Extensões de corpos. Na aula passada estudamos K = F [X]/I, onde F = F3 e I = (X 2 + 1). Já mostramos que K é um corpo, e dito α = X + I, temos que K = {aα + b : a, b ∈ F3 }, em particular |K| = 9. Na linguagem que vamos introduzir agora, K∼ = F [α] é uma extensão de F de grau 2 e o polinômio minimal de α sobre F é X 2 + 1. No que segue lembre-se que em um corpo temos sempre 1 6= 0. Uma extensão de corpos é, por definição, dada por um corpo contendo um outro corpo como subanel: F ≤ E. A notação que vamos usar é E/F (que não significa quociênte). Consideramos extensão de corpos também um homomorfismo de aneis ϕ : F → E, onde F e E são corpos: um tal homomorfismo tem que ser injetivo (pois o seu núcleo é um ideal do corpo F diferente de F , sendo ϕ(1) = 1 6= 0) e identificamos F com a imagem ϕ(F ). Seja E/F uma extensão de corpos e seja α ∈ E. Considere o homomorfismo de substituição vα : F [X] → E, P (X) 7→ P (α). Se trata de um homomorfismo de aneis. A imagem de vα é indicada por F [α], se trata de {P (α) : P (X) ∈ F [X]}. Indicamos por F (α) o corpo de frações de F [α], isto é, F (α) = {P (α)/Q(α) : P (X), Q(X) ∈ F [X], Q(α) 6= 0}. Observe que F (α) é um subcorpo de E. Temos F ≤ F [α] ≤ F (α) ≤ E (onde ≤ significa “subanel”). Em geral F [α] 6= F (α), em outras palavras F [α] não é um corpo. Queremos entender quando F [α] é um corpo. Definição. Seja E/F uma extensão de corpos e seja α ∈ E. Seja vα : F [X] → E o homomorfismo de substituição, vα (P (X)) := P (α). α é dito • algébrico sobre F se ker(vα ) 6= {0}; • transcendente sobre F se ker(vα ) = {0}. Em outras palavras, α é algebrico se e somente se existe 0 6= A(X) ∈ ker(vα ), isto é, se e somente se α é raiz de um polinômio não nulo de F [X]. Nesse caso ker(vα ) é um ideal principal de F [X] (pois todos os ideais de F [X] são principais, sendo F [X] um domı́nio Euclidiano), e não nulo, logo é gerado por um polinômio não nulo. Definição. Seja E/F uma extensão de corpos e seja α ∈ E um elemento algebrico sobre F . O polinômio minimal de α sobre F (as vezes indicado com Irr(α, F )) é o único gerador mônico do ideal ker(vα ) de F [X]. Comentario. Lembre-se que um polinômio é dito mônico se o coeficiente de grau máximo é 1. Como os geradores de ker(vα ) são dois a dois associados (isto é, diferem pela multiplicação por uma constante não nula), existe um único gerador mônico de ker(vα ), dito polinômio minimal de α sobre F . 1 Proposição. Seja E/F uma extensão de corpos e seja α ∈ E algébrico sobre F . Então o polinômio minimal de α sobre F é o único polinômio mônico irredutı́vel contido em ker(vα ). Demonstração. Seja P (X) o polinômio minimal de α sobre F . Primeiro observe que P (X) não é o polinômio nulo (pois α é algébrico, i.e. ker(vα ) 6= {0}) e P (X) não é invertı́vel (pois ker(vα ) 6= F [X] sendo vα (1) = 1 6= 0). Suponha agora P (X) = A(X)B(X) com A(X), B(X) ∈ F [X]. Então 0 = P (α) = A(α)B(α) logo um entre A(α) e B(α) é zero (pois são elementos de E, que é um corpo), por exemplo suponha A(α) = 0 (o outro caso é analogo). Assim A(X) ∈ ker(vα ) = (P (X)) logo P (X) divide A(X), Mas como A(X) divide P (X), segue que P (X) e A(X) são associados: P (X) = cA(X) com c ∈ F uma constante não nula. Assim cA(X) = P (X) = A(X)B(X) implica que B(X) = c logo B(X) é invertı́vel. Agora seja M (X) ∈ F [X] um polinômio mônico irredutı́vel tal que M (α) = 0. Temos M (X) ∈ ker(vα ) = (P (X)) logo P (X) divide M (X), e como M (X) é irredutı́vel e P (X) não é invertı́vel, P (X) e M (X) são associados. Como eles são ambos mônicos, P (X) = M (X). Pelo teorema de isomorfismo F [α] ∼ = F [X]/(P (X)) é um corpo (sendo P (X) irredutı́vel!). Isso mostra que se α é algebrico então F [α] é um corpo. Por outro lado, observe que se α é transcendente então ker(vα ) = {0} logo F [α] ∼ = F [X] não é um corpo! Em outras palavras, α é algebrico sobre F se e somente se F [α] é um corpo (e nesse caso F [α] = F (α)), e α é transcendente sobre F se e somente se F [α] não é um corpo. Exemplos de elementos de R transcendentes sobre Q são e e π. Em particular Q[π] ∼ = Q[X]. Definição (Grau de uma extensão). Seja E/F uma extensão de corpos. Então E é um espaço vetorial sobre F com as operações de soma e produto por escalar dadas pelas operações de soma e produto em E. A dimensão dimF (E) é chamada grau da extensão e é indicada com [E : F ]. Seja α ∈ E algébrico sobre F . Então F [α] = F (α) é um corpo. Queremos entender o grau [F (α) : F ]. Proposição. [F (α) : F ] é igual ao grau do polinômio minimal de α sobre F . Demonstração. Seja P (X) o polinômio minimal de α sobre F e seja n o grau de P (X). Vamos mostrar que B = {1, α, . . . , αn−1 } é uma base de F [α] = F (α) sobre F (isto é, um conjunto gerador linearmente independente). Isso implica o resultado (pois a dimensão de um espaço vetorial é o número de elementos de uma qualquer base dele). Primeiro mostraremos que B é um conjunto gerador de F [α]. Um elemento generico de F [α] é A(α) onde A(X) é um polinômio de F [X]. Fazendo a divisão com resto de A(X) por P (X) temos A(X) = P (X)Q(X) + R(X) com R(X) de grau < n ou R(X) = 0, assim R(X) = a0 + a1 X + . . . + an−1 X n−1 com a0 , a1 , . . . , an−1 ∈ F . Substituindo X = α temos A(α) = P (α)Q(α) + R(α) = R(α) = a0 + a1 α + . . . + an−1 αn−1 . 2 Mostraremos agora que B é um conjunto linearmente independente. Suponha que b0 + b1 α + . . . + bn−1 αn−1 = 0 com b0 , b1 , . . . , bn−1 ∈ F . Queremos mostrar que b0 = 0, . . ., bn−1 = 0. Seja B(X) = b0 + b1 X + . . . + bn−1 X n−1 ∈ F [X]. Então B(α) = 0, logo B(X) ∈ ker(vα ) = (P (X)) assim P (X) divide B(X). Mas se B(X) não é nulo, o grau de B(X) é menor que n (por definição de B(X)) então P (X), que tem grau n, não pode dividir B(X). Logo B(X) = 0, em outras palavras b0 = 0, b1 = 0, . . ., bn−1 = 0. Agora vamos fazer exemplos. 1. Sejam F = R, E = C, α = i. Como não existem polinômios de grau 1 em R[X] com i como raiz, o polinômio minimal de i sobre R é X 2 + 1 e R[i] = {a + ib : a, b ∈ R} = C é uma extensão de R de grau 2 (pois X 2 + 1 tem grau 2). Além disso C = R[i] ∼ = R[X]/(X 2 + 1). 2. Sejam F = Q, E = C, α = i. Como não existem polinômios de grau 1 em Q[X] com i como raiz, o polinômio minimal de i sobre Q é X 2 + 1 e Q[i] = {a + ib : a, b ∈ Q} é uma extensão de Q de grau 2 (pois X 2 + 1 tem grau 2). Além disso Q[i] ∼ = Q[X]/(X 2 + 1). √ 3. Sejam F = Q, E = R, α = 4 2. Temos α4 = 2, logo α é raiz de X 4 − 2, assim α é algébrico sobre Q (sendo raiz de um polinômio não nulo de Q[X]). O polinômio X 4 − 2 é irredutı́vel pelo criterio de Eisenstein aplicado a p = 2, logo X 4 − 2 é o polinômio minimal de α sobre Q. Temos Q[α] = Q(α) e a extensão Q(α)/Q tem grau 4: [Q(α) : Q] = 4. Temos Q[α] ∼ = Q[X]/(X 4 − 2). √ 4. Sejam F = Q, E = C, α = i 6 3. Temos α6 = −3, logo α é raiz de X 6 + 3, em particular é algébrico sobre Q. O polinômio X 6 + 3 ∈ Q[X] é irredutı́vel pelo criterio de Eisenstein logo é o polinômio minimal de α sobre Q. Temos [Q(α) : Q] = 6 e Q(α) = Q[α] ∼ = Q[X]/(X 6 + 3). p √ √ 5. Sejam F = Q, E = C, α = i 2 3 − 3. Temos α2 = −(2 3 − 3) logo (α2 − 3)2 = 12, assim α é raiz de P (X) = X 4 − 6X 2 − 3, que é um polinômio irredutı́vel pelo criterio de Eisenstein. Logo α é algebrico sobre Q e P (X) é o polinômio minimal de α sobre Q, o grau [Q(α) : Q] é igual a 4 e Q(α) = Q[α] ∼ = Q[X]/(X 4 − 6X 2 − 3). Por exemplo Q[i] = {a+ib : a, b ∈ Q} é um corpo, em particular ele contem os inversos dos seus elementos não nulos. Seja a + ib ∈ Q[i] não nulo. Sabemos que então o inverso dele pode ser expresso como c + id com c, d ∈ Q. Temos 1 a − ib a − ib a −b = 2 +i 2 . = = 2 2 2 a + ib (a + ib)(a − ib) a +b a +b a + b2 a −b Logo c = a2 +b 2 e d = a2 +b2 . Uma forma mais útil de ver isso é a seguinte. Para calcular o inverso de i + 1 aplicamos o algoritmo de Euclide a X 2 + 1 e X + 1 3 encontrando 12 (X 2 + 1) − 21 (X − 1)(X + 1) = 1, e substituindo X = i temos − 21 (i − 1)(i + 1) = 1, assim o inverso de i + 1 é − 12 (i − 1). Mais em geral, se E/F é uma extensão de corpos e α ∈ E é algebrico sobre F com polinômio minimal P (X) ∈ F [X], dado L(α) ∈ F [α] com L(X) ∈ F [X] de grau menor de n, L(X) e P (X) são coprimos (pois P (X) é irredutı́vel de grau maior do grau de L(X)) e aplicando o algoritmo de Euclide obtemos A(X), B(X) ∈ F [X] tais que A(X)P (X) + B(X)L(X) = 1. Como P (α) = 0, substituindo X = α obtemos B(α)L(α) = 1 logo B(α) é o inverso de L(α) em F [α]. Exercı́cios. √ 1. Seja α = i 2 ∈ C. Mostre que α é algebrico sobre Q e calcule o grau [Q(α) : Q]. Encontre o inverso de α e de α + 1 em Q[α]. [Dica: o polinômio minimal é X 2 + 2. Para encontrar o inverso de α + 1 em Q[α] aplique o algoritmo de Euclide a X 2 + 2 e X + 1 e substitua X = α.] √ 2. Seja α = 22 (1 + i) ∈ C. Mostre que α é algebrico sobre Q e calcule o grau [Q(α) : Q]. Encontre o inverso de α + 1 em Q[α]. q p √ 3. Seja α = 2 − 2 − 2 ∈ R. Mostre que α é algebrico sobre Q e calcule o grau [Q(α) : Q]. Encontre o inverso de α2 em Q[α]. √ que α é algebrico sobre Q, calcule o grau 4. Seja α = 2 − i ∈ C. Mostre √ [Q(α) : Q] e mostre que 2 ∈ Q(α). 5. Seja F um corpo e seja α ∈ F . Encontre o polinômio minimal de α sobre F. 6. Seja F = F3 , α = X + (X 2 + 1) ∈ F [X]/(X 2 + 1), E = F [α] (o corpo estudado na aula passada). Encontre o polinômio minimal de α + 1 sobre F . Encontre o polinômio minimal de todo elemento de F [α] sobre F . [Dica: a única coisa que você precisa saber para fazer as contas é que α é raiz de X 2 + 1.] 7. Seja P (X) ∈ Q[X] um polinômio de grau ≥ 1 e seja α ∈ C. Mostre que α é algébrico sobre Q se e somente se P (α) é algébrico sobre Q. 8. Seja p um número primo e seja E/Fp uma extensão de grau n. Mostre que |E| = pn . 4