28 Seja H um hiperplano e 0 2 H (H é portanto um subespaço linear de
codimensão 1). Mostre que a reflexão em H é dada por:
RH (x) = x ¡ 2 hx, ai a em que a?H , kak = 1
Exercício 29 (Generalização do exercício anterior) Mostre que se H é um hiperplano
dado por H = fx : ha, xi = tg em que a?(H ¡ h), h 2 H (já vimos que todo o hiperplano
pode ser dado desta forma)
RH (x) = x ¡ 2 hx, a ¡ ti
7
a
ha, ai
Exercício 30 Escreva a expressão em coordenadas cartesianas de Rm ((x, y)) em que m
é a recta do plano de equação y = x2 + 5.
Exercício 31 Escreva a expressão em coordenadas cartesianas de RP ((x, y, z)) em que
P é o plano de equação z = 2x + y + 3.
O teorema seguinte dá outra caracterização básica das isometrias de Rn em termos de
reflexões em hiperplanos e será usado de forma essencial na classificação das isometrias
de R2 e R3 .
Teorema 32 Uma isometria f 2 I(Rn ) que é a identidade num subespaço afim A de
dimensão n ¡ r (f (a) = a , 8a 2 A) pode ser escrita como o produto de não mais do que
r reflexões em hiperplanos que contêm A. Se f não tiver qualquer ponto fixo (A = ;),
pode ser escrita como o produto de não mais do que n + 1 reflexões em hiperplanos.
Exercício 33 Dê uma prova, por indução em r, do teorema anterior.
Note-se que este teorema tem como corolário um resultado que já tínhamos estabelecido anteriormente: se f 2 I(Rn ) verifica f (0) = 0, então f 2 O(n). De facto, pelo
teorema, f será o produto de reflexões em hiperplanos pela origem (subespaços lineares
de codimensão 1) e tais reflexões são claramente aplicações ortogonais inversas, isto é, em
O(n) ¡ SO(n): note-se que se 0 2 H, e se fa1, a2, ..., an−1 , an g é uma base ortonormal de
Rn tal que fa1, a2, ..., an−1 g é uma base para H, a matriz de RH relativamente àquela base
é claramente
2
3
1
6
7
...
6
7
A=6
7
4
5
1
¡1
0
0
logo det A = ¡1. Se na prova do teorema que é pedida não forem usados os exercícios
que conduziram antes àquele resultado teremos aqui um argumento alternativo.
Exercício 34 Seja f 2 I(Rn ) e H1 , H2 , ..., Hj hiperplanos tais que f = RHj RHj−1 ...RH2 RH1 .
Mostre que f é directa ou inversa conforme j é par ou ímpar,respectivamente.
Exercício 35 a) Mostre que o conjunto das translações T ½ I(Rn ) forma um subgrupo
normal que é isomorfo a Rn e cujo quociente é isomorfo a O(n).
b) Mostre que I(Rn ) não é isomorfo ao produto directo dos seus subgrupos T e O(n).
2
Isometrias de R2
O último teorema, aplicado ao caso particular da dimensão dois, conduz facilmente a uma
classificação das isometrias de R2 . Temos quatro tipos de elementos f 2 I(R2 ), consoante
o número de reflexões, Rl , em rectas l, em que f se decomponha.
8
1. Reflexões em rectas: f = Rl .
2. Translações: f = Ta .
3. Rotações: f = R(a, θ); esta notação representa a rotação de ângulo θ e centro a (ou
"em torno de a"), isto é, f = Ta LT−a em que L 2 SO(2) é a rotação de ângulo θ
em torno da origem.
4. Reflexões deslizantes: f = Ta Rl = Rl Ta em que a é um vector paralelo à recta l.
As reflexões, em rectas e deslizantes, são as isometrias inversas, sendo as segundas
obtidas como o produto de reflexões em três rectas, e as translações e rotações são as
isometrias directas, obtidas como produto de reflexões num par de rectas, paralelas no
primeiro caso, concorrentes no segundo.
Exercício 36 Mostre que as isometrias de R2 são de facto dos quatro tipos descritos.
Já vimos que toda a isometria, f 2 I(R2 ), se escreve como f = Ta L, com L 2
O(n). Há um modelo analítico para R2 , muito útil, em que podemos ver as isometrias, e
mais geralmente as aplicações afim, como restrições de aplicações lineares de R3 e, assim,
representá-las simplesmente através de uma matriz 3 £ 3.
Identificamos R2 ao hiperplano de R3 , R̂2 , de equação z = 1, através do mergulho
natural
R2
!
R3
(x, y) ! (x, y, 1)
Seja f uma aplicação afim∙dada por ¸f (x, y) = L(x, y) + b, em que L é linear e b =
a11 a12
, a aplicação afim correspondente fˆ : R̂2 ¡! R̂2 ,
(b1 , b2 ); se a matriz de L é
a21 a22
fˆ(x, y, 1) = (f (x, y), 1) pode ser dada simplesmente por
2
32 3
a11 a12 b1
x
4 a21 a22 b2 5 4 y 5
0
0 1
1
Esta representação tem a ver com as chamadas coordenadas homogéneas da geometria
projectiva; o livro de Cederberg indicado na bibliografia, [1], faz um uso deste modelo
analítico do plano euclidiano: consulte o capítulo 3; este livro bem como o de Rees, [5],
contêm introduções à geometria projectiva.
Em particular uma isometria f = Tb L, L 2 O(n), b = (b1 , b2 ), representa-se como
¸
32 3
2 ∙
b1
a11 §a12
x
a12 ¨a11
b2 5 4 y 5
fˆ (x, y, 1) = 4
0 0
1
1
com a211 + a212 = 1.
9
2.1
Exercícios de revisão e aplicação...
1. Escreva a expressão em coordenadas cartesianas, (x, y), da reflexão Rm , em que m
é a recta de equação y = 2x + 1.
¡
¢
2. Seja f : R2 ¡! R2 definida por f (x, y) = 3x+4y+10
, 4x−3y+15
.
5
5
(a) Mostre que f é uma isometria.
(b) Escreva f como produto de reflexões em rectas.
(c) Classifique f , indicando em particular o seu conjunto invariante.
3. Seja f 2 I(R2 ) dada por f = Tb Rm em que m é a recta de equação y = 2x + 1 e
b = (¡2, 1). Classifique f , indicando, em particular, o seu conjunto invariante.
4. Recorde como uma isometria de R2 pode ser descrita por uma matriz 3 £ 3.
2
3
0 ¡1 5
(a) Escreva a isometria definida por 4 1 0 ¡1 5 como produto de reflexões
0 0
1
em rectas.
(b) Escreva agora a isometria como produto de duas reflexões em rectas (cf. exercício 23 b., abaixo)
5. Escreva a rotação R(C, α) de ângulo α = π (meio-giro), em torno do ponto C =
(5, 2), através de uma matriz 3 £ 3.
Idem para a reflexão deslizante, f , na recta m de equação y = x + 2 em que
d (Pm x , Pm f (x)) = 2, sendo Pm y a projecção ortogonal de y na recta dada.
6. Sejam l, m, n as rectas no plano de equações y = x + 2, y = ¡x + 3 e x = 2 respectivamente. Considere f 2 I(R2 ) dada por f = Rl Rm Rn . Classifique f indicando,
em particular, o conjunto invariante.
7. Mostre que duas rotações, R(a, α) e R(b, β), diferentes da identidade (α, β 6= 0) e
com centros distintos (a 6= b) não comutam.
8. Prove o Teorema de Hjelmslev: se α é uma isometria do plano e l é uma recta, então
existe uma recta m tal que para todo o ponto P de l, o ponto médio do segmento
P α(P ) está em m.
9. É verdade que toda a reflexão deslizante é o produto de 3 reflexões em 3 rectas que
contêm os lados de um triângulo? Justifique devidamente.
10. É verdade que se α é uma isometria inversa do plano então se pode escrever α =
Rl Rm Rn em que uma qualquer das rectas l, m, n pode ser escolhida à partida?
10
11. Dados dois triângulos congruentes, ∆ABC »
= ∆DEF , com A = (0, 0), B = (5, 0),
C = (0, 10), D = (4, 2), E = (1, ¡2), F = (12, ¡4), determine equações de rectas
tais que o produto de reflexões nessas rectas envie ∆ABC em ∆DEF .
12. Suponha que as rectas l, m, n têm, respectivamente, equações x = 2, y = 3, e y = 5.
Determine as equações para Rm Rl e para Rn Rm .
13. Prove que se P é um ponto e l e m são rectas, então existem rectas p e q tais que
P está em p e Rm Rl = Rq Rp .
¡! ¡¡!
14. Dadas
não paralelas AB , CD , mostre que existe uma rotação ρ tal que
³¡!´rectas¡¡!
ρ AB = CD (Note que há orientações fixadas nas rectas). O que pode dizer
no caso de serem paralelas?
15. Diga, justificando, se são ou não verdadeiras as seguintes afirmações:
(a) Toda a translação é um produto de duas rotações não involutivas.
(b) Se P 6= Q então existe uma única translação que envia P em Q mas existe um
número infinito de rotações que enviam P em Q.
16. Se l, m, n são os bissectores ortogonais (mediatrizes) dos lados AB, BC, CA, respectivamente, do ∆ABC, então Rn Rm Rl é uma reflexão em qual recta?
17. Quais são as rectas que são invariantes por uma rotação R(c, θ)?
18. Se Rl Rm Rn é uma reflexão, mostre que as rectas n, m, l ou são concorrentes ou são
paralelas.
19. Mostre que Rn Rm Rl = Rl Rm Rn se as rectas l, m, n são concorrentes ou têm uma
perpendicular comum.
20. Mostre que o produto das reflexões nas três bissectrizes de um triângulo é uma
reflexão numa recta perpendicular a um lado do triângulo.
21. Se Rn Rm (x, y) = (x + 6, y ¡ 3), determine equações para rectas m e n.
22. Se l e m são duas rectas distintas e concorrentes, determine o lugar geométrico dos
pontos P tais que R(P, θ)(l) = m para algum θ.
23. Prove o seguinte Teorema de Adição de Ângulos para Rotações:
(a) Uma rotação de ângulo Θ seguida de uma rotação de ângulo Φ é uma rotação
de ângulo Θ + Φ excepto se Θ + Φ = 0 ,caso em que se obtem uma translação.
(b) Prove o resultado análogo ao de a. para os casos de uma rotação seguida de
translação e de uma translação seguida de rotação.
11
24. Prove os Teoremas de Adição de Ângulos do exercício anterior usando a representação das isometrias através de matrizes 3 £ 3.
25. Suponha que o segmento P Q tem ponto médio M e bissector ortogonal m. Mostre
que o conjunto das isometrias que enviam P em Q consiste precisamente das isometrias Rm Rp e R(M, π)Rp em que p é uma qualquer recta por P e R(M, π) designa
o meio-giro de centro M.
26. Se a recta l intersecta as rectas m e n em pontos distintos N e M, respectivamente,
mostre que o eixo da reflexão deslizante Rn Rl Rm contem os pés das perpendiculares
a m e n que passam pelos pontos M e N, respectivamente. (Note que isto dá uma
construção geométrica fácil para o eixo de uma reflexão deslizante).
27. Se x0 = ax + by + c e y 0 = bx ¡ ay + d, com a2 + b2 = 1, são as equações de uma
isometria α , mostre que α é uma reflexão sse ac + bd + c = 0 e ad ¡ bc ¡ d = 0.
28. Se x0 =
3x
5
+
4y
5
e y0 =
4x
5
¡
3y
5
são equações para Rm determine m.
1
29. Classifique e descreva a isometria dada pelas equações 2x0 = ¡3 2 x ¡ y + 2 e 2y 0 =
1
x ¡ 3 2 y ¡ 1.
30. Numa figura consistindo de dois pontos A e B, faça uma construção para o ponto
P tal que TB−P R(B, 60o ) fixa A.
31. Dada uma recta p e dois pontos, A e B que não lhe pertencem faça uma construção
da recta r que é invariante por R(B, π)Rp R(A, π).
32. Prove ou apresente um contra exemplo: Dada TA e uma rotação diferente da identidade, R(C, θ), existe uma rotação R(D, φ) tal que TA = R(D, φ)R(C, θ).
33. Mostre que se R1 , R2 , R2 R1 , e R2−1 R1 são rotações, então os centros de R1 , R2 R1 ,
e R2−1 R1 são colineares.
3
Similitudes de R2
Recorde que uma similitude de um espaço métrico (M, d) é uma aplicação bijectiva f :
M ¡! M tal que para algum k > 0 (dito a razão da similitude) se verifica
d(f (x), f (y)) = k d(x, y) , 8x, y 2 M
Se k = 1 temos uma isometria; é claro que f −1 é também uma similitude de razão 1/k e
o conjunto das similitudes de M, Sim(M) (ou apenas S(M)), formam um grupo de que
as isometrias são um subgrupo:
Isom(M) ∙ Sim(M) ∙ Homeo(M) ∙ Bij(M)
como já víramos.
12
No caso de Rn , o exemplo mais útil são as (de centro 0), D(0, k), que enviam cada
x 2 Rn em kx. Podemos, mais geralmente, definir homotetias (também ditas esticões) de
centro arbitrário C 2 Rn por
D(C, k) = TC D(0, k)T−C
O significado geométrico é claro: D(C, k) fixa C e envia cada semirecta de origem C
em si mesma, esticada pelo factor k. Os exercícios da secção 1 que conduziram aos três
primeiros teoremas podem ser usados ou adaptados de forma imediata, com a inclusão de
um factor k, para dar provas de teoremas análogos para similitudes:
Teorema 37 Seja f 2 Sim(Rn ), de razão k.
1. Se f (0) = 0, então f é linear e temos f = D(0, k)L = LD(0, k) com L 2 O(n),
isto é, f é uma aplicação ortogonal seguida de uma homotetia central (ou precedida:
comutam pois, sendo L linear, L(kx) = kL(x)).
2. A forma geral de f é f = Ta LD(0, k), com L 2 O(n), isto é, f é uma homotetia
central seguida de uma isometria (de acordo com o tipo dessa isometria, f diz-se,
também, directa ou inversa)
3. f fica completamente determinada pelas imagens de n + 1 pontos independentesafim e se fa0 , a1 , a2 , ..., an g e fb0 , b1 , b2 , ..., bn g são dois conjuntos de n + 1 pontos
independentes de Rn , com d(ai , aj ) = kd(bi , bj ) para 0 ∙ i, j ∙ n, existe f 2
Sim(Rn ), única, tal que f ai = bi para 0 ∙ i ∙ n.
Relativamente ao pontos 1. e 2. do teorema, note-se que em dimensão dois, D(0, k)L
se representa matricialmente por
¸ ∙
¸
∙
¸∙
ka11 §ka12
k 0
a11 §a12
=
a12 ¨a11
ka12 ¨ka11
0 k
com a211 + a212 = 1, logo f 2 Sim(Rn ) representa-se por uma matriz 3 £ 3:
¸
32 3
2 ∙
b1
c11 §c12
x
c12 ¨c11
b2 5 4 y 5
fˆ (x, y, 1) = 4
0 0
1
1
com c211 + c212 = k2 .
Exercício 38 Dê uma prova do teorema anterior.
Exercício 39 Se f 2 Sim(Rn ), por 2. do teorema anterior, f é uma homotetia central
seguida de uma isometria; diga se também se pode representar f como uma isometria
seguida de uma homotetia central.
A classificação das similitudes de R2 , análoga à das isometrias, baseia-se no seguinte
facto:
13
Teorema 40 Uma similitude que não tem nenhum ponto fixo, é uma isometria.
Quer isto dizer que se uma similitude tem razão k 6= 1, então tem necessariamente um
ponto fixo, que por razões óbvias será único.
Antes de provar o teorema vamos proceder à classificação das similitudes de R2 . Seja
f 2 Sim(R2 ) e k a sua razão. Se k = 1, então f é uma isometria, de um dos cinco
tipos anteriormente descritos na classificação dessas transformações. Se k 6= 1, seja C o
ponto fixo de f ; consideremos a composta de f com a homotetia de centro C e razão 1/k,
g = D(C, 1/k)f . Como g tem razão k0 = 1, é uma isometria e tendo C como ponto fixo
ou é a identidade, g = id, ou uma rotação de centro C, g = R(C, α), ou uma reflexão
numa recta por C, g = Rl , C 2 l (as translações e as reflexões deslizantes não têm pontos
fixos). Correspondentemente temos que f = D(C, k)g é um esticão de centro C, ou uma
rotação esticada (de centro C) ou uma reflexão esticada (em C). Resumindo, temos os
seguintes tipos de similitudes:
1. Isometrias (de cinco tipos)
2. Esticões (homotetias)
3. Rotações esticadas
4. Reflexões esticadas.
1a prova do teorema:
Seja α : Rn ¡! Rn uma similitude de razão k 6= 1. Sem perda de generalidade (s.p.g.)
supomos k < 1 (caso contrário trabalhamos com a inversa de α: um ponto fixo de α é um
ponto fixo de α−1 ). Considerando um ponto arbitrário, P0 , escrevemos Pn = αn (P0 ), a
sucessão obtida por aplicação sucessiva de α. Vamos ver que esta sucessão é convergente:
Pn ¡! P . O ponto limite, P , será então o ponto fixo de α: como α é uma aplicação
contínua ( é mesmo uniformemente contínua), α(Pn ) ¡! α(P ); mas α(Pn ) = Pn+1 ¡! P ,
logo P = α(P ). Como Rn é completo basta ver que (Pn )n∈N é sucessão de Cauchy. Fixe-se
m arbitrário; para n = m + r temos
kPm ¡ Pn k ∙
∙ kPm ¡ Pm+1 k + kPm+1 ¡ Pm+2 k + kPm+2 ¡ Pm+3 k + ¢ ¢ ¢ + kPn−1 ¡ Pn k =
= kPm ¡ Pm+1 k + k kPm ¡ Pm+1 k + k2 kPm ¡ Pm+1 k + ¢ ¢ ¢ + kr kPm ¡ Pm+1 k =
= (1 + k + k2 + ¢ ¢ ¢ + kr ) kPm ¡ Pm+1 k
logo, para qualquer n > m
̰ !
X
kPm ¡ Pn k ∙ kPm ¡ Pm+1 k
ki = kPm ¡ Pm+1 k
i=0
1
1¡k
Por outro lado,
lim kPm ¡ Pm+1 k = lim km kP0 ¡ P1 k = 0
m→∞
m→∞
porque 0 < k < 1. Logo, dado > 0, existe p 2 N tal que m, n ¸ p =) kPm ¡ Pn k < ,
isto é, a sucessão é de Cauchy ¥
14
Exercício 41 Verifique os detalhes desta prova.
A segunda prova que vamos dar é menos geral, feita apenas em dimensão 2, mas é
mais geométrica e mais rica pois traz, e usa, informação adicional sobre as transformações
do plano chamadas dilatações.
Definição 42 Uma aplicação α : R2 ¡! R2 diz-se uma dilatação se é bijectiva e para
toda a recta l/a sua imagem por α é uma recta paralela: l k α(l).
Como veremos as dilatações formam um subgrupo Dil(R2 ) = D(R2 ) ∙ S(R2 ). É claro
que as homotetias D(C, k) são dilatações: as rectas por C são enviadas nelas próprias;
para as que não passam por C, e baseando-nos na figura seguinte:
P'
P
Q'
Q
C
R
Sendo P 0 = α(P ) e Q0 = α(Q), temos, designando por XY o comprimento do segmento
XY , que
CP 0 = kCP , CQ0 = kCQ , P 0 Q0 = kP Q
portanto temos semelhança dos triângulos, ∆CP Q » ∆CP 0 Q0 , logo ]CP Q = ]CP 0 Q0 e
Ã!
Ã! á!
então as duas rectas P Q , P 0 Q0 são paralelas, fazendo, com a recta CQ ângulos alternos
internos iguais.
É claro que um meio-giro, R(C, π) é também uma dilatação. Logo um esticão com
meio-giro, R(C, π)D(C, k) = D(C, k)R(C, π), que também se indica por D(C, ¡k), é uma
dilatação. Finalmente as translações Ta são dilatações e como veremos de seguida são
estas as únicas dilatações.
Consideremos dois segmentos de recta paralelos, AB k A0 B 0 . Se existir uma dilatação
δ com δ(A) = A0 e δ(B) = B 0 temos:
Dado P não colinear com A e B, P 0 = δ(P ) será determinado pela intersecção da
Ã!
paralela a AP por A0 com a paralela a BP por B 0 . Se Q está na recta AB, Q0 = δ(Q)
á!
Ã!
é determinado pela intersecção da recta paralela a P Q por P 0 = δ(P ) com a recta A0 B 0 .
Portanto a imagem de cada ponto é completamente determinada pelas imagens A0 e B 0
15
de A e B, respectivamente.
Q'
P
A
A'
B'
B
Q
P'
Concluimos assim que existe no máximo uma dilatação δ com δ(A) = A0 e δ(B) = B 0 .
Por outro lado, como AB k A0 B 0 , a translacção TA0 −A que leva A em A0 , seguida do
esticão de centro A0 (simples ou com meio-giro, se necessário) que leva TA0 −A B em B 0 é
tal dilatação. Provámos, assim o seguinte teorema:
Teorema 43 Se AB k A0 B 0 , existe uma única dilatação, δ tal que δ(A) = A0 e δ(B) = B 0 .
Ã!
Note-se que se δ é uma dilatação e δ(A) = A0 , a recta AA0 é invariante por δ, porque
Ã!
Ã!
as duas rectas AA0 e δ(AA0 ) são paralelas, por definição de dilatação, e como têm um
ponto comum, A0 , são coincidentes.
Seja α uma dilatação diferente da identidade; existe uma recta l tal que l e l0 = α(l)
são rectas distintas e paralelas.
A'
A
l'
l
Sejam A, B pontos de l e A0 , B 0 as suas imagens por α.
Ã! á!
Se AA0 k BB 0 então AA0 BB 0 é um paralelogramo e portanto TA0 −A leva A em A0 e B
Ã! á!
em B 0 . Pelo teorema anterior, α = TA0 −A . SeAA0 ∦ BB 0 seja C o ponto de intersecção de
Ã! á!
Ã!0 á!0
AA e BB (figura seguinte). Como AA0 e BB 0 são invariantes por α, C é ponto fixo de
16
α. Por semelhança de triângulos, CA0 /CA = CB 0 /CB, logo existe um esticão de centro
C (com meio-giro na situação da esquerda da figura), δ = D(C, §k), que envia A em A0
e B em B 0 .
A
A
B'
A'
C
B
C
A'
B
B'
De novo pela unicidade, α = δ. Acabámos, assim, de provar a seguinte classificação de
Dil(R2 )
Teorema 44 Uma dilatação é uma translação ou um esticão (simples ou com meio-giro).
Podemos agora passar à segunda prova, estabelecendo primeiro o seguinte lema:
¡!
Lema 45 Consideremos a recta pelos pontos A e B, com uma orientação fixada, AB.
Definimos, para um segmento de recta arbitrário, XY , a distância dirigida XY por XY
¡¡!
= § kY ¡ Xk conforme a orientação do segmento XY coincide ou não com a orientação
fixada; é claro que XY = ¡Y X e para todo o ponto C, AC/CB é independente da
orientação fixada.
Se y 6= ¡1 existe um único ponto P 6= B na recta, tal que AP /P B = y; reciprocamente
para todo P 6= B, AP /P B 6= ¡1 e AP /P B > 0 se e só se P está entre A e B.
Exercício 46 Prove o lema anterior ( sugestão: existe uma correspondência natural entre
Ã!
os pontos da recta AB e R dada pela parametrização A + x(B ¡ A) = (1 ¡ x)A + xB)
2a prova do teorema:
Seja α 2 S(R2 ) ¡ I(R2 ); Sem perda de generalidade (spg) α não é uma dilatação, logo
existe uma recta l tal que l ∦ α(l) = l0 . Sejam A = l \ l0 e A0 = α(A); spg A 6= A0 ; seja
m uma recta por A0 paralela a l e m0 = α(m). Então m0 k l0 porque uma similitude (ou
mais geralmente uma aplicação afim injectiva) envia rectas paralelas em rectas paralelas.
Sejam B = m \ m0 e B 0 = α(B); spg B 6= B 0 . Com referência à figura seguinte
Ã! á!
spg AB ∦ A0 B 0 , caso contrário AA0 B 0 B seria um paralelogramo e portanto A0 B 0 = AB
e α seria uma isometria. Logo existe um ponto P na intersecção das duas rectas. Por
semelhança de triângulos, AP/P B = A0 P/P B 0 ; por outro lado, se α tem razão k e
P 0 = α(P ), AP/P B = kAP/kP B = A0 P 0 /P 0 B 0 ; logo A0 P/P B 0 = A0 P 0 /P 0 B 0 ; como
á!
á!
P, P 0 = α(P ) 2 A0 B 0 , passando a distâncias dirigidas em A0 B 0 , e fixando uma qualquer
orientação já que estamos a considerar os quocientes, temos que A0 P /P B 0 = A0 P 0 /P 0 B 0
logo, pela unicidade estabelecida no lema, P 0 = P ¥
17
B'
B
P
l
m'
B'
m
l'
A
3.1
A'
Exercícios de revisão e aplicação...
1. Diga quais são as similitudes cujo quadrado é uma dilatação. Justifique devidamente.
2. Determine todos os pontos fixos e rectas invariantes de Rm D(A, 2) em que ∆ABC
Ã!
é equilátero e m = BC.
3. Determine o ponto P para o qual um esticão de centro P , D(P, k) tem equações
x0 = ¡2x + 3 , y 0 = ¡2y ¡ 4.
4. Mostre que duas quaisquer parábolas são semelhantes.
5. Quais são os pontos fixos e as rectas invariantes de uma reflexão esticada? Quais
são os pontos fixos e as rectas invariantes de uma rotação esticada?
6. Dados dois pontos distintos A e B, esboce o conjunto de todas as rectas invariantes
por D(B, 3)D(A, ¡2).
7. Classifique e descreva as seguintes similitudes:
(a) f dada por f (x, y) = (3x + 7, 3y ¡ 5)
(b) g dada por g(x, y) = (3x + 5y + 2, tx ¡ 3y) em que t deve ser determinado.
8. Se α é uma similitude tal que α(0, 0) = (1, 0), α(1, 0) = (2, 2), α(2, 2) = (¡1, 6)
determine α(¡1, 6).
9. Dê uma prova ou apresente um contra-exemplo para cada uma das afirmações
seguintes:
18
(a) Dilatações α e β ,diferentes da identidade,comutam sse são translações.
(b) Há exactamente duas dilatações que enviam o círculo C no círculo C 0 .
10. Dado um triângulo agudo (i.e. acutângulo), ∆ABC, construa o quadrado inscrito no
triângulo que tem um lado em AB (Sugestão: todos os quadrados são semelhantes...)
11. Investigue a seguinte questão: porque é que o arco-íris é um arco? É um arco de
círculo? (Note que é um fenómeno físico, logo será necessário começar por perceber
a sua explicação física...)
4
Transformações afim de R2
É possível fazer também, em dimensão 2, não uma classificação, mas uma caracterização interessante das transformações afim, isto é, aplicações afim injectivas. Recorde,
da subsecção 1.1, que uma transformação afim de Rn será do tipo f = Tb L em que
L 2 GL(n, R) é um isomorfismo linear. O conjunto das transformações afim é um grupo,
Afim(Rn ) = A(Rn ) de que as isometrias e similitudes são subgrupos:
Isom(Rn ) ∙ Sim(Rn ) ∙ Afim(Rn )
Exercício 47 Verifique que Afim(Rn ) é de facto um grupo.
No caso de R2 podemos representar f 2 A(R2 ) de forma análoga
similitudes por uma matriz 3 £ 3: se f = Tb L, b = (b1 , b2 ), temos
¸
2 ∙
3
2
a11 a12
b1
a21 a22
b2 5 com jAj 6= 0 e fˆ(x, y, 1) = A 4
A=4
0 0
1
às isometrias e
3
x
y 5
1
É claro, da definição e da subsecção 1.1, que dados dois triângulos ∆ABC e ∆A0 B 0 C 0
existe uma e uma só transformação afim que envia um triângulo no outro, seguindo aquela
ordem dos vértices.
Exercício 48 Verifique a afirmação anterior.
Definição 49 Uma transformação diz-se equiafim se é afim e preserva as áreas.
Dada uma transformação afim f = Tb L com matriz A, como em cima, então f é
equiafim sse jAj = 1: na verdade as áreas das imagens por uma transformação afim são
destorcidas pelo factor jAj: se o ∆P QR tem área S, então f (∆P QR) tem área jAj S.
Exercício 50 Verifique a afirmação.
Há dois tipos especiais de transformações afim do plano, "shears"e "strains" que
passamos a descrever.
19
Exercício 51 Escolha traduções adequadas para "shears"e "strains" (por adequadas entendase simples e sugestivas: melhores do que "rotação axial"ou "esticão axial"que são nomes
que as descrições abaixo podem sugerir...): as melhores serão depois escolhidas para substituir, no futuro, estas duas palavras que por agora vou continuar a usar!
Um shear, Sm , com eixo a recta m é a aplicação afim que fixa m e envia um ponto P
em P 0 tal que P P 0 k m. As figuras seguintes representam esta transformação:
P
m
P'
m
Um strain, T̂m (poderemos escrever apenas Tm se o contexto não permitir confusão
com a notação para translações...) com eixo a recta m é a aplicação afim que fixa m
e envia um ponto P em P 0 tal que P P 0 ? m. As figuras seguintes representam esta
transformação;
Para um shear Sm com m o eixo dos xx, como na representação gráfica anterior e que
indicamos por Sx , temos as seguintes equações : x0 = x + ky , y 0 = y, a que corresponde
a representação matricial
2
3
1 k 0
4 0 1 0 5
0 0 1
Analogamente, para um strain T̂x , com eixo xx (note que a representação gráfica
seginte é de T̂y ) temos
2
3
1 0 0
4 0 k 0 5
0 0 1
20
f ( θ) = 2
8
6
4
m
P
2
- 10
-5
5
10
-2
-4
-6
-8
f( θ) = 2
8
6
4
m
P'
2
-6
-4
-2
2
4
6
-2
-4
-6
-8
Em geral a representação matricial de Sm ou de T̂m pode ser obtida através de Sm =
SSx S −1 (ou Tm = STx S −1 ) em que S representa uma isometria directa enviando xx em
m. Note-se que no caso particular de ser k = ¡1 temos que Tm é a reflexão Rm .
Exercício 52 Escreva a representação matricial para Sy e T̂y .
Temos agora a caracterização das transformações afim de R2 :
21
Teorema 53 Toda a transformação afim se pode escrever como o produto de um shear,
Sx , um strain, Tx , e uma similitude directa.
Prova.
3 2
32
32
3
2
1 0 0
1 j 0
a11 a12 b1
a11 ¡a21 b1
A = 4 a21 a22 b2 5 = 4 a21 a11 b2 5 4 0 k 0 5 4 0 1 0 5
0
0 1
0
0
1
0 0 1
0 0 1
(a11 a22 ¡ a12 a21 )
(a11 a12 + a21 a22 )
,k=
, não nulos porque jAj 6= 0
com j =
2
2
(a11 + a21 )
(a211 + a221 )
Exercício 54 Verifique a prova anterior.
Exercício 55 Mostre que um um shear, Sx , se pode escrever como um produto de similitudes e strains.
Pelo último exercício e pelo teorema anterior temos
Teorema 56 Toda a transformação afim se pode escrever como um produto de strains e
similitudes
(Na verdade vale um resultado mais geral: o produto de um strain e uma similitude)
Exercício 57 Consegue provar a versão mais geral do teorema?
Por outro lado uma similitude é o produto de uma isometria e de uma homotetia
(de centro 0); uma isometria é um produto de (não mais do que três...) reflexões, que
são strains, e uma homotetia é o produto de Ddois strains. Temos, assim, a seguinte
caracterização das transformações afim:
Teorema 58 Uma transformação afim é um produto de strains.
4.1
Exercícios de revisão e aplicação...
1. Determine as equações (ou a matriz) de uma transformação afim que envie os pontos
P (1, ¡1), Q(2, 1), R(3, 0) em P 0 (0, 1), Q0 (1, 2), R0 (0, 3) respectivamente.
2. Se P = (¡2, ¡1), Q = (1, 2) e R = (3, ¡6), qual é a área do ∆P QR? Quais são
as áreas das imagens de ∆P QR pelas transformações αk e β k definidas no exercício
seguinte?
3. Para um dado k, determine todos os pontos fixos e rectas fixas pelas transformações
αk e β k que têm equações, respectivamente
½ 0
½ 0
x = kx
x = x + ky
e
y0 = y
y0 = y
22
4. Mostre que fαk : k 6= 0g e fβ k g, αk e β k definidas no exercício anterior, formam
grupos abelianos.
5. Determine as equações (a matriz) de
(a) Um shear com eixo y = x.
(b) Um strain com eixo x = 5.
(c) um strain de razão k e com eixo y = mx
6. Mostre que uma homotetia D(C, k) é o produto de dois strains.
7. Diga, justificando, se as seguintes afirmações são verdadeiras ou são falsas:
(a) Uma transformação afim fica determinada pelas imagens de três pontos dados.
(b) Se ∆ABC »
= ∆DEF , existe uma única transformação afim α tal que α(A) =
D, α(B) = E e α(C) = F .
(c) Se ∆ABC » ∆DEF , existe uma única transformação afim α tal que α(A) =
D, α(B) = E e α(C) = F .
(d) Dados dois triângulos, ∆ABC e ∆DEF , existe uma única transformação afim
α tal que α(∆ABC) = α(∆DEF ).
(e) Strains e shears são equiafins.
(f) Um shear é um produto de strains e similitudes.
(g) Uma transformação afim é um produto de strains e similitudes.
(h) Uma transformação afim é um produto de strains e isometrias.
(i) Uma homotetia é um produto de strains; um strain é um produto de homotetias.
8. Suponha que uma transformação afim é o produto de um strain e uma similitude (ver
exercício que segue um teorema anterior...). Mostre que, então, uma transformação
afim é o produto de dois strains com eixos perpendiculares e uma isometria (Que os
eixos perpendiculares não podem ser escolhidos arbitrariamente, vê-se no exercício
seguinte).
9. Mostre que o shear de equações x0 = x + y e y 0 = y , não é o produto de strains com
eixos os eixos coordenados seguidos de uma isometria.
10. Mostre que os shears não formam um grupo (e os strains?)
11. Prove as seguintes afirmações ou as suas negações:
(a) Os shears geram o grupo Af im(R2 ).
(b) Uma similitude equiafim é uma isometria.
(c) Uma transformação afim involutiva é uma reflexão ou um meio-giro.
23
4.2
Colineações
Sabemos da definição de aplicação afim (subsecção 1.1) que uma transformação afim ,
α 2 Afim(Rn ), envia rectas em rectas: se l é uma recta, então l0 = α(l) é também
uma recta (não degenerada...): α é, por isso, o que chamamos uma colineação (por que
preserva a colinearidade). Haverá outras colineações para além das transformações afim?
Pode-se mostrar que a resposta é não:
Teorema 59 se α 2 Bij(Rn ) é uma colineação então α 2 Afim(Rn ).
Podemos ver que o problema se reduz, sem dificuldade, ao caso de dimensão 2. Se
α 2 Bij(Rn ) é uma colineação e α(0) = A, então L = T−A α é também uma colineação e
L(0) = 0; basta mostrar que L é linear:
L(λa + µb) = λL(a) + µL(b) , 8a, b 2 Rn , 8λ, µ 2 R
Sejam a, b 2 Rn , arbitrários; Seja V = ha, bi o subespaço de dimensão dois gerado pelos
dois vectores e V 0 = L(V ). V 0 é também um subespaço de dimensão dois, gerado por
Ã
!
a0 = L(a) e b0 = L(b): como, por hipótese, L é uma colineação, a recta l = 0a é enviada
Ã
!
Ã
!
na recta l0 = 0a0 (o subespaço de dimensão 1 gerado por a0 ) e a recta m = 0b na recta
Ã
!
m0 = 0b0 (o subespaço de dimensão 1 gerado por b0 ). Dado 0 6= c0 2 V 0 seja c o ponto
de V tal que L(c) = c0 ; como c 6= 0, existe uma recta n ,por c, que intersecta l [ m
em dois pontos e então c0 2 n0 = L(n) que é uma recta que intersecta l0 [ m0 em dois
pontos; reciprocamente se c0 está numa recta por dois pontos de l0 [ m0 então c0 2 V 0 .
Concluimos então que V 0 consta da união de todas as rectas que passam por pontos de
l0 [ m0 e portanto V 0 = ha0 , b0 i. Seja g um isomorfismo linear de Rn que envie V 0 em
V ; então gL é ainda uma colineação cuja restrição a V , f = gL|V , é uma colineação de
V ; supondo provado o teorema em dimensão 2, temos então que f é linear e portanto
L|V = g−1 f : V ¡! Rn é também linear logo L(λa + µb) = λL(a) + µL(b) , 8λ, µ 2 R.
Exercício 60 Estude e prepare uma exposição de uma prova do teorema em dimensão
dois (consultando, por exemplo, [4, Capítulo15] : note que a definição de aplicação afim
aí dada coincide com a nossa de colineação, mas, como verá, é apenas uma questão de
palavras...)
5
Grupos de simetria - introdução
Seja X ½ Rn . f 2 Isom(Rn ) diz-se uma simetria de X se deixa X invariante: f (X) = X.
O conjunto das simetrias de X, S(X), é um grupo. Em geral consideramos apenas
subconjuntos X ½ Rn que contêm n+1 pontos independentes afim, porque nesse caso, e
só nesse, S(X) coincide (isto é: é isomorfo) com o grupo Isom(X).
Exercício 61 Justifique a afirmação anterior.
24
Exercício 62 Seja l ½ R2 uma recta; Mostre que S(l) ∙ I(R2 ) contém um subgrupo
normal com dois elementos cujo quociente é isomorfo a I(l) ' I(R). Conclua que S(l)
não é isomorfo a I(l) ' I(R)
Exercício 63 Seja X = f(x, 0) : x 2 Rg[f(0, y) : kyk ∙ 1g. Mostre que S(X) é isomorfo
ao grupo de Klein, S(X) ' Z2 © Z2 , descrevendo, em particular, os três elementos não
nulos.
5.1
Polígonos regulares
Um exemplo natural a analisar é o dos polígonos regulares: seja Pn ½ R2 um polígono
regular com n lados; spg podemos supôr que o centroide de Pn (o centro do círculo
circunscrito) é a origem das coordenadas e que um dos vértices está no semi-eixo positivo
dos xx (ver figuras seguintes)
Exercício 64 Explique o sentido preciso da afirmação anterior, mostrando que S(Pn ) é
conjugado a S(Pn0 ), em que Pn0 é um polígono de n lados na posição particular descrita.
A primeira observação é que Pn é claramente invariante por ρ = R(0, 2π/n) e por
σ = Rx (reflexão no eixo dos xx), isto é, ρ, σ 2 S(Pn ). Note-se que ρn = σ 2 = 1; é claro
que, em S(Pn ), temos n rotações distintas, fρ, ρ2 , ..., ρn g = hρi e também n simetrias
inversas distintas, ρσ, ρ2 σ, ..., ρn σ: temos assim, pelo menos, 2n simetrias distintas de Pn .
8
6
4
B
2
A
10
5
5
10
2
4
6
8
Por outro lado, se escolhermos uma das arestas de Pn , digamos AB, uma simetria
s 2 S(Pn ) fica completamente determinada pela imagem de AB, que será também uma
aresta de Pn ; temos n escolhas possíveis para a imagem do vértice A e, para cada uma
dessas, duas escolhas possíveis entre os vértices adjacentes a s(A), para a imagem de B.
25
8
6
4
B
2
A
10
5
5
10
2
4
6
8
Temos portanto precisamente 2n simetrias de Pn , que são as que acabámos de descrever.
Ao grupo de simetrias do polígono regular de n lados chamamos grupo diedral (de 2
geradores) e designámo-lo por Dn ; este grupo contém, como subgrupo, o grupo cíclico de
ordem n: Cn = hρi ' Zn .
Em termos de apresentações (finitas) de grupos (ver [2]) temos:
−
®
Dn = ρ, σ j ρn , σ 2
Cn = hρ, j ρn i
Note-se que nos casos n = 1 e n = 2, que não correspondem a grupos de simetria de
polígonos regulares, temos também
−
®
D1 = σ j σ 2 ' C2 ' Z2
®
−
D2 = ρ, σ j ρ2 , σ 2 ' Z2 © Z2
Estes são ainda grupos de simetria de figuras do plano: os triângulo isósceles não equiláteros e os rectângulos não quadrados.
Os grupos cíclicos, Cn , n ¸ 1, são também grupos de simetria de certas figuras:
Exercício 65 Dê exemplo, para cada n ¸ 1, de uma figura F ½ R2 (se possível, e por
razões estéticas, um polígono convexo) tal que S(F ) ' Cn .
Dois casos de grupos diedrais que destacamos são D3 , D4 e D5 , os grupos de simetria
respectivamente do triângulo equilátero, do quadrado e do pentágono: no caso de D3 ,
o argumento anterior que usámos para ver que temos precisamente 2n elementos em
26
Dn , mostra que D3 é naturalmente isomorfo ao grupo das permutações dos vértices do
triângulo que é o grupo simétrico S3 . O grupo D4 , também chamado grupo óctico é um
dos três grupos (a menos de isomorfismo...) não abelianos com oito elementos. D5 é único
(a menos de isomorfismo...) grupo não abeliano de ordem 10.
Exercício 66 Descreva os elementos de D3 , D4 e D5 , em termos de reflexões e rotações
de I(R2 ) e exprima-os como produtos dos dois geradores, ρ e σ. Identifique em D3 ' S3
o (sub)grupo alterno, A3 . Determine os centros destes grupos diedrais.
5.2
Grupos finitos de isometrias do plano
O que é interessante é que os dois tipos de grupos de simetria dos polígonos esgotam os
possíveis tipos de subgrupos finitos de I(R2 ). É isso que afirma o teorema de Leonardo
(da Vinci: ver [4, §8.2]):
Teorema 67 (Leonardo) Todo o subgrupo finito de I(R2 ) é cíclico ou diedral.
Prova. Seja G ∙ I(R2 ), finito e seja a 2 R2 , arbitrário. A órbitaPde a, Orb(a) =
1
Ga = fga : g 2 Gg, é finito, digamos com n elementos; seja c =
g∈G n ga o centroide dos n pontos da órbita. Dado g 2 G, arbitrário, como g sendo isometria é aplicação afim, respeita a combinação linear anterior; mas como, por definição de órbita,
g(Orb(a)) = Orb(a), temos que g(c) = c, isto é, c é fixado por todas as isometrias de G.
Da classificação das isometrias sabemos que se g(c) = c, então g é uma rotação em torno
de c ou uma reflexão numa recta por c. O subgrupo de G das isometrias directas, Gd ,
consiste então num número finito de rotações de centro c. É fácil provar que Gd é cíclico,
gerado pela rotação ρ de menor ângulo: Gd = hρi = fρ, ρ2 , ..., ρn = 1g. Se G = Gd ' Cn
então G é cíclico; caso contrário contém m reflexões em rectas por c; seja σ uma dessas
reflexões: é fácil ver que n = m e portanto que ρ e σ geram G, isto é, G ' Dn .
Exercício 68 Complete os detalhes da prova anterior, mostrando que Gd é cíclico e justificando a última afirmação.
O exercício seguinte dá um argumento alternativo ao do centroide da prova anterior,
para a existência do ponto fixo c.
Exercício 69 Seja G ∙ I(R2 ). Mostre que G é infinito se contém uma rotação (não
trivial) em torno de um ponto a e uma reflexão Rl tal que a 2
/ l. Mostre então que G é
infinito se contém reflexões em três rectas não concorrentes. Conclua que se G é finito,
então existe um ponto fixo por todas as isometrias de G.
5.2.1
Exercícios de revisão e aplicação...
1. Diga se as seguintes afirmações sobre subgrupos de I(R2 ) são ou não verdadeiras:
(a) Um grupo que de isometrias com ordem 35 tem de ser cíclico.
(b) Todo o grupo de isometrias finito é grupo de simetria de algum polígono.
27
(c) Todo o grupo de isometrias finito é grupo de simetria de algum polígono regular.
(d) Se um grupo de isometrias directas é finito, então é cíclico.
(e) Se um grupo de isometrias directas é cíclico e tem um ponto fixo então é finito.
2. Descreva os grupos finitos de isometrias tais que cada elemento do grupo fixa uma
dada recta l. Descreva os grupos finitos de isometrias tais que cada elemento do
grupo fixa um dado ponto P .
3. Liste todos os grupos de simetria que são grupos de simetria de quadriláteros e para
cada um desses grupos esboçe um quadrilátero do qual ele seja grupo de simetria.
4. Se um polígono de n lados tem grupode simetria C4 , o que pode afirmar sobre n?
5.3
Acções de grupos - noções gerais
Os grupos de simetria S(X), X ½ Rn , constituem um dos exemplos mais interessantes e
úteis da noção de acção de grupo, de que damos agora a definição e propriedades gerais.
Dado um grupo G e um conjunto X, uma acção de G sobre X é uma função
¤ : G £ X ¡! X
(g, x)
¡! g ¤ x
que verifica as seguintes propriedades (por facilidade de notaçãoD, indicamos simplesmente a acção por justaposição: g ¤ x = gx) : sendo e o elemento neutro de G
1.
ex = x, 8x 2 X
2.(g1 g2 )x = g1 (g2 x), 8x 2 X, 8g1 , g2 2 G
Diz-se que G age em X e que X é um G-conjunto (G-cjt).
Para cada g 2 G, temos definida uma função fg : X ¡! X definida por fg (x) = gx.
Dar uma acção de G em X equivale a dar uma família de funções, indexada por G,
ffg : X ¡! Xgg∈G tal que a composição de funções corresponde ao produto em G:
fe = idX
fab = fa ± fb , 8a, b 2 G
No caso de X ser um espaço métrico e G ∙ Isom(X), como o produto em G é dado
pela composição de funções e o elemento neutro é idX , temos naturalmente uma acção
de G em X em que a cada g 2 G associamos a função de X em X que é o próprio g:
fg (x) = g(x) = gx (neste caso a simplificação de notação por justaposição coincide com a
que já introduziramos para abreviar a notação para as imagens por uma função). Outro
exemplo útil e análogo é o de subgrupos de homeomorfismos: G ∙ Homeo(X).
Dado um G-cjt X, a relação » definida em X por x » y , 9g 2 G : gx = y é uma
relação de equivalência;
Exercício 70 Prove a afirmação anterior.
28
As classes de equivalência, [a], para esta relação dizem-se as órbitas da acção e temos
para cada a 2 X, [a] = Orb(a) = Ga = fga : g 2 Gg (O nome de órbita tem um
sentido dinâmico e vem precisamente dos exemplos de acções por grupos de isometrias
ou de homeomorfismos, em que a órbita de um ponto consiste das suas imagens pelas
isometrias, ou homeomorfismos, do grupo)
Dado x 2 X, definimos o subgrupo de isotropia (ou estabilizador) de x como o conjunto
dos elementos de G que fixam x na acção: Stab(x) = Gx = fg 2 G : gx = xg
Exercício 71 Verifique que Stab(x) = Gx é de facto um subgrupo de G.
Exercício 72 Seja X um G-cjt, G finito. Mostre que para cada x 2 X, o número de
elementos da sua órbita é igual ao índice do seu estabilizador: jGxj = [G : Gx ].
Exercício 73 Dê exemplo de um G-cjt X e de x 2 X tal que Stab(x) não seja subgrupo
normal (sugestão: use D4 )
Vamos estudar de seguida grupos de simetria e acções de grupo no espaço tridimensional, mas antes precisamos, tal como para o plano, de ter uma classificação das isometrias.
6
Isometrias de R3
Recorde-se, da secção 1, que uma isometria f 2 I(R3 ) se pode escrever como produto
de, no máximo, 4 reflexões RH em (hiper)planos H. Vamos começar por descrever sete
tipos de isometrias de R3 e só depois provar que esses sete tipos esgotam de facto todas
as possibilidades:
1. Translações
2. Rotações: seja l uma recta orientada em R3 ; R(l, α) designa a rotação de eixo l
e ângulo α, que fixa l e roda cada plano ortogonal a l e orientado com l de acordo
com a regra do saca-rolhas, em torno do ponto de intersecção de um ângulo α. É
claro que se l0 designa a recta l com a orientação oposta, R(l, α) = R(l0 , ¡α). No
caso de l ser o eixo dos zz, R(l, α) 2 SO(3) e tem matriz
2
3
cos α ¡ sin α 0
4 sin α cos α 0 5
0
0
1
3. Parafusos: são as compostas Ta R(l, α) = R(l, α)Ta em que a k l.
Exercício 74 Na definição de parafuso dada, a k l. Mostre que, em geral, a composição Ta R(l, α) é um parafuso, excepto se a ? l, caso em que é ainda uma rotação
R(m, α) com m k l.
29
4. Reflexões: RH , H um plano.
5. Reflexões deslizantes: são as compostas Ta RH = RH Ta , em que a k H.
Exercício 75 Na definição anterior, a k H. Mostre que, em geral, Ta RH é uma
reflexão deslizante, excepto se a ? H, caso em que é uma reflexão, RH 0 . com
H 0 k H. O que acontecerá no caso geral com RH Ta ?
6. Reflexões rotativas: são as compostas RH R(l, α) = R(l, α)RH , em que l ? H.
Um caso particular importante é quando α = π; nesse caso, esta isometria também
se chama Inversão no ponto a = l \ H, com notação Ia : envia cada ponto b no
ponto c tal que a é ponto médio do segmento bc. Quando a = 0, então Ia 2 O(3)
e tem matriz diagonal com os elementos da diagonal todos iguais a ¡1. A inversão
em a é o produto das reflexões em três quaisquer planos mutuamente ortogonais
cuja intersecção seja esse ponto.
Exercício 76 Prove a última afirmação (pode talvez usar a fórmula para a reflexão
num (hiper)plano, deduzida num exercício anterior)
6-a Uma Inversão Rotativa é a composta de uma rotação de eixo l e de uma
inversão num ponto a 2 l. Claro que temos R(l, α)Ia = Ia R(l, α).
Exercício 77 Mostre que toda a inversão rotativa é uma reflexão rotativa (incluindo o caso particular das reflexões como reflexões rotativas de ângulo 0) e vice
-versa.
Exercício 78 Na definição de reflexão rotativa exigimos que l ? H. Mostre que,
em geral, desde que l 6½ H (seja ou não ortogonal), RH R(l, α) é ainda uma reflexão
rotativa. E R(l, α)RH ? E o que acontecerá no caso em que l ½ H ?
Note-se que destas isometrias, as três primeiras são isometrias directas e as outras
inversas.
Teorema 79 Toda a isometria de R3 é de um dos seis tipos anteriores.
Exercício 80 Prove o teorema anterior, analisando os vários casos de acordo com o
número mínimo de reflexões em planos necessários para escrever as isometrias f 2
I(R3 )(Sugestão: no caso de termos quatro reflexões, distinga dois casos: f ter ou não
um ponto fixo; se f tem um ponto fixo então escreve-se como o produto de no máximo
três reflexões, mas como estamos a supor que f é directa então será o produto de duas
reflexões; se f não tem um ponto fixo, considere Ta f com um ponto fixo...)
30
Note-se que entre as isometrias directas descritas, apenas as rotações têm pontos fixos,
que constituem o eixo, isto é, se uma isometria directa de R3 tem um ponto fixo então
tem uma recta fixa; este facto é frequentemente referido dizendo que "toda a rotação tem
um eixo".
Exercício 81 Mostre que o produto de duas inversões é uma translação e que, reciprocamente, uma translação é o produto de duas inversões em que um dos pontos pode ser
fixado arbitrariamente.
Exercício 82 Mostre que o produto de três inversões é uma inversão e que IA IB IC =
IC IB IA = ID , em que ¤ABCD é um paralelogramo se A, B, C não são colineares.
Exercício 83 Mostre que o produto de duas rotações, R(l, α), R(m, β) é uma rotação ou
translação (quando α + β = 2π), uma rotação ou um parafuso conforme as rectas l e
m são, respectivamente, paralelas, concorrentes ou enviesadas ("Skew"em inglês); mostre
que, reciprocamente, uma translação, uma rotação ou um parafuso se podem obter como
produto de duas rotações de ângulo π ( meios-giros)
6.1
Similitudes de R3
O estudo das similitudes que fizemos no caso de R2 , adapta-se de imediato ao caso de
dimensão 3 para dar uma classificação das similitudes de R3 , a partir da classificação das
isometrias que acabámos de fazer; recordemos que toda a similitude, f 2 Sim(R3 ), se
escreve como f = Ta D(0, k)L, com L 2 O(3) e se 0 < k 6= 1 tem um ponto fixo, que é
único: a primeira prova deste facto dada na secção 3 é válida em todas as dimensões e a
segunda, baseada no conceito de dilatação, pode ser facilmente adaptada ao espaço.
Temos assim, de modo análogo ao de R2 , que uma similitude de R3 que não é uma
isometria, com ponto fixo C, se escreve como D(C, k)g em que g é uma isometria que tem
C como ponto fixo: assim, considerando as isometrias de R3 que têm pontos fixos, somos
conduzidos à seguinte classificação:
1. Isometrias (de seis tipos)
2. Esticões (homotetias): D(C, k)
3. Rotações esticadas: D(C, k)R(l, α) = R(l, α)D(C, k), com C 2 l
4. Reflexões esticadas: D(C, k)RH = RH D(C, k), com C 2 H
5. Reflexões rotativas esticadas: D(C, k)RH R(l, α) = RH R(l, α)D(C, k), com l ? H e
C = l \ H.
5’ Inversões rotativas esticadas , D(C, k)IC R(l, α) como uma "variação"do caso
anterior.
31
Neste caso, podemos dar uma versão mais elegante e simples da classificação em termos
de inversões, já que as reflexões são um caso particular de inversão rotativa, quando a
rotação é um meio-giro: assim toda a similitude que não é uma isometria é um esticão,
uma rotação esticada ou uma inversão rotativa esticada.
Nota: Por vezes define-se um esticão generalizado D(C, s), considerando também
valores negativos de s, por: D(C, s) = IC D(C, ¡s) = D(C, ¡s)IC se s < 0; nesse caso
chamamos simplesmente rotação esticada a D(C, s)R(l, α), englobando então as inversões
rotativas esticadas (é nestes termos que aparece a classificação em [4, §16.2]).
6.2
Exercícios de revisão e aplicação...
1. Considere f : R3 ¡! R3 dada por f (x, y, z) = (1 ¡ y, x + 1, z + 1). Mostre que
f é uma isometria, indicando, em particular, a sua parte ortogonal; classifique e
descreva f indicando, em particular, pontos fixos e rectas invariantes.
2. Idem para f : R3 ¡! R3 dada por f (x, y, z) = (z + 3, y + 2, 1 ¡ x).
3. Mostre que os seis tipos de isometrias de I(R3 ) são de facto diferentes.
4. Diga, justificando, quais das seguintes afirmações são verdadeiras e quais são falsas:
(a) Um produto de quatro reflexões é um produto de duas reflexões.
(b) Uma isometria com três pontos fixos é uma reflexão.
(c) Um produto de duas rotações pode ser um parafuso.
(d) Um produto de dois parafusos pode ser uma rotação.
(e) Um parafuso seguido de uma inversão é outro parafuso.
5. Que isometrias são involuções? Que similitudes são involuções?
6. Uma dilatação é uma colineação α (ver secção 4.2) tal que para toda a recta l,
l k α(l). Diga quais as similitudes que são dilatações.
7. Descreva RH IP quando P 2
/ H.
8. Se α é uma similitude, τ uma translação, σ uma rotação e η um parafuso, então
ατ α−1 é uma translação, ασα−1 uma rotação e αηα−1 um parafuso.
9. Que similitudes comutam com um parafuso?
10. Determine uma condição necessária e suficiente para uma translação T e uma rotação R comutarem.
11. Prove as seguintes afirmações ou as suas negações:
(a) A isometria RH R(l, α) é uma reflexão deslizante sse l k H e l 6½ H.
32
(b) A isometria R(l, α)Ia é uma reflexão deslizante sse a 2
/ l.
(c) Uma rotação R(l, α) deixa invariante o plano H sse l ? H.
(d) Toda a isometria é produto de isometrias de ordem 4.
12. Porque é que um espelho troca direita e esquerda mas não topo e base?
7
Quaterniões e rotações
Entre as isometrias de R3 as rotações têm especial importância: como vimos, todas as
isometrias directas se podem obter como produto de rotações; para além disso são essenciais em certas descrições da Física. As rotações estão intimamente ligadas à estrutura
algébrica dos quaterniões, H (de Hamilton, seu inventor -16/10/1843, embora se saiba que
Gauss já teria descoberto esta estrutura em 1820...). Os quaterniões têm, por isso, muitas
aplicações, em particular em aplicações computacionais para realidade virtual (ver [8]).
Recorde-se que se f é uma isometria directa de R3 tal que f (0) = 0, então f é
uma rotação e f 2 SO(3): as isometrias directas que fixam a origem são precisamente
as rotações, que constituem o grupo SO(3). Já vimos que toda a rotação tem um eixo;
podemos ver de novo esse facto, verificando que se M é matriz de f 2 SO(3) (relativamente
a uma qualquer base ortonormada), isto é, M é ortogonal e det(M) = +1, então λ = +1 é
valor próprio de M e portanto os vectores próprios associados ficam fixos, Mv = λv = v,
constituindo um eixo. Vejamos: como M −1 = M t , temos
det(M ¡ I) = det(M ¡ I) det M t = det((M ¡ I)M t )
= det(I ¡ M t ) = det(I ¡ M)t = det(I ¡ M)
= ¡ det(M ¡ I)
(Como det(¡A) = (¡1)n det A e neste caso n = 3, temos a última igualdade) Então
det(M ¡ I) = 0, ou seja, λ = +1 é valor próprio.
Seja f 2 SO(3) e seja a um vector unitário tal que f a = a (a é portanto um vector
próprio, gerador do eixo da rotação). Se escolhermos uma base ortonormal fa, b, cg a
matriz relativamente a esta base será
2
3
1
0
0
4 0 cos θ ¡ sin θ 5
sin θ cos θ
em que θ é o ângulo de rotação.
Nota: É claro que podemos fazer algo análogo para o caso de f 2 O(3) ser uma
reflexão rotativa, a única diferença sendo um ¡1 em vez do 1 na matriz anterior.
Vejamos, com um exemplo, como se pode determinar o eixo e ângulo de rotação de
uma rotação, encontrando uma representação matricial nesta forma.
33
Exemplo 84 Seja f dada, relativamente à base
2
0 1
4
M= 0 0
1 0
canónica, por
3
0
1 5
0
Verifica-se de imediato que M é ortogonal especial(representa uma rotação obtida simplesmente por permutação dos vectores da base canónica). Para encontrar a unitário tal
que Ma = a:
2
32
3 2
3 2
3
0 1 0
a1
a2
a1
4 0 0 1 5 4 a2 5 = 4 a3 5 = 4 a2 5 , a1 = a2 = a3
1 0 0
a3
a1
a3
Podemos então tomar a = √13 (1, 1, 1) = √13 (i + j + k). Construimosde seguida uma base
ortonormal fa, b, cg: se b = (b1 , b2 , b3 ), a ? b , (1, 1, 1) ? (b1 , b2 , b3 ) , b1 + b2 + b3 = 0;
podemos então tomar b = √12 (1, ¡1, 0); finalmente o terceiro poderá ser c = a £ b =
√1 (1, 1, ¡2). Escrevemos a matriz da transformação relativamente à nova base fa, b, cg.
6
A matriz de mudança de base é
2 1
3
1
1
6
U =4
√
3
√1
3
√1
3
√
2
¡ √12
0
√
6
√1
6
−2
√
6
7
5 = [a j b j c]
A matriz procurada será então U −1 MU = U t MU . Fazendo os cálculos obtemos
2
3
1 0
0
√
3 5
4 0 −1
2
2
√
0 −2 3 −1
2
Comparando com a forma anterior temos: cos θ = ¡1/2 , θ = ¡2π/3.
Nota: Podemos também calcular o valor do ângulo de rotação, através do traço da
matriz dada, tr(M):
tr(M) = 1 + 2 cos θ
De facto tr(BA) = tr(BA), logo tr(U −1 MU) = tr(MUU −1 ) = tr(M) e tr(U −1 MU) =
1 + 2 cos θ. No exemplo, tr(M) = 0, logo cos θ = ¡1/2, como já tinhamos visto.
Nota: Podemos fazer algo análogo para reflexões rotativas, substituindo 1 por ¡1.
Os quaterniões resultam de se adicionar ao espaço vectorial real R4 , com a sua soma
usual de vectores, um produto que o transforma numa algebra de divisão não-comutativa
(se não conhece ou não se lembra da definição, consulte [2]). A ideia inicial de Hamilton
era procurar um produto que preservasse as distâncias à semelhança do que acontece em
R2 ´ C com o produto de complexos, cujo módulo é o produto dos módulos: jXY j =
jXj jY j.
34
Nota: Sabe-se hoje que os únicos Rn em que existe tal produto são os casos n = 1(os
reais), n = 2 (os complexos), n = 4 (os quaterniões, que definimos já a seguir) e ainda
n = 8 (os octoniões ou números de Cayley - do seu inventor, Arthur Cayley) (Uma
diferença fundamental entre os quaterniões e os octoniões é que o produto dos primeiros
é associativo e o dos segundos não...)
Considere-se então
©
ª
R4 = R £ R3 = (α, a) : α 2 R , a 2 R3 = H , hH, +, ¢i
com a soma usual, (α, a) + (β, b) = (α + β, a + b) e o produto, que indicaremos apenas
por justaposição, definido por
(α, a)(β, b) = (αβ ¡ a ¢ b , αb + βa + a £ b)
em que a ¢ b representa o produto interno dos vectores e a £ b o produto externo.
Notação: se q 2 H, q = (α, a), dizemos que α é a parte real (ou temporal), α = R(q)
e que a é a parte imaginária (ou espacial), a = I(q). Assim
R ´ f(α, 0) : α 2 Rg = R
©
ª
R3 ´ (0, a) : α 2 R3 = I
ou seja, identificamos o espaço tridimensional aos quaterniões imaginários puros, I.
Outra forma, mais usual, de introduzir os quaterniões é a seguinte: designando por
f1, i, j, kg a base canónica de R4 ´ R £ R3 ,como espaço vectorial real, e escrevendo q =
(α, a) = t + (xi + yj + zk), q0 = (α0 , a0 ) = t0 + (x0 i + y 0 j + z 0 k) 2 H, definimos a soma da
forma usual
q + q 0 = (t + t0 ) + (x + x0 )i + (y + y 0 )j + (z + z 0 )k
e o produto de forma a ser bilinear com R central (isto é, os reais comutando com todos
os elementos)
qq 0 = ¢ ¢ ¢ escreva!
Assim o produto fica determinado indicando simplesmente os vários produtos
i2 , j 2 , k 2 , ij, ji, ik, ki, jk, kj
Exercício 85 Mostre que estabelecendo a relação fundamental para o produto
i2 = j 2 = k2 = ijk = ¡1
se obtem uma definição equivalente à anterior. Sugestão: comece por mostrar que se tem
ij = ¡ji = k , jk = ¡kj = i , ki = ¡ik = j
Terá sido aquela relação fundamental que Hamilton gravou, no momento com a excitação da descoberta, numa pedra: ver a citação de Hamilton no começo do capítulo 9 de
[3].
35
Uma descrição alternativa e útil do produto de quaterniões é considerar as matrizes
complexas 2 £ 2, M(2, C), da forma
∙
¸
z w
Mq =
¡w z
em que z representa o complexo conjugado de z. Identificando R4 ´ C£C, um quaternião
q = t + xi + yj + zk identifica-se ao par de complexos (z, w) em que z = t + xi e w = y + zi
(em termos de produto de quaterniões, e atendendo às relações fundamentais, temos que
q = z + wj). Identificamos então q à matriz Mq .
Exercício 86 Mostre que o produto das matrizes Mq corresponde ao produto de quaterniões, isto é
Mq1 q2 = Mq1 Mq2
É claro que a soma destas matrizes também corresponde à soma de quaterniões, e como
o produto de matrizes é distibutivo e associativo, temos verificadas essas propriedades para
o produto de quaterniões.
7.1
Conjugados e inversos:
É claro que um quaternião q = (α, a) = t + (xi + yj + zk), como elemento de R4 , tem a
norma kqk(ou módulo jqj) usual:
jqj2 = α2 + jaj2 = t2 + x2 + y 2 + z 2
Tal como em C, temos a noção de conjugado, que tem relações análogas com a norma
e os inversos: o conjugado de q = (α, a) é q = (α, ¡a). É claro que qq = qq = jqj2 .
O inverso de um quaternião q 6= 0 é dado por
q −1 =
1
q
jqj2
É facil verificar que
q1 + q2 = q1 + q2 , q1 q2 = q2 q1
ou seja, a conjugação inverte a ordem do produto. Temos então que
jq1 q2 j2 = q1 q2 q1 q2 = q1 q2 q2 q1 =
= q1 jq2 j2 q1 = q1 q1 jq2 j2 = jq1 j2 jq2 j2
em que a quarta igualdade vem do facto de jq2 j2 ser real e por isso comutar com todos os
quaterniões. Temos assim a lei do módulo para H:
jq1 q2 j = jq1 j jq2 j
Note-se que a lei do módulo podia também ser obtida de imediato a partir da representação matricial: de facto jqj = det Mq e o determinante do produto de matrizes é o
produto dos determinantes, det(AB) = (det A)(det B).
36
7.2
Quaterniões unitários:
Um quaternião unitário é um quaternião de norma 1. O conjunto dos quaterniões unitários
identifica-se naturalmente à esfera tridimensional
©
ª
S 3 = q 2 R4 : kqk = 1
Da lei do módulo temos que este espaço é um grupo para o produto, dito Sp(1) (de
"spin", conceito da física (quântica) em que estes grupos têm grande relevância)
Exercício 87 Mostre que S 3 ´ Sp(1) contém como subgrupo (não comutativo)
Q = f§1, §i, §j, §kg
Este grupo, dito quaterniónico, é um dos três grupos (a menos de isomorfismo) não
abelianos, com 8 elementos (outro que já vimos é D4 )
Se jqj = 1, podemos escrever q na forma q = cos θ +(sin θ)n, em que cos θ é a sua parte
real e (sin θ)n a sua parte imaginária, sendo n um imaginário puro unitário; é claro que
os imaginários puros unitários se identificam naturalmente à esfera de dimensão dois:
©
ª
S 3 \ I = (0, a) 2 R £ R3 : kak = 1 ´ S 2
Exercício 88 Mostre que q 2 H verifica q 2 = ¡1 se e só se q é um imaginário puro
unitário;
Portanto em H
p
¡1 = S 2
e temos assim que o polinómio x2 + 1 tem um número infinito (mesmo não numerável) de
zeros (o que contrasta com o que se passa com os polinómios com coeficientes num corpo,
em que o número de zeros é menor ou igual ao grau)
Mais geralmente podemos escrever qualquer quaternião na sua forma polar
q = ρ(cos θ + n sin θ)
ρ = jqj
n2 = ¡1 , n 2 S 2
O ângulo θ é dito o argumento de q, e, tal como no caso complexo, q 2 R sse θ = 0 ou
θ = π.
Exercício 89 Se q é um quaternião que escrito na forma polar é q = ρ(cos θ + n sin θ),
defina Cq como o subespaço vectorial de dimensão 2 de R4 gerado por 1 e n: é claro que
C e Cq são naturalmente isomorfos através da correpondência a + bi $ a + bn. Considere
o comutador de dois quaterniões, [q, q 0 ] = qq 0 ¡ q 0 q; como se sabe, q e q 0 comutam sse
[q, q0 ].
Mostre que [q, q 0 ] = ¡ [q, q 0 ] e que [q, q 0 ] 2 I. Deduza que q, q 0 comutam sse um deles
é real ou se q0 2 Cq .
37
7.3
Acção de grupo de S 3 em R3
Seja q um quaternião unitário, q 2 S 3 ; então q = q−1 . A conjugação por q é a aplicação
Cq : H ¡! H
p ¡! qpq
Exercício 90 Mostre que Cq é uma isometria de H.
Note-se que Cq restrita a R é a identidade, já que os reais comutam com todos os
elementos de H. O que acontecerá com a restrição a I ´R3 ? Temos o seguinte teorema:
Teorema 91 Seja Cq : H ¡! H a conjugação por q. Então
1. Se p 2 I , Cq (p) 2 I .
2. Se q = cos θ + (sin θ)n, Cq restrita a I ´R3 representa uma rotação de ângulo 2θ e
eixo gerado por n.
3. Toda a rotação pode ser representada por Cq para algum q e Cq1 = Cq2 sse q1 = §q2 .
4. O produto de rotações corresponde ao produto de quaterniões: Cq1 q2 = Cq1 Cq2 .
Prova. 1. É fácil verificar que Cq é um homomorfismo de anel. Recorde-se que se
p 2 H, p + p = 0 , p 2 I ; note-se que
Cq (p) = qpq = q qp = qp q = Cq (p)
e portanto
Cq (p) + Cq (p) = Cq (p) + Cq (p) = Cq (p + p)
Então, p 2 I ) Cq (p + p) = Cq (0) = 0 ) Cq (p) 2 I . Concluimos assim que a restrição
de Cq aos inaginários puros define uma isometria
∼
=
Cq : R3 ¡! R3
q
q
I
I
e como Cq (0) = 0, Cq 2 O(3); na verdade Cq 2 SO(3) como veremos.
2. Se q = cos θ + (sin θ)n, n 2 S 2 ½ R3 ´ I , escolha-se uma base ortonormal
de R3 cujo primeiro vector seja precisamente n: fni , nj , nk g , ni = n; verifica-se facilmente a partir da primeira definição do produto, dada em termos dos produtos escalar
e vectorial,que uma base ortonormal de imaginários puros verifica as mesmas relações
fundamentais que fi, j, kg: por isso, para simplificar a notação designamos ni , nj , nk por
i, j, k respectivamente.
38
Calculando, obtemos
Cq (i) =
=
Cq (j) =
=
=
=
Cq (k) =
=
(cos θ + (sin θ)i) i (cos θ ¡ (sin θ)i) =
(cos2 θ)i ¡ sin θ cos θ ¡ (cos θ sin θ)i2 + (sin2 θ)i = i
(cos θ + (sin θ)i) j (cos θ ¡ (sin θ)i) =
((cos θ)j + (sin θ)k)(cos θ ¡ (sin θ)i) =
(cos2 θ)j + (sin θ cos θ)k ¡ (sin θ cos θ)(¡k) ¡ (sin2 θ)j =
(cos 2θ)j + (sin 2θ)k
¢¢¢ =
(cos 2θ)k ¡ (sin 2θ)j
Portanto a matriz de Cq relativamente àquela base será
2
3
1
0
0
4 0 cos 2θ ¡ sin 2θ 5
sin 2θ cos 2θ
isto é, Cq é uma rotação de ângulo 2θ em torno do eixo n. Em particular, vemos também
que Cq 2 SO(3).
3. É claro do ponto anterior que uma qualquer rotação de eixo gerado por n 2 S 2 e
ângulo ϕ, pode ser obtida como Cq em que q = cos θ + (sin θ)n e θ = ϕ/2. Antes de provar
a segunda afirmação vejamos primeiro a prova de 4.
4. Decorre de um cálculo rotineiro:
Cq1 q2 (p) = q1 q2 p q1 q2 = q1 q2 p q2 q1 =
= q1 Cq2 (p)q1 = Cq1 (Cq2 (p))
Concluimos assim que a conjugação, C, define um homomorfismo de grupos
C : S 3 ¡! SO(3)
Ora se q = cos θ + (sin θ)n, Cq = id se e só se 2θ ´ 0(mod 2π), ou seja θ = 0 ou θ = π,
e portanto q = §1. Temos assim que o núcleo do homomorfismo é ker C = f1, ¡1g.
Podemos agora concluir a prova do ponto 3.: por definição de núcleo, temos que, para
cada q 2 S 3 , o conjunto dos elementos que têm a mesma imagem que q é C −1 (C(p)) =
fpk : k 2 ker Cg = fq, ¡qg.
Em consequência da prova do teorema anterior, podemos enunciar o seguinte teorema:
Teorema 92 A conjugação induz um isomorfismo
∼
=
S 3 / f§1g ¡! SO(3)
Esta descrição do grupo de rotações como S 3 / f§1g é útil em mecânica quântica, no
estudo do "spin".
39
7.4
Exercícios de revisão e aplicação...
1. Calcule (2 + 3i ¡ k)−1
2. Verifique que uma base ortonormal de imaginários puros verifica as mesmas relações
fundamentais que fi, j, kg.
3. Use a lei do módulo para mostrar que se dois inteiros são a soma de quatro quadrados, também o é o seu produto.
4. Escreva a rotação f 2 SO(3) cuja matriz, relativamente à base canónica é
2
3
0 1 0
4 0 0 1 5
1 0 0
como Cq .
5. Mostre que dois quaterniões não nulos p, q são ortogonais (entenda-se: como vectores
de R4 ) sse p−1 q 2 I .
8
Grupos de simetria finitos de R3
Recorde-se (Teorema de Leonardo) que todo subgrupo finito de I(R2 ) é diedral, Dn , ou
cíclico, Cn , sendo que Dn é o grupo de simetrias do polígono regular de n lados e Cn o seu
subgrupo das simetrias directas. Estes grupos são também subgrupos finitos de I(R3 ):
é claro que o subrupo hαi gerado por uma rotação α = R(l, 2π/n) é cíclico; vejamos
como podemos obter também Dn . Podemos considerar nas duas primeiras variáveis x, y
as isometrias do polígono regular de n lados, Pn , como representado nas figuras da secção
5.1, e tomar a identidade na terceira coordenada z; recorde-se que aquelas isometrias são
fρ, ρ2 , ..., ρn g = hρi , em que ρ é a rotação de centro na origem e ângulo 2π/n, e também
n simetrias inversas, ρσ, ρ2 σ, ..., ρn σ, em que σ é a reflexão no eixo dos xx, e que são
reflexões em n rectas que fazem entre si sucessivos ângulos de π/n. Assim em R3 temos
!
o análogo com ρ = R(Ã
z , 2π/n) a rotação em torno do eixo dos zz, e σ = RH a reflexão
no plano y = 0.
Mas note-se agora que em Pn ½ R2 £f0g o efeito da reflexão σ pode também ser obtido
pela rotação no espaço em torno do eixo dos xx e de ângulo π (meio-giro): designemos
!
essa rotação também por σ: σ = R(Ã
x , π). Temos então que o grupo diedral Dn =
n
2
hρ, σ j ρ , σ i é também um grupo de rotações de R3 , neste caso um subgrupo de SO(3)
já que 0 fica fixo; mais geralmente, tomando ρ = R(l, 2π/n) e σ = R(m, π), em que m ? l,
obtemos o grupo diedral gerado por essas duas rotações: ρσ, ρ2 σ, ..., ρn σ são n rotações
com eixos perpendiculares a l no ponto l \ m, e fazendo entre si sucessivos ângulos de
π/n. Podemos então enunciar o teorema:
Teorema 93 Os grupos cíclicos Cn e os grupos diedrais Dn são grupos de rotações de
R3 .
40
Na prova do Teorema de Leonardo, em 5.1, vimos que todo o grupo finito de isometrias
tem um ponto fixo por todos as isometrias do grupo: a prova desse facto é geral e vale
também em R3 ; mas, mais geralmente, no caso de grupos de rotações a existência desse
ponto não depende do grupo ser finito como os exercícios seguintes mostram:
Exercício 94 Mostre que se os eixos de três rotações α, β, γ não são concorrentes mas
intersectam-se dois a dois, então o produto γβα é um parafuso (Sugestão: recorde um
exercício anterior sobre o produto de duas rotações)
Exercício 95 Mostre, usando o último exercício, que num grupo de rotações todos os
eixos são concorrentes num ponto que é, por isso, fixo.
Teorema 96 Um grupo de rotações tem um ponto fixo;
Um grupo finito de isometrias tem um ponto fixo.
8.1
Prismas e anti-prismas
Podemos construir poliedros P ½ R3 cujos grupos de simetria S(P ) são Cn ou Dn , construindo prismas ou anti-prismas sobre os polígonos regulares Pn ½ R2 £ f0g, e adicionando,
por vezes, alguns elementos (telhados) num ou em ambos os topos. Um prisma obtém-se
simplesmente como Pn £ [¡a, a]; temos portanto n faces laterais que são rectângulos. Um
anti-prisma obtém-se rodando um dos polígonos de um dos topos, Pn £f¡ag ou Pn £fag,
de um ângulo π/n, e considerando como faces laterais n triângulos (que podemos supor
equiláteros para uma escolha conveniente de a...): ver a figura seguinte em que estão
representados um prisma e um anti-prisma triangulares
Designamos ainda estes prismas e anti-prismas por Pn e P0n , respectivamente.
Note-se que para n par, os prismas Pn têm um ponto de simetria, O (a origem na
nossa descrição), isto é, são invariantes pela inversão I0 , mas os anti-prismas P0n não; ao
contrário, para n ímpar, os anti-prismas P0n têm um ponto de simetria mas os prismas Pn
não.
Considerando o prisma Pn , é claro que o grupo diedral Dn de rotações gerado pela
!
!
rotação ρ = R(Ã
z , 2π/n) e pelo meio-giro σ = R(Ã
x , π) está contido em S(P) mas
estritamente; há ainda as n reflexões em planos que contêm o eixo dos zz, ρσ 0 , ρ2 σ 0 , ..., ρn σ 0 ,
σ 0 = RH a reflexão no plano y = 0, e a reflexão no plano z = 0.
41
O que fazemos é modificar o prisma, acrescentando telhados num ou nos dois topos, de
forma a obter um poliedro para o qual estas reflexões não sejam simetrias. Construimos
um telhado considerando, no topo, uma figura que tem apenas as rotações como simetrias,
como, por exemplo
6
5
4
3
2
1
- 10
-8
-6
-4
-2
2
4
6
8
10
-1
-2
-3
-4
-5
-6
O telhado é construído cortando um pouco os cantos (não sombreados), por diminuição
da coordenada z dos vértices do topo, de um pequeno como se ilustra na figura seguinte.
10
5
- 10
-8
-6
-4
-2
2
4
6
8
10
-5
- 10
- 15
- 20
- 25
Este poliedro, em virtude do padrão do topo, que não se repete na base, tem como únicas
!
simetrias as n rotações do grupo hρi, ρ = R(Ã
z , 2π/n), e por isso o seu grupo de simetria
é Cn .
Se agora acrescentarmos à base o telhado que é imagem daquele pelo meio-giro em
torno do eixo dos xx, obtemos um poliedro que além daquelas rotações tem também como
simetria esse meio-giro e portanto o seu grupo de simetria será Dn .
42
Convenção gráfica: como se percebe olhando para a figura anterior, as figuras de
prismas ou anti-prismas com telhados adicionados são complicadas e difíceis de realizar;
por isso, é conveniente introduzir uma convenção gráfica, representando-os por figuras
mais simples, que não são poliedros, mas que têm os mesmos grupos de simetria: o que
fazemos, seguindo [4, §17.2], é subtituir os prismas e anti- prismas pelos cilindros que os
circunscrevem, mantendo os vértices assinalados como nódulos, e simular os telhados pela
indicação de uma orientação dos arcos entre os vértices (ver figura seguinte).
Entende-se que as simetrias destas figuras permutam os vértices e preservam as orientações
dos arcos: a flecha de um arco orientado deve ser enviada para a flecha de outro arco
orientado!
A figura representa um prisma e um anti-prisma triangulares, na parte superior, e um
prisma e um anti-prisma quadrangulares na parte inferior; o prisma triangular tem um
telhado no topo e portanto tem grupo de simetria C3 ; o prisma quadrangular tem dois
telhados que permutam por acção do meio-giro em torno do eixo dos xx e por isso tem
grupo de simetria D4 .
8.2
Os sólidos Platónicos
Para além dos grupos cíclicos e diedrais,devemos também estudar os grupos de simetria
dos poliedros que correspondem, no espaço, aos polígonos regulares do plano: são os
poliedros regulares.
Recorde-se que um subconjunto X ½ Rn diz-se convexo se para quaisquer dois dos
seus pontos, x, y 2 X, contém o segmento por eles definido: para todo t , 0 ∙ t ∙ 1, o
ponto tx + (1 ¡ t)y pertence a X.
Um subconjunto compacto (fechado e limitado) de Rn definido por um número finito
de desigualdades lineares é claramente convexo e, se tem interior não vazio, diz-se um
43
poliedro convexo (uma desigualdade linear define os pontos de Rn que estão num dos lados
do hiperplano definido pela igualdade correspondente); a união de um número finito de
poliedros convexos diz-se simplesmente um poliedro.
Em R3 um plano divide-o em dois semi-espaços cuja intersecção é esse plano; um
poliedro convexo, P , é assim a intersecção de um número finito de semi-espaços; a intersecção de P com cada um dos planos que o delimitam é um polígono convexo que se diz
uma face de P ; a intersecção de duas faces é uma aresta e a intersecção de duas arestas
é um vértice.
Um poliedro diz-se regular se todas as faces, arestas e vértices são idênticos entre si:
para as faces e arestas isso significa congruentes; para os vértices significa que em cada
vértice há o mesmo número r de arestas e que fazem entre si os mesmos ângulos ; em
consequência, as faces são polígonos regulares Pn para algum n fixo.
Os sólidos platónicos são os poliedros regulares convexos de R3 .
Como já era conhecido na antiguidade grega, há precisamente 5 sólidos platónicos (a
menos de semelhança):
n
Tetraedro 3
Cubo
4
Octaedro
3
Dodecaedro 5
Icosaedro
3
r V értices Arestas F aces
3
4
6
4
3
8
12
6
4
6
12
8
3
20
30
12
5
12
30
20
Exercício 97 Construa modelos de cartão para cada um dos 5 sólidos platónicos; vão ser
úteis na análise dos seus grupos de simetria, em especial para o dodecaedro.
As figuras seguintes representam os cinco sólidos:
44
8.2.1
A Fórmula de Euler:
Recorde-se que se P é um poliedro convexo com v vértices, a aresta e f faces, se verifica
a fórmula de Euler
v¡a+f =2
Chama-se caracteristica de Euler de um poliedro ao número v ¡ a + f que designamos
por χ(P ). Assim, dizemos que para um poliedro convexo, P , temos χ(P ) = 2.
Há muitas provas desta fórmula; uma "prova"de tipo heurístico, muito interessante
e curta, e, acho eu, convincente, é dada no começo do capítulo 17 de [4], em termos de
diques e inundações.
O que interessa salientar é que este resultado tem formulações mais gerais; em particular não é relevante que o poliedro seja convexo, mas apenas que o seu bordo seja homeo45
morfo à esfera S 2 (o que acontece de facto no caso convexo). Por exemplo, o poliedro T 2
representado na figura seguinte tem característica de Euler diferente de 2. Designámo-lo
por T 2 por causa da superfície do seu bordo ser homeomorfo ao toro bidimensional que é
T2 »
= S 1 £ S 1 , o espaço produto da circunferência unitária consigo mesma.
Exercício 98 Calcule a característica de Euler de T 2 .
A característica de Euler é o primogénito dos invariantes topológicos, usualmente estruturas algébricas -neste caso uma simples contagem e soma de números - associadas
aos espaços de tal forma que espaços homeomorfos têm a mesma estrutura associada; O
estudo destes invariantes constitui o objectivo primeiro da chamada Topologia Algébrica:
uma boa introdução pode ser encontrada no livro [7].
Vejamos agora que os únicos sólidos platónicos são de facto os cinco que descrevemos
e representámosem cima:
Seja P um poliedro regular convexo que tem como faces polígonos regulares de n lados
e tal que cada vértice tem r arestas incidentes. É claro que n > 2 e r > 2. Suponhamos
que P tem v vértices, a arestas e f faces. Como cada aresta é comum a duas faces e
contém dois vértices, nf e rv dão ambos duas vezes o número de arestas:
nf = 2a = rv
e pela fórmula de Euler temos
2 = v ¡ a + f = v ¡ (rv)/2 + (rv)/n
= (2n + 2r ¡ nr)(v/2n)
= [4 ¡ (n ¡ 2)(r ¡ 2)] (v/2n)
46
Calculando, temos
4n
2n + 2r ¡ nr
rv
a=
2
rv
f=
n
(n ¡ 2)(r ¡ 2) < 4
v=
As três primeiras equações dizem que v, a, f são únicamente determinados por n e r,
isto é, um dado par (n, r) determina, no máximo, um sólido platónico. Como n, r >
2, a desigualdade resolve-se facilmente e vê-se que há exactamente 5 soluções que são
precisamente os pares que aparecem nas duas primeiras colunas da tabela em cima; pode
verificar-se nessa tabela os correspondentes valores de v, a e f . Concluímos assim que
há no máximo aqueles 5 sólidos platónicos; como cada um deles pode ser efectivamente
construído, temos a conclusão.
Exercício 99 Mostre que a desigualdade anterior tem de facto aquelas 5 soluções.
8.2.2
Dualidade e inclusão
Uma consulta à tabela, em cima, torna patente uma dualidade do número de vértices,
arestas e faces para os dois pares cubo-octaedro e dodecaedro-icosaedro: em cada par, os
dois sólidos têm o mesmo número de arestas e o número de vértices de cada um deles é
igual ao número de faces do outro.
Há também dualidade para os mesmos dois pares dos números n e r que aparecem
trocados: em consequência, se num destes sólidos considerarmos os centros de todas as
faces e considerarmos o sólido que tem como faces os polígonos cujos vértices são os centros de todas as faces incidentes num mesmo vértice, obtemos precisamente o sólido dual,
como as figuras seguintes ilustram no caso do par cubo-octaedro:
47
Por outro lado o tetraedro é auto dual:
Outra figura...
Como consequência desta dualidade é claro que sólidos platónicos duais têm os mesmos
grupos de simetria: qualquer simetria do cubo é uma simetria do octaedro e reciprocamente; o mesmo para o dodecaedro e o icosaedro.
Para além desta relação de dualidade há uma relação de inclusão do conjunto dos
48
vértices do tetraedro no conjunto dos vértices de um cubo que implica que o grupo de
simetria do tetraedro é um subgrupo do grupo de simetria do cubo. Note-se que um cubo
contém naturalmente dois tetraedros como se representa na figura seguinte:
Vê-se assim que um cubo pode ser obtido de um tetraedro acrescentando quatro pirâmides
triangulares congruentes, uma em cada face do tetraedro: é por isso claro que cada simetria
do tetraedro é também uma simetria do cubo (mas que há simetrias do cubo que não são
dadas por simetrias do tetraedro: por exemplo a inversão no centro).
Há também uma relação de inclusão análoga entre o cubo e o dodecaedro que passamos
a descrever.
Exercício 100 Mostre que a diagonal de um pentágono p
regular de arestas de comprimento 1 , tem comprimento a razão de ouro g = (1 + 5)/2 = 2 cos(π/5) (que é a
solução positiva de g2 ¡ g ¡ 1 = 0)
A
E
B
g
Y
1
D
1
C
Considere-se agora um cubo cujas arestas têm comprimento g. Numa das faces do
cubo construimos uma tenda, constituída por dois triângulos isósceles e dois trapézios,
49
acrescentando cinco novas arestas, todas de comprimento 1, como a figura seguinte mostra:
1
1
g
1
1
g
h
1
l
b
a
g
g
Estão indicados por a e b os ângulos que os trapézios e os triângulos, respectivamente,
fazem com a face do cubo; l é a altura do triângulo e h a altura da tenda. Verifica-se que
a e b são complementares: a + b = π/2:
2
1=l +
³ g ´2
2
2
, l =h +
substituindo
1 = h2 +
e como g 2 ¡ g = 1 vem
2
µ
g¡1
2
¶2
g2 g 1
¡ +
2
2 4
h=
1
2
Temos então que
1
2h
1
2h
= , tan b =
=
g
g
g¡1 g¡1
1 1
1
tan a tan b =
= 2
=1
gg¡1 g ¡g
tan a =
e portanto a + b = π/2 como pretendíamos mostrar.
A complementaridade dos ângulos a e b significa que quando construimos duas tendas
em faces adjacentes do cubo, como na figura seguinte , a parte constituída por um triângulo
de uma das tendas e pelo trapézio adjacente da outra tenda (a sombreado) é uma figura
plana e portanto um pentágono regular.
50
Significa isto que podemos construir o dodecaedro colando a cada face do cubo uma
destas tendas; temos assim um cubo de aresta com comprimento g, inscrito num dodecaedro de aresta com comprimento 1 de tal forma que cada uma das 8 arestas do cubo é
diagonal de uma das 8 faces do dodecaedro; é claro que se fizermos a construção anterior
começando o processo com cada uma das cinco diagonais de uma das faces do dodecaedro
(o sombreado na figura anterior...) obtemos 5 cubos distintos inscritos no dodecaedro; os
cinco cubos são obtidos a partir de um deles, C, por rotações sucessivas ρ, ρ2 , ρ3 , ρ4 em
que ρ = R(l, 2π/5) e l é um eixo perpendicular ao centro da face. Seja T um tetraedro
inscrito em C (como já vimos há dois)
Exercício 101 Verifique, com um modelo, que as imagens dos quatro vértices de T pelos
elementos do grupo hρi são todas distintas; obtemos assim os 5 £ 4 = 20 vértices do
dodecaedro.
Nota: no caso do cubo obtido de um tetraedro inscrito acrescentando quatro pirâmides
triângulares, como qualquer isometria do triângulo base de uma pirâmide se estende a uma
isometria da pirâmide, toda a isometria do tetraedro é uma isometria do cubo circunscrito;
no caso do dodecaedro obtido do cubo acrescentando tendas, não é verdade que qualquer
isometria do quadrado base de uma tenda se estenda a uma isometria da tenda: isto
acontece porque a aresta do topo tem uma determinada direcção; assim, as rotações de
π/2 em torno de eixos perpendiculares aos centros de faces do cubo (temos 3 desses eixos)
são claramente simetrias do cubo que não são simetrias do dodecaedro - tenha em atenção
que em [4, §17.1] há afirmações erradas sobre isto!
Apesar da nota anterior, os 5 cubos inscritos num dodecaedro estão directamente
relacionados com uma forma de numerar os seus 20 vértices que é especialmente útil na
análise do grupode simetria.
Considere um dodecaedro, representado com uma (portanto duas) face horizontal como
na figura seguinte
51
2
3
1
4
5
4
2
3
5
P=3
1
2
V=4
Pretendemos numerar todos os 20 vértices com os números 1, 2, 3, 4, 5 de tal forma que em
cada face não haja repetições. Os vértices distribuem-se por quatro níveis (quatro planos
horizontais); começamos por numerar ciclicamente os vértices do nível superior, a face do
topo, de 1 a 5; consideramos o nível seguinte: o vértice P , na figura, poderá ser numerado
com 2 ou 3; escolhendo um dos números (na figura o 3),numeramos os restantes vértices
do mesmo nível ciclicamente como fizemos para os do topo; é agora fácil verificar que
só há uma maneira de numerar os restantes vértices, do terceiro nível e da face da base,
de forma a que não haja repetições em nenhuma face e que em cada um desses níveis a
numeração é também cíclica.
Exercício 102 Verifique, num modelo, a numeração que acabámos de
descrever.
Verifique que os quatro vértices com o mesmo número formam os vértices de um
tetraedro; temos assim 5 tetraedros: como no exercício anterior são obtidos de um deles
por rotações sucessivas de 2π/5 em torno do eixo perpendicular ao centro de uma face note que se for o eixo vertical, perpendicular às duas faces horizontais, isso é claro já que
em cada nível a numeração é cíclica. Verifique ainda que se colocar outra qualquer face
horizontal a numeração em cada um dos quatro níveis é cíclica na mesma ordem.
Relativamente ao exercício anterior, recorde que há outro sistema de 5 tetraedros
inscritos no dodecaedro: esses apareceriam associados à outra escolha para a numeração
do vértice P .
Exercício 103 Colore, num modelo, as faces do icosaedro com cinco cores distintas, de
forma correspondente à numeração do dodecaedro dual.
8.3
Os grupos de simetria dos sólidos platónicos
Seja P um dos sólidos platónicos; S(P ) é o grupo das simetrias de P e designamos por
Sd (P ) o subgrupo das simetrias directas. Como as simetrias de P permutam os seus
52
vértices que são em número finito, S(P ) é um grupo finito. Como já vimos atrás, S(P )
sendo finito, existe um ponto a fixo por todos os elementos e Sd (P ) é então um grupo
de rotações. O ponto fixo a é o centroide de P . Sem perda de generalidade (a menos
de conjugação, Ta−1 S(P )Ta ), podemos supor que a = 0, isto é, o sólido está centrado na
origem: então S(P ) é um subgrupo finito de O(3) e Sd (P ) de SO(3).
Designamos cada um dos cinco sólidos platónicos pela sua inicial:
T, C, O, D, I. Pela dualidade temos que S(C) »
= S(O) , Sd (C) »
= Sd (O) e S(D) »
= S(I) ,
»
Sd (D) = Sd (I).
Note-se que como SO(3) tem índice 2 em O(3), Sd (P ) é um subgrupo normal de índice
2 em S(P ).
Recorde-se que Sn designa o grupo simétrico em n elementos, Sn = Bij f1, 2, ..., ng, e
An o (sub)grupo alterno das permutações pares (consultar [2] para as propriedades gerais
destes grupos)
Teorema 104 S(T ) »
= S4 e Sd (T ) »
= A4 .
Prova. Numerando os vértices de T com os números 1, 2, 3, 4 , temos claramente um
homomorfismo α : S(T ) ¡! S4 . Vejamos primeiro que α é um epimorfismo: como
S4 é gerado por transposições,basta ver que qualquer transposição está na imagem de α;
vejamos para (1, 2), já que paras as outras é perfeitamente análogo: claramente RH em
que H é o plano definido pelos vértices 3, 4 e pelo ponto médio da aresta 12 , e que é
o bissector ortogonal de 12,mantém fixos 3 e 4 e permuta 1 e 2, logo α(RH ) = (1, 2).
O homomorfismo é também claramente injectivo já que qualquer isometria de R3 fica
determinada pelas imagens de quatro pontos independentes-afim (neste caso os quatro
vértices de T ).
É claro que uma reflexão RH 2 S(T ) tem de ser daquele tipo: porque é involutiva,
2
RH
= id, se envia um vértice, digamos 1, no vértice, digamos 2, então envia 2 em 1 e
portanto (1, 2) é um ciclo de α(RH ); se também permutasse 3 e 4, então seria o produto de
duas reflexões e portanto uma isometria directa o que é absurdo, logo será α(RH ) = (1, 2).
Temos, é claro 12 reflexões. Se f 2 Sd (T ), então f é produto de duas reflexões (porque
há um ponto fixo...) e portanto α(f ) é produto de duas trnasposições e é portanto par.
Temos assim que α(Sd (T )) ½ A4 . Como Sd (T ) tem índice 2 em S(T ) e A4 tem índice 2
em S4 , α induz um isomorfismo : Sd (T ) ¡! A4 .
O exercício seguinte daria também uma prova mais directa deste teorema; dá de
qualquer maneira uma ideia mais clara das simetrias do tetraedro:
Exercício 105 Descreva explicitamente todas as isometrias do tetraedro, em particular
indicando para as rotações os eixos e ângulos, e escreva as correspondentes permutações
dos vértices como produtos de ciclos disjuntos e de transposições.
Os outros quatro sólidos platónicos têm uma propriedade que o tetraedro não possui:
têm simetria central, isto é, são invariantes pela inversão no centro (que supomos ser 0):
I0 : R3 ¡! R3 que envia cada x 2 R3 para o seu simétrico ¡x.
O grupo O(3) é isomorfo a SO(3)£f§1g »
= SO(3)£Z2 : é fácil verificar que a aplicação
que envia A em (A, 1) se det A = 1 e em (I0 A, ¡1) = (AI0 , ¡1) se det A = ¡1, é um
isomorfismo.
53
Exercício 106 Verifique a afirmação anterior e indique o isomorfismo inverso.
O mesmo raciocínio aplicado ao grupo de simetria de um sólido P com simetria central,
mostra que
S(P ) »
= Sd (P ) £ f§1g
Portanto, para obter uma classificação dos grupos de simetria dos sólidos platónicos,
basta-nos agora estudar os dois grupos de rotações do cubo e do dodecaedro. Além disso,
tendo uma descrição de todas as rotações obtemos também todas as simetrias inversas
compondo essas rotações com uma mesma isometria inversa (qualquer uma serve, em
particular a inversão central)
Teorema 107 Sd (C) »
= S4
Prova. A ideia é encontrar quatro objectos geométricos associados ao cubo que sejam
permutados pelas rotações. Escolhemos as quatro diagonais do cubo, que unem os quatro
pares de vértices simétricos em relação à origem: ver a figura seguinte
B
C
D
A
3
1
l
O
2
4
G
F
E
H
Numeramos as quatro diagonais com 1, 2, 3, 4 como indicado. É claro que como a inversão
I0 comuta com todos os elementos de O(3), qualquer isometria envia um par de vértices
simétricos num par de vértices simétricos e portanto uma diagonal numa diagonal. Temos
assim, com a numeração que fixámos, definida uma aplicação α : Sd (C) ¡! S4 . Para ver
que α é um epimorfismo basta verificar que toda a transposição está na sua imagem: basta
verificar para (1, 2), sendo os outros casos perfeitamente análogos. Considere-se o plano
que contém as diagonais 1 e 2 e que contém então as arestas AE e CG. Considere-se
nesse plano a recta l que une os pontos médios dessas arestas; o plano que contém as
outras duas diagonais 3 e 4 e as arestas BF e DH é ortogonal a l; uma rotação de eixo
l e ângulo π claramente permuta as diagonais 1 e 2 e envia cada uma das outras em si
mesma logo a sua imagem por α é (1, 2). Para verificar que α é injectiva basta verificar
que existem 24 rotações distintas de C, tantas quantos os elementos de S4 , porque uma
54
aplicação entre dois conjuntos finitos com a mesma cardinalidade e que é sobrejectiva é
necessariamente bijectiva.
Para cada par de vértices P, Q existe uma rotação que leva P em Q como se pode
facilmente verificar; significa isto que o conjunto dos vértices é uma órbita para a acção
de grupo de Sd (C) em C; por outro lado, há precisamente 3 rotações que fixam um dado
vértice e que são a identidade e as rotações em torno da diagonal por esse vértice e de
ângulos 2π/3 e 4π/3. Temos portanto que o estabilizador de cada vértice tem 3 elementos
e a sua órbita 8, logo por um exercício anterior concluimos que a ordem de Sd (C) é 24.
Exercício 108 Descreva explicitamente todos as rotações do cubo, indicando para cada
rotação o seu eixo e ângulo e escrevendo a permutação correspondente das 4 diagonais
como produto de ciclos disjuntos e transposições.
Exercício 109 Mostre que os pontos da superfície do cubo têm órbitas para a acção de
Sd (C) com 24, 12, 8 ou 6 elementos. Descreva geometricamente os pontos estes diferentes
tipos de órbitas.
Finalmente o grupo de rotações do dodecaedro, D.
Exercício 110 Mostre que Sd (D) tem 60 elementos, descrevendo os possíveis eixos e
ângulos de todas as rotações (sugestão: lembre que D tem simetria central)
Exercício 111 Considere o grupo alterno A5 ; descreva combinatoriamente os seus 60
elementos em termos do comprimento de ciclos, ou produto de ciclos.
Teorema 112 Sd (D) »
= A5
Prova.
A ideia é, à semelhança do que fizemos para o cubo, encontrar 5 objectos geométricos associados ao dodecaedro e que sejam permutados pelas suas simetrias.
Esses objectos são os 5 cubos inscritos que descrevemos anteriormente: recorde-se que
começando com uma diagonal de uma das faces de D e acrescentando tendas, podemos
construir, de forma única, um cubo inscrito, tal que cada uma das suas 12 arestas é diagonal de uma face de D. É claro, pelo processo de construção, que toda a rotação de
D permuta estes 5 cubos; recorde-se que associados a estes cubos, podemos considerar
5 tetraedros (de dois modos distintos), aos quais associámos uma numeração, de 1 a 5,
dos vértices de D de tal modo que os vértices de cada tetraedro têm o mesmo número
associado. Podemos agora verificar que cada rotação de D (definidas no último Exercício...) permuta também estes cinco tetraedros, e os seus números associados, e temos
assim definida uma aplicação α : Sd (D) ¡! S5 . Basta agora ver que α toma valores em
A5 e é sobrejectiva (como já vimos no penúltimo exercício jSd (D)j = jA5 j = 60).
As numerações cíclicas, lendo no sentido retrógrado (clockwise), das 12 faces de D
dão os ciclos de comprimento 5, (1, 2, 3, 4, 5) na face do topo e os que se obtêm deste por
permutações pares; os ciclos de faces opostas são inversos em A5 (como nos quatro níveis
que vão de uma face à sua oposta a numeração mantém a mesma ordem cíclica, ler no
sentido retrógrado numa face é o mesmo que ler no sentido directo na face oposta...):
55
estes 12 ciclos correspondem portanto às rotações em torno de um eixo pelo centro das
faces e de ângulos ¨2π/5. Os outros 12 ciclos de comprimento 5 de A5 que se obtêm
de (1, 2, 3, 4, 5) por permutações ímpares, correspondem às rotações com os mesmos eixos
pelos centros das faces e de ângulos §4π/5.
As rotações em torno dos eixos que passam pelos pares de vértices simétricos de ângulos
§2π/3 dão os 20 ciclos de comprimento 3 de A5 .
Finalmente as rotações de π em torno dos eixos que passam pelos pontos médios dos
pares de arestas opostas dão os 15 elementos de ordem 2 de A5 , que se escrevem como
produto de dois cíclos de comprimento 2 (como (1, 2()(3, 4) por exemplo).
Exercício 113 Verifique, no seu modelo numerado, os pormenores da prova anterior.
Podemos agora resumir os resultados encontrados:
Grupos de Simetria dos Sólidos Platónicos
P
Rotações, Sd (P ) Grupo total, S(P )
Tetraedro
A4
S4
Cubo, Octaedro
S4
S4 £ f§1g
Dodecaedro, Icosaedro
A5
A5 £ f§1g
Exercício 114 Mostre que S4 não é isomorfo a A4 £ f§1g.
8.4
Os sólidos Arquimedianos
O que acontecerá se enfraquecermos a definição de sólido platónico exigindo apenas que
as arestas e os vértices sejam idênticos, admitindo por isso que as faces sejam polígonos
regulares de vários tipos? Mostra-se que, para além dos cinco sólidos platónicos e certas
famílias infinitas de prismas e anti-prismas (um prisma e um anti-prisma para cada polígono regular Pn ), há precisamente 13 poliedros convexos com arestas e vértices idênticos:
são os chamados sólidos arquimedianos ou semi-regulares.
Uma notação conveniente para estes sólidos é a que descreve o tipo de vértice pela
indicação do número de arestas das várias faces em ordem cíclica em torno do vértice:
3.62 = 3.6.6, 3.82 , 4.62 , (3.4)2 = 3.4.3.4, 4.6.8, 3.43 , 34 .4, 3.102 , (3.5)2 , 5.62 , 4.6.10, 3.4.5.4,
34 .5.
Alguns destes sólidos aparecem como modificações simétricas dos sólidos platónicos;
por exemplo o octaedro truncado obtém-se do octaedro truncando cada vértice de tal
forma que cada um dos oito triângulos dê um hexágono regular: o sólido arquimediano
obtido é o 4.62 na notação anterior (figura seguinte)
Definição 115 A figura-de-vértice (ou figura-vértice) de um vértice v de um polígono é
o segmento de recta que une os pontos médios das duas arestas que contêm v. A figuravértice de um vértice v de um poliedro é a união das figuras-vértices de cada uma das
faces que contêm v.
56
A figura-vértice de cada vértice de um cubo é um triângulo equilátero; O poliedro
cujas arestas são a união das oito figuras-vértices do cubo é chamado um cuboctaedro, o
sólido arquimediano (3.4)2 (figura seguinte)
Note-se que neste sólido as arestas são todas equivalentes no sentido de terem os
mesmos polígonos como faces adjacentes, neste caso um triângulo e um quadrado; o que
não acontece com o octaedro truncado em que há faces que unem um hexágono e um
quadrado e outras que unem dois hexágonos.
Exercício 116 Faça outras construções com sólidos platónicos de forma a obter outros
sólidos arquimedianos.
Exercício 117 Mostre que os sólidos arquimedianos são de facto os 13 que listámos em
cima; construa modelos para cada um deles.
57
8.5
Grupos finitos de rotações de R3
Vimos como exemplos de grupos finitos de rotações em R3 , os grupos cíclicos Cn , os grupos
diedrais Dn e os três grupos de rotações dos sólidos platónicos, A4 , S4 e A5 . Todos eles
são grupos de simetria. Na verdade estes exemplos esgotam todas as possibilidades, como
provaremos.
Exercício 118 Prove que os grupos de rotações dos sólidos platónicos não são cíclicos
nem diedrais.
Como já vimos, um grupo de rotações de R3 tem um ponto a que é fixo para todas as
suas rotações e, portanto, a menos de conjugação pela translação Ta , podemos supor que
é um subgrupo de SO(3).
Seja então G ∙ SO(3); como já vimos toda a rotação tem um eixo e, por isso, para
g 2 G existe um único par de pontos antípodas x, ¡x 2 S 2 , ditos os pólos de g, tal
que g(x) = x e g(¡x) = ¡x (excepto se g = id em que todos os pontos são fixos):
fx, ¡xg = l\ S 2 em que l é o eixo de g; além disso toda a rotação fica completamente
determinada pela sua restrição à esfera unitária S 2 .
Vamos agora provar um facto básico da geometria da esfera que iremos usar.
Lema 119 (Triângulos Esféricos) Numa esfera, a soma dos ângulos de qualquer triângulo é maior do que 180o .
Na geometria esférica, consideramos como rectas os , que são as intersecções com a
esfera dos planos que passam pelo seu centro. Um triângulo esférico tem como lados
três arcos de círculos máximos. O Lema anterior é consequência imediata do seguinte
resultado sobre áreas:
Teorema 120 Seja ∆ ½ S 2 um triângulo com ângulos a, b, c. A área de ∆ é igual a
(a + b + c) ¡ π.
Prova. Sejam A, B, C os vértices de ∆ e l, m, n os círculos máximos que contêm os
seus lados, como se representa na figura seguinte.
Dois cìrculos máximos intersectam-se em pontos antípodas e definem quatro regiões na
esfera: gomos com vértices nesses pontos; considere-se o gomo entre m e n que contém
∆: sendo 4π = 2 £ 2π a área da esfera, a área do gomo é proporcional ao ângulo a e é
portanto 2a; analogamente os gomos entre n e l e entre m e l que contêm ∆ têm áreas
iguais a 2b e 2c,respectivamente. Sejam T1 , T2 e T3 os triângulos que em cada um destes
três gomos são o complementar de ∆.
Note-se que cada círculo máximo é invariante pela inversão central, I0 , e cada par
de gomos verticalmente opostos definido por dois círculos máximos é permutado por I0 .
Sejam T10 , T20 e T30 os triângulos que são centralmente simétricos a T1 , T2 e T3 , respectivamente. A outra figura representa a esfera com os três círculos máximos que definem ∆
(sombreado).
58
A
n
a
B
b
m
l
c
C
É a figura planar que se obtém por projecção estereográfica a partir de um ponto exterior
aos três círculos. Para além dos triângulos Ti eos seus simétricos Ti0 , estão também representados os simétricos dos vértices de ∆, A0 , B 0 e C 0 . Como a inversão central preserva
a área, temos que Ti e Ti0 , i = 1, 2, 3 têm a mesma área.
A
T3
n
m
B
l
T2
C
T1
T'2
T'3
A'
C'
B'
T'1
Considerando a semi-esfera que na figura corresponde ao disco delimitado por m, ela
decompõe-se em quatro triângulos e representando as áreas das figuras pelos seus nomes,
59
temos
2π
∆ + T1
∆ + T2
∆ + T3
=
=
=
=
∆ + T1 + T3 + T20 = ∆ + T1 + T3 + T2
2a
2b
2c
Calculando,
2∆ + 2π = 2a + 2b + 2c
o que estabelece o resultado.
Recordemos outro facto básico sobre rotações: o conjugado de uma rotação de ordem
n por uma isometria é ainda uma rotação de ordem n. Seja ρ = R(l, θ) e σ uma isometria.
Seja R(l, θ) = RH RJ em que J, H são dois planos que se intersectam em l e fazem entre
si um ângulo θ/2.
σρσ −1 = σRH RJ σ −1 = σRH σ −1 σRJ σ −1 = Rσ(H) Rσ(J)
σ(H) \ σ(J) = σ(H \ J) = σ(l) e a ordem de um conjugado σρσ −1 é igual à ordem de ρ;
se σ, ρ 2 G ∙ I(R3 ), σρσ −1 2 G e portanto temos o seguinte resultado:
Lema 121 Se G é um grupo de isometrias, σ, ρ 2 G em que ρ é uma rotação de ordem
n e eixo l, então G contém uma rotação de ordem n e eixo σ(l).
Seja G ∙ SO(3) finito. Vamos distinguir três casos:
1. G contém apenas a identidade e meios-giros.
2. Todas as rotações de G de ordem maior que 2 têm o mesmo eixo.
3. G contém rotações de ordem maior que 2 e com eixos distintos.
Caso 1. O produto de dois meios-giros R(m, π) e R(n, π) é um meio-giro sse os eixos
m e n são perpendiculares. Portanto se um grupo de rotações está neste caso ele tem
apenas 0, 1, ou 3 meios-giros e será portanto C1 , C2 ou D2 respectivamente.
Caso 2. Suponhamos agora que G tem rotações de ordem maior que 2, mas que têm
todas o mesmo eixo l. Como já sabemos, essas rotações formam um subgrupo de G que é
cíclico: Cn = hρi. Pelo Lema anterior todas as rotações de G têm de manter l invariante;
portanto as únicas rotações possíveis com eixos diferentes de l são meios-giros com eixos
perpendiculares a l; seja σ um desses meios-giros: para outro qualquer desses meios-giros,
α, temos que ασ 2 Cn e portanto G é gerado por ρ e σ, isto é G »
= Dn .
2
Caso 3. Consideramos em S os pólos das várias rotações de G: como G é finito,
entre as rotações de ordem maior que 2 e eixos distintos há dois pólos, digamos P e
Ã
! Ã
!
Q, a distância mínima. Sejam α, β geradores das rotações de G com eixos 0P e 0Q,
respectivamente; seja p ¸ 3 a ordem de α e q ¸ 3 a ordem de β. O produto βα é uma
60
Ã
! Ã
!
rotação de ordem r, digamos. Seja H o plano definido pelas duas rectas 0P e 0Q; podemos
Ã
!
escrever α = RH RJ e β = RL RH em que J é um plano por 0P que faz com H um ângulo
Ã
!
de π/p e L é um plano por 0Q que faz com H um ângulo de π/q. βα é uma rotação de
eixo J \ L, com o ângulo entre os dois planos igual a π/r; seja R um pólo dessa rotação
como representamos na figura seguinte:
P
Q
R
0
Os três planos H, J, L intersectam S 2 em três círculos máximos que contêm os três arcos
do triângulo esférico de vértices P, Q, R (sombreado); os ângulos deste triângulo são os
ângulos diedrais entre os três planos: π/p, π/q e π/r em P , Q e R respectivamente.
Pelo Lema sobre triângulos esféricos
1 1 1
+ + >1
p q r
Como (1/p) + (1/q) ∙ 2/3, então r < 3 logo r = 2: βα é um meio-giro.
1
1 1
+ >
p q
2
, (p ¡ 2)(q ¡ 2) < 4
r = 2)
Temos cinco soluções para esta desigualdade:
p
p
p
p
p
=
=
=
=
=
3
3
3
4
5
,
,
,
,
,
q
q
q
q
q
=3
=4
=5
=3
=3
Reconhecem-se os pares de números - tipo de face, tipo de vértice - associados aos sólidos
Ã
!
platónicos. Considerando as imagens de Q pelas p rotações de eixo 0P , Qi = αi (Q),
i = 0, 1, ..., p ¡ 1, obtemos os vértices de um polígono esférico regular, com P como centro
(figura seguinte).
61
Q2
R2
Q1
P2
R1
P
Q=Q0
R
Q p-1
P1
As imagens de R são os pontos médios das arestas desse polígono: a imagem do plano
H , e em particular de Q, pela rotação α−1 = RJ RH é RJ RH (H) = RJ (H) ou seja, é
dada pela reflexão no plano J; como o plano L é perpendicular a J (porque, como vimos,
r = 2) ele é enviado em si mesmo por RJ : R é portanto o ponto médio da aresta QQp−1 .
Em qualquer dos cinco casos, a existência dos sólidos platónicos inscritos na esfera, e
Ã
!
a estrutura dos seus grupos de rotação, implica que as rotações em torno de 0Q enviam
aquele p-polígono em q polígonos com vértice Q e continuando a rodar em torno de outros
vértices destes polígonos obtemos uma pavimentação da esfera por p-polígonos, cujos
vértices são os do correspondente sólido platónico inscrito (os centros, sucessivas imagens
de P , são os vértices do sólido dual); pela escolha de P e Q à distância mínima, estes
vértices e centros são todos os pólos de rotações de G de ordem maior ou igual a três; os
pontos médios das arestas, sucessivas imagens de R, são pólos de rotações de ordem dois
(meios-giros): temos assim todas as rotações do sólido platónico construído.
Vejamos agora que G não contém de facto mais nenhuma rotação : se contivesse seria
um meio-giro γ cujo pólo, digamos S, estaria ou no interior de uma das arestas, mas
diferente do ponto médio (um dos derivados de R) ou no interior de um dos polígonos,
mas diferente do centro. Seja Q o vértice mais perto de S e P o centro do polígono:
usando a notação anterior para α e β relativamente a P e Q, teríamos que γβ seria uma
rotação de ordem q com o pólo γ(Q) mais perto de P do que Q, o que contraria a escolha
de P e Q a distância mínima, excepto se acontecesse γ(Q) = P , caso em que S seria
o ponto médio de P Q; mas neste caso teríamos que βγ(P ) = Q e como nenhuma das
rotações de ordem maior do que dois envia P em Q, βγ seria um meio-giro e portanto
βγ = γ logo β = id o que é absurdo.
Provámos assim o seguinte teorema:
Teorema 122 Seja G um grupo finito de rotações de R3 . Então G é cíclico, diedral, ou
um grupo de rotações de um sólido platónico.‘
62
Os grupos finitos de rotações de R3 são grupos de simetria. Para cada um dos casos
do teorema anterior é possível construir um sólido cujo grupo finito das simetrias consista
apenas de rotações.
Como vimos, no caso dos grupos cíclicos e diedrais esses sólidos podem obter-se de prismas ou anti-prismas acrescentando telhados; no caso dos 3 grupos de rotações de sólidos platónicos, podemos, analogamente, acrescentar telhados às faces desses sólidos que
impeçam as reflexões mas permitam todas as simetrias rotacionais: por exemplo, considerando o tetraedro, o octaedro e o icosaedro, podemos acrescentar às faces triangulares
um telhado segundo o padrão representado na figura anterior.
8.6
Subgrupos finitos de I(R3 )
Como todo o grupo finito de isometrias, G, tem um ponto que é fixo por todos os seus elementos, podemos, sem perda de generalidade, supor que G ∙ O(3). Como já classicámos
o caso G ∙ SO(3), supomos agora que G contém uma isometria inversa.
Distinguimos dois casos, consoante G contém ou não a inversão na origem, I0 (x) = ¡x.
Seja H = G \ SO(3) o subgrupo das rotações de G e α1 , α2 , ..., αn os seus elementos;
então, se I0 2 G, as isometrias inversas G ¡ H são I0 α1 , I0 α2 , ..., I0 αn e, à semelhança
do que fizemos para os sólidos platónicos com simetria central, é fácil provar que G é
isomorfo a H £ f§1g. Reciprocamente, dado um qualquer subgrupo finito H ∙ SO(3) se
definirmos G por G = H [ fI0 h : h 2 Hg, mostra-se, usando o facto que I0 comuta com
qualquer f 2 O(3), que G é um grupo e isomorfo a H £ f§1g.
Exercício 123 Prove as afirmações do último parágrafo.
Designemos por H o grupo H £f§1g e por T , O e I os grupos de rotações do tetraedro,
ocatedro (ou cubo) e icosaedro (ou dodecaedro) respectivamente. Concluímos que se um
grupo de isometrias finito contém a inversão central ele é um dos grupos
C1 , C2 , C3 , ... D2 , D3 , D4 , ... T , O, I
63
Exercício 124 Construa prismas ou anti-prismas (com ou sem telhados) que tenham
grupos de simetria Ci , i = 1, 2, ... e Di , i = 2, 3, ...(Sugestão: recorde que os prismas Pn
e anti-prismas P0n têm simetria central quando n é par ou ímpar, respectivamente...)
Nota: Para construir sólidos com grupos de rotações Cn e Dn , bastar-nos-ia considerar
prismas com telhados adicionados; a razão para considerar também anti-prismas prendese com a sugestão dada no exercício anterior.
Os grupos O e I são, como vimos anteriormente, os grupos de simetria do octaedro
e icosaedro, respectivamente; o mesmo não acontece com T que não é isomorfo a S4 , o
grupo de simetria do tetraedro: no entanto,S podemos construir um sólido com grupo de
simetria T , considerando um cubo com um padrão adicionado às faces, como se representa
na figura seguinte ( e que pode ser realizado através da adição de telhados com cumieiras
segundo as direcções desenhadas)
Exercício 125 Prove que o objecto representado na figura anterior tem de facto grupo
de simetria T »
= A4 £ f§1g.
Consideramos agora o segundo caso: de G ser um subgrupo finito de O(3) com isometrias inversas mas sem inversão central.
Sejam H = G \ SO(3) = fα1 , α2 , ..., αn g e G ¡ H = fβ 1 , β 2 , ..., β n g em que nenhuma
das isometrias inversas β i é a inversão central I0 . Sejam γ i = I0 β i , i = 1, 2, ..., n e
K = H [ fγ 1 , γ 2 , ..., γ n g: isto é, substituimos em G todas as isometrias inversas pelas suas
compostas com a inversão central, obtendo assim n rotações distintas; se αj = γ i = I0 β i ,
seria αj β −1
i = I0 o que contraria a nossa hipótese: temos assim que K é um conjunto de
2n rotações. Acontece que K é um grupo:
Exercício 126 Mostre que de facto K ∙ SO(3).
64
Reciprocamente suponhamos que temos um grupo de rotações K ∙ SO(3) que contém
H como subgrupo de índice 2; sejam γ i , i = 1, 2, ..., n as rotações de K ¡ H: K =
H [ fγ 1 , γ 2 , ..., γ n g; Seja G o conjunto que se obtém de K substituindo as n rotações
γ i pelas suas compostas com I0 , β i = I0 γ i : então G é um grupo, que contém H como
subgrupo de índice 2, e que não contém a inversão central I0 .
Exercício 127 Prove as afirmações anteriores sobre o conjunto G.
Notação: Vamos designar o grupo G obtido de K, H pelo processo descrito por
K H.
Exercício 128 Mostre que K e K
H são isomorfos.
Em conclusão: mostrámos que se G é um subgrupo finito de O(3), com isometrias
inversas todas diferentes da inversão central, e se H é o seu subgrupo de rotações, então
G é igual a K
H em que K é um subgrupo de SO(3) que contém H como subgrupo
de índice 2. Em face do último exercício, vemos que do ponto de vista algébrico (a menos
de isomorfismo) não há novos grupos neste caso, mas há descrições diferentes em termos
do tipo de isometrias que os constituem (só rotações ou rotações e isometrias inversas) o
que tem relevância quando os estudamos como grupos de simetria de certos sólidos.
Podemos agora completar a nossa análise, verificando quais os grupos de rotações
H que são subgrupos de índice 2 de grupos de rotações maiores; temos cinco casos:
H = Cn , Dn , T, O, I.
Os grupos de rotações de ordem 2n que contêm Cn são C2n e Dn ; o único grupo de
ordem 4n que contém Dn é D2n ; quanto aos grupos T, O, I, não há grupos de rotações em
que metade dos seus elementos sejam os 60 elementos de I ou os 24 elementos de O, mas
T »
= A4 ∙ S4 »
= O.
Concluímos, assim, a classificação dos grupos finitos de isometrias de R3 :
Teorema 129 (de Hessel) Seja G ∙ O(3) finito.
1. Se G ∙ SO(3) (G é um grupo de rotações), G é um dos grupos
Cn , Dn , T , O , I
2. Se G 6½ SO(3) (G contém isometrias inversas) temos dois casos:
(a) Se I0 2 G (G contém a inversão central) G é um dos grupos
Cn £ f§1g , Dn £ f§1g , T £ f§1g , O £ f§1g , I £ f§1g
(b) Se I0 2
/ G, G é um dos grupos
C2n
Cn , Dn
65
Cn , D2n
Dn , O
T
Finalmente, pode-se verificar que os últimos grupos que obtivemos são também grupos
de simetria de sólidos, o que deixamos como exercício.
Exercício 130 Verifique que O
T é simplesmente o grupo de simetria do tetraedro.
Exercício 131 Construa prismas e anti-prismas (com telhados) cujos grupos de simetrias sejam C2n Cn , Dn Cn e D2n Dn .
Note-se que do ponto de vista puramente algébrico, depois do estudo dos grupos finitos
de rotações, a consideração de grupos finitos de isometrias contendo também isometrias
inversas apenas acrescentou àquela lista de rotações os seus produtos directos com f§1g.
Portanto, um grupo finito de isometrias de R3 é isomorfo a um grupo cíclico, diedral, o
produto de um destes com f§1g, ou ao grupo de simetrias de um sólido platónico.
8.7
Exercícios de revisão e aplicação...
1. Excluindo o tetraedro, descreva as simetrias de uma pirâmide com o polígono regular
de n lados, Pn , como base. Excluindo o octaedro, descreva também as simetrias da
correspondente bipirâmide.
2. Descreva as simetrias do prisma Pn , excluindo o cubo (n = 4); descreva também as
simetrias do anti-prisma P0n , excluindo o caso do octaedro.
3. Descreva as simetrias do octaedro truncado.
4. Prove ou negue a seguinte afirmação: uma reflexão rotativa que não é uma inversão
tem ordem infinita.
5. Mostre que o produto de dois meios-giros R(m, π) e R(n, π) é um meio-giro sse os
eixos m e n são perpendiculares.
6. Diga, justificando, quais das seguintes afirmações são verdadeiras e quais são falsas:
(a) Um grupo finito de isometrias directas de R3 é isomorfo a um dos grupos Cn ,
Dn , T , O ou I.
(b) Os grupos O e I são os únicos grupos de rotações G tais que G não é subgrupo
de um grupo de rotações cuja ordem é o dobro da de G.
(c) Se Rx , Ry , Rz designam os meios-giros em torno do eixo dos xx do eixo dos yy
e do eixo dos zz, respectivamente, então Ry Rx = Rz .
(d) Se a figura X está contida na figura Y , então o grupo de simetria de X é um
subgrupo do grupo de simetria de Y : S(X) ∙ S(Y ).
(e) Se um grupo G de isometrias de R3 contém apenas a identidade e rotações,
então G é um grupo cíclico.
(f) Os grupos C2n
Cn , Dn
Cn e D2n
66
Dn têm ordem 2n.
(g) Todo o subgrupo do grupo I de rotações do icosaedro é o próprio I ou então
um grupo Cn ou Dn .
(h) O grupo C2
C1 contém a identidade e uma reflexão; o grupo C1 contém a
identidade e uma inversão.
(i) Existe um único ponto que é fixo pelos elementos de um grupo finito de rotações.
(j) Rotações distintas α, β e αβ podem ter eixos concorrentes e
coplanares
7. Dê exemplo de um grupo de rotações infinito.
8. Determine o grupo de simetria do cuboctaedro.
9. Determine os grupos formados pelas simetrias que descreveu nos exercícios 1.,2. e
3.
10. Para cada um dos sólidos platónicos, descreva o poliedro convexo determinado pela
união das figuras-vértice de todos os seus vértices.
11. Vimos que todo o grupo finito de isometrias de R3 é um grupo de simetrias; será
também verdade que todo o grupo de isometrias é um grupo de simetrias? E todo
o grupo de rotações?
12. Considere os sólidos convexos cujas faces são triângulos isósceles congruentes; quantos desses sólidos há? Quais os seus grupos de simetria?
67
9
Grupos Cristalográficos
Vimos, nas secções anteriores, a classificação dos subgrupos finitos de I(R3 ); entre os
subgrupos não finitos de I(R3 ), os mais importantes são os que estão ligados à teoria
matemática dos cristais. Associado aos cristais, com uma estrutura atómica espacialmente
ordenada e regular, está o conceito de reticulado (ou malha; lattice em inglês).
Definição 132 Um reticulado L ½PRn é o conjunto das combinações lineares inteiras de
uma base fei gi=1,...,n de Rn : L = f ni=1 ri ei : ri 2 Zg.
No plano, um reticulado aparece como o conjunto dos vértices de uma malha de
paralelogramos, daí o nome.
Considerando L como um subgrupo do grupo aditivo Rn , L é naturalmente isomorfo
ao grupo Zn dos pontos de coordenadas inteiras,e que é o reticulado correspondente à
base canónica. Como subgrupo do grupo aditivo Rn , L é também naturalmente isomorfo a um subgrupo de I(Rn ) constituído por translações: TL = fTa : a 2 Lg; claro que
T = hTe1 , Te2 , ..., Ten i. Reciprocamente dado um subgrupo de translações, GT ∙ I(Rn ),
gerado por n translações em direcções independentes, temos associado um reticulado
L = ff (0) : f 2 GT g e TL = GT .
Exercício 133 Mostre que qualquer recta por dois pontos de um reticulado L contém um
número infinito de pontos de L.
Dada um reticulado L as translações que o deixam invariante são precisamente as
de TL . L pode ser invariante por outras isometrias: mas no caso das rotações há uma
restrição quanto às ordens que elas podem ter (dita restrição cristalográfica, que tem
importância especial para as formas possíveis que os cristais podem assumir):
Teorema 134 (Restrição cristalográfica) Se L ½ Rn é um reticulado com n = 2 ou
3 e ρ 2 S(L) é uma rotação de ordem m, então
m = 2, 3, 4 ou 6
Prova. Vejamos primeiro o caso n = 2. É claro que qualquer rotação R(C, θ) 2 S(L)
tem ordem finita: porque dado um ponto q 2 L , q 6= C, há apenas um número finito
de pontos de L à mesma distância de C.Considere-se o conjunto M ½ R2 dos centros de
todas as rotações de S(L); L ½ M porque L é invariante por todos os meios-giros com
centros nos seus pontos. M é um conjunto discreto: dada uma rotação ρ 2 S(L) de ordem
n com centro p 2 M ¡ L, seja q um ponto de L a distância mínima de p; p é o centroide
da órbita de q pela acção do grupo cíclico hρi: é claro que no interior do polígono regular
de vértices vi = ρi (q) , i = 1, 2, ...n, não há pontos de L e, por isso, também não pode
haver outro centro de uma rotação de S(L). Recorde-se que a conjugação fρf −1 , por uma
qualquer isometria f ,é ainda uma rotação de ordem n e centro f (p), e está em S(L)
se f é uma simetria de L; há portanto um número infinito de rotações de ordem n em
S(L): seja p1 6= p um centro de uma dessas rotações a distância mínima de p e seja
68
p2 = R(p1 , 2π/n)(p) outro desses centros (ver as figuras seguintes)
p
a
p1
p1
p
p3
b
b
p2
p2
Ora d(p2 , p) = 2 sin(π/n)d(p, p1 ) e portanto seria d(p2 , p) < d(p, p1 ) se fosse n > 6;
considerando agora p3 = R(p2 , 2π/n)(p1 ) verifica-se que se n = 5 (figura da direita, com
b = 2π/5) seria d(p3 , p) < d(p, p1 ). Cada um dos casos n = 2, 3, 4, 6 pode de facto ocorrer
como se pode verificar considerando os reticulados correspondentes a pavimentações do
plano por quadrados ou por triângulos equiláteros.
O caso n = 3 decorre do anterior: seja L ½ R3 um reticulado. O mesmo argumento
do caso anterior mostra que toda a rotação de S(L) tem ordem finita; se ρ = R(l, 2π/n) 2
S(L), seja q 2 L ¡ l um ponto a distância mínima de l e seja H um plano por q ortogonal
ao eixo l: claro que ρ restrito a H é uma rotação de centro p = H \ l. Vamos considerar
todas as rotações de S(L), de ordem n e com eixos paralelos a l e, portanto, que deixam
H invariante; tomando os conjugados Ta ρTa−1 para todos os a 2 L, vemos que há um
número infinito dessas rotações. O argumento do caso anterior aplica-se agora com as
restrições a H dessas rotações.
Prova alternativa. Seja L ½ Rn um reticulado com base fe1 , e2 , ...en g e f 2 S(L) \
O(n) ( f é linear): a matriz Z de f relativamente àquela base é uma matriz inteira.
Quando n = 2, 3 e f é uma rotação, existe uma base ortonormada em relação à qual a
matriz de f é
¸
∙
¸
∙
cos θ ¡ sin θ
Mθ 0
Mθ =
ou
0 1
sin θ cos θ
Esta matriz e a matriz Z são semelhantes, através da matriz mudança de base, e têm
portanto o mesmo traço, que é um inteiro. Então 2 cos θ 2 Z: as únicas possibilidades
são cos θ = 0, §1/2, §1 que correspondem a f ter ordem 2, 3, 4 ou 6.
Exercício 135 Dê exemplos de reticulados no plano que tenham, entre as suas simetrias,
rotações de ordem 2, 3, 4 ou 6.
Exercício 136 Mostre que se as simetrias de um reticulado contêm rotações de ordem
4, então não contêm rotações de ordem 3 nem 6.
Exercício 137 Explique como é que a prova alternativa do teorema anterior pode ser
completada, estendendo ao caso em que f 2 S(L) não é linear (pode até o seu centro não
69
ser sequer um ponto de L ou, no caso n = 3, o seu eixo não passar por L)(Sugestão:
recorde que toda a isometria se escreve como a composta de uma aplicação ortogonal com
uma isometria)
Definição 138 Um grupo cristalográfico é um subgrupo G ∙ I(Rn ) cujo subgrupo das
translações, GT = G \ Rn , constitui um reticulado.
Exercício 139 Mostre que a definição anterior é equivalente a dizer que G contém n
translações independentes, mas não contém translações por vectores de norma arbitrariamente pequena.
Note-se que na definição de grupo cristalográfico é apenas dito que o subgrupo das
translações forma um reticulado, mas não que o grupo em questão é o grupo de simetria
desse reticulado, nem mesmo que é um subgrupo deste; a equivalência de grupos cristalográficos é feita, digamos, a menos dos respectivos reticulados: as aplicações mais naturais
que enviam um reticulado noutro reticulado são aplicações afim, porque preservam as
relações de colinearidade e coplanaridade. Por isso, dizemos:
Definição 140 Dois grupos cristalográficos G, G0 ∙ I(Rn ) são equivalentes se são conjugados em Af im(Rn ).
Como é indicado mais adiante, sabe-se (1910, Bieberbach) que dois grupos cristalográficos são equivalentes se e só se são isomorfos como grupos, em abstracto.
9.1
A classificação dos grupos cristalográficos
Esta classificação existe para n = 2 e 3: foi feita no final do século XIX por E.S.Fedorov
e, um pouco mais tarde, também por A.Schoenflies. A menos de equivalência há 219
grupos cristalográficos espaciais; ou 230 se se considerar apenas as aplicações afins que
preservam a orientação (isto é, cuja parte linear tem determinante positivo). No caso
n = 2, estes grupos dizem-se grupos ornamentais ou grupos de papel-de-parede, pois
representam todos os tipos de padrões de simetria que podemos encontrar nesses papéis:
existem, precisamente, 17 grupos de papel-de-parede; sabe-se que todos estes 17 padrões
eram conhecidos, pelo menos empiricamente, pelos Mouros, como se pode verificar nos
ornamentos do Palácio de Alhambra em Granada (a história da identificação recente de
todos os 17 padrões no Alhambra é muito curiosa: ver o excelente vídeo [12]).
Há muitas textos de divulgação matemática (como rapidamente se comprova por uma
pesquisa na www) sobre os grupos de papel-de-parede, e há muitas provas elementares e
relativamente simples de que são de facto 17 e que contêm, em geral, a descrição de cada
um deles: ver [10] ou [4, Capítulo 11].
O livro Tilings and Patterns, [9], é a referência máxima em questões de simetria: nas
páginas 40 ¡ 45 pode encontrar também uma descrição cuidada dos 17 padrões; este
livro contém também uma prova da classificação, mas é menos elementar (aparece como
consequência de uma classificação mais geral de certos tipos de pavimentação); é curioso,
comparando coma última referência, que este livro ainda afirma que a ideia de que no
Alhambra seria possível detectar os 17 padrões é infundada.
70
Exercício 141 Obtenha, nas referências dadas, uma descrição dos 17 grupos cristalográficos planos e exemplos de padrões de simetria para cada um deles; prepare um processo
com transparências para verificar, em cada caso,as simetrias desses padrões.
Nota: em dimensão 2, uma classificação mais fácil do que a dos grupos de papel-deparede é a dos chamados grupos de friso: são grupos G ∙ I(R2 ) em que o subgrupo das
translações, GT = G \ Rn , não constitui um reticulado mas contém apenas translações
em direcções paralelas e sem translações por vectores de norma arbitrariamente pequena:
ou seja, GT = hTa i. Existem, a menos de equivalência, 7 grupos de friso: ver [4, Capítulo
10].
Exercício 142 Complemente o exercício anterior, incluindo os grupos de friso.
Seja G ∙ I(Rn ) um grupo cristalográfico e GT = G \ Rn o reticulado associado.
Recorde-se, mais uma vez,que toda a isometria f 2 I(Rn ) se escreve como f = Ta M com
M 2 O(n); M diz-se a parte ortogonal ou parte linear de f : dito de outro modo, I(Rn )
é o produto semi-directo O(n)£̃Rn . O subgrupo Ḡ das partes ortogonais dos elementos
de G é, portanto, um subgrupo de O(n) e é naturalmente isomorfo ao grupo quociente
G/GT (GT é subgrupo normal de índice finito): é chamado o grupo pontual de G (point
group em inglês).
Em 1910, L. Bieberbach provou os seguintes resultados gerais:
1. O subgrupo Ḡ é finito: GT é subgrupo normal de índice finito (para n = 3 tinha
sido provado por Schoenflies).
2. Dois grupos cristalográficos são equivalentes sse são isomorfos.
3. Para cada n, existe apenas, a menos de equivalência, um número finito de grupos
cristalográficos.
Nota: GT ∙ G é isomorfo a Zn , é normal de índice finito, e, além disso, mostra-se que
coincide com o seu centralizador em G: em 1948, H. Zassenhaus mostrou que a existência,
num grupo G, de um subgrupo com estas propriedades, é condição suficiente para G ser
isomorfo a um grupo cristalográfico.
Note-se que o grupo pontual Ḡ de um grupo cristalográfico G não é necessáriamente
isomorfo ao estabilizador, Stab(x) = Gx , de algum ponto x para a acção de G em Rn :
pode até nem ser isomorfo a nenhum subgrupo de G. No entanto Ḡ actua no reticulado
L ´ GT :
Lema 143 Seja G um grupo cristalográfico com reticulado L e grupo pontual Ḡ; então
Ḡ ∙ S(L).
Prova. Seja M 2 Ḡ e v 2 L; por definição, M é a parte ortogonal de algum elemento
f 2 G: f = Tx M para algum x 2 L; ora f Tv f −1 2 G mas
fTv f −1 = (Tx M)Tv (M −1 T−x ) = Tx (MTv M −1 )T−x = Tx TMv T−x = TMv
logo Mv 2 L; como isto não depende do x, concluímos a prova.
71
Exercício 144 Dê exemplo de um grupo cristalográfico G, com reticulado L, tal que G
não seja subgrupo de S(L).
Dê exemplo de um grupo cristalográfico G que não contenha nenhum subgrupo isomorfo
ao seu grupo pontual Ḡ.
Em dimensão 3, as diferentes formas que os cristais podem tomar, estão relacionadas
com os possíveis grupos pontuais dos grupos cristalográficos (isto prende-se com o chamado
domínio fundamental para a acção do grupo em R3 ); pelo Lema e pelo último teorema,
os elementos de Ḡ ∙ O(3) satisfazem a restrição cristalográfica. Mostra-se que, a menos
de conjugação, há exactamente 32 subgrupos finitos de O(3) que satisfazem a restrição
cristalográfica (ver um esquema de prova em [4]): cada um deles é grupo pontual de
um grupo cristalográfico e, com uma única excepção, todos correspondem às formas de
cristais que ocorrem de facto na natureza (ver [11]).
Referências
[1] Cederberg, Judith N., A Course in Modern Geometries, Springer-Verlag (1989)
[2] Fraleigh, John B., A First Course in Abstract Algebra, Addison-Wesley
[3] Fenn, Roger, Geometry, Springer-Verlag (2001)
[4] Martin, George E., Transformation Geometry - An Introduction to Symmetry,
Springer-Verlag (1982)
[5] Rees, Elmer G., Notes on Geometry, Springer-Verlag (1983)
[6] Stillwell, John, Geometry of Surfaces, Springer-Verlag (???)
[7] Stillwell, John, Classical Topology and Combinatorial Group Theory, Springer-Verlag
[8] Kuipers, J. B., Quaternions and Rotation Sequences, Princeton University Press
(1998)
[9] Grünbaum and Shephard, Tilings and Patterns, Freeman (1987)
[10] Schwarzenberger, R. L. E., The seventeen plane symmetry groups, Mathematical
Gazette, vol. 58 (1974), 123-131
[11] Buerger, M. J., Elementary Crystallography, John Wiley (1956)
[12] González, A. F. C. e Garcia, B. G., Arabescos y Geometría, UNED-Espanha (1995)
72
Índice
diedral, 26
finito de rotações do espaço, 58
ortogonal, 4
pontual, 71
simétrico, 27
Grupo linear especial, 4
Grupo linear geral, 4
Acção de grupo, 28
órbita, 27
estabilizador, 29
subgrupo de isotropia, 29
Afim
aplicação, 6
equiafim, 19
no plano, 19
shears e strains, 19
pontos independentes, 5
subespaço, 6
base de subespaço, 6
Anti-prismas, ver Prismas
Homeomorfismo, 3
Homotetia, 13
Imersão isométrica, 3
Inversão
central, 63
rotativa, 30
Isometria, 3
directa,inversa, 5
Círculos máximos, 58
Cauchy-Schwarz, 3
Colineação, 24
Coordenadas homogéneas, 9
Cristais, ver Grupo cristalográfico
Métrica euclidiana, 3
Octoniões, 35
Ortogonal, 4
aplicação, 4
matriz, 4
Dilatação, 15
Espaço métrico, 3
Esticão, ver Homotetia
Polígonos regulares, 25
Poliedro
convexo, 44
regular, 43
Ponto fixo, 14
Prismas, 41
telhados, 41
Projecção estereográfica, 59
Fórmula de Euler, 45
G-conjunto, ver Acção de grupo
Gram-Schmidt, 7
Grupo
alterno, 27, 53
apresentação finita, 26
bowtie, 65
cíclico, 27
cristalográfico, 68
de friso, 71
de papel-de-parede, 70
de simetria, 24
de simetria finito
no espaço, 40, 63
no plano, 27
de spin, 37
Quaterniões, 33
acção de grupo da esfera no espaço,
38
conjugados e inversos, 36
esfera tridimensional, 37
imaginários puros, 35
relação fundamental, 35
unitários, 37
73
Razão de ouro, 49
Reflexão
deslizante, 9
em hiperplano, 7
esticada, 14
rotativa, 30
Regra do paralelogramo, 3
Reticulado, 68
Rotação, 9
esticada, 14
meio-giro, 10
pólos, 58
Parafuso, 29
Sólidos Arquimedianos, 56
Sólidos Platónicos, 43
dualidade e inclusão, 47
grupos de simetria, 52
Simetria
central, 53
Similitude, 3
no espaço, 31
no plano, 12
Tenda, 50
Teorema
Adição de ângulos para rotações, 11
de Leonardo, 27
Hessel, 65
Hjelmslev, 10
restrição cristalográfica, 68
Translação, 9
Triângulo esférico, 58
74
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