1 A MULHER NO MERCADO DE TRABALHO E O PRINCÍPIO DA NÃO DISCRIMINAÇÃO Andréia Regina Esmanhoto Rodrigues1 RESUMO Historicamente, há fortes indícios de que a mulher vem sendo discriminada no mercado de trabalho, sobretudo no que tange à sua remuneração comparada com a dos homens. Apesar de sua crescente participação, tentar-se-á demonstrar que os salários continuam desiguais e as mulheres não possuem as mesmas oportunidades de ascensão em relação aos homens. Além da situação das mulheres o presente artigo pretende analisar como o Direito tutelou as questões de gênero no mercado do trabalho, verificando a efetividade do princípio da não-discriminação. PALAVRAS-CHAVE: mulher; mercado de trabalho; desigualdades; salários; discriminação; princípio da igualdade; princípio da não-discriminação. INTRODUÇÃO Apesar da marcante participação das mulheres no mercado de trabalho, em todos os setores da economia, historicamente, esta sempre obteve remuneração menor em relação aos homens. O presente artigo pretende verificar a discriminação da mulher neste mercado, com enfoque nas desigualdades salariais e na regulação do ordenamento jurídico à questão. A Constituição Federal garante a igualdade como direito fundamental de todos e inspira todo o ordenamento jurídico brasileiro. Do princípio da igualdade deriva o princípio da não-discriminação, que busca a exclusão de todas as diferenciações entre trabalhadores. Merece análise a efetividade de tal princípio frente às desigualdades de gênero no mercado de trabalho. 1 Aluna do 10º período das Faculdades Integradas do Brasil – Unibrasil, orientada pelo Professor Ms. Marcelo Giovani Batista Maia. 2 1. BREVE HISTÓRICO DO TRABALHO DA MULHER NO BRASIL No Brasil colônia a grande massa de mão-de-obra feminina era formada pelas escravas. As mulheres livres, ou seja, as brancas, eram minoria, destinavamse ao casamento e as negras ao trabalho. Com a Independência em 1822, o Brasil torna-se Império, no entanto, a mão-de-obra escrava continua sendo a força produtiva. A mulher era completamente excluída, não tendo direito ao voto e ao estudo, sendo mantida analfabeta.2 Com a República (1889) e a publicação da Lei Áurea (1888), todos são livres para vender a sua mão-de-obra para quem quisessem. As mulheres que já ganhavam aproximadamente 30% menos que os homens, trabalhavam basicamente na tecelagem e fiação, pois nas indústrias mais modernas as vagas foram ocupadas pelos homens. Se o Estado no Brasil negava proteção ao trabalho dos homens, às mulheres destinava verdadeiro abandono.3 No início da industrialização a mão de obra feminina foi vastamente utilizada nas fábricas com menor mecanização, como fiação e tecelagem, utilizando sua mãode-obra inclusive como costureiras onde realizavam o trabalho em seu próprio lar.4 Entre as primeiras leis editadas, pode-se citar a Lei estadual nº 1596, de 29/12/1917, de São Paulo, que instituiu o Serviço Sanitário Estadual proibindo o trabalho da mulher no último mês de gravidez e no primeiro puerpério.5 Em 1918 discutia-se o projeto do Código do Trabalho, havendo a defesa para que o contrato de trabalho pela mulher casada deveria ter a obrigatoriedade da anuência do marido, visando à manutenção do bom nome do lar, da submissão, da moralidade, tendo em vista que esta era considerada relativamente incapaz. O trabalho noturno e insalubre era permitido e as atividades desregulamentadas. Somente em 1932 foi expedido o Decreto 21.417-A, que estabeleceu entre outras medidas de proteção, a proibição do trabalho noturno, do trabalho nas minerações em subsolo, nas pedreiras e obras públicas e nos trabalhos perigosos ou insalubres; assegurou o descanso de quatro semanas antes e quatro semanas depois do parto 2 p.8. 3 CALIL, Léa Elisa Silingowschi. Direito do Trabalho da Mulher, São Paulo: LTR, 2007, Ibidem, p.18. Idem. 5 Ibidem, p.17. 4 3 com garantia de meio salário, estabeleceu descansos diários para alimentação e local apropriado para guarda dos filhos para amamentação nos locais com pelo menos 30 mulheres com mais de dezesseis anos. Em 1934 foi estabelecido o auxílio-maternidade às empregadas do comércio.6 Como assevera Lea Elisa CALIL: Outro dado interessante, na contramão do pensamento dominante, é que a expulsão das mulheres dos postos de trabalho das fábricas se deu pari passu ao surgimento de uma legislação de proteção ao trabalho. Trazemos dos bancos escolares a idéia de que a entrada das mulheres no mercado de trabalho se deu de maneira gradual e contínua. Não foi assim. Na exata medida em que os movimentos operários conseguem pressionar por leis que lhes dêem mínimas garantias, as mulheres se vêem sendo substituídas pela mão-de7 obra masculina. Além das jornadas em média de 12 a 16 horas por dia, do ambientes sujos e mal iluminados havia o constante assédio sexual dos superiores e capatazes. As mulheres negras, após a abolição da escravatura continuaram a exercer atividades nos setores mais desqualificados, salários ainda mais baixos e péssimo tratamento.8 A Constituição Federal de 1934, sob o governo de Getúlio Vargas instituiu a as normas de proteção ao trabalhador, como a jornada de trabalho de 8 horas, descanso semanal, férias anuais remuneradas, igualdade de salários entre homens e mulheres, proibição do trabalho da mulher em atividades insalubres, licença e salário maternidade. A Constituição Federal de 1937, decorrente do Golpe de Estado de Getúlio Vargas, omitiu a garantia de salários iguais para homens e mulheres e a garantia de emprego a gestante. Em 1940 o decreto-lei 2548 possibilitava que a mulher ganhasse até 10% menos que o homem. A Consolidação de Leis do Trabalho (CLT) entra em vigor em 1943, fruto do governo populista de Getúlio Vargas. Este dedica um capítulo inteiro à mulher, tratando da duração do trabalho da mulher, trabalho noturno e perigoso, dos períodos de descanso, das condições e locais de trabalho e da proteção à maternidade. Esta não inovou, apenas compilou as leis que já existiam, no intuito de proteger a saúde, a moral e capacidade reprodutiva da mulher. Exemplo da proteção da saúde vinculada à moral é a proibição do trabalho noturno, que exigia que a mulher para trabalhar em bares, 6 SUSSEKIND, Arnaldo e outros. Instituições do direito do trabalho.19 ed.atual. São Paulo: LTr, 2000. p. 968-969. 7 CALIL, Léa Elisa Silingowschi. Op. cit., p. 27. 8 Ibidem, p. 29. 4 restaurantes e hotéis apresentasse além de atestado médico, atestado de bons antecedentes.9 Quando finda o regime ditatorial de Getúlio Vargas, é convocada a Assembléia Constituinte e promulgada a Constituição Federal de 1946. Esta, além de manter os direitos existentes, ampliou a assistência aos desempregados, direito de greve e participação nos lucros e resultados das empresas. No entanto, em 1955, homens e mulheres negras ganharam 56% do que ganhavam os brancos. Em 1977, a desigualdade aumentou para 69% em relação aos homens e 93% em relação às mulheres. Em 1939 as mulheres que trabalhavam em tempo integral ganhavam 61% do que os homens ganhavam, em 1977 essa diferença passou para 57%.10 1.1 A PARTICIPAÇÃO FEMININA NO MERCADO DE TRABALHO ATUAL A partir dos anos 70, o ingresso da mulher no mercado de trabalho aumenta. A necessidade econômica se intensificou com a deteriorização dos salários reais dos trabalhadores, obrigando as mulheres a buscar uma complementação para a renda familiar. Mas não apenas as pobres ingressaram no mercado de trabalho como também a classe média e as mulheres mais instruídas. Explica-se este fato pela elevação durante os anos setenta das expectativas de consumo, alterando, entre todas as classes sociais o conceito de necessidade econômica. Contribuem para essas transformações os movimentos feministas e a crescente presença feminina nos espaços públicos, somado à redução de número de filhos por mulher e a expansão da escolaridade e do acesso às universidades.11 Ao analisarmos o perfil da desigualdade no mundo, verificamos através dos dados da pesquisa divulgada pela Confederação Internacional dos Sindicatos (ICFTU) em março/2009, levando em conta 300 mil mulheres de 24 países, que revela que as mulheres ganham em média 22% a menos que os homens. O Brasil na classificação da desigualdade obteve o melhor lugar, mostrando que as brasileiras são as que sofrem as maiores diferenças salariais em relação aos 9 Ibidem, p. 28. Idem. 11 BRUSCRINI, Cristina. Tendências da força do trabalho feminino brasileiro nos anos setenta e oitenta: algumas considerações regionais. São Paulo: FCC, 1989. 10 5 homens no mundo todo, com 34% de variação entre as remunerações de ambos os gêneros.12 O estudo revela que, depois do Brasil, as maiores diferenças ocorrem na África do Sul (33%), no México (29,8%) e na Argentina (26,1%). Nos Estados Unidos a diferença é de 20,8%. As menores diferenças são registradas na Suécia (11%), Dinamarca (10,1%), Reino Unido (9%) e Índia (6,3%). Na União Européia as mulheres ganham 17,4% a menos que os homens.13 O estudo do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) intitulado MPG (Medida de Participação Segundo o Gênero) que mede a participação feminina em cargos legislativos, de alto escalão e de gerência, revela que em todos os países o homem ganha mais. O Brasil ocupa o 81º lugar do ranking composto por 108 países, o rendimento da mulher é, em média, 56% do rendimento masculino.14 2. A PARTICIPAÇÃO DA MULHER NO TRABALHO E SUAS VARIÁVEIS 2.1. A PARTICIPAÇÃO SEGUNDO A IDADE E SEXO Ao observamos a participação dos trabalhadores no mercado de trabalho segundo a idade e a condição do sexo, notamos sensíveis diferenças, que podem decorrer das responsabilidades familiares que atingem sobretudo as mulheres. Dados da RAIS para o período de 1890 a 1990 indicam que os homens mantêm uma regularidade no trabalho e ampliam sua presença no mercado à medida que vão atingindo a maturidade, sendo seu ápice entre os 30 e 40 anos. As mulheres traçam caminho inverso, mostrando taxas mais elevadas de participação até os 24 anos e após haveria um certo refluxo, motivado pela assunção de responsabilidades familiares. Há ainda, neste mesmo período, um acréscimo na participação das 12 BIZZOTTO, Márcia. Brasil ocupa pior colocação em ranking de diferenças salariais entre os sexos. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/03/090304_diferencasalarios_mb_cq.shtml. Acesso em: 20 set.2009. 13 PRESSE, France. As mulheres continuam ganhando 17,4% menos que os homens na Europa. Disponível em hppt://abril.com.br/noticias/mundo/mulhres-continuam-ganhando-17-4menos-homens-europa-293183.shtml. Acesso em: 03 set.2009. 14 DESIDERIO, Mariana. Mulher recebe menos que o homem em todos os países. Disponível em: http://www.pnud.org.br. Acesso em: 15.set.2009. 6 mulheres casadas no mercado de trabalho, sendo 20% em 1980 passando a 37,6% em 1990.15 A pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, Maria Cristina A. BRUSCHINI traçou um paralelo entre a participação da mulher no mercado de trabalho nas últimas décadas do século XX, analisando o que permaneceu igual e o que mudou no período de 1993 a 2005. A parcela feminina entre trabalhadores passou de 39,6% para 43,5%, ou seja, em 1993 de cada 100 mulheres 43 trabalhavam contra 53 em 2005.16 Entre as causas demográficas para esta situação, estão: a queda da taxa de fecundidade (4,4 filhos em 1980 e 2,1 em 2005) e diminuição do tamanho das famílias; o aumento de número de famílias chefiadas por mulheres (14% em 1980 para 30,6% em 2005) este motivado pelo aumento da viuvez, das separações, da gravidez precoce e das novas formas de convivência familiar; o envelhecimento da população; a expansão da escolaridade no país e as mudanças nos valores como novos comportamentos sexuais e a definição de novos papéis para as mulheres, como estudo, carreira, profissão. 17 Elas ainda se concentram em ocupações femininas tradicionais, em atividades precárias e desigualdades salariais mesmo nos cargos de maior prestígio e continuam responsáveis pelas atividades domésticas e cuidados com os filhos.18 Em janeiro de 2008, o IBGE divulgou os resultados da pesquisa Mensal de Emprego, realizada nas seis maiores capitais do país (São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Salvador e Recife). O rendimento médio das mulheres em janeiro de 2008 foi de R$ 956,80, comparado com o dos homens que foi de R$ 1.342,70 para o conjunto das seis regiões metropolitanas investigadas. Conclui-se que as mulheres receberam 71,3% do rendimento dos homens.19 15 BRUSCRINI, Cristina. Tendências da força do trabalho feminino brasileiro nos anos setenta e oitenta: algumas considerações regionais. São Paulo: FCC, 1989. p. 14. 16 BRUSCHINI, Maria A. Trabalho e gênero no Brasil nos últimos dez anos. Disponível em: <http://www.iea.usp.br/iea/online/midiateca/071029_cbruschini.pdf> Acesso em 01 set.2008. p.59. 17 Idem. 18 Idem. 19 IBGE. Algumas características da inserção da mulher no mercado de trabalho. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_mulher/ Suplemento_Mulher_2008.pdf. Acesso em: 04 set.2008. 7 2.2. O FATOR EDUCAÇÃO Em 2008, aproximadamente 60,0% das mulheres ocupadas tinham, pelo menos, a escolaridade referente ao ensino médio. Porém, observou-se que as diferenças entre os rendimentos de homens e de mulheres eram maiores entre os mais escolarizados. Para as mulheres que possuíam nível superior completo o rendimento médio foi de R$ 2.291,80 em janeiro de 2008; enquanto para os homens o valor foi de R$ 3.841,40. Assim, comparando trabalhadores que possuíam o nível superior, verificou-se que o rendimento das mulheres é cerca de 60% do rendimento dos homens, indicando que, mesmo com escolaridade mais elevada, as discrepâncias salariais entre homens e mulheres continuam. 20 Analisando a última década, BRUSCHINI conclui que não houveram grandes transformações na estrutura ocupacional feminina, posto que estas continuaram a ocupar atividades tradicionalmente femininas, sobretudo as ligadas a serviços de limpeza, ocupações administrativas, magistério e enfermagem. As mudanças ocorreram, sobretudo nos áreas técnico-científico, onde as mulheres aumentaram a participação nas ocupações de nível superior (medicina, odontologia, jornalismo, advocacia e outras), nas ocupações do comércio, entre os vendedores e supervisores de vendas; no grupo dos gerentes (gerentes financeiras, comerciais e de publicidade) e dos diretores (diretoras de empresas de serviços comunitários e sociais).21 No entanto, 30% da força de trabalho feminina permanece em ocupações precárias, sobretudo o emprego doméstico, dentre as quais 75% sem registro em carteira de trabalho.22 2.3 A VARIÁVEL SEXO E COR A mulher vem conseguindo gradativamente ter uma maior representação, porém as desigualdades em relação aos homens ainda são agudas. Para mulher negra é ainda mais grave. Na Região Norte do país, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 73% das trabalhadoras infantis são afro- 20 Idem. BRUSCHINI, Maria A. Trabalho e gênero..., p.18-24. 22 Idem. 21 8 descendentes. Três milhões de domésticas ganham até um salário mínimo. Todas elas mulheres e 90% delas negras. No poder executivo brasileiro menos de 15% é composto por mulheres e, entre elas, são raríssimas as afro-descendentes. Se as mulheres ganham aproximadamente 70% da remuneração dos homens, as negras recebem até metade da remuneração das mulheres brancas. Dados do IPEA de 1998 demonstram que os homens negros recebiam 54% menos comparados aos rendimentos dos homens brancos. As negras têm rendimentos 60% menores.23 Pesquisa realizada em conjunto de IPEA e UNIFEM (Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) revela que as mulheres em 2006 recebiam uma renda média de dois terços da renda do homem. A média da renda dos negros era metade da renda do homem branco. A desigualdade fica evidente nos números de lares com geladeira e fogão, gêneros de primeira necessidade, tendo em vista que 5,5% dos domicílios chefiados por brancos não possuíam geladeira comparados a 17% dos domicílios chefiados por negros.24 2.4 TRABALHO DOMÉSTICO É neste segmento que os efeitos da discriminação de gênero e raça tornamse contundentes. Dados do PNAD/IBGE de 2006 revelam que existem cerca de 6,7 milhões de pessoas no trabalho doméstico, deste total, 6,2 milhões são mulheres, representando 93,2% deste universo, e 6,8% são do sexo masculino. Aproximadamente 72,5% não têm carteira assinada e deste total 57,5% são negras. Em sua maioria, tem baixa escolaridade, sendo que na região metropolitana, aproximadamente de 60% tem o ensino fundamental incompleto.25 No ano de 2006 apenas 27,8% do total de trabalhadores domésticos tinham carteira de trabalho assinada. Deste total de trabalhadoras sem carteira assinada as domésticas negras, representavam 57,5%. Entre as trabalhadoras domésticas 23 SOARES, Sergei Suarez Dillon. O perfil da discriminação no mercado de trabalho – homens negros, mulheres brancas e mulheres negras, Brasília, 2000. Disponível em: http://www.lppuerj.net/olped/documentos/ppcor/0213.pdf. Acesso em 20 set. 2009. 24 NERY, Natuza. Mulheres e negros ainda tem forte desvantagem no país. Disponível em http://www.abril.com.br/noticias/brasil/2008-09-09-102216.shtml. Acesso em 15.set.2009. 25 SILVA, Rosane da. Trabalho doméstico: uma reflexão necessária. Disponível em http://www.cut.org.br/content/view/2425/170. Acesso em: 01 set.09. 9 apenas 29,9% contribuem para a previdência social, privando-as do acesso a direitos como auxílio-doença ou licença-maternidade ou ainda, aposentadoria por tempo de serviço.26 Mantém-se a diferenciação salarial por raça e gênero até neste setor predominantemente feminino. No ano de 2006 a renda média dos homens brancos no serviço doméstico foi aproximadamente R$ 465,20, enquanto a renda das mulheres brancas foi de R$ 351,34 e das negras foi de apenas R$ 308,71 (PNAD/IBGE, 2006). Elas ainda têm que enfrentar as extenuantes jornadas diárias, a discriminação, o assédio sexual e moral no seu dia-a-dia.27 2.5 MULHERES CHEFES DE FAMÍLIA Dados divulgados pelo IBGE 2008, com base nos dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad), comparando o período entre 1996 a 2006, mostram que o número de mulheres chefes de família cresceu 79% no período.28 O estudo demonstra que 73% das mulheres chefes de família ganham menos que o seu marido. Destas 37,2% recebem até 50% do total obtido pelo companheiro. Quando apenas a mulher é a chefe da família em 70% dos casos o homem tem rendimento superior.29 Em 1993 as famílias chefiadas por mulheres representavam 19,7% aumentando para 28,8% em 2006.30 As mulheres chefes de família sem cônjuge e com filhos recebiam em 2006 em média R$ 827,36, as que tinham cônjuge apresentavam um rendimento de R$ 867,35 e as mulheres sós recebiam R$ 1.270,08. Do total de mulheres chefes de família em 2006, 21,9% eram empregadas domésticas.31 26 Idem. Idem. 28 BADENES, Hilda. IBGE: número de mulheres chefes de família cresceu 79% em dez anos. Disponível em: http://oglobo.globo.com/pais/mat/2007/09/28/297924968.asp Acesso em: 20.set.2009. 29 Idem. 30 DOBRA o número de mulheres chefes de família. Disponível em: http://www.abril.com.br/noticia/brasil/no_300415.shtml. Acesso em: 20.set.2009. 31 SPITZ, Clarice. Mulheres chefes de família chegam a quase 30% das ocupadas em agosto. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u111454.shtml. Acesso em 29 set.2009. 27 10 3. O PRINCIPIO DA NÃO-DISCRIMINAÇÃO E O ORDENAMENTO JURIDICO 3.1. CONCEITO DE IGUALDADE E DISCRIMINAÇÃO O princípio da não-discriminação, deriva do princípio da igualdade que norteia todo nosso ordenamento jurídico. Segundo Alice Monteiro de BARROS “a não-discriminação é, provavelmente, a mais expressiva manifestação do princípio da igualdade, cujo reconhecimento, como valor constitucional, inspira o ordenamento jurídico brasileiro no seu conjunto”.32 No âmbito do trabalho, a Convenção n. 111 da OIT, de 1958, em seu artigo primeiro define como discriminação no emprego ou ocupação a “distinção, exclusão ou preferência fundada em raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional, origem social ou outra distinção, exclusão ou preferência especificada pelo Estado-membro interessado, qualquer que seja sua origem jurídica ou prática e que tenha por fim anular ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento no emprego ou profissão”.33 Da mesma forma, define Mauricio Godinho DELGADO que “discriminação é a conduta pela qual se nega à pessoa, em face de critério injustamente desqualificante, tratamento compatível com o padrão jurídico assentado para a situação correta por ela vivenciada.34 É importante ressaltar que nem toda distinção, exclusão ou preferência são discriminatórias. As medidas de proteção ou assistência, por exemplo, excluem-se, citando-se como exemplo as leis de trabalho do menor e as mulheres gestantes, que visam à proteção daquelas pessoas.35 Alice Monteiro de BARROS cita que a discriminação poderá ocorrer tanto na admissão, quanto no curso do contrato ou na rescisão do contrato de trabalho. Pode-se citar como exemplo na contratação, utilizar-se de exames genéticos para seleção de pessoas, no curso do contrato através da delegação de tarefas inferiores que não requeiram qualificação e oportunidades de promoção e no término do 32 p. 1116. 33 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 4 ed. São Paulo: LTr, 2008. Idem. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo:LTr, 2007. p. 774. 35 BARROS, Alice Monteiro de. Curso..., p. 1116. 34 11 contrato poderá ocorrer na dispensa de empregados, apenas do sexo feminino ou em idade de procriação.36 Para a autora supracitada, a discriminação tem origens históricas, fundadas, sobretudo pelo ódio de origem religiosa ou racial. Poderá ainda ser fruto da segregação racial onde uma raça tenha subjugado a outra ou então razões econômicas, considerando que os indivíduos de uma nação monopolizaram a economia de um país, considerando as outras raças como intrusos. Cita ainda, a ignorância, a intolerância, sobretudo a religiosa e ainda o receio à concorrência aos empregos fundada em sexo ou raça, pelo temor que possam implicar em diminuição de salário ou deteriorização das condições de trabalho.37 Corroborando com esta noção Mauricio Godinho DELGADO afirma que “a causa da discriminação reside, muitas vezes, no cru preconceito, isto é, um juízo sedimentado desqualificador de uma pessoa em virtude de sua característica, determinada externamente, e identificadora de um grupo ou segmento mais amplo de indivíduos (cor, raça, sexo, nacionalidade, riqueza, etc.)”.38 A discriminação pode se manifestar de forma direta, indireta e oculta. A discriminação direta é a conduta pela qual se atribui ao empregado um tratamento desigual e prejudicial fundados em razões proibidas, como sexo, raça, estado civil, idade, etc. A discriminação indireta é aquela que aparenta um tratamento formalmente igual mais que produzirá efeito diverso sobre determinados grupos, acentuando ou mantendo um quadro de injustiça, afetando desproporcionalmente um determinado grupo de indivíduos, como por exemplo, altura, peso, idade ou critérios subjetivos como agressividade. E a discriminação oculta é aquela disfarçada sob a forma de outro motivo quando o verdadeiro seria a intenção de discriminar. 39 Há ainda a abordagem a discriminação positiva e negativa. A positiva manifesta-se através de políticas públicas destinadas a eliminar as maiores desigualdades, como o sistema de cotas para ingresso no ensino superior e a proteção ao menor no trabalho.40 36 Ibidem, p.1118. Ibidem, p.1118 - 1119. 38 DELGADO, Mauricio Godinho, Op. cit., p.774-775. 39 BARROS, Alice Monteiro de. Curso..., p.1120. 40 OLIVEIRA NETO, Alberto Emiliano de. O princípio da não-discriminação e sua aplicação às relações de trabalho. Disponível em: http://jus2.oul.com.BR/doutrina/texto.aps?id=8950. Acesso em 20. Ago.2009. 37 12 Alice Monteiro de BARROS defende que “com as ações afirmativas instituise uma “discriminação reversa” em consonância com o conceito de justiça distributiva que consiste em tratar de forma desigual os desiguais. O tratamento desigual, aqui, é compensatório, e vem sendo sugerido pelas normas internacionais.”41 Como exemplo, podemos citar o artigo 4º da Convenção nº 159 da OIT, ratificada pelo Brasil, que determina que “as medidas positivas especiais com a finalidade de atingir a igualdade efetiva de oportunidades e de tratamento entre os trabalhadores deficientes e os demais trabalhadores, não devem ser vistas como discriminatórias em relação a estes últimos.” 42 Ainda, o item 4 do art. 1º da Convenção Internacional da ONU sobre Eliminação de todas as formas de discriminação racial, ratificada pelo Brasil, determina: As medidas especiais tomadas com a finalidade única de assegurar o progresso de determinados grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que tenham necessidade de proteção, que serve para lhes garantir o gozo e o exercício de direitos do homem e liberdades fundamentais em condições de igualdade não são consideradas como medidas de discriminação racial, desde que não tenham por efeito a manutenção de direitos distintos para grupos raciais diferentes e não permaneçam em vigor uma vez atingidos os objetivos que tem em mira. A discriminação negativa pode decorrer do racismo, preconceito ou concepções estereotipadas. 43 Alberto Emiliano de OLIVEIRA NETO, nos dá a definição de racismo: “por racismo pode-se entender o conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças e etnias... Exemplo claro é o dos trabalhadores oriundos do Norte e do Nordeste do Brasil em busca de melhores chances nas regiões Sul e Sudeste, cuja condição regional muitas vezes é utilizada de forma discriminatória.” 44 Define o mesmo autor o conceito de estereótipo como “um conjunto de idéias alimentadas pela falta de conhecimento real sobre o assunto em questão. 41 BARROS, Alice Monteiro de. Curso..., p.1120. Ibidem, p.1122. 43 Idem. 44 Ibidem, p. 1126. 42 13 Podem se apresentar na forma de generalizações equivocadas sobre negros, nordestinos, mulheres, loiras, etc.” 45 E finaliza com o conceito de preconceito: O preconceito, ligado à idéia de intolerância, consiste em qualquer opinião ou sentimento, quer favorável quer desfavorável, concebido sem exame crítico. Trata-se de opinião ou sentimento desfavorável formado a priori, sem maior conhecimento, ponderação ou razão, apresentando-se como atitude, sentimento ou parecer insensato, de natureza hostil, assumido em conseqüência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou 46 imposta pelo meio. Desta forma, podemos verificar que no âmbito do trabalho, a discriminação ocorre de forma dissimulada. Seja no processo de seleção, onde fatores como raça, sexo, idade são determinantes, seja através da promoção a determinados grupos e pessoas ou da escolha de pessoas desses grupos na hora da demissão. 47 Para Marcio Túlio VIANA há duas formas de discriminar, uma contrária à lei e outra praticada com as próprias regras. A contrária à lei é visível e reprovável de imediato e a segunda passa despercebida, porém, atinge a todos, é estrutural. 48 A partir das definições de discriminação e igualdade, pode-se extrair o significado o princípio da não-discriminação, através do entendimento de Maurício Godinho DELGADO de que “o princípio da não-discriminação seria, em conseqüência, a diretriz geral vedatória de tratamento diferenciado à pessoa em virtude de fator injustamente desqualificante.” 49 Para a implementação do direito à igualdade, BARROS cita que: “Se a democracia se confunde com a igualdade, a implementação do direito à igualdade, por sua vez, impõe tanto o desafio de eliminar toda e qualquer forma de discriminação, como o desafio de promover a igualdade.” 50 45 Idem. Idem. 47 Idem. 48 VIANA, Márcio Túlio. Os dois modos de dicriminar e o futuro do direito do trabalho. In: VIANA, Márcio Túlio; RENAULT, Luiz Otávio Linhares (Coords). Discriminação. São Paulo: LTr, 2000. p.21. 49 DELGADO, Mauricio Godinho, Op.cit. p. 775. 50 BARROS, Alice Monteiro de. Curso.... p. 1057-1064. 46 14 3.2. TIPOS DE DISCRIMINAÇÃO: DE RAÇA, ESTADO CIVIL E IDADE A Convenção Internacional da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial conceitua a discriminação como “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência, baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional que tenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos políticos, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública”. 51 A Constituição vigente tipificou em seu artigo 5º, inciso II como crime inafiançável e imprescritível a prática de racismo. A Lei 9459/97 considera crimes a prática, induzimento ou incitação da discriminação por preconceito de raça, etnia, cor, nacionalidade ou religião, cominando em pena de reclusão de um a três anos além de multa. A Lei 10.678/03 criou a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, com o objetivo de tornar o combate à discriminação efetivo. Em 2004 foi criada a Comissão Tripartite do Ministério do Trabalho, com o objetivo de promover políticas públicas de igualdade de oportunidades e tratamento.52 Estudo publicado pelo IBGE em 2005, mostra como estamos longe desta realidade igualitária. O instituto através dos dados do censo de 2001 analisou que das 509 profissões apenas em 8%, ou seja, 42 profissões, negros e pardos ganham mais de dez salários mínimos. Em 493 profissões, ou seja, 97% do total, a proporção de negros e pardos entre os mais pobres supera a de brancos na mesma carreira, mesmo em profissões com o mesmo nível de escolaridade, como médicos e dentistas.53 Dados do IPEA revelam que a renda de negros deve se igualar à de brancos somente em 2029. Houve melhora na distribuição de renda no período compreendido entre 2001 a 2007 com queda nas diferenças entre as rendas de 25%. No entanto, o estudo revela que a redução da desigualdade racial pode não 51 Idem. Ibidem, p.1123. 53 GOIS, Antonio. Magistrados têm carreira mais bem paga, diz IBGE. Disponível em: http://www.cartaderh.com.br/website/text.asp?txtCode=8141&txtDate=20050503000000. Acesso em 20 ago.2009. 52 15 ser reflexo da redução das práticas discriminatórias, mas pelo fato dos negros serem a maioria entre os beneficiários do Programa Bolsa Família, dos benefícios previdenciários e outros mecanismos de redução da desigualdade.54 O artigo 7º inciso XXX, da Constituição Federal de 1988, proíbe diferença de salário, de exercício de função e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. A Carta Magna seguiu orientação internacional, podendo-se citar, entre outros, a Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial, ratificada pelo Brasil em 27/01/68; a Convenção n. 111 aprovada pela OIT em 1958 que aborda a discriminação no emprego e ocupação, ratificada pelo Decreto n. 621540/698 e a Convenção 117 aprovada pela Conferência Internacional do Trabalho, em 1962 e ratificada pelo decreto 66496/70 que trata especificamente da discriminação em função de raça ou cor.55 O artigo 373-A da CLT veda as práticas discriminatórias em relação ao sexo, idade, à cor ou situação familiar. Ainda, a Lei 9455/97 tipifica a conduta de racismo para fins penais.56 Da mesma forma implicam em atos discriminatórios a demissão de empregada no tocante ao seu estado civil, por ter casado por exemplo. Ainda, quando o empregado é demitido ou não é contratado por ter idade avançada. 57 Configurando, além de descumprimento de norma constitucional, infração à Lei 9029/95, que além de outras providências, veda a exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias para admissão ou de permanência na relação jurídica de trabalho58. 3.3 A DISCRIMINAÇÃO, A OIT E O DIREITO DO TRABALHO A Convenção n 100/1951 da OIT ratificada pelo Brasil em 1957 seguindo a Recomendação n 30 de 1928 da OIT e da Resolução adotada no México em 1946 54 RENDA de negros deve se igualar a de brancos em 2029 indica IPEA. Disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/mat/2008/11/20/renda_de_negros_deve_se_igualar_de_brancos_e m_2029_indica_ipea-586479801.asp. Acesso em 25 set.2009. 55 OLIVEIRA NETO, Alberto Emiliano. O principio da não-discriminação e sua aplicação às relações do trabalho. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8950&p=2. Acesso em 20 ago.2009. 56 Idem. 57 BARROS, Maria Alice de. Curso..., p.1125. 58 Idem. 16 pelos Estados da América membros da OIT determina o princípio de “igualdade de remuneração para a mão-de-obra masculina e feminina por um trabalho de igual valor” 59 O artigo 1º considera remuneração “o salário ou tratamento ordinário, de base, ou mínimo, e todas as outras vantagens, pagas direta ou indiretamente, em espécie ou “in natura”, pelo empregador ao trabalhador em razão do emprego deste último”.60 A Convenção estabelece uma série de medidas para a promoção e garantia do princípio da igualdade de remuneração entre mulheres e homens por um trabalho de igual valor, como a previsão de que a remuneração deve ser fixada, sem que seja levado em consideração o sexo do trabalhador.61 A Convenção nº. 111 de 1958 da OIT, ratificada pelo Brasil em 1968, proíbe em seu artigo 1º, qualquer “distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão”. E o item b deste mesmo artigo proíbe “qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão”. O artigo 2º prevê o dever dos Membros de formular e aplicar políticas visando à promoção da igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de emprego.62 A Lei 5473 de 10 de julho de 1968 regulou o provimento de cargos e considerou nulas as disposições e providências que criem discriminações diretas ou indiretas entre brasileiros para o provimento de cargos sujeitos à seleção tanto nas empresas privadas como no funcionalismo público. A lei prevê prisão simples de três meses a um ano além de multa pecuniária, àquele que, de qualquer forma, obstar ou tentar obstar o cumprimento de suas determinações. 63 A Convenção 177 de 1962, ratificada pelo Brasil, trata de política social, prevendo a supressão de todas as formas de discriminação contra trabalhadores, em razão de raça, cor, sexo, crença, filiação a uma tribo ou sindicado.64 59 Ibidem, p.1130. Idem. 61 NOVAIS, Denise Pasello Valente. Discriminação da mulher e direito do trabalho: da proteção à promoção da igualdade. São Paulo: LTr, 2005. p. 65. 62 BARROS, Maria Alice de. Curso..., p. 1140. 63 Ibidem, p.1141. 64 Idem. 60 17 O artigo 1º da Convenção das Nações Unidas sobre eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, do ano de 1974, ratificada com reservas pelo Brasil em 1984 e aprovado seu texto integral apenas em junho de 1994, define em seu artigo primeiro discriminação a respeito das mulheres como sendo toda distinção, exclusão ou restrição fundada no sexo e que tenha por objetivo ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício dos direitos humanos e das liberdades fundamentais pela mulher, qualquer que seja seu estado civil, nos mais diversos campos.65 Em seu artigo 11º que os direitos relativos ao emprego devem ser assegurados em igualdade de condições a homens e mulheres, esclarecendo em seu artigo 4º, que as medidas destinadas a proteção da maternidade não devem ser consideradas discriminatórias. Determina ainda, que os Estados-Membros devem coibir através de sanções a dispensa de empregada por motivo de estado civil, gravidez ou licença-maternidade, entre outros artigos que assegura direitos iguais entre homens e mulheres no trabalho.66 Alice Monteiro de BARROS nos aponta que “os principais obstáculos encontrados na aplicação desta Convenção, nos países desenvolvidos e nos países em desenvolvimento, decorrem das circunstâncias de que, em certos países, o Governo não intervém diretamente na fixação de salários do setor privado, o que geralmente é fruto de convenções coletivas. A outra dificuldade reside na falta de critérios objetivos para a avaliação das operações realizadas pelos trabalhadores” 67 Em 1975 ocorreu a 1ª Conferência Mundial sobre as mulheres e as Nações Unidas começaram a celebrar o dia 08 de março como o Dia Internacional da Mulher.68 A XXX Assembléia Geral das Nações Unidas determinou que o período de 1976 a 1985 seria o Decênio das Nações Unidas para a Mulher, cujos objetivos eram a busca da igualdade, do desenvolvimento e da paz, por meio de ações eficazes, nos níveis nacional, regional e internacional, fixando-se metas a fim de atingir estes objetivos.69 É de 1975 a Convenção 142 (ratificada pelo Brasil em 1981) e a Recomendação 150 da OIT, que, entre outros, sugere em seu artigo 54, a necessidade de convencer a opinião pública em especial pais, mestres, orientadores 65 Idem. Idem. 67 Ibidem, p.1131. 68 Ibidem, p.1149. 69 Ibidem, p.1152. 66 18 profissionais, empregadores e trabalhadores, da necessidade de homens e mulheres participar, em igualdade econômica, da sociedade; combater as atitudes tradicionais com respeito ao trabalho de homens e mulheres além de preconizar a criação de creches e programa de formação profissional ou que desejam dela participar após longo período de ausências.70 Ainda, várias outras convenções, recomendações e declarações foram celebradas visando a igualdade, porém como afirma Alice Monteiro de BARROS: Apesar de todos os esforços desenvolvidos pela ação internacional... não bastam,portanto, declarações legais enfáticas a respeito da igualdade entre os sexos, pois as formas de discriminação estão arraigadas e levarão muito tempo para serem eliminadas. A igualdade só será atingida quando mudar a mentalidade dos povos, mas é necessário acelerar este processo pela educação do público em geral e pelo incentivo às mulheres para que reivindiquem os seus direitos, conscientizando-as de que deverão assumir, na mesma proporção, os seus deveres, a fim de que possamos viver numa sociedade mais humana, 71 mais justa e mais solidária. A Convenção das Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher foi adotada em 1979 e entrou em vigor a partir de 1982. Em seu artigo primeiro, define discriminação das mulheres como sendo toda distinção, exclusão ou restrição fundada no sexo e que tenha por objetivo ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício dos direitos humanos e das liberdades fundamentais pela mulher, qualquer que seja seu estado civil, nos mais diversos campos.72 As Constituições de 1934, 1946, 1967 e 1988 proíbem diferença de salário por motivo de sexo. A Carta de 1937 embora determinasse a igualdade de todos perante a lei, eliminou dispositivo anterior que vedava a diferença de salário por motivo de sexo. Em agosto de 1940 foi publicado o Decreto-Lei 2548 que previa que as mulheres poderiam receber salários inferiores aos dos homens, autorizando uma redução de 10% nos salários das mulheres.73 O Ministro Waldemar Falcão justificava esta medida: “Em relação ao trabalho da mulher, a importância de certas medidas de higiene e proteção, que a lei exige serem adotadas nos estabelecimentos em que se emprega, onera, por si só, o 70 Idem. Ibidem, p.1153. 72 Idem. 73 Ibidem, p.1133-1134. 71 19 trabalho feminino e, se não forem atendidos tais encargos na fixação do salário mínimo, este benefício trará efeitos contrários aos seus propósitos de amparo pelas restrições que serão opostas à aceitação das empregadas.” 74 Neste período Mozart Victor RUSSOMANO chama a atenção para a importância do trabalho da mulher: A lei pátria, como todas as outras legislações contemporâneas avançadas, no terreno social, protege a mulher que, por necessidade, aluga o seu serviço, no comércio ou na indústria. E isso deriva de dois fatores irrecusáveis e biológicos: o organismo da mulher é mais frágil e ela é a mãe do trabalhador de amanhã; e de um fato de ordem psicológica: a sua moralidade é mais vulnerável, pelas pesadas tradições e pelos onerosos preconceitos 75 que a sociedade contemporânea ainda mantém, como herança dos séculos. Extrai-se que a proteção à saúde levava em conta a inferioridade física da mulher em relação ao homem, que restringia a prorrogação da jornada de trabalho. Ainda, a preocupação com as atividades do lar fortalecia o preconceito do homem no tocante às atividades domésticas. A vedação ao trabalho noturno do artigo 380 da CLT tinha não só o escopo de proteção da saúde da mulher como de resguardar sua moral, tendo em vista que para a excepcional prestação de trabalho noturno da mulher exigia-se não apenas o atestado médico como apresentação de atestado de bons antecedentes.76 A partir de 1984, com a Lei n. 7189/84, passou a ser permitido o trabalho noturno para as mulheres maiores de 18 anos e posteriormente, em 1989, foi completamente revogado.77 A proteção à maternidade configurava-se como proteção à própria existência da espécie humana, mas acabavam por se impor como um ônus ao empregador porque, como cita Lea Elisa S. CALIL “os homens trabalhadores eram tão desprovidos de direitos sociais, que os garantidos às mulheres soavam quase como uma proibição à sua contratação.78 Em relação à Carta Magna de 1988, esta traz em todo seu bojo preceitos de valorização da dignidade da pessoa humana. Com relação à igualdade podemos 74 JOAO, Sidnei Máximo. O trabalho e o direito da mulher. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1997.p. 38. Apud. CALIL, Léa Elisa Silingowski. História do Direito do Trabalho da Mulher. São Paulo: LTr, 2000. p.43. 75 RUSSOMANO, Mozart Victor. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: José Konfino, 1966.p.146. In: NOVAIS, Denise Pasello Valente. Discriminação da Mulher e Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005. p. 77. 76 NOVAIS, Denise Passello Valente. Op. cit. p. 78. 77 Ibidem, p. 81. 78 CALIL, Lea Elisa Silingowschi. História do Direito..., p.42. 20 citar o artigo 1º inciso III que determina que o Estado Democrático de Direito tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. O artigo 5º caput estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. O inciso I do mesmo artigo, determina que homens e mulher são iguais em direitos e obrigações, nos termos da Constituição. O artigo 7º inciso XXX proíbe qualquer diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. Neste mesmo artigo, o inciso XXXII proíbe a distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos. Ainda, o artigo 226º parágrafo 5º determina que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. A Lei 9799/99 modifica a Seção I da CLT que passa a denominar-se: “Da Duração, Condições do Trabalho e da Discriminação contra a Mulher”, entre outras regras de acesso da mulher ao mercado de trabalho, introduz o artigo 373 que veda a discriminação da mulher no trabalho, tanto na contratação quanto na demissão e nas promoções.79 O artigo 373-A estabelece em seu inciso I a proibição de publicação de anúncios de emprego com referência ao sexo, idade, cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade o exigir. O inciso II veda a não contratação, demissão ou recusa de promoção em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez. O inciso III veda considerar o sexo, idade, cor ou situação familiar como variável determinante para fixação de remuneração, formação profissional ou oportunidades de ascensão profissional. O inciso IV veda exigir atestado ou exame para comprovação de esterilidade ou gravidez, tanto na admissão quanto para permanência no emprego. O inciso V veda impedir acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos pelos mesmos motivos dos incisos anteriores. E ainda, estabelece a proibição a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias. 79 BARROS, Maria Alice de. Curso..., p. 1140 21 Outra importante mudança foi a do artigo 446 da CLT que, além de permitir ao pai ou ao marido opor-se à celebração do contrato de trabalho da mulher, ainda facultava a este pleitear a rescisão do pacto laboral, quando suscetível de acarretar ameaça aos vínculos familiares ou às condições da mulher. A partir da lei 4.121/62 ficou revogada a parte do artigo que permitia ao pai ou marido opor-se à celebração do contrato de trabalho, tendo em vista que a mulher deixa de ser considerada relativamente incapaz. A Constituição Federal de 1988 altera a concepção na qual o homem era o chefe da sociedade conjugal, estabelecendo no seu art. 226 parágrafo 5º, que direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. O artigo 446 da CLT foi revogado em 1989. Em 2002, o novo Código Civil assegura a direção da sociedade conjugal em colaboração, pelo marido e pela mulher.80 A CLT ainda, no seu artigo 5º preceitua que a todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo. O artigo 461 determina que, sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá salário igual, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade. O artigo 76 determina que o pagamento do salário mínimo não pode estabelecer distinções quanto ao sexo. O artigo 377 determina que a adoção de medidas de proteção ao trabalho das mulheres é considerada de ordem pública, não justificando, em hipótese alguma, a redução de salário. O artigo 391 coíbe a discriminação da mulher casada ou em estado de gestação, dispondo que não constitui justo motivo para a rescisão do contrato de trabalho da mulher o fato de haver contraído matrimônio ou encontrar-se em estado de gravidez. A Lei 7855 de outubro de 1989 derrogou os dispositivos da CLT que proibiam o trabalho noturno das mulheres na indústria, subterrâneos, nas minerações de subsolo, nas pedreiras e obras da construção pública ou particular e nas atividades perigosas e insalubres. A proibição do trabalho extraordinário da mulher só foi revogado em 2001. Continua em vigor a restrição do artigo 390 que trata de serviços que demandem força muscular superior a 20 kilos para o trabalho contínuo ou 25 kilos para o trabalho ocasional. 81 80 81 Ibidem, p.1151. Ibidem, p.1156. 22 O artigo 375 anteriormente previa que a mulher só poderia realizar horasextras em regime de compensação ou nos casos de força maior, mediante apresentação de atestado médico autorizando e ainda mediante acordo ou contrato coletivo homologado pela autoridade competente, limitadas a, no máximo, duas horas extras diárias.82 Este artigo era prejudicial à mulher, como assevera MAGANO: É obvio que o empregador prefere utilizar-se do trabalho do homem com o qual pode pactuar diretamente não apenas o trabalho em regime de compensação como também a prestação de horas extraordinárias. Resulta daí que a proteção almejada pelo legislador traduz-se, na verdade, em discriminação contra a mulher. Acresce que a exigência de intervenção de entidade sindical, para a prorrogação da jornada de trabalho da mulher, exigência inexistente quando se trata do trabalho masculino, implica igualmente discriminação contra a primeira. E trata-se de discriminação aviltante porque coloca a 83 mulher em condição semelhante à de um incapaz. A partir da edição da Lei 9029 de 12/04/1995, são considerados como crime as práticas de exigência de teste, perícia, atestado ou outro procedimento relativo à esterilização ou estado de gravidez; a adoção de quaisquer medidas de iniciativa do empregador, que configurem indução ou instigação à esterilização genética, com pena de detenção de 1 a 2 anos além de multa administrativa equivalente a dez vezes o valor do salário pago pelo empregador, elevado em 50% na hipótese de reincidência além da proibição de obter empréstimos ou financiamento junto a instituições financeiras oficiais. A empregada que teve seu contrato de trabalho rompido por estes atos discriminatórios faculta-se optar pela reintegração com o pagamento das remunerações corrigidas e a percepção em dobro dessa importância, acrescidas de juros e correção monetária.84 O Decreto Legislativo nº 107 de 06/06/2002 aprovou o texto do Protocolo Facultativo à Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, assinado em 13/03/2001, que reconhece competência ao Comitê sobre Eliminação da Discriminação contra a Mulher, para receber e considerar comunicações, por escrito e não anônimas, apresentadas por indivíduos ou grupos que se encontrem sob a jurisdição do Estado-parte e aleguem serem vítimas de violação de quaisquer direitos estabelecidos na Convenção. Após o recebimento da comunicação o Comitê poderá solicitar ao Estado-parte que tome medidas para 82 NOVAIS, Denise Pasello Valente, Op. cit., p. 82. MAGANO, Octavio Bueno. Manual de Direito do Trabalho: Direito Tutelar do Trabalho. São Paulo: LTr, 1987, p. 102-103. Apud. NOVAIS, Denise Pasello Valente. Op. Cit. p. 83. 84 BARROS, Maria Alice de. Curso..., p.1156 83 23 evitar possíveis danos irreparáveis à vítima. O Estado-parte terá o prazo de seis meses para fornecer explicações que serão analisadas pelo Comitê e posteriormente passará sua opinião e recomendações.85 Assim, encerra BARROS a questão da igualdade e violência, afirmando que “a igualdade entre os sexos perturba as escalas de valores e as imagens estereotipadas, fruto de uma cultura que não encontra fundamento científico na época atual. A força dessas idéias preconceituosas a respeito da imagem da mulher é tão forte que, em geral, ela própria tende a adaptar-se a tais preconceitos e até mesmo à violência”.86 Visando dar efetividade ao Protocolo, o Brasil editou em 24 de novembro de 2003, a Lei nº 10778, que estabelece notificação compulsória no território nacional dos casos de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados. A lei determina por violência contra a mulher a violência física, sexual e psicológica, que tenha ocorrido na família, em unidade doméstica ou qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, o estupro, violação, maus tratos e abuso sexual, tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa, compreendendo, ainda, a tortura, o tráfico de mulheres, a prostituição forçada, o seqüestro e o assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar e seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.87 Em 2004 foi criada a Comissão Tripartite do Ministério do Trabalho, com o objetivo de promover políticas públicas de igualdade de oportunidades e tratamento e de combate a todas as formas de discriminação de gênero e raça, no emprego e na ocupação.88 A Lei 11340 de agosto de 2006 estipulou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, configurando violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, podendo ocorrer no âmbito da unidade doméstica, inclusive agregados da família e em 85 Ibidem, p.1157. Idem. 87 Idem. 88 Idem. 86 24 qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Em decorrência deste tipo de violência, a lei garante à mulher a manutenção do vínculo trabalhista de até 6 meses de afastamento do local de trabalho.89 A Conferência Mundial da ONU sobre a mulher, realizada em Pequim em 1995, apontou os principais problemas enfrentados pelas mulheres, entre eles a AIDS, o assédio sexual, a pobreza, o analfabetismo, o meio ambiente, a guerra e o espancamento. 90 No entanto, ainda hoje, as mulheres representam 2/3 dos analfabetos e 70% dos pobres do mundo. A discriminação está banida dos textos legais mais continua arraigada na sociedade.91 Estudo da OIT realizado em 1997 revelou que na Alemanha somente 12% dos postos diretivos de alto nível médio e 60% de nível superior são ocupados por mulheres; na Grã-Bretanha a proporção de mulheres entre diretores não passa de 40%, na França 13% dos cargos de nível executivo são exercidos por mulheres, na Holanda 18% e no Brasil só 3% dos diretores de grandes empresas são mulheres. Nos Estados Unidos e Austrália, 43% dos cargos de diretoria e de nível superior da administração pública são ocupados por mulheres. 92 Mesmo com toda a vedação legal, nas normas internacionais e na legislação interna, as diferenças continuam ocorrendo, não penetrando na realidade93. Alice Monteiro de BARROS aponta que “diversos fatores contribuem para essa discriminação na América Latina, entre eles: tradições culturais, relações econômicas, condições de participação na vida política e social, sistema normativo e características das comunicações.” 94 A educação, baseada em estereótipos, os quais classificam quais são as atividades com características femininas e quais masculinas, transmitidas através das gerações, contribui para que a mulher permaneça mais dedicada às atividades domésticas e familiares do que às atividades profissionais. Esta educação continua sendo reforçada através das escolas nos modelos de personagens de livros e 89 Idem. Ibidem, p.1164. 91 Idem. 92 SUSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. 2. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 279. 93 BARROS, Maria Alice de. Curso..., p.1166. 94 Idem. 90 25 apostilas, onde a mulher tem um perfil romântico e submisso e o homem um perfil ativo e dominador.95 A concepção de que a mulher pensa mais na educação dos filhos e maternidade, porquanto se dedica menos à educação, escolhendo profissões compatíveis com esses encargos, ou seja, aquelas que não exijam horasextras, viagens ou muito tempo para formação, contribuem para que os empregados as excluam dos programas de formação que as capacitariam para ocupar trabalhos mais capacitados, daí decorrendo a idéia de que a produtividade da mulher é menor que a dos homens.96 Além da educação, a religião, os costumes e do histórico cultural, a ocupação das mulheres é afetada por outros fatores como a legislação protecionista, a diferenciação por conta da força muscular, a maternidade, o afastamento das mulheres do mercado de trabalho, sobretudo durante os primeiros anos de vida dos filhos, entre outros.97 Alice Monteiro de BARROS defende a reversão desta situação, a partir do planejamento familiar e da infra-estrutura social através da disponibilização de creches e berçários e pré-escola em período integral, gratuitos ou com mensalidades acessíveis. Ainda, cursos de reciclagem para as que estão voltando ao mercado de trabalho e horários flexíveis.98 Neste mesmo sentido, Florisa VERUCCI, assevera que: A modificação da lei não é suficiente para extirpar preconceitos profundamente enraizados em certas camadas sociais. A lei só tem sentido se for eficaz e só poderá ser eficaz se for conhecida e invocada por quem dela possa se beneficiar ... No entanto, embora a lei por si só não signifique garantia de mudança, é indispensável à existência de lei igualitária para os homens e as mulheres para dar respaldo a uma mudança efetiva da condição social feminina na medida das conquistas já realizadas através dos séculos de opressão e mal 99 entendidos. Desta forma, através das ações afirmativas busca-se promover a igualdade, transformando a função estática da igualdade insculpida na lei e uma função ativa, ou seja, não buscam mais o reconhecimento da igualdade de tratamento, mas os 95 Ibidem, p. 1128. Ibidem, p. 1136. 97 Idem. 98 Ibidem, p. 1137. 99 VERUCCI, Florisa. A mulher e o direito. São Paulo: Nobel, 1987.p 27. 96 26 meios para efetivá-la.100 Ações que visam eliminar ou reduzir os estereótipos da mulher na sociedade, incentivar a mulher a participar de ocupações mais promissoras, propiciarem horários e condições de trabalho mais adequadas, entre outros que visam dar efetividade a igualdade entre os gêneros. Para isso, é necessária a vontade política para estabelecimento destes programas de ações afirmativas, por meio da intervenção legislativa que estabeleça não somente a fiscalização, mas até mesmo a subvenção pelo Estado para o desenvolvimento do trabalho das mulheres.101 Essas ações afirmativas estão refletidas no artigo 373 da CLT, implementado através da Lei 9799 de 26/05/1999, que estabelece em seu parágrafo único, a adoção de medidas temporárias que buscam o estabelecimento das políticas de igualdade entre homens e mulheres, em particular às que se destinam a corrigir as distorções que afetem a formação profissional, o acesso ao emprego e as condições gerais de trabalho da mulher. 102 Alice Monteiro de BARROS nos aponta que “ao Direito compete, sem dúvida, ampliar os horizontes das oportunidades e contribuir para conscientizar a opinião pública, favorecendo a igualdade, mas torná-la efetiva depende não só dos interessados, como também da vontade política dos países, que, de início, devem remover os obstáculos traduzidos pelas práticas sociais que impedem a concretização desse princípio”.103 E sobre os nossos tribunais, assevera que: Os tribunais não estão em condições de assegurar à vítima do tratamento desigual o exercício efetivo de seu direito. É que as sanções previstas para as transgressões não constituem um remédio satisfatório, pois se sujeitam aos mecanismos jurídicos tradicionais (multas de valor ínfimo e compensações pecuniárias de valor insignificante), ao invés de sanções reais e apropriadas, como o direito à integração no emprego ou a uma 104 compensação financeira equivalente. Segundo levantamento do TST, cerca de dois milhões de ações deram entrada no Judiciário em 2006 por práticas discriminatórias.105 No Reino Unido, na 100 BARROS, Maria Alice de. Op. cit., 1166. Ibidem, p.1167. 102 Ibidem, p.1170. 103 Idem. 104 Ibidem, p.1771. 105 LACERDA, Nadia Demoliner. Discriminação do Trabalho. Disponível http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4859. Acesso em: 01 set.09. 101 em 27 Irlanda e Dinamarca há um elevado número de ações trabalhistas por discriminação. Na França, Itália e Alemanha o número de processo é baixo, devido o valor das indenizações serem baixos além do tempo das audiências insuficiente para expor provas e da falta de interesse da mídia e dos advogados pelos honorários inexpressivos. Nos EUA busca-se uma conciliação rápida para evitar danos à imagem da empresa. Na Venezuela proíbe-se a discriminação, mas falta tipificar em lei quais são as condutas proibidas.106 Umas das questões que vem sendo muito discutidas nos tribunais é a respeito do artigo 384 que dispõe que, em caso de prorrogação da jornada, deve ser concedido, obrigatoriamente, um descanso de quinze minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário de trabalho, aplicando-se apenas às mulheres. Para Sérgio Pinto MARTINS este artigo é prejudicial às mulheres porque o empregador pode preferir a contratação de homens em vez das mulheres, pois para aqueles não precisa conceder referido intervalo.107 Nos tribunais se discute com freqüência se este artigo ofende o preceito constitucional da igualdade, como demonstram as decisões abaixo: INTERVALO PRECEITUADO NO ARTIGO 384 DA CLT – CONSTITUCIONALIDADE E VIGÊNCIA – NÃO CONCESSÃO – O princípio da isonomia visa a impedir que diferenças arbitrárias encontrem amparo em nosso sistema jurídico, e não cumpre seu objetivo quando é interpretado em termos absolutos, servindo de fundamento para tratamento igual àqueles que são desiguais. Desta forma, considerando a inquestionável diferença física existente entre homem e mulher, o artigo 384 da CLT foi recepcionado pela atual ordem constitucional, não se havendo falar que sua aplicação viola o artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal. Assim, vigente o referido dispositivo, sua inobservância, deixando o empregador de conceder à mulher o intervalo de 15 (quinze) minutos entre a jornada normal e a extraordinária, impõe-se penalizá-lo com o pagamento do tempo correspondente, com acréscimo de 50%. Recurso conhecido a que se dá parcial provimento. (TRT 23ª R. – RO 00643.2002.021.23.00-9 – Cuiabá – Relª Juíza Maria Berenice – DJMT 25.02.2003 – p. 24) TRT-PR-11-11-2008 INTERVALO PREVISTO NO ARTIGO 348 DA CLT. O artigo 384 da Consolidação das Leis do Trabalho, que assegura à empregada mulher o direito ao intervalo de quinze minutos antes do início do labor em prorrogação ao horário normal, não foi recepcionado pela ordem constitucional vigente porque as peculiaridades do trabalho feminino não justificam o tratamento diferenciado entre ambos os sexos nesse aspecto particular. Entendimento diverso importaria em violação ao princípio da igualdade de direitos e obrigações, insculpido no inciso I do artigo 5º da Constituição Federal e até ensancha para discriminação no mercado de trabalho. Recurso ordinário conhecido e desprovido. TRT-PR-02827-2006-069-09-00-3-ACO-39249-2008 - 3A. TURMA. Relator: PAULO RICARDO POZZOLO. Publicado no DJPR em 11-11-2008 106 Idem. MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. São Paulo: Atlas, 2003, p. 305. Apud. NOVAIS, Denise Pasello Valente. Op.cit. p. 84. 107 28 Diante da divergência, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, rejeitou em 18.11.2008, incidente de inconstitucionalidade em recurso de revista do artigo 384 da CLT. Por maioria dos votos (14 contra 12) o TST entendeu que a concessão de condições especiais à mulher não fere o princípio da igualdade entre homens e mulheres contido no artigo 5º da Constituição Federal. A questão dividia os julgamentos nas Turmas do Tribunal e na Seção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-I), uma corrente entendendo que a concessão do intervalo não era discriminatória e outras que a consideravam além de discriminatória prejudicial à inserção da mulher no mercado de trabalho.108 O relator, ministro Ives Gandra Martins Filho destacou que “a igualdade jurídica entre homens e mulheres não afasta a natural diferenciação fisiológica e psicológica dos sexos” e que “não escapa ao senso comum a patente diferença de compleição física de homens e mulheres”. Ainda, o relator ressaltou a dupla jornada de trabalho da mulher afirmando que “o peso maior da administração da casa e da educação dos filhos acaba recaindo sobre a mulher” (INN-RR-1540/2005-046-1200.5).109 CONCLUSÃO O presente estudo procurou demonstrar que, embora tenham ocorrido mudanças na participação da mulher no mercado de trabalho, as desigualdades salariais persistem. Se as mulheres ganham aproximadamente 70% da remuneração dos homens, as negras chegam a receber até metade da remuneração das mulheres brancas, revelando os aspectos culturais e sociais que influem na remuneração. A vedação as práticas discriminatórias é abrangida por ampla legislação, tanto internacional quanto nacional, no entanto, observa-se que os estereótipos atribuídos às mulheres continuam orientando e limitando sua inserção laboral. Estas continuam responsáveis pelo afazeres do lar e cuidado dos filhos o que interfere na sua inserção no mercado de trabalho, na escolha das profissões e no tipo de 108 FEIJO, Carmem. Pleno do TST confirma norma da CLT que garante intervalo para mulher. Disponível em: http://www.amatra9.org.br/archives/542. Acesso em 20.set.2009. 109 Idem. 29 emprego ocupado. Continuam concentrando-se no setor terciário da economia, onde estão os empregos de mais baixa remuneração e prestígio. Mesmo quando conseguem quebrar todas as barreiras, alcançando cargos de chefia e liderança, ainda assim, percebem remuneração menor que a dos homens. A discriminação é reflexo da imagem da mulher construída historicamente numa sociedade machista. O desafio é quebrar os paradigmas insculpidos tanto nos homens quanto nas próprias mulheres de que estas podem competir em pé de igualdade em qualquer profissão e não apenas naquelas atividades consideradas tipicamente femininas. Para mudança desta situação desigual, faz-se necessário que a mulher tenha acesso à qualificação profissional, à formação em qualquer profissão além de condições para ascender aos cargos hierarquicamente mais altos. A tutela jurídica, no intuito de protegê-las, embora atualmente em menor escala, muitas vezes torna-se um óbice para a contratação das mulheres, que ao onerarem os empregadores optam pela contratação masculina. Uma efetiva igualdade no trabalho e observância ao princípio da nãodiscriminação não requer apenas a tutela jurídica através das normas e preceitos estabelecidos no ordenamento jurídico, mas também que os operadores do direito estejam aptos para a fiscalização e aplicação destas normas. Falta ao Estado uma atuação mais contundente visando educar, fiscalizar, disciplinar, coibir e punir estas práticas discriminatórias, afim de que o preceito constitucional da igualdade possa se concretizar não apenas no campo normativo, mas faticamente em nosso Estado Democrático de Direito. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BADENES, Hilda. IBGE: número de mulheres chefes de família cresceu 79% em dez anos. Disponível em: http://oglobo.globo.com/pais/mat/2007/09/28/297924968.aps. Acesso em: 20.set.2009 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 4 ed. São Paulo: LTr, 2008. 30 BIZZOTTO, Márcia. Brasil ocupa pior colocação em ranking de diferenças salariais entre os sexos. 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