Lucas et all.

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A TRANSCENDÊNCIA DOS NÚMEROS e E π
ATTILA MARTINS1 , DOUGLAS D. NOVAES2 ,
FERNANDA GONÇALVES3 E LUCAS CALIXTO4
1. Introdução
Quando consideramos um subcorpo F de um corpo K qualquer, dizemos que
a ∈ K é algébrico sobre F se a é raiz de um polinômio com coeficientes em F . Em
particular, quando consideramos F como o corpo dos racionais e K como o corpo
dos complexos, dizemos que z ∈ C é um número algébrico se é algébrico sobre o
corpo dos números racionais. Um número complexo que não é algébrico, é chamado
de transcendente. Os números e e π são exemplos de números transcendentes, como
mostraremos neste trabalho;. Apesar de, aparentemente, não ser tão fácil encontrar
números transcendentes, existem mais números transcendentes do que algébricos.
Em 1851, Liouville obteve um critério para que um número complexo seja algébrico
e, usando isto, ele pôde estabelecer uma grande lista contendo números transcendentes. Por exemplo, segue do seu trabalho que o número 0, 101001000000100... é
transcendente. Este trabalho, certamente, garantiu a questão da existência destes
números. Entretanto, ainda não se tinha uma maneira de descobrir se um dado
número era transcendente. O primeiro passo nesta direção foi dado por Hermite,
que em 1873, provou que e é transcendente. Sua prova foi simplificada por Hilbert
e a demonstração que apresentaremos a seguir é uma versão desta prova, feita por
Hurwitz. Para o número π, esse processo foi muito mais complicado. Somente
em 1882, Lindemann provou que π é transcendete. Como consequencia imediata
deste fato, temos a impossibilidade de, usando apenas régua e compasso, obter um
quadrado de mesma área que um dado cı́rculo. Isto exigiria a solução da equação
θ2 = π para um número algébrico θ, o que levaria a π se algébrico.
2. Transcendência de e
Apresentamos agora a demonstração de que e é transcendente. Esta demonstração envolve alguns conceitos elementares de cálculo e o conhecido Teorema do
Valor Médio. Utilizaremos a notação f (i) (x) para denotar a i-ésima derivada de
f (x) com respeito a x.
Teorema 1. O número e é transcendente.
Demonstração. Suponha que f (x) é um polinômio de grau r com coeficientes reais e
seja F (x) = f (x)+f (1) (x)+· · ·+f (r) (x). Calculamos então (d/dx)(e−x F (x)). Como
f (r+1) (x) = 0, pois f tem grau r, e (d/dx)ex = ex , obtemos que (d/dx)(e−x F (x)) =
−e−x f (x). O Teorema do Valor Médio afirma que se g(x) é continuamente diferenciável, com valores no intervalo fechado [x1 , x2 ], então
g(x1 ) − g(x2 )
= g (1) (x1 + θ(x2 − x1 )
x1 − x2
1
2
ATTILA MARTINS, DOUGLAS D. NOVAES, FERNANDA GONÇALVES, LUCAS CALIXTO
onde 0 < θ < 1. Podemos aplicar o teorema à função e−x F (x), que claramente satisfaz as condições do teorema no intervalo fechado [x1 , x2 ], onde x1 = 0 e x2 = k, com
k um inteiro positivo qualquer. Então, obtemos e−k F (k)−F (0) = −e−θk K f (θk k)k,
onde θk depende de k e é um número real entre 0 e 1. Multiplicando esta igualdada
por ek , temos F (k) − F (0) = −e)1−θk )k f (θk k)k. Mais explicitamente:
(1)
F (1) − eF (0) = −e(1−θ1 ) f (θ1 ) = ϵ1 ,
F (2) − e2 F (0) = −2e2(1−θ2 ) f (2θ2 ) = ϵ2 ,
..
.
F (n) − en F (0) = −nen(1−θn ) f (nθn ) = ϵn
Suponha agora que e seja um número algébrico, e então satisfaz algum relação
da forma
(2)
cn en + cn−1 en−1 + · · · + c1 e + co = 0
onde c0 , c1 , ..., cn são inteiros e c0 > 0. Nas relações (1), multiplicamos a primeira
equação pos c1 , a segunda por c2 e assim por diante, e somando-as, obtemos:
c1 F (1)+c2 F (2)+· · ·+cn F (n)−F (0)(c1 e+c2 e2 +· · ·+cn en ) = c1 ϵ1 +c2 ϵ2 +· · ·+cn ϵn
De acordo com a relação (2), c1 e + c2 e2 + · · · + cn en = −c0 , e então a equação acima
se torna
(3)
c0 F (0) + c1 F (1) + · · · + cn F (n) = c1 ϵ1 + · · · + cn ϵn
Toda esta discussão foi feita para a F (x) construida a partir de um pilinômio
arbitrário f (x). Vejamos agora o que todas essas implicações significam para um
polinômio em especifico, o primeiro usado por Hermite, a saber,
i
xp−1 (1 − x)p (2 − x)p · · · (n − p)p .
(p − 1)!
Aqui p pode ser qualquer numero primo escolhido de tal forma que p > n e p > c0 .
Para este polinômio daremos uma olhada cuidadosa em F (0), F (1), · · · , F (n) e
estimaremos o tamanho de ϵ1 , ϵ2 , · · · , ϵn .
Quando expandido, f (x) é um polinômio da forma
f (x) =
(n!)p
a0 xp
a1 xp+1
xp−1 +
+
+ ··· ,
(p − 1)!
(p − 1)! (p − 1)!
onde a0 , a1 , · · · , são inteiros.
Quando i ≥ p afirmamos que f (i) (x) é um polinômio com coeficientes inteiros
múltiplos de p. Portanto para qualquer inteiro j e para i ≥ p, f (i) (j) é um inteiro
múltiplo de p.
Agora, pela sua propria definição, f (x) tem uma raiz de multiplicidade p em x =
1, 2, · · · , n. Assim para j = 1, 2, · · · , n temos que f (j) = 0, f (1) (j) = 0, · · · , f (p−1) (j) =
0. Contudo, F (j) = f (j) + f (1) (j) + · · · + f (p−1) (j) + f (p) (j) + · · · f (r) (j) e pela
discussão acima, para j = 1, 2, · · · , n, F (j) é um inteiro e é múltiplo de p.
O que dizer sobre F (0)? Como f (x) tem uma raiz de multiplicidade p − 1
em x = 0, f (0) = f (1) (0) = · · · f (p−2) (0) = 0. Para i ≥ p, f (i) (0) é um inteiro
que é múltiplo de p. Mas f (p−1) (0) = (n!)p e como p > n e este é um número
primo, p - (n!)p de modo que f (p−1) (0) é um inteiro que não é divisı́vel por p.
Como F (0) = f (0) + f (1) (0) + · · · + f (p−2) (0) + f (p−1) (0) + f (p) (0) + · · · + f (r) (0),
concluı́mos que F (0) é um inteiro não divisı́vel por p. Por ser c0 > 0 e p > c0 , e
TRANCENDENCIA DE e E DE π
3
como p - F (0) apezar de que p | F (1), p | F (2), · · · , p | F (n), podemos assegurar
que c0 F (0) + c1 F (1) + · · · + cn F (n) é um inteiro e não é divisı́vel por p.
Entretanto, por (3), c0 F (0) + c1 F (1) + · · · + cn F (n) = c1 ϵ1 + · · · + cn ϵn . O que
podemos dizer sobre ϵi ? Vamos observar que
ϵ1 =
−ei(1−θi ) (1 − iθi )p · · · (n − iθi )p (iθi )p−1 i
,
(p − 1)!
onde 0 < θi < 1. Assim
|ϵi | ≤ en
np (n!)p
.
(p − 1)!
Como p −→ ∞,
en np (n!)p
−→ 0,
(p − 1)!
Logo podemos encontrar um número primo maior que c0 e n e suficientemente
grande para implicar que |c1 ϵ1 + · · · + cn ϵn | < 1. Mas c1 ϵ1 + · · · + cn ϵn = c0 F (0) +
c1 F (1)+· · ·+cn F (n), que deve ser um inteiro; como este é menor que 1 nossa única
conclusão possı́vel é que c0 F (0) + c1 F (1) + · · · + cn F (n) = 0. Consequentemente,
c0 F (0) + c1 F (1) + · · · + cn F (n) = 0, isso contudo é um absurdo, pois sabemos que
p - (c0 F (0) + c1 F (1) + · · · + cn F (n)), enquanto que p | 0. Esta contradição veio do
fato de termos suposto que e é um número algébrico. Assim provamos que e deve
ser trancendêntal.
3. Transcendência de Π
Teorema 2. O número π é transcendente.
Demonstração. Suponha que π é algébrico. Então sabemos que iπ também deve ser
algébrico. Vamos chamar de P1 ∈ Z[x] tal que P1 (iπ) = 0. Seja α1 = iπ, α2 , · · · , αn
todas as raı́zes de P1 . Pela identidade d Euler segue que
0=
n
∏
(1 + eαj ) = k +
j=1
m
∑
eβ j ,
j=1
onde k ∈ N e β1 , · · · , βm , são os números não nulos dentre
αi , 1 ≤ i ≤ m
αi + αj , 1 ≤ i < j ≤ n
..
.
α1 + · · · + αn
e k ∈ N é obtido agrupando a soma dos termos cujos expoentes são nulos.
Os números β1 , · · · , βm são raı́zes de um polinômio
R(x) = cm xm + cm−1 xm−1 + · · · + c1 x + c0
de coeficientes inteiros. Tomando p um primo genérico e s = m(p − 1), definamos
f (x) =
cs
xp−1 (R(x))p ,
(p − 1)!
4
ATTILA MARTINS, DOUGLAS D. NOVAES, FERNANDA GONÇALVES, LUCAS CALIXTO
o grau de P é s + p. Definamos também
F (x) = f (x) + f ′ (x) + · · · + f s+p (x),
que satisfaz
d −x
e F (x) = −e−x f (x),
dx
∫ x
−x
e−t f (t)dt.
e F (x) − F (0) = −
donde
0
Assim, usando a mudança de variável t = λx
∫ 1
e(1−λ)x f (λx)dλ.
(4)
F (x) − ex F (0) = −x
0
Somando as igualdades para x = β1 , · · · , βm , obtemos:
∫ 1
m
m
∑
∑
(5)
F (βj ) + kF (0) = −
βj
e(1−λ)βj f (λβj )dλ.
j=1
j=1
0
Notemos que βj é raiz de f (x) de multiplicidade p, chegamos à conclusão que
0≤t<p⇒
m
∑
f (t) (βj ) = 0.
j=1
Se t ≥ p, apenas a p-ésima derivada re R(x) no ponto x = βj é não nula.
Derivando p vezes o polinômio R(x) neste ponto, teremos um coeficiente p! que
cancelará o denominador (p − 1)! de f (x), deixando p vezes um polinômio com
coeficientes inteiros calculado em βj . Tudo isso implica que
f (t) (βj )
cs
é polinômios em βj com coeficientes inteiros divisı́veis por p. Além disso
m
∑
f (t) (βj )
j=1
é simétrico nos βj de grau menor ou igual a s. Logo, derivando ao coeficiente cs ,
este polinômio é de coeficientes inteiro e grau menor igual a s. Assim
m
∑
p≤t⇒
(βj ) = pkt ,
j=1
com kt inteiro.
Notemos que f (t) (0) = 0 se t ≤ p − 2; p(p−1) (0) = cs cp0 e f (t) (0) é inteiro divisı́vel
por p se p ≤ t. Portanto, o termo em (5) é da forma Kp + kcs cp0 com K inteiro.
Tomando p > max{k, |c|, |c0 |}, conseguimos em (5) um termo não divisı́vel por p e
logo não nulo. De (4) obtemos
|f (λβj )| ≤
Portanto
(6)
|c|s mpj
|βj |p−1 .
(p − 1)!
m
∫ 1
m
∑
∑
|βj |p |c|s |mj |p B
(1−λ)βj
≤
,
β
e
f
(λβ
)dλ
j
j
(p − 1)!
0
j=1
j=1
TRANCENDENCIA DE e E DE π
onde
∫
1
|e(1−λ)βj |dλ.
B = sup
j
5
0
O lado esquerdo da equação (6) é não nulo e o lado direito tende a zero quando
p → ∞, o que é um absurdo, logo π é transcendente.
Referências
[1] I.N. Herstein, Topics in Algebra 2n edition, John Wiley & Sons (1975)
[2] Djairo G. de Figueiredo, Números Irracionais e Transcendentes, SBM (2002)
1
RA:115421
2
RA:060213
3
RA:115450
4
RA:089489
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