A r t i go de atualização Depressão e Disposição Suicida na Criança e no Adolescente – Abordagem Clínico-Epidemiológica e Homeopática Depression and Suicidal Disposition among Children and Adolescents – A Clinico-Epidemiological Study of a Homeopathic Approach R E G I N A RO D R I G U E S 1 , J O R G E A N T O L I N I 2 m Unitermos: Criança, Adolescência, Depressão, Suicídio,Terapêutica homeopática. m I NTRODUÇÃO Dramáticas mudanças têm ocorrido nos transtornos psiquiátricos que acometem a população, a partir da década de 1990. Desses transtornos, a depressão, considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um grave problema de Saúde Pública, destaca-se não apenas pelos altos índices de prevalência, mas também pela possibilidade de evoluir para o suicídio. Essa doença apresenta os maiores índices de incidência em dois grupos etários bem definidos: os adolescentes/adultos jovens e os idosos.1 A depressão e a ideação suicida são, sob o ponto de vista homeopático, aspectos do mesmo processo dinâmico vital: o sifilinismo. Neste estudo, faz-se uma reflexão sobre as condições coletivas favoráveis ao aumento na prevalência da depressão e da ideação suicida, além da indicação dos medicamentos homeopáticos mais apropriados ao tratamento, baseando-se no critério da Síndrome Mínima de Valor Máximo (SMVM). M ETODOLOGIA Realizou-se a revisão bibliográfica do tema e a repertorização dos principais sintomas associados à depressão e à tendência ao suicídio (disposição suicida, em linguagem repertorial homeopática), assim como as doenças mentais mais freqüentemente associadas: uso de álcool e drogas, ansiedade, distúrbios alimentares de origem provavelmente emocional, tais como a anorexia nervosa e a bulimia, etc. A partir daí, agruparam-se os cinco sintomas mais relevantes, 1. Médica Homeopata e Epidemiologista da Secretaria Municipal de Saúde (RJ). 2. Médico Homeopata e Geriatra. Professor Assistente de Clínica Homeopática da UniRio (RJ). Chefe do Serviço de Homeopatia do IASERJ. Homeopat. Bras., 9(1): 56-64, 2003 Artigo original no sentido de estruturar a Síndrome Mínima de Valor Máximo.2 A PRESENTAÇÃO C LÍNICA E PIDEMIOLÓGICA E Na psicopatologia do adulto, a depressão é clinicamente bem definida e apresenta um diagnóstico relativamente fácil. Enquanto na criança e no adolescente, seu diagnóstico é mais problemático, sendo essencial diferenciá-la das fases normais do desenvolvimento, como acontece, por exemplo, com a etapa depressiva que surge diante da percepção do “outro” e de si mesmo como unidades separadas, e os vários processos de perdas consideradas normais da adolescência, conforme revelam os estudos de Meleine Klein.3 A literatura4 descreve como crucial na vida da criança o início da posição depressiva natural do desenvolvimento emocional. Isso se dá em razão dos progressos da função do ego à conseqüente fusão das pulsões de vida e morte. Da elaboração normal ou não dessas perdas, incluindo o desmame e o caminhar sozinho, é que dependerá, em grande parte, o equilíbrio ou não do psiquismo. Caminhar sozinho pode ser entendido pelo indivíduo como solidão, mas, por outro lado, também pode representar liberdade para novas descobertas e encontros. A depressão cursa com outros transtornos mentais (co-morbidade), em um percentual considerável de casos. Segundo um estudo do US National Comorbidity Survey (1996)5, a depressão “major” estaria associada aos distúrbios da ansiedade em 51% dos casos; à toxicomania, em 18,5%; e à síndrome do pânico, em 8,6% dos casos. A depressão pode levar o indivíduo ao suicídio, sendo este o distúrbio psiquiátrico mais freqüentemente associado a essa doença. Pesquisas5,6 revelaram que, 40% a 85% dos Homeopat. Bras. indivíduos que se suicidaram, estavam deprimidos no momento em que se deu a concretização do ato. Além disso, na população geral, a taxa de suicídio variou de 20 por 100.000 habitantes nos Estados Unidos (EUA) e, de 58 por 100.000, na Hungria. Em indivíduos deprimidos, constatou-se que esse risco aumentou para 10% a 15%, independentemente da faixa etária. Estudos epidemiológicos7 verificaram um percentual de depressão de 2,5% em crianças e 8,3% em adolescentes, nos EUA, enquanto que, a depressão em crianças e adolescentes pode estar associada a uma taxa de 7% de suicídio durante a idade caracterizada como adulto jovem.8 Alguns autores9 chegam a considerar a depressão um dos principais sintomas no comportamento suicida. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Organização Mundial de Saúde, um grande número dos sintomas da depressão “major” em crianças se assemelhariam aos que se manifestam nos adultos. Contudo, segundo BAHLS (2002)10, a manifestação clínica da depressão mais comum em crianças pré-escolares é representada por sintomas físicos vagos, tais como: fadiga, tontura e diminuição ou desaparecimento do desejo de brincar. Um amplo estudo5 sobre a depressão como problema de saúde pública, realizado na França, revelou que alguns sintomas poderiam estar associados à depressão e serem a queixa principal do paciente durante a consulta médica, tais como: fadiga, alterações do apetite (anorexia ou aumento do apetite), dificuldade de concentração, agitação, insônia ou sonolência excessiva. Portanto, todos os sintomas descritos anteriormente devem ser considerados na consulta homeopática, a fim de se realizar uma correta repertorização clínica. Em crianças na fase escolar a depressão já pode ser verbalizada, quando a criança é, então, m vol.9 · n 01 · 2003 Artigo de atualização capaz de relatar que se sente muito triste. E, além disso, o tédio e a irritabilidade podem estar presentes. Quanto aos adolescentes, além das características clássicas da depressão do adulto, estes podem apresentar instabilidade emocional, irritabilidade (presente em mais de 80% dos casos), sentimentos de apatia, desesperança e isolamento. É freqüente sentirem-se culpados e apresentar baixa auto-estima.10 Diversos estudos epidemiológicos realizados nos EUA indicam um percentual de depressão em mais de 2,5% das crianças e mais de 8% dos adolescentes, sendo que 4,9% podem apresentar a forma “major” da doença.11 A escala para avaliação da depressão na infância, segundo os critérios de WEIBERG12, mostra-se útil para a suspeição diagnóstica da depressão infantil. Na Tabela I são apresentados alguns sintomas úteis na avaliação da depressão no paciente pediátrico, devidamente traduzidos para a linguagem infantil. Na Tabela II, estes mesmos sintomas foram trasncritos para a linguagem homeopática. TABELA I SINTOMAS DA DEPRESSÃO NO PACIENTE PEDIÁTRICO Sintomas Humor oscilatório ou mau-humor Irritabilidade Chora com facilidade Hipersensibilidade Pessimismo Baixa auto-estima Sentimentos de culpa Pensa e deseja a morte Ideação suicida Retração social Diminuição da energia para as atividades usuais, como brincar e estudar Queixar somáticas, tais como: cefaléias, dores musculares, dores abdominais, etc. TABELA II SINTOMAS DA DEPRESSÃO NO PACIENTE PEDIÁTRICO E SUA TRANSCRIÇÃO EM RUBRICAS REPERTORIAIS Critérios de WEIBERG Repertório Ariovaldo Repertório Barthel Humor oscilatório ou mau-humor Humor: alternante ou repulsivo Humor: crossed Irritabilidade Irritabilidade Irritability Chora com facilidade Chora facilmente Weeping, easly” Hipersensibilidade Sensível, hipersensível Oversensitive Pessimismo Pessimista Pessimist Baixa auto-estima Desdenhoso, dele mesmo Self-steem Sentimentos de culpa Ansiedade de consciência Conscience, anxiety of Pensa e deseja a morte Morte, pensamentos, morte, deseja Death, desire thougts Ideação suicida Suicida, disposição Suicidal, disposition Retração social Companhia, aversão à Company, aversion Diminuição da energia para as atividades usuais, como brincar e estudar Prostração da mente Weakness Queixas somáticas, tais como: cefaléias, dores musculares, dores abdominais Cabeça: dor, etc. Head, pain etc. Homeopat. Bras. m vol.9 · n 01 · 2003 Artigo de D EPRESSÃO E T ENDÊNCIA AO S UICÍDIO A ocorrência do comportamento suicida entre jovens vem aumentando nas últimas décadas. Na Inglaterra, por exemplo, houve um aumento de 78% das taxas de suicídio em indivíduos entre 14 e 24 anos de idade, entre 1980 e 1990, tornando-se a segunda causa de óbito nessa faixa etária. Entre adolescentes deprimidos, registrou-se, nos EUA, uma taxa de tentativas de suicídio de 50,7%; com 7,7% de evoluções letais.10 Em uma pesquisa realizada, em 1993, na França15 com crianças na fase escolar, na faixa etária de 11 a 19 anos de idade, obteve-se a seguinte informação: “23,4% relatavam ter idéias suicidas (19% do sexo masculino e 27% do sexo feminino); 6,1% já tinham feito alguma tentativa e 1,8% já haviam tentado por várias vezes suicidar-se.” A literatura16 relata não achar justificável separar o suicídio em si das tentativas de suicídio, pois a não avaliação das tentativas pode levar à subestimação da prevalência do risco de suicidar-se. E, em Homeopatia não se separam os dois eventos, por constituírem parte do movimento sifilínico e corresponderem à rubrica repertorial – “disposição suicida”. O Japão apresenta um dos mais altos índices de suicídio entre adolescentes do mundo: em 1973, a taxa de suicídio correspondia a 16,5% por 100.000 habitantes na faixa etária compreendida entre 15 e 24 anos. E esses índices vêm aumentando ao longo dos anos.9 No Brasil, o aumento de taxas de suicídio entre pessoas no grupo etário de 15 a 24 anos correspondia a 26% do total de suicídios consumados, em 1973, com uma incidência três vezes maior no sexo masculino.17 Em um estudo recente18, observou-se um significativo número de pacientes atendidos, que Homeopat. Bras. atualização consumaram o suicídio, na faixa dos 10 aos 14 anos, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.18 Em um estudo realizado em Minas Gerais9, cerca de 1% da ocorrência de suicídios consumados, em 1988, ocorreu com menores de 12 anos de idade; 24,8% se deram na faixa dos 13 aos 21 anos. O estudo revela que 25,8% dos suicídios ocorreram entre menores de 21 anos, ou seja, entre jovens e crianças. É importante ressaltar que, entre os óbitos atribuídos a acidentes, intoxicações exógenas e causas cuja intenção é ignorada, muitos deles podem ter decorrido de uma tentativa de auto-extermínio não diagnosticada pelo médico assistente.9 Alguns mitos19 a respeito do suicídio podem retardar o seu diagnóstico e a intervenção precoce nos pacientes em risco, tais como: pessoas que falam em matar-se, raramente se suicidam; todos os indivíduos que tentam suicídio estão em depressão profunda; as pessoas que tentam suicídio repetidamente só querem chamar a atenção. Analisando-se melhor os fatos e os dados deles decorrentes, verifica-se que a maioria das pessoas que cometeram suicídio havia falado anteriormente sobre sua intenção; embora haja uma íntima associação entre a depressão e a tendência suicida, muitos pacientes nunca apresentaram qualquer traço depressivo. Embora, em muitos casos, a tentativa de suicídio possa ser a tradução de um ato manipulador sobre os demais, sempre haverá necessidade da intervenção médica. Na consulta homeopática, rubricas como “Fala sobre suicídio”, por exemplo, devem ser consideradas. As Tabelas III e IV apresentam os sinais precoces e tardios de tendência suicida19, respectivamente. m vol.9 · n 01 · 2003 Artigo de TABELA III SINAIS CLÍNICOS PRECOCES DE TENDÊNCIA SUICIDA Sinais Clínicos Precoces Distúrbios do sono e da alimentação Pessimismo Auto-crítica severa Dificuldade de concentração Preocupação com temas relacionados com a morte (poesias, desenhos, etc.) TABELA IV SINAIS CLÍNICOS TARDIOS DE TENDÊNCIA SUICIDA Sinais Clínicos Tardios Falar sobre suicídio Negligenciar a aparência Descuidar-se de suas atividades Isolamento Desesperança Recusar-se a pedir e/ou a receber ajuda Colocar os negócios em ordem, incluindo fazer o testamento Mudança abrupta de comportamento, com acentuada tristeza Alguns itens para avaliar se houve ou não intencionalidade de autolesão por meio de determinado ato podem auxiliar o médico homeopata no diagnóstico da disposição suicida no paciente. A seguir, são relacionados alguns parâmetros da “Escala de Intencionalidade Suicida de Beck”, com base nas circunstâncias objetivas das tentativas de suicídio:20 ■ Isolamento: Havia alguém presente ou o indivíduo encontrava-se sozinho? ■ Tempo: Houve planejamento de forma a não se evidenciar que o paciente pudesse ser descoberto previamente? ■ Atos realizados prevendo a morte próxima: por exemplo, mudanças de projetos, presentes inabituais? Homeopat. Bras. atualização ■ Intenções por escrito: foi encontrada alguma carta ou mensagem? ■ Comunicação verbal da intenção de cometer suicídio: paciente falou de forma clara ou sutil que pensava em suicídio? Em relação às informações do sobrevivente, é importante avaliar: ■ Noção da letalidade do ato: o paciente pensou que iria morrer? ■ Apreciação da letalidade do método empregado: o paciente achava não ser tão perigoso o método utilizado ou tinha noção da periculosidade do mesmo? ■ Percepção da gravidade do gesto da intenção de cometer suicídio: o paciente pensava que este gesto era suficiente para ocasionar sua morte? ■ Grau de premeditação: o gesto foi impulsivo ou ocorreu após horas de reflexão do paciente? ■ Reação ao resultado da tentativa frustrada: o paciente lamenta-se por continuar vivo? ■ Número de tentativas anteriores: já ocorreram outras tentativas de suicídio no passado? A SSOCIAÇÃO DE PATOLOGIAS M ENTAIS OU C OMPORTAMENTAIS : C O - MORBIDADE A co-morbidade é comum no indivíduo portador de sofrimento psíquico, tais como em relação à depressão, o uso e a dependência de álcool e drogas, a ansiedade, etc. (OMS 2001).1 No que diz respeito à tendência ou ao suicídio consumado, aproximadamente 25% dos jovens apresentavam, em seus organismos, álcool e várias outras drogas por ocasião da morte. Na população geral, o risco de suicídio durante toda a vida é de 1%; aumentando para 15%, em casos de alcoolismo. O aumento dos índices de m vol.9 · n 01 · 2003 Artigo de atualização suicídio em adolescentes entre 1956 e o início dos anos 1980, pode estar associado ao aumento dos índices de abuso de álcool nesse grupo etário21. As drogas têm sido associadas a vários distúrbios na área da saúde mental, tanto por alterarem o humor, provocando reações muitas vezes de violência, quanto pela subestimação dos riscos por parte do usuário. Em relação à morte decorrente de overdoses, sempre permanece um questionamento: até que ponto o usuário estaria buscando desmedidamente a sensação de prazer proporcionada pela droga e até que ponto coexistiria aí a busca, consciente ou não, da autodestruição (sifilinismo). Alguns estudos norte-americanos revelam que cerca de 20% dos suicídios cursaram com consumo prévio de cocaína16, considerando-se as toxicomanias como um sintoma social complexo, no qual “o fator preponderante é o ideal da sociedade de consumo”, sendo a sua utilização uma das formas de suspender a dor na busca pelo prazer. No contexto da sociedade pós-moderna, hedonista e indiferente, surgiriam estímulos para a manifestação desse tipo de comportamento22. Nos EUA, em 1995, 42% dos estudantes do 2º grau já haviam usado maconha. No que diz respeito à cocaína, constatou-se que 7% já haviam experimentado, sendo que 3% relataram o uso de alguma forma de cocaína por mais de uma vez. Quanto às outras drogas ilegais (LSD, dioximetanfetamina [“êxtase”] ou heroína, por exemplo); 16% relataram o seu uso esporádico.21 Em um levantamento epidemiológico22 realizado entre crianças e adolescentes, em Porto Alegre (RS), foram observados altos percentuais de uso de drogas: 14,4% já haviam experimentado maconha e 4,55%, cocaína. Para o filósofo francês Dany-Robert Dufour23, na Pós-Modernidade há a perda das Homeopat. Bras. referências simbólicas e o discurso torna-se melancólico. O adolescente sofre pela perda do “outro” e pode deslocá-lo para as drogas: o “outro” se reduz a um produto comprável, portanto, acessível, que amenizaria transitoriamente as dificuldades da vida. De acordo com a literatura9, necessidades artificialmente elaboradas pelo poder do capital estimulariam o consumo de drogas ilegais e legais. Na anamnese de jovens deprimidos e/ou com idéias autodestrutivas, deve ser avaliado o uso concomitante de quaisquer drogas “lícitas” (álcool) ou ilícitas”. A doença física pode ser encontrada em 25% a 75% de todas as vítimas de suicídios, aumentando seu percentual de acordo com a idade. Entre os adolescentes, as doenças que determinam algum tipo de estigma físico parecem contribuir de forma mais direta para o desejo de suicidar-se. 21 FATORES R ISCO E R ESISTÊNCIA PARA T ENTATIVAS OU C ONCRETIZAÇÃO DO S UICÍDIO DE A literatura21 define a resistência como “o papel positivo das diferenças individuais na resposta das pessoas ao estresse e à adversidade”. Há crianças e jovens que, diante de múltiplos riscos, “lutam positivamente”, sendo capazes de recuperar-se ao menos aparentemente – e levar uma vida “normal”. O conceito de resistência é vasto e estaria relacionado a fatores individuais, familiares, comunitários e sociais, em sentido mais amplo. A proteção fornecida pelos laços afetivos, pela assistência e apoio e por meio das oportunidades oferecidas seriam fatores estimuladores da auto-estima e da resistência individual. “A sensação de ser amada ou assistida” é um traço freqüentemente encontrado nas crianças e jovens considerados resistentes. Além disso, a flexibilidade diante das m vol.9 · n 01 · 2003 Artigo de atualização experiências emocionais traumáticas associada à memória autobiográfica positiva parecem ser fatores protetores.21 De acordo com a literatura21, quanto aos casos consumados, um número significativo desses jovens apresentam pouco diálogo com seus pais, além de história familiar positiva para distúrbios do humor. Casos de suicídio na família aumentam significativamente o risco para uma tentativa. E, as vítimas de suicídio apresentavamse submetidas a eventos de vida traumáticos mais freqüentemente do que os controles, considerando-se ainda que a presença de arma de fogo no lar também pode ser apontada como um fator de risco para o suicídio. Muito dos fatores de risco a nível comunitário concentram-se em ambientes de pobreza e suas condições associadas: o desemprego, o baixo nível de instrução, a privação ou a ausência de domicílio, etc.1 Enquanto que, a nível familiar, o espaço desempenha um papel relevante para a resistência, estando esta positivamente relacionada aos lares menos aglomerados.21 Ainda em relação ao ambiente familiar, um estudo24 realizado em Campinas (SP) revelou as características dos familiares de jovens que tentaram o suicídio. Foram constatados maiores índices de alcoolismo, ocorrências policiais ou outros problemas relacionados à justiça com os pais desses jovens do que nos grupos-controle.24 Para as doenças mentais em geral, dados de pesquisas sociais feitas no Brasil, Chile, Índia e Zimbabué mostraram que os transtornos mentais apresentavam uma freqüência duas vezes maior entre os pobres do que entre os ricos.1 Vários outros fatores sociais, culturais e individuais têm sido associados à violência em geral e ao suicídio, em particular. O impacto da exposição à violência sobre crianças e adolescentes foi reconhecido como o principal Homeopat. Bras. fator para a epidemia de violência entre os mesmos. Essa contínua exposição inclui o uso de drogas e o exemplo experimentado de forma ativa ou passiva, como, por exemplo, por intermédio dos meios de comunicação.21 Aspectos desse gênero são aprofundados pelos cientistas sociais estudiosos do tema. Durkhein foi um dos grandes pioneiros do estudo do suicídio sob a óptica da ciência social, publicando sua excelente pesquisa em 1897, na França.25 O aumento do número de mortes por suicídio já mencionado, uma das crescentes do agravamento da mortalidade devido a causas violentas, segundo os cientistas sociais, Zalmar e Leal, “não pode ser atribuído a ‘causas’ determinantes, mas sim à interação de diversos aspectos que contribuem para sua sinergia”, principalmente, no que se refere aos jovens.26 A comoção provocada pelo suicídio liga-se diretamente ao seu caráter revelador da complexidade de relações sociais e pessoais que nos levam a refletir no “sentido da vida” numa sociedade na qual se constata um importante crescimento da mortalidade devido a essa causa, apontando para a interação dos fatores (individuais, familiares, sociais, etc.) que contribuem para tais situações de extrema autodestrutividade.27 A BORDAGEM H OMEOPÁTICA Muitas vezes a criança ou o adolescente deprimidos não são cooperativos ou não conseguem expressar claramente seu sofrimento essencial. Nesse sentido, alguns sintomas de elevada hierarquia, acondicionados na forma de um mosaico, podem orientar o médico homeopata para a eleição do medicamento mais adequado, o que pode ser feito empregando-se o método elaborado pelo Dr. Eugênio Candegabe2, construindo-se a SMVM a partir da seleção de cerca de cinco sintomas essenciais. m vol.9 · n 01 · 2003 Artigo de atualização TABELA V MODELOS DE CONSTRUÇÕES DE SMVM A PARTIR DE SINTOMAS FREQÜENTEMENTE ASSOCIADOS À DEPRESSÃO SMVM 1 SMVM 2 SMVM 3 SMVM 4 SMVM 5 SMVM 6 Depressão, tristeza Depressão, tristeza Depressão, tristeza Depressão, tristeza Depressão, tristeza Depressão, tristeza Indiferença Irritabilidade Alcoolismo Agressividade Suicídio, disposição Cansaço, de si próprio Tédio Ansiedade Morfinismo Apetite voraz Tédio da vida Ansiedade de consciência Suicídio, Disposição Ansiedade de consciência (Culpa) Ansiedade de consciência Ansiedade de consciência Apetite, falta de Suicídio, disposição Autodepreciativo (desdenhoso dele mesmo) Aversão à companhia Suicídio, disposição Ansiedade Autodepreciativo Sonhos: com suicídio Foram agrupados cinco sintomas interrelacionados que podem estar presentes na criança e no adolescente que sofrem de depressão. Nos casos em que haja indícios de pensamentos suicidas, o sintoma “Disposição suicida” deve ser acrescentado ao quadro, como importante componente da SMVM, assim como outros sintomas de alta hierarquia no quadro mental do paciente. Algumas construções tornam-se possíveis associando-se à depressão, outros sintomas mentais freqüentemente presentes nesses casos, tais como: a ansiedade e a baixa auto-estima. Na Tabela V (exibida acima), são apresentados seis modelos de construções de SMVM que podem auxiliar o médico homeopata em sua repertorização clínica. C ONCLUSÃO A BSTRACT In these days, depression and suicide are some of the most important psychiatric pathologies, with high rates of prevalence especially among the elderly, children and adolescents. In some countries, suicide is the third commonest cause of death among teenagers and youths under 24 years of age.This issue brings up the bibliographical revision of these themes and emphasizes their clinical picture, proposing the use of mosaic from the homeopathic medicine as the most effective treatment for such complaints. Key words: Child, Adolescence, Depression, Suicide, Symptoms, Homeopathic therapeutics. R EFERÊNCIAS B IBLIOGRÁFICAS 1. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Relatório sobre a saúde no mundo: saúde mental. 2001. É importante lembrar que os aspectos multifatoriais e o efeito acumulativo de fatores de risco múltiplos, capazes de aumentar a probabilidade da depressão e sua pior evolução – o suicídio –, devem ser considerados. Ao médico homeopata, é fundamental estar atento aos sinais e sintomas, que possibilitando o diagnóstico precoce e o tratamento adequado, permitem intervir satisfatoriamente sobre os pacientes. Homeopat. Bras. 2. CANDEGABE, E. 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