Dissertação PERFIL DA SINALIZAÇÃO PARÁCRINA

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Dissertação
PERFIL DA SINALIZAÇÃO PARÁCRINA COOPERATIVA EM
RESPOSTA À TERAPIA GÊNICA COM VEGF PARA ANGINA
REFRATÁRIA: UMA CORRELAÇÃO ENTRE RESPOSTA IMUNE,
ANGIOGÊNESE E O HOMING DE CÉLULAS - TRONCO
Bruna Eibel
2
INSTITUTO DE CARDIOLOGIA DO RIO GRANDE DO SUL
FUNDAÇÃO UNIVERSITÁRIA DE CARDIOLOGIA
Programa de Pós-Graduação em Medicina:
Área de Concentração: Cardiologia e
Ciências Cardiovasculares
PERFIL DA SINALIZAÇÃO PARÁCRINA COOPERATIVA EM
RESPOSTA À TERAPIA GÊNICA COM VEGF PARA ANGINA
REFRATÁRIA: UMA CORRELAÇÃO ENTRE RESPOSTA IMUNE,
ANGIOGÊNESE E O HOMING DE CÉLULAS - TRONCO
Autor: Bruna Eibel
Orientador: Dr. Renato Abdala Karam Kalil
Co-orientadores: Dr. Rodrigo Della Méa Plentz
Dra. Melissa Medeiros Markoski
Dissertação submetida como requisito para
obtenção do grau de mestre ao Programa de
Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Área
de concentração: Cardiologia e Ciências
Cardiovasculares, da Fundação Universitária
de Cardiologia / Instituto de Cardiologia do
Rio Grande do Sul.
Porto Alegre, 2011
3
4
AGRADECIMENTOS
A Deus pela vida, por sempre me guiar e estar ao meu lado em todos os
momentos.
Aos meus pais Neldo e Ivete Eibel, por todas as oportunidades que já me
proporcionaram, por me ensinarem a trilhar a vida com dignidade, pessoas
maravilhosas,
sem
as
quais
este
momento
não
seria
possível,
amo-os
incondicionalmente.
A minha irmã Patrícia Eibel Weirich e ao meu cunhado Rogeri Weirich, por
sempre estarem ao meu lado, me incentivando. Ao meu sobrinho amado, Lucas Eibel
Weirich.
Ao meu namorado Cássio Montano Wilhelms, pelo apoio, motivação,
compreensão e amizade, sempre. Foi meu grande companheiro durante as dificuldades
encontradas ao longo do mestrado, obrigada por tudo.
Aos meus orientadores, Dr. Renato Abdala Karam Kalil, professor Dr. Rodrigo
Della Méa Plentz e professora Dra. Melissa Medeiros Markoski, que souberam ensinar
e guiar a direção correta para que esse crescimento fosse possível. Obrigada pela
orientação e incentivo em buscar o meu melhor.
À equipe da terapia gênica, Dr. Renato Abdala Karam Kalil, Imarilde Inês
Giusti, Clarissa Garcia Rodrigues, Felipe Borsu de Salles, Roberto Sant’Ana, Dra.
Nance Beyer Nardi, Dra. Melissa Medeiros Markoski e Dr. Andrés Delgado Cañedo,
pela oportunidade em participar de um trabalho pioneiro no país.
Aos colaboradores do trabalho, aos diferentes setores do Instituto de Cardiologia
do Rio Grande do Sul/Fundação Universitária de Cardiologia, que de alguma forma
contribuíram para a realização do mesmo.
5
Aos pacientes, pela paciência com o estudo e por confiarem na equipe da terapia
gênica.
Ao Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul/Fundação Universitária de
Cardiologia pela oportunidade na realização deste trabalho.
A amiga Melissa Medeiros Markoski, pela contribuição neste trabalho, pessoa
fundamental no desenvolvimento e conclusão do mesmo. Obrigada pelo grande
aprendizado adquirido durante o mestrado e pela amizade.
As minhas colegas de mestrado e grandes amigas Daniela Ravizzoni Dartora e
Lucinara Dadda Dias e aos meus colegas de laboratório durante o mestrado Graciele
Sbruzzi e Thiago Dipp, pessoas que contribuíram muito para meu crescimento
acadêmico.
As minhas amigas da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto
Alegre (UFCSPA), Cinara Stein e Janaína Ferreira, companheiras desde o início do
mestrado, agradeço pela amizade e aprendizado nesta etapa.
A Isabel Lameirinhas e a Ludmila Markoski, funcionárias da Fundação
Universitária de Cardiologia, pelo auxílio nas compras dos Kits e pela amizade.
Às pessoas que direta ou indiretamente auxiliaram no desenvolvimento e
conclusão deste trabalho.
6
SUMÁRIO
BASE TEÓRICA
1.
Introdução..................................................................................................... 13
2.
Cardiopatia Isquêmica ................................................................................. 15
2.1
Fatores de Risco Cardiovasculares............................................................... 20
2.2
A Sinalização Frente à Cardiopatia Isquêmica............................................
23
2.2.1 Mediadores Moleculares - O Papel das Citocinas no Processo Isquêmico.............
25
2.2.1.1
Citocinas Pró-Inflamatórias: Interleucina-6 e Fator de Necrose Tumoral-α..........
26
2.2.1.2
Citocina Anti-Inflamatória: Interleucina-10................................................. 30
2.2.2
Disfunção Endotelial....................................................................................
32
3.
Revascularização Cardíaca.....................................................................................
37
3.1
Aspectos Moleculares do Processo de Isquemia - Reperfusão...................
38
3.2
Angiogênese............................................................................................................
39
3.3
O Homing de Células - Tronco....................................................................
42
4.
Terapias Alternativas para Cardiopatia Isquêmica....................................... 44
4.1
Terapia Celular.............................................................................................
44
4.2
Terapia Gênica.............................................................................................
47
4.2.1
Histórico.......................................................................................................
47
4.2.2
Estratégias da Terapia Gênica......................................................................
50
4.2.3
Vetores.........................................................................................................
52
4.2.4
Terapia Gênica na Cardiologia.....................................................................
55
4.2.5
Terapia Gênica com VEGF..........................................................................
57
4.2.6
Estudos Pré-Clínicos Relevantes para a Cardiologia...................................
59
4.2.7
Estudos Clínicos Relevantes para a Cardiologia..........................................
62
7
4.2.8
Eficácia e Segurança....................................................................................
5.
Experiência Local......................................................................................... 70
6.
Justificativa................................................................................................... 71
7.
Hipótese de Pesquisa....................................................................................
72
8.
Objetivos......................................................................................................
73
8.1
Objetivo Geral.........................................................................................................
73
8.2
Objetivos Específicos.............................................................................................. 73
9.
Referências Bibliográficas...........................................................................
68
74
ARTIGO
Resumo......................................................................................................... 93
Introdução..................................................................................................... 94
Métodos........................................................................................................ 96
Análise Estatística........................................................................................
98
Resultados....................................................................................................
98
Discussão...................................................................................................... 101
Referências...................................................................................................
108
Legendas das Figuras...................................................................................
112
Tabela 1........................................................................................................
114
Tabela 2........................................................................................................
115
Figura 1........................................................................................................
116
Figura 2........................................................................................................
119
8
LISTA DE ABREVIATURAS
DCV - Doenças Cardiovasculares
DAC - Doença Arterial Coronariana
IAM - Infarto Agudo do Miocárdio
VEGF - Fator de Crescimento Endotelial Vascular (Vascular Endothelial
Growth Factor)
EUA - Estados Unidos da América
CRM - Cirurgia de Revascularização do Miocárdio
ICP - Intervenção Coronária Percutânea
MMPs - Matriz Metaloproteinases
AVC - Acidente Vascular Cerebral
ICAM-1 - Fator de Adesão Intracelular
VCAM-1 - Fator de Adesão Vascular
NK - Células Natural Killer
M-CSF - Fator Estimulante da Colônia de Macrófagos
SMC - Células Musculares Lisas
HAS - Hipertensão Arterial Sistêmica
DM - Diabetes Mellitus
CRP - Proteína C Reativa
IL-6 - Interleucina-6
TNF- - Fator de Necrose TumoralTG - Triglicérides
VLDL - Lipoproteína de Densidade Muito Baixa
LDL - Lipoproteína de Densidade Baixa
9
OMS - Organização Mundial da Saúde
ATP - Trifosfato de Adenosina
ROS - Espécies Reativas de Oxigênio
PAF - Fator Ativador de Plaquetas
IL-1 - Interleucina-1
NO - Oxido Nítrico (Nitric Oxide)
IL-8 - Interleucina-8
MCP-1 - Proteína Quimiotática Monocitária-1
Ig - Imunoglobulina
IC - Insuficiência Cardíaca
IFN-γ - Interferon-γ
TIMP-1 - Inibidor Tissular das Metaloproteinases-1
EDRF - Fator de Relaxamento Derivado do Endotélio
EDHF - Fator Hiperpolarizante Derivado do Endotélio
PGI2 - Prostaciclina
EDCF - Fator de Contração Derivado do Endotélio
ET - Endotelinas
ANG II - Angiotensina II
eNOS - Enzima Óxido Nítrico Sintase Endotelial
iNOS - Enzima Óxido Nítrico Sintase Induzida
nNOS - Enzima Óxido Nítrico Sintase Neuronal
PKC - Proteína-Quinase C
NF-κB - Fator de Transcrição Nuclear
EPC - Células Progenitoras Endoteliais
ACTP - Angioplastia Coronária Transluminal Percutânea
10
FGF - Fatores de Crescimento dos Fibroblastos
PLGF - Fator de Crescimento da Placenta
ANGPT-1 - Angiopoietina
PR-39 - Peptídeo Derivado de Macrófagos
HIF-1α - Fator de Transcrição Induzível por Hipóxia-1α
PKB - Proteína-Quinase B
SDF-1- Stromal cell-Derived Factor-1
HIV - Vírus da Imunodeficiência Humana
GRKs - Receptor Quinase Acoplado a Proteína G
MSC - Células-Tronco Mesenquimais
NIH - National Institutes of Health
ADA - Deficiência da Enzima Adenosina Deaminase
AIDS - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
TUNEL - Terminal Deoxynucleotidyl Transferase-Mediated dUPT Nick EndLabelling
MEM - Mapeamento Eletromecânico
CCS - Classe de Angina
G-CSF - Fator de Estimulação de Colônias de Granulócitos
HGF - Fator de Crescimento dos Hepatócitos
NYHA - Classificação Funcional da New York Heart Association
11
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Participação da inflamação em todos os estágios da aterosclerose.................19
Figura 2. Seqüência de eventos no processo da angiogênese.........................................40
Figura 3. Mediadores bioquímicos envolvidos no processo pelo qual a hipóxia e a
inflamação levam à angiogênese.....................................................................................42
Figura 4. Processo de inserção do plasmídeo.................................................................54
Figura 5. Mobilização de EPC para neovascularização.................................................59
12
BASE TEÓRICA
13
1. INTRODUÇÃO
As doenças cardiovasculares (DCV) são responsáveis pela maior taxa de
morbidade e mortalidade além de representar elevados custos sociais e econômicos. A
doença arterial coronariana (DAC) é um problema de crescente prevalência,
principalmente nos grandes centros e nas populações de faixa etária mais elevada, sua
mortalidade corresponde a 80% dos óbitos por DCV 1,2. A DAC é causada por uma
deficiência no aporte sanguíneo que pode levar ao infarto agudo do miocárdio (IAM). O
infarto envolve a necrose de tecido cardíaco com consequente morte celular e destruição
de vasos sanguíneos. A regeneração e revascularização deste tecido morto e das áreas
adjacentes (isquêmicas) podem ser alcançadas através de dois processos biológicos: o
homing, ou migração e fixação, de células-tronco que podem gerar cardiomiócitos
maduros, e a angiogênese, que promove a reconstituição dos vasos e o retorno da função
do endotélio vascular.
A angiogênese é caracterizada pela formação de novos vasos a partir do
endotélio de vasos já existentes e possui papel essencial no desenvolvimento
embrionário, reparo tissular e progressão de uma variedade de processos patológicos 3,4.
O principal fator pró-angiogênico é o de crescimento endotelial vascular (vascular
endothelial growth factor - VEGF), cuja função é promover a formação de novos vasos,
capilares e arteríolas. O VEGF funciona como um importante marcador tanto de dano
endotelial quanto mediador de reparo por ser um regulador das células endoteliais, o
qual tem o potencial de mediar a angiogênese durante o reparo tissular 5.
Com o intuito de induzir a angiogênese miocárdica, a terapia gênica, utilizando
vetores que induzem a expressão do VEGF, representa uma nova modalidade de
tratamento para a doença coronariana proporcionando melhora à função cardiovascular 6.
14
A disponibilidade de vetores com tropismo pelo miocárdio, capazes de expressão
protéica controlada a infusão de células progenitoras com potencial angiogênico e
regenerativo oferecem possibilidades de desenvolvimento de terapias baseadas em
proteção e regeneração do miocárdio isquêmico e insuficiente. A terapia gênica em
doenças cardiovasculares não visa a substituir um gene anormal, mas supra-regular a
expressão de uma proteína útil aumentando o conteúdo de DNA. Sua efetividade
depende do gene, do vetor e da forma de administração utilizados7.
Estando diante de uma nova modalidade de tratamento para a DAC devido à
possibilidade de desenvolvimento de novos vasos arteriais ou promoção do
remodelamento de vasos existentes, é de suma importância caracterizar a sinalização
parácrina cooperativa em resposta à terapia gênica com VEGF em pacientes com angina
refratária. A análise através da correlação entre liberação de citocinas, angiogênese e o
homing de células - tronco poderá proporcionar meios para fundamentar e entender as
possíveis alterações da neovascularização miocárdica obtidas por meio da terapia
gênica.
15
2. CARDIOPATIA ISQUÊMICA
As DCV têm sido estimadas em causar 17 milhões de mortes por ano,
representando uma das formas mais comuns de morte no mundo8. Pela progressão
corrente, estima-se que em 2030 as DCV sejam a causa de 23,6 milhões de mortes a
nível mundial9.
A doença coronária grave ainda é a principal causa de morte nos países
desenvolvidos, apesar de uma melhor gestão de fatores de risco e tratamentos mais
eficazes. Estima-se que cerca de 5 milhões de pessoas nos Estados Unidos da América
(EUA) e na União Européia têm a doença isquêmica do coração, no entanto, um número
crescente de pacientes estão em uma categoria em que técnicas de revascularização
atualmente disponíveis não podem ser aplicadas. Isto é especialmente inferido para
casos de pacientes com DAC severa sintomáticos, que tiveram múltiplas intervenções
ao passar dos anos, como cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM) e
intervenção coronária percutânea (ICP)10. Estima-se que esses pacientes representam
cerca de 3% a 5% de todos os pacientes em clínicas de cardiologia. Assim, há uma clara
necessidade de desenvolvimento de procedimentos alternativos, minimamente
invasivos, para o tratamento desses pacientes “inoperáveis” aos métodos tradicionais 4,11.
A doença aterosclerótica das artérias coronárias epicárdicas, causa mais comum
da isquemia miocárdica, ao reduzir a luz arterial provoca diminuição do fluxo sangüíneo
coronário restringindo a perfusão miocárdica já em estado basal ou limitando aumentos
proporcionais quando há necessidade de maior fluxo. Menos freqüentemente, trombos
arteriais, espasmos e êmbolos coronários podem determinar redução do fluxo sangüíneo
nas artérias coronárias epicárdicas, levando a um desequilíbrio entre a oferta e a
demanda de oxigênio a nível miocárdico12.
16
No século 20, o número de pacientes afetados por aterosclerose aumentou
dramaticamente. Doenças cardiovasculares, devido à aterosclerose, se tornaram a
primeira causa de morte no mundo em relação a doenças infecciosas no início do
século13.
Na fisiopatologia da cardiopatia isquêmica dois processos estão implicados: a
oferta e a demanda de oxigênio pelo miocárdio. A isquemia miocárdica ocorre quando
há desequilíbrio na oferta e na demanda de oxigênio. Por outro lado, duas situações
alteram a oferta de oxigênio para o miocárdio: a isquemia e a hipoxemia. Em algumas
condições, o comprometimento da oferta de oxigênio é secundário à diminuição do
fluxo sanguíneo, sendo essa a fisiopatologia da maioria dos casos de IAM e dos
episódios de angina instável. Em outras situações, como a hipertrofia ventricular, o
aumento na demanda de oxigênio é o principal responsável pela isquemia miocárdica 14.
Além disso, o sinergismo desses dois mecanismos é o principal fator na
determinação de isquemia nos casos de angina crônica estável. Esforço físico, estresse
emocional, taquicardia ou hipertensão arterial, associados à obstrução coronária, alteram
não só a demanda como a oferta de oxigênio, desencadeando isquemia miocárdica. A
hipoxemia, por sua vez, caracteriza-se pela redução da oferta de oxigênio, mas com
perfusão sanguínea adequada. Alguns exemplos desse quadro são as cardiopatias
congênitas cianóticas, asfixia, a insuficiência respiratória e a intoxicação por monóxido
de carbono15. Fatores que alteram a demanda e a oferta de oxigênio, portanto, são os
responsáveis pela evolução do paciente para síndrome coronária aguda e angina crônica
estável. De acordo com estatísticas do American Heart Association, 201013, a
prevalência de angina na população americana é de 4,6%, afetando 58% dos pacientes
com DAC e crescendo rapidamente com o aumento da idade.
17
O grau de obstrução da artéria responsável pelo episódio agudo, a ocorrência de
lesões em outros vasos e o grau de circulação colateral são os determinantes mais
importantes da diminuição da oferta; a pressão arterial sistêmica, a freqüência cardíaca e
a hipertrofia e contratilidade ventricular são as variáveis mais importantes na
determinação da demanda de oxigênio. Apesar da contribuição de todos esses fatores na
determinação da isquemia miocárdica, a doença aterosclerótica coronária é o substrato
anatômico mais importante na fisiopatogenia da cardiopatia isquêmica15. A partir de
estudos importantes da literatura16-19, sabemos hoje da importância do processo
aterotrombótico não só no desencadeamento da isquemia aguda como também na
progressão da doença aterosclerótica com relação à gravidade da obstrução da luz
vascular20,21.
A aterosclerose é marcada pela perda da elasticidade vascular aliada a uma
função anormal do endotélio, podendo ou não ocorrer um estreitamento obstrutivo do
lúmen do vaso. O conhecimento crescente acerca dos mecanismos patofisiológicos da
aterosclerose estabelece uma relação entre processos inflamatórios e oxidativos com a
lesão da parede vascular. A acumulação de derivados de colesterol, lipídios e detritos da
apoptose celular originam uma placa fibro-lipídica característica, o ateroma, susceptível
a eventual ruptura e extravasamento para a corrente sanguínea.
O desenvolvimento da placa aterosclerótica é um processo complexo,
antecedendo a DAC sintomática por muitos anos e envolvendo uma série de respostas
sistêmicas22. Após o acúmulo de partículas lipoprotéicas na camada íntima, o estresse
oxidativo promove a liberação de citocinas e a atração de células inflamatórias que
recrutam os lipídios, tornando-se células espumosas. Mediadores celulares ainda
influenciam a liberação da sinalização de efetores, tais como matriz metaloproteinases
(MMPs) e a migração de células musculares lisas da camada média para a íntima.
18
Subseqüente elaboração da matriz extracelular, calcificação e fibrose ocorrem,
resultando em uma cápsula fibrosa relativamente acelular em torno de um núcleo
lipídico. Ruptura da placa e posterior trombose estão relacionadas a uma série de
características, incluindo o tamanho e consistência da lesão, tensões de cisalhamento
(shear stress), função endotelial e o grau de inflamação15.
A história natural da aterosclerose pode ser dividida em três etapas: estágio I:
assintomático, formação de estrias gordurosas e placa fibrosa; estágio II: sintomático,
formação da placa fibrosa com calcificação medial, alargamento da placa fibrosa,
formação de trombos, significativa oclusão hemodinâmica do vaso para posterior
oclusão completa; estágio III: onde as três principais complicações são vistas: IAM,
acidente vascular cerebral (AVC) e isquemia de membros23.
A inflamação desempenha um papel em todas as fases da aterosclerose,
incluindo a ruptura da placa e trombose24 (Figura 1). Apesar de seu papel no
desenvolvimento da patologia aterosclerótica ainda ser incerto, tem-se mostrado que
moléculas de adesão (p. ex., moléculas de adesão intracelular e vascular, ICAM-1 e
VCAM-1) permitem o contato dos monócitos ao endotélio24,25. Recentemente, estudos
prospectivos
bem
conduzidos
demonstraram
que
a
inflamação
precede
o
desenvolvimento de doença clínica e pode servir como um marcador para eventos
futuros26,27. Células envolvidas no processo aterosclerótico incluem células vasculares
(endoteliais e musculares lisas), monócitos/macrófagos, linfócitos (T, B e células
natural killer - NK), células dendríticas e mastócitos. Eles secretam ou são estimulados
por fatores solúveis, incluindo peptídeos, glicoproteínas, proteases e um grande
conjunto de citocinas28.
19
Figura 1. Participação da inflamação em todos os estágios da aterosclerose. A - Recrutamento de leucócitos para a
lesão aterosclerótica nascente. Leucócitos do sangue mal aderem ao endotélio normal. Quando a monocamada
endotelial torna-se inflamada, ele expressa a aderência a moléculas que ligam ligantes cognatos em leucócitos.
Selectinas mediam o rolamento, ou chamada, interação com o endotélio luminal inflamado. Integrinas mediam o
anexo mais firme. Citocinas pró-inflamatórias expressas dentro do ateroma fornecem um estímulo quimiotático para a
aderência de leucócitos, direcionando sua migração a íntima. Mediadores inflamatórios como o fator estimulante da
colônia de macrófagos (M-CSF) podem aumentar a expressão de receptores de macrófago, levando a absorção de
partículas de lipoproteína modificadas e formação de macrófagos carregados de lipídios. M-CSF e outros mediadores
produzidos em placas podem promover a replicação de macrófagos também dentro da íntima. B - Linfócitos T
aderem aos macrófagos na íntima durante a evolução da lesão. Estes leucócitos, bem como células da parede vascular
residente, secretam citocinas e fatores de crescimento que pode promover a migração e a proliferação de células
musculares lisas (SMC). SMC expressam enzimas especializadas que podem degradar elastina e colágeno em
resposta à estimulação inflamatória. Esta degradação da matriz extracelular arterial permite a penetração das SMC
através das lâminas elásticas e matriz de colágeno da placa crescente. C - Mediadores inflamatórios podem inibir a
síntese do colágeno e evocam a expressão de colagenases por células espumosas dentro da lesão intimal. Essas
alterações no metabolismo da matriz extracelular fina da placa fibrosa tornam-a fraca e suscetível a ruptura. A
ativação cruzada entre linfócitos T e macrófagos aumenta a expressão do fator de tecido pró-coagulante. Assim,
quando ocorrer a ruptura da placa, o fator de tecido induzido pela inflamação sinaliza disparadores do trombo que
causa graves complicações da aterosclerose29.
20
Como uma das principais conseqüências da resposta inflamatória no início da
formação do ateroma, células musculares lisas migram da túnica média para a íntima.
Essas células proliferam e elaboram uma matriz extracelular rica e complexa. Em
concerto com células endoteliais e monócitos, secretam MMPs em resposta a vários
sinais hemodinâmicos, oxidativos, inflamatórios e auto-imunes. MMPs, em equilíbrio
com seu inibidor tecidual endógeno, modulam várias funções das células vasculares,
incluindo ativação, proliferação, migração e morte celular, bem como a formação de
novos vasos, remodelação geométrica, cura, ou destruição da matriz extracelular das
artérias e do miocárdio28.
Determinados componentes da matriz extracelular, lipoproteínas (principalmente
proteoglicanos) ligam-se para prolongar a sua permanência na camada íntima, e tornálos mais suscetíveis à modificação oxidativa e glicação (conjugação não enzimática com
açúcares)30. Estes produtos de modificação de lipoproteínas, incluindo fosfolipídios
oxidados e produtos finais da glicação avançada, sustentam e propagam respostas
inflamatórias31,32. À medida que a lesão progride, uma calcificação pode então ocorrer
através de mecanismos semelhantes aos da formação óssea 33. Além da proliferação,
comumente ocorre morte celular (incluindo apoptose) na lesão aterosclerótica
estabelecida34. A morte de macrófagos carregados de lipídios pode levar ao depósito
extracelular de fator tecidual35. A camada lipídica extracelular que se acumula na íntima
pode resultar em necrose do núcleo da placa aterosclerótica.
2.1 Fatores de Risco Cardiovasculares
O processo aterosclerótico é insidioso, iniciando-se na adolescência com as
placas gordurosas e progredindo para complicações trombóticas na idade adulta e na
população geriátrica. Diversos fatores, agindo sinergisticamente ou não, estão
21
associados à presença de placas ateroscleróticas não só no leito coronário como também
nos vasos cerebrais e periféricos36. Estudos epidemiológicos atuais demonstram que
hipertensão arterial sistêmica (HAS), tabagismo, dislipidemias, diabetes mellitus (DM),
intolerância à glicose, resistência à insulina, insuficiência renal crônica, história
familiar, obesidade (desproporção cintura-quadril), sedentarismo, fatores psicossociais,
idade, sexo, e deficiência de estrógeno são fatores de risco reconhecidos para o
desenvolvimento futuro de DCV37. Outros fatores de risco são considerados, onde
várias substâncias dosadas no sangue têm demonstrado relação com risco coronário
maior, valor total de homocisteína, lipoproteína, marcadores da função fibrinolítica
(PAI-1, t-PA e d-dímero), fibrinogênio e marcadores inflamatórios (proteína C reativa CRP, interleucina 6 - IL-6, ICAM-1 e fator de necrose tumoral- - TNF- )38,39. Esses
fatores de risco, isolados ou associados, determinam um processo acelerado de
envelhecimento dos vasos, fazendo com que mais precocemente aconteça uma resposta
endotelial40-42.
Na dislipidemia, os lípides biologicamente mais relevantes são os fosfolípides, o
colesterol, os triglicérides (TG) e os ácidos graxos. Os fosfolípides formam a estrutura
básica das membranas celulares; o colesterol é precursor dos hormônios esteróides, dos
ácidos biliares e da vitamina D, além disso, como constituinte das membranas celulares,
o colesterol atua na fluidez destas e na ativação de enzimas; os triglicérides são
formados a partir de três ácidos graxos ligados a uma molécula de glicerol e constituem
uma das formas de armazenamento energético mais importante no organismo,
depositados nos tecidos adiposo e muscular; os ácidos graxos podem ser classificados
como saturados (sem duplas ligações entre seus átomos de carbono), mono ou
polinsaturados de acordo com o número de ligações duplas na sua cadeia. Bases
fisiopatológicas das dislipidemias primárias mostram que o acúmulo de quilomícrons
22
e/ou de lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL) no compartimento plasmático
resulta em hipertrigliceridemia e decorre da diminuição da hidrólise dos triglicérides
destas lipoproteínas pela lipase lipoprotéica ou do aumento da síntese de VLDL. O
acúmulo de lipoproteínas ricas em colesterol como a lipoproteína de baixa densidade
(LDL) no compartimento plasmático resulta em hipercolesterolemia, este acúmulo pode
ocorrer por doenças monogênicas, em particular, por defeito no gene do receptor de
LDL ou no gene da apo B100. Mais comumente, a hipercolesterolemia resulta de
mutações
em
múltiplos
genes
envolvidos
no
metabolismo
lipídico,
as
hipercolesterolemias poligênicas. Nestes casos, a interação entre fatores genéticos e
ambientais determina o fenótipo do perfil lipídico43.
O tabagismo é considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo
Departamento de Saúde dos EUA como o mais importante fator de risco evitável de
morbidade e de mortalidade para doenças cardiovasculares. Apesar das inúmeras
evidências dos malefícios do cigarro, aproximadamente 1/5 da população mundial é
composta de fumantes estimando-se que haja cerca de 100 mil mortes/ano44.
A HAS é a maior representante dos fatores de risco cardiovasculares, cerca de
40% dos óbitos por DAC são resultantes de HAS 40,41,45. As dislipidemias, a HAS e o
DM são considerados as principais entidades mórbidas.
Portanto, a doença aterosclerótica é considerada multifatorial, e sua prevenção
passa pela identificação do conjunto dos fatores de risco. Dados epidemiológicos
mostram que a probabilidade de um indivíduo de 50 anos, sem exposição a fatores de
risco, desenvolver um evento coronariano é de 6% em 10 anos46.
A progressão da DAC causa seqüelas como necrose por infarto do miocárdio e
fibrose por isquemia crônica severa, levando à perda progressiva da função contrátil e
do relaxamento, à miocardiopatia isquêmica, com sintomas de insuficiência cardíaca,
23
arritmias e morte47. O miocárdio tem capacidade de regeneração limitada, pois embora
tenham sido demonstradas células-tronco cardíacas, estas não são suficientes para
compensar grandes perdas de tecido, como ocorre em infartos do miocárdio, mesmo
clinicamente pequenos. Como resultado disso, isquemia irreversível (IAM) resulta em
progressiva substituição das células miocárdicas mortas por fibrose (cicatriz) com
redução da função sistólica e diastólica do coração e iniciando a síndrome clínica da
insuficiência cardíaca com início de toda a ativação neuro-hormonal própria da doença.
2.2 A Sinalização Frente à Cardiopatia Isquêmica
Durante a isquemia, o metabolismo anaeróbico prevalece, com aumento de
lactato e fosfato inorgânico e diminuição do pH, trifosfato de adenosina (ATP) e
creatinina. A falta de ATP leva à inativação das bombas trans-membranas e a alterações
no gradiente de íons das células, com o influxo de sódio e cálcio para a camada média
intracelular, resultando em edema celular48.
O aumento de cálcio intracelular ativa principalmente fosfolipase A2 e calpaína e
outras proteases citoplasmáticas, enquanto a falha das bombas de hidrogênio dos
lisossomos e a diminuição do pH ativa enzimas dos lisossomos que danificam organelas
celulares diretamente. Fosfolipase A2 degrada o ácido araquidônico, levando a
mediadores inflamatórios como leucotrienos, prostaglandinas e tromboxanos. A ação
destas substâncias ativa a aderência de neutrófilos, vasoconstrição, lesão de tecido,
agregação plaquetária e quimiotaxia na área isquêmica49,50. A calpaína durante a
isquemia transforma xantina desidrogenase gerada por metabolismo anaeróbio em
xantina oxidase, que é importante em lesão de reperfusão49.
Logo após a lesão inicial, vasodilatação e aumento da permeabilidade endotelial
ocorrem causando aumento da pressão hidrostática e diminuição da pressão osmótica do
24
plasma por escoamento de fluidos ricos em proteínas. A perda de fluido resulta em uma
alta concentração de glóbulos vermelhos e aumento na viscosidade, deixando o fluxo de
sangue mais lento (estase) e contribui para os leucócitos (especialmente os neutrófilos)
moverem-se para as camadas mais periféricas da corrente sangüínea, iniciando a
chamada marginalização de leucócitos junto ao endotélio vascular51.
Há evidências crescentes de que a inflamação contribui para o processo
aterosclerótico. Várias citocinas e reagentes de fase aguda foram examinadas como
preditores da doença52. Após a isquemia, hipóxia e reperfusão miocárdica, são
produzidas espécies reativas de oxigênio (ROS), que podem gerar produtos da
peroxidação lipídica e proteica. A isquemia e reperfusão também causam acidose,
rompimento das bombas dos íons sódio e cálcio e liberação de íons ferro e cobre,
causando danos nas células cardíacas. Isso demonstra que os danos isquêmicos não são
decorrentes unicamente do processo necrótico, mas de um conjunto de condições
bioquímicas resultantes da sequência de fatos ocorridos53-55. Moléculas capazes de
refletir a inflamação ou a ativação do sistema hemostático ocorrida após a ruptura da
placa podem estar elevados antes do início da lesão irreversível; mostrando o importante
papel destas como preditores de morbidade cardíaca.
Entre os mediadores da inflamação estão aminas vasoativas (histamina,
serotonina), metabólitos do ácido araquidônico (prostaglandinas, leucotrienos e
lipoxinas), proteínas plasmáticas (sistema complemento e coagulação), fator ativador de
plaquetas (PAF), citocinas pró-inflamatórias (TNF e Interleucina-1 - IL-1), óxido nítrico
(NO), componentes dos leucócitos lisossomais e ROS. Destes, os produtos do
metabolismo do ácido araquidônico, fragmentos do complemento e quimiocinas
parecem ter ação fundamental na quimiotaxia de neutrófilos e leucócitos aos locais de
inflamação49,50,56.
25
2.2.1 Mediadores Moleculares - O Papel das Citocinas no Processo Isquêmico
Citocinas é a denominação de um grupo muito extenso de moléculas envolvidas
na emissão de sinais entre as células durante o desencadeamento das respostas imunes.
Todas as citocinas são pequenas proteínas ou peptídeos, algumas contendo moléculas de
açúcar ligadas (glicoproteínas)57. São produzidas por vários tipos celulares, mas
principalmente por linfócitos e macrófagos após estimulação por toxinas, lesão ou
mediadores inflamatórios. As propriedades gerais das citocinas são: (1) meia-vida curta,
(2) modulação da resposta imune, (3) produção/modulação por vários tipos de células,
(4) redundância, (5) interação com outras citocinas e, reconhecimento (6) por receptores
específicos58. Diante o início de um processo aterosclerótico e conseqüente isquemia, as
citocinas e quimiocinas envolvidas são a IL-1, a IL-6, TNF-α, Interleucina-8 (IL-8) e a
proteína quimiotática monocitária-1 (MCP-1)59-62. Em resposta à agressão, os
mediadores pró-inflamatórios (TNF-α, IL-1 e IL-6) são liberados localmente, para
destruir o agente agressor, limitar o dano tissular e criar as condições necessárias para o
início da reparação da lesão. Quando a agressão é mais intensa ou os mecanismos de
defesa local são insuficientes para controlá-la, liberam-se os mediadores próinflamatórios na circulação sistêmica, para, dentre outras razões, recrutar mais
leucócitos para a área inflamada. Logo após, surgem na circulação alguns mediadores
anti-inflamatórios que amortecem a reação pró-inflamatória e restabelecem o equilíbrio
normal (homeostasia). Nessa fase, como na anterior, os efeitos benéficos dos
mediadores são maiores que os efeitos danosos. Esta resposta sistêmica inicial é que
induz a síntese dos reagentes da fase aguda.
Macrófagos, atuando como mediadores centrais da resposta imune inata
fornecem uma primeira linha de defesa contra muitos microorganismos comuns e estão
entre as células mais secretoras de diversas classes de citocinas. Desse modo,
26
macrófagos juntamente aos neutrófilos possuem papel importante na injúria, pela sua
atividade microbicida e fagocítica de modo a garantir não só a destruição de agentes
infecciosos, mas promovendo a remoção de debris celulares que possam amplificar a
inflamação e atrapalhar o processo de reparo do tecido. Além da atividade fagocítica,
secreção de citocinas, estas células também liberam fatores de crescimento e NO,
agentes que estão envolvidos em diversos processos necessários para o reparo em
diferentes tecidos, como por exemplo pele, tecido muscular, fígado, endotélio e
pulmão63-67. Neste contexto, interleucinas, quimiocinas e fatores de crescimento
regulam a quimiotaxia e proliferação de fibroblastos, a síntese de colágeno e a
angiogênese67-69.
2.2.1.1 Citocinas Pró-Inflamatórias: Interleucina-6 e Fator de Necrose Tumoral-α
Interleucina-6
IL-6 é uma citocina com atividades pleiotrópicas, com atuação tanto na resposta
imune inata como na adaptativa. IL-6 pode exercer o crescimento de indução, o
crescimento inibitório, e diferenciação de indução de atividades, dependendo das
células-alvo. Essas atividades incluem (1) diferenciação terminal (secreção de
imunoglobulinas - Ig) em células B, (2) promoção de crescimento em células B diversas
(mieloma, plasmocitoma, células de hibridoma), (3) suporte na formação de colônias
multipotenciais por células-tronco hematopoéticas, (4) elicitação da resposta hepática de
fase aguda (5), diferenciação e/ou ativação de células T e macrófagos, e (6) a
diferenciação neural70,71.
A IL-6 é um mediador da resposta inflamatória aguda, sendo liberada nos locais
de lesões ou infecções72, e muitas de suas atividades são compartilhadas com a IL-173.
27
Nas células endoteliais, a IL-6, preferencialmente adere aos linfócitos72 e induz a
proliferação de células endoteliais74, aumentando a angiogênese75. Esta interleucina foi
reconhecida pela primeira vez como um fator derivado de célula-T, atuando sobre as
células B para induzir a secreção de Ig. IL-6 atua principalmente na fase tardia da via de
diferenciação de células B, de acordo com a constatação de que IL-6 é expressa em
células B ativadas, mas não em células B sem atividade70.
Sintetizada por monócitos, células endoteliais, fibroblastos e outras células em
resposta a microrganismos e também à estimulação por outras citocinas, principalmente
a IL-1 e o TNF-α76, a IL-6 constitui-se em importante marcador inflamatório. É uma
citocina envolvida numa série de atividades imunológicas, em especial a síntese de
substâncias de fase aguda pelo fígado, estando envolvida na regulação metabólica da
própria CRP. Tal como o seu receptor (gp130), é amplamente expressa durante a reação
inflamatória, produzindo efeitos indesejáveis em vários órgãos77. A IL-6 normalmente é
expressa em níveis baixos, exceto durante infecção, trauma ou outros fatores
estressantes. Entre os vários fatores que regulam a expressão do gene da IL-6, estão o
estrógeno e a testosterona. Após a menopausa ou andropausa, os níveis de IL-6 são
elevados mesmo na ausência de infecção, trauma ou estresse78. A própria hiperglicemia
característica da intolerância à glicose tem relação com a síntese imediata de
marcadores como IL-6, com variações dos níveis séricos positivamente relacionados e
com aumentos mais significativos na hiperglicemia em pulsos, situação comum no
diabético76.
A IL-6 desempenha papel importante no processo de ruptura ou erosão da placa
de aterosclerose e tem seus valores séricos aumentados nesses eventos76. Esse aumento
pode estar relacionado ao aumento da CRP, já que a IL-6 promove a síntese hepática
desse marcador, porém também a CRP tem seu efeito aterogênico mediado em parte
28
pela síntese de IL-679. Trata-se de um forte marcador independente do aumento da
mortalidade por DAC aguda, prestando-se também à identificação de pacientes que se
beneficiam de uma estratégia invasiva precoce80. Em homens aparentemente saudáveis,
níveis elevados de IL-6 estão associados ao risco aumentado de futuras isquemias
miocárdicas.
Fator de Necrose Tumoral-α
TNF-α foi originalmente identificado por seu potente efeito citotóxico contra
células tumorais. É um polipeptídeo trimérico (17KDa), produzido principalmente por
monócitos e macrófagos ativados, além de outras células, como linfócitos, fibroblastos,
neutrófilos, músculo liso e mastócitos81,82, podendo atuar tanto como um fator próangiogênico como anti-angiogênico83-85. Esta citocina pode atuar em quase todo o tipo
de células nucleadas, através de uma interação com receptores de membrana ou como
molécula solúvel, ambos ativos biologicamente81,86,87. Além disso, o miócito cardíaco
de mamíferos adultos é capaz de produzir TNF-α após estímulos extracelulares, tais
como endotoxinas, hipóxia ou aumento do estresse mecânico 88.
O TNF-α atua em nível celular via dois tipos de receptores, tipo I (TNFI) e tipo
II (TNFII), sendo que, recentemente, foi demonstrada a presença destes dois receptores
no miócito cardíaco de humanos89. Os fragmentos dos domínios extracelulares de
ambos os receptores de TNF-α (tipo I e II) podem ser liberados da membrana celular e
detectados em sua forma solúvel (sTNFR I e sTNFR II), na urina e no plasma90. Essas
proteínas solúveis atuam como reguladores de sua atividade biológica. Em
concentrações fisiológicas, os sTNFR atuam como um “reservatório de liberação lenta”,
aumentando, dessa forma, a meia vida desta citocina81,82,86. Quando presente em
concentrações elevadas, como em indivíduos com insuficiência cardíaca severa (classe
29
III e IV), os sTNFR podem inibir o aumento patológico da atividade do TNF-α,
atuando, dessa forma, como uma anti-molécula de TNF-α.
O efeito do TNF-α sobre a função cardíaca é dependente da quantidade e
duração na expressão gênica desta citocina. Este aumento, quando agudo, pode ter um
efeito adaptativo no coração para diferentes formas de estresse, sendo que, quando
crônico, pode exercer um efeito oposto, comprometendo os processos adaptativos e
produzindo descompensação cardíaca, o que sugere um papel dual desta citocina 82,86.
Concentrações elevadas de TNF-α têm sido encontradas em alguns pacientes
com insuficiência cardíaca (IC), particularmente associadas a uma maior severidade dos
aspectos clínicos na insuficiência cardíaca82,91. TNF-α pode ser o principal causador de
uma série de distúrbios metabólicos presentes em indivíduos com IC, tais como: elevada
taxa metabólica, diminuição do fluxo de sangue para tecidos periféricos86, alteração no
metabolismo das proteínas e dos lipídeos. Além de seu conhecido efeito termogênico,
concentrações elevadas desta citocina podem estar relacionadas com a elevação nas
concentrações plasmáticas de insulina, anormalidades no metabolismo dos hormônios
esteroidais, hormônio do crescimento92, disfunção do ventrículo esquerdo82,93 e
intolerância ao exercício86,93.
Segundo Frangogiannis e cols. (1998) a presença constitutiva de TNF-α em
mastócitos cardíacos levou-os a postular que TNF-α derivado de mastócitos pode ser
liberado seguido à isquemia do miocárdio, representando uma importante fonte desta
citocina nas fases iniciais do processo inflamatório94. Evidências recentes sugerem que
diminuição do TNF-α ou sinalização mediada pelo receptor gp130 é associada com a
apoptose do miócito cardíaco, acelerada e aumentada lesão tecidual após o estresse
cardíaco agudo, sugerindo que a sinalização de citocinas podem conferir respostas
benéficas citoprotetoras dentro do miocárdio95,96.
30
Sendo assim, há evidências de que IL-6 e TNF-α estão significativamente
associados com a DAC e lesão isquêmica97,98. São polipeptídeos solúveis que agem
como importantes reguladores humorais na cascata inflamatória99.
2.2.1.2 Citocina Anti-Inflamatória: Interleucina-10
IL-10 foi originalmente descrita como fator inibidor da síntese de citocinas
produzidas por células T-helper tipo 2, que inibem as células T-helper tipo 1, por
produção de citocinas impedindo células T-helper, como interferon- γ (IFN-γ) e IL12100. A IL-10 é expressa e secretada por uma variedade de tipos de células, como
células T, monócitos/macrófagos, células dendríticas, células B e células NK. A IL-10
previne
a
produção
de
citocinas
pró-inflamatórias
e
quimiocinas
por
monócitos/macrófagos, que estão envolvidos no recrutamento adicional de monócitos,
neutrófilos, células dendríticas, e células T para sites de lesão ou infecção 101. IL-10
regula a ativação inflamatória de monócitos e macrófagos pela inibição da transcrição e
pós-transcrição de toda a gama de citocinas pró-inflamatórias102. Sua função fisiológica
é dar o limite e indicar o fim da reação inflamatória na defesa imunológica, uma vez que
o patógeno é eliminado. Seus efeitos sobre macrófagos não estão limitados na regulação
de citocinas, mas também incluem inibição da expressão de moléculas de adesão,
moléculas HLA de classe II, apresentação de antígenos e ativação de linfócitos103.
Estes efeitos anti-inflamatórios potentes sugerem que esta citocina pode levar a
rápida resolução do processo inflamatório ou limitar a imunidade inata do coração após
IAM104. IL-10 é encontrada dentro da placa de ateroma, provavelmente devido à
produção local pelos macrófagos105. Ainda, IL-10 aumenta a resolução de inflamação
pulmonar in vivo através da promoção de apoptose de neutrófilos106, e IL-10 em
camundongos deficientes revelou aumento da infiltração de neutrófilos, aumento do
31
tamanho do IAM e necrose do miocárdio107. Além disso, IL-10 exógena administrada
em ratos 15 minutos antes da reperfusão atenuou significativamente a lesão
miocárdica108, e a elevação dos níveis séricos de IL-10 estão associados a um
prognóstico mais favorável em pacientes com síndromes coronarianas agudas109-111.
Inversamente, tem sido demonstrado que camundongos infartados, deficientes de IL-10
não mostraram diferença na infiltração de neutrófilos, na cura do infarto e no
remodelamento de ventrículo esquerdo112 e que os níveis séricos de IL-10 são de pouca
utilidade no prognóstico de pacientes de risco para IAM 113. A hipótese de que células
progenitoras expressas pela IL-10 é um importante mecanismo parácrino pode
contribuir para a maior mobilização das mesmas, mediadas pela função cardíaca após
IAM através da modulação da resposta imune inata e adaptativa.
Experimentalmente, foi demonstrado que a IL-10 pode proteger a função
endotelial após estímulo inflamatório agudo por limitar os aumentos na geração de
superóxido vascular dentro da camada íntima do vaso 114. Fichtlscherer e cols. (2004)115
testaram a hipótese de que os níveis séricos elevados da citocina anti-inflamatória IL-10
estão associados com maior função vasodilatadora endotelial e pode neutralizar o
comprometimento da função endotelial associada a elevados níveis séricos da CRP em
pacientes com DAC estabelecida. Concluíram que níveis elevados de IL-10 podem
melhorar a função endotelial vasodilatadora em pacientes com DAC e em atividade
inflamatória elevada.
Outros estudos experimentais mostraram um efeito anti-aterosclerótico
surpreendente da IL-10116,117. Este efeito anti-aterogênico da IL-10 é apoiado por
resultados in vitro. IL-10 inibe a adesão de monócitos às células endoteliais devido a
regulação por diminuição de moléculas de adesão CD18 e CD62-L sobre as células
imunológicas competentes. Adesão de monócitos ao endotélio é o primeiro passo da
32
invasão na parede vascular. IL-10 também pode afetar as enzimas associadas com a
desestabilização da placa aterosclerótica. A citocina inibe a síntese de MMP-9 e induz a
produção de seu inibidor fisiológico, inibidor tissular das metaloproteinases-1 (TIMP-1)
118
.
Estudos clínicos em plasma de IL-10 durante doença aterosclerótica estável e
instável são inconclusivos. Relatório norueguês em 44 pacientes com angina estável e
em 29 pacientes com angina instável não detectou diferença entre os dois grupos 119.
Estudo maior, do Reino Unido, avaliou os níveis plasmáticos de 50 pacientes com
síndromes coronarianas estáveis e de 45 pacientes com síndromes coronarianas
instáveis111. Estes estudos podem ou não confirmar a relevância clínica da IL-10 como
uma citocina estabilizadora da placa aterosclerótica. No entanto, é bastante provável que
as taxas de produção por monócitos e macrófagos ou mesmo o número de produção de
IL-10 em circulação é mais relevante que os níveis de plasma.
Girndt e cols. (2003)103, mencionaram que provavelmente todos os genes de
citocinas têm variações, e que em alguns casos, pode influenciar a produção quantitativa
da proteína. O gene IL-10 tem pelo menos dois polimorfismos e isso deu origem à
hipótese que pacientes que tem baixa produção de IL-10 têm um pior prognóstico
cardiovascular do que aqueles com alta produção de da IL-10. No entanto, até o
momento, não está claro se a variabilidade associada ao polimorfismo da IL-10 é forte o
suficiente para influenciar o grau de inflamação, que está presente no paciente com
doença vascular. O que se afirma é o conceito de que a IL-10 é relevante para a doença
aterosclerótica.
2.2.2 Disfunção Endotelial
33
O endotélio sintetiza importantes substâncias que desempenham papel
fundamental sobre o controle vascular, tanto em situações fisiológicas quanto em
processos patológicos como as síndromes coronarianas. Sabe-se que a monocamada de
células endoteliais atua como uma superfície não aderente para plaquetas e leucócitos
produzindo uma variedade de importantes fatores regulatórios como o NO120. Dessa
forma, influencia não somente o tônus vascular, mas também o seu remodelamento, por
meio da produção de substâncias promotoras e inibidoras do seu crescimento121. A
disfunção nas células endoteliais leva a uma perda das propriedades antitrombóticas da
parede vascular e corresponde ao início do processo aterosclerótico 120.
Entre as múltiplas funções biológicas do endotélio, as relacionadas à
vasomotricidade incluem: síntese de substâncias relaxantes (vasodilatadoras) e
antiplaquetárias como fator de relaxamento derivado do endotélio (EDRF), Fator
Hiperpolarizante Derivado do Endotélio (EDHF), prostaciclina (PGI2), outras
prostaglandinas e bradicinina; síntese de substâncias vasoconstritoras e ativadoras da
agregação plaquetária ou fator de contração derivado do endotélio (EDCF) como
endotelinas (ET), endoperóxidos (prostaglandina H 2 e tromboxano A2), leucotrienos,
angiotensina II (ANG II) e ROS; receptor-modulador de substâncias vasoativas e
envolvidas na agregação plaquetária e coagulação como acetilcolina, serotonina,
trombina, nucleotídeos da adenosina, vasopressina e ácido araquidônico; metabolismo e
inativação de catecolaminas e serotonina (via monoaminoxidase), outros produtos
plaquetários e angiotensinases A e C122.
O NO é produzido no endotélio pela enzima óxido nítrico sintase endotelial
(eNOS), induzido pela enzima óxido nítrico sintase induzida (iNOS) e no sistema
nervoso pela enzima óxido nítrico sintase neuronal (nNOS), sendo a chave do fator
relaxante derivado do endotélio, que desempenha um papel fundamental na manutenção
34
do tônus e reatividade vascular. Além de ser o principal determinante do tônus do
músculo liso vascular, NO opõem-se as ações de potentes fatores constritores derivados
do endotélio, tais como ANG II e ET-1. Óxido nítrico inibe a ativação plaquetária e de
leucócitos, e mantém o músculo liso vascular em um estado não proliferativo123.
Contudo, além do NO, o endotélio produz outras substâncias vasodilatadoras
(EDHF, prostaciclinas, cininas) e também substâncias vasoconstritoras (ANG II e ET1). Quando a função do endotélio é normal, há um equilíbrio entre a produção destas
substâncias com uma tendência à vasodilatação. Durante um processo inflamatório, o
endotélio é capaz de expressar as chamadas moléculas de adesão (seletinas e integrinas),
que permitem a ativação, o rolamento e a adesão de leucócitos à sua superfície. A
oxidação do LDL, por exemplo, ativa a proteína-quinase C (PKC) e um fator de
transcrição nuclear (NF-κB) e conseqüentemente leva ao aumento da transcrição de
vários genes (enzima de conversão da ANG II, moléculas de adesão e citocinas). Desta
forma, a exacerbação de uma resposta inflamatória e sua posterior cronicidade podem
conduzir à disfunção endotelial, propiciando eventos pró-coagulantes, diferenciação das
células musculares lisas vasculares e macrófagos, tendo como conseqüência o início da
doença aterosclerótica124.
O termo disfunção endotelial refere-se à alteração da vasodilatação dependente
do endotélio e a desregulação das interações endotélio - células sangüíneas, que causam
uma inflamação localizada e posteriormente lesões vasculares e trombose. A disfunção
endotelial ocorre quando os efeitos vasoconstritores se superpõem aos efeitos
vasodilatadores, geralmente como resultado de uma diminuição da biodisponibilida de
NO, com perda de sua ação vásculo-protetora.
Em situações patológicas, pode ocorrer o desacoplamento da eNOS, uma
situação em que a transferência de elétrons na cadeia oxidativa não se completa
35
adequadamente. Os elétrons vazam e são captados pelo oxigênio molecular, gerando
radicais livres, como o superóxido. O desacoplamento da eNOS é, portanto, um
importante mecanismo inicial de disfunção endotelial125.
A disfunção nas células endoteliais leva a uma perda das propriedades
antitrombóticas da parede vascular e corresponde ao início do processo aterosclerótico
126
. Pacientes com DAC tem importante disfunção endotelial e diminuição da
disponibilidade de NO, particularmente quando a DAC é severa e difusa 127,128.
A reconstrução endotelial ocorre pela migração e proliferação de células
endoteliais maduras circulantes. Entretanto, essas células têm baixo potencial
proliferativo e sua capacidade de reparo é limitada. Evidências indicam que a
circulação periférica contém subtipos celulares da medula óssea com propriedades
similares aos angioblastos embrionários. Essas células, denominadas células
progenitoras endoteliais (EPC), possuem capacidade proliferativa e de diferenciação
em células endoteliais maduras. As EPC podem ser induzidas por diferentes citocinas
ou fatores de crescimento, como por exemplo, o VEGF, adquirindo diferentes
fenótipos126.
Estudos
clínicos
que
investigam
EPC
na
reparação
endotelial
e
neovascularização tem sido desenvolvidos e buscam descrever os meios pelos quais
estimulam ou inibem mecanismos de diferenciação das EPC e sinais que causam sua
migração e homing celular. Estudos prévios demonstraram uma correlação positiva
entre EPC circulantes e níveis plasmáticos de VEGF. EPC circulantes contribuem para a
neovascularização pós-isquemia, o que já foi demonstrado em estudos experimentais em
animais129 e em humanos130,131. Fatores angiogênicos como o VEGF estão envolvidos
nesse processo. Elevações dos níveis plasmáticos de VEGF por meio da inoculação com
vetores virais induzem uma rápida mobilização de EPC130,131.
36
Outros marcadores atualmente pesquisados e citados na disfunção endotelial
vascular são a resistência à insulina, homocisteinemia, lipoproteína (a), inibidores
endógenos da síntese de NO, adiponectina, fatores inflamatórios (CPR, IL-1, IL-6,
TNF-α, MCP-1), EPC, vasodilatadores (nitrito e nitrato, 6-keto PGF-1α),
vasoconstritores (endotelina, thromboxan A2, ROS), moléculas de adesão (VCAM-1,
ICAM-1, P e E-selectina), fatores trombóticos e hemostáticos (PAI-1, TPA, fator de
von Willebrand, trombomodulina)132.
A ET-1, liberada por células endoteliais, é descrita como o mais potente
vasoconstrictor conhecido e atua principalmente de forma parácrina através da ligação
de dois receptores acoplados à proteína G, ETA e ETB, que estão localizados nas
células endoteliais (ETB), células musculares lisas vasculares e fibroblastos (ETA e
ETB). Este peptídeo tem meia-vida plasmática de 4 a 7 minutos e sofre metabolização
de primeira passagem (80% a 90%) nos pulmões133. A ET-1 é considerada um
hormônio parácrino, visto que 75% de sua secreção é liberada no lado sublumial da
célula, atuando diretamente no músculo liso vascular 134. Em virtude desta ação
parácrina, sua concentração plasmática é muito baixa.
A ET-1 aumenta as ações vasculares de outros peptídeos vasoativos tais como a
ANG II, norepinefrina e serotonina, participa ativamente da ativação de leucócitos e
plaquetas, e facilita fenótipos pró-trombóticos e pró-aterogênicos123, 135-138. Quando há
um desequilíbrio entre fatores vasoconstritores e vasodilatadores, a ET-1 também pode
estar relacionada com a disfunção endotelial. Estímulos como a isquemia, a hipóxia ou a
tensão de cisalhamento no vaso induzem em minutos à transcrição do RNA mensageiro
da ET-1, e consecutivamente à síntese e à secreção da proteína. Com isso, as células
vasculares podem rapidamente ajustar a necessidade de ET-1 para regular o tônus
vasomotor.
37
Apesar de os baixos níveis séricos, vários estudos clínicos correlacionam os
níveis da ET-1 com a presença de diversas doenças, como as do sistema cardiovascular
(HAS, IC congestiva e IAM)139, assim como seu papel como marcador precoce da
reoclusão após angioplastia coronariana140. Os níveis circulantes de ET-1, bem como a
produção do peptídeo em vasos sanguíneos isolados, são relativamente baixos,
sugerindo que em condições fisiológicas pouca ET-1 seja produzida, devido à ausência
de estímulos e/ou à presença de mecanismos inibitórios potentes141. Dentre os principais
efeitos biológicos da ET-1 sobre o sistema cardiovascular, ressalta-se o inotropismo e
cronotropismo miocárdico positivos e a vasoconstrição das artérias coronárias142.
Portanto, o estudo das moléculas que orquestram a função e disfunção endotelial
podem auxiliar na revascularização do ponto de vista do estímulo da sinalização
parácrina envolvida neste complexo processo.
3. REVASCULARIZAÇÃO CARDÍACA
O tratamento convencional da cardiopatia isquêmica em pacientes crônicos tem
por objetivo principal proporcionar alívio da dor por angina, a qual caracteriza-se por
uma dor no peito devida ao baixo abastecimento de oxigênio (isquemia) ao músculo
cardíaco; reduzir a progressão do processo de aterosclerose, diminuir o risco de infarto
do miocárdio e morte. Tradicionalmente é realizado com nitratos, beta-bloqueadores,
estatinas, bloqueadores do cálcio e anti-agregantes plaquetários. Anti-anginosos menos
usais como trimetazidina143-145, ranolazina146,147, ivabradina148,149 e nicorandil150-152
eventualmente são associados em situações especiais. Dentre as opções cirúrgicas, em
casos mais graves, estão a revascularização percutânea por catéter e a cirurgia de
revascularização do miocárdio153. Com os avanços tecnológicos e das técnicas
38
cirúrgicas, a cirurgia de revascularização miocárdica é considerada a melhor opção para
o alívio dos sintomas e para a melhora da qualidade de vida dos portadores de DAC 153.
Outra opção é a angioplastia coronária transluminal percutânea (ACTP), a qual visa
desobstruir as artérias comprometidas e permitir que o sangue volte a circular
livremente154.
3.1 Aspectos Moleculares do Processo de Isquemia - Reperfusão
A restauração do fluxo sanguíneo (reperfusão) necessário para a recuperação da
função celular pode piorar as lesões presentes na isquemia, causando danos irreversíveis
e a morte celular. A reintrodução de oxigênio molecular no tecido isquêmico produz
radicais livres de oxigênio altamente prejudiciais às células, que podem iniciar uma
exacerbada reação inflamatória sistêmica48.
A fisiopatologia do miocárdio hibernante parece ser bastante complexa: envolve
repetitiva disfunção pós-isquemia, causando alterações fenotípicas nas células do
miocárdio e levando a degeneração de miócitos e fibrose reparadora. Frangogiannis e
cols. (2002) sugerem que o miocárdio hibernante está associado com um processo
inflamatório dinâmico, caracterizado pela expressão da MCP-1 e infiltração contínua de
leucócitos. O estudo ainda descreve que macrófagos-derivados de monócitos servem
como fontes de fatores fibrinogênicos, podendo mediar fibrose e disfunção contrátil,
entretanto, parece não haver diferença significativa na densidade de macrófagos e
mastócitos entre segmentos com recuperação de função após a revascularização do
miocárdio e segmentos com persistente disfunção155.
Reversibilidade através da revascularização do miocárdio pode reduzir e regular
o processo inflamatório, diminuir a expressão da MCP-1 e a infiltração de monócitos.
Consequentemente e gradualmente isso poderia levar a diminuição do número de
39
macrófagos residentes e a diminuição da síntese de substâncias fibrinogênicas,
suprimindo o processo inflamatório mediado pela isquemia e prevenindo lesões
irreversíveis. Por outro lado, segmentos com disfunção persistente e prolongada
mediada por hipóxia inflamatória, com lesão de tecido extensiva, tendem a não
responder a revascularização miocárdica com eficácia155.
Elsässer
e
cols.
(1997)
evidenciaram
a
recuperação
celular
após
revascularização do miocárdio. A recuperação funcional do miocárdio hibernado foi
observada em todos os pacientes em vários graus, dependendo da gravidade da
degeneração morfológica conforme documentado pela ecocardiografia em 10 a 14 dias
e em 3 meses após a revascularização do miocárdio. Em nível celular, o início da
transcrição e a ocorrência da tradução são processos imediatos, porém o estudo nos trás
dados em dias e em meses. Aos 3 meses de pós-operatório, uma significativa melhora
funcional foi evidente, no entanto, a restituição funcional foi incompleta em pacientes
apresentando graves alterações morfológicas, indicando que a reversibilidade é limitada
por causa da degeneração celular156.
3.2 Angiogênese
Angiogênese, a formação de novos vasos a partir do endotélio de vasos já
existentes, possui papel essencial no desenvolvimento embrionário, reparo tissular e
progressão de uma variedade de processos patológicos3,4.
O mecanismo da angiogênese pode ser iniciado por alguns fatores de natureza
mecânica, por processos inflamatórios ou por hipóxia (desbalanço energético). O
processo de angiogênese ocorre por estágios (Figura 2)157.
40
Figura 2. Seqüência de eventos no processo da angiogênese. Estágio 1 - Dilatação do vaso, ativação de células
endoteliais, ativação de plaquetas, secreção de ativadores do plasminogênio e enzimas proteolíticas, desgranulação de
mastócitos, ativação de macrófagos, ruptura da membrana basal e aumento de permeabilidade com saída de fibrina e
outras proteínas. Estágio 2 - Ocorre formação de pseudópodos, degradação da matriz extracelular, migração de
células endoteliais para o espaço extravascular com proliferação das mesmas e formação de brotos de tecido vascular.
Estágio 3 - Forma-se nova membrana basal e maturação da nova parede vascular para estabelecimento do fluxo
sangüíneo, formação de tubos e conexões, estabelecendo-se os novos vasos158.
A angiogênese é um processo muito complexo, no qual, três grandes categorias
se destacam: fatores mecânicos, químicos e moleculares. A influência mecânica através
da hemodinâmica e/ou da tensão de cisalhamento; a influência química através da
hipóxia e do gradiente de tensão de oxigênio e/ou da produção de óxido nítrico;
influências moleculares através do efeito da glicose sobre a expressão do VEGF e/ou
inflamação e/ou fatores de crescimento angiogênicos (fator de crescimento dos
fibroblastos - FGF, VEGF, fator de crescimento da placenta - PLGF, Angiopoietina 1 e
2 – ANGPT-1 e ANGPT-2, receptores do VEGF)23.
41
O processo pelo qual a hipóxia e a inflamação induzem à angiogênese vem
sendo intensamente estudado159,160. A inflamação aumenta a produção do peptídeo
derivado de macrófagos (PR-39), este inibe a degradação do fator de transcrição
induzível por hipóxia-1α (HIF-1α) levando ao aumento da expressão do VEGF e seus
receptores161. Por outro lado, o PR-39 aumenta a produção de FGF, o qual tem poder
angiogênico. Ainda por outro caminho, a inflamação induz a produção de citoquinas
promotoras de angiogênese162. Fatores mecânicos como o aumento do fluxo sanguíneo,
algumas moléculas como a ANG II e substâncias vasodilatadoras como o NO, podem
atuar ativando o mesmo mecanismo e resultando em angiogênese163 (Figura 3).
Ainda, segundo Kimura e Esumi, 2003164, a angiogênese é um processo
criticamente regulado e está envolvido nos mecanismos de diversos processos
fisiopatológicos. O VEGF é um potente indutor de angiogênese e tem sua expressão
regulada por uma variedade de estímulos, sendo que a hipóxia é um dos mais potentes
indutores, por meio do HIF-1α. O NO também é um conhecido indutor da expressão do
gene VEGF, por meio do estímulo da atividade do HIF-1α. A angiogênse mediada pelo
VEGF requer a produção de NO por meio do estímulo da eNOS. Essa ativação pode
envolver diversas vias como: proteína quinase B (PKB/Akt), cálcio-calmodulina e
PKC164.
42
Figura 3. Mediadores bioquímicos envolvidos no processo pelo qual a hipóxia e a inflamação levam à angiogênese.
HIF: hypoxia-inducible factor 1; VEGF: vascular endothelial growth factor; TGF: transforming growth factor;
TNF: tumor necrosis factor; FGF: fibroblast growth factor; IL: interleucin 163.
A formação de novos vasos responde ao estímulo de fatores angiogênicos, os
quais regulam a migração endotelial, proliferação, sobrevida e atividade proteolítica.
Entre os fatores descritos na literatura, o VEGF e as ANGPT têm emergido como
reguladores críticos do processo pró-angiogênico165-167. Essas moléculas promovem a
formação de novos vasos e sua morfogênese, por meio de um complexo processo de
eventos angiorregulatórios168,169. Um destes mecanismos envolve a migração, a
diferenciação e o estabelecimento de novas células originárias de células progenitoras, o
homing celular.
3.3 O Homing de Células - Tronco
O homing é o processo pelo qual interações moleculares fazem com que célulastronco sejam atraídas por sinais quimiotáticos específicos e implantem-se no nicho
adequado170,171. Uma das principais moléculas envolvidas com o homing de células-
43
tronco é o Stromal Cell-Derived Factor-1 (SDF-1), que, entre outras funções, aumenta a
adesão e transmigração de EPC circulantes pró-angiogênicas para o local e célulastronco adultas, como mesenquimais e hematopoiéticas para o nicho adequado172,173 . O
homing de células progenitoras é um processo fisiológico que ocorre em todos os
tecidos para reposição de células. Em processos patológicos cardíacos, tanto em infarto
agudo do miocárdio quanto em doenças crônicas174, há uma alta liberação desta
quimiocina. Finalmente, o monitoramento em tempo curto não fornece comparações
para fixação tecidual e função a longo prazo das células aplicadas. Contudo, sem o
homing inicial, as células injetadas não são capazes de exercer atividades parácrinas ou
regenerativas.
O SDF-1 liga-se especificamente a um receptor de membrana, CXCR4, que está
acoplado à proteína G, e cuja interação resulta na ativação de vias de sinalização para
quimiotaxia de diversos tipos celulares como linfócitos, neurônios e células
germinais175,176. Esta interação também tem função importante em algumas situações
patológicas, como metástase tumoral, infiltração de junções e entrada do vírus da
imunodeficiência humana (HIV) em células CD4+176. O CXCR4, assim como os
receptores beta-adrenérgicos, também sofre regulação do receptor quinase acoplado a
Proteína G (GRKs), que inibem as proteínas G, dessensibilizando também esta classe de
receptores176.
A quimiocina SDF-1 e seu receptor CXCR4 foram identificados como o eixo
central de sinalização que regula o homing das células progenitoras do músculo liso na
parede do vaso lesionado177, sendo citados ainda, como essenciais para a cardiogênese,
hematopoiese e vasculogênese durante o desenvolvimento embrionário, além do
envolvimento na quimiotaxia de subconjuntos de leucócitos e células endoteliais178 . O
papel do SDF-1 na DAC ainda não está totalmente esclarecido, embora a quimiocina
44
seja expressa em placas ateroscleróticas179,180. Após lesão arterial, o fator tem sido
encontrado expresso em células musculares lisas e envolvido na hiperplasia neo-intimal
e recrutamento de EPC no sangue periférico180,181.
Segundo Ceradini, 2004182 a expressão do gene do SDF-1 é regulada pelo HIF-1
em células endoteliais, resultando em seletiva expressão in vivo desta proteína no tecido
isquêmico com proporcionalidade direta em relação à redução de oxigênio. O HIF-1
regula positivamente a expressão do SDF-1, que aumenta a adesão, migração e homing
das células progenitoras CXCR4-positivas circulantes no tecido isquêmico. Estudo de
Yamaguchi e cols. (2003)183 demonstrou que a administração de SDF-1 em modelo
animal de isquemia crítica de membros aumenta a concentração de EPC e a reperfusão
tecidual. O SDF-1 funciona como um quimio-atrativo para EPC in vitro184-186, induz a
expressão de VEGF187 e a angiogênese in vivo187. No estudo de Salcedo e cols.
(1999)187 foi demonstrado que o SDF-1 induziu neovascularização local in vivo. A
influência mitogênica do SDF-1, em contraste com os efeitos proliferativos do VEGF,
faz os dois fatores atuarem de forma complementar.
4. TERAPIAS ALTERNATIVAS PARA CARDIOPATIA ISQUÊMICA
A medicina cardiovascular tem procurado recursos alternativos para a melhor
resposta clínica de pacientes cardiopatas isquêmicos avançados, em razão disso, tem-se
visto uma gama de pesquisas oriundas das áreas da terapia celular e da terapia gênica,
evidenciadas através de estudos clínicos, testando-se a segurança, viabilidade e eficácia
dessas terapias.
4.1 Terapia Celular
45
Nos últimos anos, a cardiologia passou por uma das suas mais extraordinárias
revoluções: a explosão de estudos pré-clínicos e clínicos suportando a hipótese de que o
tecido cardíaco lesionado poderia ser reparado com a administração de células-tronco e
da conseqüente formação de novos vasos e miócitos188. Apesar da incerteza em relação
ao mecanismo pelo qual a terapia celular melhora a função cardíaca e regenera sua
anatomia, a tradução dos achados obtidos em laboratório para o cenário clínico vem
ocorrendo em ritmo cada vez mais acelerado189. Um número expressivo de pequenos
estudos, na sua maioria não randomizados, reportaram a melhora da perfusão e função
cardíaca após terapia com diferentes tipos celulares em pacientes com IAM189.
Apenas mais recentemente, estudos randomizados envolvendo um maior número
de pacientes começaram a ter seus resultados disponibilizados na literatura 188 . A
heterogeneidade dos resultados nos estudos publicados até o presente momento ampliou
os questionamentos sobre a efetividade e metodologia utilizada na geração destes
dados190-192. Independente das evidências atualmente disponíveis é fundamental que se
enfatize que muitas ainda são as perguntas a serem respondidas antes que a terapia
celular possa ser plenamente compreendida e, só então, aceita ou descartada como
opção terapêutica. Pontos relevantes a serem abordados, dentro deste cenário,
correlacionam-se com a identificação da célula ou produto ideal, sua posologia, a
melhor via e o momento temporal para sua administração193.
Atualmente, a terapia celular na cardiologia é uma abordagem em que as células
são utilizadas para produzir fatores angiogênicos a fim de promover a angiogênese no
tecido isquêmico194, bem como a regeneração e remodelamento de tecidos. Muitos tipos
de células foram utilizados para este fim, como monócitos, EPC e células da medula
óssea. Estas células são utilizadas para estimular a angiogênese por meio da expressão
de fatores de crescimento através de estímulos parácrinos locais da isquemia. Estas
46
células podem também participar como precursoras celulares da vasculogênese e podem
agir como um veículo para entrega de genes terapêuticos que codificam fatores
angiogênicos.
Células-tronco mesenquimais (MSC) podem ser definidas como células que
possuem capacidade clonogênica e de auto-renovação e, ainda, que podem diferenciarse em múltiplas linhagens celulares195. Apesar da maioria dos estudos clínicos no
tratamento do IAM, publicados até o momento, ter sido realizada com células-tronco
provenientes da medula óssea ou, em menor número, células derivadas do músculo
esquelético, outras classes celulares vêm sendo igualmente investigadas. Várias são as
estratégias em estudo e incluem: a) isolados celulares autólogos primários; b) células
derivadas de linhas celulares estabelecidas; c) células-tronco específicas, incluindo
células da medula óssea, células mesenquimais, células provenientes do sangue de
cordão umbilical, células embrionárias, e produtos provenientes de células, tecidos e
órgãos geneticamente modificados196,197.
No âmbito da pesquisa clínica cardiovascular, os maiores progressos com o uso
de células-tronco adultas para o transplante celular foram descritos com o uso de
células-tronco hematopoiéticas, MSC e EPC. No que tange a efetividade, a variabilidade
nos achados reportados pode ser, em parte, explicada pela variabilidade na logística de
tratamento e grupos tratados nos diferentes estudos envolvendo pacientes cardiopatas.
Mesmo apresentando efeito positivo em termos de recuperação da função cardíaca na
maioria dos grupos tratados, a melhora em termos de fração de ejeção não foi
significativa em todos os estudos190-192,198, denotando a necessidade de refinamentos
técnicos, padronização dos protocolos e validações científicas de vários achados.
47
Sendo assim, as DCV, como a DAC devem ser alvos de terapias cuja expressão
de moléculas sinalizadoras das funções e processos estejam envolvidos com a
angiogênese terapêutica.
4.2 Terapia Gênica
4.2.1 Histórico
A possibilidade de transferir informação genética de um organismo para outro,
que constitui o fundamento da terapia gênica, é conhecida, em bactérias, desde 1944, a
partir da clássica experiência de Avery, McLeod e McCarty199. Nas décadas de 60 e 70,
a idéia de transferir genes para curar doenças em humanos tornou-se mais próxima da
realidade: desenvolveram-se linhas de células geneticamente marcadas, compreendeu-se
o mecanismo de transformação celular em mamíferos pelos vírus polioma e SV40 e,
posteriormente, criaram-se as técnicas de DNA recombinante permitindo, assim, a
primeira tentativa de transferência gênica em organismos complexos200-202.
No final da década de 80, o National Institutes of Health (NIH), nos EUA,
aprovou o primeiro protocolo para teste de terapia gênica em humanos, o qual consistia
na transferência de genes do sistema imune para um paciente em estado avançado de
neoplasia maligna. O objetivo, na época, não era avaliar a eficácia terapêutica, mas sim
demonstrar que um gene pode ser transferido, com segurança ao paciente e em seguida
identificado em células retiradas do mesmo 202-205. Assim, na década de 80, avanços na
biologia molecular já permitiam que os genes humanos fossem seqüenciados e
clonados. Cientistas que procuravam por um método para facilitar a produção de
proteínas, pesquisaram a introdução de genes humanos no DNA de bactérias. As
bactérias geneticamente modificadas passaram, então, a produzir a proteína
48
correspondente, que podia ser recolhida e injetada em pessoas que não a podiam
produzir naturalmente.
Em 1990, foram realizados também nos Estados Unidos, com objetivos clínicos
científicos, estudos de casos isolados de terapia gênica em humanos: duas crianças com
deficiência da enzima adenosina deaminase (ADA) foram tratadas por terapia gênica
somática, visando avaliar a eficácia terapêutica de linfócitos autólogos nos quais se
inseriu o gene normal da ADA, e determinar a sobrevida desses linfócitos in vivo e o
tempo de expressão do gene nele inserido205. Para Weatherall, 1995204 os procedimentos
técnicos necessários à terapia gênica em humanos são fáceis de enumerar (cinco
passos), porém difíceis de alcançar: o primeiro passo consiste em isolar o gene e suas
seqüências reguladoras; o segundo visa à obtenção de um número necessário de células
para reintrodução no paciente, na necessidade de se obter em cultura uma quantidade
suficiente de células retiradas do paciente, nas quais será inserido o gene terapêutico. O
terceiro passo é dispor de um mecanismo eficiente (vetores) para inserir o gene nas
células; o quarto, que o gene inserido incorpore-se ao genoma celular e funcione, isto é,
que haja produto gênico em quantidade suficiente e por longo tempo; e o quinto, que
todos estes procedimentos não apresentem efeitos colaterais indesejáveis206,207.
Em 14 de setembro de 1990 pesquisadores do NIH realizaram terapia gênica em
Ashanti DeSilva, de 4 anos de idade. Nascida com uma rara doença genética chamada
imunodeficiência combinada grave, ela era vulnerável a todos os tipos de infecções.
Crianças com essa doença geralmente desenvolvem muitas infecções e raramente
sobrevivem à idade adulta. Na terapia gênica realizada em Ashanti, os médicos
recolheram glóbulos brancos do corpo da criança, e cultivaram as células em
laboratório. No segundo momento, inseriram o gene que faltava nas células e reintroduziram os glóbulos brancos geneticamente modificados na corrente sangüínea da
49
paciente. Exames de laboratório mostraram que a terapia fortaleceu o sistema
imunológico da paciente, ela parou de contrair resfriados recorrentes e pôde voltar a
freqüentar a escola. Porém, esse procedimento não a curou, os glóbulos brancos tratados
geneticamente só funcionaram por poucos meses, e o processo teve de ser
freqüentemente repetido208,209.
Posteriormente, pesquisadores tentaram introduzir genes diretamente nas células
humanas, focando doenças causadas por defeitos em genes simples (fibrose cística,
hemofilia e distrofia muscular). Entretanto, houveram problemas envolvidos com o
transporte de grandes seções de DNA e com o seu posicionamento no lugar certo do
genoma.
A terapia gênica sofreu um revés importante quando da ocorrência de um óbito
em sujeito de pesquisa, provavelmente devido à alta carga viral administrada, tendo
havido cancelamento de vários projetos clínicos e retorno à pesquisa laboratorial. Desde
2000, poucos projetos de aplicação clínica foram desenvolvidos. Entretanto, nenhuma
complicação de gravidade notável foi observada nos projetos que não utilizaram vetores
virais. As formas de administração por lipossomas ou por DNA plasmidial desnudo não
estão relacionadas à morbidade nos relatos disponíveis na literatura.
Haisma e Hon210 afirmam que cerca de 3.000 pacientes já receberam algum tipo
de terapia gênica. Diversas doenças foram tratadas, incluindo disfunções endoteliais,
hemofilia, imunodeficiência e diversos tipos de cânceres211-215. De modo geral a terapia
gênica tem trazido bons resultados, e seus efeitos colaterais parecem ser reduzidos a um
número pequeno de pacientes, o que é indicativo animador da segurança do tratamento.
De qualquer forma, os cuidados que devem ser tomados com esses procedimentos, bem
como os testes de certificação da segurança das preparações são inúmeros e merecem
extrema atenção210.
50
A maioria das tentativas clínicas de terapia gênica atualmente em curso são para
o tratamento de doenças adquiridas, como a síndrome da imunodeficiência adquirida
(AIDS), neoplasias malignas e doenças cardiovasculares.
4.2.2 Estratégias da Terapia Gênica
Terapia gênica pode ser definida como um conjunto de técnicas que permitem a
inserção e expressão de um gene terapêutico em células-alvo que apresentam algum tipo
de desordem de origem genética (não necessariamente hereditária), possibilitando a
correção dos produtos gênicos inadequados que causam doenças, portanto sendo uma
alternativa para o tratamento de doenças baseado na transferência de material genético.
O material genético inserido nas células do paciente pode gerar a forma
funcional de uma proteína que, devido a alterações estruturais no seu gene, é produzida
em pequenas quantidades ou sem atividade biológica. É possível também regular a
expressão de outros genes, ativá-los ou inativá-los216-218. Em outras palavras, a terapia
gênica consiste na inserção de genes funcionais em células com genes defeituosos, para
substituir ou complementar esses genes causadores de doenças.
Transferência gênica para o miocárdio tem sido utilizada como estratégia
alternativa para se obter uma expressão local sustentada das proteínas angiogênicas 219.
Existe uma variedade de métodos diferentes para substituir ou reparar os genes focados
na terapia gênica. Um gene normal pode ser inserido num local não específico no
genoma para substituir um gene problemático, sendo essa a abordagem mais comum,
ainda, um gene anômalo pode ser trocado por um gene normal por meio da
recombinação, um gene anômalo pode ser reparado por meio de mutação reversa
seletiva, que devolve ao gene suas funções normais e também, a regulação de um gene
51
pode ser alterada, tal regulação correspondendo ao grau em que um gene está ativo ou
inativo216-218.
Na maioria dos estudos a respeito de terapia gênica, um gene "normal" é inserido
no genoma para substituir um gene "anômalo" causador de doença. Uma molécula
transportadora, chamada vetor, precisa ser usada para se enviar o gene terapêutico para
as células-alvo do paciente. O vetor é geneticamente alterado para transportar DNA
humano normal. Este, então, descarrega seu material genético, contendo o gene
terapêutico humano, na célula-alvo. A produção de proteínas funcionais pelos genes
terapêuticos restauram as células-alvo a um estado de normalidade220.
Teoricamente é possível transformar tanto células somáticas quanto células
germinativas (incluindo células-tronco). Todas as terapias gênicas realizadas até agora
em humanos foram dirigidas a células somáticas. Para que os genes introduzidos sejam
transmitidos normalmente para a descendência, é necessário não apenas que sejam
inseridos na célula, mas também que sejam incorporadas aos cromossomos por
recombinação genética220,221.
A terapia gênica com genes somáticos pode ser dividida em duas grandes
categorias: ex vivo, em que as células do próprio paciente são retiradas por meio de
biópsia, modificadas e re-implantadas no paciente, de modo que o gene terapêutico é
inserido fora do organismo do paciente217 e in vivo, em que os genes são modificados
nas células ainda dentro do corpo. A inserção do gene terapêutico pressupõe sua
introdução por meio de vetores de transferência que sejam capazes de reconhecer as
células-alvo202. Há vários sistemas de inserção de material genético in vivo, dentre eles,
os vetores virais (retrovírus e adenovírus), vetores não-virais como lipossomas e
macromoléculas conjugadas ao DNA, e ainda, a injeção do material genético
52
diretamente no tecido-alvo, sendo também uma maneira de realizar a terapia gênica sem
o uso de vírus211,217,222.
4.2.3 Vetores
Vetores genéticos são todas as moléculas de DNA com potencial de replicação
autonômica dentro da célula hospedeira, na qual seqüências de DNA podem ser
inseridas e amplificadas. A origem do vetor permite classificar em plasmidiais
(plasmídeos, também conhecidos como “DNA nu”) e virais (bacteriófagos, adenovírus,
lentivírus e retrovírus)223. Eles são utilizados para transportar genes para células
receptoras. Possuem não apenas marcadores para facilitar seu reconhecimento, como
também seqüências replicadoras.
Vantagens e desvantagens em relação ao vetor empregado incluem o tamanho do
gene inserido, o sítio de incorporação no núcleo, a duração da expressão, a eficiência da
transferência e o grau de resposta imune do organismo224.
Teoricamente, antes de serem introduzidos no paciente, os vírus usados como
vetores sofrem várias alterações genéticas, de modo que o gene terapêutico é inserido,
enquanto diversos outros genes que lhe conferem virulência são retirados ou
inativados211,217,222. Assim, ao se ligar e invadir a célula-alvo, os vetores virais injetam
seu material genético contendo o gene terapêutico no DNA do paciente, possibilitando a
transcrição e tradução do gene para sua proteína funcional correspondente, ou então
utilizam a maquinaria molecular da célula hospedeira para expressar seus genes. Mas
em casos específicos a virulência se tornou algo incontrolável, onde a terapia acabou se
tornando a causa da morte dos pacientes submetidos a tal intervenção.
Adenovírus apresenta altas taxas de transfecção, durando de dias a semanas, com
contraditória curta expressão gênica. Ademais, anticorpos circulantes, freqüentemente
53
encontrados na população adulta, podem reduzir a taxa de transfecção efetiva de 0,04%
até 5,0% de células positivas em análise histológica225. O uso de vetores virais requerem
cuidados de biossegurança, medidas desnecessárias com vetores não-virais. Estudos
apontam eventos temporários relacionados com utilização de adenovírus, tais como
febre, ou elevação sérica da CRP, das enzimas hepáticas e da titulação de anticorpos168.
Hão e cols.129, publicaram em 2007 um estudo experimental sobre angiogênese
miocárdica por VEGF comparando vetores adenovirais com plasmidiais. Estes autores
demonstraram benefícios equivalentes em termos de função ventricular (p<0,05) para
plasmídeos e adenovírus após quatro semanas, entretanto, neste trabalho a técnica
TUNEL (terminal deoxynucleotidyltransferase-mediated dUPT nick end-labelling), que
detecta quebras do DNA que ocorrem durante o processo de apoptose, demonstrou um
aumento da freqüência de apoptose de cardiomiócitos no grupo adenovírus (p<0,02).
Vetores virais têm alta eficiência na transferência dos genes de fator angiogênico
para as células alvo, mas podem induzir significativa resposta imune do organismo
hospedeiro, o qual limita a expressão transgênica sustentada226.
Os plasmídeos são moléculas circulares duplas de DNA capazes de se reproduzir
independentemente do DNA cromossômico. O seu tamanho varia entre poucos milhares
a mais de cem mil pares de bases. A replicação do DNA plasmidial é feita pela mesma
maquinaria celular que realiza a replicação do DNA cromossômico, à mesma
velocidade ou a uma velocidade superior, o que provoca um número elevado de cópias
do plasmídeo na célula. Os plasmídeos replicam-se de forma independente do DNA
cromossômico, mas a sua replicação dá-se a cada divisão celular de forma a conservar
pelo menos uma cópia em cada célula-filha. Três características tornam o plasmídeo
uma boa ferramenta para a terapia gênica: por apresentar origem de replicação,
marcador de resistência e sítio para clonagens.
54
A terapia gênica na cardiologia vem sendo proposta principalmente com o uso
de vetores de DNA com expressão transitória, com implementação de sequências em
regiões alvo do genoma (Figura 4).
Figura 4. Projeção de vetores contendo genes que expressam fatores pró-angiogênicos. Vetor de DNA com
expressão transitória: plasmídeo 227.
Vetor plasmidial induz mínima resposta imune, o que resulta em expressão
transgênica sustentada, além disso, é considerado mais seguro por apresentar baixa
toxicidade e ainda, é considerado de baixo custo. A desvantagem é a baixa taxa de
transferência do gene codificador do fator angiogênico 228. Estes vetores são expressos
por apenas alguns dias após administração229, assim, os estudos clínicos que tentam
tratar a fase final da doença isquêmica através da terapia gênica podem ser limitados por
55
duração inadequada da exposição ao agente angiogênico. O vetor ideal seria aquele que
combinaria baixa imunogenicidade e um perfil de segurança satisfatório, com alta
eficiência de transfecção e expressão do transgene para períodos de tempo específicos5.
Katz e cols. (2010)230 citam que um pré-requisito para a terapia gênica cardíaca ser
eficaz é a necessidade de uma entrega confiável, segura e clinicamente relevante para o
miocárdio humano.
O plasmídeo pode ser aplicado na sua forma mais pura, diluído em solução
fisiológica e, por este motivo, a metodologia é conhecida como DNA desnudo, já que
ele não está coberto por nenhum material, sejam estes materiais compostos catiônicos
ou as estruturas virais dos vetores virais231. Por outro lado, este plasmídeo atua na forma
epissomal, ou seja, ele não se integra no genoma. Este é um ponto importante, pois os
problemas relacionados com a ativação de proto-oncogenes durante a integração são
mínimos. Ao mesmo tempo, a sua não-integração permite que a expressão do transgene
seja transitória devido a sua degradação e/ou diluição ao longo do tempo. Vários
estudos utilizando plasmídeos epissomais mostraram que a expressão do transgene é
mantida entre 1 e 2 meses, o que representa uma vantagem deste sistema223.
4.2.4 Terapia Gênica na Cardiologia
Em relação à terapia gênica, a cardiologia vem avançando com passos largos. O
conceito de angiogênese terapêutica em humanos, através de ensaios clínicos fase I,
levou adiante a idéia de testar esta estratégia em cardiopatas isquêmicos. Portanto, a
angiogênese terapêutica é uma estratégia desenvolvida para amplificar o processo
natural da angiogênese e reperfundir tecidos isquêmicos, podendo representar um novo
processo de revascularização nesses pacientes de alto risco232.
56
Recursos de biologia molecular e terapia gênica têm sido desenvolvidos para
aplicação na terapêutica cardiovascular, em situações nas quais não há opções, ou
quando estas apresentam limitações, pelos métodos convencionais. A principal área de
desenvolvimento de terapia gênica em cardiologia é na indução de angiogênese
miocárdica, com potenciais benefícios na cardiopatia isquêmica em fase terminal, após
esgotados os recursos farmacológicos, intervencionistas por cateter e cirúrgicos, ou seja,
naqueles casos refratários a todas as formas de tratamento, onde restaria apenas o
recurso do transplante cardíaco5. Sendo assim, com o intuito de induzir a angiogênese
miocárdica, a terapia gênica utilizando o VEGF pode representar uma nova modalidade
de tratamento para a DAC. Isso se deve à possibilidade de desenvolver novos vasos
arteriais colaterais ou promover a reformação dos vasos existentes215.
Na terapêutica cardiovascular, as formas de administração possíveis são: injeção
por cateter intraventricular, injeção pericárdica, via epicárdica, injeção intramiocárdica,
intra-arterial coronariana associada ou não a angioplastia e adventicial em vasos ou
enxertos de veia safena. Na indução de angiogênese miocárdica, as vias mais utilizadas
têm sido a epicárdica por lipossomas e a intramiocárdica223. Há precauções em relação à
injeção intra-arterial, pela possibilidade de difusão dos vetores na corrente sangüínea,
embora haja estudos, tanto isolados como multicêntricos, com administração
intracoronária e intravenosa, utilizando proteína recombinante e vetores adenovirais.
Ainda quanto à via de administração a terapia gênica na cardiologia é realizada
por cateter durante ACTP ou por injeção intramiocárdica, não sendo possível ainda
estabelecer qual o método mais adequado. Foi demonstrada segurança e melhora na
perfusão miocárdica em pacientes tratados com VEGF adenoviral injetado por cateter
durante ACTP após 6 meses de seguimento168. Por outro lado, a injeção intramiocárdica
apresentou melhora na contratilidade da parede ventricular tanto na avaliação pelo
57
método NOGA, quanto pela ventriculografia, podendo indicar um provável efeito antiisquemia, mesmo sem apresentar evidência de melhora na perfusão miocárdica induzida
por estresse167.
Estudos anteriores sobre terapia gênica sugerem que a administração
intracoronária e periférica entregam de forma inadequada quantidades do vetor para o
sítio de destino233,234. Já a injeção intramiocárdica oferece a possibilidade de uma oferta
mais eficiente em áreas focais de músculo isquêmico5.
4.2.5 Terapia Gênica com VEGF
VEGF, membro da família do VEGF A, é um fator de crescimento específico do
endotélio que induz a angiogênese213,235. Consiste de 5 isoformas, resultantes de
divisões alternativas de um gene único, ou sejam: VEGF121, VEGF145, VEGF165,
VEGF189 e VEGF206. Ele age, principalmente, ativando dois receptores do tipo tirosina
quinase Flt-1 (fms-like tyrosine kinase-1, VEGF receptor-1)236 e KDR (kinase-insert
domain-containing receptor, VEGF receptor-2)237, mas também pode ativar outros
receptores como neuropilin-1 e 2168.
Milkiewics e cols. (2005)238 relataram que o VEGF é considerado um importante
promotor do crescimento capilar no músculo esquelético exposto ao aumento de
atividade. E ainda, que o crescimento capilar parece exigir NO, e altos níveis de VEGF.
Para Yla-Herttuala e cols. (2007)10 e Korpisalo e cols. (2011)239, membros da
família VEGF são importantes estimuladores do crescimento vascular e estão entre os
fatores de crescimento de maior potencial utilizados atualmente e cogitados para uso em
futuros ensaios clínicos. Segundo Ferrara, 2009240, o VEGF é um importante regulador
da angiogênese fisiológica e patológica.
58
O VEGF165 contém 165 aminoácidos e funciona interagindo com receptores
específicos das células endoteliais, iniciando a cascata de eventos que culmina com a
migração de células endoteliais, proliferação e agregação em microtúbulos que acabarão
por formar uma rede de sistemas arteriais e venosos. Transferência de genes representa
uma maneira de transportá-los para o coração, onde o DNA codificador de VEGF é
liberado na célula miocárdica, a qual começa secretar VEGF. Nos ensaios realizados até
o momento, não existem dados concretos sobre a dose adequada e segura de fator
angiogênico a ser administrada. Na maior parte dos estudos com VEGF isoforma 1
(VEGF165) a dose variou entre 125 - 500 μg.
Como já citado acima, o VEGF funciona como um importante marcador tanto de
dano endotelial quanto mediador de reparo. Em casos de injúria como isquemia,
inflamação e IAM têm sua expressão aumentada. Além disso, estimula a manutenção,
mobilização e recrutamento das EPC da medula óssea241. O potencial angiogênico do
VEGF estimula a produção endotelial de óxido nítrico em segmento isquêmico por
meio da ativação da eNOS242 (Figura 5).
Zhao e cols. (2002)244 demonstraram que a deficiência de eNOS diminui a
expressão de VEGF e prejudica a angiogênese e o desenvolvimento capilar, indicando
que a produção de NO por meio da eNOS tem importante papel no processo
angiogênico.
59
Figura 5. Diante da isquemia, citocinas, fatores de crescimento e hormônios são liberados, estimulando a
proliferação, diferenciação, mobilização e migração das EPC da fração mononuclear, viabilizando a angiogênese243.
4.2.6 Estudos Pré-Clínicos Relevantes para a Cardiologia
Estudos experimentais complexos e com qualidade metodológica vem sendo
desenvolvidos ao longo dos anos com foco na terapia gênica, a fim de transpor dados da
pesquisa básica para a pesquisa clínica, embasando o conceito de medicina
translacional.
Kawamoto e cols. (2004)245 relataram que a mobilização de células progenitoras
endoteliais e citocinas potencializam a terapia com VEGF na isquemia miocárdica e
aumentam a incorporação de células da medula óssea no miocárdio isquêmico. Ainda,
em outro estudo, verificou-se que VEGF e ANGPT-1 introduzidos em anéis de aorta de
ratos ocasionaram a ativação do sistema imunológico inato da parede do vaso,
estimulando a produção de citocinas inflamatórias pró-angiogênicas antes do
surgimento de neovasos246.
Furlani e cols. (2009)247 aplicaram injeção intramiocárdica de plasmídeo
contendo VEGF no sétimo dia após a indução de infarto em modelo experimental. Esse
60
grupo foi comparado com um controle, no qual foi injetada solução salina. A função
ventricular esquerda foi avaliada por ecocardiograma pré e pós-tratamento e foi
realizada análise histológica para contagem de vasos. Houve aumento significativo do
número de capilares no grupo tratado, além de estabilização da fração de ejeção
ventricular do grupo tratado 14 dias após o tratamento com VEGF, em contraste com o
grupo controle, no qual ocorreu diminuição significativa da fração de ejeção ventricular
esquerda.
A eficácia da angiogênese terapêutica por injeção intramiocárdica de pCKVEGF165 em modelo suíno de infarto agudo do miocárdio foi relatada por Choi e
colaboradores em 2006248. Aos 30 dias após o infarto e injeção de pCK-VEGF na sua
zona de transição, não houve diferença nos parâmetros de perfusão segmentar,
espessamento parietal e contratilidade entre os grupos controle e tratado. Aos 60 dias,
entretanto, o grupo tratado mostrou melhora significativa, tanto em relação ao 30º dia
(p<0,05) nos parâmetros citados, como em relação ao grupo controle para perfusão
segmentar (p=0,018), contratilidade (p=0,004) e espessura (p=0,068). A análise
histológica mostrou aumento significativo na microvasculatura do grupo tratado em
relação ao controle (p<0,001)248.
É de suma importância relatar as limitações dos modelos pré-clínicos e as
diferenças entre os modelos animais e os pacientes incluídos em ensaios clínicos de
terapêutica cardiovascular. Os animais utilizados em estudos pré-clínicos são
geralmente jovens e saudáveis, enquanto os pacientes são tipicamente idosos com
múltiplas comorbidades. Estudos clínicos e epidemiológicos indicam que a idade é um
forte preditor de doença avançada249,250 da mesma forma, animais com idade têm menos
probabilidade de se recuperar de doenças vasculares e isquêmicas251. Esse
comprometimento parece evoluir, pelo menos em parte, quanto as deficiências no
61
recrutamento
de células angiogênicas e quanto à expressão do
fator de
crescimento252,253.
A eficácia da terapia gênica pode ser influenciada pela espécie, idade e em
relação as diferentes condições de saúde entre os modelos animais e populações
clínicas, mas também por diferenças biológicas na expressão genética. Além disso, a
incapacidade para quantificar precisamente a expressão do gene prejudica o projeto
experimental5.
Contudo, a terapia gênica pode resultar na desregulação da expressão da proteína
inoculada e a expressão contínua do VEGF tem sido associada com a formação de
tumores vasculares intramurais e na diminuição da sobrevida em modelos animais254.
Com o avanço da engenharia genética e o maior conhecimento das técnicas de
purificação,
espera-se
que
tais
complicações
sejam
controladas254.
Existem
questionamentos em relação à segurança da transferência de fatores angiogênicos, e
também em relação ao tempo de expressão255, onde se sabe que os plasmídeos
carreadores de proteínas de fatores angiogênicos, por terem expressão mais curta e não
se incorporarem ao DNA da célula à qual vão se ligar tem menor risco deste efeito
adverso.
Na pesquisa experimental há sugestões de outros papéis para o VEGF. Foi
descoberto efeito mitogênico em cardiomiócitos adultos, induzido por terapia gênica
com VEGF. Estudo posterior pesquisou hiperplasia de cardiomiócitos induzida pelo
VEGF através de citocinese de cardiomiócitos. Cinco semanas após indução de
isquemia e injeção intramiocárdica de VEGF, o grupo tratado apresentou 22% mais
cardiomiócitos por unidade de volume além de um número significativamente maior de
cardiomiócitos oligonucleados (1 ou 2 núcleos) quando comparado com o grupo
controle. Desse modo, a transferência gênica de VEGF induziu citocinese de
62
cardiomiócitos em porcos com miocardiopatia isquêmica crônica, como revelado pela
hiperplasia de cardiomiócitos. Esse estudo confirma o já reportado efeito mitogênico de
VEGF em cardiomiócitos adultos e dá suporte à hipótese que o VEGF pode ter um
papel terapêutico em doenças caracterizadas por perda de células miocárdicas256.
Desta forma, mais estudos experimentais são necessários para se cercar a
sinalização parácrina envolvida na terapia gênica, proporcionando maior embasamento
para futuros estudos clínicos e terapias.
4.2.7 Estudos Clínicos Relevantes para a Cardiologia
A idéia de que fatores angiogênicos possam promover revascularização de
tecidos isquêmicos foi investigada primeiramente em indivíduos com doença arterial
periférica, especificamente, isquemia crítica de membros. A transferência de vetores de
DNA (plasmídeos), promovendo a expressão do gene do VEGF trouxe alguns
benefícios clínicos, como a abolição da dor em repouso e cicatrização das úlceras
isquêmicas, salvando membros inferiores. Esses benefícios foram associados com
evidência angiográfica de novos vasos colaterais e do aumento do fluxo sanguíneo para
a perna257.
Dentre os principais estudos já realizados em humanos com a utilização de
terapia gênica como terapia única ou associada e com diferentes vetores, destaca-se o
estudo de Losordo e cols. (1998)258 onde conduziram o primeiro ensaio clínico testando
terapia gênica com VEGF em pacientes com angina refratária. Este estudo demonstrou
as primeiras evidências de segurança e dados observacionais sobre sintomas e perfusão
miocárdica. Em estudo subseqüente, Laitinen e cols.259 demonstraram um método
menos invasivo de administração do VEGF plasmidial, via infusão intra-coronariana,
sendo este método, seguro e executável.
63
O estudo KAT 168 (Kuopio Angiogenesis Trial), teve como objetivo avaliar a
segurança da terapia gênica com VEGF intracoronária, quando administrada ao tempo
da angioplastia coronariana com stent, avaliando o quanto a terapêutica com VEGF
pode prevenir a reestenose e melhorar a perfusão miocárdica. Foram randomizados 103
pacientes sintomáticos que iriam realizar angioplastia coronariana para receber infusões
intracoronárias de VEGF adenoviral, VEGF plasmidial ou placebo, no momento da
angioplastia. Concluíram que a terapia com VEGF durante angioplastia parece segura,
mas os investigadores não encontraram diferenças na taxa de re-estenose 6 meses após o
tratamento. Em relação à perfusão miocárdica, entretanto, houve aumento em 6 meses
de acompanhamento nos pacientes submetidos a administração de VEGF adenoviral168.
O Euroinject One Trial167 foi um estudo randomizado, duplo-cego, placebocontrolado em pacientes com DAC sintomática, que não eram candidatos a
revascularização cirúrgica. Oitenta pacientes foram eleitos para receber injeção de
VEGF plasmidial ou plasmídeo placebo na área miocárdica isquêmica identificada por
mapeamento eletromecânico (MEM) e SPECT. O plasmídeo foi administrado por
injeção via endocárdica utilizando-se o sistema NOGA. Após 3 meses de
acompanhamento, a perfusão miocárdica avaliada em estresse e a classe de angina
(CCS) não foram diferentes entre os dois grupos, mas escores de movimentação
regional da parede miocárdica e a função ventricular esquerda melhoraram no grupo
tratado com VEGF167. Ao final do estudo, uma análise utilizando um método alternativo
de interpretação do escore de movimentação regional da parede miocárdica e da
perfusão miocárdica revelou alguma evidência de melhora nos pacientes tratados com
VEGF260.
O estudo de Reilly e cols. (2005) apresentou resultados de terapia gênica com
VEGF em pacientes sem outras opções terapêuticas. Foram 30 pacientes com angina
64
classe III ou IV que receberam injeção intramiocárdica via toracotomia de VEGF. Esses
pacientes foram seguidos para eventos clínicos depois de um ano por registros
hospitalares, visitas ou contato telefônico. Um paciente teve óbito peri-operatório. A
média de seguimento foi de 751±102,5 dias. Houve 4 óbitos (13,8%), 5 infartos do
miocárdio (17,2%) e 7 procedimentos de revascularização (24,1%). Também houve 15
hospitalizações em 12 pacientes. No fim do seguimento nenhum paciente se encontrava
em classe IV de angina, 3 pacientes (11,5%) estavam em classe III e 23 pacientes
(88,5%) estavam em classe I ou II. Esse estudo permitiu associar a terapia gênica com
VEGF com a melhora dos sintomas de angina na maioria dos pacientes após o primeiro
ano de tratamento. Eventos clínicos maiores como óbito, infarto do miocárdio e novos
procedimentos de revascularização foram incomuns durante o primeiro ano, mas
tornaram-se mais frequentes após esse período. A maioria desses eventos em longo
prazo seriam resultado da progressão da doença de base em áreas cardíacas afastadas
dos locais de infusão de terapia gênica261.
Ruel e cols. (2008) publicaram um estudo onde investigaram a associação entre
VEGF e L-arginina. Participaram do estudo 19 pacientes cardiopatas isquêmicos graves
que foram randomizados da seguinte forma: grupo 1: Placebo para injeção
intramiocárdica de VEGF + placebo para suplementação pós-operatória de L-arginina;
grupo 2: Injeção intramiocárdica de VEGF + placebo para suplementação pósoperatória de L-arginina; grupo 3: Placebo para injeção intramiocárdica de VEGF +
suplementação pós-operatória de L-arginina e grupo 4: Injeção intramiocárdica de
VEGF + suplementação pós-operatória de L-arginina. A suplementação com L-arginina
foi realizada via oral por três meses.
Foram avaliadas mudanças na perfusão e
contratilidade miocárdica anterior através de tomografia por emissão de pósitrons (PET
scan) e ecocardiografia. Pacientes que receberam a combinação de VEGF e L-arginina
65
demonstraram melhora na perfusão da parede anterior observada no PET scan (p=0,02)
e melhora da contratilidade da parede anterior (p=0,02) em três meses quando
comparados ao começo do estudo. Os resultados sugerem segurança e eficácia na
intervenção. De fato, foi demonstrado que a L-arginina é clinicamente segura e tem
efeitos benéficos sobre o NO262.
Em estudo multicêntrico recente (Northern Trial), Stewart e cols. (2009)263
realizaram um estudo duplo-cego, controlado por placebo. Este envolveu sete centros do
Canadá e um total de 93 pacientes com CCS 3 ou 4, os quais foram randomizados para
receber 2.000 g de VEGF plasmidial ou placebo por via endocárdica sob orientação do
cateter eletroanatômico NOGA. Não houve diferença entre o grupo tratado com VEGF
e placebo em relação à perfusão miocárdica no período basal, 3 e 6 meses, avaliados por
SPECT. Observou-se redução significativa da área isquêmica observada em ambos os
grupos. Melhoras no tempo do teste ergométrico e sintomas anginosos foram
observados em ambos os grupos em 3 e 6 meses, não havendo diferença entre os
grupos263.
Evidencia-se desse modo a aplicabilidade clínica do VEGF em humanos, visto
que estudos experimentais mostram resultados favoráveis e estudos iniciais em
humanos não relatam efeitos adversos relacionados. Ensaios atuais relatam que o uso de
altas doses de rhVEGF, quando comparado com baixas doses e com placebo, melhora a
perfusão miocárdica em pacientes com angina estável severa e fornece evidências de um
efeito positivo dose-dependente264,265. Também como alternativa a pacientes sem outras
possibilidades terapêuticas foi desenvolvido o estudo The VIVA Trial, designado a
avaliar a segurança e eficácia da infusão intracoronariana e intravenosa de rhVEGF
(recombinante humano de fator de crescimento endotelial vascular). Assim, 178
pacientes foram randomizados para receberem placebo, baixa dose de rhVEGF ou alta
66
dose de rhVEGF por infusão intracoronariana no dia 0, seguido por infusão intravenosa
nos dias 3, 6 e 9. Teste ergométrico em esteira e avaliações da classe de angina e da
qualidade de vida foram realizados no início dos procedimentos, dia 60 e dia 120.
Imagens de perfusão miocárdica foram obtidas no início dos procedimentos e no dia 60.
Esse estudo mostrou que rhVEGF é seguro e bem tolerado. Nas mensurações feitas no
dia 60, rhVEGF não ofereceu melhora além do placebo em nenhum dos testes. Porém
no dia 120, altas doses de rhVEGF resultaram em significativa melhora na angina dos
pacientes e tendência favorável no tempo de teste de esteira ergométrica e na freqüência
de episódios de angina264.
Desse modo, é possível acreditar no potencial terapêutico envolvido na
utilização da terapia gênica para tratamento de pacientes cardiopatas isquêmicos. Mas
ainda, faça-se necessário o maior aprofundamento das vias e marcadores de sinalização
celular envolvidos nesse processo, onde alguns estudos conseguiram demonstrar a
relevância de esclarecermos essa dúvida que cerca tal terapia.
Kastrup e cols. (2005)167, demonstraram através de ensaio clínico randomizado
duplo-cego, onde realizaram terapia gênica com VEGF em pacientes com angina
pectoris severa, que os níveis de VEGF aumentou em ambos os grupos após o
tratamento, atingindo um valor de pico após uma semana (VEGF, a partir de 69±14 ng/l
para 140±30 ng/l, p<0.001; placebo, a partir de 70±20 ng/l para 140±42 ng/l, p<0.001),
mas sem diferença entre os grupos. Células - tronco CD34+ demonstraram uma
tendência a ser maior no grupo VEGF três semanas após o tratamento (VEGF, a partir
de 2.8±0.4 células/106 /l para 4.3±0.6 células/106 /l, p=0.07; placebo, a partir de 3.2±0.6
células/106/l para 3.7±0.4 células/106 /l, p=0.25), sem diferença entre os grupos. CPR
aumentada no grupo VEGF 24 horas após o tratamento (VEGF, a partir de 6.4±1.2 mg/l
67
para 8.5±2.0 mg/l, p=0.03; placebo, a partir de 6.2±1.1 mg/l para 7.8±1.9 mg/l, p=0.98),
sem diferença entre os grupos.
Ripa e cols. (2006)166 realizaram um estudo piloto com o uso combinado de
terapia gênica com VEGF e mobilização de células tronco em pacientes com DAC,
sendo estes, sintomáticos e não candidatos à revascularização. Dezesseis pacientes
receberam injeções intramiocárdica de VEGF plasmidial seguido da administração, uma
semana após, do fator de estimulação de colônias de granulócitos (G-CSF) visando à
mobilização de células progenitoras da medula óssea no grupo tratado. O grupo controle
foram os 16 pacientes tratados com VEGF e os 16 tratados com plasmídeo placebo do
estudo Euroinject One Trial. O número de células progenitoras identificadas via CD34+
aumentou significativamente durante o tratamento com VEGF+G-CSF, com
normalização após 1 semana. No início do estudo, o SDF-1 foi menor no grupo controle
em
comparação
com
os
dois
grupos
ativos
grupos
tratados,
diminuindo
significativamente durante o não tratamento com G-CSF e aumentando após o
tratamento G-CSF (p=0.06). O nível plasmático basal de VEGF foi variado dentro dos
grupos, este aumentou nos dois grupos VEGF tratados e no grupo controle uma semana
após a injeção intramiocárdica.
Outros fatores angiogênicos também foram e continuam sendo alvo de
pesquisas, como o estudo duplo-cego controlado por placebo, que avaliou a eficácia e
segurança da administração intramuscular de NV1FGF, plasmídeo contendo o gene que
codifica a proteína FGF, isoforma 1 (FGF-1), versus placebo, em pacientes com
isquemia crítica de membros. A incidência de eventos adversos foi alta e similar entre
os grupos. Nos pacientes com isquemia crítica de membros, a transferência de NV1FGF
foi bem tolerada e resultou em um risco significativamente reduzido de maior
amputação quando comparado ao placebo266. Outro estudo que avaliou isquemia crítica
68
de membros com vetor plasmidial teve como objetivo determinar o efeito do fator de
crescimento dos hepatócitos (HGF) sobre a segurança, integridade e perfusão do tecido.
A injeção intramuscular do plasmídeo HGF foi segura e bem tolerada 267.
A gênese, crescimento e manutenção da neovascularização ocorrem através de
interações complexas e entre mecanismos envolvidos na vasculogênese, angiogênese e
arteriogenêse268,269. As direções futuras da terapia gênica apontam prováveis
combinações de fatores angiogênicos, ou fatores individuais (HIF-1α) que ativam
diversas vias de neovascularização. As combinações de terapia celular e de fatores
angiogênicos, bem como o uso de biomateriais para melhorar o microambiente são
outras estratégias promissoras para o reparo isquêmico tecidual5.
4.2.8 Eficácia e Segurança
Os estudos realizados até o momento não apresentavam o número de pacientes
necessário para quantificar o potencial benefício da terapia gênica, com parâmetros
inequívocos como a mortalidade ou o salvamento do membro, no caso de isquemia
periférica. Em vez disso, os pesquisadores têm procurado identificar outros parâmetros
e desfechos que podem fornecer evidências objetivas da bioatividade e melhora clínica5.
Quase todos os ensaios clínicos de terapia gênica na área da cardiologia, têm
como população de estudo pacientes em fase terminal da doença isquêmica, cujas
opções terapêuticas convencionais já se esgotaram, uma vez que o possível maior risco
em relação ao benefício associado aos novos tratamentos são mais aceitáveis.
Entretanto, os pacientes com doença cardiovascular avançada, muitas vezes têm sofrido
décadas de deterioração sistêmica, onde a terapia pode não conduzir a uma melhoria
mensurável, mesmo quando o tratamento é benéfico5,270.
69
Mais de 1.000 pacientes foram incluídos em ensaios clínicos controlados de
terapia gênica, abrangendo mais de uma década e até agora, com exceção dos casos
relatados anteriormente e que tem explicações específicas, nenhum sinal de segurança
adversa foi detectado. Relatórios de retinopatia, câncer, ou outras doenças que podem
ser impulsionadas pelo crescimento vascular foram percebidos como igualmente
distribuídos em grupos tratado e placebo. Conclusões mais definitivas sobre riscos e
complicações exigirão maiores tempo de acompanhamento e número de pacientes
submetidos à terapia5.
Quinze anos se passaram desde os primeiros relatos de terapia gênica em
humanos. O amplo número de estudos pré-clínicos demonstram a bioatividade dos
genes transplantados e vários ensaios clínicos indicam que a terapia é segura, viável, e
potencialmente eficaz, embora não tenham produzido evidências conclusivas de
benefício. Assim, para continuar a desenvolver esta abordagem terapêutica promissora,
devemos avaliar criticamente os resultados experimentais e os protocolos para
identificar fatores que podem ter prejudicado a eficácia da terapia ou dados
confundidores de interpretação5.
Contudo, algumas questões predominantes ainda persistem: quais são os níveis
adequados de transcrição e tradução dos genes transfectados nos cardiomiócitos do
coração insuficiente?271. A terapia gênica faz restauração da contratilidade do
miocárdio, para isso requerendo a transferência de genes para a maioria das célulasalvo?272. Qual vetor têm o maior tropismo cardíaco com o mínimo de efeitos sistêmicos
indesejáveis?273,274. Qual é a fração de miócitos cardíacos necessária ser transfetada para
se obter a entrega global do gene? Um requisito desejável é a expressão gênica
homogênea a longo prazo pela maioria dos miócitos cardíacos ou a expressão regional
do gene é suficiente?
70
5. EXPERIÊNCIA LOCAL
Em nosso centro de pesquisa (Instituto de Cardiologia do Rio Grande do
Sul/Fundação Universitária de Cardiologia), desenvolvemos previamente estudos
experimentais275,276,247 e o primeiro ensaio clínico em terapia gênica do Brasil,
utilizando VEGF165 para angina refratária277.
Nos estudos experimentais, utilizamos modelo canino de infarto do miocárdio
nas fases aguda e crônica, na tentativa de avaliar os processos de terapia gênica.
Recentemente,
desenvolvemos
um
ensaio
clínico
controlado,
(ClinicalTrial
NCT00744315)277, intitulado Terapia Gênica para Angiogênese na Angina Refratária:
Ensaio Clínico Controlado Fase I/II, com o objetivo de avaliar clinicamente os efeitos
da terapia gênica com VEGF165 em pacientes com DAC avançada, não passíveis de
revascularização percutânea ou cirúrgica. Os treze pacientes receberam tratamento
medicamentoso máximo por no mínimo seis meses e após foram submetidos à
administração de injeções intramiocárdicas de 2.000 µg de plasmídeo contendo o gene
que codifica a proteína VEGF, isoforma 1 (VEGF 165). Foram avaliados por cintilografia
miocárdica, teste ergométrico, questionário de qualidade de vida (Minnesota) e
determinação das classes de insuficiência cardíaca (NYHA) e angina (CCS). Em
resultados de 12 meses de evolução concluiu-se que a terapia gênica demonstrou ser
segura e viável, tendendo a melhora na gravidade da angina (12 meses) e redução da
intensidade da isquemia miocárdica (3 meses).
Em paralelo ao ensaio clínico fase I/II, foram feitas coletas sanguíneas da
amostra para a realização deste estudo visando analisar a sinalização parácrina
cooperativa em resposta à terapia gênica.
71
6. JUSTIFICATIVA
Pelo exposto acima, há espaço para a terapia gênica como método terapêutico.
Porém, a sinalização parácrina envolvida deve ser melhor esclarecida, pois se faz
necessário conhecer todos os mecanismos para formular idéias ou avançar nas
pesquisas.
Contudo, não há estudos na literatura que verificaram a sinalização parácrina
cooperativa envolvida na resposta a uma terapia gênica para doença cardiovascular e,
neste mesmo contexto, na terapia gênica com um plasmídeo expressando VEGF, por
isso se justifica este estudo.
72
7. HIPÓTESE DE PESQUISA
A administração intramiocárdica de plasmídeo contendo o gene que codifica a
proteína VEGF, isoforma 1 (VEGF 165) influencia os níveis de expressão das proteínas
envolvidas na sinalização parácrina cooperativa em resposta à terapia gênica,
colaborando para a potencialização deste complexo processo.
73
8. OBJETIVOS
8.1. Objetivo Geral
Verificar o perfil da sinalização parácrina cooperativa em resposta à terapia
gênica com plasmídeo expressando VEGF em pacientes com angina refratária, através
da correlação entre liberação de citocinas, angiogênese e o homing de células-tronco.
8.2. Objetivos Específicos
1.
Verificar se a terapia gênica induz a sinalização cooperativa entre sistema
imune, angiogênese e o homing;
2.
Verificar se a expressão das proteínas envolvidas na sinalização cooperativa é
tempo-dependente da intervenção da terapia gênica;
3.
Verificar a associação entre os elementos envolvidos na sinalização cooperativa
após a terapia gênica;
4.
Comparar os achados no grupo intervenção com um grupo controle para
procedimento cirúrgico (implante de marcapasso cardíaco).
74
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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90
ARTIGO
91
Perfil da Sinalização Parácrina Cooperativa em Resposta à Terapia Gênica com
VEGF para Angina Refratária: Uma Correlação entre Resposta Imune,
Angiogênese e o Homing de Células - Tronco
Bruna Eibel – Fisioterapeuta, mestranda; Instituto de Cardiologia do Rio Grande do
Sul/Fundação Universitária de Cardiologia (IC/FUC)/Brasil.
Título Abreviado: Perfil da Sinalização Parácrina pós Terapia Gênica
Melissa Medeiros Markoski – Bióloga, doutora; Instituto de Cardiologia do Rio Grande
do Sul/Fundação Universitária de Cardiologia (IC/FUC)/Brasil.
Rodrigo Della Méa Plentz – Fisioterapeuta, doutor; Instituto de Cardiologia do Rio
Grande do Sul/Fundação Universitária de Cardiologia (IC/FUC)/Brasil e Universidade
Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA)/Brasil.
Clarissa Garcia Rodrigues – Enfermeira, doutoranda; Instituto de Cardiologia do Rio
Grande do Sul/Fundação Universitária de Cardiologia (IC/FUC)/Brasil e Research on
Research Group; Duke University/USA.
Thiago Dipp – Fisioterapeuta, doutorando; Instituto de Cardiologia do Rio Grande do
Sul/Fundação Universitária de Cardiologia (IC/FUC)/Brasil e Universidade Federal de
Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA)/Brasil.
Felipe Borsu de Salles – Médico, residente de cirurgia; Instituto de Cardiologia do Rio
Grande do Sul/Fundação Universitária de Cardiologia (IC/FUC)/Brasil e Universidade
Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA)/Brasil.
Imarilde Inês Giusti – Médica cardiologista, mestre; Instituto de Cardiologia do Rio
Grande do Sul/Fundação Universitária de Cardiologia (IC/FUC)/Brasil.
92
Roberto Toffani Sant’Ana – Médico cardiologista; Instituto de Cardiologia do Rio
Grande do Sul/Fundação Universitária de Cardiologia (IC/FUC)/Brasil.
Nance Beyer Nardi – Bióloga, doutora; Instituto de Cardiologia do Rio Grande do
Sul/Fundação Universitária de Cardiologia (IC/FUC)/Brasil e Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS).
Renato Abdala Karam Kalil – Cirurgião cardiovascular, doutor; Instituto de Cardiologia
do Rio Grande do Sul/Fundação Universitária de Cardiologia (IC/FUC)/Brasil e
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA)/Brasil.
Autor Correspondente
Renato Abdala Karam Kalil
Unidade de Pesquisa do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul/Fundação
Universitária de Cardiologia.
Avenida Princesa Isabel, 370 - Porto Alegre/RS, Brasil. CEP: 90620-001.
[email protected], [email protected]
Telefone: (51) 3230-3600 Fax: (51) 3217-2035
93
RESUMO
Introdução: A formação de novos vasos responde ao estímulo de fatores angiogênicos
e para que isto aconteça, a sinalização parácrina cooperativa e o homing inicial são
fundamentais. Métodos e Resultados: Caracteriza-se por ser um estudo de coorte.
Foram utilizados plasmas dos pacientes submetidos à terapia gênica com plasmídeo
expressando o Fator de Crescimento Endotelial Vascular (VEGF) (n=10) e, como grupo
controle para procedimento cirúrgico, quatro pacientes submetidos à cirurgia de
marcapassos (n=4). Para análise da expressão e liberação das proteínas (Interleucina-6:
IL-6, Fator de Necrose Tumoral-α: TNF-α, Interleucina-10: IL-10, Stromal CellDerived Factor-1α: SDF-1α, VEGF, Angiopoietina-1: ANGPT-1 e Endotelina-1: ET-1)
no plasma sanguíneo, as amostras foram coletadas anteriormente as intervenções (basal)
e 3, 9 e 27 dias após em ambos os grupos e a detecção e quantificação dos níveis de
expressão das mesmas foram determinadas através de imunoensaio. Houve aumento
transitório da IL-6 ao 3º dia (11,3 - 9,5 pg/mL), do SDF-1α ao 3º dia (2798,7 - 1145,0
pg/mL) e 9º dia (2842,3 - 1393,6 pg/mL), do VEGF ao 9º dia (331,1 - 196,6 pg/mL) e
da ANGPT-1 ao 9º dia (29026,7 - 17479,9 pg/mL) após terapia gênica em relação ao
grupo controle, e aumento transitório da mobilização de células progenitoras endoteliais
(CD34+/KDR+) após terapia gênica, com pico no 3º dia após a intervenção (35,0 - 56,0).
Conclusões: A análise da expressão e secreção de citocinas e outras proteínas revelou
que existe uma sinalização parácrina cooperativa transitória em resposta a terapia gênica
com plasmídeo expressando VEGF.
Palavras-chave: Terapia Gênica; Angiogênese; Fator de Crescimento Endotelial
Vascular A; Homing de Células-Tronco; Quimiocinas; Interleucinas.
94
INTRODUÇÃO
Em um processo cardiovascular isquêmico, o efeito parácrino das células do
sistema imune (leucócitos, monócitos) e células progenitoras é impelir moléculas que
possam aumentar a sobrevivência dos cardiomiócitos e promover cardioproteção 1,2 . A
expressão desta sinalização parácrina é cooperativa e inclui citocinas, quimiocinas e
fatores de crescimento envolvidos em mobilizar as células, impulsionando o processo
de reparação após alguma injúria3. Assim, a resposta imune, a angiogênese e o homing
celular estão diretamente envolvidos neste processo, cada qual sendo fundamental para
que esta sinalização exerça seu funcionamento normal e eficaz.
A doença arterial coronariana (DAC), causa mais comum da isquemia
miocárdica, ao reduzir a luz arterial provoca diminuição do fluxo sangüíneo coronário,
restringindo a perfusão miocárdica a um estado basal ou limitando aumentos de fluxo
quando há necessidade4. Atualmente, um número crescente de pacientes com DAC
permanecem
sintomáticos,
apresentando
angina
refratária
aos
medicamentos
antianginosos e a procedimentos como intervenção coronária percutânea (ICP) e
revascularização do miocárdio (CRM)5-7. Por isso, a busca de terapias que promovam a
revascularização por meio do estímulo da sinalização parácrina é de suma importância,
estabelecendo desta forma uma nova alternativa a esta população, a angiogênese
terapêutica.
A formação de novos vasos responde ao estímulo de fatores angiogênicos, os
quais regulam a migração endotelial, proliferação, sobrevida e atividade proteolítica.
Entre os fatores existentes, o VEGF e as Angiopoietinas (ANGPTs) têm emergido como
reguladores críticos do processo pró-angiogênico8-10. Essas moléculas promovem a
angiogênese e a morfogênese por meio de um complexo processo de eventos
95
angiorregulatórios11,12, onde células endoteliais cooperam com o sistema imunológico
inato, através do estímulo da atividade de citocinas e macrófagos13,14.
Tanto o VEGF como a ANGPT-1 tem sua expressão influenciada por citocinas
secretadas, tais como TNF-α, Interleucina-1β (IL-1β) e pelo SDF-1. Por sua capacidade
quimioatrativa, o SDF-1 é uma das principais moléculas envolvidas com o recrutamento
de células-tronco, que entre outras funções, aumenta a adesão e a transmigração de
células progenitoras circulantes, como as endoteliais15,16, que secretam os fatores
angiogênicos. As células progenitoras endoteliais, além de responderem à sinalização
mediada por interleucinas e quimiocinas, liberando fatores importantes ao reparo de
uma lesão vascular, também secretam reguladores para o bom funcionamento do
endotélio como a ET-1 e a enzima sintase de óxido nítrico (eNOS)17. Dessa forma, para
que o remodelamento tecidual e a restituição da função endotelial pós injúria e/ou
intervenção venham a ocorrer, deve haver uma sinalização cooperativa entre sistema
imune, homing de células-tronco e angiogênese. Neste contexto, embora ainda exista a
necessidade de estudos básicos, a terapia gênica, proporcionando o aumento da
expressão de moléculas que participam de tais processos, surge como uma das melhores
ferramentas intervencionistas para o reparo de doenças crônico-degenerativas, como a
DAC.
Com o intuito de induzir a angiogênese miocárdica, a terapia gênica, utilizando o
VEGF representa uma nova modalidade de tratamento para a DAC 18. Nosso grupo de
pesquisa (Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul/Fundação Universitária de
Cardiologia) realizou recentemente um ensaio clínico (Clinical Trial NCT00744315)
com terapia gênica utilizando o VEGF para angina refratária e tendo como objetivo
avaliar clinicamente os efeitos da terapia gênica com VEGF em pacientes com DAC
avançada, não passíveis de revascularização percutânea ou cirúrgica. Os pacientes
96
receberam tratamento medicamentoso otimizado por no mínimo seis meses e após
foram submetidos à administração de injeções intramiocárdicas de 2 mL de plasmídeo
contendo o gene que codifica a proteína VEGF (VEGF165) (Kalil e cols., 2010)19.
Não há estudos na literatura que verificaram a sinalização cooperativa na terapia
gênica com indução da expressão de VEGF, o que é de fundamental relevância ser
caracterizado para que o processo de reparo seja potencializado. O objetivo do presente
estudo foi verificar o perfil da sinalização parácrina cooperativa em resposta à terapia
gênica com um plasmídeo expressando VEGF em pacientes com angina refratária,
através da correlação entre liberação de citocinas, angiogênese e o homing de célulastronco.
MÉTODOS
Delineamento do Estudo e Amostra
Caracteriza-se por ser um estudo de coorte. O estudo foi aprovado pelo comitê
de ética do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul/Fundação Universitária de
Cardiologia (IC/FUC), Porto Alegre/RS, Brasil (nº 4413/09) e todos os pacientes
assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) em respeito à lei nº
196/96.
Os pacientes do grupo intervenção eram portadores de DAC avançada e angina
refratária, não passíveis para CRM ou ICP (n=10). Os critérios de inclusão foram: sinais
e sintomas de angina e/ou insuficiência cardíaca, apesar do tratamento medicamentoso
otimizado, área isquêmica do miocárdio reversível de pelo menos 5%, como avaliado
por tomografia computadorizada com emissão de fóton (SPECT) e DAC difusa com
vasos inviáveis para CRM ou ICP.
97
O grupo controle deste subestudo foi constituído por 4 pacientes submetidos a
cirurgia de marcapassos, sendo três pacientes submetidos a implante de marcapasso
cardíaco e de um paciente submetido à troca de gerador do marcapasso cardíaco,
devido à incisão cirúrgica ser similar a mini-toracotomia realizada no grupo intervenção
(n=4). Todos os pacientes tinham bloqueio átrio-ventricular total como causa primária
da necessidade do implante de marcapasso e estavam em faixa etária similar a do grupo
intervenção.
Ensaio de ELISA
Amostras de sangue venoso foram coletadas anteriormente a terapia gênica
(basal) e 3, 9 e 27 dias depois. As amostras do grupo controle foram coletadas
anteriormente a cirurgia de marcapassos (basal) e 3, 9 e 27 dias depois. Após
centrifugação a 1.000 rpm durante 10 minutos a 4 °C, o plasma foi separado e
armazenado à -20 °C até dosagem das proteínas. Níveis séricos de IL-6, TNF-α, IL-10,
SDF-1α, VEGF, ANGPT-1 e ET-1, foram determinados pelo ensaio de Enzyme Linked
Immunosorbent Assay (ELISA), permitindo a detecção de anticorpos específicos
baseado na interação antígeno-anticorpo através do uso de kits comerciais (Quantikine,
R&D Systems; Ebiosciences; RayBiotech), utilizados em conformidade com as
instruções do fabricante. Todas as amostras foram dosadas em duplicata. Os dados são
expressos em picogramas de proteína por mililitro (pg/mL).
Citometria de Fluxo
A frequência de células progenitoras endoteliais CD34+/KDR+ foi analisada no
gate de linfócitos, presente na fração mononuclear do sangue periférico. Foram
contados 100.000 eventos. Os resultados apresentam o número de células duplo-
98
positivas (n/100.000). A análise das células foi realizada por meio do citômetro de
fluxo FACSCalibur (BD) (C. Rodrigues, dados não publicados, 2011).
Análise Estatística
As análises foram realizadas com a utilização do programa estatístico Statistical
Package for the Social Sciences (SPSS) versão 19.0 e análises complementares foram
realizadas com a utilização do programa estatístico BioEstat versão 5.0. Os dados
contínuos não-paramétricos são expressos em mediana e intervalo interquartil. Para a
análise da expressão das proteínas nos diferentes momentos em cada grupo, intervenção
e controle, foi utilizado o teste não paramétrico de Friedman, seguido de seu teste de
comparações múltiplas. Para comparação da expressão das proteínas, em cada
momento, nos grupos intervenção e controle, foi realizado o teste não paramétrico de
Mann-Whitney U. A medida de correlação não paramétrica da expressão entre as
proteínas nos diferentes momentos analisados no grupo intervenção foi através do
coeficiente de correlação de Spearman. Foi considerado estatisticamente significativo
um p<0,05.
RESULTADOS
Expressão Temporal das Proteínas Envolvidas na Sinalização Cooperativa em
Resposta a Intervenção da Terapia Gênica: Análise Intragrupo e Intergrupos
A Tabela 1 apresenta os dados demográficos dos grupos amostrais. A citocina
pró-inflamatória IL-6 apresentou aumento significativo nos níveis plasmáticos em 3
dias no grupo intervenção (p<0,05), seguido de quedas também significativas aos 9 e 27
dias (p<0,05). O grupo controle apresentou níveis mais elevados no período basal,
99
seguido de queda significativa ao 9º dia (p<0,05). A análise intergrupo da expressão dos
fatores envolvidos com a secreção de citocinas por células do sistema imune apontou
que os pacientes tratados pela terapia gênica demonstraram uma tendência ao aumento
dos níveis da interleucina pró-inflamatória IL-6 ao 3º dia, mas o grupo controle
apresentou níveis basais maiores desta citocina, sendo significativa neste momento (3,5
- 8,0 pg/mL; p=0,04) (Figura 1A).
O TNF-α se manteve relativamente constante no grupo intervenção, mas
apresentou queda ao 3º dia, seguido de elevação dos seus valores ao 9º dia e nova queda
ao 27º dia (p<0,05). No grupo controle seus níveis se mantiveram constantes em todos
os momentos avaliados, com pequena diminuição aos 27 dias após procedimento. A
expressão do TNF-α foi menor em todos os momentos no grupo intervenção, com
significante diferença aos 3 dias após intervenção em relação ao grupo controle (1,4 17,6 pg/mL; p=0,02). Constata-se que o procedimento cirúrgico não foi responsável por
elevar os níveis de citocinas pró-inflamatórias a um nível exacerbado nos pacientes
submetidos à terapia gênica e que desta forma, cooperou com a sinalização parácrina
para o início do processo angiogênico (Figura 1B).
Em relação à análise intragrupo da citocina anti-inflamatória IL-10, o grupo
intervenção apresentou pequeno aumento de seus níveis ao 3º dia e o grupo controle
desde o momento basal apresentou níveis mais elevados, com pico de sua expressão aos
3 dias após procedimento. Verificou-se na análise intergrupo diferença significante ao
27º dia na expressão do grupo controle (8,5 - 15,5 pg/mL; p=0,02) (Figura 1C).
Em todos os momentos avaliados os valores plasmáticos de SDF-1 no grupo
intervenção foram elevados, representando desta forma, o recrutamento de célulastronco desde o momento basal, com posterior decréscimo ao 3º dia e leve ascensão ao 9º
dia. O grupo controle apesar do aumento de sua expressão a partir do 3º dia após
100
procedimento apresentou menor expressão da quimiocina ao longo de todos os períodos
analisados. A Figura 1D aponta que os pacientes tratados pela terapia gênica
demonstraram uma tendência ao aumento dos níveis de SDF-1 aos 3 dias (2798,7 1145,0 pg/mL; p=0,00) e aos 9 dias após intervenção (2842,3 - 1393,6 pg/mL; p=0,01)
em relação ao grupo controle. Verificando-se desta maneira, a sua ação quimioatrativa
frente à intervenção com terapia gênica. Paralelamente ao homing, houve um aumento
transitório da mobilização de células progenitoras endoteliais circulantes CD34+/KDR+
após terapia gênica, com pico ao 3º dia após a intervenção, seguido de uma queda ao 9º
e 27º dias (p<0,05) (Figura 1E).
Em relação ao processo angiogênico, houve pico do nível plasmático do VEGF
no 9º dia após a intervenção da terapia gênica (p<0,05). Já o grupo controle apresentou
expressão constante em todos os períodos analisados. A proteína VEGF não apresentou
diferença na análise intergrupo, mas nota-se uma tendência ao 9º dia no grupo
intervenção (331,1 - 196,6 pg/mL; p=0,08) (Figura 1F). Diante deste achado e sabendose que o vetor plasmidial é expresso por apenas alguns dias após a sua administração 20,
foi possível evidenciar neste momento no grupo intervenção uma inicialização da
mobilização angiorregulatória.
Assim como visto na expressão da quimiocina SDF-1, na análise intragrupo da
ANGPT-1, o grupo intervenção apresenta níveis elevados da proteína desde o momento
basal, com posterior decréscimo ao 3º dia e nova elevação ao 9º dia. Os níveis de
ANGPT-1 foram maiores em todos os momentos no grupo intervenção em relação ao
controle, detectando-se diferença significativa ao 9º dia após terapia gênica (29026,7 17479,9 pg/mL; p=0,01) (Figura 1G).
A análise intragrupo da expressão da ET-1 mostra que o grupo intervenção
apresentou um aumento inicial comparando o período basal e 3 dias (p<0,05), seguido
101
posteriormente de uma queda dos níveis da proteína aos 9 e 27 dias e o grupo controle
apresentou um pico da expressão desta proteína ao 9º dia após procedimento. Na análise
que compara os dois grupos, não obteve-se diferença significativa, tal fato pode ser
explicado pelo tratamento medicamentoso otimizado em que os pacientes do grupo
intervenção são submetidos por serem portadores de DAC (Figura 1H).
Associação entre os Elementos Envolvidos na Sinalização Cooperativa após a
Terapia Gênica
Na Tabela 2 estão expostas as correlações nos diferentes momentos de avaliação
entre as proteínas analisadas no grupo intervenção. Verificou-se uma forte correlação
positiva entre IL-6 no período basal e TNF-α no período basal; TNF-α no período basal
e SDF-1 no período basal; ET-1 em 3 dias e SDF-1 em 3 dias; TNF-α aos 27 dias e
SDF-1 aos 27 dias; ANGPT-1 aos 27 dias e SDF-1 também aos 27 dias e uma forte
correlação negativa entre TNF-α nos 3 primeiros dias e IL-10 também nestes 3 dias. E
obteve-se uma moderada correlação negativa entre ANGPT-1 aos 3 dias e IL-6 também
aos 3 dias. Verificaram-se correlações em todos os momentos analisados, tanto positivas
quanto negativas, demonstrando que a sinalização parácrina cooperativa foi
fundamental para que o homing de células progenitoras e o processo angiogênico
ocorressem, orientados pela polarização da resposta inflamatória/anti-inflamatória.
DISCUSSÃO
O presente estudo analisou a expressão de moléculas envolvidas em uma
sinalização parácrina cooperativa em resposta à terapia gênica com um plasmídeo
expressando um fator pró-angiogênico em pacientes com angina refratária. Verificou-se
que a terapia gênica com o VEGF proporcionou melhora clínica transitória nestes
102
pacientes, tanto em fase I como na II (Kalil e cols., 2010)19. Interessantemente, a análise
da expressão temporal das citocinas e demais fatores envolvidos nos processos de
recrutamento de estímulos e respostas, gerados por transdução de sinal e expressão
gênica, para mobilização de células e secreção de fatores pró-angiogênicos, revelou que,
de fato, a terapia gênica foi capaz de modular estes fenômenos, de forma mecanística e
temporal (Figura 2). Embora em um grupo amostral pequeno, o estudo relacionou a
migração das células progenitoras endoteliais com a liberação de sinais químicos
mediante a intervenção com terapia gênica. Os dados obtidos sugerem que a resposta
gerada pelos pacientes foi devida à terapia gênica, não apenas como resposta ao trauma
cirúrgico, pois no grupo controle, com trauma cirúrgico semelhante, não se evidenciou
tal resposta. Assim, a terapia gênica causou a mobilização de interleucinas pró e antiinflamatórias, quimiocinas envolvidas no homing celular, células progenitoras e
liberação de fatores angiogênicos.
Na indução de sinalização pró-inflamatória, a IL-6 atua como um mediador da
resposta inflamatória aguda, sendo uma das citocinas liberadas nos locais de lesões ou
infecções21. Visto que o grupo intervenção apresentou nível elevado desta citocina ao 3º
dia, este achado demonstra sua ação protetiva frente a um fator externo introduzido. O
TNF-α é a primeira citocina liberada após injúria, produz um estado dislipidêmico e
ativa células endoteliais22, resultando em vasoconstrição e homeostasia. Sua expressão
foi menor em todos os momentos no grupo intervenção em relação ao grupo controle,
demonstrando que a ação pró-inflamatória não foi exacerbada diante da terapia gênica.
O grupo intervenção apresentou níveis plasmáticos menores da citocina antiinflamatória IL-10 em todos os momentos em relação ao grupo controle. No grupo que
recebeu a intervenção, a IL-10 teve leve aumento aos 3 dias, onde os efeitos antiinflamatórios desta citocina exercem atividade de supressão do processo inflamatório,
103
contra-balançando os efeitos pró-inflamatórios gerados por IL-6 e TNF- α. Deste modo,
a IL-10 é responsável por suprimir a resposta imune inata ocorrida no coração após
infarto agudo do miocárdio (IAM)23. Experimentalmente, foi demonstrado que a IL-10
pode proteger a função endotelial após estímulo inflamatório agudo por limitar os
aumentos na geração de superóxido vascular dentro da camada íntima do vaso 24. As
interleucinas pró e anti-inflamatórias auxiliam no processo isquêmico de maneira a
recrutar outros fatores, por vezes mais potentes ou específicos, como as quimiocinas.
As quimiocinas estabelecem um gradiente quimioatrativo para outras células do
sistema imune (macrófagos e leucócitos) e células progenitoras (como endoteliais ou
mesenquimais), capazes de fazer a regeneração tecidual. Este processo está presente na
DAC, onde fatores como a hipóxia, a disfunção endotelial e a geração de espécies
reativas de oxigênio (estresse oxidativo) desencadeiam o homing de células do sistema
imune e progenitoras a fim de estabelecer o reparo necessário. O homing de células
progenitoras ocorre tanto em IAM, devido à alta liberação de SDF-1, quanto em
doenças crônicas25. Adicionalmente, foi sugerido que o SDF-1 não somente atua como
fator quimiotático, mas também na retenção de células pró-angiogênicas na região
perivascular26 e finalmente, o monitoramento em tempo curto não fornece comparações
para fixação tecidual e função em longo prazo das células aplicadas. Contudo, sem o
homing inicial, as terapias que visam administrar fatores de crescimento não seriam
eficazes, pois as células não seriam capazes de exercer atividades parácrinas e
conseqüentemente regenerativas. Estes dados vêm corroborar com os resultados
apontados neste estudo, onde a expressão do SDF-1 após a terapia gênica pode
corresponder à efetividade da terapêutica proposta. Crisostomo e cols. (2008)
demonstraram que dados diretos e indiretos sugerem que células-tronco podem
104
melhorar o desempenho e limitar lesão em órgão alvo, não via diferenciação, mas sim,
através de ações parácrinas complexas3.
O homing induzido pela ação de citocinas e quimiocinas frente à terapia gênica
foi confirmado por um aumento transitório de células-tronco CD34+/KDR+ com
mobilização máxima ao 3º dia após a intervenção. Este fenômeno foi corroborado com
resultados prévios descritos que investigaram células progenitoras endoteliais na
reparação endotelial e neovascularização e buscaram descrever os meios pelos quais
estimulam ou inibem mecanismos de diferenciação destas células e estímulos que
causam sua migração e homing. Estes achados demonstraram uma correlação positiva
entre células progenitoras endoteliais circulantes e níveis plasmáticos de VEGF, onde,
entre outras funções, as células progenitoras endoteliais são as células responsáveis pela
liberação de fatores angiogênicos. Em nosso estudo verificamos um aumento transitório
da mobilização de células progenitoras endoteliais ao 3º dia após a terapia gênica e um
aumento transitório do VEGF ao 9º dia após a mesma, comprovando que a mobilização
de células progenitoras é precursora da ação do VEGF. Kalka e cols. (2000)
investigaram a mobilização de células progenitoras endoteliais e dosaram VEGF
plasmático após injeção intramiocárdica de 250 µg de VEGF em pacientes cardiopatas
isquêmicos refratários aos tratamentos convencionais disponíveis27. As análises foram
realizadas antes da intervenção, 1, 2, 4, 9 semanas e 3 meses após a mesma. Foi
demonstrado aumento transitório das células progenitoras endoteliais na 1ª e 4ª semanas
e aumento transitório do VEGF na 1ª semana após a intervenção, achados que vem de
encontro com as expressões transitórias verificadas neste estudo.
Com relação à neoangiogênese, o estudo demonstrou um aumento transitório do
VEGF e da ANGPT-1 com aumento máximo ao 3º e 9º dias após a intervenção com a
terapia gênica com VEGF exógeno. É relatado que o VEGF é um potente ativador das
105
células endoteliais e da formação de novos vasos e a ANGPT-1 é necessária para maior
liberação de VEGF e para a maturação destes vasos, integridade e desenvolvimento
vascular28. Liu e cols. (2007) realizaram um estudo experimental com o objetivo de
determinar se a combinação de VEGF e ANGPT-1 poderia aumentar a angiogênese e a
proliferação de cardiomiócitos no miocárdio infartado11. A ANGPT-1 aumentou
significativamente a formação de vasos colaterais, VEGF e ANGPT-1 aumentaram
significativamente a densidade de capilares e arteríolas, bem como o número de
cardiomiócitos e houve melhora da função cardíaca. O estudo sugere que a combinação
de VEGF e ANGPT-1 pode aumentar a angiogênese e a proliferação de cardiomiócitos
após isquemia miocárdica, levando a melhora da função cardíaca.
O processo de recrutamento de células e angiogênese tem relação direta com
uma melhora da função endotelial. Hristov e cols. (2003) demonstraram que células
progenitoras endoteliais participam na reparação endotelial e neovascularização de
órgãos isquêmicos17. Dentre os mecanismos de estímulo da diferenciação das células
progenitoras, destaca-se o homing celular, fazendo ser possível a migração das mesmas
para sítios do endotélio lesado para a reparação. Em nosso estudo, analisamos a
expressão da proteína ET-1 a fim de avaliar a função vasoconstritora endotelial29 destes
pacientes. O grupo intervenção apresentou baixa expressão da proteína ET-1 e baixa
variação entre os momentos analisados. Apesar dos baixos níveis plasmáticos, vários
estudos clínicos correlacionam os níveis da ET-1 com disfunção endotelial e presença
de diversas doenças, como as do sistema cardiovascular (hipertensão arterial sistêmica HAS, insuficiência cardíaca congestiva - ICC e IAM)30, assim como seu papel de
marcador precoce da reoclusão após angioplastia coronariana 31. A ET-1 é considerada
um hormônio parácrino, visto que 75% de sua secreção é liberada no lado sublumial da
célula, atuando diretamente no músculo liso vascular32, em virtude desta ação parácrina,
106
sua concentração plasmática é muito baixa. Estímulos como a isquemia, a hipóxia ou a
tensão de cisalhamento no vaso induzem em minutos à transcrição do RNA mensageiro
da ET-1, e consecutivamente à síntese e à secreção da proteína. Com isso, as células
vasculares podem rapidamente ajustar a necessidade de ET-1 para regular o tônus
vasomotor. Neste caso, onde os pacientes eram portadores de DAC, a baixa variação da
expressão da proteína provavelmente se deve ao fato de que estes pacientes fizeram uso
de medicamentos reguladores de moléculas lesivas ao endotélio, objetivando-se um
equilíbrio entre a produção de substâncias vasodilatadoras e vasoconstritoras, com
tendência à vasodilatação.
O estudo de moléculas envolvidas no processo de recrutamento de células com
potencial proliferativo e de diferenciação, com funções determinantes para manutenção
dos tecidos, a potencialização da angiogênese, suas interações e mecanismos, deve ser
alvo de novas pesquisas, buscando desta forma a otimização de terapias conjuntas de
fatores reguladores de manutenção celular, reparo e pró-angiogênicos, com maior
número amostral e maior seguimento, tendo em vista o embasamento básico e clínico
para o maior benefício desta população. Em conclusão, nesta série de pacientes a análise
da sinalização parácrina cooperativa em resposta a aplicação de plasmídeo contendo o
gene que codifica a proteína VEGF sugere que as expressões e mobilizações são tempodependentes e foram determinantes para que o homing de células do sistema imune e
progenitoras e a angiogênese terapêutica fossem possíveis.
107
AGRADECIMENTOS
Aos pacientes que participaram do estudo e a equipe da terapia gênica.
AGÊNCIAS FINANCIADORAS
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
FAPICC - Fundo de Apoio do Instituto de Cardiologia/Fundação Universitária de
Cardiologia à Ciência e Cultura.
CONFLITO DE INTERESSES
O presente estudo foi criado e conduzido de forma independente pelos autores,
com o apoio financeiro de agências já referidas (CNPq e FAPICC), não havendo
conflito de interesses.
108
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112
LEGENDAS DAS FIGURAS
Figura 1. Análise Temporal da Expressão das Proteínas nos Grupos Intervenção e
Controle.
Figuras 1A, 1B, 1C, 1D, 1F, 1G, 1H: valores obtidos através do ensaio de ELISA,
demonstrando a análise da expressão das proteínas após terapia gênica nos grupos
intervenção e controle através do acompanhamento temporal. Figura 1E: mobilização de
células-tronco da fração mononuclear CD34+/KDR+ após terapia gênica no grupo
intervenção. IL-6: Interleucina-6; TNF-α: Fator de Necrose Tumoral-α; IL-10:
Interleucina-10; SDF-1α: Stromal Cell-Derived Factor-1; VEGF: Fator de Crescimento
Endotelial Vascular; ANGPT-1: Angiopoietina-1; ET-1: Endotelina-1.
Testes
estatísticos utilizados: Friedman, seguido de seu teste de comparações múltiplas (*
p<0,05) - análise intragrupo; Mann-Whitney U (§ p<0,05) - análise intergrupo.
Figura 2. Sinalização Parácrina Cooperativa em Resposta à Terapia Gênica com
VEGF em Pacientes com Angina Refratária.
A Doença Arterial Coronariana (DAC) provoca um processo isquêmico onde fatores
tais como hipóxia, disfunção endotelial e geração de espécies reativas de oxigênio
(estresse oxidativo) causam a expressão de moléculas pró-inflamatórias (IL-6, TNF )
por células do sistema imune (1). Além destas proteínas, quimiocinas como o SDF-1
constituem um gradiente quimioatrativo (2) para outras células imunes (macrófagos e
leucócitos) e células progenitoras (como endoteliais ou mesenquimais), capazes de fazer
regeneração tecidual (3). O processo é lento e limitado devido à baixa capacidade de
reparo que um organismo debilitado apresenta. Se uma intervenção molecular ocorrer,
por exemplo, por terapia gênica com fatores pró-angiogênicos, como o VEGF (4), as
113
células progenitoras serão capazes de responder mais facilmente ao gradiente
quimioatrativo, retornar à condição de equilíbrio da função endotelial (balanço ET1/eNOS) e secretar mais fatores angiogênicos (VEGF e ANGPT-1), promovendo a
formação de novos vasos para realimentação da região lesionada (5). Esta sinalização
cooperativa é tempo-dependente, onde as moléculas são expressas de acordo com sua
necessidade e com relação positiva ao tratamento proporcionado pela terapia gênica.
114
Tabela 1. Dados demográficos dos grupos amostrais.
Características
Grupo Intervenção
Grupo Controle (n=4)
(n=10)
Idade (anos)*
58,7±5,31
64,8±2,06
9/10
2/4
Hipertensão arterial sistêmica †
9/10
3/4
Diabetes mellitus †
5/10
3/4
Dislipidemia †
7/10
4/4
10/10
1/4
Acidente vascular cerebral †
2/10
0/4
Doença vascular periférica †
1/10
1/4
8/10
1/4
10/10
1/4
Gênero masculino
Comorbidades
Doenças Vasculares Prévias
Infarto do miocárdio †
Revascularizações Miocárdicas
Cirúrgica †
Percutânea †
* Variável descrita em média e desvio padrão;
†
Variáveis descritas em freqüência.
115
Tabela 2. Associação entre a Sinalização Cooperativa na Terapia Gênica.
r
p
IL-6 basal x TNF-α basal
0,91
0,00*
TNF-α basal x SDF-1α basal
0,77
0,01*
IL-6 basal x SDF-1α basal
0,69
0,03*
TNF-α 3dias x IL-10 3dias
-0,73
0,03*
ET-1 3dias x SDF-1α 3dias
0,87
0,00*
ANGPT-1 3dias x IL-6 3dias
-0,67
0,05*
VEGF 3 dias x SDF-1α 3dias
0,47
0,21
VEGF 3 dias x ANGPT-1 3dias
-0,55
0,13
ET-1 3dias x VEGF 3 dias
0,57
0,11
VEGF 9 dias x SDF-1α 9 dias
0,53
0,12
TNF-α 27dias x SDF-1α 27dias
0,74
0,02*
ANGPT-1 27dias x SDF-1α 27dias
0,70
0,04*
Medida de correlação não paramétrica da expressão entre as proteínas nos diferentes momentos
analisados no grupo intervenção. IL-6: Interleucina-6; TNF-α: Fator de Necrose Tumoral-α; IL-10:
Interleucina-10; SDF-1α: Stromal Cell-Derived Factor-1; CPE: Células Progenitoras Endoteliais; VEGF:
Fator de Crescimento Endotelial Vascular; ANGPT-1: Angiopoietina-1; ET-1: Endotelina-1. r=
Correlação, * p<0,05. Teste estatístico utilizado: coeficiente de correlação de Spearman.
116
Figura 1
(A)
*
12,0
IL-6 (pg/mL)
10,0
§§
8,0
*
6,0
Grupo Intervenção
Grupo Controle
*
4,0
*
2,0
0,0
Basal
3 dias
9 dias
27 dias
Dias após intervenção
(B)
§
§
20,0
§
18,0
TNFa (pg/mL)
16,0
14,0
12,0
Grupo Intervenção
10,0
Grupo Controle
8,0
6,0
*
4,0
2,0
0,0
Basal
3 dias
9 dias
27 dias
Dias após intervenção
(C)
25,0
IL-10 (pg/mL)
20,0
§§
15,0
Grupo Intervenção
Grupo Controle
10,0
5,0
0,0
Basal
3 dias
9 dias
Dias após intervenção
27 dias
117
(D)
3500,0
§§
§
§
3000,0
SDF-1 (pg/mL)
§
2500,0
2000,0
Grupo Intervenção
1500,0
Grupo Controle
1000,0
500,0
0,0
Basal
3 dias
9 dias
27 dias
Dias após intervenção
(E)
Frequência de Células
CD34+/KDR+
60,0
50,0
*
40,0
*
30,0
Grupo Intervenção
20,0
10,0
0,0
Basal
3 dias
9 dias
27 dias
Dias após intervenção
(F)
*
350,0
VEGF (pg/mL)
300,0
250,0
200,0
Grupo Intervenção
150,0
Grupo Controle
100,0
50,0
0,0
Basal
3 dias
9 dias
Dias após intervenção
27 dias
118
(G)
§
30000,0
ANGPT-1 (pg/mL)
25000,0
20000,0
Grupo Intervenção
15000,0
Grupo Controle
10000,0
5000,0
0,0
Basal
3 dias
9 dias
27 dias
Dias após intervenção
(H)
6,0
*
ET-1 (pg/mL)
5,0
4,0
Grupo Intervenção
3,0
Grupo Controle
2,0
1,0
0,0
Basal
3 dias
9 dias
Dias após intervenção
27 dias
119
Figura 2
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